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EDUCAÇÃO EM METROLOGIA E INSTRUMENTAÇÃO:

DEMANDA QUALIFICADA NO ENSINO DAS EN-


GENHARIAS
Mauricio Nogueira Frota1
Ludwik Finkelstein2

RESUMO
No contexto da recente recomendação do Ministério da Educação do Brasil para inserção do ensino
de metrologia em cursos formais, fundamental e superior, o presente trabalho examina os requisitos de
ferramentas da tecnologia da informação aplicáveis à educação e ao treinamento em áreas relacionadas
às medições e instrumentação. O trabalho baseia-se no resultado de análise das contribuições publicadas
nos Anais do VXII Congresso Mundial de Metrologia, realizado pela International Measurement Confede-
ration (IMEKO), na Croácia, em junho de 2003, em particular na profícua discussão conduzida no âmbito
de uma mesa-redonda sobre o tema, coordenada pelos autores naquele evento. No contexto da análise das
potencialidades e limitações das ferramentas educacionais e do rigor metrológico que deve caracterizar a
disciplina em todos os seus níveis de aplicação, o trabalho considera a natureza da formação profissional
e questiona até que ponto os requisitos dessas ferramentas são afetados pela ampla difusão e aplicação
das tecnologias associadas à medição e instrumentação.
Inserção da metrologia no ensino superior– Em 28 junho de 2004, o Ministério da Educação e o Ins-
tituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) assinaram um proto-
colo de intenções para cooperação técnico-científica que visa incluir, por meio da Secretaria de Educação
Superior (SESu) do MEC, tópicos de metrologia, normalização e qualidade nas diretrizes curriculares de
graduação. Na visão do secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, o MEC deve incenti-
var a inserção da metrologia – ciência que afeta o dia-a-dia do cidadão– não apenas na educação superior,
mas, também, no ensino fundamental.

Palavras-chave: educação, treinamento, metrologia e instrumentação, ferramentas para a tecnologia


da informação.

ABSTRACT
In the context of the recent recommendation of the Brazilian Ministry of Education to include metro-
logy in the curricula of formal fundamental and higher education, this work examines the requirements
for new information technology tools for education and training in measurement and instrumentation,
given the ad¬vances in capability of the related pedagogical tools. The authors based the examination
on the proceedings of the IMEKO XVII World Congress held in Croatia, in June 2003, and particularly,
on the round table discussions on metrology education and training coordinated by the authors during
the same event. A brief discussion of the nature of the subject is given. The nature of formation is consi-
dered. A review of the capabilities and limitations of educational tools is presented. It is argued that the
requirements are affected by the widening global spread of the application of measurement and instru-
mentation technology, the increasing importance of the metrological perspective of the subject, the need
for education and training at all levels and not only at the advanced scientific level, and the importance
of resource limitation.

Key-words: education, training, metrology and instrumentation, information technology tools.

1
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Metrologia para Qualidade e Inovação da PUC-Rio e Vice-Presidente da International Measure-
ment Confederation (IMEKO). mfrota@metrologia.ctc.puc-rio.br
2
Measurement and Instrumentation Centre, School of Engineering and Mathematical Sciences City University, London, ECIV OHB, UK.
l.finkelstein@city.ac.uk

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INTRODUÇÃO sociada, esta entendida como um atributo que le-


gitima o resultado da medição. Embora o conceito
A utilização de novas ferramentas da tecnolo- possa parecer simples já que “incerteza” se define
gia da informação para a educação e o treinamento pela diferença entre o “valor medido” e o “valor ver-
em temas relacionados à medição e instrumenta- dadeiro”, a dificuldade reside no fato de que este
ção constituiu inovação não apenas pelos ganhos de último, via de regra, não é conhecido, permitindo
eficácia da técnica introduzida, mas por alimentar concluir que a incerteza é uma estimativa do erro.
o processo contínuo de desenvolvimento e inserção No caso da medição dos chamados “serviços essen-
de novos produtos e processos em mercados com- ciais” (fornecimento de energia elétrica, gás, água,
petitivos. telefonia etc.), independentemente da magnitude
O processo de inovação, sabidamente, embute dos erros associados ao processo de medição, eles
dois gatilhos conhecidos: a aplicação e absorção dos são sempre cruciais: “erros para mais” lesam inde-
avanços científicos e tecnológicos e a sua correta vidamente o consumidor, que acaba sendo tarifado
adequação às necessidades geradas. São os dois em excesso; “erros para menos” afetam as conces-
drivers essenciais de qualquer processo de inova- sionárias desses serviços básicos, que dependem de
ção (i.e. technology push and requirements pull): o tarifas justas de forma a capitalizar os recursos
primeiro, funcionando à maneira de commodities financeiros necessários à manutenção dos investi-
tecnológicas no mercado virtual das necessidades mentos requeridos para a permanente provisão de
tecnológicas prováveis; o segundo, identificando so- serviços de qualidade para a sociedade. O grande
luções adequadas para problemas e necessidades desafio da metrologia é controlar e minimizar es-
claramente identificados. ses erros. Outros exemplos relacionados ao dia-a-
No presente trabalho os autores exploram a dia das grandes empresas distribuidoras de ener-
demanda por ferramentas tecnológicas de aplica- gia ilustram a relevância econômica associada a
ção na área da educação e treinamento nas ciências pequenas diferenças entre medições de um mesmo
da medição e instrumentação vis-à-vis os avanços evento. Freqüentemente, tais diferenças na medi-
tecnológicos consolidados. Essa problemática, para ção de grandes volumes de gás natural induzem a
cuja equação vem se debruçando o mundo da exper- complexas disputas e controvérsias em processos
tise contemporânea, não pretende ser aqui exauri- de transferência de custódia. No caso brasileiro, em
da ou finalizada, mas apenas discutida a título de que cerca de 50 milhões de m3 de gás natural são
compreensão desse complexo problema de reflexo transportados diariamente pelos sistemas de gaso-
direto no desenvolvimento tecnológico de empresas dutos existentes no país, apenas 1% de diferença
e no avanço social de países e nações. entre o valor do volume de gás que é declarado pelo
Antes de se discutir a natureza da discipli- fornecedor daquele declarado pelos agentes que o
na – fundamentos da ciência das medições – cabe distribuem traduz-se em cerca de USD 28 milhões
destacar não apenas a sua importância técnica e por ano [4]. O impacto é evidente, comprovando
didática, mas, também, o inquestionável impacto que investimentos na melhoria da qualidade (con-
econômico e social que dela decorre. Referenciado fiabilidade metrológica) da medição traz retornos
por todos os metrologistas, o renomado matemático econômicos que os justificam.
e físico britânico William Thompson (cognomina-
do Lord Kelvin, 1824-1907) afirma que “o conhe- A NATUREZA DA DISCIPLINA
cimento amplo e satisfatório sobre um processo
ou fenômeno somente existirá quando for possí- São recentes a preocupação e o interesse no re-
vel expressá-lo através de números”. Entretanto, corte preciso do conceito, natureza, escopo e abran-
uma medição requer mais que um valor numérico gência dos termos relacionados à ciência e à tecno-
para atribuir significado ao seu resultado; faz-se logia da medição e da instrumentação. Igualmente
necessário (i) expressá-lo em unidades de medida é ampla a variedade na compreensão desse domínio
compreensíveis (preferencialmente fazendo uso de do conhecimento. Para ilustrar as dificuldades as-
unidades de um sistema coerente como o SI1); (ii) sociadas à formulação desses conceitos, cabe lem-
associar uma incerteza ao número que materializa brar que a revisão do vocabulário internacional de
o resultado da medição2 e (iii) assegurar confiabili- termos gerais e fundamentais de metrologia4 ini-
dade e aceitabilidade à mesma como evidência do ciada em 1997, no âmbito de um grupo de trabalho
caráter universal requerido por qualquer sistema criado por um pool de organizações internacionais
de medição hoje praticado num mercado global3. (Working Group JCGM-WG2), ainda se encontra
Nesse contexto, o pensamento de Lord Kelvin se em aberto [1]. Esse é um tema que continua mo-
traduz na assertiva de que “não se consegue melho- tivando debates em eventos especializados [5] e,
rar aquilo que não é capaz de ser medido”. Muitos até mesmo, a edição de tratados terminológicos, a
são os exemplos que ilustram a relevância técnica exemplo da atualização da enciclopédia desenvolvi-
da medição, incluindo-se a incerteza que lhe é as- da por um dos autores [6].

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Vocabulário Internacional de Metrologia imprescindível, ainda é de conhecimento e domínio


limitado por técnicos e profissionais que operam o
Evolução dos conceitos de metrologia e medi-
dia-a-dia dos laboratórios secundários e laboratórios
ção no contexto do processo em curso de revisão
de controle de qualidade de empresas. Segundo se
do Vocabulário Internacional de Termos Básicos e
observa, unidades de medida, padrões, calibração,
Gerais de Metrologia (International Vocabulary of confiabilidade metrológica, intercomparação labora-
Basic and General Terms in Metrology, VIM [1]): torial, rastreabilidade, dentre outros conceitos rele-
Segunda edição internacional do VIM, 1993, vantes, embora até mesmo lembrados, nem sempre
amended 1995: são tratados como elementos centrais da disciplina,
• Metrologia5: Ciência da medição. tampouco distintamente considerados.
Os avanços da ciência e da tecnologia reforça-
• Medição: conjunto de operações que têm por ob-
ram os pontos-de-vista acima. Cada vez mais, a ins-
jetivo determinar o valor de uma grandeza.
trumentação e a medição vêm obedecendo a tecnolo-
Terceira edição internacional do VIM, draft gias-padrão de informação e fundamentando-se em
2004 (ainda em discussão no âmbito do Working ciências básicas, enquanto os tradicionais padrões
Group JCGM-WG2): de medida materializados em artefatos antropomór-
• Metrologia: Campo do conhecimento relaciona- ficos são substituídos por padrões quânticos “reali-
do com a medição. (field of knowledge concerned záveis” em laboratórios especializados. A tecnologia
with measurement). dos sensores cada vez mais se assemelha aos ele-
Nota: Metrologia inclui todos os aspectos teóricos e mentos hardware da computação. Técnicas inova-
práticos relacionados à medição, qualquer que seja a doras, tais como a fusão e integração de sensores,
também já se fundamentam nas ciências e tecnolo-
incerteza da medição e o campo de sua aplicação.
gias da computação. Os avanços nessa área apon-
• Medição: Processo Segundo o qual, experimen- tam para uma mudança de enfoque do problema, já
talmente, se obtém informação sobre a magni- agora compreendendo a ciência e as tecnologias da
tude de uma quantidade. medição e da instrumentação, percebidas como sub-
Notas: 1. Medição naturalmente implica em um disciplinas específicas das ciências dos sistemas e da
procedimento de medição, baseado num mode- informação. Este novo enfoque parece promissor do
lo teórico. 2. Na prática, medição pressupõe um ponto de vista técnico, especialmente na concepção
sistema calibrado de medição, passível de ser de sistemas de medição e na sua utilização para de-
subsequentemente verificada. senvolvimento de instrumentos e sistemas integra-
De maneira geral, são dois os ângulos sob os dos e/ou automatizados de medição e controle.
quais se entende esta disciplina: o primeiro abran- Entretanto, tais progressos enfatizaram, de
ge os sistemas e a informação disponível sobre esse maneira surpreendente, a importância da metro-
domínio específico, sendo denominado “ciência e logia (antes simplesmente vista como relacionada
tecnologia da medição e da instrumentação”; o se- com padrões, calibração e controle de medida), cuja
gundo se denomina “metrologia propriamente dita”. causa pode ser encontrada em dois fatores. O pri-
O fundamento central associado à primeira visão meiro refere-se à necessidade primordial de as in-
está no entendimento da medição como processo de dústrias manterem um padrão de qualidade confiá-
informação, ao passo que os instrumentos de me- vel (controle da qualidade), cuja garantia de rigor
dição são percebidos como “máquinas de informa- (racionalização, controle da produção e gestão de
ção”. Dessa perspectiva, a matéria é compreendida exeqüibilidade técnica) é assegurada pela metrolo-
como intimamente correlacionada com as ciências gia. O segundo leva em conta que, enquanto todos
dos sistemas e da informação, com elas partilhando os países requerem uma base metrológica sólida,
apenas um número limitado desses empreendeu,
a utilização de modelos matemáticos de sistemas
de fato, esforço considerável na consolidação de
físicos, a aplicação dos conceitos e dos métodos de
uma sólida infra-estrutura de metrologia. A exis-
representação e o processamento de sinais. Idênti-
tência de uma infra-estrutura nacional de serviços
ca abordagem observa-se na formulação e desen-
básicos e essenciais de metrologia – requerendo
volvimento de projeto de sistemas especializados
expressivos investimentos governamentais – não
de medição. Citam-se como dificuldades inerentes
apenas constitui pré-requisito à eficácia de qual-
(i) os sensores, entendidos como elementos de um
quer sistema nacional de normalização e de ava-
instrumento de medição ou de uma cadeia de medi-
liação da conformidade, portanto indispensável ao
ção que são diretamente afetados pelo mensurando
desenvolvimento da qualidade e da competitivida-
e (ii) a interface entre os sensores e o sistema lógico de, mas, deve, essencialmente, ser percebido como
de medição, esta objeto de preocupação específica. pré-condição à inovação tecnológica.
Outra fonte de constante dificuldade refere-se à Já que a acepção do termo “metrologia” como
análise de erros e a expressão das incertezas associa-
ciência, tecnologia (e arte) das medições é de domí-
das ao processo de medição, cuja aplicação, embora
nio e aceitação comuns, por analogia, a inserção da
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disciplina nos currículos formais deveria ser tam- cada vez mais rápido e cambiante no que concer-
bém assim entendida. ne às demandas técnico-profissionais. Para tanto,
Em sintonia com esses dois pontos de vista, di- é necessária a compreensão de que nas sociedades
ferentes formulações devem ser compreendidas e modernas a função sine qua non de toda educação e
aplicadas para viabilizar a formação e o treinamen- treinamento deve ser a pavimentação para o apren-
to nessas áreas interdisciplinares do conhecimento dizado avançado, de ponta.
relacionadas à medição e à instrumentação. Medição é conceito-chave e ferramenta viabili-
zadora do conhecimento, de aplicação importante
no mundo das relações comerciais, econômicas e
FORMAÇÃO sociais; considerado fundamental para a ampliação
dos horizontes da ciências naturais e tecnológicas e
As discussões sobre educação e aperfeiçoamen- central mesmo em todas as formas de conhecimen-
to em temas relacionados à medição e instrumen- to, basicamente. A habilidade de medir e aplicar
tação nas sociedades letradas, que, via de regra, se as noções de medida, de compreender as incertezas
restringem à formação acadêmica de profissionais, associadas aos processos de medição deveria inte-
engenheiros e cientistas, têm visto seu impacto no grar os currículos não apenas da educação supe-
desenvolvimento das sociedades diminuído por es- rior, mas, principalmente, das escolas fundamen-
treitarem o potencial imenso de seus efeitos sobre tais e médias, quer pelo aprendizado dos conceitos,
a formação universal do homem. De uma maneira quer pelo apelo de desenvolvimento da cidadania,
geral, compreendem a educação formal propria- que é inerente à prática “do peso certo e da medida
mente dita o treinamento e o desenvolvimento con- justa”. A educação não pode prescindir da compre-
tinuado por meio de cursos e similares. Compos- ensão de princípios das ciências naturais e da me-
ta de elementos formais e informais, discutem-se, todologia científica, fundamental em todos os seus
aqui, apenas a educação e o treinamento regulares, níveis, tampouco da aplicação prática dos princí-
ficando os informais para outra oportunidade. pios de medição. Por exemplo, o processamento e
Os componentes da formação podem ser assim a interpretação de resultados de medição, em par-
compreendidos: a educação consolida conhecimento, ticular a avaliação e expressão das incertezas que
raciocínio e habilidades intelectuais. O treinamento lhe são associadas, devem integrar o ensino da ma-
diz respeito ao desenvolvimento de habilidades prá- temática em todos os níveis de ensino, notadamen-
ticas. Já o desenvolvimento continuado consiste no te a matemática das variáveis aleatórias. Do pon-
permanente processo de acesso e absorção de conhe- to de vista da eficácia didática, conceitos básicos
cimento e aperfeiçoamento de habilidades ao longo da relacionados a valores significativos e à incerteza
vida, do alargamento do raciocínio em face do proces- da medição deveriam ser introduzidos já no ensino
so contínuo de desenvolvimento das sociedades, das fundamental, pela via de experimentos simples de
ciências e dos avanços tecnológicos, bem como do am- medição do comprimento, do volume etc., realiza-
plo e complexo espectro de demandas profissionais. dos em laboratórios e até mesmo em salas de aula.
A educação e o treinamento relacionados à tec- Já estudantes secundários deveriam aprender fun-
nologia e à ciência das medições e da instrumentação damentos da estatística, o suficiente para formular
limitaram-se ao desenvolvimento de profissionais alguns problemas relativos à incerteza. Igualmen-
(técnicos) e sua especialização profissional para o te, os conceitos de medição e de incerteza deveriam
mercado de trabalho, não importando quão estreita integrar os estudos sociais e, de certa forma, até
pudesse ter sido considerada esta visão educacional. mesmo as ciências humanas, que lidam com variá-
Habilidade em medir e aplicar apropriadamente os veis com elevado grau de relatividade e subjetivi-
princípios de medição deve ser vista como capacida- dade,6 funções humanas nem sempre tangíveis e
de inerente a todas as pessoas [7], indistintamente, mensuráveis com base em técnicas convencionais.
de forma a poderem funcionar positivamente na so- Para se discutir o treinamento e a formação pro-
ciedade moderna. Também importante é enfatizar fissional técnica em metrologia e instrumentação
que a formação, para além do adestramento de mão faz-se necessário entender a distinção entre as dife-
de obra profissionalizada, deve, assim, contemplar rentes modalidades de competência existentes nesse
a preservação da sociabilidade para que o indivíduo domínio do conhecimento. Dentre essas citam-se ar-
possa, mantendo a sua individualidade, bem se de- tesãos, técnicos, engenheiros e pesquisadores. Em-
sempenhar tanto em sociedade quanto no reduto bora esta nomenclatura varie de país para país, é
privado da sua vida pessoal e familiar. Do ponto de universal o entendimento acerca dos distintos níveis
vista do desenvolvimento profissional, é importan- de competência: do artesão espera-se competência
te o desenvolvimento da formação prospectiva, no no trabalho prático e nas habilidades manuais; dos
sentido de não apenas visar ao desenvolvimento das técnicos, o alinhamento das habilidades do artesão
habilidades imediatas e conseqüente atendimen- com a compreensão dos fundamentos básicos do seu
to pontual de determinada demanda por emprego. ofício; de engenheiros, aspira-se que dominem a ciên-
Esse desenvolvimento deve dotar o profissional de cia e a prática de área e especialidade de sua atua-
multi-habilidades que lhe facultem uma participa- ção específica, que possuam capacidade resolutiva
ção efetiva no processo de desenvolvimento social, de problemas práticos de magnitude e complexida-
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de e sejam capazes de inovar; de engenheiros com dades pedagógicas verificadas em práticas interna-
formação avançada em ciências, a capacidade de cionais e inerentes à formação do engenheiro, o autor
inovação em área de atuação específica do conheci- ressalta a importância do estágio em empresas e em
mento, bem como a disposição em aceitar os desafios laboratórios de pesquisa, incluindo trabalhos de ini-
impostos pelo surgimento de complexas e novas pro- ciação científica e tecnológica para os quais o domínio
blemáticas. Todos devem ser formados para possuir de conceitos de medições torna-se imperativo. Nesse
liderança técnica. Já aos pesquisadores e cientistas contexto, a introdução dos conceitos de medição e
compete, essencialmente, avançar o conhecimento, instrumentação deve ser percebida como “atividade
cabendo aqui lembrar a conhecida citação de con- transversal”, complementando disciplinas e projetos
teúdo metrológico de F. K. Richtmyer de que “[...] que fazem parte fundamental de formação específi-
muitas descobertas importantes foram feitas inves- ca (e.g. engenharia). Segundo a estrutura proposta
tigando-se a próxima casa decimal [...]”. E é nesse por Silveira, um projeto multidisciplinar, ou uma
contexto que a metrologia científica contribuiu e ga- atividade que se desenvolve junto a uma empresa,
nhou notoriedade ao criar um laboratório mundial “conforma uma atividade transversal” se se inserir
de metrologia (Bureau International des Poids et adequadamente nas estruturas diversificadas dos
Measures, BIPM), esse criado com o Tratado Diplo- vários cursos de engenharia existentes. Essa obser-
mático do Metro em 1875, com a nobre missão de vação torna-se mais relevante principalmente quan-
desenvolver a metrologia de mais alta exatidão, rea- do a preocupação é “evitar a explosão do número de
lizar, manter e disseminar as unidades do Sistema disciplinas” como opção natural e simplista cada vez
Internacional de Unidades; atuar como guardião dos que novos conceitos e matérias são introduzidos em
padrões internacionais de medida; conceber e desen- currículos regulares. A flexibilidade curricular im-
volver novos padrões e novas técnicas de medição. E, plica grande complexidade, requer gerenciamento
mais recentemente, planejar e supervisionar o com- dos cursos e, notadamente, de “um sistema eficaz de
plexo processo de comparações-chave entre padrões orientação personalizada, além do manejo cuidadoso
de referência de institutos nacionais de metrologia das cadeias de pré-requisitos”. Igualmente relevantes
a fim de coordenar o complexo e oneroso processo são a construção e a implementação de um currículo
de uniformização e universalização dos sistemas de que faça a síntese dialética das diferentes demandas
medição imprescindíveis à manutenção do comér- que são próprias do universo de profissionais que
cio internacional. Dessa iniciativa já amadurecida buscam uma formação ou capacitação profissional
no curso de 130 anos de experiência, a metrologia e das que emanam de diferentes instâncias sociais,
ganhou notoriedade. Evoluiu das medidas materia- inclusive do mercado de trabalho, lócus de demandas
lizadas por artefatos antropomórficos para a metro- qualificadas por medições e instrumentação tendo em
logia quântica e, em sua trajetória sem fronteiras, vista a busca contínua pela melhoria da qualidade
adentrou-se pela escala nano da biotecnologia, va- de produtos e ganhos de competitividade e produtivi-
lidou a aplicação de nanossensores em estudos de dade. No que denomina “ponto de vista do mercado
purificação e síntese limpa de novos fármacos, abriu de trabalho”, Silveira, ainda que inconscientemente
espaço para a metrologia computacional e padrões imbuído da importância da introdução de conceitos
biológicos, viabilizando, inclusive, a comparação in- de metrologia, da instrumentação e da normalização
terlaboratorial de padrões virtuais via internet. como pré-requisito à formação do engenheiro inova-
A capacitação em medição é fundamental para a dor (não explicitados em sua recente obra), defende
educação e treinamento de pessoal em todos os níveis (p. 83, [8]) que “os perfis atuais assim formados refle-
técnicos e científicos e deve ser adquirida por todos os tem, por construção, a visão hegemônica do mundo
cientistas naturais e engenheiros, o que, geralmente, na sociedade pós-industrial, centrada na primazia
é feito em cursos experimentais e em laboratório. Dos do mercado, nos valores econômicos e nos interes-
engenheiros de todas as especialidades se requer um ses dos grandes grupos industriais”. Nesse contexto,
grau superior de conhecimento em medição e instru- “as palavras-chave são: competitividade, consumo,
mentação, que pode ser denominado “ancilar”, em um desregulamentação, flexibilização, globalização, in-
sem-número de qualificações, principalmente na área certezas, mercado, novas tecnologias, produtivida-
de engenharia de controle; daqueles que se envolvem de, terceirização (...)”. Está aqui, talvez, o link que
em projetos de instrumentação o mais alto nível de justifica a inserção da metrologia e demais funções
competência é exigido. Não obstante, é importante correlatas da tecnologia industrial (normalização,
registrar que todos os níveis e tipos de competência
avaliação da conformidade, propriedade intelectual
são igualmente importantes e precisam ser levados
e tecnologias de gestão) na formação desse novo en-
em consideração durante todo processo de desenvol-
genheiro inovador.
vimento de ferramentas de suporte para o ensino da
disciplina em questão. Adicione-se que a inserção mais explícita des-
A visão de Silveira [8] sobre a estruturação do sas funções da tecnologia industrial nos cursos
currículo para a formação do engenheiro inovador regulares justifica-se também pelo papel que de-
pressupõe a definição do perfil de formação, uma lis- sempenha na construção da cidadania [9] e na qua-
ta de valores, competências e atitudes, além de uma lificação para o trabalho, como, de resto, prescreve
metodologia pedagógica. Dentre as inúmeras ativi- a Constituição brasileira: “A Educação, direito de

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todos e dever do Estado e da família, será promo- tecnologia de sensores – elementos de um instru-
vida e incentivada com a colaboração da sociedade, mento ou de uma cadeia de medição cujos valores
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu percebidos são decodificados para a compreensão
preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi- humana –, seus princípios básicos e o processa-
cação para o trabalho” (art. 5). mento da informação devem merecer tratamento
Apresentações documentadas nos Proceedings diferenciado já que refletem problemas específicos
do IMEKO XVII World Congress (Croatia, 2003) e de medição. Todos esses fundamentos correlatos
debates conduzidos na mesa-redonda realizada no devem fazer parte do currículo básico da discipli-
âmbito do mesmo evento sobre educação em metro- na ou estratégia que visa introduzir conceitos de
logia [5] indicam um crescente interesse e entusias- medição e instrumentação em cursos formais. A
mo pelos diferentes aspectos relacionados à edu- visão metrológica deve atender aos usuários dos
cação em metrologia aqui abordados. Uma análise sistemas de medição e deve, obrigatoriamente, re-
mais cuidadosa dos trabalhos já anunciados para a fletir um conceito global que reflete funções inter-
próxima edição do congresso mundial de metrologia7 dependentes da tecnologia industrial. Experiência
certamente haverá de reforçar essa tendência. com normas e padrões, rastreabilidade, compara-
bilidade de sistemas de medição, disseminação de
unidades, e o domínio do tratamento e da propaga-
NATUREZA DO CURRÍCULO
ção das incertezas associadas ao processo de me-
Tradicionalmente, é comum pensar a medição dição constituem aspectos essenciais da disciplina
e a instrumentação como manuais de instrução, que devem ser incorporados no processo de forma-
mais especificamente, como aqueles diretamente ção. Fundamentos da propriedade industrial e das
relacionados à aplicação prática a partir do que os tecnologias de gestão, por sua vez, enriquecem a
princípios gerais acabam sendo internalizados por disciplina. O desenvolvimento das ferramentas de
indução pura. Esse enfoque é comum e tem mérito educação e treinamento deve estar adequado ao en-
próprio pelo papel que desempenhou no curso do foque do currículo proposto.
desenvolvimento dessa matéria. A construção do Muitas são as experiências concretas relacio-
conhecimento que se faz do particular para o ge- nadas ao ensino da metrologia em cursos de enge-
ral goza de prestígio educacional maior do que o nharia, dentre as quais, a título de exemplo, e sem
seu inverso: deduzir o conhecimento partindo de a ousadia de exaurir o tema, alguns exemplos elu-
princípios gerais para se chegar a métodos e equi- cidativos são mencionados a seguir.
pamentos específicos. No entanto, desponta, ape-
nas recentemente, a noção, não de concordância Ensino da medição e instrumentação no
universal, é bom que se registre, de que medição e Reino Unido
instrumentação compõem uma ciência sistemática
dotada de um quadro geral de princípios e concei- É importante lembrar que o Reino Unido é lí-
tos. Currículos da disciplina foram elaborados des- der mundial na produção de instrumentos. Medição
de esse ponto de vista [7, 10]. e instrumentação classificam-se dentre as tecnolo-
De maneira geral, o enfoque do ensino sistemá- gias viabilizadoras-chave (key enabling technology)
tico de princípios parece particularmente apropriado da indústria britânica, com impacto direto na in-
para a maioria dos níveis avançados de educação e fra-estrutura de serviços, saúde, defesa e de todos
especialização. O mesmo não ocorre, entretanto, no os aspectos operacionais do país.
processo de formação em níveis inferiores e na expe- Desenvolvido ao longo dos últimos cinqüenta
riência de treinamento de métodos específicos e equi- anos, o país conta com um extenso e diversificado
pamentos, embora a ênfase nos princípios gerais deva sistema de educação e treinamento em temas rela-
perpassar tanto o treinamento especializado quanto cionados à medição e à instrumentação. Embora no
a educação fundamental de forma a consolidá-los de- contexto deste trabalho apenas algumas dificulda-
finitivamente na formação geral do indivíduo. des e desenvolvimentos específicos sejam descritos,
A ciência das medições e a perspectiva tecnoló- uma avaliação analítica mais global sobre a forma-
gica da disciplina atendem às expectativas de quem ção de cientistas e engenheiros na chamada ciência
deseje aprimorar-se em concepção, projeto e desen- e tecnologia da medição e instrumentação é discu-
volvimento de sistemas de medição. A exigência tida em outro trabalho [6].
didática deve incluir experiência pedagógica pré- No que concerne à medição e à instrumenta-
via em concepção e desenvolvimento de sistemas ção como disciplina, cada vez mais medição e ins-
de medição. Na organização desta disciplina existe trumentação são vistas como elementos-chave do
ampla concordância com conceitos fundamentais corpus de uma disciplina sistemática dotada de
da tecnologia da informação, ordinariamente mi- conceitos e princípios gerais transferíveis a outras
nistrados em cursos diferentes daqueles de instru- ciências. Embora esta possa refletir uma visão in-
mentação e de medição. No entanto, o ensino da tegrada, de forma alguma é de aceitação universal,

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até mesmo pelo fato de os fundamentos da medi- contram-se adequadamente caracterizados.


ção e da instrumentação ainda continuarem sendo A ciência e a tecnologia da medição e instrumen-
ensinados (inclusive no Reino Unido) como temas tação ainda não constituem área-fim nesses desen-
derivados de outros e/ou sob a forma de um ma- volvimentos, que refletem novos avanços em fran-
nual de técnicas. Uma visão mais detalhada sobre co desenvolvimento. Acredita-se, entretanto, que
esse assunto encontra-se disponível [10, 11]. Em a crescente tendência por cursos de pós-graduação
geral, no Reino Unido, medição e instrumentação nessas áreas e o aumento da demanda por profissio-
são ensinados como tópicos integrados, fortemente nais com conhecimentos da ciência e tecnologia das
relacionados a eletrônica e controle. Metrologia, no medições e instrumentação afetarão de forma ex-
contexto de um sistema de padrões e calibração, de pressiva o ensino dessa disciplina no Reino Unido.
modo geral, não é ensinada, exceto em cursos de No que concerne à Declaração de Bologna (Bo-
tecnologia da manufatura. logna Declaration), as universidades britânicas con-
Especificamente no que diz respeito à formação tinuam experimentando um forte impacto, notada-
do engenheiro no Reino Unido, cabe lembrar que esta mente nos cursos de pós-graduação, que usualmente
se subdivide em diferentes aspectos: educação e ini- são de um ano de duração após o curso de três anos
ciação em desenvolvimento profissional. Educação é no nível da qualificação honours, cursos esses de
de responsabilidade de universidades, ao passo que duração inadequada segundo os critérios da Decla-
iniciação em desenvolvimento profissional é conduzi- ração de Bologna. Segundo a perspectiva britânica,
da pela via do treinamento em empresas e aprendiza- acredita-se que o nível de qualificação deveria ser
do prático supervisado. A profissão é regulamentada julgado pelo grau de aproveitamento, não pelo tem-
pelo Conselho de Engenharia, a quem cabe licenciar po de duração do curso. Na visão de especialistas, o
entidades profissionais de classe que concedem títu- problema do impacto da Declaração de Bologna [13]
los de engenharia com base em exame de qualificação na educação britânica não tem merecido a adequada
que avalia competência técnica e comprometimento atenção pelas partes envolvidas.
[12]. Muito próprio do sistema inglês, foi graças ao Finalmente, no que concerne à metrologia,
processo continuado de avaliação e monitoramento do preservada a conotação própria do termo, a impor-
processo de formação do engenheiro britânico que foi tância prática de padrões e calibração tem mere-
possível fortalecer a base educacional requerida para cido crescente atenção no Reino Unido. Embora o
homologar o mais alto nível da profissão, o Chartered ensino da metrologia no ensino superior ainda não
Engineer. Como conseqüência, tópicos relacionados à esteja amplamente difundido, as demandas e pro-
medição e instrumentação também passaram a ser visões para a sua inclusão como parte do currículo
ministrados em níveis mais avançados, inclusive em formal de educação continuada em todos os níveis
nível de mestrado. de formação acadêmica vem ganhando expressão
Um dos problemas, entretanto, relacionados à no Reino Unido. Igualmente relevante é o fato de
formação de engenheiros e cientistas no Reino Uni- que a ciência e a tecnologia associadas à medição
do refere-se ao desequilíbrio entre o crescimento e a e à instrumentação cada vez mais vêm sendo con-
diversificação dos cursos de educação superior nes- sideradas como importante área da chamada UK
sas áreas e o decréscimo do número de candidatos, science base e, também, o fato de que um expressi-
induzindo a uma oferta maior que a demanda e em vo número de centros classe-mundial de pesquisa
número inferior às necessidades nacionais. Esse de- e desenvolvimento reconhece não apenas a impor-
sequilíbrio entre uma oferta maior que a demanda tância do tema no Reino Unido, mas também o seu
(também observável nos últimos anos no Brasil) tem papel estratégico no desenvolvimento da competiti-
sido apontada como indesejável fator que compro- vidade e na defesa do consumidor.
mete a manutenção de um padrão de qualidade na
formação superior em muitas instituições de ensino A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA
em engenharia e outras ciências no Reino Unido. EDUCAÇÃO EM METROLOGIA
A qualidade da educação superior no Reino Uni-
do é controlada pela Agência de Garantia da Quali- A história da educação vocacional em metrolo-
dade da Educação Superior (The Quality Assurance gia, não apenas no Brasil, mas também em outros
Agency for Higher Education), criada em 1997 com países mais industrializados, evidencia um período
esse propósito específico e financiada pelos forma- de maturação bem mais recente do que aquele do
dores e financiadores da educação superior [12]. Em ensino fundamental e superior. Recente em nos-
2001 foi introduzido um sistema nacional para qua- sa história foi apenas na década de 30, com o go-
lificação da educação superior. Em ordem crescente, verno provisório de Vargas, quando pela primeira
são as seguintes as cinco qualificações superiores hoje vez, a denominação “educação” passou a compor o
em prática na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do nome de um ministério (Ministério dos Negócios da
Norte: Certificate, Intermediate, Honours, Masters Educação e Saúde Pública). Na conquista de sua
and Doctoral levels, cujos escopos e competências en- expressão, em 1937, já em seu governo definitivo,

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surgiu o novo “Ministério da Educação e da Saúde”, de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que implantou
dessa vez merecendo a educação superior destaque o então denominado Projeto Criptônio. O projeto ca-
nessa hierarquia com a denominação de “Divisão de pacitou duas turmas de profissionais em anos segui-
Ensino Superior”. Em 1953, finalmente, o binômio dos (1975-76), os quais, na sua maioria hoje (2006)
saúde-educação foi dissociado, passando a existir, em processo de aposentadoria, completaram o que
na estrutura do governo brasileiro, o “Ministério da se poderia denominar de “primeiro ciclo” da forma-
Educação e Cultura”. Mas foi somente em 1985 que ção vocacional em metrologia no Brasil. Um esforço
surgiu o “Ministério da Educação” (MEC). que permitiu à metrologia brasileira lograr reconhe-
A pós-graduação no Brasil surgiu apenas na se- cimento internacional e prestar imensurável contri-
gunda metade do século passado em resposta a uma buição ao desenvolvimento da indústria nacional,
intervenção do Estado, que percebeu que a tecnolo- comprovando a tese de que metrologia –hoje bem
gia nacional não apresentava os avanços compatí- entendida como parte da infra-estrutura nacional
veis ao desejado ritmo de desenvolvimento técnico- para a qualidade e competitividade de qualquer
econômico. No contexto de uma ação programada, país que objetive transacionar em mercados globais
imprimiu ações governamentais que levaram à in- –, de fato, constitui investimento que produz retorno
dução da formação de pessoal e ao desenvolvimento econômico e bem-estar social. Outras iniciativas vol-
científico e tecnológico no Brasil. Como referência, tadas à capacitação de RH em áreas da competitivi-
os dois primeiros programas de pós-graduação no dade não foram caracterizadas aqui por limitação de
Brasil – o de Engenharia Química, vinculado à Divi- espaço, mas igualmente tiveram sucesso [14].
são de Engenharia Química do Instituto de Química Mas foi com o processo de abertura econômica
da então Universidade do Brasil, e o de Engenharia e do resultado do apoio específico de ações gover-
Mecânica, da então Escola Politécnica da Pontifícia namentais (PADCT9, Programa RH-Metrologia,
Universidade do Rio de Janeiro – caracterizaram, Programa Brasileiro de Qualidade e Produtivida-
na década de 60, a gênesis da pós-graduação bra- de [PBQP], Projeto Brasil Classe Mundial e, mais
sileira. Daí em diante, alterou-se, de forma surpre- recentemente, com o apoio dos Fundos Setoriais
endente, o ritmo de evolução da pós-graduação no gerenciados pelo Ministério da Ciência e Tecnolo-
Brasil. No que concerne ao ensino vocacional em gia) que o desenvolvimento de RH em metrologia se
metrologia no Brasil, sua evolução contrasta com a consolidou. Definitivamente, metrologia passou a
surpreendente evolução da pós-graduação no Bra- ser percebida como tecnologia-chave viabilizadora
sil8. A educação em metrologia não vivenciou um do desenvolvimento industrial e estratégico instru-
processo de planejamento estruturado. Ao contrá- mento de remoção de barreiras técnica e de ava-
rio, surgiu da indução localizada de algumas ações liação da conformidade. No contexto do PADCT fo-
governamentais atreladas a processos igualmente ram estimuladas a capacitação e a formação de RH
localizados de fortalecimento da infra-estrutura la- em MNQ (metrologia, normalização e qualidade) a
boratorial brasileira a serviço de metas específicas partir de programas específicos bem-sucedidos: do
para o desenvolvimento científico e tecnológico do Programa de Especialização em Gestão da Quali-
país. Entretanto, mesmo não se podendo, à época, dade (PEGQ), Programa de Capacitação de Recur-
perceber com clareza as inusitadas oportunidades sos Humanos em Atividades Estratégicas (RHAE)
que haveriam de descortinar, dentre as quais a im- e do Programa RH-Metrologia, que, definitivamen-
prescindível inserção internacional da competência te, inseriu temas de metrologia em cursos existen-
brasileira em metrologia, há de se reconhecer que o tes, criou cursos técnicos de metrologia e induziu
projeto de implantação do campus avançado do La- a pós-graduação em metrologia no Brasil com a
boratório Nacional de Metrologia do INMETRO, na criação de dois programas de pós-graduação stricto
década de 1970, em Xerém, RJ, foi suficientemente sensu em metrologia (PósMQI/PUC-Rio e PósMCI/
ousado para a época. Desse movimento nasceu, em UFSC), estruturados a partir da multidisciplinari-
1975, a primeira iniciativa para formação de RH em dade existentes nos programas de engenharia, fí-
metrologia, objetivando capacitar profissionais que sica e química dessas universidades, e cujo esforço
assumiriam as lideranças dos diversos laboratórios já produziu um número superior a 150 mestres em
primários que integravam o Laboratório Nacional metrologia, hoje, na sua quase totalidade, ocupan-
de Metrologia. Determinante foi o acordo então for- do posições-chave no cenário da competitividade
malizado com o conceituado Physicalisch-Technis- nacional. Por fim, a metrologia parece ter sido en-
che Bundesanstalt (PTB), que ofereceu a tradição e tendida como substrato indispensável ao fortaleci-
competência do Instituto Nacional de Metrologia da mento do Programa Especial de Exportações (PEE)
Alemanha para especializar esses profissionais em do governo federal, que adotou como meta dobrar
temas avançados da metrologia. Para prepará-los as exportações brasileiras no horizonte 1998-2005.
para tal desafio, antecedendo à sua capacitação téc- Ao longo dessa primeira década de pós-gradua-
nica, foi firmado um convênio com a Coordenação de ção em metrologia no Brasil (1996-2006), a experiên-
Pesquisa e Pós-Graduação (COPPE) da Universida- cia tem mostrado que a construção de um currículo

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ideal para o ensino da metrologia não constitui cial e crescente da informação como bem estratégi-
exercício trivial. O currículo destina-se não apenas co das empresas leva naturalmente à necessidade
à formação de um profissional competente nessas da definição do conceito qualidade da informação,
funções básicas da tecnologia industrial que seja que abrange também uma noção mais específica de
capaz de suprir as demandas técnicas relacionadas quantidade de informação (conforme definido na re-
à ciência e à tecnologia das medições. Deseja-se, so- volucionária teoria de Shannon) e sua divulgação.
bretudo, formar um profissional-cidadão dotado de Shannon’s Theory – Ao término da década de
cultura metrológica e sensibilidade para perceber 40, Claude Shannon (1916-2001), um conceituado
o seu papel na sociedade, a importância das medi- matemático da Bell Telephone Laboratories (tam-
ções não apenas para promover a competitividade, bém diplomado em engenharia elétrica), propôs
controlar as funções humanas, monitorar a quali- uma nova teoria matemática Shannon’s Theory –
dade da água que é bebida e do ar que é respirado, também conhecida por “teoria da comunicação“ –, a
bem como de outras nobres aplicações da metrolo- qual estabeleceu a primeira plataforma sistemática
gia relacionadas ao controle do meio ambiente e à que permitiu otimizar e maximizar a quantidade de
melhoria da qualidade de vida. informação transmitida para um certo grau mínimo
Em nível do ensino de graduação de engenharia, de distorção. Inovou ao introduzir uma abstração
ainda não de forma explícita, conceitos e fundamen- simples sobre a comunicação humana que denomi-
tos da metrologia sempre fizeram parte de disciplinas nou de “Shannon’s communication channel”, consis-
de Elementos de Máquina e de Tecnologia Mecâni- tindo de uma fonte de informação (sender), um meio
ca. O ensino da metrologia como disciplina estanque de transmissão (dotado de ruído e distorção) e um
de caráter obrigatório, incluindo prática laboratorial receptor, cujo objetivo é reconstruir a mensagem
hands on, é bem mais recente, mas ainda constitui emitida pela fonte. Mostrou que a quantidade de
iniciativas isoladas de algumas poucas universidades informação é uma “medida de surpresa”, diretamen-
(e.g. Engenharia Mecânica da PUC-Rio). Disciplinas te relacionada à probabilidade de sucesso de uma
denominadas “Medidas Elétricas” são igualmente en- dentre várias mensagens que se deseja transmitir.
sinadas, mas não necessariamente com o foco metro- Como desdobramento de seu próprio trabalho, adap-
lógico, portanto sem fazer referência à “realização e tou sua teoria para analisar linguagens escritas e
disseminação” das unidades do SI e à expressão das mostrou que, via de regra, essas linguagens são
incertezas que lhe são associadas. intrinsecamente redundantes, fazendo uso de um
Similarmente ao que ocorre no Brasil, em Por- número superior ao necessário de símbolos e pala-
tugal, no Instituto Superior Técnico de Lisboa e vras para transmitir um determinado pensamento.
em outras instituições portuguesas que adotaram Esse trabalho constituiu-se na base para trabalhos
modelo semelhante, a disciplina “Instrumentação futuros que permitiram, ao termino da década de
e Medição” integra o currículo das disciplinas obri- 50, modelar fontes de informação como processos
gatórias da engenharia elétrica há mais de quaren- caóticos determinísticos e utilizar a chamada “taxa
ta anos,10 no contexto de ampla ementa que inclui de entropia de Shannon” para mensurar o grau de
sistemas nacionais, regionais e internacionais de randomicidade de sistemas caóticos. A Shannon é
metrologia, conceitos de padrões de medição de atribuída a primeira tentativa de “ensinar uma má-
grandezas não elétricas, temas básicos e avançados quina a aprender”, considerado o primeiro experi-
relacionados a sensores, transdutores e atenuado- mento em inteligência artificial. Ainda hoje a teoria
res, integração e automação da medição. É uma de Shannon tem contribuído para a eficácia dos mé-
experiência isolada que, certamente, não reflete todos de transmissão de conhecimento.
uma formulação sistemática do ensino da metrolo- Algumas disciplinas podem colaborar para
gia nos cursos regulares de engenharia. esse objetivo, em particular a semiótica, a ciência
da computação e a ciência das medições. Enquanto
UMA VISÃO INOVADORA: O ENSINO a semiótica oferece um quadro geral para conceitu-
DE FUNDAMENTOS DA MEDIÇÃO ar o processamento da informação (sua geração, co-
NA ITÁLIA municação, organização, apresentação) e a ciência
da computação lida com elementos técnicos afins. A
Com o propósito de referenciar uma experiência ciência das medições visa caracterizar as operações
curricular inovadora, cita-se a inclusão da disciplina de aquisição da informação e da expressão (i.e., as
“Foundations of Measurement” no Departamento de avaliações) do ponto de vista de duas variáveis:
Engenharia e Gestão Industrial da Università Cat- objetividade e intersubjetividade. Desnecessário
taneo, Itália,11 experiência que suscita a indagação dizer que a qualidade da informação, do ponto de
sobre a possibilidade de esta ciência das medições vista da universalidade expressiva, depende des-
também partilhar currículos não-técnicos. Cerca de sas duas variáveis, além, evidentemente, daquelas
15 anos de experiência no ensino da disciplina leva- relacionadas com o contexto, com a disponibilidade
ram à constatação de que, de fato, o peso substan- e com a coerência textual.

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No caso de medições físicas, a objetividade e cação na Comunidade Européia e que ameaçavam


intersubjetividade restringem-se basicamente às a redução da carga horária, podendo colocar em ris-
características estruturais das ferramentas físicas co, via redução ou racionalização, a carga horária
e dos procedimentos adotados para determinado em tópicos relacionados à ciência das medições.
sistema de medição, ao passo que, em avaliações A Declaração de Bolonha é um documento
gerais, o fator humano mostra-se bem mais impor- produzido pela Confederação Européia das Confe-
tante. Não obstante, algumas questões próprias das rências de Reitores e pela Associação Européia de
chamadas hard sciences e da tecnologia guardarem Universidades (CRE). Entendido como documento-
correlação com esse aspecto humano da questão; chave que visa ao desenvolvimento do ensino supe-
e.g.: Seria possível observar-se uma estrutura empí- rior europeu, reflete um acordo de 29 países para a
rica qualquer e conservá-la durante todo o processo reforma das estruturas dos seus sistemas educati-
de avaliação? Seria possível definir-se intersubjeti- vos de ensino superior na Comunidade Européia de
vamente um padrão e, a partir dele, calibrar a sua uma forma convergente. O processo de Bolonha visa
avaliação? Concordaria o educador com a verificação criar convergência e, assim, não deve ser interpre-
do “grau de confiabilidade” de suas avaliações? tado como um caminho rumo à “standartização” ou
Uma boa formação em ciência das medições “uniformização” da educação superior européia, em
deve prover ambos: uma consistente metodologia e cujo contexto os princípios fundamentais de autono-
os conteúdos técnicos fundamentais relacionados à mia e de diversidade são respeitados. A declaração
matéria. Todo curso visando a tais objetivos, além reflete uma preocupação explícita com problemas
de outros elementos específicos da área de interes- internos e externos comuns relacionados com o cres-
se, deveria incluir: cimento e a diversificação do ensino superior. Uma
• modelagem (modelling) metrológica e caracteri- ação coordenada com relevância para o mercado de
zação de sensores; trabalho que visa implementar o chamado ‘Europe-
• fundamentos da teoria das medições e análise an Higher Education Area’ by 2010, espaço Europeu
de sinais; para o Ensino Superior, que visa melhorar a empre-
• conceitos sobre information quantity, entropia, gabilidade e mobilidade de cidadãos e melhorar a
e channel capacity; competitividade internacional do ensino superior
• relações entre channel capacity bandwidth e ra- europeu. Uma iniciativa que preconiza uma dimen-
zão entre sinal e ruído (signal-to-noise ratio); são européia na certificação de qualidade de progra-
• conceituação de codificação e decodificação ana- mas e que visa à eliminação de obstáculos à total
lógica e digital, bem como características e limi- mobilidade de estudantes, professores e pesquisado-
tações da conversão analógico/digital; res e um senso de competitividade global do ensino
• conceituação sobre calibração e padrões; superior Europeu [13].
• modelagem e expressão da incerteza de medição.
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES:
CONVERGÊNCIA DO ENSINO EUROPEU: FERRAMENTAS DA TECNOLOGIA DA
UMA PREOCUPAÇÃO INFORMAÇÃO PARA O ENSINO DA ME-
TROLOGIA E INSTRUMENTAÇÃO
Consideradas essas experiências acima descri-
tas – a do Reino Unido (líder no desenvolvimento O desenvolvimento de ferramentas inovado-
de sistemas de medição), a do Brasil (foco do artigo) ras para a educação e treinamento em medição e
e duas experiências localizadas em dois departa- instrumentação decorre, fundamentalmente, dos
mentos de engenharia típico (PUC-Rio e Instituto progressos da tecnologia da informação, principal-
Superior Técnico de Lisboa) e atípico (Departamen- mente da eficácia de uma tecnologia em rede de
to de Engenharia e Gestão Industrial da Università hardwares e softwares aplicáveis à educação vis-à-
Cattaneo, Italia) – cabe a reflexão de que em todas vis a variável custo/benefício. O desenvolvimento
essas situações o ensino da metrologia no contexto dessa rede pode ser considerado outro fator de ace-
de uma perspectiva racional adota o enfoque expe- leração do processo de formação e conhecimento.
rimental privilegiando o rigor técnico e a prática E sua iniciativa concentra-se principalmente nos
laboratorial, que simula para o aluno a realidade centros de pesquisa e laboratórios acadêmicos e de
presente no dia-a-dia das medições, que interfere pesquisa, nos quais novos métodos e técnicas de
com toda e qualquer atividade humana. Por oca- ensino são naturalmente desenvolvidos por pesqui-
sião do último congresso mundial de metrologia, no sadores e peritos no assunto para sua própria utili-
painel que discutiu o tema educação em metrolo- zação. Adiciona-se a isso o fato de que a publicação
gia, em particular a sua inserção no ensino supe- de resultados inovadores de pesquisa goza de apelo
rior, ficou patente a preocupação das instituições natural no ambiente acadêmico, que privilegia a
européias com as recomendações do Bolonha (1999) disseminação do conhecimento como fator contri-
e pós-Bolonha que levaram aos acordos sobre edu- butivo da aceleração do progresso social. Se for fato

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que o alvo preponderante do desenvolvimento de automatizadas. Na ótica educacional, o software


ferramentas inovadoras é a educação avançada, utilizado para a análise e processamento das me-
também o é que não se conhecem pesquisas de ava- dições obtidas constitui-se em poderoso instrumen-
liação da eficácia dos seus resultados efetivos. to educacional para o entendimento de conceitos e
Tem sido prolífera na web a informação sobre para a prática da expressão da incerteza de medi-
padrões, medição e instrumentação, calibração, in- ção e estimativa de variáveis e parâmetros críticos
tercomparação laboratorial, rastreabilidade, equi- de interferência.
pamentos e técnicas de medição, provendo descrição Tem-se ressaltado neste trabalho que o perfeito
e especificação de equipamentos e demonstração conhecimento do objeto que está sendo medido, i.e.
visual de sistemas e métodos, de sua potencialida- do mensurando, configura a dificuldade maior para
de real de aplicação, bem como do acesso aos novos o ensino da disciplina, já que requer não apenas
meios digitais de ensino na forma de experimentos conceitos associados à ciência, à arte e à tecnologia
virtuais e de gravações em vídeo e do uso de outros das medições, mas também a preceitos da confiabi-
recursos livre e direcional de matérias de interes- lidade metrológica.
ses afins. O potencial das redes para transformar A necessidade desse amplo entendimento do
o processo educacional é ilimitado e, na verdade, já mensurando constituiu objeto de consenso mundial
vem cumprindo, embora timidamente ainda, a sua desenvolvido sob a chancela de conceituadas orga-
função de várias maneiras. Para além de sua fun- nizações científicas,12 que acordaram harmonizar
cionalidade real de transmissoras e formadoras de procedimentos e técnicas para se expressar a incer-
excelência, resistem alguns gargalos para o alcance teza associada à medição, e que levou à publicação
pleno de sua potencialidade: sua liberdade imanen- do surpreendente tratado Guide to the expression
te, que impede o controle de qualidade; o caráter of uncertainty in measurement, conhecido pela si-
comercial, que introduz conflito e informação su- gla ISO GUM. O texto transcrito abaixo reflete com
bliminar, que podem não revelar ou explicitar os propriedade essa preocupação.
princípios operacionais envolvidos na dissemina- Sobre o mensurando, na visão do ISO GUM – O pri-
ção do assunto e matéria veiculados; ausência de meiro passo, ao se efetuar uma medição, é especificar o
conceitos e inadequação terminológica. Enfim, são mensurando – a grandeza a ser medida; o mensurando
aspectos fundamentais que precisam ser levados não pode ser especificado por um valor, mas, somente,
em consideração na ótica do preceito educacional e por uma descrição de uma grandeza. Entretanto, em
princípio, um mensurando não pode ser completamen-
organizacional da disciplina.
te descrito sem um número infinito de informações.
Nos sistemas modernos de medição, o proces- Assim, na proporção em que deixa margem à interpre-
samento de sinais e de informação é implementado tação, a definição incompleta do mensurando introduz,
por intermédio de softwares e hardwares inerentes na incerteza do resultado de uma medição, um com-
à tecnologia da informação. A instrumentação vir- ponente de incerteza que pode ou não ser significati-
tual consiste de sistemas de hardwares e softwares vo para a exatidão requerida da medição. ISO GUM:
(Item D.1.1, Annex D), Revised edition, 1995 [2].
que possibilitem uma construção simples de siste-
mas operadores de informação capazes de estimular Educação e domínio de conceitos, potencia-
uma gama variada de instrumentação prática. Pelo lidade e limitação de sensores, sua utilização em
fato de o desempenho funcional e a configuração de um sistema de medição e a compreensão plena do
instrumentações virtuais poderem facilmente ser sistema global são alguns dos requisitos funda-
modificados, torna-se possível propiciar ao educan- mentais do ensino da disciplina Educação em Me-
do, por meio da experimentação direta, o entendi- dições. Tradicionalmente, sistemas de medição são
mento dos conceitos subjacentes a tal ou qual sis- ensinados pela via da experimentação, na base da
tema. Assim, se a instrumentação virtual pode ser pedagogia “erro/acerto”, em contraste com os mo-
considerada ferramenta de desenvolvimento, pode dernos soft e hardwares hoje disponíveis e capazes
bem ser utilizada pelos estudantes para analise dos de “experimentar” sistemas de medições com base
componentes de processamento da informação de em modelos computadorizados.
sistemas de medição. Talvez por isso a instrumen- Modelos podem ser funcionais, isto é, podem si-
tação virtual tenha recebido atenção especial. A des- mular a função do sensor, bem como sua resposta
peito dessa atratividade técnica persuasiva, não se estática e dinâmica. Podem, ainda, ser do tipo embo-
pode descurar de que o fascínio que ela desperta não diment models, relacionando a função do sistema à
pode esconder que, de fato, não fornece meios para geometria e às propriedades dos materiais dos com-
o processo de coleta de dados; tampouco pode não ponentes do sistema e subsistemas que o integram,
constituir didática para a solução de problemas es- permitindo avaliar a natureza do fenômeno e efeitos
pecíficos que são próprios dessa ciência que possui físicos envolvidos. O uso de ferramentas de modela-
caráter essencialmente experimental. gem, dentre os quais os já consagrados bond-graphs
Em conexão com o trabalho de processamento e Modelica, dentre outros, facilita a concepção do
de dados de uma medição, cada vez mais estas são modelo e a modelagem dos sistemas físicos, viabiliza
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a solução das equações resultantes e a demonstra- tituir o raciocínio crítico, a honestidade intelectual e a
ção dos resultados, o que atesta sua vantagem sobre habilidade profissional. A avaliação de incerteza não é
uma tarefa de rotina nem uma tarefa puramente ma-
o experimentalismo reinante. É seguramente um
temática; ela depende de conhecimento detalhado da
procedimento mais econômico, seguro e com mobili- natureza do mensurando e da medição. A qualidade e
dade suficiente para proceder a mudanças de estru- utilidade da incerteza indicada para o resultado de uma
tura, ou mesmo de concepção, caso necessário. Mas medição, dependem, portanto, e em última análise, da
limitações também existem. Por exemplo, operam compreensão, análise crítica e integridade daqueles que
utilizando algoritmos que, de maneira geral, guar- contribuem para o estabelecimento de seu valor. ISO
GUM: (Item 3.4.8) Revised Edition, 1995 [2].
dam diferença entre o comportamento dos modelos e
o sistema físico real que eles pretendem representar.
A medição é um procedimento que define a diferen- O CARÁTER INTER E
ça. Experimentação sobre sistemas reais não pode MULTIDISCIPLINAR
ser substituída pela simulação pura. Metrologia reflete um conceito de caráter essen-
Um dos princípios que devem pautar o ensino cialmente multidisciplinar, que é inerente a essa com-
da disciplina Educação em Medições diz respeito à plexa área do conhecimento concernente às medições.
correta compreensão da diferença entre modelo e Conseqüentemente, a educação em metrologia deve
realidade. De alguma forma, modelos experimen- beneficiar-se da congregação de esforços, vocações e
tais assemelham-se ao exercício automático de so- competências e infra-estruturas laboratoriais exis-
lução de equações no papel. São importantes, mas tentes em diversas unidades da universidade. Não
não substituem a observação real, os ensaios, a boa deve refletir um esforço isolado de grupos e pessoas.
prática laboratorial, a experimentação direta. É exatamente nessa ótica que a educação em metro-
Finalmente, este parece ser o momento para o logia se desenvolve para formar um profissional in-
uso dos chamados “sistemas inteligentes de ensi- terdisciplinar, com características e especificidades
no”, desde longo tempo estudados como alternativa próprias, diferentes das áreas-origem que participa-
pedagógica eficaz por se imporem como ferramen- ram da sua formação de base. As diferentes unida-
ta alternativa educacional, real e poderosa. Como des educacionais atuam isoladamente de forma in-
exemplo, imagine-se um modelo implementado em dependente em seus departamentos estanques, mas
um computador: qualquer problema insurgente cooperando em rede; viabilizam o desenvolvimento
pode ser apresentado para o aluno, sua sugestão/ de interdisciplinaridades indispensáveis à formação
resposta analisada, sucessos e erros devidamente do profissional em metrologia e de desenvolvimentos
diagnosticados, subsídios imediatamente repassa- de pesquisa em metrologia que ocorrem na fronteiras
dos ao aprendiz e exercícios de reforço adequada- de conhecimentos específicos. É assim que se cons-
mente demandados. Embora tenha havido progres- trói um profissional interdisciplinar. Por exemplo, a
sos no desenvolvimento de programas educacionais biometrologia torna-se factível ao associar o conhe-
dessa natureza, as promessas do setor não conse- cimento de profissionais de biologia e medicina (com
guiram, ainda, atender às expectativas no compas- domínio das biociências) com o conhecimento que é
so e no nível desejado de qualificação. Por outro próprio dos físicos (com experiência e tradição na fe-
lado, as limitações ao seu desenvolvimento são re- nomenologia da instrumentação). Dessa coalização é
ais. Em primeiro lugar, tais ferramentas não subs- possível, ainda, agregar profissionais da engenharia
tituem a capacidade de motivação para o conheci- (com conhecimento teórico e prático e a visão da tec-
mento de que dispõe o professor/instrutor, nem o nologia) para “engenheirar” o conhecimento, assim
seu discernimento das dificuldades particulares viabilizando a transição entre a invenção e a inova-
de cada aluno, nem, ainda, a capacidade adquiri- ção, transformando idéias e projetos em produtos fi-
da de prescrever ações remediadoras geralmente nais acabados a serviço de um objetivo específico.
eficazes. Portanto, não obstante poderosas na sua Nesse contexto, o “conceito de interdisciplina-
função auxiliar, essas ferramentas não substituem ridade” difere substancialmente daquele de “multi-
a interação humana face a face, real e emotiva, que disciplinaridade”. A interdisciplinaridade refere-se
é própria do preceito educacional. à convergência de duas ou mais áreas do conheci-
Outro aspecto de extrema relevância que deve mento, não necessariamente pertencentes à mes-
resultar do processo educacional do profissional da ma classe, mas que sejam capazes de contribuir
metrologia é aquele relacionado ao desenvolvimen- para o avanço das fronteiras da ciência ou tecnolo-
to de um raciocínio crítico, de sua honestidade inte- gia por intermédio da transferência de métodos de
lectual e habilidade profissional, atributos morais uma área para outra; que sejam capazes de gerar
igualmente bem forjados pelo ISO GUM. novos conhecimentos ou novas disciplinas, indis-
O raciocínio crítico, a honestidade intelectual e a habili- pensáveis à formação de um novo profissional, com
dade profissional – Embora este Guia (ISO-GUM) para perfil distinto dos que participaram da sua forma-
a expressão da incerteza de medição proporcione uma ção (oriundos de áreas multidisciplinares), capaz
estrutura para avaliar incertezas, ele não pode subs- de exibir uma formação de base que seja, ao mesmo
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EDUCAÇÃO EM METROLOGIA E INSTRUMENTAÇÃO: DEMANDA QUALIFICADA NO ENSINO DAS ENGENHARIAS 61

tempo, robusta e integradora. Conforme revelado pelas reflexões conduzidas


Essa é a filosofia subjacente a um programa in- no âmbito do XVII IMEKO World Congress, den-
terdisciplinar, que seja capaz de caracterizar uma tre as várias forças que explicam a necessidade de
proposta inovadora, de perceber a metrologia não aprimoramento dessas ferramentas como coadju-
apenas como instrumento de gestão da competiti- vantes importantes do aprimoramento educacional
vidade, mas, essencialmente, como insumo para a estão aquelas relacionadas também ao progresso
qualidade e inovação. Assim, a interdisciplinarida- socioeconômico das nações. Dentre elas:
de não deve jamais denotar a simples justaposição • o alargamento global das aplicações das tecnolo-
de outras áreas do conhecimento ou a aglutinação gias de medição e instrumentação;
de esforços estanques desacoplados, mas, ao con- • a importância crescente das implicações metro-
trário, a geração de um novo saber criado a partir lógicas subsistentes na disciplina;
de experiências multidisciplinares na interface de • a demanda crescente por qualificação, formação
áreas complementares. e conhecimento científico e tecnológico em todos
A despeito de eventuais interpretações semân- os níveis de produção;
ticas controvertidas relacionadas aos conceitos de • a importância da compreensão sobre os perigos
multidisciplinaridade (ou pluridisciplinaridade) e de recursos humanos limitados;
interdisciplinaridade e, também, transdisciplina- • a necessidade global pelo compartilhamento do co-
ridade, entende-se que multi ou pluridisciplina- nhecimento e aplicações tecnológicas de ponta;
ridade refere-se ao estudo de um único objeto por • a crescente demanda pelo estabelecimento de
diversas disciplinas ao mesmo tempo, ou seja, um cooperação entre laboratórios e ferramentas por
enriquecimento pela interseção de várias disci- meio da cooperação a distância;
plinas já que o conhecimento deste objeto em sua • a visão crescente da metrologia no mundo e da
própria disciplina é aprofundado por um fecundo sua educação e treinamento adequados;
aporte pluridisciplinar. Em outras palavras, “a • a crescente demanda por especialização de pon-
abordagem multidisciplinar ultrapassa as disci- ta em todos os níveis profissionais.
plinas, mas sua finalidade permanece inscrita no É bem verdade que uma consciência universal
quadro da pesquisa disciplinar” [15]. sobre a necessidade da expansão da educação e do
desenvolvimento de recursos humanos específicos
REQUISITOS DAS FERRAMENTAS DA de diferentes áreas do conhecimento vem ganhando
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARA corpo nesses últimos tempos, como, ainda, que a web
EDUCAÇÃO E TREINAMENTO representa um instrumento auxiliar importante
desse processo por dois motivos: pela capacidade de
A aplicação de ferramentas da tecnologia da in- divulgação rápida e pela promoção da integração do
formação em educação e treinamento desenvolve-se conhecimento em nível global. No entanto, já porque
em ritmo acelerado devido à pujante demanda tec- certo grau de deficiência na qualidade e na veracida-
nológica. Embora potencialmente poderosas, essas de das informações veiculadas via web persiste é que
ferramentas apresentam restrições importantes. Os se torna imperativo atentar para as questões do en-
atributos de uma ferramenta eficiente incluem a sino e treinamento em medição aí veiculados. Uma
capacidade de aprimorar suas potencialidades e di- das formas mais seguras seria o estabelecimento de
minuir suas limitações. De maneira geral, espera-se cooperação remota (NET) permanente entre labora-
que a oferta tecnológica (technology push) responda tórios para troca de ferramentas.
apropriadamente às características das demandas Não há dúvidas de que o crescimento da me-
tecnológicas, estas adequadamente formuladas por trologia no mundo contemporâneo inflaciona tam-
normas e especificações técnicas (requirements pull). bém o mercado da educação e do ensino nesta área
De fato, é importante reconhecer que ferramen- específica do conhecimento, bem como aquele do
tas educacionais são apenas mediadoras da execução desenvolvimento de ferramentas pedagógicas pró-
curricular. Por esse motivo, atenção especial deve prias à aceleração desse processo. A liderança no
ser dirigida à formulação do currículo, incluindo cla- desenvolvimento de ferramentas de tecnologias da
ra definição dos conceitos e princípios de base que informação e do treinamento adequado em medi-
devem, por sua vez, alinhar-se com aqueles atuali- ção e instrumentação origina-se das universida-
zados da ciência e da tecnologia da informação. Um des, que parecem, entretanto, enfatizar a formação
currículo bem definido auxilia seguramente o desen- científica dos engenheiros. Portanto, o desenvolvi-
volvimento apropriado das referidas ferramentas mento de ferramentas de apoio para o desenvolvi-
educacionais e sua constante avaliação para even- mento específico da disciplina de metrologia deve
tual ajuste de eficiência e eficácia, já que se observa ser particularmente empreendido, abrangendo to-
uma lacuna no âmbito da pesquisa científica sobre a dos os níveis de recursos humanos – cientistas, en-
real eficiência dos métodos e ferramentas aplicados genheiros, técnicos, auxiliares-técnicos e artesãos
ao ensino da medição e da instrumentação. –, não se descurando do desenvolvimento paralelo
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62 EDUCAÇÃO EM METROLOGIA E INSTRUMENTAÇÃO: DEMANDA QUALIFICADA NO ENSINO DAS ENGENHARIAS

das ferramentas pedagógicas e didáticas apropria- No contexto dessa nova visão do ensino de enge-
das para cada nível em particular. nharia, não se busca apenas uma educação de quali-
O crescimento mundial da demanda por educa- dade desse chamado engenheiro moderno inovador,
ção e treinamento de recursos humanos vem acom- mas, também, uma educação que contemple os fun-
panhado, como é natural, por limitação de recursos. damentos da qualidade, da normalização, da me-
Limitações impostas pela carência de professores trologia e das tecnologias de gestão. Atributos esses
qualificados na área, de pessoal de apoio, de equipa- indutores do desenvolvimento da indústria (aumento
mento e de espaço físico para instalação de laborató- de eficiência), da inovação tecnológica e da competi-
rios. Ferramentas de tecnologias da informação vêm tividade nacional com inserção competitiva interna-
seguramente auxiliar no saneamento dessas dificul- cional. São esses os novos atributos capazes de expor
dades inerentes ao processo e na sua aceleração. O o engenheiro ao mundo das empresas e da indústria,
que resta fazer, então, é sanear a falta de compre- como parte da estratégia de suplantar o dilema de
ensão política para essa questão de vital importân- adequar a engenharia à visão do mercado.
cia para o desenvolvimento socioeconômico do país É nesse contexto que o “corpus lógico” do curso
e formular políticas públicas de comprometimento de engenharia é ainda mais relevante que a sua pró-
com a consolidação do ensino da metrologia. pria especialização, independentemente de a área
de aplicação ser mecânica, elétrica, química etc. E
CONSIDERAÇÕES FINAIS é também nessa lógica que a ciência das medições
deve ser ministrada, sem especializações. Incerteza
Procurou-se justificar a necessidade do ensino de
da medição refere-se a um parâmetro associado ao
metrologia na formação em engenharia, cuja relevân-
resultado da medição –“que caracteriza a dispersão
cia está no próprio corpus lógico representado pelo
dos valores que podem ser razoavelmente atribuí-
curso e cuja evolução resultou da incorporação natu-
dos ao mensurando”– e que também independe de a
ral, cada qual no seu tempo, de diferentes atributos.
natureza da grandeza física ser mecânica, elétrica,
Os de natureza essencialmente técnica, amadureci-
ou química, característica que a qualifica para ser
dos no curso da formação tradicional, que, ao longo do
ensinada de forma ampla e abrangente em todos os
processo de especialização das inúmeras disciplinas
níveis de formação acadêmica.
que integram os currículos de engenharia, não atri-
Finalmente, é importante reiterar que mesmo
buiu ênfase ao ensino de tópicos relacionados às me-
as mais sofisticadas ferramentas de ensino e trei-
dições. Foram as décadas de 60/70, marcadas pelas
namento possuem limitações que lhe são inerentes.
políticas industriais que tiveram o foco na construção
O aprendizado automatizado não pode substituir o
da infra-estrutura nacional de serviços básicos para a
instrutor experiente e motivado. Nada é mais im-
qualidade (metrologia e avaliação da conformidade),
portante que o compromisso e a vontade do homem
sem, entretanto, preocupar-se ainda com um padrão
em transformar seu cabedal de conhecimento em
competitivo internacional, que motivaram a cultura
progresso, universalmente compreendido; também,
pela ciência das medições no Brasil.
que a abstração de modelos e a experimentação vir-
Em seqüência, com as demandas impostas pe-
tual, por si, não bastam para fazer progredir, não
las tecnologias de gestão, introduzidas com os sis-
substituindo, portanto, ensaios e experimentos re-
temas da qualidade (difundindo no Brasil, na déca-
ais conduzidos diretamente em laboratórios.
da de 80, as técnicas de gestão ao estilo japonês), a
Dado como certo, esta será uma década que irá
medição como instrumento de competitividade, de
presenciar o aporte de tecnologias jamais vistas no
racionalização da produção e de redução do desper-
final do ido século. É, por outro lado, incerto, como
dício ganhou visibilidade e despertou interesse nos
as sociedades se ajustarão às mudanças delas de-
cursos de engenharia, notadamente daqueles de
correntes e como os centros de saber conseguirão
engenharia industrial. Já na década de 90, com a
acompanhar o ritmo das demandas nascentes des-
busca pela competitividade internacional induzida
se caudal tecnológico volumoso e destemido. Neste
pela globalização dos mercados – que explicitou a
mundo de câmbios contínuos, em que a única certe-
absoluta necessidade de um sistema universal de
za é a incerteza, a visão moderna de educação cer-
medições e motivou o desenvolvimento dos acordos
tamente será aquela que preconizará o learn how
de reconhecimento mútuo de sistemas de medições
to learn approach atrelado a um sistema perma-
capazes de assegurar a livre circulação de produ-
nente de educação e desenvolvimento.
tos em mercados competitivos –, mais que nunca,
O que nos aquieta é saber que a humanidade,
a metrologia, a normalização e a avaliação da con-
com relação ao progresso científico e tecnológico,
formidade, entendidas como ferramentas da tecno-
tem sabido, no seu curso, ajustar-se ao bem produ-
logia industrial básica, constituíram-se em novas
zido, expelir o lixo das inutilidades geradas, con-
demandas nos currículos de engenharia, levando,
trolar os excessos desnecessários, motivar-se pelo
inclusive, à criação de cursos de pós-graduação
fascínio da inovação que propulsiona o desenvolvi-
(mestrado) e especialização nessas áreas.
mento tecnológico, sem, entretanto, abraçar aquilo

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EDUCAÇÃO EM METROLOGIA E INSTRUMENTAÇÃO: DEMANDA QUALIFICADA NO ENSINO DAS ENGENHARIAS 63

que também eleva o espírito. Ela tem sido a bússola sidade Federal de Santa Catarina, o Programa de
do progresso das ciências e das tecnologias. A lição Pós-Graduação em Metrologia Científica e Industrial
fundamental no ensino da medição e da instrumen- (PósMQI/UFSC), por propiciarem um ambiente ins-
tação é atentar para a medida correta do homem pirador para aprofundamento dessa reflexão.
que queremos e percebemos em nós mesmos.
Desejando concluir com um comentário que in-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tegra poesia e ciência, os autores evocam a nota filo-
sófica de Paul Valéry “(...) the problem is that the fu- [1] ISO VIM (Draft April 2004), International vocabu-
ture is no longer what it used to be”, e essa questão lary of basic and general terms in metrology (VIM).
essencial de que “o futuro não é mais aquilo a que Vocabulaire international des termes fondamentaux et
nos acostumáramos” conduz a uma afirmação que généraux de métrologie (VIM). ICS 01.040.17; 17.020.
vai ao encontro da constatação tecnológica surpreen- Revision been carried out by the Joint Commission
dente de Jacques P. De Brochard de que “(...) daqui a Working Group JCGM-WG2.
10 anos estaremos usando 50% dos bens e serviços [2] ISO GUM, Guide to the Expression of Uncertainty in
que, hoje, ainda não foram sequer inventados”. Essa Measurement (1993, amended 1995). (Published by ISO in
é, certamente, uma constatação que explicita uma the name of BIPM, IEC, IFCC, IUPAC, IUPAP and OIML).
demanda inusitada por todo esse amplo “campo do [3] CIPM/MRA, Mutual recognition of national
conhecimento relacionado com a medição”, ou seja, measurement standards and of calibration and
“com todos os aspectos teóricos e práticos relaciona- measurement certificates issued by National Metrology
dos à medição, qualquer que seja a incerteza que lhe Institutes (BIPM, Paris, 14 Oct 1999). Disponível
é associada e o seu campo de aplicação”. para download em www.bipm.org.
[4] Martins, L.A., Frota, M.N. e Lira, I., Real time fluid
AGRADECIMENTOS property correction in the measurement of cumulated
volume of natural gas and its associated uncertainties.
Os autores agradecem à International Measu-
Paper accepted for inclusion in the Proceedings of
rement Confederation (IMEKO), particularmente
the XVIII IMEKO World Congress (Metrology for a
aos organizadores do IMEKO XVII World Con- Sustainable Development), September, 17-22, 2006,
gress Croatia (June 2003), pelo desafiador convite Rio de Janeiro, Brazil.
para coordenar uma mesa-redonda com renomados
especialistas internacionais em educação em me- [5] Frota, M.N. & Finkelstein L (Coord.), Round table
trologia para debater esse fascinante e complexo on Metrology Education and Training: organized under
tema relacionado à educação em metrologia. Em TC1: Education and Training in Measurement and
Instrumentation, Technical Committee of the International
especial, destacamos aqui o entusiasmo com que
Measurement Confederation (IMEKO), XVII IMEKO
participaram do round table os panelistas Prof.
World Congress, Dubrovnik, Croatia June, 2003.
Graham Cameron (Standards Council of Canada);
Prof. Olli Aumala, (Finnish Society of Automation); [6] Finkelstein L., Measurement science, in Finkels-
Prof. Luca Mari (Università Cattaneo, Italy); Prof. tein L. and Grattan K.T.V., (Editors) Concise Encyclo-
Paul P.L. Regtien (University of Twente, The Ne- pedia of Measurement and Instrumentation, Oxford,
therlands, Chairman of IMEKO/TC1 on Education Pergamon Press, 1994, pp.205-209.
and training in Measurement and Instrumentation); [7] Finkelstein L., General Principles of Formation
Prof. Janko Drnovsek (University of Ljubljana, in Measurement Science and Technology in: P. H.
Slovenia); Prof. Leo Van Biesen (Vrije Universiteit Sydenham (ed.) Handbook of Measurement Science,
Brusssel); Prof. Mladen Borsic (Croatian Society vol. 3 Chichester: Wiley, 1992 pp. 1417-1431.
of Metrology); Prof. T. Pfeifer (Aachen University, [8] Silveira, M. A da, A Formação do Engenheiro
Germany); Prof. Shigeru Takayama, (Japan, mem- inovador. Sistema Maxwell – Lambda, Pontifícia
ber of IMEKO/TC-1); Prof. António Serra & Prof. Universidade Católica do Rio de Janeiro, ISBN 85-
Pedro M. B. Silva Girão (Instituto Superior Técnico 905658-1-5, 207p. (2005).
de Lisboa, Portugal); Prof. P.H. Osanna, (Technical [9] Almeida, L.A., Frota M.N. and Frota, M.H.,
University of Vienna, Austria). Metrology Education and Citizenship: the Brazilian
Os autores agradecem, também, à Associação experience, paper no. 578, included in the electronic
Brasileira de Ensino de Engenharia pela oportu- proceedings of the XVII IMEKO World Congress,
nidade de publicação deste artigo na sua revista, Dubrovnik, Croatia June, 2003.
assim estimulando o debate sobre a importância da
[10] Finkelstein L., Measurement and Instrumentation
inserção da metrologia no ensino de engenharia.
science - An analytical review, Measurement 14,
O primeiro autor agradece ao Programa de Pós- Oxford, Pergamon Press, 1994, 3-14.
Graduação em Metrologia para Qualidade e Inovação
da Pontifícia Universidade católica do Rio de Janeiro [11] Royal Academy of Engineering, The future of
(PósMQI/PUC-Rio), e ao seu congênere da Univer- higher education, RAEng: London 2001.

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[12] Standards and Routes to Registration, Engineering nas “medo”, “ansiedade”, “percepção”, “expectativa”, certamente
Council (UK), 3rd edition, London 1997). mensurandos atípicos para a maioria dos metrologistas.
7
XVIII IMEKO World Congress, evento oficial da International
[13] The UE Bologna Declaration (1999). Joint Decla- Measurement Confederation que se realiza com a periodicidade
ration of the European Ministers of Education convened de três anos, cuja próxima edição aborda o tema Metrology for
a sustainable development, a realizar-se pela primeira vez na
in Bologna on the 19th of June 1999. (disponível para América Latina, no Rio de Janeiro, em setembro de 2006.
download em http://www. bi.pt/matubi/Bolonha/ 8
Dados oficias da CAPES confirmam que os cursos de pós-gra-
Bolonha_ Declaracao%20de%20 Bolonha.pdf). duação das engenharias cresceram nos últimos dez anos numa
média de 7,5%. Em 1996, o país tinha 126 cursos de mestrado
[14] Almeida, Luciana A.; Metrologia: Instrumento de e 61 de doutorado; em 2006, são 229 de mestrado e 132 de dou-
Cidadania. Dissertação defendida no Programa de torado. O Brasil possui hoje 18 mil estudantes de mestrado e
Mestrado em Metrologia para a Qualidade Industrial doutorado só nesta área, mas o número de engenheiros de alta
qualificação ainda não é suficiente para atender à demanda do
(PósMQI/PUC-Rio). Rio de Janeiro, outubro, 2002. setor produtivo. Em 2004, foram titulados 3.173 mestres, 1.206
[15] Projeto CIRET-UNESCO-1997, Evolução Trans- doutores e 300 mestres profissionais na área.
9
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
disciplinar da Universidade, Congresso de Locarno, 10
Teaching Metrology: the Portuguese Experience. Participation of Prof.
Locarno (disponível em http://www.cetrans.futuro. Pedro M. B. Silva Girão no Painel Education in Metrology coordenado
usp.br/locarnoport. html). Suíça, 30 de abril a 2 de pelos autores no IMEKO XVII World Congress (Croácia, 2003).
maio de 1997.
11
Università Cattaneo (LIUC), Castellanza (VA), Italy, private
comunication with Prof. Luca Mari, panelista no Painel Edu-
cation in Metrology realizado no IMEKO XVII World Congress
NOTAS (Croácia, 2003). Por ocasião do recém realizado XVIII Congresso
Mundial de Metrologia, realizado no Rio de Janeiro em setem-
1
SI refere-se ao Sistema Internacional de Unidades [1]. Um sis- bro de 2006, o Prof. Luca Mari foi eleito Presidente do IMEKO
tema coerente, métrico e decimal. “Coerente” significa que este Technical Committee on Measurement Science (TC-7) da Inter-
é um sistema que não admite nenhum fator de conversão que national Measurement Confederation (IMEKO).
não seja a unidade, 1 (e.g.: 1 N denota a força induzida por uma 12
Desenvolvido no âmbito de cooperação internacional celebra-
massa de 1kg quando submetida a uma aceleração de 1 m/s2). da pelas conceituadas organizações internacionais: ISO, IEC,
“Métrico” refere-se à invariabilidade das referências utilizadas BIPM, OIML, IUPAP, IUPAC, IFCC.
(e.g.: a circunferência da terra, a duração do dia, a densidade
e o ponto fixo da água). “Decimal” caracteriza a base 10 que é
inerente ao SI.
2
O ISO-GUM (2003) “Guide to the expression of uncertainty in
DADOS BIOGRÁFICOS DOS AUTORES
measurement”. Para se reportar o resultado de uma medição
de uma determinada grandeza física, faz-se necessário fornecer Maurício Nogueira Frota
uma indicação quantitativa que permita avaliar a sua confiabi- é Engenheiro Mecânico pela PUC-Rio
lidade e estabelecer a sua comparação com um padrão. O ISO- (1969), PhD pela Stanford University
GUM estabelece as bases de um consenso mundial acordado
por sete renomadas organizações internacionais para se estimar
(1982), com tese em experimental metho-
e expressar a incerteza associada ao processo de medição que ds in turbulence fluid mechanics. Atu-
pode ser monitorada em diferentes níveis de precisão e em di- almente é o Coordenador do Programa
versos campos de aplicação [2]. São as seguintes as organiza- de Pós-Graduação em Metrologia para
ções envolvidas: Bureau International des Poids et Measures
(BIPM), International Electrotechnical Commission (IEC), In-
Qualidade e Inovação da PUC-Rio. No curso de sua
ternational Organization for Standardization (ISO), Interna- atuação em metrologia ocupou os cargos de diretor
tional Federation of Clinical Chemistry (IFCC), International de metrologia científica e industrial do INMETRO; a
Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), International presidência da Sociedade Brasileira de Metrologia, a
Union of Pure and Applied Physics (IUPAP) and the Interna-
tional Organization of Legal Metrology (OIML).
vice-presidência da International Measurement Con-
3
CIPM/MRA, Mutual recognition of national measurement standards federation e a presidência do Sistema Inter-America-
and of calibration and measurement certificates issued by National no de Metrologia. (mfrota@metrologia.ctc.puc-rio)
Metrology Institutes (BIPM, Paris, 14 Oct 1999). Acordo de reconhe-
cimento mútuo sob a égide do Tratado Diplomático da Convenção do
Metro, celebrado entre Institutos Nacionais de Metrologia signatá-
Ludwik Finkelstein
rios da Convenção do Metro, estabelecendo as bases para a aceitação Prof Ludwik Finkelstein was educated
mútua de padrões de referência e de certificados de calibração e de as a physicist and electrical engineer
resultados de medição por eles emitidos [3]. graduating with a BSc and an MSc in
4
Dentre as motivações para se promover a revisão do VIM desta-
cam-se a urgente necessidade de introduzir conceitos da metro-
Physics from the University of London
logia em Química e a necessidade de se resolver ambigüidades and a DSc in measurement and instru-
existentes relacionadas a conceitos e definições, dentre as quais: mentation science and technology from
measurand; measurement unit; measurement scale; measure- City University. He is a Chartered Physicist and a
ment result; metrological comparability; metrological traceabi-
lity; measurement uncertainty; target measurement uncertainty.
Chartered Engineer and a Fellow of the Royal Aca-
Considerando a lógica da normalização (que apenas reconhece demy of Engineering. He is a Senior Research Fellow
traduções oficiais) a inequívoca tradução da nova versão do VIM in the Measurement and Instrumentation Centre of
para cerca de 30 idiomas constitui outro desafio que coloca em City University where he had been Dean of the School
situação de desvantagem países que não utilizam o Inglês como
língua pátria.
of Engineering and Pro-Vice-Chancellor.
5
Metrologia origina-se do grego: metron (measurement) and lo-
gos (science, treaty).
6
Uma pesquisa de mestrado desenvolve-se em colaboração entre
os programas de Pós-Graduação de Metrologia e Psicologia da
PUC-Rio para validar medições relacionadas a funções huma-

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