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MARTINO, L. M; MARQUES, A.

A ética da comunicação a partir da abordagem dos conceitos de interesse 139


e uso da linguagem. Galaxia (São Paulo, Online), n. 23, p. 139-152, jun. 2012.

A ética da comunicação
a partir da abordagem
dos conceitos de interesse
e uso da linguagem

Luis Mauro Sá Martino


Ângela Cristina Salgueiro Marques

Resumo: O objetivo deste texto é apontar elementos para a construção de uma abordagem da ética
da comunicação que se estruture em torno das noções de interesse e de uso reflexivo da
linguagem. Em um primeiro momento, e com base nas considerações feitas por Bourdieu,
destaca-se que toda troca linguística existe como ato de fala dentro de um espaço social que
só encontra validade se afirma os princípios éticos do campo no qual ela é proferida. Em um
segundo momento, explora-se, a partir de Habermas, o modo como interações comunicativas
podem estabelecer passagens entre interesses particulares e coletivos, dentro de processos
práticos de discussão de temas moralmente relevantes para todos. A reflexão que orienta os
dois momentos pretende apontar as possibilidades e os dilemas de uma ética da discussão
quando se leva em consideração os interesses dos agentes sociais envolvidos em processos
de negociação e debate.

Palavras-chave: ética da comunicação; interesses; linguagem

Abstract: The communication ethics from the approach of interest and language use concepts. This
article aims at presenting elements for the construction of an approach of communication’s
ethics that is structured around the notions of interest and reflexive use of language. Starting
from Bourdieu’s thoughts, we argue that every linguistic exchange exists as a speech act within
a social space that only finds validity if it affirms the ethical principles of the field in which
they are pronounced. In a second moment it is explored – from Habermas – the way how
communicative interactions can stablish passages amongst private and collective interests,
within practical processes of discussing themes that are morally relevant for the collectivity.
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e uso da linguagem. Galaxia (São Paulo, Online), n. 23, p. 139-152, jun. 2012.

The reflection that guides both moments intends to show the possibilities and the dilemmas
of an ethics of discussion when the interests of the social agents involved in negotiation and
debate processes are taken into account.

Keywords: communication’s ethics; interests; language

Grande parte da reflexão teórica sobre a ética no campo da Comunicação


concentra-se em estudos a respeito de princípios deontológicos que regem as práticas
dos profissionais de comunicação (ESTEVES, 1998). Contudo, e sem desconsiderarmos
a importância dos códigos que dirigem a ação e os interesses desses profissionais, é
possível afirmar que a ética da comunicação diz respeito também aos modos como as
relações intersubjetivas são construídas – o que envolve a constituição e percepção
mútua dos parceiros de diálogo enquanto interlocutores, a elaboração e expressão
dos enunciados e a constante reformulação dos quadros de sentido e das formas de
linguagem que definem tanto a interlocução quanto seu contexto – e ao modo como os
sujeitos procuram associar sua liberdade de ação e seus próprios interesses ao respeito
pelas identidades e pelos interesses alheios (MARQUES, 2009).
Uma ética associada aos processos comunicativos atuais não pode deixar de consi-
derar, em um primeiro momento, 1) os modos operatórios da produção de informações
nos media; 2) os modos de difusão e apropriação crítica das mensagens mediáticas; 3)
os processos intersubjetivos que tentam descortinar a perspectiva de cada ator envol-
vido em uma ação comunicativa, articulando-a ou não com a perspectiva de todos; 4)
as situações comunicativas e os contextos relacionais que são criados quando sujeitos
acionam elementos comuns de linguagem para buscarem o entendimento recíproco; e
5) o interesse próprio, que pauta não só ações estratégicas, vistas como contrárias ao
bem coletivo, mas sobretudo direciona o engajamento discursivo dos atores com seus
pares e que, por isso mesmo, precisa ser considerado como elemento central de uma
interação comunicativa.
A ética da comunicação também precisa se ocupar pelo peso dos interesses e pelo
papel da linguagem na relação prática entre os sujeitos, contemplando, as condições
nas quais, por meio da interação discursiva na esfera pública, os indivíduos identi-
ficam, expressam e negociam suas necessidades (MARQUES, 2011). Habermas, em
Teoria da Ação Comunicativa (1987), procurou construir uma ética do discurso capaz
de evidenciar como o uso da linguagem é capaz de promover o entendimento mútuo
e um acordo provisório (sempre aberto a revisões) entre os participantes de discussões
práticas, a partir da avaliação coletiva de questões comuns e interesses particulares.
Para esse autor, a ética associa-se ao horizonte pessoal de interesses, escolhas, valores
e visões de mundo, enquanto o ponto de vista moral – adotado pelos participantes em
uma discussão prática acerca de questões de justiça – remete-se ao alargamento do
horizonte subjetivo rumo à solução de conflitos e problemas de ordem coletiva. O uso
da linguagem em uma situação argumentativa, segundo Habermas, confere igualmente
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aos sujeitos a capacidade de agir racionalmente e de, a partir de seus interesses parti-
culares, escolher as alternativas de ação que privilegiem o bem comum. Dito de outro
modo, a ação dos sujeitos não estaria prevista ou constrangida por normas prévias, mas
seria fruto de decisões moralmente construídas através do debate e do diálogo.

A partir do horizonte de suas respectivas auto-compreensões e compreensões de mundo,


as diferentes partes em diálogo referem-se a um ponto de vista moral pretensamente
partilhado, que induz a uma descentralização sempre crescente das diversas perspectivas,
sob as condições simétricas do discurso. (HABERMAS, 2004, p. 316)

A citação acima reitera que ações comunicativas não estão descoladas dos interes-
ses particulares dos sujeitos em interlocução. Pelo contrário: é a partir do universo de
compreensões e interesses singulares desses sujeitos que se configura um horizonte am-
pliado e partilhado de sentidos. Pode-se, contudo, questionar até que ponto a discussão
fornece, mesmo, condições paritárias de expressão e contextos de enunciação livres de
desigualdades de poder, dificultando a construção de estratégias voltadas para o alcance
de fins particulares. E, para isso, é importante aproximar a abordagem habermasiana de
uma outra que ressalte as dinâmicas de poder que perpassam as relações comunicativas
e os contextos de mise en scène do discurso. É nesse sentido que a reflexão proposta por
este artigo pretende recuperar a reflexão de Pierre Bourdieu a respeito de uma “ética
do uso da linguagem” estritamente direcionada para o sucesso da ação estratégica dos
sujeitos. Para Bourdieu, o sujeito age e usa a linguagem seguindo as diretrizes e lógicas
de um determinado campo, visando obter um ganho simbólico e reiterando os princípios
que guiam suas escolhas particulares. Neste contexto, usa-se ”campo“ na acepção de
Bourdieu (1980a, 1980b), como espaço social estruturado, no qual agentes em disputa,
que dispõem de um capital simbólico limitado e acumulado no decorrer de sua trajetória
social, buscam as melhores posições e o bônus a elas associado.
Ao refletirmos sobre a ética e a moral no âmbito da Comunicação, não podemos
negligenciar o fato de que tanto os atores sociais quanto os atores mediáticos agem
em contextos marcados por estruturas amplamente centralizadas, baseadas em formas
hierárquicas e assimétricas de comunicação. Tampouco, não podemos nos esquecer de
que os agentes mediáticos estão vinculados a estruturas de poder que reproduzem e re-
novam constantemente um habitus específico. De maneira geral, o habitus é um sistema
de orientação que orienta os indivíduos em suas escolhas. Faz com que os membros de
um mesmo grupo social compartilhem princípios e definições acerca da realidade social.
Dito de outro modo, o habitus refere-se a uma série de disposições pré-reflexivas para
o comportamento prático que orientam as pessoas em um sentido peculiar em todas as
esferas de sua experiência (BOURDIEU, 1980b).
Algumas questões podem ser extraídas dessas considerações: os interesses de um
agente mediático são fruto de sua escolha autônoma ou coincidem com os interesses
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do campo no qual ele se insere? É possível pensar em uma conduta ética sem considerar
as condições e contextos de ação dos indivíduos?
Por sua vez, no que se refere aos processos intersubjetivos de aproximação entre
interesses privados e públicos, salientamos que o desenvolvimento ético e moral das
sociedades contemporâneas deve levar em conta o modo como os sujeitos debatem,
dialogam e negociam suas diferenças, seus interesses, pontos de vista e suas necessidades.
Sob um viés pragmático, do uso da linguagem como forma de ação prática para a busca
do entendimento recíproco, a teoria da ação comunicativa de Habermas (1987), como
salientado anteriormente, pode ser apontada como uma importante contribuição para
pensarmos como indivíduos e grupos questionam, em uma postura ética, os valores e
as bases que ancoram as regras morais que os vinculam, aliando interesses particulares
a interesses coletivos1.
Diante das vertentes problemáticas apresentadas por esses dois autores, este texto
pretende elaborar uma abordagem da ética da comunicação que se estrutura em torno
das noções de linguagem e de interesses. O objetivo dessa aproximação entre Habermas
e Bourdieu não é apontar as dificuldades e impossibilidades de uma construção de
condições igualitárias de acesso à racionalidade comunicativa e de efetiva participação
paritária em debates e diálogos públicos. Nosso intuito é mostrar que as noções de
interesse e de autointeresse são uma componente essencial ao processo de construção
do entendimento entre os sujeitos e, portanto, de uma ética da comunicação.
Em um primeiro momento, e com base nas considerações feitas por Bourdieu, tra-
remos uma reflexão a respeito das possibilidades que o autor entreabre para uma ética
do uso da linguagem. Em um segundo momento, dedicamo-nos a explorar a vertente
de Habermas: o modo como interações comunicativas podem estabelecer passagens
entre interesses particulares e coletivos, dentro de processos práticos de discussão de
temas moralmente relevantes para todos.

Ética e campo da Comunicação

Os temas da deliberação pública e da ética do discurso não são familiares à


paisagem teórica dos escritos de Pierre Bourdieu. Os trabalhos de Bourdieu sobre
as interações linguísticas partem de pressupostos e chegam a conclusões distantes
dos estudos sobre a pragmática da linguagem efetuados por Habermas: nesse sentido,
1
É importante mencionar aqui que o conceito de interesses em Habermas possui variadas acepções. Em
Conhecimento e Interesse(1983), por exemplo, o interesse é entendido como algo que orienta o conhecimento e
o aprimoramento da vida em sociedade. O interesse nesta obra não se vincula à busca da realização estratégica
de fins particulares, mas à busca de melhores condições para o progresso social e democrático via produção
do conhecimento. “Chamo de interesses as orientações básicas que aderem a certas condições fundamentais
da reprodução e da autoconstituição possíveis da espécie humana: trabalho e interação. E por isso que cada
uma destas orientações fundamentais não visam à satisfação de necessidades empíricas e imediatas, mas à
solução de problemas sistêmicos propriamente ditos” (HABERMAS, 1983, p. 217).
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poderíamos nos perguntar pelas preocupações de Bourdieu sobre uma ética da


linguagem, responder que ele simplesmente não está falando disso.
Em seus livros e artigos sobre o tema, no entanto, parece haver uma ӎtica do
discurso“ que não ousa dizer seu nome. Mas não se pode ir longe nesse transplante de
conceitos entre as duas margens do Reno: uma aproximação entre Habermas e Bourdieu
exigiria um espaço e um fôlego consideravelmente maior do que os limites deste texto.
Mesmo a ausência mútua de citações pode ser tomada como um indício de que as
considerações de um estavam fora do mapa conceitual do outro.
Nesta parte, busca-se delinear algumas das condições de elaboração da produção
linguística em Bourdieu procurando sublinhar os elementos éticos – entendidos como
uma razão prática – de formulação da fala a serem confrontados, em um segundo
momento, com as perspectivas da ”ética do discurso“ de Habermas. A questão que
orienta os dois momentos, como explicada na introdução, é sobre a possibilidade e as
condições de uma ética da discussão quando se tem em conta os interesses dos agentes
sociais nela envolvidos.
Pierre Bourdieu dedicou ao assunto vários escritos e pelo menos um livro, Ce que
parleur veut dire (1982), retrabalhado anos mais tarde sob o título Language et pouvoir
symbolique (2001), publicado no Brasil sob o título A economia das trocas linguísticas
(1992), além de textos esparsos reunidos posteriormente em Questions de Sociologie
(1980a) e Choses Dites (1987). Se, como dito acima, as questões da ética do discurso
e da deliberação parecem ser alheias às reflexões do sociólogo francês, por outro lado
ele mostrou interesse, em seus estudos, pelas condições práticas e éticas de uso da
linguagem na sociedade.
Os elementos reguladores de uma ética do uso da linguagem, para Bourdieu,
localizam-se fora – seria melhor talvez dizer na interseção – de elementos do discurso
em si. As pretensões de validade de um discurso qualquer são asseguradas, ao menos em
uma importante dimensão, por elementos alheios ao próprio discurso, mas presentes nele
por conta da incorporação, pelo falante, das regras legitimadoras pelo discurso. Assim,
a cada proferimento (utterance), a performance linguística de um participante de um
determinado campo, em uma situação habitual, tende a produzir um discurso legitimá-
vel, ao qual já estão incorporadas suas possibilidades de ser reconhecido como válido.
Apenas um discurso produzido em situações para além do habitus do locutor, que
exigiria o cálculo de reconstrução desse mesmo habitus para dar conta da nova circuns-
tância, precisaria de uma nova avaliação e estruturação das pretensões de validade desse
mesmo discurso. Não há, para o locutor familiarizado com o espaço social no qual colo-
cará seu discurso em circulação, como não usar os elementos que se apresentam como
regras de uso da linguagem, um ethos – poderiam aqui ser ouvidos ecos de uma “ética do
discurso”? – na medida em que esse ethos está erigido em seu habitus o que possibilita,
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de antemão, o reconhecimento e o cálculo não intencional dos elementos que conferem


legitimidade a uma determinada discussão.
Assim, qualquer uso do discurso contrário a esse ethos e, portanto, que rompe com
uma ética de uso da linguagem, tenderia a ser reconhecido pelo locutor como algo exó-
geno ao próprio sistema de formulação da ação linguística. Assim, em Bourdieu (1980a),
o ato de fala figura como a objetivação de um habitus linguístico adquirido ao longo da
trajetória social do indivíduo e, apenas ao custo de um cálculo muito avançado, seria
possível romper com as regras éticas do uso da linguagem na medida em que elas estão
incorporadas e tendem a definir o reconhecimento, pelo próprio falante, das características
cognitivas e axiológicas de seu falar.
Nesse ponto, todo discurso é ético dentro dos limites do ethos consagrado de um
espaço social, mas as possibilidades de um discurso validado a partir de regras de uma
razão prática – o que Bourdieu compreende como “habitus linguístico” (1980a, 2001) –
consensual, como base de um processo deliberativo, seriam objeto de um questionamento
a partir do exame da gênese dos critérios responsáveis por chamar uma determinada ação
argumentativa de ”racional“, o que lhe confere uma posição de status a partir da qual a
validade das proposições é aferida.
Em outros termos, a pergunta é quem – evidentemente não se trata de um sujeito
individual, mas um ”agente“ social – definiu um determinado padrão de uso do discurso
como ”racional“ em detrimento dos outros "não-racionais" e, mais ainda, de que maneira
um discurso específico foi entendido como portador de características que o enquadram
como ”racional“ em oposição aos outros – uma oposição definida também em termos
hierárquicos na constituição das formações sociais de campo (MARTINO, 2010).
Não se está afirmando, neste caso, que a validade de um discurso – palavra que, nesta
parte do texto, pode ser entendida como o ”uso da linguagem“, na acepção de Catherine
Balsey (2002) – se deva exclusivamente a critérios exógenos. O que se procura sublinhar
é que a presença dos elementos, em um discurso, que garantem sua validade está ligada
às condições de sua formulação. Seria possível indicar uma certa circularidade do argu-
mento: um discurso é eticamente válido porque é produzido de acordo com as regras
que garantem sua validade. No entanto, a característica dinâmica do habitus, elemento
em permanente reconstrução, ”estrutura estruturante“ ao mesmo tempo que ”estrutura
estruturada“ (BOURDIEU, 1980b), leva, a nosso ver, a uma igual dinâmica na formula-
ção do discurso que exige do participante, em qualquer diálogo, a percepção dos dados
imediatos de ação para a reciprocidade argumentativa, dentro dos padrões estabelecidos
pelas circunstâncias interlocutivas, de maneira a garantir a manutenção da validade de
seus argumentos frente a um interlocutor dentro de uma situação real de interação.
Definidos os elementos imediatamente constitutivos da razão prática de um de-
terminado espaço social, as interações consideradas válidas tendem a ser produzidas
pelos agentes a partir de uma regularidade incorporada na forma do habitus dos agentes
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de um campo, que impregna o discurso de suas próprias regras de validade, diminuindo


a possibilidade de performance dos atos de fala alheios a esse ethos, isto é, desprovido dos
elementos responsáveis pelo seu reconhecimento, como válido, pelos outros participantes
da interação (MARTINO, 2010).
Assim, acreditamos que uma perspectiva de elaboração de um critério de garantia
da possibilidade de uma interação linguística, reflexão que seria feita a partir do ponto
de vista de uma sociologia do uso da linguagem, diz respeito à constituição da legiti-
midade de um discurso dentro de um determinado espaço social. Trata-se de procurar
objetivar as condições explícitas de uma ”validade da discussão“ a partir do exame da
constituição dessas condições. Se é possível fazer um jogo com as palavras, trata-se de
perguntar quem validou as regras de validade de um discurso.
A resposta, na interpretação que se propõe aqui da perspectiva da sociologia de
Bourdieu, poderia ser delineada quando se leva em conta que a produção dos critérios
de legitimidade de um discurso está vinculada aos espaços sociais de uso desse discurso,
bem como à trajetória dos agentes desse espaço. Os espaços sociais, explica Bourdieu
(1980b), são dotados de uma história da qual fazem parte, disputas e confrontos entre os
agentes pela imposição hegemônica dos elementos de validação cognitiva e axiológica
das práticas consideradas válidas. A dinâmica interna e externa dos campos permite
uma redefinição contínua desses elementos de acordo com condições multifatoriais
que se convertem na interseção de trajetórias de agentes, momentos de maior ortodoxia
ou heterodoxia, o sucesso e incorporação na disputa principal de agentes até então
marginais, enfim, de uma dinâmica toda própria que, de certa maneira, torna-se parte
da dinâmica do campo.
As interações linguísticas, para Bourdieu (2001), acontecem não apenas como uma
troca de significados e proposições entre interlocutores. Buscando resgatar o elemento
sociológico na análise da linguagem e não fazer uma análise linguística das ações so-
ciais, o autor procura buscar os elementos sociais presentes no diálogo. A conversação
é vista como uma ação social levada a efeito por sujeitos históricos constituídos dentro
de um campo.
Nesse cenário desempenha uma ação fundamental o que Bourdieu (2000) denomina
habitus, conjunto de práticas, percepções, gostos e outras disposições internalizadas pelo
sujeito ao longo de sua existência social. Ao falar, o indivíduo faz uso dos elementos cons-
titutivos de seu habitus linguístico, decorrente também do ”capital linguístico“ acumulado
até aquele momento (e representado não apenas por um vocabulário neste ou naquele
registro, mas também pela correção da linguagem), que se objetivará como “discurso”
dentro de um campo (MARTINO, 2003). A esse discurso será atribuído um valor pelos pares,
o que resultará na classificação do falante dentro da taxonomia do campo e a partir do
qual ele será reconhecido. Ao denominar as interações linguísticas, “trocas linguísticas” ou
mesmo ”mercado linguístico“, Bourdieu (2001) chama a atenção para essa dimensão de
vínculo entre o discurso e o poder que nele reside como resultado de seus vínculos sociais.
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Dessa maneira, a nosso ver, a diacronia da gênese do campo converte-se na


sincronia estrutural das condições tais como propostas pelos dominantes. O que não
significa que sejam aceitas integralmente pelos agentes em posições dominadas, mas
servem, que para o estabelecimento de uma imagem, tanto interna quanto reflexiva,
do campo. Assim, o que é validado sincronicamente no campo tende a ser visto como
”universalmente válido“.
Quais as possibilidades de uma deliberação a partir dessa perspectiva? Uma pri-
meira resposta poderia ser ”nenhuma“, na medida em que, como indicado no início
deste texto, até onde se sabe, a proposta de uma “economia das trocas linguísticas” de
Bourdieu (1982, 2001) simplesmente não está falando disso.
No entanto, a nosso ver, eliminar de saída a possibilidade de uma discussão, talvez
não faça justiça às perspectivas do autor no sentido de que a própria atividade linguística
é um ato político de interferência – e isso exige que não se faça uma leitura determinista
de suas concepções de ”campo“ e ”habitus“, mas que se pense nas possibilidades de
constituição de contra-hegemonias e mesmo discursos contra-hegemônicos ou marginais
dentro de um determinado campo na medida em que este, enquanto espaço social, não
é impermeável às mudanças e alterações da própria sociedade. Dessa maneira, a própria
atividade da linguagem dentro de um campo pode ser considerada como elemento de
desafio, não apenas de aceitação.
As noções de campo e habitus, assim como a de ”mercado linguístico“, no entan-
to, ajudam a pensar as possibilidades de constituição das arenas públicas de debate,
bem como as chances de sucesso de cada um dos participantes. A dúvida a respeito
das possibilidades de uma ”igualdade linguística“ entre os participantes de um diálogo,
na medida em que ele não se desprende das hierarquias sociais nas quais é formulado,
pode, justamente por isso, auxiliar na percepção dessas hierarquias, sua objetivação e
consequente transformação.
Seria talvez um desafio pensar em que medida essas condições de igualdade se
formariam, paradoxalmente, pela desconstrução do discurso da igualdade a partir de
um exame das lógicas de campo e, a partir daí, permitiriam uma confrontação legíti-
ma de interesses em uma arena pública constituída por agentes dotados de um olhar
autorreflexivo que permitisse eventualmente desfazer a illusio de um determinado ”co-
munismo linguístico“. Além disso, substituí-la por uma percepção de como as diferenças
de linguagem, vinculadas às diferenças sociais, podem – ou precisam, sob determinada
perspectiva – ser confrontadas para o estabelecimento das possibilidades mesmas de
uma discussão entre ”iguais“ – e, note-se, ”iguais“ porque cientes das condições em que
se desenrola o discurso, sem necessariamente se deixar prender especificamente a esta
ou àquela condição que, por preestabelecida sem o conhecimento dos participantes,
erige-se em condição ”natural“ na formulação de um discurso.
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Nesse ponto, poder-se-ia sugerir que uma ética do uso da linguagem só é possível
quando se transcendem as estruturas dinâmicas de campo a partir de sua própria
objetivação enquanto práticas incorporadas e reconhecidas pelos sujeitos participantes,
mas também deliberadas livremente – e, por “livremente”, não se entende uma liberdade
absoluta, mas realizada dentro dos parâmetros pensados em vários momentos por
Habermas (1987), que, como se propõe, podem ser articulados aos problemas levantados
até agora sob o signo de Bourdieu.

Ação comunicativa, ética do discurso e a tensão


entre o interesse particular e o bem coletivo

A ação comunicativa refere-se à busca do entendimento mútuo como objetivo e


regra principal de um debate público que deve ocorrer entre indivíduos que defendem
argumentos, ideias e pontos de vista distintos acerca de um problema tematizado como
de interesse coletivo. É através da discussão guiada por normas estabelecidas entre os
interlocutores (e passíveis de serem revistas por eles) que se busca construir uma base
comum para acordos estabelecidos após a avaliação racional e identificação coletiva de
pontos convergentes nos discursos em negociação (GOMES; MAIA, 2008; PAGE, 1996;
GASTIL, 2008). Apesar de as ações estratégicas e comunicativas serem apresentadas
por Habermas como dois tipos genuínos de interação, somente uma delas é apontada
como capaz de produzir acordos racionalmente motivados.

Utilizo o termo ação comunicativa para a forma de interação social na qual os planos de
ação de diferentes atores são coordenados por meio de uma troca de atos comunicativos,
ou seja, por meio do uso da linguagem orientada para o alcance do entendimento. Na
medida em que essa comunicação serve ao entendimento mútuo (e não à mera influência
mútua), ela assume na interação o papel de um mecanismo de coordenação da ação.
(HABERMAS, 1982, p. 234)

Quando Habermas privilegia as circunstâncias sociais de comunicação nas quais


os agentes buscam, cooperativamente e sem qualquer forma de coerção ou constran-
gimento (ideais que desconsideram as desigualdades sociais, econômicas e políticas
existentes entre os interlocutores), chegar a um entendimento, parece que nenhuma
forma estratégica de ação ou qualquer perspectiva egocêntrica pode fazer parte dessa
esfera. Contudo, e como ele mesmo admite, é um erro excluir a dimensão estratégica
das ações dos sujeitos, pois influenciar nossos interlocutores em uma interação é parte
do processo de negociação ou de produção de justificativas para nossos argumentos.
O que seria desastroso para interações discursivas que almejam compreender melhor
problemas coletivos é o fato de os interlocutores ocultarem suas intenções e se recusa-
rem a justificar as razões que estão por trás de seus interesses, tornando a interação um
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jogo em que o princípio da publicidade (no sentido de dar a ver) é desconsiderado em


prol de regras e objetivos ocultos.
É ao construir os fundamentos da ética do discurso que Habermas explora, de
maneira mais consistente, a questão dos interesses coletivos e do autointeresse, em
particular (MARQUES, 2009, 2010). Habermas (2004) enfatiza que o desenvolvimento
de uma ética do discurso convida os indivíduos a buscar ampliar seus horizontes éticos
de percepção das questões, tendo em mente o que entendem ser o melhor para todos. De
modo geral, a ética da discussão visa elaborar princípios normativos e procedimentais
que norteiem debates coletivos entre sujeitos plurais (e autônomos em decidir como
melhor viver suas vidas), em uma tentativa de solução de conflitos morais por meio da
troca argumentativa (sem coerções de violência e poder), na qual os interlocutores são
vistos como igualmente dignos de serem considerados como parceiros de diálogo. A
discussão reflexiva nos possibilitaria expressar nossos desejos, interesses, sentimentos e
necessidades, explicitando as fronteiras e vias de solidariedade com o ”outro“, de modo
a reconhecer quais são aqueles que pertencem ao domínio do julgamento pessoal e
quais são aqueles que deveriam ser compartilhados e entendidos como pertencentes
ao âmbito coletivo da justiça, das normas e dos direitos (HABERMAS, 1987, 1982).
A dimensão ética da discussão encontra-se nos princípios de igualdade, publicidade,
cooperação, reciprocidade e não-coerção, os quais, nos debates práticos, auxiliam os
interlocutores a se colocarem no lugar do outro, ultrapassando a dimensão individual
e alcançando uma fusão de horizontes de interpretação (HABERMAS, 2004).
Sob esse viés, podemos ter em mente que o discurso é uma maneira ideal de se
debater sobre questões que interessam à coletividade, exigindo que os participantes
percebam seus interlocutores não como obstáculos a serem driblados para a conquista
de objetivos particulares (ação estratégica), mas como parceiros dignos de respeito, vistos
como agentes autônomos com capacidade moral para elaborar e defender publicamente
as próprias posições e interesses com base em argumentos e razões (CHAMBERS, 1996).

Quando é preciso incorporar o interesse particular ao debate


que visa atender ao interesse coletivo?

A partir do momento em que interesses e valores pessoais, constituídos em socie-


dades profundamente marcadas por inúmeras desigualdades e desequilíbrios de poder,
entram em um conflito irreconciliável, é preciso incorporar o interesse privado ao debate,
uma vez que sua anulação em prol de um ”nós“ ou do interesse coletivo impede que os
participantes possam esclarecer suas reais necessidades e pontos de vista (FRASER, 1990).
Assim, em situações de discussão pública que misturam interesses comuns e
conflitos de interesse, uma primeira providência a ser tomada seria fazer com que
os participantes conversassem entre si, buscando entender os próprios interesses.
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De forma geral, as pessoas precisam desse tipo de interação para examinarem mutu-
amente o que acreditam ser seus “reais” interesses. Mesmo em um debate que almeja
uma negociação paritária sobre o bem comum, a exploração e o esclarecimento dos
interesses pessoais precisam ser levados em consideração. Afinal, “Se membros de um
grupo conseguem somente falar enquanto um ‘nós’ e não enquanto ‘eu’, nem eles nem
os demais participantes serão capazes de descobrir o que está realmente em causa e
construir soluções” (MANSBRIDGE et al, 2010, p. 73).
Sob esse viés, a inclusão do interesse pessoal no processo de debate público
introduz informações que facilitam a obtenção de soluções razoáveis, envolve uma
diversidade de objetivos e opiniões, gera oportunidades de esclarecimento e de transfor-
mação de preferências, além de poder revelar que diferenças aparentes podem esconder
a defesa de uma mesma preocupação com o bem comum. Por essa via, o conflito e a
reflexão coletiva sobre os interesses de cada um pode produzir tanto o autoentendi-
mento quanto o entendimento mútuo. Muitos processos deliberativos, ao almejarem o
entendimento mútuo e a cooperação, acabam, na prática, suprimindo o dissenso e o
desentendimento acerca de quem deve se manifestar, do problema que efetivamente
está em questão e da própria mise en scène dos discursos. Banir o interesse privado ou
o autointeresse da deliberação, como vimos, pode dificultar o envolvimento daqueles
que têm suas preferências fortemente ditadas ou condicionadas por condições hege-
mônicas e institucionais externas (MARQUES, 2009, 2011). Sem o equilíbrio entre os
pontos de vista ético e moral, é possível que aquilo que é definido como bem comum
seja imposto pelos que detêm maior poder de influência.

Considerações finais

A dimensão ética da comunicação, na perspectiva aqui desenvolvida, chama atenção


para o fato de que, para além das regras e normas de ação dos profissionais da área e
de funcionamento dos dispositivos e contextos mediáticos, é preciso refletir acerca da
autorrealização dos sujeitos em uma sociedade democrática. Tais sujeitos não se mantêm
inertes diante das potentes lógicas racionais e dinâmicas instrumentais de funcionamento
social, mas constituem sua subjetividade política e social na medida em que se reconhecem
e são reconhecidos como interlocutores dignos de consideração, de formulação e
expressão de seus pontos de vista e de figuração ativa na cena pública. A consideração
das várias desigualdades presentes nos modos operatórios dos meios de comunicação
e de seus profissionais, além das formas de poder que definem quem aparece e como
aparece, quem fala e como fala nos contextos públicos de questionamento e tomada de
decisão, faz parte do exercício ético de problematizar a natureza da sociabilidade humana
e as práticas de interação da vida cotidiana. Assim, a ética da comunicação envolve
a reflexão constante acerca do caráter constitutivo da divisão social: ela não busca um
denominador comum como regra racional básica de convivência, mas sim a possibilidade de
novas relações e vínculos que reconheçam os sujeitos e seus mundos de ação e experiência
como divididos e irredutíveis em suas múltiplas diferenças.
150 MARTINO, L. M; MARQUES, A. A ética da comunicação a partir da abordagem dos conceitos de interesse
e uso da linguagem. Galaxia (São Paulo, Online), n. 23, p. 139-152, jun. 2012.

Vimos que, apesar de podermos falar em uma ética do uso da linguagem em Bourdieu,
o que se destaca nas reflexões desse autor é uma investigação acerca das condições práticas
de uso da linguagem dentro das possibilidades estabelecidas de antemão pelo campo e
pelo habitus nos quais se situam os sujeitos em interação. Para Bourdieu, o sujeito age e
usa a linguagem de acordo com estratégias que não contrariem as lógicas do campo, tendo
sua ação voltada para a obtenção de maior lucro simbólico, em uma tentativa de reafirmar
os limites e os princípios que guiam suas escolhas. Assim, sujeitos constituídos dentro de
um campo agem movidos por um interesse (que não é pessoal, mas é apresentado como
se fosse) de acumular capital simbólico e de alcançar o sucesso.
Existem inúmeras assimetrias entre as abordagens de Habermas e Bourdieu. De modo
geral, enquanto a ética do discurso apaga as desigualdades em nome de uma comunidade
ideal de comunicação, o campo de Bourdieu procura trazer para o centro da reflexão as
diferenças sociais e as múltiplas tensões que marcam a produção de discursos sociais. Se,
para Habermas, o que garante a validade dos discursos e proferimentos é a troca pública
de razões entre indivíduos localizados diante de um mesmo pano de fundo cultural e
valorativo, para Bourdieu são as regras do campo, previamente definidas e enraizadas nas
ações dos indivíduos que determinam de antemão essa validade. O quadro abaixo busca
sintetizar as principais diferenças entre essas duas abordagens:

HABERMAS BOURDIEU
A ética está presente na discussão A ética é parte do habitus
ÉTICA racional orientada para o incorporado pelo agente em um
entendimento. campo específico.

A ação comunicativa caracteriza-se As possibilidades de uso da


PRAGMÁTICA / como relação entre interlocutores palavra ligam-se à posição de
USOS DA LINGUAGEM igualmente capazes do uso da um agente no campo. Não há
razão. igualdade no uso da linguagem.

Os interesses dos participantes


Interesses não são explícitos.
estão claros no discurso e
INTERESSES ENVOLVIDOS Às vezes, são desconhecidos
colocados no debate racional
– porque não vistos como
NO DISCURSO com vistas ao debate rumo ao
“interesse” – dos próprios
entendimento e à formulação de
participantes.
um interesse generalizável.

Uso livre e racional da linguagem A validade de um discurso é dada


com vistas à validade de um pela sua legitimidade inter pares.
VALIDADE DO DISCURSO discurso; a pretensão de validade Cada campo, em sua dinâmica,
do discurso é estabelecida como redefine continuamente os discursos
premissa pelos interlocutores. “legítimos” e os “marginais”.

A ética na comunicação está A ética na comunicação é


ÉTICA DA COMUNICAÇÃO / vinculada à igual possibilidade de a adequação das ações do
DISCUSSÃO / DISCURSO participação dos interessados na comunicador aos procedimentos
discussão. definidos como “éticos” pelo campo.

Ao fazermos dialogar as perspectivas de Habermas e Bourdieu, procuramos apontar


que a ética da comunicação, ao buscar transformar o antagonismo em negociações
MARTINO, L. M; MARQUES, A. A ética da comunicação a partir da abordagem dos conceitos de interesse 151
e uso da linguagem. Galaxia (São Paulo, Online), n. 23, p. 139-152, jun. 2012.

e trocas discursivas marcadas por tensões e disputas, não elimina os interesses e necessi-
dades particulares das disputas. Pelo contrário: ela tenta encontrar formas de articulá-los
com preocupações coletivas em torno da construção de um bem comum. Todas as situ-
ações de interação se constituem em torno dos interesses dos interlocutores, sejam elas
estabelecidas em espaços sociais que sofrem constrangimentos de regras predefinidas,
sejam situações nas quais as regras não são definidas senão no momento da própria
interação. O interesse dos agentes não é incompatível com uma ética da discussão, nem
tampouco é algo unicamente relacionado à ação estratégica dos parceiros de interação.
Ele é parte integrante da construção de um momento comunicativo e da condição de
entendimento mútuo: se não houver interesse não há sequer a participação no debate.
Uma ética da Comunicação tem que levar em conta que as arenas discursivas das
quais participamos estão situadas em um amplo contexto social, perpassado por relações
estruturais de dominação e subordinação. Além disso, tal ética não pode desconsiderar
que os sujeitos agem tanto em conformidade com regras que visam à equidade (e que
requerem uma breve suspensão das diferenças e das formas de dominação) quanto de
acordo com procedimentos tidos como legítimos e valorizados por um determinado
sistema de orientação. Assim, é essencial termos em mente que a ética da comunicação
se constitui na situação interlocutiva em todas as suas dimensões: da troca discursiva
à constituição do espaço agonístico e desigual de produção do diálogo, de acesso à
linguagem e de distribuição de papéis linguísticos entre os sujeitos.

Luis Mauro Sá Martino é doutor em ciências sociais pela


PUC-SP e professor do Programa de Pós-graduação em
Comunicação da Faculdade Cásper Líbero.

lmsamartino@gmail.com

Ângela Cristina Salgueiro Marques é doutora em


Comunicação Social pela UFMG e professora do
Departamento de Comunicação nessa universidade.

angelasalgueiro@gmail.com

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152 MARTINO, L. M; MARQUES, A. A ética da comunicação a partir da abordagem dos conceitos de interesse
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Artigo recebido em junho


e aprovado em dezembro de 2011.

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