A teoria bioenergética e sua aplicabilidade na rede pública de saúde
O conceito de “medicinas tradicionais, complementares e integrativas”,
denominadas no Brasil como Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), agrupa uma série de sistemas médicos, terapias e práticas, que têm em comum um olhar integral do ser humano, da saúde e da doença. (BRASIL,2018).
Em 2006, as práticas integrativas foram legitimadas e institucionalizadas
na rede pública de saúde do nosso país. A bioenergética, no entanto, passou a compor oficialmente a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) apenas mais recentemente, em 2018.
Na ocasião, além da bioenergética, outras atividades foram inseridas e
assim o SUS passou a contar com 29 práticas integrativas complementares, tornando o Brasil um país líder na oferta dessa modalidade na atenção básica à saúde.
Na minha opinião, ainda que tardia e pouco divulgada, essa inclusão é
de extrema relevância não somente por possibilitar o acesso à outras práticas para um público que, de outra forma, dificilmente teria conhecimento ou chance de atendimento nessa abordagem, mas por se tratar de uma técnica totalmente alinhada ao paradigma de saúde integrativa.
Configurando-se como uma psicoterapia analítica-relacional-corporal
profunda, a bioenergética está comprometida com a promoção da saúde integral.
[...] o analista bioenergético emprega sua escuta e seu olhar
para a compreensão da linguagem verbal e corporal das pessoas por ele atendidas, afastando-se de interpretações e julgamentos parciais, seja na prática clínica ou social. [...] através do toque terapêutico, da prática de exercícios corporais expressivos e outros recursos não invasivos, o terapeuta, em ambiente seguro, procura favorecer o processo de desenvolvimento, autoconhecimento e tratamento do indivíduo de forma integral. (Brasil, 2018)
A análise bioenergética teve início com atendimentos individuais e, com
o passar do tempo, começou a ser desenvolvida em outros campos sociais, com grupos e no âmbito das políticas públicas de saúde e educação (BRASIL, 2018).
Mesmo que demande mais espaço e uma equipe profissional
especializada, essa modalidade tem grande potencial de expansão dentro dos serviços de atenção primária e em outros dispositivos das redes públicas de atenção à saúde, por ser de baixo custo e por abranger uma quantidade mais expressiva de usuários.
A aplicação dos grupos de bioenergética pode ser terapêutica ou
psicoterapêutica. Os grupos terapêuticos têm foco reduzido no aspecto analítico e maior atenção ao trabalho corporal, “são verdadeiros laboratórios de experimentação corporal, através de abordagens criativas dos exercícios e da compreensão dos processos energéticos dos participantes e do grupo” (BRASIL, 2018). Já nos grupos psicoterapêuticos há mais dedicação para o componente analítico, envolvendo a elaboração dos conteúdos inconscientes e trazendo a história de vida dos participantes para análise grupal.
No Brasil, os grupos terapêuticos de análise bioenergética, em sua
grande maioria, são conhecidos como Grupos de Movimento (GM) (BRASIL, 2018). Esses grupos “podem ou não incluir outras práticas complementares como yoga, dança, ginástica laboral, além de ofertar outros recursos que podem se adequar melhor em cada indivíduo expandindo seu autoconhecimento’ (BARRETO, s.d. p.120).
O fato de agregar um número maior de participantes, com suas
subjetividades e singularidades, sem dúvida reforça o aspecto democrático que a aplicação da bioenergética permite. Assim como “o foco delimitado no trabalho corporal, certamente contribui para a redução dos julgamentos morais devido ao pequeno espaço para a fala” (BRASIL, 2018). Por outro lado, a despeito dessas e outras vantagens e da existência de relatos oriundos de diferentes regiões do país e do mundo que corroboram com a relevância e o benefício da prática, creio que a divulgação dessa oferta dentro da rede pública seja incipiente, sobretudo entre os próprios colaboradores. De acordo com Ischkanian e Palicioni (2012 apud BARRETO, s.d):
[...] em entrevistas realizadas na área da saúde, em uma
unidade básica de saúde, nove dos trinta e dois profissionais que atuavam na instituição não tinham conhecimento do que era a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Os entrevistados da atenção especial, por sua vez, conheciam apenas duas das práticas oferecidas na unidade. Um agravante, portanto, que 23 profissionais da saúde não soubessem o que é a PNPIC.
A inclusão da bioenergética no rol de suas práticas, demonstra o quanto
o SUS é favorável a essa linha de intervenção, mas a falha no diálogo e na intermediação com o poder público “na divulgação dessa proposição de tratamento bem como na garantia da proposta como prática obrigatória” (BARRETO, s.d. p.86), aponta claramente para um grande desafio que ainda teremos pela frente.
REFERÊNCIAS
BARRETO, V.B.R.S Análise Reichiana – Conceitos e Fundamentos. Brasília:
s.d BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria Pública de políticas de Saúde. Bioenergética: Conhecendo práticas interativas e Complementares em Saúde. Brasília: 2018.