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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI - URCA

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO - PROGRAD

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS

CURSO DE LETRAS

III SEMESTRE

DISCIPLINA: TEORIA DA LITERATURA II

PROFESSOR: DR. NEWTON DE CASTRO PONTES

DARLEY PEREIRA DA SILVA

E-MAIL: darley.pereira@urca.br

FUNDAMENTOS LITERÁRIOS DA AUTORREPRESENTAÇÃO DA NOBREZA EM


SUAS FORMAS IDEALIZADAS E DA REPRESENTAÇÃO FEÉRICA DE TEMPO E
ESPAÇO NO ROMANCE CORTÊS.

11 DE JANEIRO DE 2023, CRATO – CE


Para discutirmos sobre a autorrepresentação da nobreza em suas formas idealizadas e
da representação feérica de tempo e espaço no romance cortês é inadmissível, em certa
medida, esquecer-se da lendária Guerra de Tróia que é dissertada na Ilíada de Homero. Guerra
na qual teve como clímax a saída de Helena do reino de Esparta, quando apaixonada por
Páris-Alexandre, juntos chegam à Tróia e são bem recepcionados por Príamo, o rei, apesar das
terríveis visões de Cassandra, a sacerdotisa. A beleza de Helena é excessiva, e, portanto,
catalizadora do trágico [...] a Guerra entre os exércitos gregos e troianos, [...] que teria durado
10 anos [...] (FERREIRA, 2020). Mediante a obra é possível usá-la como texto base para
análise de personagens sejam eles protagonista, antagonista ou até mesmo personagens
secundários, presentes nas epopeias, tendo foco a representação autônoma, realidade não
factual, ou seja, representação fabulosa e sua influência até os tempos hodiernos no contexto
do mundo fabuloso, ou não.
Cada obra literária captura os ecos de todas as outras obras do mesmo tipo
na literatura e ondula em direção ao resto da literatura e daí em direção à
vida [...] na experiência direta de uma nova obra literária, estamos
conscientes de sua continuidade ou de seu poder em movimento no tempo.
(FRYE, 1999, p. 46)

As obras literárias por sua vez, influenciam outras novas obras criadas adiantes; e se
infiltram no resto da literatura. Nesta perspectiva, a [...] literatura grega [...] serviu como base
para outras obras literárias que vieram a surgir posteriormente (SANTOS, 2022). Assim, faz-
se a sua continuidade que está em constante movimento.
Por meio das obras Ilíada e Odisséia de Homero, Helena de Tróia é
apresentada como uma figura feminina relevante por sua beleza e por suas
conexões com o divino, seja pela sua ascendência proveniente de Zeus, seja
pela sua interação com Afrodite. (FERREIRA, 2021, p. 1)

Helena seduz por sua simples visão, não há necessidade de esforço. O


fascínio provocado por sua imagem é tal que pouco se reflete sobre sua voz,
sua atuação no espaço que ocupa, suas estratégias de sobrevivência. Por que
Helena sobrevive à guerra e à punição pelo adultério [...] Assim, a beleza de
Helena desvia a atenção de suas ações, da sua arte argumentativa que
explicita não apenas sua habilidade em observar o que a cerca, mas também
em avaliar quais as possibilidades que lhes são apresentadas por cada
situação. (FERREIRA, 2021, p. 3-4)

Vale fazer uma análise sobre a aparência de Helena de Troia, mulher mais bela da
Grécia; vê-se que há a sua autorrepresentação no transparece no decorrer da história. Mesmo
com uma descrição escassa da sua aparência física, [...] Helena a loura, Helena de cabelos
cacheados é corpo [...] é possível vislumbrar o impacto de sua presença [...] (FERREIRA,
2021). Esse quesito beleza [...] que faz com que tantos anos de guerra sejam compreensíveis,
aceitáveis (FERREIRA, 2021). Em certa parte da obra [...] a rainha readquire voz para narrar
sua própria história, [...] mostrando seu poder de argumentação. [...] Pode-se perceber que a
personagem abordada é complexa e paradoxal: de mesma forma que é apresentada como uma
mulher egoísta, odiosa e frívola; [...] mostrada como isenta de culpa devido à sua condição de
mulher, portanto frágil [...] (FERREIRA, 2021). Aqui temos Helena não como uma sedutora,
mas ela com características de uma pessoa individualista. Que usa o seu posicionamento
muitas vezes para seu proveito.
A obra homérica considera três arquétipos como balizadores da essência e do
ideal femininos: Clitemnestra, Helena e Penélope. Essas três mulheres
desenvolvem grandes ações nas epopeias Ilíada e Odisseia, representando o
feminino nos ambientes político, social, familiar, conjugal e jurídico.
(Wichan, 2021, p. 8)

Penélope, esposa de Ulisses, é a personificação da esposa ideal. Fiel, astuta,


mãe dedicada e amorosa, que zela e valoriza sua família e seu povo
aguardando o retorno de Ulisses. Clitemnestra, obedecendo aos mesmos
padrões sociais, também aguarda o retorno de Agamémnon em seu lar. [...]
embora confinadas, Penélope e Clitemnestra revelam-se extremamente
racionais, estrategistas e dotadas de alto poder retórico. Através da
persuasão, a Clitemnestra de Ésquilo persuade Agamémnon para seu plano
homicida com a ajuda do amante. Da mesma forma, Penélope, persuadindo,
resiste à ausência de Ulisses por mais de vinte anos, à de Telêmaco e aos
homens que desejavam desposá-la. Helena de Troia, objeto deste estudo, é a
detentora das abordagens mais ambíguas, despertando as emoções humanas
e todas as consequências delas [...] (Wichan, 2021, p. 8-9).

Nesta linha de raciocínio, há também a autorrepresentação de Penélope remete a uma


esposa completa, que faz o devido papel de mulher e mãe. Da mesma forma que Penélope
exerce suas obrigações com cautela, Clitemnestra age com semelhança a ela. Já em questões
pessoais, digamos assim, ambas são racionais, espertas e possuem muito poder de lábia para
resolver questões de seus agrados. Helena por sua vez, superior à de todas as mulheres
mortais, [...] representa não só o poder da beleza mediante o olhar masculino, [...] suas
características sociais ao revelar uma mulher que pertencia à elite e ao espaço doméstico
(Wichan, 2021). Ou seja, representa a quebra de um paradigma, já que participa de duas
classes.

Outro ponto no qual podemos analisar é a ingerência de Helena na personalidade do


perfil feminino de outras obras. Ou seja, os ecos desta obra estão ecoando em muitas outras
obras. É de suma importância citar o autor Machado de Assis que não aderiu durante o
Romantismo à [...] renovação literária baseado no nacionalismo e na supervalorização
antropocêntrica do ego rompe com as referências clássicas não só quanto à temática, mas
também quanto à estética [...]. Por sua vez, preferiu tomar o rumo [...] na contramão desse
movimento e agrega às suas narrativas elementos, inspirações e personagens advindos da
literatura clássica (Wichan, 2021).

Wichan prossegue com sua óptica:


[...] a profundidade dos personagens machadianos é marcada pela análise
psicológica e pelo contexto social e familiar nos quais estão inseridos.
Helena é considerado um dos romances machadianos mais românticos e
populares, publicado em 1876 sob a forma de folhetim32, e, por isso,
considerado para o âmbito deste estudo. (Wichan, 2021, p. 44).

A intertextualidade promovida por Machado é observada nesta narrativa


devido às semelhanças quanto às circunstâncias da partida da mulher: a
ausência física do marido em razão de um funeral. Na Ilíada, a partida de
Helena ocorre durante a ausência de Menelau devido à morte de Catreu.
Contrariamente à rainha espartana, Ângela leva consigo sua filha. Além
disso, ao apresentar a diferença financeira entre Salvador e o Conselheiro,
observa-se a comparação entre o poderio financeiro de Esparta e Troia.
Considerando o trecho acima, Machado expõe as restritas possibilidades de
ascensão social no século XIX –principalmente, por meio da “sorte” de um
bom casamento. A posição que Salvador assume, neste ponto da narrativa, é
inferior à Ângela, pois ela havia alcançado a sua ascensão social e a da filha
– o que denotava feito ainda maior considerando a maternidade “solo”,
conforme declarado por ela ao Conselheiro. (Wichan, 2021, p. 46).
A obra Helena de Machado de Assis tem semelhanças com o cânone grego, sejam os
personagens, seja a ambiguidade da personagem principal, ou, seja a ficção de mistério como
a homérica. A questão é que houve essa influência, talvez pelo [...] estados excepcionais da
mente, que temas e símbolos mitológicos mais distantes podem surgir, em qualquer época,
não só como resultado de influências externas, mas também sem esses fatores, indicando que
a consciência individual não é absolutamente isenta de pressupostos, além das influências do
ambiente, há estes fatores herdados (Jung, 2000). Ou talvez propositalmente como inspiração
desta importante obra usando os pontos citados anteriormente.
Numa luta de gregos e troianos
Por Helena, a mulher de Menelau
Conta a história de um cavalo de pau
Terminava uma guerra de dez anos
Menelau, o maior dos espartanos
Venceu Páris, o grande sedutor
Humilhando a família de Heitor
Em defesa da honra caprichosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Alexandre figura desumana


Fundador da famosa Alexandria
Conquistava na Grécia e destruía
Quase toda a população Tebana
A beleza atrativa de Roxana
Dominava o maior conquistador
E depois de vencê-la, o vencedor
Entregou-se à pagã mais que formosa
Mulher nova bonita e carinhosa
Faz um homem gemer sem sentir dor

A mulher tem na face dois brilhantes


Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Virgulino Ferreira, o Lampião


Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Outra influência da personagem homérica, Helena, foi na música de um cantor


pernambucano, Zé Ramalho, que a lançou 1982. A música foi intitulada como “Mulher Nova,
Bonita e Carinhosa”. Nela conta um resumo sobre a Guerra de Troia, destacando sempre a
beleza de Helena de Troia e que a mesma foi o motivo para esse conflito devido a sua beleza.
É perceptível que houve sempre uma mulher em contextos que motiva os acontecimentos, que
motiva os homens a lutarem, que provocavam as lutas pela beleza excessiva. A letra da
música não condena a mulher pelo seu poder de sedução, pelo contrário exalta essa
característica. O cantor ainda faz referência à Maria Bonita, cangaceira do sertão nordestino,
que por também ter uma beleza invejável conquistou o coração de um capitão do cangaço.
Nesta música nota-se também a igualdade entre o homem e a mulher numa sociedade que tem
como dominador o sexo masculino.
Na novela mexicana, “corazón salvaje” (2009) transmitida na Tele visa
(conglomerado de mídia mexicano), ao criar os personagens, o autor,
inconscientemente ou talvez propositalmente, acabou utilizando alguns
personagens com características, tanto em quesito personalidade, como
fisicamente, idênticos ou parecidos com algumas figuras mitológicas. É algo
incerto, mas a personagem principal, por exemplo, que se chama Regina,
fisicamente possui as características da Afrodite, além de traços de sua
personalidade, uma mulher amorosa, sensual, que batem perfeitamente com
a Deusa. Além disso, foi possível identificar uma situação de luta de uma
mulher em um ambiente completamente machista, onde ela é obrigada pelo
pai, que possui as características de Zeus, a se casar com um homem que ela
não ama, e no final ela acaba envolvendo-se com outro. O que também
possui grande semelhança com a história da personagem da Ilíada, a
Afrodite. Então sim, as situações retratadas nas epopeias gregas e as figuras
presente nelas, influenciam sim, mesmo que de forma inconsciente, por fazer
parte do inconsciente coletivo, na literatura ocidental e atual, na criação de
seus personagens e em situações que se assemelham a vivencia fora da
ficção. (SANTOS, 2022, p. 5)

Além de músicas, pinturas, poesias, esculturas, no teatro, no cinema, sendo mais


exato, em artes em geral, Helena de Troia foi e é uma personagem que serviu e serve de base
para inspiração para personagens e que influência em obras posteriores a qual ela está
inserida. Na telenovela mexicana “Corazón Salvaje” (2009), é notório há personagens que
foram inspirados (talvez inconscientemente) em alguns personagens da obra homérica.
Especificamente na personagem de Homero que vem sendo alvo nesta discursão. Isso se dá
naquilo que Frye fala, do eco de uma obra literária que ecoa em outras obras.
Para encerramos esta discursão vale frisar que este debate poderia ser levado muito
adiante com mais análises, comparações entre as obras inspiradas em certa parte pelas
epopeias homérica, ([...] a fim de identificar o deslocamento que o mito helênico percorre na
literatura clássica de forma a refletir sobre a literatura lusófona (Wichan, 2021) Como
exemplificação as obras: Helena, de Machado de Assis, e A Costa dos Murmúrios, de Lídia
Jorge) seria uma longa e instigante discursão. O que se pode concluir neste exato momento é
que as obras de Homero ainda perpetuam como base, ou até mesmo como inspiração para
novas produções que estão a vir. Não só a literatura grega, mas muitos outros costumes
adotados conscientemente ou não; o ponto é que a base literária veio do ocidente,
principalmente dos ideais gregos.

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Letícia. REPRESENTAÇÃO DE HELENA DE TROIA NAS HERÓIDES


DE PÚBLIO OVÍDIO NASO. Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo.
Vol. 1, Num. 2, 2020. ISSN: 1983-2087 A. Disponível em:
https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Aletheia/article/download/108621/25302/

SANTOS, Iraégila. LITERATURA GREGA - A POSIÇÃO DE PERSONAGENS NAS


EPOPEIAS, EM ESPECÍFICO NA ILÍADA E NA ODISSEIA EM HOMRO, E SUA
IMPORTÂNCIA LITERÁRIA, POLITICA E CULTURAL PARA AS SEGUINTES
GERAÇÕES. Teoria da Literatura II, URCA, 2022.

LACERDA, Alessandra. ARQUÉTIPOS DA TEORIA DE JUNG E A SUA APLICAÇÃO


NA PRÁTICA CLÍNICA, p. 8-10, Brasil, 2022. Disponível em:
https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/25604/1/ARQU%C3%89TIPOS
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WICHAN, Sílvia. Helena de Troia e a romantização da feminilidade helênica: da


literatura clássica e lusófona à cinematografia norte-americana. Rio de Janiro, 2021.
Disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/11858/1/8026_17480.pdf
FERREIRA, Letícia. As representações de Helena de Tróia na arte: análises sobre o
feminino na pintura. Rio Grande do Sul, 2021. Disponível em: https://moexp-
2021.osorio.ifrs.edu.br/uploads/anai/2021/Anais%20MoExP%202021.1996.pdf

ZILBERMAN, Regina. Apresentação: a guerra — mais que um tema para a literatura.


PPG-LET-UFRGS – Porto Alegre Vol. 11 N. 02, 2015 Literatura e Guerra. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/download/76540/43750/317663

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