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SAÚDE MENTAL RELACIONADA AO TRABALHO

Saulo Cerqueira de Aguiar Soares

O campo da saúde mental relacionada 1 Teorias Clínicas do Trabalho: Clínica da


ao trabalho (SMRT) é multidisciplinar, Atividade, Psicossociologia do Trabalho,
interessando gradualmente ao Direito, diante Psicodinâmica do Trabalho e Ergologia
do incremento de doenças ocupacionais
As clínicas do trabalho são
relacionadas com o trabalho e os acidentes
abordagens científicas, cada qual com bases
do trabalho.
epistemológicas, teóricas e metodológicas
Para tanto, cabe uma investigação
próprias, com o propósito de estudar
sucinta a respeito da SMRT e suas
a realidade do sujeito no trabalho, em
interconexões com o Direito do Trabalho, que
suas vivências concretas, por meio de
tem como um dos objetivos a proteção à saúde pesquisas e intervenções. O campo da saúde
mental dos trabalhadores e a prevenção dos mental relacionada ao trabalho (SMRT) é
riscos psicossociais no trabalho, ressaltando- multidisciplinar.
se que o direito fundamental à saúde do Ana Magnólia Mendes (2007b) elucida
trabalhador engloba sua saúde mental, de que a clínica do trabalho é:
reconhecida eficácia diagonal, quando da
[...] um modo de colocar o trabalho em
relação trabalhador-empregador.
análise, é um processo de revelação
É preciso compreender para e tradução dos seus aspectos visíveis
transformar as condições atuais causadoras e invisíveis, que expressam uma
do sofrimento prejudicial no trabalho, sendo dinâmica particular, inserida numa
subjetividade própria a cada contexto,
papel do Direito estabelecer normas, a partir
e que permite o acesso aos processos
dos fatos e valores expressos, em defesa do de subjetivação, às vivências do
direito à vida digna e à saúde integral dos prazer-sofrimento, às mediações e
trabalhadores. ao processo saúde-adoecimento.
(MENDES, 2007b, p. 65).

Saulo Cerqueira de Aguiar Soares

Professor efetivo Adjunto do Departamento de Ciências Jurídicas da


Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutor em Direito Privado, com distinção
acadêmica Magna cum Laude, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC MINAS) (Conceito CAPES 6). Mestre em Direito Privado, com
distinção acadêmica Magna cum Laude, pela PUC Minas.
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Podem ser citadas como quatro teorias Assinala Gilbert Cardoso Bouyer (2010,
clínicas do trabalho: clínica da atividade, p. 250) que são noções centrais da CPDT:
psicossociologia do trabalho, psicodinâmica do “reconhecimento; identidade; compromisso
trabalho e ergologia. entre sofrimento e defesa; sublimação;
Louis Le Guillant e Paul Sivadon racionalidade pática (pathique); alienação
foram dois dos percursores da corrente da social”.
psicopatologia do trabalho, sendo o primeiro O trabalho forma a identidade do sujeito.
destacado pelo contributo do estudo da A clínica psicodinâmica do Trabalho (CPDT)
neurose das telefonistas acerca do trabalho
estuda a questão da normalidade (“enigma
das empregadas domésticas.
da normalidade”), a fim de compreender
Já a psicodinâmica do trabalho (PDT) é
uma abordagem científica de origem do médico as estratégias para evitar descompensações
do trabalho e psiquiatra Christophe Dejours, mentais. A CPDT busca descobrir como as
oriunda da psicopatologia, e consiste numa pessoas conseguem se manter trabalhando,
metodologia em que os trabalhadores podem suportando todo o sofrimento na “normalidade
se expressar acerca dos seus sentimentos e das
enigmática”1, em que parecem estar normais
contradições do trabalho.
diante dos outros, mas intimamente estão
O objeto de estudo da PDT é “o estudo
das relações dinâmicas entre organização em sofrimento; avaliando a organização
do trabalho e processos de subjetivação” do trabalho e a relação prazer-sofrimento-
(MENDES, 2007a, p. 30). trabalho.
Christophe Dejours (2008) aponta que Singulariza Cristophe Dejours (2008)
em uma primeira análise da clínica do trabalho,
acerca do trabalho das secretárias, que são
são cinco as barreiras para perceptibilidade do
“secret-taire”2
trabalho efetivo:

O constrangimento da clandestinidade [...] o que remete precisamente ao fato


associado à artimanha e ao zelo; os de, em muitos locais de trabalho, serem
desafios na estratégia de poder; o déficit um tipo de lata de lixo no qual cada um
semiótico e a dominação simbólica, a vem derramar tudo de negativo que
métis ou o conhecimento do trabalho pensa da própria situação, sobretudo
pelo corpo; e as estratégias de defesa o que pensa dos colegas. Mal acaba
contra o sofrimento. Todos esses de ouvir histórias infames sobre um
obstáculos concorrem à ocultação do colega, este entra na sala. E cabe à
que, no fim das contas, aparece como secretária manter-se sorridente! Há
a parte mais importante do trabalho:
a parte submersa do iceberg é mais 1 Esclarece Dejours (2014, p. 127): “Será
importante do que a parte visível ou necessário, neste caso, considerar a ‘normalidade’
observável acima da água. (DEJOURS, como um enigma: como fazem estes trabalhadores
para resistir às pressões psíquicas do trabalho e
2008, p. 51). para conjurar a descompensação ou a loucura?”
2 Em um neologismo estrangeiro fruto da
união de secret (segredo) com taire (calar).

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momentos em que elas só pensam superiores às do engenheiro nuclear. O


em uma coisa: não ouvir nada. Além trabalho de um leva, inevitavelmente,
disso, precisam ser discretas, manter- ao sacrifício do trabalho do outro.
se caladas. Se a secretária começa a (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 32, grifo
falar, os outros dirão que ela não sabe nosso).
guardar segredos. E é bem verdade
que não é necessário falar muito para Constatam-se os efeitos potencias do
desencadear catástrofes diplomáticas
trabalho sofrido, gerando consequências até
ou organizacionais. (DEJOURS, 2008, p.
57). para as esposas dos trabalhadores que têm de
renunciar à sua vida profissional, a fim de se
Vê-se, com esse exemplo das secretárias, permitirem gerir a vida doméstica e familiar.
o que os trabalhadores sofrem no trabalho pela Prosseguindo, frise-se: sob o ângulo da
conduta dos demais colegas que as utilizam amplitude de atingidos, essa corrente familiar
como “lata de lixo” para despejar todos os seus que sofre alcança a comunidade e, por sua
murmúrios pessoais e maledicências contra vez, a sociedade. Quando um trabalhador
os colegas de trabalho, fazendo com que elas sofre violência no trabalho, não é só ele quem
tenham um trabalho amargurado, tornando-se padece, mas todos.
mascaradas diante de todos. Acerca desse ressentimento, Edith
Os sofrimentos do trabalho não atingem Seligmann-Silva (2011) demarca que:
somente o trabalhador; mas também seu
cônjuge, filhos, pais e parentes, que sofrem foi possível identificar como o temor
de perder o emprego e a necessidade
conjuntamente, certas vezes, sendo vítimas da
de garantir a sobrevivência estavam
violência de que sofre no trabalho, num ciclo subjacentes a essas dinâmicas voltadas
impiedoso, em decorrência da raiva reprimida para a repressão e o ocultamento
e do ressentimento do trabalhador. da raiva. Em trabalhadores mais
antigos, essa raiva era muitas vezes
Apontam Dejours e Bègue (2010) que:
designada pela palavra mágoa e
apresentava-se mesclada à decepção
[...] repercute também na organização e tristeza, configurando um profundo
e divisão das tarefas domésticas, e ressentimento. A origem desse
o preço a pagar por todos pode ser ressentimento era a percepção da falta
exorbitante. É assim que, para os de reconhecimento. (SELIGMANN-
engenheiros de centrais nucleares SILVA, 2011, p. 273).
responsáveis pela condução de
processos, submetidos à cadência do
Existe uma exploração do fatalismo
trabalho e às obrigações domésticas,
foi possível mostrar que a capacidade nos locais de trabalho, fazendo acreditar
de suportar o ritmo imposto pelo
que os acidentes do trabalho são inevitáveis;
papel desempenhado só é possível
caso a cônjuge renuncie a uma vida que ocorrem por destino, em uma estratégia
profissional, mesmo no caso em que racional do empregador de controlar os
sua qualificação e remuneração sejam
trabalhadores, para assumirem uma visão

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fatalista e não terem interesse em cobrar da mobbing4, violência psicológica5, terror


empresa uma postura preventiva em relação psicológico ou psicoterror acaba se dissociando
aos riscos ocupacionais. (SELIGMANN-SILVA, do seu grupo de trabalho; sofre em razão do
2011, p. 274-275). silêncio dos colegas que começam a tratá-lo
Os dirigentes empresariais usam com rejeição no transcorrer dos dias.

manipular a desinformação, de forma Destaca Vicent de Gaulejac (2007):

determinada, com o objetivo de garantir


Podemos acusar o ‘capitalismo’, o
o controle sobre os trabalhadores, “para ‘liberalismo’, o ‘sistema’, mas não
uma tentativa de sistematização do uso da temos nenhum meio de agir contra
ele. A hierarquia, assim como os
desinformação junto aos trabalhadores”, por colaboradores e os subordinados,
meio da omissão de informações sobre os são também pegos em uma pressão
permanente que não conseguem
riscos ocupacionais a que os trabalhadores
controlar. Cada um tenta descarregar
estão expostos; pela desinformação quanto sua agressividade sobre o outro,
aos direitos dos trabalhadores e quanto aos contribuindo assim para reforçar a
lógica do ‘salve-se quem puder’. [...]
critérios para pagamento por produção. Cada um sofre e exerce pressões em
(SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 276-278). uma corrente sem fim, em que cada elo
pode encontrar-se em uma posição de
Mesmo profissionais de alto nível de
assediador e de assediado. (GAULEJAC,
escolaridade, como médicos do trabalho,
podem sofrer ataques à sua saúde mental, 4 De acordo com o Glossário Temático da
Saúde do Trabalhador do MERCOSUL, conceitua-
tanto por parte de gestores e administradores, se mobbing como: “Palavra inglesa traduzida como
‘ataque, atropelamento’. Define todas as ações
de empresas públicas ou privadas, como
de hostilidade contínuas e reiteradas exercidas
pela prática de definir que o profissional será no âmbito do trabalho pelo empregador, pelos
superiores hierárquicos, por aqueles que têm função
“ambulante”, sem local estabelecido para de comando ou por terceiros, direta ou indiretamente
ligados a eles, que manifestem abuso de poder, com
trabalho e com consultórios que não atendem
o objetivo de afetar a dignidade do trabalhador, seu
aos requisitos mínimos de funcionamento, direito de não ser discriminado, o respeito à sua
honra e à sua integridade física, psíquica e moral
aumentando a insatisfação do trabalhador, e/ou o compromisso de seu futuro laboral. Essas
ações provocam isolamento, perda da autoestima,
o sentimento de injustiça e a falta de
desqualificação, humilhação, violação da intimidade,
reconhecimento, evidenciando o nexo do difamação, supressão de direitos, intimidação,
agressão verbal etc.; em casos extremos, causam
adoecimento com o trabalho. perda do emprego e danos psicológicos graves que,
O trabalhador que passa por assédio moral3, inclusive, podem levar ao suicídio.” (BRASIL, 2014a,
p. 39).
5 A Organização Mundial da Saúde (2002,
3 Roberto Heloani e Margarida Barreto (2014, p. 4) define violência psicológica como “O uso
p. 39) apontam algumas das características do deliberado do poder, ou ameaças de recurso à
assédio mora: l a “temporalidade; intencionalidade; força física, contra outra pessoa ou grupo, que
direcionalidade; repetitividade e habitualidade; podem prejudicar o desenvolvimento físico, mental,
localização; degradação deliberada das condições espiritual, moral ou social. Inclui abuso verbal,
de trabalho”. intimidação, abuso, assédio e ameaças.”

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2007, p. 226). na situação de crise, assim, uma “banalização


Nessa reflexão, cabe ressaltar a conduta do desemprego” que não leva a tão grande
de mútua hostilidade em que um trabalhador sofrimento psíquico do trabalhador nessa
pode se encontrar; ser assediado pelo seu condição. (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 452-
chefe ou por um trabalhador do mesmo grau 454).
de hierarquia e estar assediando também, Devem ser adotadas estratégias de
ao mesmo tempo, um outro trabalhador, prevenção do estresse, por meio do controle
numa “corrente sem fim”. A desumanização dos riscos e das exposições, a partir da
e o congelamento dos sentimentos, entre os prevenção primária (eliminando ou reduzindo
trabalhadores, faz ampliar os casos de assédio, os riscos estressores), da prevenção secundária
em que todos são colocados contra todos, (identificando os trabalhadores com sinais
numa inimizada constante, evidente ou velada, que irão desenvolver transtornos mentais,
acabando com a solidariedade e o amor por gerenciando o estresse e fortalecendo o coping)
luta de lugares. e pela prevenção terciária (identificando e
É preciso uma intervenção do Direito, tratando os trabalhadores que já apresentam
no âmbito nacional6, para combater o assédio transtornos mentais, bem como facilitando o
moral, por meio também de uma legislação seu retorno ao trabalho após o afastamento).
federal que institua uma mediação a ser Assim, “a prevenção primária é proativa ao
requerida pela vítima do assédio moral e/ou do passo que a secundária e terciária são reativas”.
assédio sexual, com a participação da figura do (GLINA; ROCHA; 2014, p. 115-116).
ombudsman que seria o responsável a tomar Assinala Christophe Dejours (2014) que
conhecimento dos casos e promover soluções. a partir da análise da carga psíquica, pode-
Existe uma rejeição social ao se classificar um trabalho como fatigante ou
desemprego, por “uma confusão entre equilibrante, sendo que “uma organização do
desempregado e desocupado”. Quando se é trabalho autoritária, que não oferece uma saída
demitido em massa ou por fechamento do apropriada à energia pulsional, conduz a um
estabelecimento, “o desempregado já não aumento da carga psíquica”, e que “um trabalho
pode se autoacusar de fracassado”, havendo intelectual pode se revelar mais patogênico do
que um trabalho manual”. A conversão de um
6 O Estado de São Paulo avançou com a trabalho fatigante em trabalho equilibrante
Lei n° 12.250, de 9 de fevereiro de 2006, em que
deve perpassar pela avaliação da organização
veda o assédio moral no âmbito da administração
pública estadual direta, indireta e fundações do trabalho que deve ser flexível. Em verdade,
públicas; dispondo o art. 2° que configura assédio
as empresas buscam trabalhadores líquidos
moral “toda ação, gesto ou palavra, praticada de
forma repetitiva por agente, servidor, empregado, para uma organização do trabalho sólida. O
ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade
capital investe na publicidade da flexibilização
que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou
efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do negativa da legislação trabalhista, mas em
servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao
seu território quer distante a flexibilização
serviço prestado ao público e ao próprio usuário,
bem como à evolução, à carreira e à estabilidade da organização do trabalho e o respeito aos
funcionais do servidor”.
direitos da personalidade dos trabalhadores.

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Trata, ainda, a CPDT da “psicodinâmica Ergonomia de trabalho prescrito e real7 e


do reconhecimento”, que deve integrar o também analisa as normas gerais do trabalho,
julgamento de utilidade que o trabalhador faz entendidas como “normas antecedentes” do
de seu labor, diante das repercussões técnicas, trabalho que são definidas antes do início do
sociais ou econômicas e pelo julgamento de trabalho, vinculadas às experiências coletivas
beleza, realizado pelos seus pares a respeito da do trabalho, à divisão social do trabalho e à
qualidade de suas atividades. (DEJOURS, 2008, luta pelo poder.
p. 85-86). Tem como uma das ferramentas o
A psicodinâmica do trabalho funda- dispositivo dinâmico de três polos (DD3P), que
se em conferir se o trabalho busca uma são o das disciplinas constituídas (as quais têm
autorrealização no trabalho, se existe uma como objeto o trabalho e entre elas pode-se
lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho adicionar o Direito do Trabalho), o dos saberes
real e se o trabalhador busca reconhecimento da prática e o ético-epistêmico (ATHAYDE et.
do seu trabalho pelo julgamento do outro.
al., 2014, p. 231).
Yves Clot trabalha com uma clínica da
Destaca Jussara Cruz de Brito (2011,
atividade na clínica do trabalho, ressaltando a
p. 487) que “[...] para a Ergologia, a atividade
função psicológica do trabalho e desenvolvendo
é entendida como um debate de normas e
a capacidade dos trabalhadores agirem sobre
valores. Diante das normas antecedentes, na
eles próprios e seu gênero profissional;
situação real de trabalho, os trabalhadores (re)
engloba atividade e subjetividade de maneiras
interconectadas, estudando a atividade real e criam estratégias, em um movimento contínuo
o real da atividade. (CLOT, 2006; CLOT, 2010). de (re)normatização”.
Yves Schwartz apresentou uma visão Disciplinam Admardo Bonifácio Gomes
ergológica do trabalho. Júnior e Yves Schwartz (2014) que o DD3P
Esclarece Jussara Cruz de Brito (2011) é “um dispositivo clínico de intervenção,
que:

A ergologia não se caracteriza como uma 7 Dejours e Bègue (2010) fazem uma
nova disciplina ou um novo campo do reflexão acerca do trabalho vivo, a conferir:
saber, mas sim como uma perspectiva “Realmente, a clínica do trabalho e, sobretudo, a
ergonomia mostraram, já há um bom tempo, que o
de análise e de intervenção sobre o
trabalho ordinário é incansável e inexoravelmente
trabalho gestada entre o final dos anos perturbado por incidentes, panes, disfunções,
60 e o início dos anos 80. [...] Como imprevistos e acidentes. Em outros termos: as
perspectiva de análise e intervenção ciências do trabalho mostram que, mesmo quando
o trabalho é rigorosamente organizado por pessoas
sobre os problemas que emergem do
que sabem o que é o trabalho - notadamente
trabalho, a ergologia explora o ponto engenheiros -, pelo serviço dos métodos ou
de vista da atividade humana em pelos projetistas, em realidade a previsibilidade
suas circulações, entendendo que a do trabalho é inevitavelmente desmentida por
imprevistos, ou seja, por aquilo que justamente
atividade do trabalho opera como uma
foge à previsão (incidentes, panes, disfunções,
matriz. (BRITO, 2011, p. 479). imprevistos, acidentes). Esta é a razão pela qual é
necessário - e será necessário sempre - o trabalho
vivo.” (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 50).

A Ergologia amplia os estudos da

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produção e circulação de saberes que visa 2 Transtornos mentais relacionadas ao


ampliar a margem de manobra na lacuna trabalho: trabalhadores desolados
entre as normas antecedentes do trabalho e as
possibilidades de renormalização dos sujeitos Em seara mundial, os impactos da
expressas nas dimensões do uso do corpo-si globalização atingem o trabalhador. Por
exemplo, a Economia GIG ou Freelance
(por si e pelo outro).”
Economy vem se difundindo, marcada pela
Assim, a clínica ergológica conjuga
precarização das relações de trabalho8, sem
esses diferentes saberes, dedicando-se à qualquer proteção do Direito do Trabalho.
lacuna entre o trabalho prescrito e o real. O contrato de zero hora9 no Reino Unido
Os trabalhadores devem assumir um papel não garante ao trabalhador a carga horária
central para transformar os sistemas de saúde que irá trabalhar no mês e o recebimento de
e segurança do trabalho, catalisando um salário, agravando a insegurança do trabalho e
processo de transformação. segurança remuneratória do trabalhador.
Os trabalhadores públicos também
Cabe tratar do Modelo Operário Italiano
são afetados. Em que pese aos aspectos
(MOI) de saúde do trabalhador, formado por
parcialmente positivos ao cidadão do
um agrupado ordenado de pesquisadores,
movimento da New Public Management (NPM)
sindicalistas e profissionais da saúde que deram ou Nova Gestão Pública (NGP) desburocratizar
importante contributo ao desenvolvimento do o Estado e ampliar a accountability,
campo da saúde do trabalhador, combatendo consistente em uma abordagem dos serviços
a nocividade no trabalho. Pode-se citar como públicos, pode causar efeitos deletérios aos
exemplo significativo a investigação do MOI trabalhadores, pela cobrança aumentada e
sobre os riscos ocupacionais, que permitiu a cobranças individualizadas.
A dimensão do trabalho é identificada
criação do mapa de risco ─ atualmente norma
por Ulrich Beck (2016) de uma forma peculiar,
no Brasil ─ por meio do item 5.16 da NR-5.
ao dispor que:
Outro significativo aporte do MOI foi a
concepção de comunidade científica ampliada
(CCA), inspirando a comunidade ampliada de 8 Patrícia Maeda (2017, p. 46) assinala que a
pesquisa (CAP), privilegiando o diálogo com os precarização do trabalho é “[…] resultado direto da
reestruturação produtiva, que, por sua vez, fundada
trabalhadores. em princípios como o da flexibilidade, implica em
modelos de contratação de forma atípica (contrato
É preciso incentivar a gestão cooperativa temporário, subcontratação ou terceirização,
entre empregador e trabalhadores e entre contrato a tempo parcial ou com horário flexível) e no
agravamento das condições de trabalho, de modo
serviços de saúde e segurança no trabalho e que temos verificado nas formas de organização
trabalhadores para formar uma comunidade no do trabalho uma forte tendência ao que preferimos
denominar de precarização do emprego e das
trabalho direcionada a melhorar as condições condições de trabalho, subdivindo a precarização
do trabalho em duas vertentes […]”.
de trabalho, e não manter a produção à custo
9 Disposto nos artigos 27A e 27B do
de vidas humanas. Employment Rights Act 1996.

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Talvez não haja qualquer outra situação profissão que exerce na sociedade, ao invés de
em que a importância adquirida ser estimado pela honestidade com que exerce
pelo trabalho assalariado na vida
o seu trabalho. Disso, o trabalhar assume
das pessoas no mundo industrial se
revele tão claramente como quando posição crucial na saúde mental dos sujeitos.
dois desconhecidos se encontram e Os transtornos mentais são
perguntam: ‘o que você é?’, e não estigmatizados no trabalho. Edith Seligmann-
respondem como o que fazem nas Silva (2011) revela que os trabalhadores
horas vagas: criador de pombos, nem
têm receio de exteriorizar os sintomas dos
com a confissão religiosa: católico,
nem com alusão ao ideal de beleza: transtornos mentais10 relacionadas ao trabalho,
como você pode ver, ruivo e musculoso pois:
– mas, com a maior naturalidade de
um mundo que a bem da verdade [...] a resistência em assumir que não
parece meio fora dos eixos com uma havia suportado, suficientemente, o
tal resposta, com a profissão: técnico trabalho, conjugada ao receio de ser
da Siemens. Se sabemos a profissão do considerado ‘vagabundo’ e simulador
nosso interlocutor, acreditamos saber de doença para obter vantagens. O
quem ele (ela) é. A profissão serve de chefe geralmente lhes transmitem a
parâmetro mútuo de identificação, insatisfação e o menosprezo com que
com cujo auxílio contamos para avaliar encaravam ‘os que só viviam indo ao
as necessidades e capacidades pessoais médico e arranjando atestado para não
e a posição econômica e social daquele trabalhar’. (SELIGMANN-SILVA, 2011,
que a ‘tem’. Por mais curioso que seja, p. 272, grifo nosso).
produz-se a equivalência da pessoa
com sua profissão. Na sociedade em A citação da autora evidencia um
que a vida se alinha pela trama da
problema grave, que é o sofrimento, negado
profissão, se revela de fato algumas
informações-chave: renda, status,
pelo próprio trabalhador, decorrente do receio
conhecimentos linguísticos, interesses de revelar sua condição de saúde, por medo.
possíveis, contatos sociais etc. (BECK, Foi difundido falaciosamente, mesmo no meio
2016, p. 204). da saúde, o relatado pela autora, ou seja, que
quem sofre de algum transtorno ou doença
Essa constatação de Beck manifesta
pode ou poderia estar simulando uma doença.
a centralidade do trabalho ainda hoje, que
Configura atitude discriminatória contra
define a pessoa para o outro, ao mesmo tempo
o doente, acusá-lo de estar praticando simulação
em que expõe a curiosidade alheia, de tentar
sem apresentação de provas concretas da
identificar a posição econômica e social do outro
alegação, por quem a imputa, o que caracteriza,
a partir dessa pergunta: “o que você é”? Como
na realidade, um meio de humilhar, silenciar e
diz Beck, acaba-se por estabelecer parâmetros
de distinção ou identificação de alguém pela
10 Ressalta-se a incorreção do termo “doença
profissão que exerce, revelando informações- mental”, devendo ser utilizada transtorno mental.
chave. Logo o trabalhador percebe que é Nesse sentido, a American Psychiatric Association
(2014) faz uso da expressão “transtornos mentais”
digno de ser respeitado ou desrespeitado pela e a OPAS/OMS (2003) no CID-10 faz uso do termo
“transtornos mentais e comportamentais”.

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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desprezar o doente ─ embora ele se mantenha se defender, e sofrimentos que o


sofrendo em silêncio ─ a fim de que não indivíduo esconde; do contrário, se
fossem expressos, ele ficaria visado.
exponha as falhas da organização; tal conduta
(GAULEJAC, 2007, p. 214).
objetiva um ganho secundário para aquele
que injustamente acusa o outro de simulação,
Aqui fica compreensível a conduta
como forma de fugir da responsabilidade de
do trabalhador de esconder seu sofrimento
sua atribuição profissional, além de revelar a
mental, como forma de se defender para não
sua incompetência de compreender o doente
ficar visado pelo empregador.
e tentativa de justificar a omissão quanto à não
Christophe Dejours e Christian Jayet
adoção de qualquer medida preventiva para
(2014) expõem o descrédito do sofrimento dos
adaptar o trabalho à condição do ser humano.
trabalhadores pelos executivos, sendo que:
É uma estratégia calculada acusar o paciente/
trabalhador doente de simulador, pois, quem os executivos questionam a
assim o faz, acredita estar se protegendo interpretação dos dados clínicos: eles
diante da própria conduta omissa de não são considerados anedóticos e sem
ouvir as queixas do doente, de não promover significação geral. Os executivos, às
vezes, pensam que se trata apenas
as melhorias necessárias, de não realizar um
de choramingos e lamentações
tratamento, de não o afastar dos riscos que confinados ao serviço médico. Às
agravam a doença etc. vezes, pensam que se trata de queixas
Ademais, existe o transtorno factício isoladas e não a expressão de um
autoimposto, que é um transtorno mental (não problema coletivo. Eles pensam,
também, que existe no local, ‘maus
uma simulação) reconhecido pela CID, que
elementos’, quer dizer, pessoal de má
também exige tratamento e atenção ao que qualidade, concentrados no setor por
sofre. E, de toda forma, mesmo esse diagnóstico razões históricas (envelhecimento
requer obrigatoriamente comprovação de que do pessoal, seleção deplorável de
o paciente não está agindo com simulação, personalidades frágeis etc.). Os
executivos, às vezes, questionam o
não por mera alegação leviana do perito
médico do trabalho, sugerindo que
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, ele estaria dando atenção excessiva a
p. 325) queixas banais e, finalmente, que ele
Vicent de Gaulejac (2007) reconhece estaria provocando um problema sem
que muitos trabalhadores silenciam o consistência real, chegando mesmo a
questionar a qualidade profissional,
sofrimento mental no trabalho, dispondo que
sugerindo que o médico estaria muito
as empresas promovem: indulgente em relação ao pessoal, até
mesmo com animosidade intencional
[...] pressão, pelo tempo, pelos em relação a empresa”. (DEJOURS;
resultados, mas também pelo medo, JAYET, 2014, p. 72, grifo nosso).
que tem consequências terríveis.
Ele gera comportamentos de adição,
Nessa conjuntura, empresas possuem
estresse cultural, sentimento de
invasão, contra o qual é difícil de icebergs de transtornos mentais. Os dirigentes,

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parte perversos, sádicos, psicóticos, dizem que desconfortável. Estar fora da lei é por
as queixas referentes à saúde mental, que se si só desagradável. Para a maioria
das pessoas isso é ameaçador. [...]
dão nos consultórios médicos da empresa, não
Estar na ilegalidade é, às vezes, tão
passam de lamentações dos trabalhadores, insuportável que as pessoas, frequente
não lhes dando a atenção devida por isso; que ou sistematicamente, tentam se
os trabalhadores que sofrem adoecimento desembaraçar da responsabilidade
mental são indivíduos a serem expurgados da da fraude remetendo-a ao vizinho.
(DEJOURS; JAYET, 2014, p. 102-103).
empresa. E, o mais grave, que o médico do
trabalho que tudo isso evidencia, simplesmente
Essa revelação dejouriana é essencial
cumprindo o seu dever legal, ético e moral de
para se compreender os acidentes do
proteger a saúde dos trabalhadores, é tachado
trabalho e as doenças ocupacionais que, na
de estar provocando o problema. Assim,
realidade cotidiana dos médicos do trabalho,
quem diagnostica a relação causal entre o
são visualizados pelas empresas como os
trabalho e o transtorno mental do trabalhador
culpados pelos acidentes e doenças físicas,
é considerado o culpado, não os responsáveis
além dos transtornos mentais, pelo fato de
pela definição da organização do trabalho e da
os evidenciarem às claras. Não se tem como
gestão da empresa. Além do que, como visto, os
prevenir acidentes com essa concepção
médicos do trabalho ainda sofrem o desrespeito
empresarial, de considerar que o médico do
de terem a sua qualidade questionada pelos
trabalho deve praticar clandestinidades para
dirigentes empresariais e serem vistos como
proteger a empresa, sob pena de ser visto como
pessoas que intencionalmente querem
inimigo da empresa. Assim, o bom médico
prejudicar a empresa, enquanto na realidade é
do trabalho para a empresa é aquele que a
exatamente o contrário.
defende a qualquer custo, pelas falcatruas e
Exatamente é o que ocorre com o
manipulações documentais. É preciso que a
profissional do SESMT o que Dejours e Jayet
sociedade tenha conhecimento disso, para
(2014) afirmam que o trabalhador constata:
decidir, politicamente, que tipo de médico do
trabalho irá permitir que uma empresa possua.
se quebro-galhos, corro o risco de ser
puindo; se não o faço, corro o risco Ressalta-se que o atual modelo brasileiro é
de ser acusado de falta de iniciativa. É fracassado, com médicos do trabalho submissos
exatamente essa injunção paradoxal, aos dirigentes empresariais, pelo medo do
que é: causa de sofrimento, mal- desemprego diante da falta da garantia
entendidos, sonegação e má circulação
provisória de emprego, e ainda assim por
de informações, fechamento sobre si
mesmo e de desconfiança individual, serem empregados, não servidores públicos do
sentimento de injustiça, fechamento Estado, em serviço nas empresas, para, aí sim,
de coletivos face a outros coletivos terem total independência profissional.
e de constituição de antagonismos A desestruturação social do trabalho,
e conflitos interequipes. [...] A
a ceifar a solidariedade e a cooperação, “os
fraude conduz o sujeito a uma
posição psicológica extremamente principais componentes do viver-junto no

33
Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

trabalho”, desqualificando os empregos e (por exemplo, trabalho informal,


obrigando os trabalhadores a cometerem contratos a termo incerto e trabalho
a tempo parcial) (Artazcoz et al., 2005;
fraudes na suas atividades, fizeram o aumento
Kim et al., 2006). Os trabalhadores que
das patologias relacionadas à saúde mental do sentem precariedade no seu trabalho
trabalho e o suicídio no trabalho. (DEJOURS; sofrem efeitos adversos significativos
BÈGUE, 2010, p. 53). na sua saúde física e mental (Ferrie et
Vejamos que até os trabalhadores al., 2002). [...] A falta de qualidade de
trabalho pode afetar a saúde mental
que sofrem acidentes do trabalho são
tanto quanto a perda de trabalho
discriminados no meio ambiente do trabalho (Bartley, 2005; Muntaner et al., 1995;
e doenças ocupacionais, como evidencia Edith Strazdins et al., 2007). (ORGANIZAÇÃO
Seligmann-Silva (2011): MUNDIAL DA SAÚDE, 2010, p. 77).

Trabalhadores que sofreram acidentes Edith Seligmann-Silva (2011) destaca


passam frequentemente a sofrer acerca de aspectos que podem ser considerados
discriminação e desqualificação, sob
biopsicossociais que envolvem os portadores
alegações geralmente mal esclarecidas
e de caráter depreciativo, como a de de transtorno mental e o determinante social
que estariam com menor capacidade trabalho, declarando que:
laborativa, ou de que talvez fossem
desatentos e ‘propensos a acidentes’. A discriminação dos ‘nervosos’
Uma causa real, porém ocultada, seria emerge, assim, como um outro fato
possivelmente o fato de que a presença de superexploração vinculado à
do acidentado poderia pôr em risco desqualificação. Pessoas estigmatizads
as defesas psicológicas de repressão como ‘desviantes’, especialmente
e negação do medo, presentes após hospitalizações psiquiátricas,
no coletivo dos trabalhadores. Os encontram dificuldades para serem
portadores de doenças decorrentes do aceitas no mercado formal de trabalho
trabalho sofrem, em geral, a mesma e frequentemente são exploradas
discriminação. (SELIGMANN-SILVA, em subempregos ou, mesmo,
2011, p. 228). em trabalhos não pagos ou sub-
remunerados, prestados a familiares.
Assume essa realidade uma óptica Algumas empresas, ao receberem
nefasta, visto que os acidentados e doentes são de volta empregados que passaram
por hospitalização psiquiátrica, os
discriminados quando do retorno do trabalho,
recolocam em postos de trabalho
mesmo que com capacidade para o trabalho e,
desqualificantes. [...] Alessi identificou
muitas vezes, pelos seus próprios superiores, que, em pessoas marginalizadas que
em uma estratégia de desqualificação dos que viviam uma situação de ‘rotulação
sofrem acidentes. psiquiátrica’, a desqualificação
Em face disso, a OMS (2010) assinala as desempenhava importante papel na
consequências dos trabalhos precários: dinâmica social vinculada à produção
de comportamentos que conduzem a
Maus resultados de saúde mental essa rotulação.”. (SELIGMANN-SILVA,
estão associados ao emprego precário 2011, p. 227-228).

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
Artigos

Pelo que se examina, os que sofrem de a empresa busca de forma dolosa a exploração
transtornos mentais, relacionados ao trabalho, do sofrimento dos trabalhadores, como forma
encontram dificuldades de se recolocarem de aumento da produção do trabalho; assim
no mercado de trabalho, sendo submetidos como explora a ansiedade dos trabalhadores,
a trabalhos precários e subempregos, o que pois o “medo é também um instrumento de
pode agravar ainda mais sua condição mental, controle social na empresa”. Há uma desolação
com repercussão por toda a vida. nos trabalhadores, em parte promovida pelas
Christophe Dejours e Christian Jayet avaliações individualizadas de desempenho,
(2014, p. 89-90) indicam as expressões diretas que ocasiona concorrência entre os colegas de
do sofrimento vivenciado pelos trabalhadores, trabalho e deslealdade (DEJOURS, 2008, p. 80).
que os levam a “atitudes agressivas, medo de Não se trata de repelir as avaliações
boatos, sentimento de não reconhecimento e o controle de qualidade, mas de amplificá-
dos méritos específicos, vivência de injustiça, los “[...] aos próprios avaliadores, para que
destruição da confiança recíproca entre fosse feita por pesquisadores com qualidades
trabalhadores; desenvolvimento de um específicas para realizá-la, pesquisadores
individualismo, o fechamento de cada um que saberiam ajudar e não punir as pessoas
em sua esfera privada etc”. Já as defesas avaliadas, que saberiam treinar e estimular
contra esse sofrimento são evidenciadas os profissionais em vez de desencorajá-los e
quando o trabalhador se “desvencilha das desmoralizá-los. (CHAMPAGNE, 2008, p. 16)
responsabilidades, a adotar a conduta de O sofrimento acarreta o
‘cada um por si’, à desconfiança sistemática, desenvolvimento de estratégias defensivas,
em enfrentar o sofrimento no silêncio e só individuais e coletivas, de proteção, adaptação
verbalizá-lo no consultório médico, recusar a ou exploração, acabando por se tornar uma
cumprimentar os colegas, denunciar outros ideologia defensiva, fruto de uma alienação.
grupos de incompetentes no trabalho, etc”. Dejours (2008) reflete acerca das
(DEJOURS; JAYET, 2014, p. 90-92). estratégias de defesa contra o sofrimento:
A realidade evidencia que ampla parcela
das empresas propositadamente não tem O trabalho também provoca uma
série de sofrimentos em razão de
interesse de criar um ambiente de trabalho
constrangimentos deletérios, como os
saudável na seara mental dos trabalhadores,
constrangimentos de cadências ou de
pois adota conscientemente a gestão pelo qualidade; os constrangimentos sociais
medo. Destaca Christophe Dejours (1992, p. da dominação, injustiça, desprezo,
96) que “a erosão da vida mental individual humilhação; as exigências de usuários e
clientes – eventualmente sua violência,
dos trabalhadores é útil para a implantação de
um vez que esta entrou na ordem do
um comportamento condicionado favorável à
dia. Trabalhar é também suportar esse
produção. O sofrimento mental parece como sofrimento. Isso faz parte do trabalho.
intermediário necessário à submissão do Para tanto, os agentes constroem
corpo”. estratégias coletivas e individuais de
defesa que fazem parte, sem sombra
Destaca Dejours (1992, p. 102-113) que

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

de dúvida, do trabalho efetivo. Mas É importante estabelecer um equilíbrio


todas essas estratégias, mesmo sendo entre a vida profissional e a vida privada. Nesse
custosas e pacientemente construídas
sentido a OMS (2010) apontou que:
pelos agentes, têm a propriedade de
ter um funcionamento inconsciente.
Reconhece-se crescentemente que o
(DEJOURS, 2008, p. 50).
excesso de trabalho e consequente
desequilíbrio entre a vida profissional
Deve-se adotar um protocolo para e a vida privada tem efeitos negativos
prevenção e investigação de casos de para a saúde e o bem-estar (Felstead
et al.,2002). Reequilibrar o trabalho e
transtornos mentais relacionados ao trabalho
a vida privada exige apoio legislativo
(TMRT). Para tanto, cabível apurar os riscos
e relativo às políticas do governo,
ocupacionais de cada local de trabalho, com que permitam que os pais tenham o
a participação ativa dos trabalhadores. Nesse direito de tomar conta dos seus filhos,
ínterim, devem ser levantados todos os riscos e a garantia de cuidados às crianças
independentemente da capacidade
ocupacionais: físicos, químicos, biológico,
financeira, para além de benefícios
ergonômicos e de acidentes, com destaque
como horário de trabalho exível,
para os riscos químicos, que podem estar férias pagas, licença de maternidade
ocasionando intoxicações neurotóxicas e para e paternidade, emprego partilhado
os de natureza psicossocial. e licença prolongada (Lundberg
et al., 2007). Este tipo de políticas
O Protocolo de Investigação do Nexo
já começou a ser implementado,
Causal dos TMRT, proposto por Duílio Antero
sobretudo em países de rendimento
de Camargo et. al. (2010, p. 132-137), é um elevado. Os trabalhadores informais,
importante instrumento para compreensão dos como acontece com outras legislações
riscos que possam gerar danos à saúde mental de protecção, são excluídos destes
benefícios. É chegado o momento
dos trabalhadores, ao investigar os riscos de
dos governos, com a participação dos
natureza ocupacional relacionados à empresa
trabalhadores, tanto formais como
e ao trabalhador (envolvendo o seu grau de informais, desenvolver incentivos para
relacionamento com colegas e chefia; grau de promoção das políticas de equilíbrio
satisfação e realização no trabalho); os riscos de de vida profissional e privada apoiar
e políticas de protecção social, que
natureza social; os riscos de natureza psíquica,
incluam mecanismos claros para
os episódios de TMRT atuais e anteriores e os
financiamento e responsabilização.
principais indicadores de transtornos para a (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
saúde mental relacionados aos riscos psíquicos. 2010, p. 85).
Adverte-se, todavia, que a aplicação do
protocolo é operador-dependente; então, deve Determina a OMS (2010, p. 89) que “[...]
ser aplicado e registrado por um profissional a informação existente sugere a necessidade
com independência profissional completa, em de expansão do alcance da SHST [Segurança,
relação ao empregador, e imparcial, para evitar Higiene e Saúde no Trabalho] para inclusão
que seja usado inadvertidamente como meio do stress relacionado com o trabalho e
de culpabilidade do trabalhador desolado. comportamentos prejudiciais”.

36
Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
Artigos

Sobressai que os agentes patogênicos e Quanto ao estresse ocupacional,


os sintomas psiconeurológicos não são somente definem Dúlio Antero de Camargo et. al. (2010,
os relacionados com riscos psicossociais, mas p. 60) que:
também de substâncias químicas e até de o estresse ocupacional pode influenciar
o comportamento, desencadeando ou
ruído, conforme Quadro VIII, o que indica a
agravando o absenteísmo, a drogadição,
necessidade de investigação.
os distúrbios do sono, o tabagismo
e o consumo de cafeína. Além disso,
Quadro I – Agentes Patogênicos e Sintomas pode levar a alterações dos sistemas
Psiconeurológicos musculoesqueléticos, vegetativo
(autônomo), endocrinológico e
imunológico. (CAMARGO et. al, 2010,
Agentes Sintomas
Patogênicos Psiconeurológicos p. 60)

Delírio, excitação e
Detemina a Organização Mundial da
Benzeno depressão, embriaguez, Saúde (2010) que:
desorientação
O stress no trabalho está ligado a
um aumento de 50% do risco de
Alucinações, excitação
aterosclerose coronariana (Marmot,
Chumbo e depressão, insônia,
2004; Kivimäki et al., 2006) e existem
convulsão, coma
provas consistentes segundo as quais
a elevada exigência no trabalho, baixo
Riscos impulsivos,
nível de controle e desequilíbrio entre
Manganês tremores, hipomímica
esforço e recompensa são fatores de
facial, queixas sensoriais
risco para problemas de saúde mental
e física (Stansfeld & Candy, 2006).
Alucinação, excitação e
Mercúrio1 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
depressão, paralisia
2010, p. 78).
Monóxido de Tetania, embriaguez,
carbono cefaleia, paralisia, coma Assim, são diversas as repercussões
decorrentes dos estressores mentais, podendo
Sulfeto de carbono Cefaleia, coma atingir além do aparelho psíquico. Há casos
Estresse, instabilidade de morte pelo excesso de trabalho (karoshi)11,
neurovegatativa (distúrbios em uma morte súbita pelos estressores
digestivos), estado de ocupacionais físicos e/ou psíquicos.
Ruído
angústia, distúrbios
psíquicos, aumento de
depressão. 11 Esclarace a Enciclopédia de Saúde e Segurança
no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho
Fonte: CAMARGO et. al., 2010, p. 140. que “Karoshi é uma palavra japonesa que significa morte
por excesso de trabalho. Este fenômeno foi inicialmente
1 No Brasil, o Decreto Legislativo n° 99/2017 Brasil reconhecido no Japão”, e que uma análise de ocorrências
aprovou o texto da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, apontou que “os casos de karoshi eram de trabalhadores
com o objetivo de “proteger a saúde humana e o meio ambiente entusiasmados e dedicados, então eles tenderam a
das emissões e liberações antropogênicas de mercúrio e de
esquecer sua necessidade de descanso periódico, e até
compostos de mercúrio”. (BRASIL, 2017a)
mesmo a necessidade de atenção médica”. (HARATANI,
1998, p. 5.20).

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

O modelo Demanda-Controle de Demanda psicológica: reflete quão duro


Karasek (Figura 8) é uma teoria para esclarecer o indivíduo trabalha, inclui a presença
de prazos-limite, o esforço mental e o
o estresse no trabalho que se baseia na
estímulo necessário ao cumprimento
demanda psicológica e na demanda do controle da tarefa, ou a coordenação de cargas,
e tomada de decisões no trabalho. estressores provenientes de conflitos
interpessoais, medo de perder o
Figura 1 - Modelo Demanda-Controle de emprego e de obsolescência, turnos
Karasek alternados.
Latitudes de decisão: refere-se à
habilidade do trabalhador de controlar
suas atividades e usar as habilidades.
Inclui dois componentes: autoridade
da tarefa (autonomia) e discrição de
habilidade (controle sobre o uso das
habilidades). (GLINA, 2014, p. 10, grifo
nosso)

Conforme a teoria, o trabalho pode


ser classificado de quatro formas: baixo
desgaste, trabalho passivo; alto desgaste e
trabalho ativo. Assim, é possível conferir que
Fonte: PEREIRA et. al (2014).
trabalhadores com altas demandas psicológicas
e baixo controle e decisão no trabalho são
Esclarecem Dúlio Antero de Camargo
mais propensos a desenvolverem sofrimento
et. al. (2010, p. 58) que:
psíquico e físico, estando em alto desgaste12.
a carga de trabalho, quando demasiado
O trabalho passivo leva a prejuízos a
baixa, pode levar o trabalhador a uma saúde mental do trabalhador, quando se tem
hipoprosexia (diminuição da atenção), uma baixa demanda psicológica concomitante
a aborrecer-se e perder a motivação.
Em contrapartida, exigências
demasiadamente elevadas acabam 12 A Declaração de Luxemburgo sobre Promoção
acarretando uma fragmentação dos da Saúde no Local de Trabalho na União Europeia,
atualizada em 2007, reconhece a dicotomia do trabalho
processos cerebrais e deterioração da para a saúde: “O local de trabalho influencia a saúde e
capacidade de julgamento. (CAMARGO a doença de várias formas. O trabalho pode provocar
et. al, 2010, p. 58). alterações da saúde quando os trabalhadores exercem
atividades em condições lesivas para a saúde, se as
capacidades individuais disponíveis são inadequadas, ou
se o suporte mútuo dos colegas é insuficiente. Mas, no
Tal modelo é condizente ao determinar entanto, o trabalho pode ser fonte de desenvolvimento
pessoal e reforçar as competências e as capacidades
a capacidade do sujeito de controlar as
individuais.”. Ainda, indica que um dos princípios de
exigências no trabalho. O modelo envolve a uma empresa deve ser instituir “códigos de conduta e
diretrizes da empresa que vêem os funcionários não
apuração da demanda psicológica e da latitude
como fatores de custo, mas como fatores de sucesso
da decisão, sendo classificadas como: importantes”. (UNIÃO EUROPEIA, 2007)

38
Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
Artigos

com um baixo poder de controle e decisão existência de uma doença, lesão cerebral ou
no trabalho. E, certas vezes, o assédio ao outra afecção que justifique a disfunção cerebral;
trabalhador é promovido obrigando-se este os transtornos mentais e de comportamento
a se deslocar para um trabalho passivo, decorrentes do uso de substâncias psicoativas
desmotivado. (F10-F19) são definidos como transtornos
Um trabalho ativo permite aprendizado relacionados à intoxicação e uso nocivo
e motivação, decorrentes de sua demanda de substâncias psicoativas, como álcool,
psicológica alta (com moderação) e também o canabinoides, cocaína, tabaco, uso de solventes
controle no trabalho. voláteis, múltiplas drogas e outras substâncias;
Conforme a Classificação Estatística a esquizofrenia, transtornos delirantes, outros
Internacional de Doenças e Problemas (F20-F29) têm como considerações gerais
Relacionados à Saúde, em sua décima revisão, serem qualificados por sintomas alucinatórios,
(CID-10), da Organização Pan-americana de delirantes, modificações do comportamento,
Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da sem lesão cerebral comprovada; os transtorno
Saúde (OMS), é a seguinte, a classificação geral de humor (F30-F39) são especificados por
dos transtornos mentais e de comportamento: alterações do humor e afetos, como transtorno
(F00-F09) transtornos mentais orgânicos, afetivo bipolar, mania, depressão, transtornos
inclusive os somáticos; (F10-F19) transtornos depressivos, transtornos persistentes do
mentais e comportamentais devidos ao humor; os transtornos mentais neuróticos,
uso de substância psicoativa; (F20-F29) relacionados ao estresse e somatoformes
esquizofrenia, transtornos esquizotípicos (F40-F48) são descritos por sintomas ansiosos,
e delirantes; (F30-F39) transtornos do depressivos, fóbicos, obsessivos-compulsivos,
humor; (F40-F48) transtornos neuróticos, dissociativos e somatoformes; as síndromes
transtornos relacionados com o “stress” comportamentais associadas a transtornos
e transtornos somatoformes; (F50-F59) fisiológicos e fatores físicos (F50-F59) têm
síndromes comportamentais associadas com predomínio de desordens de alimentação,
distúrbios fisiológicos e a fatores físicos; sono, função sexual, puerpério e outros; os
(F60-F69) transtornos da personalidade e transtornos de personalidade (F60-F69) são
do comportamento do adulto; (F70-F79) definidos por padrões de comportamento
retardo mental; (F80-F89) transtornos do permanente, sendo os principais tipos de
desenvolvimento psicológico; (F90-F98) personalidade a paranoide, esquizoide,
transtornos do comportamento e transtornos antissocial, emocionalmente instável,
emocionais que aparecem habitualmente na histriônica, anancástica, ansiosa e dependente.
infância ou na adolescência; (F99) transtorno (CAMARGO et. al., 2010, p. 23-29).
mental não especificado. (OPAS/OMS, 2003, p. O CID-10 ainda especifica fatores que
303). influenciam o estado de saúde e o contato dos
Cabe uma análise dos principais serviços de saúde, como nítida repercussão
transtornos citados: os transtornos mentais no mundo do trabalho, especificados entre
orgânicos (F00-F09) são caracterizados pela os códigos Z00-Z99. São exemplos destes: Z56

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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– problemas relacionados com o emprego e Serviços de Saúde sobre Doenças Relacionadas


com o desemprego, entre eles o desemprego ao Trabalho, do Ministério da Saúde (2001),
(Z56.0), mudança de emprego (Z56.1); ameaça apresenta, entre outras doenças, as referentes
de perda de emprego (Z56.2); ritmo de trabalho a transtornos mentais e do comportamento
penoso (Z56.3); desacordo com patrão e relacionados ao trabalho, reconhecendo
colegas de trabalho (Z56.4); má adaptação ao que assim são: demência em outras doenças
trabalho (Z56.5); outras dificuldades físicas específicas classificadas em outros locais
e mentais relacionadas ao trabalho (Z56.6); (F02.8); delirium, não sobreposto a demência
outros problemas e os não especificados (F05.0); transtorno cognitivo leve (F06.7);
relacionados com o emprego (Z56.7); Z57 transtorno orgânico de personalidade (F07.0);
– exposição ocupacional a fatores de risco, transtorno mental orgânico ou sintomático
entre eles o ruído (Z57.0); radiação (Z57.1); não especificado (F09); alcoolismo crônico
poeira (Z57.2); outros contaminantes do ar relacionado ao trabalho (F10.2); episódios
(Z57.3); agentes tóxicos na agricultura (Z57.4); depressivos (F32); estado de estresse pós-
agentes tóxicos em outras indústrias (Z57.5); traumático (F43.1); neurastenia (inclui
temperaturas extremas (Z57.6); vibração “Síndrome de Fadiga”) (F48.0); outros
(Z57.7); outros fatores de risco (Z57.8); fator transtornos neuróticos, incluindo “neurose
de risco não especificado (Z57.9); Z58 – profissional”; transtorno do ciclo vigília-
problemas relacionados com o ambiente físico; sono, devido a fatores não orgânicos (F51.2)
Z59 - problemas relacionados com a habitação e sensação de estar acabado (síndrome
e com as condições econômicas, entre outros de burnout, síndrome do esgotamento
a baixa renda (Z59.6); seguro social e medidas profissional) (Z73.0). (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
de bem-estar social insuficientes (Z59.7); Z60 2001, p. 161-194).
– problemas relacionados com meio social, Deve-se discernir entre as síndromes
entre eles por exclusão e rejeição sociais psiquiátricas orgânicas relacionadas ao trabalho
(Z60.4); discriminação e perseguição (Z60.5); (SPORT) e as síndromes psiquiátricas não
Z65 – problemas relacionados com outras orgânicas relacionadas ao trabalho (SPNORT).
circunstâncias psicossociais; Z73 – problemas A primeira é referente a distúrbios que têm
relacionados com a organização do modo de como desencadeador agentes neurotóxicos13
vida, entre eles o esgotamento (Z73.0), falta ou consumo excessivo de bebidas alcóolicas.
de repouso e de lazer (Z73.2); “stress” não (CAMARGO et. al., 2010, p. 41).
classificado em outra parte (Z73.2); habilidades Segundo a Lista B do Decreto n° 3.048,
sociais inadequadas (Z73.4); conflito sobre de 6 de maio de 1999 (Quadro IX), e a Portaria
o papel social (Z73.5); limites impostos às de Consolidação n° 5/2017, do Ministério
atividades por invalidez (Z73.6); outros da Saúde, os agentes etiológicos mais
problemas relacionados com a organização do
modo de vida (Z73.8). (OPAS/OMS, 2003, p.
13 Neste grupo das intoxicações ocupacionais
1077-1125). se classificam as doenças profissionais, em que
o trabalho é causa necessária e há o nexo com o
O Manual de Procedimentos para os
trabalho.

40
Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
Artigos

frequentes nos locais de trabalho que possam 1. Tolueno e outros solventes


causar SPORT são o manganês; brometo de aromáticos neurotóxicos (X46.-;
metila; sulfeto de carbono; tolueno e outros Z57.5) (Quadro III)

solventes aromáticos neurotóxicos, chumbo; 2. Chumbo ou seus compostos


tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro VIII)
e outros solventes orgânicos halogenados 3. Tricloroetileno, Tetracloroetileno,
III - Outros
neurotóxicos, além de mercúrio e seus Tricloroetano e outros solventes
transtornos
compostos tóxicos. mentais orgânicos halogenados neurotóxicos
Diante dessa condição, a primeira decorrentes de (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

análise a ser realizada em caso de trabalhador lesão e disfunção 4. Brometo de Metila (X46.-; Z57.4 e
cerebrais e de
apresentando suposto transtorno mental doença física
Z57.5) (Quadro XIII)
e do comportamento relacionado com o (F06.-): Transtorno 5. Manganês e seus compostos
trabalho, antes de adentrar na apuração de Cognitivo Leve tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)
(F06.7)
riscos psicossociais, é a averiguação dos riscos 6. Mercúrio e seus compostos tóxicos 
de natureza orgânica a que está exposto, a (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)
exemplo dos referidos agentes neurotóxicos. 7.  Sulfeto de Carbono (X49.-;
Z57.5) (Quadro XIX)
Quadro II – Transtornos Mentais e do
8.  Outros solventes orgânicos
Comportamento Relacionados com o Trabalho
(Grupo V da CID-10). neurotóxicos  (X46.-; X49.-; Z57.5)

IV - Transtornos de
Agentes Etiológicos ou Fatores de 1. Tolueno e outros solventes
Doenças personalidade e de
Risco de Natureza Ocupacional aromáticos neurotóxicos (X46.-;
comportamento Z57.5) (Quadro III)
decorrentes de
2.  Tricloroetileno, Tetracloroetileno,
1.  Manganês  X49.-; Z57.5)  (Quadro doença, lesão e
Tricloroetano e outros solventes
XV) de disfunção de orgânicos halogenados neurotóxicos
I - Demência e personalidade (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)
outras doenças 2.  Substâncias asfixiantes: CO, H2S, (F07.-): Transtorno
3. Brometo de Metila (X46.-; Z57.4 e
específicas etc. (seqüela) (X47.-; Z57.5) (Quadro Orgânico de Z57.5) (Quadro XIII)
classificadas em XVII) Personalidade
4. Manganês e seus compostos
outros locais (F07.0); Outros
3.  Sulfeto de Carbono (X49.-; tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)
(F02.8) transtornos de
Z57.5) (Quadro XIX) 5. Mercúrio e seus compostos tóxicos
personalidade e de
(X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)
comportamento
1. Brometo de Metila  (X46.-; Z57.4 e 6.  Sulfeto de Carbono (X49.-;
II - Delirium, não decorrentes de
Z57.5) (Quadro XIII) Z57.5) (Quadro XIX)
sobreposto a doença, lesão ou
disfunção cerebral 7.  Outros solventes orgânicos
demência, como 2.  Sulfeto de Carbono (X49.-;
neurotóxicos  (X46.-; X49.-; Z57.5) 
descrita (F05.0) Z57.5) (Quadro XIX) (F07.8)

41
Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

1. Tolueno e outros solventes


aromáticos neurotóxicos (X46.-;
Z57.5) (Quadro III)
2.  Tricloroetileno, Tetracloroetileno, VIII -  Reações ao
1.  Outras dificuldades físicas e
Tricloroetano e outros solventes “Stress” Grave e mentais relacionadas com o trabalho:
orgânicos halogenados neurotóxicos Transtornos de reação após acidente do trabalho
V - Transtorno
(X46.-; Z57.5) (Quadro XIII) Adaptação (F43.-): grave ou catastrófico, ou após assalto
Mental
3.  Brometo de Metila (X46.-; Estado de “Stress” no trabalho (Z56.6)
Orgânico ou Z57.5) (Quadro XIII) Pós-Traumático 2. Circunstância relativa às condições
Sintomático não de trabalho (Y96)
4. Manganês e seus compostos (F43.1)
especificado tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)
(F09.-) 5. Mercúrio e seus compostos tóxicos
(X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)
6.  Sulfeto de Carbono (X49.-;
Z57.5) (Quadro XIX)
7.  Outros solventes orgânicos
neurotóxicos  (X46.-; X49.-; Z57.5) 1. Tolueno e outros solventes
aromáticos neurotóxicos (X46.-;
VI - Transtornos Z57.5) (Quadro III)
mentais e 2.  Tricloroetileno, Tetracloroetileno,
comportamentais 1. Problemas relacionados com o Tricloroetano e outros solventes
orgânicos halogenados (X46.-;
devidos ao uso do emprego e com o desemprego: Z57.5) (Quadro XIII)
álcool: Alcoolismo
Condições difíceis de trabalho (Z56.5) IX - Neurastenia 3. Brometo de Metila (X46.-; Z57.4 e
Crônico Z57.5) (Quadro XIII)
(Inclui “Síndrome
(Relacionado 2. Circunstância relativa às condições
de Fadiga”) (F48.0) 4. Manganês e seus compostos
com o de trabalho (Y96) tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)
Trabalho) (F10.2) 5. Mercúrio e seus compostos tóxicos
(X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)
6.  Sulfeto de Carbono (X49.-;
Z57.5) (Quadro XIX)
1. Tolueno e outros solventes
aromáticos neurotóxicos (X46.-; 7.  Outros solventes orgânicos
Z57.5) (Quadro III) neurotóxicos  (X46.-; X49.-; Z57.5)
2.  Tricloroetileno, Tetracloroetileno,
Tricloroetano e outros solventes
orgânicos halogenados neurotóxicos
(X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)
3. Brometo de Metila (X46.-; Z57.4 e
VII - Episódios Problemas relacionados com o
Z57.5) (Quadro XIII)
Depressivos (F32.-) emprego e com o desemprego (Z56.-
4. Manganês e seus compostos
X - Outros trans- ): Desemprego (Z56.0); Mudança
tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)
tornos neuróticos de emprego (Z56.1); Ameaça
5. Mercúrio e seus compostos tóxicos de perda de emprego (Z56.2);
especificados (In-
(X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI) Ritmo de trabalho penoso (Z56.3);
clui “Neurose Pro-
6.  Sulfeto de Carbono (X49.-; Z57.5) Desacordo com patrão e colegas
(Quadro XIX) fissional”) (F48.8) de trabalho (Condições difíceis de
7.  Outros solventes orgânicos trabalho) (Z56.5); Outras dificuldades
neurotóxicos  (X46.-; X49.-; Z57.5) físicas e mentais relacionadas com o
trabalho (Z56.6)

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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francesa:
1. Problemas relacionados com o
XI - Transtorno do emprego e com o desemprego: Má
Ciclo Vigília-Sono [...] todos os profissionais de saúde –
adaptação à organização do horário
Devido a Fatores de trabalho (Trabalho em Turnos ou a começar pelos médicos do trabalho
Não-Orgânicos Trabalho Noturno) (Z56.6) – estão de acordo em um ponto:
(F51.2) 2. Circunstância relativa às condições as patologias mentais ligadas ao
de trabalho (Y96)  trabalho não param de crescer e essa
evolução é indissociável do impacto
no trabalho provocado pelas novas
XII - Sensação de formas de avaliação e gestão que foram
Estar Acabado 1. Ritmo de trabalho penoso (Z56.3)  introduzidas há cerca de quinze anos
(“Síndrome de 2.  Outras dificuldades físicas e na França. (DEJOURS, 2008, p. 80).
Burn-Out”, “Sín- mentais relacionadas com o trabalho
drome do Esgota- (Z56.6)
mento Profissio- Com a evolução da proteção à saúde e
nal”) (Z73.0) segurança dos trabalhadores, nos processos
industriais, reduziram-se as SPORT; mas com
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos
da Lista B do Decreto n° 3.048, de 6 de maio de a precariedade no trabalho e o aumento de
1999. conflitos, ampliaram-se as SPNROT atualmente
Quanto às SPNORT não são derivadas pelos trabalhadores com os referidos
de intoxicações por agentes neurotóxicos ou estressores acima.
por lesões cerebrais. As SPNORT são as mais
conhecidas doenças de natureza psiquiátrica 3 Síndrome de Burnout
relacionadas ao trabalho, pois estão vinculadas

A Síndrome de Burnout (SB) foi
às condições de trabalho, à organização do
inicialmente manifestada em 1970 e é
trabalho e aos conflitos no trabalho.
definida pela literatura como uma combinação
Dispõem Duílio Antero de Camargo et.
de exaustão emocional (falta de energia),
al. (2010) como estressores psicossociais do
despersonalização (falta de sensibilidade e
trabalho:
distrato às pessoas) e baixa realização pessoal
Excesso de atividades, pressão de (diminuição do sentimento de competência)
tempo e trabalho repetitivo; Conflito causada pelo estresse ocupacional crônico.
de papéis entre subordinados e (MASLACH; JACKSON, 1986).
superiores; Falta de apoio social, por Seu surgimento técnico foi oriundo de
parte da chefia, colegas e família;
estudos na tentativa de se descobrir os fatores
Estressores físicos: produtos químicos,
ruídos, altas temperaturas e outros; envolvidos no adoecimento dos profissionais de
tecnologia de produção em série e saúde, “pois essa é uma categoria profissional
processos de trabalho extremamente que reconhecidamente possui alto risco de
automatizados; trabalho em turnos. adoecimento mental”. (CODO; LAGO, 2010, p.
(CAMARGO et. al., 2010, p. 58-59).
179).
Destacam Duílio Antero de Camargo
Destaca Dejours (2008) uma realidade
et. al. (2010, p. 67) que o Burnout é vinculado

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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a “[...] uma exposição contínua a estressores transtornos. Trata Dejours (2008) da


emocionais e interpessoais crônicos no interligação entre as doenças osteomusculares
trabalho”. Para seu diagnóstico, além do exame e as ordem psíquica:
clínico, pode-se utilizar uma escala de avaliação
Entre as patologias de sobrecarga, os
específica: a Maslach Burnout Inventory (MBI).
distúrbios osteomusculares trazem
É reconhecida pela OPAS/OMS no CID- questões muito interessantes do
10, pelo código Z73.0 (esgotamento), definido ponto de vista da etiologia, isto é,
como um estado de exaustão vital, fator que dos processos fisio-patológicos e
influencia o estado de saúde e o contato com os psicopatológicos subjacentes: o burn-
out, o Karôshi (morte súbita, descrita
serviços de saúde, podendo um trabalhador de
no Japão), mas também o uso de
qualquer profissão sofrer da referida síndrome remédios, as toxicomanias – boa parte
que é mais comum em trabalhadores que têm dos toxicomaníacos, principalmente
contato de forma direta e contínua com outras entre os executivos, tem relação
pessoas. com a sobrecarga do trabalho – e,
evidentemente, as depressões.
Sair do local de trabalho não significa
(DEJOURS, 2008, p. 81, grifo nosso).
necessariamente sair do trabalho, visto que
o trabalhador continua submergido pelos
Cabe destacar a despersonalização na
assuntos do trabalho. Dejours (2008, p. 65)
SB, definindo Klayne Leite de Abreu (2002)
destaca que no meio hospitalar já se comprovou
como:
“[...] a dificuldade encontrada em especial pela [...] o resultado do desenvolvimento de
equipe de enfermagem para deixar de pensar sentimentos e atitudes negativas, por
em seus pacientes quando saem do hospital”. vezes indiferentes e cínicas em torno
Tais condições reveladas agravam a daquelas pessoas que entram em
contato direto com o profissional, que
degeneração da saúde mental dos profissionais
são sua demanda e objeto de trabalho.
de saúde que têm contato cotidiano com Num primeiro momento, é um fator de
pessoas doentes em ambiente hospitalar, proteção, mas pode representar um
principalmente quando do setor oncológico risco de desumanização, constituindo
e de cuidados paliativos. Nessas profissões a dimensão interpessoal de burnout.
(ABREU et. al., 2002).
é essencial que o empregador desenvolva
estratégias coletivas para prevenção dos riscos
Ainda sobre o referido componente na
psicossociais, com programas de qualidade de
SB, destacam Cristiane da Rosa e Mary Sandra
vida que envolvam a espiritualidade, com livre
Carlotto (2005) que “a despersonalização faz
arbítrio do trabalhador para sua participação.
com que o profissional passe a tratar os clientes,
Os aspectos epidemológicos do Burnout
colegas e a organização como objetos, de
revelam que professores são afetados em razão
maneira que pode desenvolver insensibilidade
da desvalorização profissional, assim como
emocional”.
médicos, enfermeiras, dentistas. (CAMARGO
Os supracitados excertos demonstram
et. al., 2010, p. 68).
que esses trabalhadores frustrados desenvolvem
E a SB tem interconexão com demais

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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o componente da despersonalização que é forma, sentir o que os outros estão sentindo”.


sentido não somente pelos seus colegas de A falta de empatia entre os seres humanos
trabalho, mas, especialmente, pelas pessoas vem arruinando a tessitura social, cada vez
que ela tem contato e são seu objeto de mais marcada pela rivalidade entre as pessoas,
trabalho. Assim, professores tornam-se desconfiança mútua e a banalidade do mal.
desumanizados com seus alunos; médicos(as), Nesses exemplos evidencia-se
enfermeiros(as), técnicos de enfermagem claramente o risco para todos diante de um
tornam-se desumanizados com seus pacientes; risco ocupacional psicossocial, pelo que “[...]
secretárias tornam-se desumanizadas com os os clientes mal atendidos arcam com prejuízos
clientes. Logo, para quem deveriam prestar emocionais, físicos e financeiros, que podem,
melhor tratamento e atenção, por ser o seu por sua vez, estenderem-se aos seus familiares
objeto de trabalho, o qual lhe possibilita ter o e até ao seu ambiente de trabalho”. (TRIGO,
sustento financeiro e o seu trabalho, é onde 2014, p. 169).
depositam seu cinismo e um conjunto de A Síndrome de Burnout é
atitudes más com a intenção de prejudicar o reconhecidamente um transtorno relacionado
próximo. ao trabalho, pelo Decreto n° 3.048/1999 -
O trabalhador com despersonalização Listas A e B, e pela Portaria de Consolidação
transmuda-se num inimigo do seu objeto n° 5/2017 do Ministério da Saúde, sendo os
de trabalho, muitas vezes prejudicando-o agentes etiológicos determinados no Decreto:
deliberadamente, para atender a interesse ou ritmo de trabalho penoso (Z56.3); outras
sentimento pessoal. Nessa perspectiva, o risco dificuldades físicas e mentais relacionadas com
psicossocial do trabalho não atinge somente o trabalho (Z56.6).
os trabalhadores, mas é sentido por toda a Deve-se acrescentar, a título de
coletividade que se acostumar a receber o pior debate, que não é unânime o entendimento
de cada um. científico de que a Síndrome de Burnout seja
E essa coletividade, por exemplo, um diagnóstico médico próprio, podendo não
são os pacientes de médicos em hospitais e ser assim uma categoria nosológica. Acreditam
ambulatórios, que sofrem violência simbólica Renzo Bianchi et. al. (2015) que “o estado atual
e verbal, violência obstétrica, erro médico, da ciência sugere que o burnout é uma forma
inclusive com mortes e graves sequelas. de depressão do que um tipo de patologia
Entre os médicos não é incomum sofrerem diferenciado”, fundamentando sob os seguintes
de despersonalização, tratando os pacientes argumentos: “a base sobre a qual a construção
como objetos, sem sensibilidade pela sua de burnout se sente é tênue; o desgaste se
doença, fragilidade e condição. sobrepõe substancialmente com a depressão;
Entende Wanderley Codo e Kennyston a estrutura tridimensional da síndrome de
Lago (2010, p. 68) que “o componente burnout não é realista; o simples fato de definir
emocional da empatia refere-se à habilidade o burnout como relacionado ao trabalho não é
de perceber os estados emocionais internos nosologicamente discriminante”.
e subjetivos de outra pessoa. Dito de outra Diante do exposto, evidencia-se a

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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divergência na literatura científica quanto à se deve alcançar a “satisfação por compaixão”,


categoria nosológica da SB, indicando que sendo que “[...] o ato de ajudar é algo que
mais estudos médicos são necessários. De permeia todas as religiões e está fortemente
todo modo, um eventual futuro entendimento enraizado como um dos símbolos mais claros
no sentido exarado pelos supracitados autores de que uma pessoa possui uma ‘boa alma’,
não permite considerar que os trabalhadores levando a pessoa a ter empatia e compaixão
que a sofrem não estejam necessitando de por quem lida no seu trabalho. (CODO; LAGO,
atenção médica ou que não seja relacionada ao 2010, p. 199).
trabalho, diante de que, ainda assim, seria uma A precarização das condições de
forma de depressão relacionada ao trabalho, trabalho, em panorama mundial e sobretudo
com nexo causal ou concausal reconhecido. nos Estados Partes do MERCOSUL, juntamente
Cabe ainda pontuar a existência da com o desamor das pessoas pelas outras,
“fadiga por compaixão”, que é diversa da apresenta sinais de que a Síndrome de Burnout
SB, resultado da exposição crônica à dor e e a Fadiga por Compaixão cada vez mais serão
ao sofrimento, promovendo o estresse por uma realidade entre os trabalhadores, diante
compaixão, que desemboca na fadiga por do agravamento das dificuldades físicas e
compaixão, prevalecente nos profissionais da mentais relacionadas com o trabalho.
saúde. Esclarecem essa diferenciação entre
doenças Wanderley Codo e Kennyston Lago 4 Depressão
(2010):
Definem Duílio Antero de Camargo et. al.
O Burnout trata de uma síndrome que (2010, p. 60) que “a depressão é caracterizada
afeta aqueles trabalhadores que lidam pela presença de humor deprimido, perda de
com algum tipo de clientela; trata da interesse e prazer, e energia reduzida, levando
dinâmica do trabalho dos ‘cuidadores’, ao fatigamento aumentado baixa autoestima,
ou seja, toda e qualquer atividade alterações do sono e do apetite”.
que está ligada à prestação de algum
Vêm crescendo vertiginosamente o
serviço. Tais atividades englobam
desde o trabalho da recepcionista
estresse e a depressão no meio ambiente
até o do professor. Já a Fadiga por de trabalho. Como visto alhures, são duas as
Compaixão refere-se a uma síndrome naturezas dos riscos ocupacionais que podem
que atinge aqueles trabalhadores que estar relacionados com a depressão: os de
lidam, não com qualquer clientela, ordem orgânica e os relacionados a fatores
mas com pessoas em sofrimento e que psicossociais, sendo que os primeiros podem ser
necessitam de socorro. Assim, a Fadiga
decorrentes de intoxicação por neurotóxicos
por Compaixão trata da dinâmica do
manipulados nos locais de trabalho, como as
trabalho dos ‘socorristas’, englobando
toda e qualquer atividade ligada substâncias delimitadas no Quadro IX.
à prestação de serviços de ajuda/ Já quanto aos fatores psicossociais
socorro. (CODO; LAGO; 2010, p. 180). relacionados a trabalho, são exemplos:
“decepções sucessivas em situações de
Asseveram os supracitados autores que trabalho frustrantes; exigências excessivas

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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de desempenho geradas pelo excesso de trabalhadores com transtornos de ordem


competição; ameaças de perda do lugar na mental sofrem, pela estigmatização dos
hierarquia da empresa; perda do posto de transtornos mentais, até mesmo pelos
trabalho; demissão; situações de desemprego profissionais da saúde, que tentam associar
prolongado”. (CAMARGO et. al., 2010, p. 61). os transtornos mentais, no local de trabalho,
O diagnóstico de depressão, positivo a supostas simulações dos trabalhadores; ou
ou negativo, deve ser realizado de maneira que são “pessoas fracas”, que buscam ganhos
objetiva, principalmente quando de exames secundários, uma condição recorrente que
periciais, para evitar-se que o subjetivismo são dramas pessoais; que possuem problemas
do perito deixe contaminar a análise por suas na vida privada, em uma tentativa dos zelosos
convicções pré-concebidas. colaboradores do mal de proteger a empresa,
Para tanto, são os testes recomendados ao invés de investigarem os fatores de risco
para o diagnóstico da depressão: Minnesota orgânico e psicossociais a que o trabalhador
Multiphasic Personality Inventory (MMPI), o está exposto, que são sempre silenciados.
teste de Rorschach, o teste de apercepção A tentativa reiterada do empregador é
temática (TAT), o teste de Zulliger, o teste de promover um abafamento dos transtornos
de Bender e o HTP (teste da casa, árvore, mentais relacionadas ao trabalho, pelo receio
pessoa)”. E, entre as escalas para averiguação, da apresentação de novos casos em outros
são os principais: “inventário de depressão de trabalhadores. Em verdade, nessas situações
Beck (BDI), a escala de autoadministração de o que pode ocorrer é o iceberg de transtornos
Zung e a escala de avaliação para depressão de mentais emergir, evidenciando o sofrimento
Hamilton (HAM-D)”. (CAMARGO et. al., 2010, mental dos trabalhadores. E a empresa
p. 61-62). tenta com colossal potência manter esse
Desse modo, o trabalhador, tanto no iceberg submerso, para afastar a evidência
campo administrativo, dentro da empresa e na do nexo causal ou concausal, pelo silêncio,
perícia da previdência, bem como no âmbito omissão, fraude e clandestinidade, quando
judicial tem o direito de ter sua doença avaliada deveria investir eficazmente em programas
com critérios científicos. Não é aceitável que de prevenção de transtornos mentais e
o médico do trabalho da empresa, o perito programas de qualidade de vida, dando suporte
previdenciário e o perito judicial tomem a imediatamente aos casos de adoecimento
conclusão a partir do ponto de vista pessoal mental no trabalho, para evitar catástrofes.
no sentido de que determinado trabalhador Nessa trajetória, os trabalhadores
não possui depressão, mesmo sem realizar os demoram para buscar tratamento psicológico
exames acima expostos e ainda mais quando e psiquiátrico e agravam sua condição mental,
o trabalhador apresenta relatórios médicos pois o serviço médico da empresa não lhe
comprobatórios, receituários e medicamentos ampara; ao contrário, degenera-se ainda mais,
em uso psiquiátrico. diante de que um trabalhador com episódio de
Verifica-se que tais condições depressão leve, mal assessorado, pode evoluir
ainda existem, diante da psicofobia que os para grau moderado e grave.

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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5 Transtorno do Estresse Pós-traumático dentro dos primeiros três meses depois do


trauma, embora possa haver um atraso de
Casos em que trabalhadores sofrem de meses, ou até anos, antes de os critérios para
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) o diagnóstico serem atendidos”. (AMERICAN
vêm-se ampliando no mundo do trabalho, o PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 276).
que requer atenção, também, dos aplicadores Tal evidência médico-científica deve ser de
do Direito. ciência, pelos aplicadores do Direito, do
Dispõem Duílio Antero de Camargo reconhecimento do nexo causal ou concausal
et. al. (2010, p. 62) que “este transtorno é entre o evento estressor ocorrido no trabalho
caracterizado pela sensação de entorpecimento, e o aparecimento de sintomas, que pode
embotamento emocional, anedonia e ocorrer mesmo após anos, com uma expressão
principalmente pelos episódios de repetidas tardia do TEPT para preencher integralmente
vivencias do trauma, sob a forma de memórias os critérios de diagnóstico.
intrusas (flashbakcs)”. Já no que tange à duração dos
O TEPT pode conjuntamente estar sintomas do TEPT14 “[...] também varia, com a
associado a sintomas de depressão e ansiedade. recuperação completa em três meses ocorrendo
Dispõe a OPAS/OMS (2003, p. 337) que “em em aproximadamente metade dos adultos,
uma pequena proporção de casos, o transtorno enquanto alguns indivíduos permanecem
pode apresentar uma evolução crônica durante sintomáticos por mais de 12 meses e às vezes
numerosos anos e levar a uma alteração por mais de 50 anos”. (AMERICAN PSYCHIATRIC
duradoura da personalidade (F62.0)”, impondo, ASSOCIATION, 2014, p. 276).
portanto, atenção especial do serviço médico Novamente se faz necessária a instrução
da empresa e dos seus dirigentes. dos juristas em considerar que a duração dos
Situações no trabalho que podem sintomas pode ser bastante longa, diante de
provocar o TEPT como eventos estressores são, um estressor originado no trabalho da vítima.
por exemplo: assalto à mão armada e outras Quanto ao risco de suicídio do
situações de ameaça à vida; testemunho trabalhador, assinala-se que o “TEPT está
pessoal de um acidente de trabalho grave ou associado à ideação suicida e tentativas de
fatal; vivência de um acidente de trabalho suicídio, e a presença do transtorno pode
grave; acompanhamento frequente de pessoas
acusadas de furto para prestar depoimento 14 São escalas auxiliares para o diagnóstico
de TEPT, além da anamnese e do exame mental:
à delegacia como responsável pela empresa “Escala de avaliaçãoo de TEPT administrada pelo
clínico ou Clinician Administered TEPT Scale –
recebendo ameaças de morte; violência sexual,
CAPS (Blake, 1990), Impact of event scale (IES);
entre outros. Mississipi Rating Sclae for Combat Related PTSD
e MISS – Civilian Version; Significant Others Scale
“Os sintomas geralmente se manifestam – SOS, [...] Questionário de Sequelas do Trauma
(QST)”. (CAMARGO et. al., 2010, p. 63).

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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indicar quais indivíduos com essa ideação tem contornos de uma sociedade de risco, que
acabam elaborando um plano de suicídio ou envolve a todos. Como exemplo, destaca-se o
de fato tentam cometer suicídio”. (AMERICAN caso do voo Germanwings 9525 (uma empresa
aérea de baixo custo do Grupo Lufthansa),
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 278).
em 2015, que partiu da Espanha, com destino
À vista disso, deve-se aclarar os riscos
à Alemanha, e caiu matando todos os 144
psicossociais no ambiente de trabalho para
passageiros e 6 integrantes da tripulação, por
prevenção do TEPT, que pode ocasionar uma atitude intencional do copiloto, conforme
até mesmo o suicídio da vítima. Ressalta- investigação oficial do Ministério Público de
se que, conforme o Quadro IX, o TEPT é Düsseldorf (2017), sendo que o trabalhador
reconhecidamente um transtorno mental copiloto já havia passado por consulta em
relacionado ao trabalho, pela Decreto n° aproximadamente 40 médicos, incluindo
3.048/1999, pela Portaria de Consolidação n° psiquiatras, sem conhecimento por parte da
empresa, pelo receio de os médicos serem
5/2017 do Ministério da Saúde e expressamente
processados por quebra do sigilo médico.
pela Recomendação 194 da OIT.
A repercussão mundial fez com que fossem
6 Trabalho e suicídio alterados os regulamentos de aviação em
diversos países17.
O suicídio15 16
do trabalhador também Já na França, de 2006 a 2007 ocorreram
suicídios entre funcionários da Renault, com
15 “No Brasil, dados do Sistema de Informação recrudescimento após 2013.
sobre Mortalidade (SIM) apontam que, por ano, 11 Entre 2008 e 2009 uma onda de
mil pessoas tiram a própria vida. O suicídio já é a
quarta maior causa de morte de jovens entre 19 suicídios ocorreu na France Telécom (atual
e 29 anos e a terceira maior entre homens dessa
faixa etária no país. […] idosos de 70 anos ou mais
apresentaram as maiores taxas de mortalidade por armas de fogo ou colocar barreiras nas pontes) […]
suicídio: 8,9 casos para cada 100 mil habitantes, Há indícios de que, para cada adulto que morreu
sendo a taxa geral de 5,5 por 100 mil habitantes de de suicídio, pode haver mais de 20 outros tentando
2011 a 2016 no país”. (CONSELHO FEDERAL DE suicidar. Os suicídios são evitáveis. Para que as
MEDICINA, 2017, p. 11). respostas nacionais sejam efetivas, é necessária
uma estratégia multisetorial abrangente de
16 A Organização Mundial da Saúde (2014)
prevenção do suicídio […] O comportamento suicida
anuncia que “estima-se que 804.000 mortes por
geralmente ocorre como uma resposta ao estresse
suicídio ocorreram em todo o mundo em 2012 […]
psicológico pessoal em um contexto social onde
Em países mais ricos, três vezes mais homens
faltam fontes de apoio e podem refletir uma maior
morrem de suicídio do que as mulheres, mas,
ausência de bem-estar e coesão.”.
nos países de baixa e média renda, a relação
entre homens e mulheres é muito menor em 1,5 17 A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),
homens para cada mulher. […] Em alguns países, do Brasil, em 2015, recomendou as companhias áreas
as taxas de suicídio são mais altas entre os jovens “[...] implementar procedimentos que assegurem a
e, globalmente, o suicídio é a segunda principal permanência de pelo menos duas pessoas autorizadas
causa de óbito entre 15 a 29 anos. […] A ingestão na cabine de comando, em todos os momentos do voo,
de pesticidas, enforcamento e armas de fogo estão sendo que pelo menos uma delas seja sempre um piloto.
entre os métodos de suicídio mais comuns em Essa recomendação está em consonância com a de outras
todo o mundo. […] Restringir o acesso aos meios autoridades reguladoras da aviação civil do mundo, com
de suicídio é um elemento-chave dos esforços de base nas informações atualmente disponíveis sobre o
prevenção do suicídio. No entanto, significa políticas acidente com o voo 4U9525, da empresa Germanwings
de restrição (como limitar o acesso a pesticidas e [...]” (ANAC, 2015).

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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Orange S.A.), do ramo de telecomunicações. é dada a essa temática19.


Ivan du Roy (2009) registra que a empresa Christophe Dejours e Florence Bègue
promovia a gestão por estresse com o objetivo (2010, p. 13) relatam as dificuldades nas
de forçar trabalhadores à demissão18, pela apurações sobre suicídio, pois “as investigações
sua privatização e enxugamento de pessoal. sobre suicídio, e tudo o que precedeu o trágico
Admitiu-se que a France Telécom se tornou desfecho, terminam geralmente, antes mesmo
um laboratório de sofrimento, especialmente de iniciadas”; indicando a ausência de interesse
entre 2008 e 2009, com uma onda de em descobrir as causas reais do suicídio de
trabalhadores se suicidando; dezenas, mesmo trabalhadores.
após esse período. Alguns suicídios chegaram a Esclarecem Dejours e Bègue (2010)
acerca dessa condição que:
ser praticados em frente aos colegas, no local
de trabalho.
Em muitos casos que tomamos
Registra Edith Seligmann-Silva (2011) conhecimento, nenhuma investigação
que clínica pôde ser realizada após o
suicídio de um assalariado no local
No Japão, é corrente o reconhecimento de trabalho. Só a polícia interveio
jurídico de suicídios associados a para soltar o enforcado ou registrar
situações de trabalho que sejam as características do cadáver e seus
caracterizadas por sobrecarga ferimentos. O inquérito policial limita-
continuada, prolongamento das se ao laudo pericial: morte natural,
jornadas concomitante a ausência de suicídio ou homicídio. Depois, se limpa
folgas e exiguidade de horas destinadas o ambiente, uma boa faxina no canteiro
ao sono. A problemática tem sido ou no escritório, e o trabalho dos
denominada karojisatu. [...] No Brasil, colegas sobreviventes volta à rotina de
entretanto, pouco se divulga sobre sempre. A falta de reação coletiva, logo
a escalada de suicídios que ocorrem após o suicídio, pode ter consequências
no país em algumas categorias de desastrosas. Seria possível retomar o
trabalhadores, nem tampouco sobre trabalho normalmente, em seguida
o desespero e desalento dos que se ao espetáculo de um suicídio? O que
matam em situações de desemprego significa o silêncio que impera então?
[...]”. (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 548). Se o suicídio é um ato de acusação
indicando que o trabalho está em
causa neste desfecho fatal, a ausência
Constata-se que as tragédias de de reação significa, de fato, que nada
trabalhadores se suicidando vêm ocorrendo
com mais intensidade, como na França, no 19 No campo trabalhadores se suicidam utilizando
os próprios pesticidas, agrotóxicos e demais venenos que
Japão. Todavia, no Brasil, atenção inadequada manipulam no seu trabalho. Tendo ciência dessa realidade,
é obrigação dos trabalhadores tomarem medidas efetivas
de controle dessas substâncias, como uma intervenção
18 A Organização Mundial da Saúde (2014) revela preventiva. A epidemologia já demonstrou em R. Bonita
que perder um emprego “[…] e a incerteza financeira et. al. (2011, p. 158) o aumento dos casos de suicídio
levam a um aumento do risco de suicídio através diante da fácil disponibilização de substâncias mortais,
da comorbidade com outros fatores de risco como tendo o número de suicídios reduzido após medidas de
depressão, ansiedade, violência e uso prejudicial do controle.
álcool”.

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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será feito para elucidar a mensagem, de trabalho - ou manifestamente


que nada será feito para transformar em relação ao trabalho - revela a
a organização do trabalho e extirpar o desestruturação profunda da ajuda
que pode levar ao suicídio. Ademais, mútua e da solidariedade. Ou seja: a
isso significa que a situação é a intensa degradação do viver-junto em
mesma, permanece intocada, que o coletividade. Quando um assalariado
risco perdura. ‘Quem é o próximo?’ se suicida por razões que estão
é a pergunta inevitável que todos os relacionadas ao trabalho, é toda a
sobreviventes confessam deparar-se. comunidade de trabalho que já está
[...] A ausência de reação coletiva após sofrendo. (DEJOURS, BÈGUE, 2010, p.
um suicídio não pode ser considerada 21, grifo nosso).
como neutra. Ela tem um impacto
inevitável, agrava o sentimento de
Não há qualquer dúvida, então, da
impotência, de resignação, mesmo
lógica que assume a organização de trabalho
de desespero. Essa ausência sela,
ainda mais do que antes do evento, de empresas que apresentam um suicídio no
um pacto de silêncio entre os colegas local de trabalho, que é a da degeneração da
sobreviventes. (DEJOURS, BÈGUE, solidariedade.
2010, p. 22-23).
A adoção de avaliações individualizadas
de desempenho vem gerando adoecimentos
Ao que se examina, as investigações mentais nos trabalhadores, ao apontarem
policiais são omissas quando da apuração Dejours e Bègue (2010) que:
dos suicídios ocorridos no próprio local de
trabalho da vítima. Ademais, a falta de reação A avaliação individualizada dos
coletiva dos trabalhadores que não é neutra, desempenhos introduz a concorrência
transparece o pacto de silêncio existente, entre serviços, departamentos,
entre sucursais, mas também
podendo gerar em alguns até a síndrome do
entre os próprios assalariados.
sobrevivente.
[...] se acrescentarmos à avaliação
Apontam Christophe Dejours e Florence
individualizada do desempenho a
Bègue (2010):
ameaça de ser colocado na ‘geladeira’,
da transferência sumária, da queda em
Que um suicídio possa ocorrer no
desgraça, da demissão, então o método
local de trabalho indica que todas
gera não apenas o cada-um-por-si, mas
essas condutas de ajuda mútua e
ainda faz surgir rapidamente, para
solidariedade – que não era nem
além da ‘emulação saudável’, condutas
mais nem menos que uma simples
de concorrência e de rivalidade
prevenção das descompensações,
que derivam em condutas desleais:
assumidas pelo coletivo de trabalho
retenção de informações, boatarias,
– foram banidas dos costumes e da
‘rasteiras’, etc. A lealdade e a confiança
rotina da vida de trabalho. Em seu
são corroídas e são trocadas pela
lugar, instalou-se a nova fórmula do
desconfiança e o constrangimento de
cada um por si; e a solidão de todos
vigiar o comportamento dos colegas,
tornou-se regra. Agora, um colega
logo considerados como adversários.
afoga-se e não se lhe estende mais a
[...] Cada um é levado, aos poucos,
mão. [...] um único suicídio no local

51
Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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a adotar comportamentos que, no saúde mental. Todos os estudos


fundo, reprova. Pois é a solidariedade epidemiológicos o mostram: a
mesma que está sendo esmigalhada, privação de trabalho, a demissão,
triturada e, por fim, destruída. o desemprego de longa duração
(DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 45-46, grifo aumentam consideravelmente o risco
nosso). de descompensação psicopatológica,
expressa por alcoolismo, toxicomania,
depressão, violência, suicídio etc.
É grave a situação contemporânea da
Assim, se o trabalho pode gerar o
avaliação individualizada do desempenho dos
melhor e permitir a muitos sobrepor
trabalhadores; está na gênese da competição com eficácia as falhas no terreno
entre eles, com rivalidades entre assalariados psicológico - assentadas pela
que chegam a praticar condutas desleais hereditariedade e pela infância -
deve-se admitir que também pode,
reprovadas em seu próprio âmago, com
ao inverso, desempenhar um papel
agravamento de um padecer ético consigo preponderante nas descompensações.
mesmos e uma violência psicológica contra o (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 30-31).
outro. Desse modo, destaca-se que pode ocorrer
entre os trabalhadores a crise de identidade e Então, inequívoco que se o trabalho
a descompensação psicopatológica. Quanto permite parcela dos trabalhadores superar
aos que possuem comportamentos que no tendências de hereditariedade e traumas
fundo reprovam, são atingidos pelo sofrimento da infância, construindo sua identidade
ético, por adquirirem hábitos no trabalho que favoravelmente, admite-se também que pode
repudiavam e negavam. gerar o inverso, descompensar trabalhadores
Destacam os supracitados autores inclusive com boas vivências de infância e
que “[...] O faturamento nada tem a ver hereditariedade saudável.
com o trabalho despendido. Este método de Nesse contexto da fuga da
avaliação quantitativa é assim falso e gera,
responsabilização por parte dos dirigentes,
consequentemente, sentimentos de injustiça
afirmam Dejours e Bègue (2010) que:
que causam efeitos deletérios à saúde mental”.
(DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 45).
Contudo, os suicídios perpetrados A diretoria da empresa procura isentar-
pelos trabalhadores são vistos pelos dirigentes se de sua responsabilidade, imputando,
empresariais e acionistas como dramas geralmente, o gesto suicidário a
pessoais, problemas derivados de traumas um ‘temperamento’ depressivo ou
psicopatológico próprio ao suicida,
da infância, na tentativa de não serem
ou ainda a conflitos afetivos que o
responsabilizados de qualquer forma.
mesmo desenvolvia na esfera privada.
Ora, definem Dejours e Bègue (2010) (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 12).
que:
Nesse aspecto, uma responsabilização
Para muitos sujeitos, o trabalho é um
não só da empresa, mas dos dirigentes
poderoso operador de construção
certamente teria papel não só de repressão da
e estabilização da identidade e da
tragédia ocorrida, mas da prevenção de outros

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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casos. Enquanto as diretorias continuarem a suicídio no local de trabalho, pois só podem


juridicamente não serem responsabilizadas ser classificados como condições para tanto,
pelos suicídios no trabalho, não se terão se comprovado que antes do fato ─ suicídio ─
medidas efetivas por parte dos que controlam a condição de saúde do trabalhador não era
o funcionamento e a definição da gestão das decorrente do âmbito do trabalho.
empresas. Assim, definem precisamente Dejours e
Não se há de negar que o trabalhador Bègue (2010) que:
possua outros vínculos, entre eles, a sua saúde
mental, além do trabalho; sem embargo, Os suicídios perpetrados no local
elucidam Dejours e Bègue (2010) que: de trabalho estão seguramente
vinculados ao trabalho, pois o suicídio,
Efetivamente, numerosos indivíduos como toda conduta humana, está
que chegam ao suicídio no local de sempre endereçada. Ele participa da
trabalho sofreram, em um passado ordem da mensagem, mesmo se sua
recente, ou sofrem no momento tradução integral é impossível. [...]
do trágico evento, uma experiência A discussão deste vínculo tampouco
particularmente difícil: conflitos é complicada quando o suicídio é
conjugais, mais particularmente a cometido longe do local de trabalho,
separação e o divórcio, luto de dor mas a vítima deixou um bilhete, uma
extrema etc. Encontrar comumente carta ou escrevia um diário no qual,
elementos como esses no histórico para explicar o seu gesto, ele incrimina
post mortem não significa que a degradação de sua relação com o
sejam sempre a causa do suicídio. trabalho ou descreve as injustiças que
De uma perspectiva psíquica − assim acredita ter sido vítima. (DEJOURS,
como de uma perspectiva social − a BÈGUE, 2010, p. 25, grifo nosso).
separação dos espaços entre trabalho
e “fora-do-trabalho” releva de uma Ressalta-se que as condições da
conceituação errônea. O trabalho, organização do trabalho podem mudar
em todos os casos clínicos estudados
repentinamente, “de um dia para o outro”,
pela psicopatologia do trabalho,
tem incidências importantes sobre iniciando o desenvolvimento de difamações,
a economia das relações no espaço perseguições, discriminação, assédio moral,
privado. [...] Realmente, os conflitos críticas ofensivas, exclusão; poderá até vir a
no espaço privado só podem ser configurar uma das razões a chegada da pessoa
responsabilizados como causa de
de um novo chefe; a recusa do trabalhador de
um suicídio se for anteriormente
constatado clinicamente que o mudar o local de trabalho ou não aceitar uma
agravamento do estado do paciente promoção, compreendidas essas últimas, pela
não se deve a uma sobrecarga na organização, como “um ato de resistência”
esfera do trabalho. (DEJOURS; BÈGUE, do trabalhador, diante de que o empregador
2010, p. 31-33).
espera “sinais ostentatórios de submissão” dos
Fica evidente então que a existência
trabalhadores. (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 30).
de dificuldades fora do trabalho não se traduz
Demarca o Enunciado n° 39, da 1ª
em elementos ensejadores do evento, capazes
Jornada de Direito Material e Processual na
de contribuir diretamente como causa do

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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Justiça do Trabalho, promovida pela Associação 34-40).


Nacional dos Magistrados da Justiça do São três as concepções das relações
Trabalho – ANAMATRA que: entre o suicídio e o trabalho na abordagem
etiológica, a saber: a noção do estresse ─
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. SAÚDE
diante do ambiente de trabalho considerado
MENTAL. DEVER DO EMPREGADOR. É
dever do empregador e do tomador conjuntamente com as condições particulares
dos serviços zelar por um ambiente de do indivíduo ─ pelo conceito de coping e a
trabalho saudável também do ponto auto-capacidade de administrar o estresse;
de vista da saúde mental, coibindo a análise estruturalista, que visa a conferir
práticas tendentes ou aptas a gerar
toda a conduta patológica ─ entre elas o
danos de natureza moral ou emocional
aos seus trabalhadores, passíveis de suicídio, as vulnerabilidades do indivíduo,
indenização. (1ª JORNADA DE DIREITO com fundamento em alegações de fatores
MATERIAL E PROCESSUAL NA JUSTIÇA genéticos, hereditários, personalidade ─
DO TRABALHO, 2008, p. 41). buscando dados no espaço privado; e a noção
sociogenética que define ter o trabalho papel
As mudanças na organização do trabalho crucial ─ pela governança, organização do
que têm envolvimento com as patologias trabalho na saúde mental do trabalhador ─
mentais, relacionadas ao trabalho, podem devendo ser objeto de suspeição até prova em
ser caracterizadas pela adoção dos novos contrário; portanto, necessário apurar-se os
métodos de gestão, enfocados nos resultados: constrangimentos sofridos pela organização
a qualidade total, o controle de qualidade, do trabalho. Evidenciam-se as três concepções
a flexibilização, o trabalho temporário, conflitantes entre si, não se podendo adotar
contratos de prazo determinado, precarização um sincretismo da “causalidade multifatorial”,
generalizada, com o slogan “fim do trabalho”; com o objetivo de desfalecer as concepções
e pela ausência do reconhecimento simbólico20 tratadas. (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 26-28).
de utilidade ou de beleza do trabalho; essa De capital relevância, para a prevenção
última promovida pelos pares, ocasionando tal dos suicídios relacionados ao trabalho, é a
falta de reconhecimento um enfraquecimento formação de uma rede de ajuda entre os
da identidade do trabalhador e destruição da trabalhadores. Porém, deslindam Dejours e
sua saúde mental. (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. Bègue (2010) uma realidade cruel:

20 Um exemplo dado por Dejours e Bègue é


que na França do século XIX professores de ensino A multiplicação da incidência de
fundamental tinham baixos salários, tendo que suicídios no trabalho não é apenas
sobreviver inclusive de alimentos doados pelos pais decorrente de injustiças, quedas em
dos alunos; mas tinham a recompensa pelo prestígio
desgraça ou assédios morais. Resulta,
de serem professores junto a um povo e uma
instituição. Atualmente, os professores de ensino principalmente, da terrível experiência
fundamental na França têm salários razoáveis, mas do silêncio dos outros, do abandono
sofrem pela falta de reconhecimento social. Assim, o pelos outros, da recusa de testemunho
reconhecimento social simbólico tem mais influência
pelos outros, da covardia dos outros.
para a saúde mental que o próprio reconhecimento
por meio de gratificações salariais, pois o que vale é A injustiça e o assédio que outrora
o sentido. (DEJOURS; BÈGUE, 2010, p. 39). teriam sido considerados experiências

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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árduas ou dolorosas podem, no atual nenhum apoio na empresa, vê-se sozinho e


contexto, degenerar brutalmente pode cometer o suicídio pelo trabalho.
em crise de identidade. Ser traído
Para que esse trabalhador conseguisse
pelos colegas, pelos próximos, é mais
doloroso do que o próprio assédio enxergar não estar só, mesmo sem a ajuda de
moral. Assediada, mas beneficiando qualquer humano e, também, para que os seus
do apoio moral e da atenção dos colegas percebessem que deveriam adotar
outros, a vítima resiste muito mais uma conduta de solidariedade, bem atrás
psiquicamente. Por quê? Porque esses
poderiam ter sido implementados programas
sinais de solidariedade moral significam
uma comunidade de interpretação de qualidade de vida efetivos na área da
das críticas e das acusações vindas da espiritualidade21, justamente o próximo tema.
chefia contra a vítima: sendo assim,
essas são coletivamente qualificadas 7 Noologia, Espiritualidade e Trabalho
como injustiças, como assédio. Já se
encontrando só diante da saraivada O ser humano é um ser transcendente22;
de golpes, a vítima não sabe se deve
possui em si um vazio que busca na vida
compreender a covardia dos outros
preencher. O trabalhador, antes de ser um
como traição ou, ao contrário, como um
julgamento negativo compartilhado trabalhador, é um cidadão23 e uma pessoa
por todos, até mesmo pelos mais
21 Adverte a Organização Mundial da Saúde
próximos, sobre a qualidade de seu (2014, p.44) que: “Ao considerar as crenças
trabalho. [...] Aí, se instala a espiral religiosas ou espirituais como conferindo proteção
da depressão. Os sentimentos de contra o suicídio, é importante ser cauteloso. A
impostura, de erro, de decadência etc. própria fé pode ser um fator protetor, uma vez
que tipicamente fornece um sistema de crenças
podem se amparar do assalariado com estruturado e pode defender comportamentos
tal violência que ele chega a cometer que podem ser considerados fisicamente e
o gesto suicidário. (DEJOURS; BÈGUE, mentalmente benéficos. No entanto, muitas crenças
2010, p. 33, grifo nosso). e comportamentos religiosos e culturais também
contribuíram para o estigma relacionado ao suicídio
devido a suas posições morais sobre o suicídio,
Nesse norte, os autores primorosamente o que pode desencorajar os comportamentos de
busca de ajuda. O valor protetor da religião e da
expressam uma das condições mais estressoras espiritualidade pode resultar do acesso a uma
no ambiente de trabalho: o silêncio, o abandono comunidade socialmente coesa e solidária com um
conjunto compartilhado de valores. Muitos grupos
covarde dos colegas e o sofrimento negado. São religiosos também proíbem fatores de risco suicidas,
situações de trabalhadores que diariamente como o uso de álcool. No entanto, as práticas
sociais de certas religiões também encorajaram a
presenciam colegas sofrendo assédio moral autoimolação pelo fogo entre grupos específicos,
e violência psicológica e ficam somente na como as mulheres do sul da Ásia que perderam seus
maridos. Portanto, enquanto a religião e as crenças
posição de espectadores de plateia em silêncio. espirituais podem oferecer alguma proteção contra
A injustiça degrada a mente dos que sofrem o suicídio, isso depende de práticas e interpretações
culturais e contextuais específicas.”
violências psicológicas e veem os seus colegas
22 O preâmbulo da Constituição de 1988
desumanizados, sem solidariedade. Aparenta revela que o constituinte originário a promulgou “sob
a vítima que os demais colegas, então, estão a proteção de Deus”. (BRASIL, 1988).

concordando com as atitudes violentas e que 23 O art. 1° da CR/88 define que constituiu
como um dos fundamentos do Brasil a cidadania.
realmente é merecedor disso. Não tendo mais (BRASIL 1988).

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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que traz consigo todas as suas inquietudes Inicialmente, elucida-se a escolha do


existenciais e as suas crenças pessoais. estudo da Doutrina Social da Igreja por sua
É preciso esclarecer inicialmente qual o influência no desenvolvimento, entre outras
sentido cristão do trabalho, diante dos inúmeros áreas, do Direito do Trabalho no mundo, no
equívocos ocorridos quanto a indevidamente Brasil e no MERCOSUL25. Realçam Luiz Eduardo
afirmar-se que significa castigo. Gunther e William Franklin Lira dos Santos
O sentido cristão do trabalho é de (2012, p. 99) que a fase de consolidação do
benção, marcado pelo chamamento do Direito do Trabalho no mundo caracteriza-se
homem por Deus para cultivar e guardar o “[...] sobretudo pela publicação da Encíclica
Jardim do Éden (Gn 2,15), antes do pecado Papal Rerum Novarum (Coisas Novas) [...]”.
original. Com a queda, condenado que foi o A Igreja Católica Apostólica Romana,
homem a comer o pão com o suor do próprio por meio de sua Doutrina Social, influenciou
rosto (Gn 3,19), o trabalho então ficou sendo diretamente a melhoria das condições de
um meio de redenção do homem. Com o trabalho no mundo, integrando o rol de marco
trabalho de Jesus na carpintaria, sobreveio a material em matéria de prevenção de riscos
reformulação do sentido cristão do trabalho. ocupacionais e na proteção da dignidade da
Muito questionaram a Sua autoridade, ao vê- pessoa trabalhadora.
Lo como trabalhador carpinteiro. “Não é Ele A DSI consiste em uma doutrina que
o carpinteiro?” (Mc 6,3), assim como: “Não engloba um conjunto, das Sagradas Escrituras,
é Ele o Filho do carpinteiro?” (Mt 13,55). às Encíclicas e ao Compêndio da DSI.
Jesus, trabalhando como carpinteiro, tornou Ressalta-se que o sentido do trabalho26
o trabalho “santo” e “meio de santificação”.
Nesse sentido, estabelece o Catecismo da 25 A vigente Constituição Nacional da
Igreja (§ 2427) que o trabalho do homem é Argentina de 1994, estabelece no art. 2° que “O
governo federal apoia o culto Apostólico Católico
colaboração com a criação e pode ser um meio Romano” (ARGENTINA, 1994, tradução nossa).
de santificação.24 26 Esclarece o Catecismo da Igreja Católica
a respeito do sentido do trabalho: “[...] O trabalho é,
Ressalta-se que o sentido do trabalho
pois, um dever: ‘Quem não quer trabalhar também
cristão passa necessariamente pela honestidade não coma’ (2Ts 3,10). O trabalho honra os dons
do criador e os talentos recebidos. Pode também
do trabalho e no trabalho, ao dispor São Paulo:
ser redentor. [...] O trabalho pode ser meio de
“Procura ganhar honestamente pelo trabalho santificação e de animação das realidades terrestres
no Espírito de Cristo. No trabalho a pessoa exerce e
das próprias mãos” (Ef 4, 28). E todos devem
realiza uma parte das capacidades inscritas em sua
respeitar a manutenção do trabalho honesto natureza. O valor primordial do trabalho está ligado
ao próprio homem, que é seu autor e destinatário.
do próximo, pois “Quem tira de um homem o
O trabalho é para o homem, e não o homem para
pão do seu trabalho é como um assassino do o trabalho”. (§ 2427 e 2428); e determina que a
comunidade política tem o dever de garantir o
seu próximo” (Eclo 34,26).
direito ao trabalho e a proteção da segurança e
da saúde. (§ 2211). Verifica-se que a Declaração
24 Ressalta Anderson Francisco Faenello de Filadélfia da OIT estabelece no parágrafo III (b)
(2014, p. 119) que “o homem, pelo trabalho, não que “cada trabalhador deve ter o direito de ter uma
está a cumprir uma penitência ou um castigo, mas ocupação na qual ele tenha a satisfação de utilizar,
tornando-se partícipe de Deus, estendendo sua plenamente, sua habilidade e seus conhecimentos
ação ao largo da história”. e de contribuir para o bem geral” (ORGANIZAÇÃO

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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para a Igreja Católica, não é de punição, “[...] os patrões esmagam os trabalhadores


instrui o Catecismo da Igreja Católica no § sob o peso de exigências iníquas, ou desonram
378, ao dispor que “[...] o trabalho não é uma neles a pessoa humana por condições indignas
penalidade, mas a colaboração do homem e e degradantes que atentam contra a sua saúde
da mulher com Deus no aperfeiçoamento da por um trabalho excessivo e desproporcionado
criação visível”. com a sua idade e sexo”. (ENCÍCLICA RERUM
O Catecismo da Igreja Católica ensina NOVARUM, 1891).
que: A supracitada Encíclica abordou
também o direito de proteção da saúde dos
Os responsáveis pelas empresas têm, trabalhadores pela duração do trabalho
perante a sociedade, responsabilidade
adequada, com repouso, garantindo as
econômica e ecológica por suas
condições físicas dos trabalhadores nos
operações. Têm o dever de considerar
o bem das pessoas e não apenas o trabalhos, entre eles os penosos, em uma
aumento dos lucros, ainda que estes análise que pode ser considerada que serviu
sejam necessários, pois permitem de base para a construção dos conceitos da
realizar os investimentos que
Ergonomia, a saber no §25:
asseguram o futuro das empresas,
garantindo o emprego. (Catecismo da
o número de horas de trabalho
Igreja Católica, § 2432).
diário não deve exceder a força dos
trabalhadores, e a quantidade de
Como se vê, a Igreja Católica define repouso deve ser proporcionada à
diretamente a responsabilidade das empresas qualidade do trabalho, às circunstâncias
no aspecto ecológico e ambiental, tendo em do tempo e do lugar, à compleição
e saúde dos operários. O trabalho,
vista o bem das pessoas ─ por consequência,
por exemplo, de extrair pedra, ferro,
dos trabalhadores ─ pela proteção à sua vida
chumbo e outros materiais escondidos
e saúde. Define ainda o Catecismo “que a vida debaixo da terra, sendo mais pesado e
e a saúde física são bens preciosos doados por nocivo à saúde, deve ser compensado
Deus” (§ 2288). com uma duração mais curta.
(ENCÍCLICA RERUM NOVARUM, 1891,
A Encíclica Rerum Novarum (RN), de
grifo nosso).
1891, de autoria da Sua Santidade, o Papa Leão
XIII, é um símbolo da DSI, tendo inaugurado
O Papa Leão XIII definiu na Encíclica RN
as Encíclicas Sociais e influenciado as
que “não pode haver capital sem trabalho, nem
constituições do trabalho, em diversos países
trabalho sem capital” (§ 9), desejando uma
do mundo, baseadas na garantia dos direitos
concórdia entre as classes, ao considerar que
fundamentais do trabalho.
“vergonhoso e desumano é usar dos homens
A Encíclica RN, no § 20, aponta a
como vis instrumentos de lucro, e não os
necessidade da intervenção do Estado quando
estimar senão na proporção do vigor dos seus
braços” (§ 10).
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1944), em
similitude com o expresso pelo Catecismo. A Encíclica Quadragesimo Anno (QA),

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
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de 1931, foi promulgada pela Sua Santidade, de exploração “a falta de segurança no trabalho
o Papa Pio XI, por comemoração aos quarenta e também com a ausência de garantias quanto
anos da magistral Encíclica RN; revela que as às condições de saúde e de vida dos mesmos
legislações trabalhistas no mundo sofreram operários e das suas famílias” (§ 11); que “As
influência da RN, como na temática dos despesas relacionadas com as necessidades
acidentes do trabalho. A Encíclica QA reitera de cuidar da saúde, especialmente em caso de
o princípio da subsidiariedade, ressalvando a acidentes no trabalho, exigem que o trabalhador
intervenção do Estado para garantir o bem- tenha facilmente acesso à assistência sanitária”
estar; alerta para os riscos do socialismo, (§ 19); que “há que ter sempre presente o
dispondo que “ninguém pode ser ao mesmo direito a dispor de ambientes de trabalho e de
tempo bom católico e verdadeiro socialista”. processos de laboração que não causem dano
Em prosseguimento da DSI, a Encíclica à saúde física dos trabalhadores nem lesem a
Mater et Magistra (MM), de 1961, da Sua sua integridade moral” (§ 19).
Santidade o Papa João XXIII, promove aclarações Vale observar que a Encíclica LE revelou
e ampliações da Encíclica RN, reiterando a mensagem cristã de exigir uma postura que
o contexto em que a RN foi promulgada; não pode o trabalho causar danos à saúde dos
“nenhuma consideração tinham pela saúde trabalhadores e que se deve ter uma óptica
física, pela moral e pela fé religiosa”. abrangente, incluindo não só o trabalhador,
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes mas também a saúde e a vida de sua família.
Afirma, ainda, que o trabalho não é mercadoria
(GS), de 1965, do Concílio Vaticano II, ensinou
(§ 7).
que são infames “as condições degradantes
Em 1991, a Sua Santidade o Papa João
de trabalho, em que os operários são tratados
Paulo II promulgou a Encíclica Centesimus
como meros instrumentos de lucro e não como
Annus (CA), no centenário da RN, e definiu a
pessoas livres e responsáveis” (§ 27).
necessidade de implantar-se uma ecologia
Determina a Encíclica MM no §23 que social do trabalho, prestando o seguinte
“Operários e empresários devem regular as reconhecimento em relação a Encíclica RN:
relações mútuas, inspirando-se no princípio
da solidariedade humana e da fraternidade A Encíclica e o Magistério social, a
ela conexo, tiveram uma múltipla
cristã, uma vez que, tanto a concorrência
influência naqueles anos entre os
de tipo liberal, como a luta de classes no
séculos XIX e XX. Essa influência é visível
sentido marxista, são contrárias à natureza e à em numerosas reformas introduzidas
concepção cristã da vida”. Desse modo, elucida nos setores da previdência social, das
os riscos sociais do capitalismo selvagem pensões, dos seguros contra a doença,
da prevenção de acidentes, no quadro
e do marxismo à sociedade e aos próprios
de um maior respeito dos direitos
trabalhadores.
dos trabalhadores. (IGREJA CATÓLICA,
A Encíclica Laborem Exercens (LE), de 2014, grifo nosso).
1981, de autoria da Sua Santidade o Papa João
Paulo II, por ocasião do 90° aniversário da Tal excerto lastreia o fundamento
Rerum Novarum elucidou que são elementos exposto de que a DSI é um verdadeiro marco

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
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material para a prevenção de acidentes do trabalhadores ofendidos em sua dignidade,


trabalho em todo o mundo. o que é inaceitável; adiciona, ainda, que tal
A CA é precisa a respeito da condição, até mesmo sob o aspecto econômico,
responsabilidade da empresa, no §34: é prejudicial para a empresa e seus lucros
em manter trabalhadores humilhados. Para
A Igreja reconhece a justa função tanto, institui que o maior patrimônio de uma
do lucro, como indicador do bom
empresa são os seus trabalhadores.
funcionamento da empresa: quando
A Santa Igreja reuniu o conjunto dos
esta dá lucro, isso significa que os fatores
produtivos foram adequadamente seus ensinamentos sociais no Compêndio da
usados e as correlativas necessidades Doutrina Social da Igreja (CDSI) que destina
humanas devidamente satisfeitas. todo o capítulo VI a tratar do trabalho
Todavia o lucro não é o único
humano. Dispõe a CDSI que é um direito do
indicador das condições da empresa.
trabalho “dispor de ambientes de trabalho e
Pode acontecer que a contabilidade
esteja em ordem e simultaneamente de processos de laboração que não causem
os homens, que constituem o dano à saúde física dos trabalhadores, nem
patrimônio mais precioso da empresa, lesem a sua integridade moral” (301). Define
sejam humilhados e ofendidos na sua
ainda o papel do empresário e do dirigente
dignidade. Além de ser moralmente
de empresa que “é também um preciso dever
inadmissível, isso não pode deixar de se
refletir futuramente de modo negativo deles o concreto respeito da dignidade humana
na própria eficiência econômica da dos trabalhadores que atuam na empresa.
empresa. Com efeito, o objetivo desta Estes últimos constituem “o patrimônio mais
não é simplesmente o lucro, mas sim
precioso da empresa, o fator decisivo da
a própria existência da empresa como
produção” (344). (IGREJA CATÓLICA, 2012b).
comunidade de homens que, de
diverso modo, procuram a satisfação A DSI revela a consciência cristã dos
das suas necessidades fundamentais problemas sociais que afligem as pessoas e foi
e constituem um grupo especial ao fortemente influenciadora do reconhecimento
serviço de toda a sociedade. O lucro
dos direitos dos trabalhadores, permitindo
é um regulador da vida da empresa,
alcançar novos patamares de proteção.
mas não o único; a ele se deve associar
a consideração de outros fatores A Declaração Americana dos Direitos
humanos e morais que, a longo prazo, e Deveres do Homem (DADDH) ressalta a
são igualmente essenciais para a vida permissão do progresso espiritual do ser
da empresa. (IGREJA CATÓLICA, 2014)
humano para o alcance da felicidade; a
Declaração de Filadélfia determina o direito
O parágrafo mencionado estabelece do desenvolvimento espiritual do trabalhador;
claramente que a Igreja não é contrária de e a Declaração de Sundsvall reconhece a
forma alguma ao lucro honesto, mas instrui dimensão da espiritualidade para o homem
os empregadores no sentido de que o lucro como importante para a construção da saúde.
não é um indicador solitário das condições da Dispõe a DADDH, no seu preâmbulo
empresa, pois pode existir mesmo estando os que:

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

É dever do homem servir o espírito religiosidade e crenças pessoais interferem


com todas as suas faculdades e todos na qualidade de vida das pessoas, conforme a
os seus recursos, porque o espírito
OMS29.
é a finalidade suprema da existência
humana e a sua máxima categoria. Determina a OMS (1998) o conceito de
É dever do homem exercer, manter e espiritualidade:
estimular a cultura por todos os meios
ao seu alcance, porque a cultura é conjunto de todas as emoções e
a mais elevada expressão social e convicções de natureza não material,
histórica do espírito. (OEA, 1948). com a suposição de que há mais no
viver do que pode ser percebido
A Conferência das Nações Unidas sobre ou plenamente compreendido,
Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD remetendo a questões como o
significado e sentido da vida, não se
(1992, p. 5), conhecida como Eco-92 ou Rio-92,
limitando a qualquer tipo específico
reconheceu, na “A Carta da Terra” o direito de de crença ou prática religiosa. (OMS,
todas as pessoas ao “bem-estar espiritual”. 1998, p. 7, tradução nossa)30.
Portanto, é preciso compreender
as ações voltadas para a espiritualidade A OMS deixa transparecer uma
no trabalho, tendo efeito de prevenção aproximação entre a espiritualidade e a
das doenças/transtornos ocupacionais, medicina, sobretudo a psiquiatria, em face de
especialmente as de natureza mental considerar a “saúde espiritual como parte da
decorrentes dos riscos psicossociais. Ressalta- saúde holística ou integral” (OMS, 1998, p. 9,
se que a espiritualidade é um conceito mais tradução nossa)31.
abrangente do que religiosidade27, sendo o
primeiro inerente a todos os seres humanos, em que vivem e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações. É um
em virtude de constituir-se o homem como conceito abrangente afetado de maneira complexa
um ser espiritual. Assim, a religiosidade pela saúde física da pessoa, estado psicológico,
nível de independência, relações sociais, crenças
pode ser aderente à espiritualidade, mas a pessoais e sua relação com os recursos salientes de
espiritualidade não é atrelada à religiosidade. seu ambiente.” (OMS, 1998, p. 4, tradução nossa).

A Organização Mundial da Saúde - 29 Ressalta a OMS que “É importante


enfatizar que a consolidação e qualquer módulo que
OMS, reconheceu, em 1998, o componente possa resultar do estudo não se destinem a abordar
espiritualidade como integrante da quaisquer religiões específicas e se destinam a
todas as formas de espiritualidade, seja praticada
avaliação da qualidade de vida e no conceito em uma religião formal ou não. Para aqueles que
multidimensional de saúde 28. A espiritualidade, não se afiliam ou reconhecem uma religião ou uma
dimensão espiritual, o domínio se referirá a crenças
ou códigos de comportamento pessoais.” (OMS,
27 Dispõe o art. 5°, inc. VI da CR/88 que “é
1998, p. 4, tradução nossa).
inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos 30 “Thus, spiritually would include beliefs of a
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção non-material nature with the assumption that there is
aos locais de culto e a suas liturgias”. (BRASIL, more to life what can perceived or fully understood.
1988). Spirituality address questions such as meaning of
life and purpose in life and is not necessarly limited
28 A OMS define “a Qualidade de Vida como a
to any specificed types of beliefs os pratics.”
percepção dos indivíduos sobre sua posição na vida
no contexto da cultura e dos sistemas de valores 31 “Spiritual health as a part of holistic or

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Trabalho e Saúde Mental Ano IX . n.88 . Maio/20
Artigos

Explicitam Anselm Grun e Friedrich reconhecer a necessidade de intervenção


Assalander (2014) que a sociedade encontra- no campo noológico. Uma das vias é pelo
se abalada, com tantas pessoas traumatizadas método da Abordagem Direta do Inconsciente
por experiências vividas desde a concepção, e Terapia de Integração Pessoal (ADI/TIP), uma
repletas de sentimentos de autorrejeição, de intervenção terapêutica criada pela psicóloga
inferioridade, de autoinsegurança, pelo que Gisela Renate Jost de Moraes (2009) ao nível
substituem a autoconsciência pela arrogância do inconsciente noológico, tratando do sentido
ou presunção, sendo que: da vida e de questões existenciais.
Adentrando na dimensão noológica
As pessoas se deixam impressionar ou espiritual do trabalhador, o supracitado
facilmente pela intervenção enérgica
método permite que ele próprio construa
e por palavras fortes, que, porém,
matrizes efetivas para o seu desenvolvimento
na realidade, servem apenas para
disfarçar a insegurança. A arrogância e encontre sentido na vida, dentro e fora do
e a presunção são indícios exteriores trabalho; leva-o a reavaliar as percepções sobre
muito seguros de que essas pessoas, os fatos vivenciados, permitindo que tenha um
no fundo, estão cheias de insegurança
tratamento dos sofrimentos percebidos e se
própria e sentimos de inferioridade. A
reposicione com novas atitudes para as suas
fachada serve apenas para compensar
os déficits anímicos, e custa muita próximas vivências.
energia manter essa fachada. (GRUN; Com base no exposto, as empresas,
ASSALANDER, 2014, p. 160-161, grifo especialmente as que possuem riscos
nosso).
psicossociais, devem investigar a necessidade
de instalação de programas de qualidade de
Do que se infere, muitos vida envolvendo a espiritualidade no ambiente
comportamentos indesejados praticados de trabalho (EAT), com a prática de meditação,
por dirigentes contra trabalhadores; entre oração e apoio espiritual, o que seguramente
trabalhadores; e de trabalhadores a clientes, auxiliaria os trabalhadores a encontrarem um
são provenientes de uma arrogância que significado na vida; a formarem a sua identidade
camufla a insegurança do próprio indivíduo de maneira construtiva; a terem esperança e
e seus sentimentos de inferioridade. Tal vontade de viver; a redefinirem e enfrentarem
evidência é relevante para desmascarar a algum sofrimento no trabalho32; a melhorarem
falsa percepção de que pessoas com esses o trabalho em equipe; a aumentarem a
comportamentos são “fortes’, enquanto,
na realidade, utilizam uma fachada para
32 Destacam Dúlio Antero de Camargo et.
compensação de frustrações, despendendo
al. (2010, p. 59) que são condições individuais os
muita energia vital para tanto, com a obtenção “[...] fatores protetores de enfrentamento ou coping
(estratégia de enfrentamento), caracterizados como
de um desgaste capaz de conduzi-las a sério
o ‘esforço para reduzir os efeitos negativos do
abalo mental.. estresse (pensamentos, crenças e comportamentos)
no bem-estar do indivíduo e o apoio social – que
Diante dessa evidência, imperioso
incrementa a capacidade de enfrentamento,
facilitando a adaptação.” (CAMARGO et. al, 2010, p.
integral health”. 59).

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Ano IX . n.88 . Maio/20 Trabalho e Saúde Mental
Artigos

satisfação na vida e no trabalho; enfim, a serem pacientes idosos com câncer, o bem-
instrumento de paz. estar espiritual representou um fator
de proteção, estando relacionado
Abraham Verghese (2008, tradução
a atitudes positivas de combate à
nossa) 33
revela que “a espiritualidade enfermidade, diminuição da ansiedade
produz qualidades no homem, como amor, e das demandas impostas pela doença.
honestidade, paciência, tolerância, compaixão, Em estudantes universitários, esteve
sensação de desapego, fé e esperança” e associado à diminuição do risco de
depressão e suicídio. (VOLCAN et. al.,
prosseguindo que:
2003, p. 440-441).

A religião é importante, direta e


Nessa perspectiva, é desejável alcançar-
indiretamente, na etiologia, diagnóstico,
sintomatologia, tratamento e se uma sociedade com pessoas humanizadas;
prognóstico de distúrbios psiquiátricos. tanto é, que se torna patente cientificamente
A falta de espiritualidade pode ser o bem-estar espiritual um fator protetor
interferir nas relações interpessoais, para transtornos mentais, como depressão,
o que pode contribuir para a gênese
ansiedade e protetor para redução do suicídio.
do distúrbio psiquiátrico. Os sintomas
psiquiátricos podem ter um conteúdo Com todas essas qualidades
religioso. Por exemplo, a perda de referidas (pessoas com amor, honestidade,
interesse em atividades religiosas é um paciência, tolerância, compaixão, sensação
sintoma comum de depressão. Muitas de desapego, fé e esperança), promovidas
e distorcidas práticas religiosas são
pelo desenvolvimento da espiritualidade,
comuns na esquizofrenia. (VERGHESE,
2008, tradução nossa)34. a sociedade de risco iria se transformar em
sociedade de amor, em sociedade de perdão35!
Sandra Maria Alexandre Volcan et. al.
REFERÊNCIAS
(2003) realizaram um estudo transversal que
concluiu que: ABREU, Klayne Leite de et al . Estresse
ocupacional e Síndrome de Burnout no
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como fator protetor para transtornos
cienc. prof., Brasília, v. 22, n. 2, Jun. 2002, p.
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psiquiátricos menores [...] Em

AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. ANAC


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34 “Religion is important, directly and indirectly, companhias-aereas> Acesso em: 21 jan. 2018.
in the etiology, diagnosis, symptomatology,
treatment and prognosis of psychiatric disturbances.
Lack of spirituality can interfere with interpersonal
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual
relationships, which can contribute to the genesis of Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
psychiatric disturbance. Psychiatric symptoms can
have a religious content. For example, the loss of
interest in religious activities is a common symptom 35 Axel Honneth (2003) assinala que o amor
of depression. Too much and distorted religious compõe uma das três esferas: reconhecimento,
practices are common in schizophrenia.” conjuntamente com o direito e a solidariedade.

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