Você está na página 1de 40

Transtornos mentais relacionados ao trabalho -

Protocolo de Atenção à Saúde Mental e Trabalho

Salvador, 24 a 25 de abril de 2023.


Entendendo a relação transtorno mental e trabalho
 O trabalho humano precisa ser visto como parte do conjunto de
aspectos significativos da vida, a ponto de ser considerado também
um fator importante na constituição de sofrimento e adoecimento
mental.

Trabalhadores são indivíduos que buscam os serviços de saúde com


queixas de ordem diversa (principalmente física), no entanto estes
quadros de fato podem ter uma vinculação com sofrimento e
transtornos mentais relacionados ao trabalho. É importante que a
equipe de saúde esteja sensível a esta situação.
Entendendo a relação transtorno mental e trabalho

“A explicação para os transtornos mentais relacionados ao trabalho não


se encontra somente na subjetividade do indivíduo ou que seja
proveniente do contexto do trabalho, mas nas formas pelos quais se
articulam a subjetividade e o contexto laboral, se traduzindo em um
relação complexa que se reflete na trajetória de cada trabalhador e
explica porque nem todos expostos a situações semelhantes adoecem ou
manifestam o mesmo grau de desgaste”.
(LIMA, 2004)
Espaço do
Organização Prescrito sofrimento (uma
X
Espaço das
do Trabalho vivência subjetiva
Real estratégias intermediária
coletivas entre a doença
mental e o bem
estar

Sobrecargas

Adoecimento

Prioriza a escuta do trabalhador = O trabalho como uma “porta de


abordagem qualitativa entrada” (gatilho) para o sofrimento e
adoecimento
Imprecisão na utilização do termo STRESS: um
Ambiente de estressor, estratégias de coping ou resposta as
trabalho (físico e ameaças; estresse biológico, psicológico, social
psicossocial) ou ambiental; situações de irritação, ansiedade
ou quadros graves de adoecimento mental.

Abordagem
quantitativa STRESS Psicológico (relação
entre a pessoa e o
ambiente prejudicial ao seu
Adoecimento
bem-estar*)
Avaliação cognitiva
comportamental determina
o quanto o fator é estressor
*(Lazarus e Folkman, 1984)
Foco epidemiológico

As condições nas determinam os


quais o trabalho é modos de
realizado adoecimento
avaliar associações
entre condições e as
características laborais
e o adoecimento
observado.

Múltiplos instrumentos; significância estatística; foco excessivo na doença, em detrimento da


dimensão estruturante do trabalho

(Laurell & Noriega, 1989; Facchini, 1991).


Sobre o sofrimento...

Para Dejours et al. Doenças


(1994) o sofrimento diagnosticadas
mental‚ pode ser
concebido como a
experiência subjetiva
intermediária entre
doença mental Sofrimento
descompensada e o mental
conforto (ou bem-estar) relacionado
psíquico. ao trabalho
Saúde mental e trabalho: por que reconhecer essa
relação?

 Evidenciar o trabalho como um dos principais determinantes do


adoecimento entre trabalhadores.

 Investigar a relação entre agravo e trabalho é também uma ação


de vigilância em saúde.

 Estabelecer condutas e encaminhamentos

O ACOLHIMENTO JÁ NOS INDICA EM QUE “TERRENO” ESTAMOS


Saúde mental e trabalho: por que reconhecer essa
relação?

Para o trabalhador
(indivíduo usuário do serviço de
saúde)
Suporte para estabelecimento
da relação TM&T

 Suporte teórico metodológico para estabelecimento


da relação entre agravos à saúde mental e
situações de trabalho;

 Conduta para encaminhamentos;

 Desencadear ações de vigilância


Quem deverá/poderá utilizar este protocolo?

Profissionais dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – Cerest;


técnicos de referência em saúde do trabalhador; equipes dos Centros de
Atenção Psicossocial (Caps); equipes de saúde mental da rede básica ou de
média complexidade; equipes do programa de saúde da família; outros.

 IMPORTANTE:
 interdisciplinaridade.
• passa por toda a equipe técnica de saúde.
• existem papeis específicos.
A relação saúde mental e trabalho

 Relação com o ambiente físico e social do trabalho.

 Identificar os fatores de riscos presentes nos ambientes/condições de


trabalho

 compreender como esses fatores atuam no desenvolvimento desse


agravo.
FOCO NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Estabelecendo a relação entre transtorno mental e
trabalho

Para a definição do quadro de transtorno mental:

Aspecto individual

Evidências complementares

Aspecto coletivo

Lima, 2006
Estabelecendo a relação entre transtorno mental e trabalho

A escuta:
Ouvir o trabalhador:
DEIXAR FALAR. Interferir para obter informações

A escuta coletiva: podem ser ouvidos outros trabalhadores e sindicatos;


familiares, colegas de setor.

Na fala é possível identificar determinantes do adoecimento dos


trabalhadores.
Estabelecendo a relação entre transtorno mental e
trabalho
Para os fatores de riscos (determinantes):

Aspecto individual:
Obter informações sobre a percepção do trabalhador a cerca dos “fatores de
riscos” presentes no ambiente de trabalho.

Aspecto coletivo:
 Inspeção no Setor/posto de trabalho (avaliação da atividade; das
condições de trabalho; do ambiente social; etc.).

 Inspeção no ambiente de trabalho (avaliação da atividade; das condições


de trabalho; do ambiente social).
Estabelecendo a relação entre transtorno mental e trabalho

• O que perguntar?

O que faz? Como faz? Por que faz desse modo? Como estão divididas as tarefas?
Quais são os principais problemas percebido, no ambiente de trabalho?
O que faz para dar conta do trabalho que lhe é determinado?
Quais as normas? Sistema de premiação; benefícios, vínculo,
Em que ritmo trabalha? Turno? Horas extras? Controle de frequência;
Qual o grau de responsabilidade?
O quanto tem controle sobre o trabalho? O quanto pode criar para dar conta da
tarefa?
Como são as relações interpessoais? Quem manda em quem? O quanto pode ter
apoio de colegas, de chefia, da empresa.
Instrumentos de avaliação: Protocolo de Atenção à Saúde
Mental e Trabalho

 A Ficha de atendimento.
 O Self Report Questionnaire (SRQ-20) é utilizado para avaliar a presença de
Transtornos Mentais Comuns – TMC.
 O teste CAGE, criado por Ewing (1984), utilizado como instrumento de detecção
de uso problemático do álcool.
 Negative Acts Questionnaire Revised (NAQ-R) questionário de identificação de
atos negativos no trabalho.
 O Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento – ITRA - se propõe a
avaliar o contexto psicossocial do trabalho e sua relação com o adoecimento.

Utilizar ou não, é uma escolha, mas é bom “tê-los à mão”


EXEMPLO: Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento – ITRA

 Aspectos negativos do contexto do trabalho: avaliação do trabalho, incluindo aspectos além da


capacidade de produção; ritmo excessivo de trabalho; exclusão dos empregados na tomada de
decisões; falta de autonomia na realização das tarefas; rigidez em normas para execução das
tarefas; excessiva cobrança por resultados; pouca possibilidade de opinar sobre o seu trabalho.

 A forma de gestão utilizada na sua agência: o trabalhador avalia como sendo de idolatria dos
chefes, de demasiada importância para as regras; de forte controle sobre o trabalho; da pouca
valorização do trabalho coletivo e de pouca valorização do trabalhador.

 A vivência negativa em relação ao trabalho é percebida pelo trabalhador: na desmotivação para


realizar as tarefas; no trabalho sem sentido, cansativo, desgastante, frustrante e com
sobrecarga; no sofrimento que o trabalho lhe causa; na relação com sua chefia (se sente
desqualificado, tratado com indiferença, com desconfiança e com dificuldade de diálogo).
Estabelecendo a relação entre transtornos mental e trabalho

Quando consideramos que existe uma relação entre um transtorno


mental e o trabalho?

 A presença de um transtorno mental - dados epidemiológicos

 A história ocupacional
Recomenda-se utilizar a classificação proposta por Schilling - assumida pelos
Ministérios da Saúde e da Previdência Social (BRASIL, 2001).
Classificação proposta por Schilling

• Grupo I: doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas


doenças profissionais, strictu sensu, e pelas intoxicações agudas de origem
ocupacional.

• Grupo II: doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo,
mas não necessário, exemplificadas por todas as doenças “comuns”, mais
frequentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e que,
portanto, o nexo causal é de natureza epidemiológica.

• Grupo III: doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente ou


agravador de doença já estabelecida ou preexistente, ou seja, concausa,
tipificadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios
mentais.
(BRASIL, 2001, p. 28).
Após estabelecer a relação entre adoecimento e trabalho: o que
fazer?

► Pensar na recuperação da saúde e na reabilitação quando necessária.


► Afastar do trabalho ou da exposição
► Registro. É importante! Sinan
► Desencadear imediata ação de vigilância quando indicado
► Solicitar à empresa a emissão da CAT (para trabalhadores regidos pela
CLT) ou de outros instrumentos de notificação/previdência (trabalhadores
estatutários)
► Notificar MPT / SRT quando for indicado.
Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)

A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) é um documento


que deve ser emitido para notificar à Previdência Social a
ocorrência de acidente de trabalho (típico ou de trajeto), bem como
de doença do trabalho, equiparada ao acidente de trabalho pela
legislação previdenciária, em trabalhadores(as) empregados(as)
regidos(as) pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou para o
segurado especial, independentemente da necessidade de afastamento
do trabalho.
Emitir a CAT, por quê?

►Benefícios para o Segurado


►Registro de informações – criação de banco de dados: planejamento
de ações
►Responsabilizar empregadores por AT.

A CAT deverá ser emitida mesmo que não haja necessidade de


afastamento do trabalho.

A empresa é obrigada a informar à Previdência Social


Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)

 Na recusa da emissão da CAT pelo empregador, podem emiti-la: o


médico assistente (aquele que atende ou atendeu e/ou faz o
acompanhamento do trabalhador), a entidade sindical, a autoridade
sanitária, o próprio trabalhador ou seu dependente poderão efetivar, a
qualquer tempo, o registro da CAT junto à Previdência Social, não
excluindo a possibilidade da aplicação da multa à empresa.

O Cerest ou outro serviço de saúde pode e deve emitir a CAT quando


necessário – conduta na rotina?
CESAT

Formulário de solicitação de
CAT enviado por carta
registrada à empresa.
Portaria SEPRT/ME Nº 4.334, de 15 de abril de 2021
Dispõe sobre o procedimento e as informações para a Comunicação de
Acidente de Trabalho (CAT)

A emissão da CAT deverá ser:

I - pelo eSocial, na forma estabelecida no Manual de Orientação do eSocial


(MOS), disponível no sítio eletrônico do eSocial na internet, nos seguintes
casos:

a) o empregador, em relação aos seus empregados;

b) o empregador doméstico, em relação aos seus empregados domésticos; e

c) a empresa tomadora de serviço ou, na sua falta, o sindicato da categoria ou


o órgão gestor de mão-de-obra, em relação ao trabalhador avulso;
PORTARIA SEPRT/ME Nº 4.334, DE 15 DE ABRIL DE 2021
Dispõe sobre o procedimento e as informações para a Comunicação de
Acidente de Trabalho (CAT)
CEREST/RAS

II - para os demais autorizados à formalização do documento,


exclusivamente pela aplicação disponível no sítio eletrônico da
Previdência Social, nos termos do disposto no § 2º do art. 22 da Lei nº
8.213, de 1991.

Art. 2º A CAT, a partir da vigência desta Portaria, somente poderá ser


encaminhada pelos meios previstos no art. 1º, não sendo possível o
protocolo físico do documento nas Agências da Previdência Social.
Dispositivos para fundamentar o estabelecimento da relação
entre adoecimento e trabalho
 Classificação proposta por SCHILLING
 A Portaria Estadual SESAB Nº 31, de 14 de janeiro de 2021, institui a Lista de
Doenças Relacionadas ao Trabalho para o Estado da Bahia – LDRT-BA .

Nacionalmente se mantém a Portaria 1339/99; Decreto 3048/99: Lista B (doenças


e respectivos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional)

Portaria Sesab Nº 274 /2023 – Atualiza a lista das doenças de notificação


compulsória (estão incluídos os TMRT).

Normas regulamentadoras (CLT): NR9 (PPRA); NR7 (PCMSO); NR17 (Análise


ergonômica); NR15 (Condições insalubres); Legislação previdenciária
Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho
LISTA A – Agentes e/ou Fatores de Risco com respectivas Doenças Relacionadas ao
Trabalho (Parte V)

Agentes e/ou Fatores de Risco Psicossociais no CID10 Doença Relacionada ao


Trabalho Trabalho
Fatores psicossociais relacionados a: Grupo F Transtornos mentais e
 Contexto da organização do trabalho: Deficiência comportamentais
nas formas de comunicação, tecnologia, modalidade devidos ao uso de álcool.
de organização do trabalho e demandas qualitativas ....
e quantitativas do trabalho, entre outros. Episódios depressivos
 Característica das relações sociais no trabalho: F33 Transtorno depressivo
Deficiência no clima das relações, coesão e recorrente
qualidade das interações, inclusive trabalho em ....
equipe, assédio psicológico, entre outros.
Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho
LISTA A – Agentes e/ou Fatores de Risco com respectivas Doenças Relacionadas ao
Trabalho (Parte V)

Agentes e/ou Fatores de Risco CID10 Doença Relacionada ao


Outros Trabalho
Fatores psicossociais relacionados a: F45 Transtornos somatoformes
• Violência e assédio moral/sexual: F41 Transtornos ansiosos, outros
Violência física ou psicológica F33 Transtorno depressivo recorrente
relacionada a aspectos do trabalho Reações ao “stress” grave e
F43
• Discriminação .....
transtornos de adaptação
• ..... .......
Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho – Lista B – Doenças Relacionadas ao
Trabalho com respectivos Agentes e/ou Fatores de Risco
Capítulo V - Transtornos mentais e comportamentais
CID10 Doença Agentes e/ou Fatores de Risco
Relacionada
ao Trabalho
F32 Episódios Exposição a tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos; e/ou chumbo e
Depressivos seus compostos tóxicos; e/ou tricloroetileno e/ou tetracloroetileno e/ou
tricloroetano e/ou outros solventes orgânicos halogenados neurotóxicos; e/ou
brometo de metila; e/ou manganês e seus compostos tóxicos; e/ou mercúrio e seus
compostos tóxicos; e/ou dissulfeto de carbono; e/ou outros solventes orgânicos;
e/ou agrotóxicos, em atividades de trabalho.
Fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da
organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou
conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou
interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio
moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho; e/ou risco de morte e
trauma no trabalho
Desemprego
A complexidade está no fenômeno. O processo para
estabelecimento da relação entre os transtornos mentais e
trabalho é “muito factível”.

Só depende da “vontade” e efetiva articulação entre a


Rede de Atenção à Saúde e Centros de Referência em
Saúde do Trabalhador, para definição de
possibilidades/capacidade e atribuições.
Tecendo a rede... Que rede é suficiente?

Acolhimento dos trabalhadores na presença de


uma suspeita e fazer a articulação necessária ?
Encaminhamento para unidade de referência ?

Atendimento por equipe de saúde e ?


estabelecer a relação agravo x trabalho

Notificação (SINAN, CAT) ?

Ações de vigilância ?
Entender sobre o adoecimento mental e sua relação com o trabalho
é olhar a partir do sujeito, mas não parar nele ou nas suas relações
mais próximas.
Os problemas no mundo do trabalho não têm sua origem em
questões estritamente pessoais.
Antes de cuidar das pessoas, O trabalho é que deve ser cuidado em
todos os sentidos.
Cuidando do trabalho não estaremos, ao mesmo tempo, cuidando
das pessoas que o realizam?
(MARIA ELISABETH ANTUNES LIMA, 2013)
Leitura recomendada
• Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de
saúde. Ministério da Saúde.
• Maria Elizabeth Antunes Lima (diversos artigos e capítulos de livros sobre a relação
SM&T).
• Os vínculos entre condições de trabalho e saúde mental. Edith Seligmann Silva
• A saúde mental relacionada ao trabalho e os desafios aos profissionais da saúde.
Renata Paparelli; Leny Sato; Fábio de Oliveira.
• Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o diagnóstico,
com base na prática. Debora M. R. Glina; Lys Ester Rocha; Maria Lucia Batista; Maria
G.V. Mendonça.
• Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre a possível relação entre o diagnóstico e
as situações de trabalho. Cristiane Girotto e Liciane Diehl.
• Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas para Transtornos Mentais Relacionados ao
Trabalho. Cerest Goiás

Você também pode gostar