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ESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃO DE FERRAMENTAS MANUAIS

FOCADA NA PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES

Túlio Oliveira de Souza, M.Sc. Nilton Luiz Menegon, M.Sc.


Grupo Ergo&Ação/ D.E.P./ Universidade Federal de São Carlos
Rod. Washigton Luiz, Km 235 – 13565-905 – São Carlos – SP - Brasil.
túlio@simucad.dep.ufscar.br

Palavras-chave: ferramentas manuais, avaliação subjetiva, projeto ergonômico.

O propósito deste estudo foi o de avaliar, a partir da percepção dos trabalhadores, a usabilidade, eficácia e
impacto na carga de trabalho da introdução de duas novas espátulas utilizadas no processo de laminação
artefatos de material composto. Participaram 41 sujeitos, estes receberam duas novas espátulas, e as utilizaram
por duas semanas em atividades de laminação, após este período os laminadores responderam um questionário
de avaliação das espátulas introduzidas. Os resultados apontaram para uma diminuição do esforço e
desconforto percebido, sem comprometer a qualidade da laminação. Pôde-se identificar a presença de variáveis
relacionadas à diminuição da flexibilidade de uso.

Keywords: hand tools, subjective assesment,ergonomics design.

The objetive of this study was to evaluate two ergonomically designed handle in comparison with a standard
type of the spatula used in lamination process of composite material. 41 subjects received two news spatula.
Subjectives ratings of effort, discomfort, quality and handlle were recorded. The results of this studys indicates
a decrease of effort and discomfort, without commiting the quality of lamination. Also could identify the
presence of variables related to decrease of flexibilty use tool.

1. INTRODUÇÃO Qual a usabilidade e eficácia das novas espátulas?

O presente estudo surge em um contexto de produção O presente estudo teve o propósito de avaliar, sob
de artefatos de material composto. Os chamados ponto de vista da percepção do trabalhador, duas novas
materiais compostos compreendem peças formadas por ferramentas que introduzem conceitos de empunhadura
matérias primas como fibras de vidro, de carbono, e cabo em espátulas utilizadas no processo de
kevlar e aramida. As peças são formadas pela laminação de peças de material composto.
superposição de camadas das diferentes matérias
primas que irão compor a peça final. Esta superposição A utilização de métodos psicofísicos em ergonomia
chamada de laminação consiste basicamente na parte do pressuposto de que os trabalhadores podem ser
acomodação das camadas sobre um gabarito de capazes de discernir sensações associadas com
moldagem. Para que não ocorra a presença de espaços sobrecarga e potencial de lesão aos tecidos durante o
entre as camadas, estas são comprimidas uma sobre as trabalho (CORLETT & BISHOP, 1976; HAGBERG,
outras com o auxílio de espátulas. 1995).

A partir de uma demanda de ergonomia foram Em ferramentas manuais, especificamente, a forma e


desenvolvidas, em um momento anterior, espátulas que propriedades da superfície têm um importante efeito
incorporaram em sua concepção, princípios sobre a pressão produzida sobre a mão, sendo esta
ergonômicos de pega. Desenvolvidos os protótipos de pressão positivamente relacionada com a percepção de
espátulas, foi-nos colocada a seguinte demanda: desconforto (HALL, 1997).
Como integrar a proposta de proje to, baseada em
recomendações ergonômicas, com os diferentes Considerando que um processo de desenvolvimento de
aspectos que determinam a situação de trabalho, de ferramental pressupõe a introdução de novos elementos
modo que pudessem ser avaliadas diversas dimensões ao longo tempo, foi preconizado, ainda, o
da atividade real de trabalho que poderiam ser estabele cimento de uma base comum para a
influenciadas pela introdução das novas ferramentas? comparação das situações, de modo que a evolução
possa ser claramente avaliada ao longo do tempo.
Qual o impacto, na carga de trabalho, da introdução das
novas espátulas?
2. MÉTODO substituição integral da ferramenta convencional; se
existem situações em que a ferramenta proposta
Participaram voluntariamente deste estudo quarenta e dificulta a realização das atividades; e indicação do
um sujeitos, de ambos os sexos, escolhidos percentual de tempo que é possível utilizar a nova
aleatoriamente. Os sujeitos possuíam experiência ferramenta.
superior a um ano no processo de laminação com as
espátulas convencionais, receberam duas novas A eficácia das espátulas foi acessada pela percepção de
espátulas, e as utilizaram por duas semanas em suas melhora e classificação da qualidade da laminação
atividades de laminação. Os dois tipos de espátulas obtida com o uso das respectivas espátulas.
introduzidas foram:
a) espátulas com cabo tipo revólver, caracterizada Os cabos introduzidos foram avaliados quanto as suas
pela introdução de cabo e empunhadura com orientação dimensões. O uso das espátulas introduzidas foi
de 120º/60º em relação ao eixo longitudinal da espátula avaliado ainda, em relação a cada uma das peças
convencional; laminadas durante o período de teste.
b) espátulas com cabo reto, caracterizada pela
introdução de empunhadura na espátula 3. RESULTADOS
convencional.
3.1 Esforço
Após um período de dez dias, com uma jornada diária
de oito horas de trabalho, os laminadores foram Pode-se observar na Figura 1, que a classificação
convidados a responder um questionário de avaliação realizada pelos laminadores segue distribuição normal,
das espátulas introduzidas. com classe de maior freqüência localizada na categoria
de esforço forte, para a Espátula Convencional (EC) e
O questionário incluiu dados relativos a sexo, turno de de esforço moderado para as espátulas propostas, seja a
trabalho e tempo na atividade, foram abordadas, ainda, Espátula com Cabo tipo “Revólver” (ECRevólver), seja
variáveis relativas ao: a Espátula com Cabo “Reto” (ECReto). Há um
1. esforço necessário para a realização do deslocamento para a esquerda da curva em relação à
trabalho; escala de classificação do esforço realizado. A curva de
2. o conforto com que o mesmo é realizado; distribuição do esforço realizado apresenta forma
3. aplicação; similar para ambos os tipos de espátulas.
4. critérios relativos à eficácia da ferramenta;
5. e análise do cabo.
60
Para a avaliação do esforço foram considerados três 50
elementos: a identificação da presença de redução do 40 EC
esforço, um comentário descritivo, e a classificação do 30 ECRevólver
esforço por meio da aplicação de uma escala de 20 ECReto
percepção de esforço. Para a confecção da escala foram 10
utilizados os descritores verbais da escala CR10/Borg 0
MODERADO
ESFORÇO

MUITO FORTE
MUITO LEVE
NENHUM

(BORG, 1998).

Para a avaliação do conforto foram considerados três


elementos: a identificação da presença de aumento de
conforto, um comentário descritivo, e a classificação do
desconforto por meio da aplicação de uma escala de Figura 1 - Comparação da percepção de esforço entre
percepção de desconforto. Foi utilizada uma escala de espátula convencional (EC), Espátula com Cabo
desconforto com onze intervalos, numerados de 0 a 10, “Revólver” (ECRevólver), e a Espátula com Cabo
aos números correspondia um descritor verbal: 0 “Reto” (ECReto).
correspondeu a uma situação confortável, de 1 a 3
desconforto leve, 4 a 6 desconforto moderado, 7 a 9 Considerando os esforços percebidos como sendo
desconforto forte e 10 desconforto insuportável moderados ou menor, observou-se que para a espátula
(CORLETT & BISHOP, 1976; CAMERON, 1996). com cabo revólver 89% dos eventos foram
classificados nesta categoria, com a espátula com cabo
Quanto as variáveis relativas à aplicação das espátulas reto este índice foi de 79%, enquanto que para a
introduzidas, foram pesquisados três aspectos: espátula convencional apenas 29%.
espátula com cabo “revólver”. Mesmo sendo bem
3.2 Desconforto avaliada no que refere a esforço e conforto, a espátula
com cabo “revólver” apresentou uma menor
Pode-se observar na Figura 2, que ocorreu uma flexibilidade de uso restringindo as possibilidades de
diminuição no desconforto sentido. aplicação e, conseqüentemente, de substituição integral
das espátulas convencionais.

Ambas as ferramentas introduzidas, impuseram, de


30 maneira importante, novas dificuldades na atividade de
25 laminação.
20
EC
15 ECRevólver
100
ECReto
10
80
5 60

%
0 40
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 20
0
Figura 2 – Comparação da percepção de desconforto
cabo "reto" tipo "revólver"
entre espátula convencional (EC), Espátula com Cabo
“Revólver” (ECRevólver), e a Espátula com Cabo
SIM NÃO
“Reto” (ECReto).

Considerando as situações em que a laminação foi Figura 4 – Introdução de dificuldades impostas pela
classificada enquanto uma atividade confortável ou de nova ferramenta.
desconforto leve (0–3). Observou-se que para a
espátula com cabo “reto” em 50% dos eventos a 3.4 Eficácia
laminação foi classificada nesta faixa. Com a espátula
com cabo “revólver” este índice foi de 79%, enquanto Quanto à eficácia, foi analisada a qualidade percebida
que para a espátula convencional apenas 3%. da laminação. No que refere à qualidade de laminação,
com a introdução das novas espátulas ocorreu uma
3.3 Aplicação preservação ou aumento desta.

De maneira geral os dados não apontam para uma O aspecto relatado pelos laminadores foi de que a
substituição integral da espátula convencional pela s qualidade da laminação depende muito mais do sujeito
espátulas propostas, principalmente no que refere à do que da ferramenta. A explicação para não ter sido
espátula com cabo “revólver”. apontada piora na qualidade da laminação foi de que a
perfeita qualidade do produto é responsabilidade e
80 garantia do operador, sendo um pressuposto de
60 produção de material composto.
%

40
Para os casos em que foi apontada uma melhora na
20 qualidade da laminação, esta foi atribuída, na maioria
0 das vezes, ao aumento do conforto e melhora da pega.
tipo "revólver" cabo "reto"

SIM NÃO

Figura 3 - Substituição integral da espátula


convencional.

De maneira geral os dados não apontam para uma


substituição integral da espátula convencional pelas
espátulas propostas, principalmente no que refere à
Dificuldades para laminação
Em peças Em caso de Depende da Não serve para Peças com
planas dificulta peças com peça peças planas ou variadas
utilização rebaixos ressaltos dimensões e
pequenos cavidades
No profundor Algumas Em peças tipo Em pecas com Em rasgos
não e possível peças têm carenagem as curvas profundos
utilizar a ângulos camadas são complexas seria
espátula no diferentes, muito grandes necessária
fechamento isso dificulta. e acaba tendo espátula mais
que espatular comprida
mais
Nas peças mais Mas há casos Quase todas Em peças Tem peças
complexas em que não é devido estética complexas que tem
Comentários
necessária e esforço cavidades
onde ela não é
acessível
Há peças em Na hora de Em peças com Em Peças do tipo
que não é laminar alguns cavidades determinados mais fechadas
possível raios profundas ângulos dificulta que você
laminar devido espátula
à diversidade dentro
da peças

Tabela 1 - Situações em que a espátula proposta introduz dificuldades para laminação

3.5 Cabo deve ser dada ao contexto no qual surgem estas


inadequações, neste sentido os dados contidos na
Quanto à adequação das dimensões do cabo, pode-se Tabela 1 indicam muito claramente o contexto em que
observar que os laminadores realizaram uma avaliação surgem as inadequações.
distinta entre as duas ferramentas propostas. Os
resultados apontam para uma importante necessidade 4 DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
de redimensionamento da espátula de cabo reto.
Os resultados deste estudo apontaram que as espátulas
propostas acarretaram em uma diminuição do esforço e
100 desconforto percebido, sem comprometer a qualidade
80 da laminação. Quanto às considerações referentes às
60 restrições, a espátula com cabo “revólver” apresentou
%

40 menor flexibilidade de uso, enquanto que a espátula


20 com cabo reto apresentou necessidade de
0 redimensionamento do cabo.
cabo "reto" tipo "revólver" A análise dos comentários associados às respostas
apresentadas no item aplicação permite uma melhor
SIM NÃO compreensão das características, inerentes ao trabalho
(Real), subjacentes às respostas que apontam para a
inconveniência de substituir integralmente a espátula
Figura 5 – Adequação das dimensões do cabo.
convencional pela espátula proposta. Basicamente,
Um aspecto a ser considerado é que a relação entre pode-se identificar a presença de variáveis relacionadas
adequação e inadequação não deve ser compreendida a diminuição da flexibilidade de uso, o que acarreta na
apenas sob a perspectiva da maioria. Especial atenção inadequação para a laminação em algumas situações e
conseqüentemente impossibilita a substituição integral
da espátula convencional, nos moldes do indagado no diversos outros fatores que compõem o contexto de
questionário. análise (DUQUETTE et al, 1997).
Estes resultados são baseados na experiência pregressa Isto posto, pode-se concluir que a abordagem de
dos trabalhadores com o uso da espátula convencional avaliação centrada na percepção dos sujeitos cumpriu o
comparada com a experiência das novas espátulas propósito de integrar a proposta de projeto, baseada em
adquirida durante o período experimental. recomendações ergonômicas, com os diferentes
aspectos que determinam a situação de trabalho, de
Parece plausível indagar sobre qual a relação entre a modo que pudessem ser avaliadas diversas dimensões
carga de trabalho e a percepção desta por parte dos da atividade real de trabalho que poderiam ser
trabalhadores? Ou ainda, até que ponto o conforto pode influenciadas pela introdução das novas ferramentas.
ser usado para avaliar a adequação de uma dada
situação de trabalho? AGRADECIMENTOS

Estudos sobre o desconforto têm sido utilizados para Este trabalho foi apoiado pela CAPES.
aumentar a compreensão dos fatores que afetam a
relação da atividade de trabalho com o impacto sobre 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
os trabalhadores, atendendo a diferentes propósitos, tais
como: avaliar os efeitos da estação de trabalho e BENDEN, M. E. Creating the painless inspection
variáveis posturais sobre o desconforto músculo- station. Ergonomics in Design, p. 22-29, 1994.
esquelético (HAGBERG, 1995); para identificar a BORG, G. BORG’s perceived exertion and pain
origem do desconforto relacionado ao trabalho e servir scales. Human Kinetics, 1998. 124 p.
de elemento para a priorização de atividades para CAMERON, J. A. Assessing work-related body-part
intervenção ergonômica (MARLEY & KUMAR, disconfort: Current strategies and a behaviorally
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ergonômicas (BENDEN, 1994). Industrial Ergonomics, v. 18, p. 389-398, 1996.
CHUNG, M. K.; CHOI, K. Ergonomics analysis of
Ao se estudar a relação entre variáveis antropométricas musculoskeletal discomforts among conversational
e posturais com a presença de desconforto músculo- VDT operators. Computers Ind. Eng, v. 33, n. 3-
esquelético, submetendo os dados a uma análise de 4, p. 521-524, 1997.
regressão múltipla, observou-se uma influencia das CORLETT, E. N.; BISHOP, R. P. A tecnique for
variáveis ergonômicas sobre o desconforto (CHUNG & assessing postural discomfort. Ergonomics, v. 19,
CHOI, 1997). n. 2, p. 175-182, 1976.
DUQUETTE, J.; LORTIE, M.; ROSSIGNOL, M.
Avaliações subjetivas do esforço têm sido utilizadas, Perception of difficulties for the back related to
em ergonomia, para classificar a dificuldade de assembly work: general findings and impact of
execução de determinadas tarefas de trabalho (BORG, back health. Applied Ergonomics, v. 28, n. 5/6, p.
1998). 389-396, 1997.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
A International Organization for Standardization (ISO) STANDARDIZATION. Ergonomics principles in
recomenda a utilização de avaliações subjetivas como the designof work systems, 4.2. ISO 6385, 1981,
forma de avaliação do trabalho, no sentido de se apud: BORG, G. BORG’s perceived exertion and
garantir a saúde dos sujeitos (INTERNATIONAL pain scales. Human Kinetics, 1998. 124 p.
ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, apud HAGBERG et al. Work Related Musculoskeletal
BORG, 1998). Disorders (WRMD): A reference book of
prevention. Taylor & Francis, 1995. 421 p.
Considerando que a percepção sobre as ferramentas HALL, C. External pressure at the hand during object
introduzidas refere-se ao contexto experimental e handling and work with tools. International
depende da história de vida de cada um dos sujeitos Journal of Industrial Ergonomics, v. 20, p. 191-
(BORG, 1998), os resultados podem vir ser diferentes 206, 1996.
em outras situações, ou seja, estas mesmas ferramentas MARLEY, R. J. An improved musculoskeletal
podem vir a ser percebidas de uma outra maneira se disconfort assessment tool. In: AGHAZADED, F.
avaliadas em um outro momento. Um dos aspectos que (Ed), Advances in Industrial Ergonomics and
concorrem para isto, é que provavelmente na forma Safety VI. Taylor & Francis, p. 45-52, 1994.
como as ferramentas são percebidas estão integrados

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