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Ficha Técnica

Cop y right © 2012 by The M cGraw-Hill Comp anies, Inc. All rights reserved.
Diretor editorial: Pascoal Soto
Editora executiva: M aria João Costa
Assessores editoriais: Bruno Fiuza e Raquel M aldonado
Tradutor: Alice Klesck
Prep aração de texto: Beatriz Sarlo
Revisão de texto: Breno Barreto
Designer de cap a: Ideias com p eso
Editoração eletrônica: Abreus’Sy stem

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
W264q Wartzman, Rick

O que Drucker faria agora?: soluções p ara os mais duros desafios, segundo o p ai da administração moderna / Rick Wartzman;
[organização Raquel M aldonado ; coordenação M aria João Costa ; tradução Alice Klesck ]. São Paulo : Ley a, 2013.
336 p . : 23cm
Tradução de: What would Drucker do now?
ISBN 9788580447064
1. Drucker, Peter Ferdinand, 1909-2005. 2. Administração
3. Finanças. I. Título.
13-1455. CDD: 658
CDU: 005

2013
Todos os direitos desta edição reservados a
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do Grup o Ley a]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP – Brasil
www.ley a.com.br
Para Randye, porque eu te amo loucamente

E para minha mãe e meu pai,


cujos valores inspiram estas páginas
INTRODUÇÃO

E u cresci com Peter Drucker. Meu pai passou 25 anos na gerência de


Recursos Humanos da General Electric e mais uma década chefiando o RH
do Chase Manhattan Bank. Ele conheceu Peter no centro de treinamento da
GE, em Crotonville, nos anos 1950, e sempre teve os livros de Peter em seu
escritório de casa. Quando eu estava na faculdade, de vez em quando eu
folheava clássicos como The Effective Executive e The Practice of
Management.
Mas não encarei Drucker com seriedade até meus vinte e poucos anos,
quando eu era responsável pelo Serviço de Intercâmbio Naval e pelas
operações de varejo, na base americana de Atsugi, Japão. Essa foi minha
primeira função verdadeira de negócios, e precisei de uma rápida formação
na área. Essa formação foi Drucker.
Quase trinta anos depois, após a marinha, a faculdade de negócios em
Havard e mais de 22 anos como diretor na Procter & Gamble, tomei a
iniciativa de conhecer Peter pessoalmente. Era 1999, e eu tinha acabado de
gerenciar a P&G Ásia num período de cinco anos. Na época, a companhia
atravessava a transformação organizacional e estratégica mais ambiciosa em
seus 162 anos de existência.
Eu era encarregado da região norte-americana da P&G, mercado
doméstico da companhia, e de criar um novo segmento global de beleza e
higiene pessoal. Liguei para o Peter e perguntei se ele poderia me receber.
Uma semana depois, eu estava sentado em sua modesta casa, em Claremont,
Califórnia, falando de um mundo sobre o qual ele pensou por cerca de 60
anos (e no qual eu tinha trabalhado por 25).
Eu tinha esperanças de obter uma hora de seu tempo. Nós conversamos
durante quatro horas. Para cada pergunta que eu apresentava, Peter tinha
mais duas ou três a considerar. Essa primeira divertida troca levantou temas
aos quais ele e eu regressaríamos, repetidamente, ao longo dos seis
próximos anos: o cliente, inovação, estratégia e liderança.
Conforme leio essa coletânea de Rick Wartzman de suas colunas, uma
enxurrada de lembranças daquela conversa me vem à mente. Rick toca em
muitos dos temas que Peter e eu discutimos e dá vida a esses princípios ao
aplicá-los em tópicos atuais. Cada coluna é como um mini-estudo de caso,
escrito de forma pragmática e acessível (e simplesmente divertida de ler)
como o próprio estilo de Peter.
À medida que passei mais tempo com Drucker, nós acabamos abordando
um assunto ao qual ele se voltou durante os últimos anos de sua vida: o
trabalho ímpar do CEO. Sua última coluna no The Wall Street Journal,
publicada em dezembro de 2004, aproximadamente um ano antes de sua
morte, tratava desse assunto. Meu artigo intitulado “What Only the CEO Can
Do” (O que somente o presidente pode fazer), publicado na Harvard
Business Review, mesclava o pensamento de Peter com minha experiência
real como CEO na P&G, na primeira década do século XXI.
Como presidente, fui um discípulo desavergonhado de Peter Drucker. Ele
disse: “O propósito de um negócio é criar e servir um cliente.” Pura e
simplesmente. Na P&G, o consumidor era o chefe, e as estratégias, marcas e
inovações pautadas no consumidor eram o que conduzia o nosso crescimento
comercial e financeiro. O foco era encantar os consumidores que possuíamos
e atrair novos, fornecendo ofertas que melhor atendiam seus anseios e
necessidades. Compreendíamos que a forma mais inteligente de conduzir
uma pesquisa de consumo é, de fato, experimentar o que o consumidor faz.
Por esse motivo, sempre que eu viajava, ia pessoalmente às casas dos
nossos clientes. Era essencial entender como essas pessoas – em sua maioria
mulheres – usavam nossas marcas e produtos. Também fiz compras com elas,
para saber como escolhiam e o que compravam.
Peter insistia na prática da administração. Ele tinha pouca paciência para
teorias avulsas ou planos abstratos. “Planos são somente boas intenções, a
menos que se transformem em trabalho duro”, ele gostava de dizer. Eu
focava nas poucas opções estratégicas que dariam uma vantagem sustentável
à P&G. Também focava na consistência e excelente execução, porque eu
sabia que a única estratégia que nossos clientes (e até concorrentes) veriam
era o que nós fizéssemos na loja e em casa, diariamente.
Peter também insistia para que os líderes assumissem responsabilidade:
“Gerenciamento é fazer as coisas de forma certa; liderança é fazer as coisas
certas.” Como presidente da P&G, eu sabia que nós precisávamos de uma
administração diária de boa consistência. Mas também precisávamos de
líderes. Líderes representavam um diferencial em nossa empresa, e a
liderança era um valor essencial esperado de todo membro da P&G.
É claro que, como presidente, eu tinha uma responsabilidade diferente de
liderança, como Drucker via, a de moldar os valores e padrões da empresa
toda, assim como ser um exemplo, em termos de moral e ética. Essa
responsabilidade se tornará cada vez mais importante num mundo de
exigências cada vez maiores e um número crescente de constituintes
empresariais.
De forma mais abrangente, Drucker matinha a visão de que o presidente
era o “executivo externo” da instituição, “o elo entre o interior, onde só
existem custos, e o lado externo, onde estão os resultados”. Por muitas
razões, as empresas e outras instituições passam a ter um foco introspectivo.
Peter argumentava que o presidente precisava contrabalançar essa tendência;
ele ou ela tem a responsabilidade primordial de trazer as vozes do mercado,
clientes, concorrentes, sócios e acionistas para dentro da empresa. Eu
sempre quis que o sopro aquecido de um mercado volátil, imprevisível e
mundialmente competitivo fosse sentido nos corredores da P&G. Queria que
enfrentássemos a realidade do mundo externo, víssemos as coisas como
realmente são, não como gostaríamos que elas fossem.
Hoje, as ideias de Peter continuam relevantes, como sempre foram. Elas
são simples, porém poderosas e eminentemente práticas. Quando claramente
compreendido e bem executado, Drucker apresenta resultados.
E que melhor forma de entender a importância de Peter Drucker do que ler
sua coleção de colunas “Drucker Difference” (O diferencial Drucker)? Rick
aplica os ensinamentos de Peter aos desafios e oportunidades do mundo real
atual. Sua escrita e pensamento claros demonstram a prática da boa
administração, da forma como Peter teria gostado.
Como Drucker disse: “Uma época de turbulência é uma grande
oportunidade para aqueles que compreendem e aproveitam essas novas
realidades.” Essa coletânea é como um mapa rodoviário para aqueles que
querem fazer exatamente isso.
A.G. Lafley
PREFÁCIO

A pesar do título deste livro, não tenho a menor ideia do que Peter
Drucker faria. A verdade é que ninguém tem. Charles Handy, filósofo social
britânico, frisou que Drucker “deleita-se em surpreendê-lo”. O escritor
Jeffrey Krames mencionou que Drucker tinha uma inclinação para arranjar
“ideias contra-intuitivas”, enquanto um de seus ex-alunos de doutorado
explicou da seguinte forma: ele era “frequentemente imprevisível e quase
sempre provocador e original”.
Apesar disso, há quase quatro anos, escrevo a coluna on-line “The
Drucker Difference”, para a Bloomberg Businessweek (ex-BusinessWeek),
com o intuito de oferecer uma ideia de como Drucker talvez reagisse a
questões atualmente predominantes nas manchetes.
Dizer que tem sido um privilégio extrair de seus 39 livros e inúmeros
artigos de jornais e revistas seria pouco. Adoro elaborar “The Drucker
Difference” no que passei a considerar uma tentativa quinzenal de alcançar
algum tipo de união mental com uma das maiores mentes do século XXI.
Tenho que confessar, no entanto, que assumi a coluna um tanto
relutantemente. Logo que me tornei diretor do Drucker Institute, em 2007,
depois de uma carreira de vinte anos como repórter e editor do The Wall
Street Journal e do Los Angeles Times, escrevi uma matéria sobre
especulação, na BusinessWeek, a respeito do que Drucker poderia ter achado
da inundação de recalls de produtos chineses, como tintas contendo chumbo
e outros perigos. Francamente, fiz isso porque, à época, não tinha certeza do
que minha nova função envolvia; escrever era o que eu me sentia apto a
fazer.
No final das contas, o texto foi um sucesso. Atraiu mais olhares do que
qualquer outro no website da BusinessWeek naquele fim de semana e evocou
uma série de respostas interessantes. Claramente, as visões de Drucker ou as
minhas, ou, mais precisamente, essa combinação de nós dois, repercutiu
entre os leitores.
Na semana seguinte, John Byrne, então editor executivo da BusinessWeek,
me perguntou se eu gostaria de contribuir com uma coluna regular, baseada
nos ensinamentos de Drucker. “Certamente”, eu lhe disse. Afinal, isso foi um
golpe súbito. O que mais eu diria?
Porém, por dentro, eu estava incrivelmente nervoso. Minha mente, se não
meu coração, estava acelerada: por quanto tempo eu poderia levar o bico
adiante? Será que Drucker (que faleceu em 2005, pouco antes de fazer 96
anos) realmente tinha suficiente a dizer sobre assuntos contemporâneos?
Pareceria estranho intermediar um cara morto?
Quase cem colunas depois – e com a ajuda e o apoio de duas editoras
maravilhosas, Patricia O’Connell e Rebecca Reisner –, fico feliz em relatar
que todos os meus temores foram deixados de lado há muito tempo. Eu não
somente consegui manter a coluna “The Drucker Difference”, como tive a
chance de utilizá-la para cobrir uma quantidade extraordinária de assuntos.
Abordei o colapso da Lehman Brothers; o resgate federal da General
Motors; os problemas de aderência com o acelerador da Toyota; e a
inovação na Apple, Google, Wikia e Sony. Mas também pude escrever sobre
o movimento de voluntariado e serviço, as complexidades raciais nos
Estados Unidos, o custo elevado do ensino superior, o plano de assistência
médica do presidente Obama, as mulheres em seu local de trabalho, o papel
da espiritualidade no emprego e até sobre música, arte e beisebol.
O motivo dessa abrangência é simples: a vastidão e a profundidade do
conjunto da obra de Drucker são nada menos que notáveis. Muito além de um
pensador de administração, Drucker habitou e ajudou a moldar “o mundo de
ideias”, como Warren Bennis descreveu. Ele acrescenta que, se isso não for
com efeito apreciado, “corremos o risco de posicionar Drucker num contexto
excessivamente estreito e intelectual e iremos fracassar em fazer jus à sua
contribuição ímpar”.
De fato, por conta do escopo de Drucker – e as 10 mil páginas que ele
deixou – eu realmente pude compor todas aquelas colunas sem usar a mesma
citação duas vezes. (Tudo bem, eu bobeei uma vez e descobri mais tarde que
tinha acidentalmente duplicado uma citação.) Drucker tinha tantos insights a
compartilhar que não há necessidade de me repetir.
Quanto a recorrer de forma tão pesada ao trabalho de uma pessoa falecida,
isso não tem nada de estranho. Há três razões pra isso. Primeira, a escrita de
Drucker é tão fundamental – ele foi, conforme a BusinessWeek declarou, “o
homem que inventou a administração” – que seu trabalho possui uma
qualidade eterna. Kenneth Wilson, cientista e reformador educacional
ganhador do Prêmio Nobel, uma vez me disse que o que Newton foi para a
matemática, Darwin para a biologia e Einstein para a física, Drucker foi
para o nosso entendimento de organização e sociedade.
Segunda, Drucker enxergava tão longe que estamos apenas começando a
ter uma noção de muitos dos temas sobre os quais ele escreveu, até o fim da
vida, incluindo o que significa – sob muitos pontos de vista – viver numa era
de conhecimento.
Terceira, há a minha própria forte ligação com Drucker. Acima de tudo,
nossos valores estão em sincronia. Além disso, embora ele tivesse inúmeros
papéis, incluindo o de professor e consultor, ele se considerava um escritor,
em primeiro lugar; essa é uma identidade que compartilho.
Devo mencionar que nunca tive a chance de conhecer Drucker. Mas, como
você pode imaginar, eu me sinto como se o tivesse conhecido. Por meio de
suas palavras, ele certamente me ensinou mais do que qualquer outra pessoa.
É claro que não estou sozinho ao expressar esse sentimento. “Uma grande
parcela de instituições produtivas ao redor do mundo é liderada por homens
e mulheres que consideram Drucker seu guia intelectual, se não seu mentor
pessoal”, frisou T. George Harris, ex-editor da Harvard Business Review.
Ele igualmente inspirou novas gerações de estudantes que o veem como
exemplo. Como certa vez colocado por Gary Hamel e C.K. Prahalad:
Drucker “tem sido um farol, guia infalível, iluminando o caminho em direção
às questões administrativas de amanhã”. Espero que “The Drucker
Difference” esteja ajudando a manter viva essa luz e a fazê-la brilhar com
um pouquinho mais de intensidade.
CAPÍTULO 1
Administração como uma disciplina
Peter Drucker: eterno, onipresente

A lguns domingos atrás, eu estava em meu escritório de casa trabalhando


em um projeto de escrita como freelancer, uma narrativa histórica que nada
tinha a ver com meu emprego diário, como diretor do Drucker Institute. A
missão essencial é fomentar os ensinamentos do falecido Peter Drucker, o
homem vastamente aclamado como “pai da administração moderna”.
Naquele dia, a minha pilha de leitura incluía uma matéria de 1939, da
revista The Nation, que abordava o esquema de pensão, há muito esquecido
e popularmente conhecido como Ham and Eggs (presunto e ovos), que
fracassou duas vezes nas urnas, na Califórnia da época da Grande
Depressão. Eu estava lendo tranquilamente, quer dizer, até chegar à
penúltima frase, que continha essas seis palavras: “como Peter Drucker já
havia frisado.” Sacudi a cabeça, caí na gargalhada e desci correndo para
contar essa feliz descoberta à minha mulher. “Nossa”, eu disse, “esse cara
está me seguindo por todo lado”.
Porém, nas semanas desde aquele dia, o que me pareceu mais notável não
foi o fato de ter me deparado com um Drucker numa matéria de revista, com
mais de 70 anos. É que dificilmente uma semana se passa sem que uma
grande publicação, em algum lugar do mundo, deixe de invocá-lo da mesma
maneira: “como Peter Drucker disse”, ou “como Peter Drucker já havia
frisado”.

A grande ideia

Quantas pessoas você pode listar cujas ideias – e ideais – estavam sendo
discutidas em 1939, 1969, 1999 e, certamente, serão em 2039? Da mesma
forma, quantas pessoas você pode citar cuja consultoria foi solicitada e
seguida (em níveis variados) tanto por Jack Welch, diretor executivo da
General Electric, quanto por Cesar Chavez, líder da União dos
Trabalhadores Agrícolas? Quantos têm crédito por inspirar uma organização
como a Girl Scouts, enquanto auxilia um gigante financeiro como Edward
Jones?
O extraordinário poder de permanência de Drucker e seu vasto alcance
abrangem vários fatores: a profundidade e amplitude de seus insights, uma
habilidade incomum de antever o futuro e um estilo de prosa claro como a
água da montanha.
Porém, talvez, mais que tudo, ele ainda permaneça altamente relevante,
dois anos após sua morte, aos 95 anos, porque repetidamente nos lembrou
que a administração responsável não tem a ver com jargões. Não tem a ver
com modismos. No final das contas, não tem a ver com novos produtos nem
com engordar o lucro final (embora ele julgasse essas coisas importantes).
Em vez disso, tem muito mais a ver com princípios fundamentais, uma
filosofia que cresceu diretamente a partir da experiência de Drucker como
um jovem escritor que havia testemunhado o surgimento da Alemanha nazista
(que, no início dos anos 1930, bania e queimava o trabalho nativo da
Áustria).
Drucker escreveu que administração, em seu âmago, “lida com pessoas,
seus valores, crescimento e desenvolvimento – o que a torna uma disciplina
da área de humanas. Portanto, ela afeta e impacta a estrutura social e a
comunidade. De fato, como todos aprenderam quem tem trabalhado com
gestores de todos os tipos de instituições de todos os tipos, por muitos anos,
a administração está profundamente envolvida em interesses morais – a
natureza humana, o bem e o mal”.
A cada duas semanas, essa coluna se empenhará em ligar os ensinamentos
de Drucker aos acontecimentos dos noticiários. E, de tempo em tempo,
também irá apresentar as visões mais recentes de estudiosos e praticantes
que foram fortemente influenciados por Drucker. O que não falta por aí é
esse pessoal, desde o presidente executivo da Procter & Gamble, A.G.
Lafley, até Jim Collins, autor campeão de vendas, que em seu livro Built to
Last: Successful Habits of Visionary Companies [Feito para durar: hábitos
de sucesso de empresas visionárias] disse que a obra poderia ter sido
intitulada Drucker estava certo.

“O que Peter diria?”


Não sou presunçoso nem tolo o suficiente para insinuar que eu poderia
escrever com a onisciência e perspicácia de Drucker. Essa não é a intenção
desta coluna. Tudo que qualquer um de nós pode fazer é simplesmente
perguntar: “O que Peter diria?” E, depois, tentar ligar os pontos entre o
conjunto de sua obra e algumas questões que são manchetes atualmente: o
colapso do setor hipotecário, as questões espinhosas sobre a globalização, a
imigração e desigualdade de renda, a obscuridade dos empreendimentos
lucrativos ou não no setor social, o manejo governamental com um desastre
como o furacão Katrina.
Felizmente, há muito material para se lançar mão. Drucker escreveu 39
livros e inúmeros artigos.
Nem sempre ele tinha precisão absoluta e foi ocasionalmente criticado por
ser vago sobre os fatos. Mas muitos dos conceitos que Drucker introduziu
nos anos 1940, 50 e 60, e até depois, têm sido incorporados ao DNA das
empresas mais importantes e abraçados como algo espontâneo por uma
geração de empresários. Entre eles, “há somente uma definição de propósito
no negócio: criar um cliente”. “Um empreendimento profissional tem duas –
e somente duas – funções básicas: marketing e inovação.” “A mudança de
trabalhadores manuais, que fazem como lhes é dito – pela tarefa ou pelo
chefe –, para trabalhadores de conhecimento, que precisam gerir a si
mesmos, desafia profundamente a estrutura social.” “A inovação e o
empreendedorismo são necessários na sociedade tanto quanto na economia,
nas instituições de serviço público e igualmente nos negócios.”
Esses são somente alguns de seus princípios que levam ao que pode ser
chamado de Paradoxo Drucker. Seu carimbo está em toda parte e com tanta
intensidade que sua contribuição se tornou, de várias formas, imperceptível.
No entanto, simultaneamente, há muita gente no mercado, no governo e no
reino não-lucrativo que diariamente abandona sua sabedoria. A necessidade
de uma administração efetiva e de uma liderança ética – a necessidade de
Peter Drucker – nunca foi tão premente.
13 de setembro de 2007
Muhammad Yunus:
o discípulo improvável

O que não faltam são pessoas que exemplifiquem os princípios e práticas


de Peter Drucker, uma multidão de gerentes intermediários e altos executivos
responsáveis por milhões, senão bilhões, de dólares na atividade econômica.
No entanto, o homem mais parecido com Drucker pode muito bem ser
alguém que tenha lançado seu empreendimento com uma série de transações
totalizando 27 pratas.
Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel, pioneiro no conceito de
micro-crédito – provendo aos mais pobres dos pobres pequeninos
empréstimos para começarem seus próprios negócios rentáveis – anda
promovendo uma nova ideia ultimamente. Ele chama de “negócio social” e
em seu livro Creating a World Without Poverty, recém-lançado, ele
argumenta que promete relegar a pobreza espalhada pelo mundo e ao lugar a
que ela pertence: dentro de um museu.
Sua ideia é encorajar uma classe de empresas capaz de competir no
mercado, porém, cujo alvo primordial seja atender a uma necessidade social
clara, não maximizar lucros.
Essas empresas têm o propósito de ganhar dinheiro. Mas não pagam
dividendos. Em vez disso, explica Yunus, “qualquer lucro fica no negócio –
para custear a expansão, criar produtos ou serviços e trazer mais benefícios
ao mundo” (Bill Gates, presidente da Microsoft, recentemente compartilhou
uma visão semelhante, embora não idêntica, em Davos, Suíça, com seu apelo
ao “capitalismo criativo”.)
E o que Drucker poderia ter dito sobre isso tudo?
Qualquer negócio, disse ele, em Management: Tasks, Responsabilities,
Practices, “existe pelo bem da sociedade”. Em The Effective Executive, ele
acrescentou: “Uma instituição não é como um animal, um fim em si, e bem-
sucedida pelo mero ato de perpetuar a espécie. Uma organização é um órgão
da sociedade que se realiza através da contribuição que dá ao ambiente
externo.”
Nada de delimitações políticas

Isso não é dizer que Drucker pressionava as corporações a focarem


especificamente nas necessidades dos indigentes, como Yunus faz. Mas acho
que ele teria apreciado imensamente o modelo de Yunus, pois é uma
expressão clara da convicção de Drucker de que, “psicológica, geográfica,
cultural e socialmente”, a comunidade de negócios tem que fazer parte de
uma comunidade mais ampla.
Um fato interessante é a dificuldade de atrelar Yunus a qualquer
delimitação política. Seu Grameen Bank “apoia menos governo, está
comprometido com o mercado livre e promove instituições empresariais”,
ele frisou. “Portanto, deve ser extrema direita.” Ao mesmo tempo, Grameen
está “comprometido com os objetivos sociais” e não defende um sistema de
pura isenção de intervenção; no lugar disso, gostaria de ver políticas de
incentivo que encorajem “negócios que sigam nas direções desejadas pela
sociedade”. Yunus frisou: “todas essas características colocam o Grameen
como de esquerda.”
Drucker certamente poderia se identificar, uma vez tendo mencionado que,
conforme ele buscava o equilíbrio apropriado entre a continuidade e a
mudança na sociedade, ele “às vezes podia se ver como um conservador
liberal e, às vezes, como liberal conservador, mas nunca como um
‘conservador conservador’ ou um ‘liberal liberal’”.

Motivados por mais que dólares

Drucker também, sem dúvida, teria se rendido à premissa básica de Yunus:


as pessoas são motivadas por uma variedade de impulsos – não
simplesmente um desejo de ficar podre de rico. O sistema existente, disse
Yunus, tem “criado um ser humano unidimensional para interpretar o papel
de líder empresarial... Nós o isolamos do restante da vida, da religião, do
emocional, da política e sociedade. Ele fica dedicado exclusivamente a uma
missão: maximizar os lucros”.
Drucker, cuja escrita recorre com frequência à sociologia e psicologia,
história, arte e religião, uma vez afirmou que seu trabalho é igualmente
baseado na crença de que “as pessoas são diferentes, muitas vezes
imprevisíveis, sempre multidimensionais”.
Mas, no fim, não são apenas as teorias de Yunus que Drucker teria
admirado; acima de tudo, está sua eficácia. Duas coisas estão por trás dela.

Desafiar a sabedoria convencional

Primeiro, está a vontade de romper com a sabedoria convencional. “Apesar


de sua importância”, Drucker escreveu, em Management Challenges for the
21st Century, “as suposições raramente são analisadas, raramente estudadas,
raramente desafiadas, de fato, raramente sequer explicitadas”.
Yunus prospera desafiando suposições. Ele está fazendo isso agora, ao
tentar recompor o que a maioria das pessoas acha que um negócio deve ser.
E ele já fez isso antes, quando estabeleceu o Grameen.
Realmente, se ele tivesse ouvido as diversas razões que fazem a oferta de
crédito às pessoas pobres algo supostamente tolo, o Grameen jamais teria
crescido de seus primeiros 27 dólares em empréstimos, feitos há 32 anos,
saídos diretamente do bolso de Yunus, a 42 camponeses de Bangladesh, para
ser o que é hoje: um banco autossuficiente que já concedeu 6 bilhões de
dólares em empréstimos a milhões de habitantes, ostentando 98% de
pagamento devolvido, dando um forte golpe no nível de pobreza do país
(também se tornou o centro de uma rede de contatos de duas dúzias de
empresas socialmente impulsionadas, com interesse na educação, saúde,
vestuário, telecomunicações e muito mais).

Evitar a filosofia soberba

O segundo fator que torna Yunus tão eficaz é que, mesmo havendo muito mais
que uma menção de idealismo em sua iniciativa, ele conscientemente tenta
“evitar as filosofias grandiosas e assumir uma abordagem pragmática”. Com
essa finalidade, o Grameen respalda suas ações em uma profunda análise de
mercado, estimula seus empregados, busca ativamente as informações dadas
pelos clientes e continuamente melhora seus produtos e serviços.
Isso, é claro, é clássico de Drucker. Apesar do “romance da invenção e
inovação”, Drucker advertiu que “flashes de genialidades” não chegam
muito longe. O que leva um negócio adiante é “o trabalho duro, organizado e
determinado”.
Veja você mesmo. Dê uma olhada no novo livro de Yunus e, se ainda não
leu, olhe o primeiro: Banker to the Poor. Eles não são apenas inspiradores,
são altamente informativos – fantásticos estudos de casos sobre a maneira de
administrar um negócio da maneira correta. Ou seja, da maneira Drucker.
31 de janeiro de 2008
Pensamento abrangente

C harles Handy tem sido chamado de “o Peter Drucker da Bretanha”.


Mas, de certa forma, ligar Handy a um lugar específico perde totalmente o
sentido. Somente no último ano, esse venerado pensador e escritor sobre o
comportamento e a sociedade organizacional deixou seu lar, próximo a
Londres, para passar um tempo em Hong Kong, China, Romênia, Espanha,
Itália, Dinamarca, Suécia e Índia. Também fez três viagens aos EUA, onde
passou cinco semanas como acadêmico residente de um programa na
Drucker School of Management (Escola de Administração Drucker) da
Claremont Graduate University, onde sou diretor.
Foi ali que tive o prazer e o privilégio de observar Handy atentamente e
descobrir algumas lições que todos nós devemos buscar – para nós mesmos,
assim como para as instituições que administramos.
Handy, como você pode imaginar, foi um ímã durante toda sua estadia.
Todos os tipos e pessoas – alunos, professores e membros de uma
comunidade maior estavam ávidos por conhecer suas ideias. E ele atendeu
generosamente, tanto no salão de palestras do campus quanto em pequenas
reuniões, em inúmeras sessões individuais ou durante os comentários
semanais que ele elaborou para a rádio pública Marketplace, enquanto
esteve no sudeste da Califórnia.

A arte de ouvir

Porém, o que eu mais percebi foi que Handy nem sempre domina os
holofotes. Ele frequentemente se retirava por um tempo para discretamente
observar a interação de outros à sua volta, no papel de espectador,
exatamente como Drucker adorava fazer. E quando Handy se via no centro de
uma conversa, ele não apenas respondia a perguntas; ele também as fazia,
muitas.
Certamente, Drucker teria aplaudido. “Muitos se acham maravilhosos
porque falam bem”, ele frisou, certa vez. “Eles não percebem que ser
maravilhoso com as pessoas significa ser um bom ouvinte.”
No entanto, não fui arrebatado apenas pela habilidade que Handy possui
de abrir amplamente os seus olhos e ouvidos. Foi o fato de voltá-los para o
maior número possível de direções, na direção dos acadêmicos, executivos
corporativos, os que são ativos no setor social e, mais avidamente, na dos
artistas de todos os tipos.
“Você precisa sair de sua própria caixa”, diz o homem de 75 anos, cuja
recém-lançada autobiografia, Myself and Other More Important Matters
(Eu mesmo e outras questões mais importantes) traça sua carreira como
executivo da Shell, cofundador da London Business School, oficial da Igreja
Inglesa, locutor de rádio e autor de best-sellers. “Caso contrário, você deixa
de ser criativo.”

Ampliando perspectivas

Com essa finalidade, Handy e sua esposa, uma fotógrafa com quem ele
frequentemente trabalha, seguem uma porção de regras quando viajam. Uma
delas é usarem transporte público sempre que possível; isso serve como uma
ótima janela para a cultura cotidiana. Outra é que eles sempre organizam um
encontro com um grupo de meia dúzia, ou trinta e poucas pessoas, para que
possam ter sua visão do cenário local e, como diz Liz, “ouvir seus sonhos”.
Fica claro o motivo pelo qual essa forma de imersão na civilização é do
interesse de alguém que se descreve como “filósofo social”, como Handy.
Também deveria ser claro para todos nós, em nível pessoal, por que nos
beneficiamos de ver mais do mundo. Porém, o que pode ser menos óbvio é
também a necessidade de ampliação das perspectivas das instituições –
sejam públicas, privadas ou filantrópicas.
O primeiro passo, claro, é que os dirigentes do negócio saiam de trás de
suas mesas e observem. Não há atalhos. Como Drucker percebeu, há mais de
40 anos, “aqueles que decidem precisam de informação organizada para
formar sua opinião. Eles precisam de relatos e números. Mas, a menos que
construam sua opinião ao redor da exposição à realidade – a menos que se
disciplinem para sair e olhar – estão fadados a um dogmatismo estéril”.
Enxergando além das fronteiras tradicionais

O passo seguinte é ser inteligente quanto à direção para onde olhar. Como
identificado por Drucker, isso frequentemente exige um olhar para locais não
tão familiares. Ao longo do anos 1800, até a primeira metade de 1900, ele
escreveu em Management Challenges for the 21st Century, “pode ter sido
subestimado o fato de que a tecnologia fora do próprio setor não tinha
impacto algum, ou tinha impacto mínimo, no setor. Agora, a suposição do
ponto de partida é que a tecnologia mais provável a causar o maior impacto
numa companhia e num setor é a tecnologia fora de seu próprio campo”.
Handy vai ainda mais longe, alertando que as empresas devem pesquisar
além de suas fronteiras tradicionais para melhor entenderem não apenas a
tecnologia, mas um número incontável de práticas e processos. Digamos que,
por exemplo, um fabricante precise de uma equipe de talento para um projeto
que terminará após um período breve. A sugestão de Handy: providencie
uma visita a um dos estúdios de Hollywood. Eles sempre gerenciam
trabalhos temporários de alta qualidade.

Sair por aí e ouvir

Da mesma forma, diz Handy, um recurso como as edições Penguin Books


talvez possa ensinar uma empresa de alta tecnologia a obter externamente a
vantagem intelectual de forma mais efetiva. Afinal, todo o trabalho de um
editor repousa em seu modelo. Também há insights a serem captados com a
observação feita em hospitais, cinemas e empresas de arte. “Muitas
empresas se comparam com outras, no mesmo segmento”, diz Handy. “Elas
deveriam se comparar a empresas totalmente diferentes.”
Ele acrescenta que ter acesso a elas não é tão difícil quanto você talvez
imagine: “Se você não é um concorrente direto, as empresas adoram lhe
dizer o quanto são bem-sucedidas e como conseguem ser assim.”
Você só precisa sair por aí e ouvir.
28 de fevereiro de 2008
Tirando a poeira de um volume de peso

D e todas as realizações de Peter Drucker, desde a consultoria a capitães


da indústria e chefes de estado, o cunho do termo “trabalhador com
conhecimento” até o prêmio da Presidential Medal of Freedom, seu maior
feito talvez seja esse: em 1974, seu volumoso livro de mais de 800 páginas,
intitulado Management: Tasks, Responsabilities, Practices, superou The
Joy of Sex na lista nacional de mais vendidos.
Semana passada, a HarperCollins lançou uma edição revisada de
Management. E, mesmo se acabar ofuscando Bonk, a mais recente sensação
de vendas sobre a fisiologia e psicologia do sexo, isso eu posso lhe dizer:
ele merece um lugar na estante de todo gestor, tanto quanto o Physicians’
Desk Reference pode ser encontrado no consultório de todo médico.
A nova edição de Management, mais magra, embora não exatamente
esbelta, com suas quase 600 páginas, contém fatos, números e exemplos
atualizados. Porém, mais importante, foi confeccionada para refletir a
evolução do pensamento e a escrita de Drucker, durante as três décadas entre
a primeira publicação do livro e sua morte, em 2005.

Protegido dedicado

A pessoa que preencheu as lacunas foi Joseph Maciariello, um professor e


colega de longa data de Drucker, na Claremont Graduate University, e diretor
acadêmico do Drucker Institute, que eu administro. Como Maciariello
descreve, o projeto foi um verdadeiro trabalho de amor, com ênfase na
palavra “trabalho”.
“Esse foi o magnum opus de Drucker”, diz ele. “Mas mesmo só
enfatizando seu trabalho, foi a coisa mais importante que eu já fiz.”
Maciariello deparou-se pela primeira vez com o trabalho de Drucker no
começo dos anos 1960, quando estava ajudando a formular sistemas
gerenciais na Hamilton Standard, antiga gigante aeroespacial. Depois de
algumas idas à biblioteca corporativa para investigar o que havia sido
escrito sobre a disciplina administrativa, Maciariello descobriu que estava
tudo num lugar só: o livro-referência de Drucker, de 1954, The Practice of
Management, era a única coisa disponível sobre o assunto.
Mais tarde, Maciariello prosseguiu seus estudos ingressando na faculdade
de economia da Universidade de Nova York. “À época, Drucker lecionava
lá, mas eu não consegui entrar em sua classe”, relembra Maciariello. “Minha
grade não permitiu.”
Em 1973, Maciariello recebeu seu diploma de doutorado. Naquele mesmo
ano, Management foi publicado. Sua esposa, lembrando a admiração dele
por The Practice of Management, comprou-lhe o novo livro. Ele o devorou.
“Drucker estava tentando trazer The Practice of Management aos tempos
atuais”, conta Maciariello. “Mas eu comecei a ver que era o mesmo, na
essência.” O que repercutiu para Maciariello, especificamente, foi a
profunda preocupação de Drucker com o ser humano.

Algumas epifanias

Em outro livro, The Ecological Vision: Reflections on the American


Condition, Drucker volta a relatar o fato de estar em Cambridge, em 1934,
numa palestra ministrada por John Maynard Keynes. “Eu subitamente
percebi,” escrevera ele, “que Keynes e todos os brilhantes alunos de
economia que estavam no salão se mostravam interessados no
comportamento das commodities, enquanto eu estava interessado no
comportamento das pessoas”.
Ao ler Management, Maciariello teve uma epifania semelhante. Ocorreu-
lhe que o projeto de economia no qual ele vinha focando “carecia de carne e
osso”.
“Senti que estava morrendo ao fazer economia”, conta Maciariello. “Isso
não é para menosprezar. Peter usava muito a economia... Mas seu trabalho
era realmente sobre trazer à tona o que havia de melhor nas pessoas. Era um
negócio poderoso. Era inspirado.”
Em 1979, Maciariello foi lecionar em Claremont, onde Drucker já estava
no quadro de ensino. Os dois ficaram amigos e, ao longo dos anos,
começaram a trabalhar juntos. No final da década de 1990, quando Drucker
começou a reduzir suas horas na sala de aula, Maciariello desenvolveu um
curso chamado Drucker na Administração. Depois, trabalharam juntos em
dois livros, The Daily Drucker: 366 Days of Insight and Motivation for
Getting the Right Things Done e The Effective Executive in Action: A
Journal for Getting the Right Things Done.
Foi durante a edição desse último, aproximadamente seis meses antes do
falecimento de Drucker, que Maciariello puxou a ideia que vinha
considerando: que tal revisar Management?
Drucker não se deteve. “Isso”, dissera ele, com seu sotaque austríaco,
“será um bocado de trabalho”.

O caminho para a repaginação

E assim foi. Só o ato de passar um esfregão nos fatos de Management já foi


um processo árduo. Apesar da reputação de Drucker de ser desapegado com
os fatos – “eu uso anedotas para mostrar um ponto de vista, não para
escrever uma história”, ele havia dito uma vez –, Maciariello descobriu que
teve precisão em 95% do tempo.
Segundo Maciariello, o mais assustador foi tentar entender, de forma
cautelosa e estimada, os temas mais importantes que Drucker havia
englobado nos anos após a primeira publicação de Management. Durante
uma licença de nove meses, Maciariello estudou atentamente mais de 20
livros e centenas de artigos que Drucker havia escrito, desde o lançamento
de Management.
O resultado foi a edição repaginada com um entrelace de boa parte do
conteúdo original e os últimos textos escritos por Drucker sobre inovação e
empreendedorismo, o imperativo para que cada indivíduo “administre a si
mesmo”, o papel crucial do setor não-lucrativo e, especialmente, a
importância do “trabalho com conhecimento”. Impressionantemente, o
capítulo 4 do novo livro é intitulado “Conhecimento é tudo”.

Um “senso esmagador de responsabilidade”

A partir das palavras de abertura do capítulo 1, “A administração talvez seja


a mais importante inovação do século [XX]”, o livro mescla a aplicação da
teoria e da prática, lembrando-nos que a eficácia é uma habilidade que pode
ser aprendida e que a saúde da sociedade depende do funcionamento hábil
de nossas instituições.
“As empresas estão longe de serem perfeitas”, concluiu Drucker. “Como
todo gestor sabe, elas são muito, muito difíceis; cheias de frustrações, tensão
e atritos; desajeitadas e incômodas. Mas elas são as únicas ferramentas que
temos para alcançarmos propósitos sociais tais como produção e
distribuição econômica, assistência médica, governança e educação. E não
há o menor motivo para esperar que a sociedade esteja disposta a passar
sem esses serviços que somente as instituições atuantes podem prover. De
fato, há todos os motivos para se esperar que a sociedade exija mais atuação
de todas as suas instituições, para se tornar mais dependente dessa atuação.”
Segundo Maciariello, de 66 anos, no final das contas, a parte mais difícil
da reformulação de Management foi “o senso esmagador da
responsabilidade que beirou o medo de ferir o legado de Drucker”.
Quanto a isso, Maciariello mais que cumpriu seu objetivo. Ele não
somente protegeu o legado de Drucker, mas também o realçou para uma nova
geração.
24 de abril de 2008
AIG e o vislumbre de Drucker
a um lugar muito escuro

A lguns anos atrás, logo depois que fui contratado como diretor do
Drucker Institute, um dos meus colegas, membro da comissão de diretores,
me entregou um pequeno texto que ele descreveu como “pedra angular” do
trabalho de Peter Drucker e me disse para prestar muita atenção ao que
dizia.
Era o prefácio da edição de 1973 de Management: Tasks,
Responsibilities, Practices. Drucker havia intitulado a composição de “A
alternativa à tirania”.
Eu li algumas vezes, depois mandei um bilhete de gratidão a Bob Buford,
pioneiro da TV a cabo, empresário social, escritor e amigo querido de
Drucker, agradecendo por ele ter compartilhado o texto comigo.
Mas a verdade é que eu realmente não reconheci seu verdadeiro teor até
essa semana, quando a tempestade irrompeu sobre a American International
Group (AIG).

Confiando em grandes empresas

“Dentro do período incrivelmente curto de 50 anos, nossa sociedade se


tornou a sociedade das instituições,” Drucker escreveu. “Tornou-se uma
sociedade na qual cada tarefa social relevante tem sido confiada às grandes
empresas, desde a produção de bens econômicos até os serviços de
assistência médica, seguro social, previdência social e educação, da
pesquisa por novos conhecimentos até a proteção do meio-ambiente.”
“Fazer com que nossas instituições atuem de forma responsável, autônoma
e com altos níveis de realização é a única salva-guarda da liberdade e
dignidade numa sociedade como a nossa”, acrescentou Drucker. “Mas são os
administradores e a administração que fazem com que as instituições atuem.
Uma administração de atuação responsável é a alternativa à tirania e nossa
única proteção contra ela.”
Francamente, essa última passagem sempre me pareceu um pouco
exagerada. Aqui, no ensolarado sudeste californiano, a perspectiva de
totalitarismo parecia extremamente remota. Eu nem poderia começar a
imaginar como, algum dia, nós entraríamos num estado desses.
Então, a AIG, seguradora gigantesca socorrida pelo Tio Sam, decidiu
pagar 165 milhões de dólares em bônus para os mesmos empregados que
arruinaram a fortuna da empresa e quase derrubaram o sistema financeiro
nacional nesse processo. Subitamente, as palavras de Drucker faziam
sentido.

“Horrorizado pela ganância”

Deixe-me ser claro: não estou insinuando que estamos todos prestes a cair
nas garras de algum remanescente do stalinismo do século XXI. Deixe-me
ser igualmente claro em relação ao que a AIG fez, ao “fazer todas as apostas
inescrupulosas”, na bolha armazenada, conforme dito por Bem Bernanke,
presidente do Fed (Sistema de Reservas Federais), e a distribuição desses
“pagamentos retidos” ultrajantes, não pode ser apoiado de forma alguma.
E estou certo de que Drucker teria se sentido da mesma forma. “Fico
horrorizado pela ganância do executivo de hoje”, ele declarou, em 2000,
referindo-se aos que estão mais interessados em ganhos de curto-prazo “do
que na construção de negócios sustentáveis”.
No entanto, eu acho que Drucker não sentiria apenas aversão à conduta da
AIG; ele também lançaria um olhar nervoso às reações diante daquilo.
Realmente, o fato de que tantos têm protestado para que o governo anule,
unilateralmente, os contratos que cobrem esses bônus da AIG (por serem
uma insanidade); que o deputado Barney Frank (do Partido Democrata do
Massachusetts), o presidente da House Financial Services Committee
(Comitê Financeiro) declarou que nós deveríamos “esquecer sobre a questão
legal por um segundo”; que guardas armados foram colocados nos
escritórios da AIG, em decorrência das ameaças de morte; que um senador
americano (Charles Grassey, Partido Republicano, de Iowa) convocou os
executivos da AIG a “pedirem demissão ou se suicidarem”, tudo isso é o
cerne do que Drucker estava dizendo. Quando os administradores são
irresponsáveis, quando grandes empresas desmoronam, nós, como uma
sociedade, nos vemos diante de reações imprevisíveis e, às vezes, extremas.

“Crise de crença”

A inquietação de Drucker nasceu diretamente de suas primeiras experiências


na Europa, onde ele assistiu aos nazistas assumirem o poder. Seu primeiro
grande livro, de 1939, intitulado The End of Economic Man, abordava a
forma como “uma sociedade construída ao redor do mercado (a grande
instituição social do século XIX) fracassou e como isso ‘destruiu a crença
no capitalismo como um sistema social’”, ressaltado por Jack Beatty,
biógrafo de Drucker. “A Primeira Guerra Mundial e a Grande Depressão
fizeram com que essa crise de crença se tornasse uma realidade para milhões
de pessoas.”
Drucker escreveu: “Essas catástrofes irrompiam na rotina diária, o que faz
com que os homens aceitem as formas, instituições e princípios existentes
como leis inalteráveis. Elas subitamente deixaram exposto o vácuo por trás
da fachada da sociedade.”
Em busca de um milagre, as massas se voltavam em direção ao que
Drucker definiu como o “abracadabra do fascismo”.
Como eu disse, os EUA certamente não correm perigo real de escorregar
rumo à ditadura. Porém, essa semana, nós tivemos um minúsculo vislumbre
do que Drucker estava escrevendo no prefácio de Management e um alerta
quanto ao que pode acontecer se nós continuarmos seguindo em frente da
forma que estamos.
No mínimo todos nós seríamos tolos em acreditar que nosso modo de vida
sempre será imperturbável. “Estamos rapidamente aprendendo”, disse
Drucker, enxergando longe, numa entrevista de 1996, “que a crença de que
um mercado livre é a única coisa necessária para uma sociedade funcional é
pura alucinação.”
Para mim, o fiasco da AIG deixou claro: a forma como nossos
administradores se conduzem, como nossas instituições se conduzem, assim
se conduz a saúde de nossa economia e, talvez, a nossa democracia também.
20 de março de 2009
Administração como arte liberal

T ive a oportunidade de participar de várias conferências e simpósios


nesse verão, em torno de tópicos centrais dos ensinamentos de Drucker:
inovação, marketing, serviços e voluntariado. Mas é na reunião que me
encontro agora, cercado de romancistas e poetas, em vez de executivos
corporativos e empresários sociais, que creio que seria o lugar onde
Drucker mais se deleitaria em estar.
Aqui na Squaw Valley Community of Writers (Comunidade de escritores
de Squaw Valley), em meio ao esplendor natural da Sierra Nevada, na
Califórnia, Drucker teria se sentido verdadeiramente em casa. Ele se
considerava, em primeiro lugar, um escritor. E com 39 livros em seu nome,
quem pode contestar? Além de trabalhos como The Practice of Management
e The Effective Executive, Drucker foi autor de dois romances: The Last of
All Possible Worlds e The Temptation to Do Good.
No entanto, ele também teria adorado esse lugar, com as leituras noturnas
de ficção, biografias e história social, porque ele acreditava que gestão,
quando exercida corretamente, incorpora lições de todas essas disciplinas e
muito mais.

Ação e aplicações

A administração “lida com ação e aplicação; e seu teste são seus resultados.
Isso a transforma numa tecnologia”, Drucker explicou em The New Realities.
“Mas gestão também lida com pessoas, seus valores, crescimento e
desenvolvimento – e isso a torna uma disciplina na área de humanas... A
gestão é, portanto, o que a tradição costumava chamar de ‘arte liberal’:
‘arte’ porque é a prática e aplicação; ‘liberal’ porque ela lida com os
fundamentos do conhecimento, do autoconhecimento, da sabedoria e da
liderança.
Prosseguiu Drucker: “Gestores recorrem a todo conhecimento e insights
das ciências humanas e sociais – da psicologia e filosofia, economia e
história, ciências físicas e éticas.”
O fato de tantas corporações e outras instituições terem perdido essa visão
é algo dolorosamente óbvio hoje em dia. Isso não quer dizer que se mais
presidentes e reguladores tivessem meramente estudado os alertas de
Aristóteles sobre “a aquisição ilimitada da riqueza”, ou digerido o Little
Dorrit, de Dickens, a crise financeira ou o escândalo Madoff teriam sido
evitados. Mas parar para pensar nessa sabedoria não teria feito mal.
Não é que as pessoas tenham parado de escrever; segundo uma estimativa,
um novo livro de ficção é publicado nos EUA a cada trinta minutos. Também
não é que as pessoas tenham parado de ler (embora cada vez mais gente
esteja fazendo isso online). O The National Endowment of the Arts publicou
uma pesquisa, no último janeiro, mostrando que pela primeira vez, em mais
de 25 anos, os adultos americanos estão consumindo mais literatura.

O X da questão

O problema é que o amplo mundo das ideias se tornou imensamente


separado do mundo dos negócios.
“O que Drucker queria era que o conhecimento ‘deixasse de ser
ornamental’, sendo consumido para refinar ou impressionar os outros’, diz
Joseph Maciariello, diretor acadêmico do Drucker Institute, que dirijo. “Em
vez disso, o conhecimento tem de ser trazido à terra encardida, onde todos
nós trabalhamos, e integrado, de modo que o trabalho possa ser mais
produtivo e mais humano.”
Maciariello está liderando os esforços para levar o conceito de
“administração como uma arte liberal” para dentro das faculdades e
universidades da nação. O objetivo é que os professores de negócios
apliquem as disciplinas humanas integralmente em suas aulas, enquanto os de
arte contemplem “não apenas aplicando raciocínio e ética, mas um viver
virtuoso”, conforme Maciariello coloca, baseando-se em resultados reais.
Basicamente, a intenção é que esses ideais transcendam o ambiente
acadêmico e cheguem ao reino da prática. Enquanto isso, as almas criativas
de Squaw Valley, sem que soubessem, enfatizaram algumas coisas das quais
todos os gestores irão se beneficiar quando pensarem a respeito. Para
começar, há a própria Comunidade de Escritores. Fundada há 40 anos pelos
romancistas Blair Fuller e Oakley Hall, a organização está prosperando,
graças à forte autoconsciência. Ali, “comunidade” não é apenas uma palavra
que faz conjunto com um nome, mas a verdadeira essência do lugar. Os
autores que estão na equipe de funcionários, muitos deles aclamados, são
invariavelmente despretensiosos e incentivam os jovens escritores que
ensinam.
“Qualquer organização precisa de um compromisso com os valores e sua
constante reafirmação, da mesma forma que o corpo humano precisa de
vitaminas e minerais”, escreveu Drucker. “Tem de haver algo que essa
empresa ‘defenda’, de outro modo, ela irá degenerar rumo à desorganização,
confusão e paralisia.”

Brilhantismo não é o bastante

O que também foi deixado claro pelo Squaw Valley, essa semana, é que o
trabalho de valor nunca vem com facilidade. “Não acredito em gênios”,
declarou, numa noite dessas, a escritora Dorothy Allison, autora dos best-
sellers Bastard Out of Carolina e Cavedweller. Com isso, ela implorou a
todos que estavam tentando ter seu primeiro livro publicado que
continuassem lapidando o manuscrito – por 19 esboços, se necessário fosse
– até ficar simplesmente certo.
Gestores poderiam se beneficiar do mesmo conselho básico. “Homens
brilhantes”, frisou Drucker, “são muitas vezes surpreendentemente vãos; eles
deixam de perceber que o insight brilhante, em si, não é uma realização.
Eles nunca aprenderam que aqueles insights só se tornam efetivos através de
trabalho duro e sistemático”.
Finalmente, e o mais importante, são os livros. Enquanto eu estava
sentado, ouvindo Allison, Dagoberto Gilb, Lynn Freed e outros lerem suas
mais recentes narrativas, fui lembrando do quanto a literatura pode iluminar
um assunto que está no coração da administração: a condição humana. “A
cada verão, eu releio – e tenho feito isso há vários anos – os romancistas
principais”, Drucker escreveu a um amigo, em 1997. Dentre os quais,
segundo ele, estavam Austen, Thackeray, Trollope e George Eliot. “Nunca
leio livros de gestão”, acrescentou. “Eles só corrompem o estilo.”
Eu consigo pensar, é claro, em pelo menos um escritor sobre gestão cujo
trabalho se qualifica como uma grande exceção.
7 de agosto de 2009
Refletindo sobre Prahalad
Refletindo sobre Drucker

P eter Drucker gostava de fazer todo tipo de pergunta penetrante, mas, no


fim, nenhuma delas é tão direta como essa: “Pelo que você gostaria de ser
lembrado?”
Dentre aqueles que certamente poderiam ter respondido com grande
convicção, estava C.K. Prahalad, que faleceu semana passada, aos 68 anos,
após um breve período doente. Embora eu não conhecesse Prahalad bem,
meus contatos com ele deixaram uma impressão forte: ele era um homem tão
encantador e bem-humorado quanto empolgante e inteligente.
Entre os estudiosos e praticantes da administração, Prahalad foi um
gigante. Um especialista em estratégia corporativa, ele prestou consultoria a
grandes empresas ao redor do globo. Com Gary Hamel, ele patenteou a
expressão “competências essenciais”. Seu legado de maior durabilidade
talvez seja seu trabalho pioneiro em identificar os mais pobres entre os
pobres como um mercado intocado estimado em 13 trilhões de dólares.
Reforçando essa visão, estava sua profunda crença de que todo negócio
precisa ter um propósito social, conforme produz lucro.
Em decorrência de sua extraordinária inteligência e influência, não
surpreende que The Times of London tenha classificado Prahalad, professor
da Universidade de Michigan, como a mente líder mundial em gestão.
Mas Prahalad colocou outro nome no topo de sua lista pessoal dos mais
importantes colaboradores do setor. “Precisamos prestar atenção em
Drucker”, ele disse a uma plateia, em Viena, no último outono. “Nenhuma
outra pessoa teve tanto impacto no exercício da administração.”

Drucker Destilado

A partir dali, Prahalad primorosamente destilou as décadas de escrita de


Drucker, um exercício que deu a sensação ligeiramente parecida com
Stephen Hawking destrinchando as teorias de Albert Einstein, ou Albert
Pujols analisando a tacada de Babe Ruth. A intenção, segundo Prahalad, era
desafiar os acadêmicos a reconsiderarem suas formas de administrar
pesquisas e o ensino. Prahalad não pôde deixar de mencionar que Drucker
havia sido tão desdenhado por seus colegas da faculdade de negócios que foi
surpreendente ele finalizar o curso.
No entanto, o punhado de lições que Prahalad compartilhou naquele dia
não se aplicava apenas àqueles aprisionados na torre de marfim; ele também
ofereceu material de sobra para que os executivos pensassem.
Segundo Prahalad, a primeira coisa que caracterizou o trabalho de
Drucker foi seu foco constante no futuro. “Tem tudo a ver com ‘a próxima
prática’, não a ‘melhor prática’”, disse ele. Calcular o que vem pela frente –
ou seja, o que as empresas devem fazer, não o que estão fazendo, “significa
que você precisa amplificar os sinais fracos”, acrescentou Pralahad. “Você
precisa enxergar novos padrões, tanto de problemas quanto de
oportunidades.”
Quanto a Drucker, ele sempre sustentou que nunca previu o futuro. Em vez
disso, ele disse: “Eu simplesmente olho pela janela e vejo o que é visível,
mas que ainda não foi visto”, orientação que faz muito sentido para os
pensadores e igualmente para os executores.
A segunda qualidade de Drucker a ser enfatizada por Prahalad foi sua
ênfase nos resultados. “Falar bem não é o bastante”, disse Prahalad. “Você
tem que atuar.” Ou, como o próprio Drucker colocou: “O melhor plano é
somente boa intenção, a menos que se transforme em trabalho.”

“Atitude predisposta”

Quando Drucker se reunia com um cliente de consultoria, ele frequentemente


terminava o encontro com um desafio: “Não me diga que você teve uma
reunião maravilhosa comigo. Diga-me o que você fará de diferente na
segunda-feira.” Quantas de nossas reuniões terminam com o que Prahalad
chamou de “atitude predisposta”?
A concepção que Drucker tinha sobre a liderança também chamou a
atenção de Prahalad. Ele enfatizou que Drucker se interessava pelas tarefas
dos líderes, não por suas personalidades. E a tarefa básica é inequívoca:
elevar todos da empresa a um patamar mais alto. Hoje em dia, disse
Prahalad, a questão central é “como se influencia pessoas que são
trabalhadoras com conhecimento, não gente que é intimidada porque você
tem autoridade?”.
Outro atributo de Drucker, que Prahalad admiravelmente notou, foi a forma
como ele “olhava além do mundo corporativo” para a arte, sociologia,
história, teologia, literatura e uma variedade de outros assuntos, a fim de
ajudar a formular suas opiniões. “Ele era um mestre em síntese”, disse
Prahalad. Embora poucos possam igualar a sabedoria de Drucker, a
mensagem foi simples: a maioria de nós desempenharia melhor as nossas
funções se saíssemos dos confins limitados e recorrêssemos a outras áreas
de informação e inspiração.
A jogada é fazer isso sem se enrolar. De fato, como Prahalad observou,
Drucker tinha um traço que todos nós, independentemente de sermos
professores universitários ou diretores corporativos, faríamos muito bem em
imitar: a comunicação clara. “Peter se esforçava muito para fazer com que
pessoas comuns entendessem ideias complexas e sutis”, disse Prahalad,
enfatizando que a maioria de nós faz o contrário, pegando ideias simples e
complicando-as, desnecessariamente.

Valores compartilhados

Prahalad prosseguiu explicando vários outros temas, incluindo o peso que


Drucker dava à inovação e ao empreendedorismo. Mas um deles se destacou
para mim: Drucker “tinha consistência de valores”, disse Prahalad.
Muitos desses valores eram compartilhados por Prahalad. Algumas
pessoas criticaram a afirmação de Prahalad quanto aos mais pobres do
planeta representarem um mercado lucrativo. Mas essa percepção estava
enraizada no princípio inabalável de que a responsabilidade social está no
coração de todo negócio. “A conclusão é simples”, escrevera ele, “é
possível se sair bem fazendo o bem”.
Ao concluir sua palestra, Prahalad chamou Drucker de “uma dádiva para o
mundo”. Assim como também foi Coimbatore Krishnarao Prahalad.
23 de abril de 2010
Evite a insensatez do economista

F requentemente diziam que Peter Drucker era economista. Ele não era.
Ele às vezes se referia à teoria econômica, junto com a história, sociologia,
filosofia, teologia, arte e literatura, à medida que lapidava seus princípios de
gestão. E ele admirava, particularmente, o economista austríaco Joseph
Schumpeter, com seu conceito empresarial de “destruição criativa”.
“Está ficando cada vez mais claro”, escreveu Drucker, em 1983, “que é
Schumpeter quem irá moldar o pensamento e informar as questões sobre a
política econômica para o resto desse século, se não pelos próximos 30 ou
50 anos”.
Mas Drucker, que tinha doutorado em direito internacional, não conseguia
evitar zombar dos praticantes da ciência sinistra por muitas vezes estarem
lamentavelmente desinformados. “Em toda a história”, Drucker disse uma
vez, “não houve um economista sequer que precisasse se preocupar de onde
vinha a próxima refeição”.

Saia das nuvens

A cutucada de Drucker me veio à cabeça, recentemente, quando eu li os


comentários de Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, apontando
diretamente aos economistas e desafiando-lhes a tirar a cabeça das nuvens
para combaterem a pobreza global com mais efetividade. “A economia, e
particularmente as economias em desenvolvimento, precisam fortalecer seu
enfoque recente na evidência empírica, sem se permitirem simplesmente
perseguir dados por becos estreitos”, disse Zoellick, que não é economista.
As observações de Zoellick incitaram certo estardalhaço no setor. Mas seu
desafio não precisa ser visto meramente como uma acusação a uma única
profissão. Em sua narrativa, apresentada em 29 de setembro, na
Universidade de Georgetown, havia diversas lições semelhantes às de
Drucker, que podem – e devem – ser aplicadas em, literalmente, qualquer
ocupação ou instituição. Uma é que não devemos enfocar as atividades, mas
os resultados. Outra é que boas ideias não são o suficiente; elas precisam ser
viáveis.
Porém, o insight mais importante de Zoellick é que precisamos abordar
qualquer coisa que façamos com uma dose saudável de humildade. Segundo
ele, “teorias de portfólios modernos afirmam dominar a incerteza em nosso
mundo”. Porém, como a crise do subprime dos juros altos deixou claro, isso
é uma insensatez profunda. “Segundo seu modelo de risco”, frisou Zoellick,
“um banco de investimentos sofreu uma perda em alguns dias que só deveria
ter ocorrido 1 em 14 vezes na vida de nosso universo”.

De bem-sucedido a presunçoso

Esse episódio certamente faria Drucker lembrar-se de quando, conforme ele


escreveu, os seguidores de John Maynard Keynes passaram a se considerar
“reis da economia” e “infalíveis”. Eles acreditavam que “utilizando algumas
chaves monetárias, gastos do governo, juros, volume de crédito ou o volume
de capital circulante, manteriam o equilíbrio permanente com empregos
plenos, prosperidade e estabilidade”.
No entanto, não é só a economia que sofre da “arrogância virtuosa”, como
Drucker colocaria. Muitas vezes, disse ele, “os inovadores estão tão
orgulhosos de suas inovações que não estão dispostos a adaptá-las à
realidade”. Outras vezes, um desempenho passado pode deixar uma empresa
arrogante e preguiçosa. As companhias estão sempre em risco de “viver
presunçosamente daquilo que foi acumulado da gordura de uma geração
anterior”, alertou Drucker, em seu clássico de 1954, intitulado The Practice
of Management.
Semana passada, no Fórum Mundial de Negócios, em Nova York, Jim
Collins ecoou essa percepção, lembrando aos milhares de executivos
presentes que os triunfos passados podem ser um narcótico perigoso. “É
quando o sucesso conduz à insolência”, disse ele.

Abra seus ouvidos


Uma manifestação de confiança excessiva significa que você se fechou para
formas diferentes de pensar. Zoellick, por sua vez, clamou aos economistas
que levassem em conta o que os outros têm a lhes ensinar. “Precisamos
reconhecer que desenvolver conhecimento já não é tarefa exclusiva do
pesquisador, do estudioso ou da torre de marfim”, disse ele, impelindo os
teoristas a abrirem seus ouvidos para os trabalhadores do setor de saúde,
funcionários escolares e proprietários de negócios, que estão labutando nas
nações pobres.
Drucker estaria totalmente de acordo. “Muita gente, e principalmente gente
de alto conhecimento numa determinada área”, escreveu ele, “despreza o
conhecimento em outras áreas ou acredita que ser ‘brilhante’ é um substituto
para saber” o que está realmente acontecendo.
Ser convencido também pode ser perigoso de outra forma: Faz com que
deixemos de questionar as coisas. “Precisamos nos perguntar: Nós nos
tornamos aprisionados pela sabedoria que recebemos?” disse Zoellick.
“Será que a certeza nos cegou para a oportunidade?”
Fora da economia, Drucker viu muitos dirigentes derrapando e caindo na
mesma armadilha. “Não se orientem pelo que ‘todo mundo sabe’, em vez de
olhar pela janela”, ele alertava. “O que todo mundo sabe geralmente tem 20
anos de defasagem. Nas campanhas políticas, aqueles que parecem tão
promissores no começo e depois fracassam geralmente são os que se
guiaram pelo que achavam que todo mundo sabe. Eles não testaram, e, no
final das contas, aquilo tinha sido há vinte anos.”
Para aqueles que possuem status ou estão em posição de autoridade, a
humildade nem sempre vem com facilidade. Mas Zoellick não poderia ter
sido mais vigoroso sobre o que é necessário na economia – e também numa
séria de outras áreas. “Acima de tudo”, declarou ele, “nós precisamos ser
honestos quanto ao que não sabemos”. Drucker, que sabia de muita, muita
coisa, teria sido o primeiro a dizer “Amém”.
12 de outubro de 2010
Drucker e a espiritualidade

L evando-se em conta que esse é o mês em que os judeus festejam o


Hanuka, os muçulmanos têm a al-Hijra, os budistas comemoram o dia de
Bodhi e os cristãos celebram o Natal, é a época perfeita para abordar um
tema que faz muita gente se contorcer: o papel da religião no local de
trabalho.
Peter Drucker nunca se esquivou do assunto. Por um lado, ele via a
teologia como via qualquer outra disciplina, seja arte, literatura, história,
sociologia, filosofia ou psicologia. Porque essas áreas lançam luz na forma
como os seres humanos interagem, é uma incumbência dos gestores
aprenderem lições de todas elas.
Drucker, por exemplo, recorreu ao Novo Testamento para explicar o
quanto era difícil transmitir uma mensagem a alguém que é contra os valores
e aspirações da pessoa. “Até o Senhor, segundo a Bíblia, primeiro teve que
deixar Saulo cego, antes que pudesse soerguê-lo como Paulo”, Drucker
escreveu. “Comunicação que tem a conversa como alvo exige entrega.”
Ele também descobriu que certas religiões eram vitrines para eficiência e
eficácia. “Até hoje, nenhuma instituição se igualou à Igreja Católica na
elegância e simplicidade de sua estrutura”, frisou Drucker, num artigo
publicado no final da década de 1980. “Há somente quatro níveis de
administração: o papa, o arcebispo, o bispo e o padre paroquial. Os
exércitos têm dez níveis, a General Motors tem aproximadamente 20. E o
que numa empresa é chamado de ‘equipe de serviços gerais’, na mais
multinacional de todas as organizações, com cerca de um bilhão de
membros, ao redor do mundo, totaliza 1.500 pessoas em Roma, bem menos
que os funcionários da sede de uma grande corporação americana.”

Um papel para a compaixão

Contudo, segundo Drucker, é num nível bem mais profundo que a religião
tem uma influência positiva no mundo do trabalho e também no mundo como
um todo. “A sociedade precisa se voltar aos valores espirituais, não para
contrabalançar o material, mas para torná-lo inteiramente produtivo”,
Drucker escreveu em seu livro Landmarks of Tomorrow, de 1957. “Por mais
remota que seja a percepção para a humanidade, hoje existe a promessa da
abundância material ou, pelo menos, da suficiência material.”
“A humanidade precisa voltar aos valores espirituais, pois ela precisa de
compaixão”, continua Drucker. “Ela precisa da experiência profunda do Tu e
Eu, que somos um, algo que todas as religiões elevadas compartilham.”
Levar tais ideias ao escritório pode ser difícil, é claro. Alguns, sentindo-
se ofendidos, sem dúvida irão recuar, fugir. “Os americanos estão cada vez
mais concentrados no lado oposto do espectro religioso – os altamente
religiosos de um lado e os reconhecidamente leigos do outro”, comentam
Robert Putnam e David Campbell no novo livro American Grace. (Eu sou
um judeu semi-observador que está se esforçando para dar o grande salto do
puro raciocínio para a fé verdadeira.)

A Influência de Kierkegaard

Quanto a Drucker, ele foi criado num lar austríaco, onde, segundo descreveu,
“o protestantismo luterano... era tão ‘liberal’ que consistia em pouco mais
que uma árvore no Natal e cantatas de Bach na Páscoa”. Ainda jovem, ele
ficou profundamente comovido pelo livro Fear and Trembling, do filósofo
religioso dinamarquês Soren Kierkagaard. Após lê-lo, Drucker determinou:
“Minha vida teria que ter uma dimensão existencial que transcendesse a
sociedade.” Quando ficou mais velho, ele se tornou membro praticante da
Igreja Anglicana, embora expressasse consideração pela mega igreja
pastoral, que ele identificou como “certamente o mais importante fenômeno
social” dos Estados Unidos no fim do século XX.
Ele nunca foi de chamar atenção para a própria espiritualidade. Mas
muitos a veem como um forte viés em seu trabalho. A “sabedoria prática” de
Drucker e seu inabalável “ímpeto pelo propósito moral” estão
“profundamente enraizados na fé cristã”, conclui Timo Meynhardt, diretor
executivo do Centro de Liderança e Valores Sociais, da Universidade de St.
Gallen, na Suíça, numa matéria publicada no começo deste ano.
Talvez não haja maior evidência disso do que a forma como Drucker
prestava aconselhamento às empresas quanto ao tratamento de seus
funcionários, isto é, como bens de imenso valor. Grandes empresas
“precisam oferecer oportunidades iguais de progresso”, Drucker escreveu
em Concept of the Corporation. “Isso é simplesmente a exigência
tradicional pela justiça, uma consequência do conceito cristão de dignidade
humana.”

Semelhante à Regra de Ouro

Numa matéria publicada na revista Spirituality & Health, em 2005, apenas


alguns meses antes de Drucker morrer, Craig Wynett, executivo da Procter &
Gamble, e T. George Harris, ex-editor da Harvard Business Review,
mencionaram que o princípio fundamental de Drucker, “o negociante é o
representante do consumidor”, é elaborado sobre a Regra de Ouro, que
muitos ligam à fontes sagradas, tal como a torá.
Drucker também encontrou inspiração religiosa ao falar de tolerância e a
necessidade de incentivar múltiplos pontos de vista – outro selo de
qualidade das melhores instituições. “Sempre senti, de forma bem clara, que
o bom Deus adora diversidade”, disse Drucker. “Ele criou 2.500 espécies de
moscas. Se ele fosse como alguns teólogos que eu conheço, só haveria um
tipo de mosca.”
Com isso em mente, eu desejo a todos um feriado maravilhoso, boas
festas, independentemente do que você acredita ou escolhe não acreditar.
17 de dezembro de 2010
CAPÍTULO 2
A prática da administração
Google: um ideal druckeriano?

A Google recentemente apresentou um conjunto e tanto de dados, ao


divulgar seus resultados do terceiro trimestre: os lucros deram um salto de
46%. A receita subiu 57%. As ações da empresa tiveram um aumento de
6,14 dólares, chegando a mais de 639,00 cada, segundo o noticiário. Mas é
outro conjunto de números que mais me impressiona: 17, US$0 e 20%.
Esses se referem, respectivamente, ao número de lanchonetes no campus
Google’s Mountain View, Califórnia; o que é cobrado dos funcionários por
todas as refeições e lanches que fazem ali; e quantidade de tempo livre
semanal que a empresa dá como incentivo aos seus engenheiros para usar
com projetos relacionados à empresa, que os interessem pessoalmente, mas
não façam parte de suas atribuições essenciais.
Mais do que qualquer empreendimento que conheço, a Google construiu
um ambiente de trabalho que só pode ser descrito como druckeriano. Para
ser mais preciso, um druckeriano iniciante.
Começando com seus primeiros grandes escritos, nos anos 1940, Peter
Drucker queria que “o trabalho refletisse nos valores sociais como
oportunidade, comunidade, solidariedade e satisfação individual, não apenas
valores comerciais, como custo e eficiência”, explicou o falecido biógrafo
do gestor filósofo, Jack Beatty.
É claro que há empresas de sobra (assim como outros tipos de
instituições) que desassociam esses princípios, e muitas as aplicam em graus
variados.
A diferença é que a Google faz uma aplicação integral, e não somente
através de sua festejada lista de benefícios, que inclui – além da refeição
gourmet gratuita e o incentivo a sonhar – cortes de cabelo e trocas de óleo no
local (que não são grátis), checkups médicos, aulas de ginástica subsidiadas,
exibição de filmes e palestras, reuniões de todos os tipos de hobby, serviço
de transporte ao longo da área da costa, festas e eventos familiares, happy
hours e festas sociais que sempre contam com a presença de Larry Page,
Sergey Brin e Eric Schmidt, principais executivos da empresa, além de
robustos prêmios em dinheiro pela indicação de alguém para trabalhar na
empresa ou quando alguém compra um carro híbrido.

Uma vila com governo próprio

Realmente, mais do que qualquer uma dessas coisas, é a atmosfera que a


empresa de internet cultivou – o gestalt Google – que a coloca em linha com
a crença inicial de Drucker de que “a empresa não é apenas uma ferramenta
econômica, mas uma instituição social”.
Mais especificamente, sua visão da era industrial remetia ao
estabelecimento de “planta comunitária”, no qual os trabalhadores da linha
de produção dirigiam seus próprios afazeres e, ao fazê-lo, colhiam
recompensas que iam muito além de seus salários. Drucker, em seu livro The
New Society, de 1949, escreveu sobre a exigência dos trabalhadores “por
relacionamentos coletivos bons e próximos com seus colegas de trabalho,
bons relacionamentos com seus superiores, por chance de progresso e, acima
de tudo, pelo reconhecimento de serem seres humanos, por satisfação social
e prestígio, status e reuniões sociais”.
Na Google, não existe uma “planta” em si. Mas os empregados usam uma
linguagem surpreendentemente semelhante à de Drucker quando descrevem o
lar de alta-tecnologia. “É como uma vila”, diz Dan Ratner, um engenheiro
mecânico que ingressou na empresa aproximadamente dois anos atrás.
Almoços e jantares são servidos no Café Pintxo, um local que serve
porções de comida ou lanches Asian Pacific Café e qualquer outro local de
refeições no Googleplex (como é conhecida a sede) é esplêndido. Porém, o
que mais aguça o apetite de Ratner é a camaradagem e a troca de ideias que
ocorrem entre uma garfada e outra.
Ele diz que não é raro que uma conversa na refeição revele uma parceria
séria, frequentemente envolvendo funcionários colegas que ele nunca tinha
visto. Uma vez que isso acontece, Ratner se apressa para utilizar seus 20%
de tempo e correr até a Home Depot (onde pode comprar suprimentos
básicos, sem aprovação gerencial, e pedir reembolso ao Google), montar um
protótipo de sua ideia, com alguns de seus colegas, e começar a medir sua
eficácia.
Uma cultura que dá vazão ao dividendo

As melhores inovações conseguem chegar à frente de um supervisor e, se


passarem por essa eliminatória, elas podem acabar ganhando um status de
projeto formal e custeio. As que não causam tanta sensação murcham –
geralmente, bem depressa. “É um local realmente competitivo”, conta
Ratner. “Não é cheio de não me toques.”
A Google não revela o que gasta com os inúmeros benefícios aos
funcionários, e um porta-voz diz que, apesar da façanha computacional da
empresa, não dá pra quantificar seu efeito na produtividade. No entanto,
claramente, a cultura dá vazão aos dividendos. Entre os projetos que
surgiram dos 20% de tempo, estão o Gmail, o Google News e a visão do céu
do Google Earth.
Mas, para Ratner, até as ideias que se apagam têm um valor tremendo. O
simples ato de persegui-las, segundo ele, fala “ao empresário, ao artista”
que tende a habitar os mais de 15 mil funcionários do Google. Isso atende à
“necessidade que todo ser humano tem de criar”, acrescenta ele.

E se o caminho ficar difícil?

É preciso notar que todas essas ofertas são relativamente fáceis de prover
quando praticamente tudo parece estar indo tão bem e o panorama financeiro
é tão radiante. Mas se a ostentação da Google tropeçar – como aconteceu
com inúmeras outras firmas que pareciam invencíveis –, seu compromisso
com todas essas áreas certamente será testado.
Ao longo do tempo, o próprio Drucker abriu mão da visão de “planta
comunitária”, tristemente convencido de que a maioria das empresas estava
acostumada com o resultado final e nada mais. Também se tornou mais
difícil promover o paradigma de “empresa-comunidade” com a estabilidade
de empregos nos EUA e o crescimento em outros lugares. Ao final da década
de 1980, ele começou a olhar na direção do setor não lucrativo, como um
setor que “dá às pessoas um senso comunitário, dando propósito e direção”.
Talvez ele tenha abandonado cedo demais o modelo de local de trabalho
como instituição social. Mas, também, quem poderia imaginar que a empresa
de pensamento mais avançado em 2007 seria tão ousada em adotar um
conceito que Drucker tinha concebido havia mais de meio século?
25 de outubro de 2007
A Toyota perdeu o jeito?

O jeito da Toyota também poderia muito bem ser chamado de jeito de


Drucker. Tanto quanto qualquer companhia de qualquer lugar, a Toyota
Motor avidamente abraçou muitos dos princípios-chave que Peter Drucker
apresentou, pela primeira vez, nas décadas de 1940 e 50: que as
corporações precisam se afastar da estrutura de “comando e controle” e
cultivar um verdadeiro espírito de trabalho em equipe, em todos os níveis;
que os funcionários da linha de produção precisam adotar uma visão
gerencial e assumir responsabilidade pela qualidade do que produzem; que o
empreendimento tem de ser conduzido por um conjunto claro de objetivos,
enquanto dá a cada funcionário a autonomia de decidir como chegar aos
resultados.
Embora agora sejam amplamente aceitos, esses conceitos foram
descartados por muitas empresas americanas como sendo perigosamente
radicais, quando não uma maluquice. Em contraste, eles foram “quase
imediatamente traduzidos para o japonês, lidos e avidamente aplicados”,
escreveria Drucker décadas depois.
De fato, “Drucker influenciou profundamente o pensamento gestor
japonês”, escreveu Pascal Dennis, em seu livro Lean Production Simplified,
de 2002. “Empresas como a Toyota”, acrescentou ele, organizaram suas
operações mergulhando-as “nas ideias de Drucker, depois as refinando”.
Então, o que Drucker diria agora que a Toyota atravessa um trecho
particularmente difícil do caminho?
Acredito que seu conselho acabaria sendo bem simples: desacelere,
mesmo que só um pouquinho, na busca de ser o maior fabricante mundial
automotivo.

Deslizes de qualidade

Nos últimos meses, a Toyota tem sido acometida por uma série de
problemas, incluindo a partida de vários altos executivos de sua unidade
norte-americana; queda nas vendas (embora tenha havido uma retomada, em
outubro); e a condenação dos ambientalistas, que desafiaram o compromisso
da empresa quanto a lutar contra o aquecimento global.
O mais sério tem sido o aumento das preocupações quanto à
confiabilidade dos veículos Toyota. Em outubro, a Consumer Reports disse
que a qualidade sofre um deslize tão ruim que a publicação iria parar de
fornecer o selo de aprovação automática aos modelos novos ou
redesenhados da Toyota. Uma série de recalls relevantes, nos últimos anos,
também manchou a linha de produção da Toyota, invejada pelo mundo todo.
A Toyota minimizou vários de seus problemas, argumentando que à
medida que prossegue se expandindo e prosperando, mais e mais pessoas se
apressam em criticá-la. “O prego que está mais alto é o que toma a
martelada”, um porta-voz da companhia disse recentemente a um repórter,
mencionando um antigo provérbio japonês.
Sem dúvida, existe verdade nisso. Mas, não se enganem: a questão é sobre
a qualidade inferior, e não rir da desgraça alheia.

O crescimento pode torná-lo vulnerável

A Toyota está determinada em se tornar o maior revendedor automotivo do


planeta, e ao pisar fundo no acelerador do crescimento, obviamente está
encontrando dificuldades em manter seus padrões de qualidade habituais. A
companhia não deveria se surpreender com isso. Porém, talvez, essa seja
uma lição de Drucker que a Toyota tenha, de alguma forma, perdido.
“O crescimento em alta velocidade por um período extenso não tem nada
de saudável”, Drucker declarou em seu clássico de 1973, Management:
Tasks, Responsabilities, Practices. “Isso torna o negócio impossível de ser
conduzido apropriadamente. Gera estresse, fraquezas e defeitos ocultos que,
no primeiro leve revés, se transformam em crises imensas.”
Fazendo justiça, é a General Motors, até mais do que a Toyota, que parece
presa ao jogo de quem é a maior. Depois que a Toyota assumiu o primeiro
posto de vendas automotivas, no começo deste ano, o presidente da GM,
Rick Wagoner, parecia um garoto que tinha perdido as bolinhas de gude no
recreio. “Eu gosto de ser o número 1”, disse ele. “E acho que nosso pessoal
se orgulha disso, portanto, não é algo com que vamos relaxar, deixando que
alguém nos passe.” (Desde então, a GM recuperou a coroa, ao menos no
momento.)
No entanto, a Toyota não tem se mantido em sua tribuna de honra. Há
vários anos, por exemplo, ela anunciou seus planos de aumentar a produção
e tomar o mercado sob o slogan “Nós podemos e nós faremos”. No último
agosto, Katsuaki Watanabe, presidente da Toyota, previu que a empresa
venderia 10,4 milhões de veículos em 2009 – derrubando o recorde da
indústria automotiva de 9,6 milhões, da GM, estabelecido em 1978.

Progresso contínuo

Ninguém está acusando a Toyota de negligência. Watanabe tem falado,


repetidamente, sobre a necessidade de a companhia ter atenção extra na
confiabilidade de seus produtos, enquanto prossegue crescendo, e os
executivos impuseram métodos de controle de qualidade ainda mais severos
diante das dificuldades recentes. Pode-se dizer que seguramente a insolência
não vai destruir a Toyota.
“A inovação é apenas um aspecto” da cultura da empresa, segundo Jefrey
Liker concluiu, em seu livro The Toyota Way. “Possivelmente, o aspecto
mais importante é a implacável aplicação do mais mundano processo de
progresso contínuo” – kaizen, em japonês. Liker prossegue dizendo que a
companhia provou que é adepta “do aprendizado através dos erros,
determinando a raiz dos problemas, provendo medidas defensivas eficazes”
e “habilitando as pessoas para implementarem essas medidas”.
Por todos esses motivos, é uma boa aposta que a Toyota irá recuperar sua
reputação pela qualidade nos próximos anos e também chegar aonde está
tentando, se distanciando da GM para reinar absoluta na indústria
automotiva.
Mas, enquanto isso, alguns golpes sofridos ultimamente servem como
lembrete para todos os administradores. Como Drucker colocou: “A ideia de
que o crescimento em si é uma meta é uma alucinação absoluta. Não há
virtude no fato de uma companhia se tornar maior. A meta certa é se tornar
melhor. O crescimento, para ser seguro, precisa ser o resultado da realização
das coisas certas. Crescimento, por si só, é vaidade e pouca coisa além
disso.”
26 de novembro de 2007
O mecanismo da Wikia, movido a gente

A o me sentar para trabalhar nesta coluna, não pude deixar de sentir que
estava emprestando minha voz ao coro que diz “a Wikia é uma droga”.
Afinal, a ferramenta de busca da internet lançada este mês por Jimmy Wales,
cofundador da Wikipedia, não parecia estar fazendo muito para ressaltar a
existência da minha organização, a Drucker Institute.
Quando digitei nosso nome no campo de busca, cheguei razoavelmente
perto: o primeiro resultado que apareceu foi o website de nossa filiada, a
Peter F. Drucker & Masatoshi Ito Graduate School of Management. Mas
nosso próprio site não estava em lugar algum à vista.
Depois de passar pelos 100 primeiros registros, incluindo links errados,
indicando uma empresa de joias, um grupo de fãs de palavras-cruzadas do
Canadá, o violinista Eugene Drucker e a Câmara de Comércio da Península
de Virginia – sem ver www.druckerinstitute.com, eu desisti. (Em contraste,
no Google estávamos em nosso local habitual: o primeiro.) “A busca da
Wikia é uma completa decepção”, exclamava a manchete do
TechCrunch.com. Na SearchEngineLand.com, a crítica era igualmente seca,
caracterizando a Wikia como uma “porcaria”.
Ainda assim, não posso deixar de pensar que o homem cujas ideias meu
instituto leva adiante, Peter Drucker, teria adorado o que Wales está
tentando: fazer com que as pessoas tenham um papel mais atuante e o
computador, menos, quando se trata de interpretar a informação e espalhar o
conhecimento.

Será que a colaboração do usuário irá melhorar a busca?

“A força do computador está no fato de ser uma máquina lógica”, escreveu


Drucker, em The Effective Executive, cuja primeira edição foi em 1967.
“Ele faz o que está programado para fazer. Isso o torna veloz e preciso.
Também o torna um boçal completo; pois a lógica é essencialmente imbecil.
Ele está fazendo o simples e óbvio. O ser humano, em contraste, não é
lógico; ele é perceptivo. Isso significa que ele é lento e desleixado. Mas ele
também é inteligente e tem insight. O ser humano pode se adaptar; ou seja,
ele pode deduzir a partir de informação escassa, ou sem informação alguma,
como pode ser o panorama geral. Ele consegue se lembrar de um imenso
volume de coisas sem que ninguém o tenha programado.”
A visão de Wale é melhorar a potência, precisão e inventividade de sua
ferramenta de busca ao longo do tempo, com a vasta colaboração de
informações dadas pelos usuários, ao contrário dos algoritmos que
conduzem as buscas no Google, Yahoo e Microsoft. Há várias formas de as
pessoas participarem do processo, incluindo classificar os resultados de
busca num sistema de cinco estrelas (completo, com uma observação sobre o
motivo de aquele link ter recebido a pontuação que recebeu). Também é
possível escrever “miniartigos” para discutir resultados, num fórum aberto.
Wales já reconheceu que isso não acontecerá da noite para o dia. Vai levar
tempo “para que os humanos venham e comecem a construir” essas funções,
ele disse à TechCrunch. Muitos são céticos – e têm direito a isso – quanto ao
empenho de Wales algum dia tirar alguma fatia significativa de mercado do
Goole, que detém quase 60% de todas as buscas feitas nos EUA, segundo a
Nielsen/Net Ratings. (Seu rival mais próximo, Yahoo, responde por 18%.)
No entanto, a intuição de Wale quanto ao que é necessário no mundo da
busca (e, de fato, em muitas áreas do universo de alta tecnologia) é positiva,
ao menos sob a perspectiva de Drucker.

O nascimento do trabalhador com conhecimento

Muito tempo antes que alguém sequer vislumbrasse, isso Drucker reconheceu
que nós estávamos em meio a uma transformação histórica. Ele chegou a
chamar a era em que nós tínhamos ingressado de “sociedade pós-
capitalismo” – uma era na qual o trabalho, a terra e o capital são menos
importantes, e “os principais produtores de riqueza passaram a ser a
informação e o conhecimento”. Os ocupantes desse novo mundo são, é claro,
“os trabalhadores com conhecimento” – um termo que Drucker cunhou em
1959.
Mas nem sempre Drucker esteve tão apaixonado pela forma como o
conhecimento estava sendo cultivado. Uma coisa é certa: ele mencionou que
a tecnologia da informação estava excessivamente focada na “T”
(tecnologia), ou seja, na coleta, armazenagem, transmissão e apresentação
dos dados, sem foco suficiente na natureza da “I” (informação). Segundo ele
disse, “Qual é o significado da informação? Qual o seu propósito”?
O que nos leva a essas questões, ele escreve em Management Challenges
for the 21st Century, em 1999, não é “mais dados, mais tecnologia, mais
velocidade”. O necessário é recuar e descobrir que tipo de informação
ajudaria mais a executar a tarefa da hora – uma determinação na qual as
criaturas vivas tenham uma vantagem clara sobre os cálculos frios.

As pessoas ligam os pontos

Drucker também ensinou que aqueles que utilizam a informação deveriam


assumir papéis ativos em sua formulação. “Somente os trabalhadores com
conhecimento individual podem converter dados em informação”, ele disse.
“E somente os trabalhadores com conhecimento individual podem decidir
como organizar sua informação de modo que ela se torne a chave para a ação
efetiva.” Em outras palavras, deixar isso por conta dos magos da tecnologia
é um grande equívoco.
Finalmente, humanos podem ser bem mais equipados do que computadores
para fazer outra coisa que Drucker julgava crucial: ligar os pontos entre
disciplinas altamente especializadas ou, conforme ele descreveu, “colocar
em ação os múltiplos conhecimentos que possuímos”.
Se a Wikia pode fazer tudo isso em um contexto de busca, nós veremos.
Certamente há um longo caminho a percorrer. No entanto, no começo dessa
semana, o website do meu instituto tinha magicamente surgido no segundo
lugar da lista, evidentemente colocado ali pelo que Drucker mais acreditava:
o poder das pessoas.
O que a Microsoft pode
oferecer ao Yahoo?

V ocê ficaria aflito ao descobrir a quantidade de coisas às quais Peter


Drucker se opunha abertamente, como a aquisição hostil de uma companhia.
Em seu livro The New Realities, ele foi longe, a ponto de dizer que devorar
uma companhia dessa forma é “o ataque mais severo da história da gestão,
muito mais sério do que qualquer ataque perpetrado pelos marxistas”.
Saibam que ele fez esses comentários em 1989, quando havia um punhado
de Gordon Gekkos da vida real comandando a cena. O que inflamava
Drucker era a tendência que essas instituições têm de rapidamente
desmantelar as empresas assim que colocam as mãos nelas, como se fossem
carros roubados, “sacrificando a capacidade produtiva de longo prazo, para
ganhos em curto prazo”.
É claro que a proposta não solicitada de aquisição que ultimamente tem
predominado na mídia – a oferta de 44,6 bilhões de dólares feita pela
Microsoft pela compra do Yahoo – não se encaixa nesse molde. A Microsoft
espera fortalecer os ativos do Yahoo, não dilapidá-los.
Ainda assim, isso não significa que Drucker deixaria de ver a tentativa da
Microsoft como fundamentalmente fracassada. Motivo: desconfio que ele
teria questionado se a gigante dos programas de informática estaria
contribuindo com o suficiente para a festa.
O que pode acontecer em seguida está incerto. O Yahoo, tendo rejeitado a
proposta da Microsoft, segundo dizem, está em conversações com a News
Corp. a respeito de alguma aliança alternativa. Enquanto isso, a Microsoft
parece ter duas alternativas: subir o valor de sua oferta, na esperança de que
o Yahoo possa ceder, ou comprar uma briga outorgada levando o caso
diretamente aos acionistas.

Dinheiro: não é o bastante


Mas qual é o caso, exatamente? Ao contrário do jeito que muita gente tende a
olhar para tais propostas, Drucker acreditava que é incumbência do
comprador, não da entidade a ser comprada, agregar valor. Em sua carta de
31 de janeiro à comissão de diretores do Yahoo, Steve Ballmer, diretor
executivo da Microsoft, focou primordialmente uma vantagem que a fusão
das duas empresas de operações na internet geraria: “magnitude”. Na
verdade, ele usou a palavra nada menos que cinco vezes em sua missiva.
Há uma lógica concreta por trás disso. Ninguém duvida que será preciso
um peso considerável para sequer tentar desafiar o Google, líder inconteste
do setor. Conforme Ballmer frisou, isso significa possuir uma plataforma de
divulgação online suficientemente grande, assim como também ter
“capacidade extensa de pesquisa e desenvolvimento” para impelir a
inovação.
A questão é: quais são especificamente os prós, além do aumento de
tamanho, que resultariam do casamento da Microsoft com o Yahoo? Por
definição, a união de duas empresas gigantes vai ajudar a alcançar
magnitude; isso é simplesmente uma função aritmética. Drucker afirmava
que, para uma aquisição dar certo, em longo prazo, ela precisa ser baseada
em muito mais do que isso.
“Uma aquisição será bem-sucedida” escreveu ele em The Frontiers of
Management “somente se a empresa compradora analisar atentamente com o
que pode contribuir no negócio que está comprando, e não como a empresa
vendida pode contribuir com a compradora, independentemente do quão
atraente a ‘sinergia’ esperada possa parecer”.
“A contribuição da empresa compradora pode variar”, acrescentou
Drucker. “Pode ser gestão, tecnologia ou robustez na distribuição”. Uma
coisa que não pode ser, segundo Drucker, é o que a Microsoft mais tem:
grana. “Só o dinheiro”, diz ele, “nunca é o bastante”.

Via de mão dupla

Uma coletânea dos estudos de casos escritos por Drucker e atualizada por
meu colega da Claremont Graduate University, Joe Maciariello, cita a fusão
do Citibank e da Travelers – uma transação iniciada por Sandy Weill,
presidente da Travelers – como exemplo de como isso pode ser feito da
maneira certa. Na época, o Citibank desfrutava de uma forte presença global.
A Travelers, por sua vez, ostentava um esplêndido portfólio de produtos e
serviços financeiros.
“O que a Travelers viu como possibilidade de contribuição própria”,
explicaram Drucker e Maciariello, “era aumentar enormemente o volume de
negócios que o soberbo sistema de distribuição mundial do Citibank poderia
vender por um custo mínimo, ou sem custo algum”.
Então, o que a Microsoft poderia prover se acabasse conseguindo
arrematar o Yahoo? Alguns analistas dizem que muito. Imran Khan, do
JPMorgan Securities, frisou, por exemplo, que o alcance internacional da
Microsoft poderia ser algo. “Se você olhar para o Yahoo”, diz ele, “vê que
ele é muito forte nos Estados Unidos, mas não tão forte fora do país, ao
passo que a Microsoft tem uma posição mais forte no mercado europeu”.
No entanto, a maioria dos observadores aponta para os benefícios que o
Yahoo traria à Microsoft, não o contrário. Entre eles: uma parcela das
receitas proveniente de propaganda online que é mais que o dobro da receita
do MSN, da Microsoft; ofertas que o Yahoo já fez online, divulgando teorias
de leilão e extração de dados; e, como Jeffrey Rayport, da empresa de
consultoria Marketspace, colocou, “características com o tipo de sex appeal
que a Microsoft, em si, jamais alcançaria”.

Execução nada simples

Aquisições, mesmo as amistosas, são raramente tão fáceis de serem


executadas. Os talentos de ponta frequentemente deixam a empresa, se não
forem despedidos primeiro. As culturas podem colidir, resultando numa
horrenda dinâmica “Nós versos Eles”. “Às vezes”, escreveu Drucker, “é
preciso uma geração inteira até caírem essas barreiras invisíveis e
impenetráveis”.
Se a Microsoft acabar engolindo o Yahoo, ela talvez tenha que destrinchar
vários problemas. Mas, primeiro, há uma questão mais básica para os
membros da diretoria e acionistas de ambas as companhias a ser feita a si
mesmos: o que a Microsoft realmente tem a oferecer ao Yahoo, além de um
caminhão de dinheiro? Se não houver uma boa resposta, considere esse
negócio algo que Drucker teria desencorajado.
14 de fevereiro de 2008
O plano de Buffett para
uma sucessão bem-sucedida

A lgumas semanas atrás, Warren Buffett, presidente da Berkshire


Hathaway, liquidou oficialmente o que um investidor deve ter considerado a
máxima de um plano de sucessão: “Relutantemente, eu descartei a ideia de
continuar a administrar o portfólio depois de minha morte, abandonando
minhas esperanças de dar novo sentido ao termo ‘pensando fora da caixa’”,
Buffett, de 77 anos, escreveu em sua carta anual aos acionistas.
Apesar de sua abordagem irônica, Buffett tocou em um dos mais
importantes assuntos que um empreendimento enfrenta: determinar quem é a
pessoa certa para um dia assumir as rédeas.
A “sobrevivência” de uma empresa, escreveu Peter Drucker, em Concept
of the Corporation, lançado em 1946, depende da habilidade “de
desenvolver líderes independentes abaixo do número um, que sejam capazes
de comandarem a si mesmos e planejar um sistema sob o qual a sucessão
seja racional e por méritos reconhecidos, em lugar de resultar de uma guerra
civil dentro da instituição, impelindo a força, a fraude e o favoritismo”.
O pensamento de Drucker sobre muitos tópicos evoluiu durante sua longa
carreira. Esse não foi um deles. Em Management Challenges for the 21st
Century, publicado em 1999, ele ecoou o que havia concluído mais de 50
anos antes: “a sucessão sempre foi o teste máximo para qualquer
administração e o teste máximo para qualquer instituição.”

Plano de sucessão fracassado

O impressionante é como muitas empresas, por meio dessa medida,


fracassam totalmente. O Human Capital Institute, associação profissional e
grupo de pesquisa, calcula que menos de 50% das empresas norte-
americanas com receitas acima de 500 mil dólares “possuem um
planejamento significativo elaborado para a sucessão de seu presidente”.
Até mesmo algumas das maiores instituições têm sido pegas de calça
curta. Depois que Stan O’Neal foi expulso da presidência da Merrill Lynch,
ano passado, seu predecessor, Daniel Tully, censurou abertamente o fato de
que o banco de investimentos fosse forçado a buscar um sucessor fora da
empresa. “Havíamos passado dias, meses, falando sobre o planejamento de
sucessão”, disse Tully, numa entrevista para um repórter da Bloomberg. Num
cenário que ele chamou de “cena de atropelamento por um ônibus”, os nomes
eram continuamente buscados, para o caso de “algo acontecer com o
presidente”.
O universo filantrópico não está nada melhor. Uma pesquisa realizada em
2006 pela DRG, empresa de recrutamento executivo que trabalha
exclusivamente com organizações sem fins lucrativos, apurou que 58% dos
presidentes e diretores do setor social nunca discutiram a sucessão, embora
40% dos presidentes tivessem a intenção de deixar seus postos em dois
anos, independentemente do porte. “Empresas grandes ou pequenas são
igualmente desafiadas e estão igualmente despreparadas para mudanças de
liderança”, frisa David Hinsley Cheng, sócio-diretor da DRG.
Como isso acontece?
Parte disso é resultado do medo – especificamente um medo que os líderes
(ou “líderes equivocados”, como Drucker os chamava) têm de possuírem
colegas inteligentes e autoconfiantes ao seu redor. “Um líder eficaz sabe que
há riscos, claro: pessoas capazes tendem a ser ambiciosas”, escreveu
Drucker, em Managing for the Future, de 1992. “Mas ele sabe que esse é
um risco bem menor do que ser servido de mediocridade. Ele também sabe
que o pior apuro para um líder é que a empresa desmorone assim que ele
saia ou morra.”

Treinando e promovendo

Na verdade, há provas fortes mostrando que as melhores empresas


constantemente cultivam e elevam os seus, sem cair na armadilha que diz que
a única forma de estimular o progresso e a mudança é buscar sangue novo
externamente.
Em Built to Last, livro de Jim Collins e Jerry Porras, eles relataram que
de 113 presidentes encarregados de empresas extraordinárias e duradouras
“companhias visionárias”, segundo as palavras deles, somente 3,5% vieram
de fora. Isso, comparado aos 22% de 140 presidentes de outras empresas
que eles pesquisaram, negócios considerados “bons”, mas não ótimos.
Além disso, as empresas de maior excelência incentivam seu pessoal a
progredir à frente e acima. Collins e Porras destacaram a publicação Dun’s
Review, que certa vez descreveu o programa de treinamento gestor da
Procter & Gamble como “tão eficaz e consistente que a companhia tem
talentos armazenados como lenha, em todas as funções e níveis”.
Quando se trata de escolher alguém a promover, o que não falta é conselho
por aí. A estante da presidência está repleta de livros sobre o assunto.
Porém, Drucker mantinha as coisas de forma bem simples. Uma regra dura e
rápida é que o líder a caminho da saída jamais deve escolher um herdeiro.
Ele ou ela podem fazer parte do processo, mas não devem controlá-lo. De
outro modo, a vaidade tende a atropelar grande parte das outras
considerações.
“Nós tendemos a escolher pessoas que nos lembram a nós mesmos quando
éramos vinte anos mais jovens”, disse Drucker. “Primeiro, isso é pura
ilusão. Segundo, você acaba com uma cópia carbono, e cópias são fracas.”

Força nos números

Quanto à Berkshire Hathaway, a empresa está evidentemente inclinada a


encontrar gente diferente para colocar os três chapéus que Buffett usa:
presidente, diretor executivo e diretor de investimentos. Buffet já sinalizou
que seu filho, Howard Buffett, se tornará presidente, como uma forma de
preservar a cultura distinta da empresa. Três competidores internos estão
sendo observados para assumir o papel de diretor executivo. (Um dos
concorrentes à vaga é David Sokol, que semana passada modificou suas
tarefas na unidade de utilitários da Berkshire, levando alguns a acreditarem
que ele pode ser o favorito.)
Para o papel de investidor, Buffett disse que identificou quatro
possibilidades externas e “todos desejam trabalhar para a Berkshire, por
motivos além da remuneração”. Anteriormente, Buffett havia sugerido que
ele talvez trouxesse um sucessor potencial para essa área – “um homem ou
mulher mais jovem”, para um papel substituto.
Enquanto isso, Drucker sem dúvida ficaria encantado pelo fato de o
bilionário estar claramente determinado a encontrar sua própria definição de
grandeza: “o líder que possui a força e parte deixando força.”
A Exxon Mobil precisa de
uma visão mais extensa

J ohn D. Rockefeller tem sido descrito de várias formas diferentes: como


um ganancioso e impiedoso; como generoso e atencioso; como “solitário,
taciturno, distante e contemplativo”, nas palavras do escritor Daniel Yergin.
Porém, como gestor, talvez a característica mais indispensável de
Rockefeller seja essa: ele sempre foi determinado em olhar para a frente.
Mais do que qualquer figura, foi Rockefeller quem ajudou a revolucionar a
forma como as pessoas do século XIX iluminavam seus lares, acelerando a
mudança do custoso óleo de baleia para o querosene, um combustível,
segundo ele mencionou, “bom e barato”.
Os herdeiros de Rockefeller recentemente evocaram essa história ao
criticarem publicamente a Exxon Mobil, acusando a empresa de ter focado
demais nos ganhos a curto prazo, sem nada fazer para cultivar formas mais
limpas e renováveis de energia a longo prazo. “Eles estão lutando a última
guerra e não estão vendo que estão diante de uma nova guerra”, disparou
Peter O’Neil, tataraneto de Rockefeller.
Não é que a Exxon Mobil não esteja fazendo nada para preparar o caminho
para o futuro. Ainda na semana passada, coincidentemente ou não, devido à
crítica de Rockefeller, a empresa anunciou que gastaria mais de 100 milhões
de dólares para completar o desenvolvimento e testes de uma tecnologia que
poderia cortar os gastos com a remoção do dióxido de carbono durante a
produção de gás natural.

Uma mudança lhe fará bem

Ainda assim, a controvérsia enfatiza um desafio que Peter Drucker


acreditava que toda empresa deveria enfrentar de cabeça para sobreviver e,
mais ainda, prosperar: a decisão do que quer abandonar, enquanto se
empenha para passar do ontem para o amanhã.
“Chamar uma ‘oportunidade’ de abandono pode parecer surpreendente”,
escreveu Drucker, em Managing for Results, seu livro de 1964. “Entretanto,
o abandono resoluto e planejado do que é antigo e não compensador é um
pré-requisito para a busca bem-sucedida daquilo que é novo e altamente
promissor.”
Pode parecer simples. Mas Drucker reconhecia que os seres humanos são
relutantes em abrir mão das coisas. Egos são inevitavelmente ligados a
qualquer que seja a direção que uma instituição já esteja seguindo. Em
muitos casos, domínios feudais já foram estabelecidos e certamente serão
guardados com zelo. A menos que algo tenha sido um fracasso completo,
pode ser extremamente difícil convencer o pessoal de que qualquer mudança
seja justificada, de que qualquer transação em curso deva ser interrompida
ou eliminada de vez.

Permanecendo por tempo demais

Isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de empreendimentos nos quais


a pressão para um crescimento cada vez maior é implacável. “O mais
comum é o argumento ‘precisamos crescer; não podemos nos dar ao luxo de
encolher”, frisou Drucker, rapidamente acrescentando que esse argumento é
puro sofismo. “Ele confunde gordura com músculo”, escreveu ele, “e
movimentação com realização econômica”.
A Exxon Mobil, por sua vez, colheu 10,9 bilhões de dólares de lucros
durante os três primeiros meses do ano – seu segundo melhor resultado
trimestral de todos os tempos – por conta dos preços brutos astronômicos.
No entanto, mesmo em casos em que um tipo específico de atividade parece
estar transcorrendo sem problemas, não se deve se deixar seduzir pela
permanência longa demais.
“O ganha-pão de ontem deve quase sempre ser abandonado através de uma
programação razoavelmente veloz”, disse Drucker. “Ainda pode produzir
receita líquida. Mas logo se torna um empecilho para a introdução e sucesso
do ganha-pão de amanhã. Dessa forma, deve-se abandonar o ganha-pão de
ontem, antes do momento que se tem vontade, muito antes ainda do momento
necessário.”
A principal questão de Drucker eram os recursos. Qualquer instituição,
seja uma empresa ou agência governamental, tem uma capacidade limitada
de fazer qualquer coisa: se você colocar o dinheiro e a força intelectual
numa só área, automaticamente outra irá receber menos.

Os que não foram escolhidos e novas oportunidades

Mantendo em mente essa situação de equivalência de ganho e perda, Drucker


aconselhava especial cautela aos gestores sobre o que fazer com os que não
foram escolhidos – produtos, serviços e tentativas variadas que “não são
candidatos claros para um trabalho específico, nem candidatos ao
abandono”. Ele explicou que nessa classificação intermediária é provável
que esteja o “ganha-pão” atual.
Segundo Drucker, o truque é assegurar que os não escolhidos não
comandem os recursos que precisem ser redirecionados às iniciativas de
maior potencial. “Os não selecionados só devem ser levados em
consideração se sobrarem recursos, depois que as áreas de oportunidades
relevantes tiverem recebido todo o apoio necessário”, aconselhou Drucker.
Em geral, acrescentou ele, os descartados “terão que se virar com o que
tiverem – ou com menos. Eles são colocados no status de ‘ordenha’:
contanto que estejam gerando resultados, serão mantidos – e ordenhados. No
entanto, não serão ‘alimentados’”.
Claro que determinar o que tem de ser abandonado é somente metade da
equação. Decidir no que mirar em seguida exige o mesmo tipo de disciplina,
o mesmo nível de foco. Quando em busca de uma nova oportunidade, “não
diversifique; não fragmente; não tente fazer coisas demais ao mesmo tempo”,
Drucker aconselhou, em seu clássico de 1985, intitulado Innovation and
Entrepreneurship.
Mas, ao mesmo tempo, o mais crucial é que você tente. Como Drucker
declarou: “Claro que a inovação é um risco. Mas defender o ontem, ou seja,
não inovar, é muito mais arriscado do que formular o amanhã.”
9 de maio de 2008
A visão de Drucker sobre cometer erros

L yndon Johnson ocupou a Casa Branca quando a KeyCorp começou a


elevar seus dividendos. Os Beatles chegaram ao primeiro lugar das paradas.
Martin Luther King liderou milhares de manifestantes pelos direitos civis
pelo Alabama.
Durante 43 anos seguidos, os lucros anuais da empresa subiram, “um
recorde do qual nos orgulhamos profundamente”, segundo as palavras de
Henry Meyer, presidente executivo da KeyCorp. Quer dizer, até o começo
deste mês. O banco de Cleveland, atingido pelo mercado imobiliário fraco e
uma adversa regulamentação fiscal, anunciou que dividiria seu dividendo
pela metade, passando a 75 centavos de dólar, numa oferta para economizar
200 milhões de dólares ao ano. Também disse que vai buscar levantar 1,5
bilhão de dólares em capital.
“Nós consideramos a esperança uma estratégia administrativa ruim”,
explicou Meyer. “Estamos tentando admitir onde erramos.”
Equívocos fazem parte da vida; fazem parte dos negócios. Porém, muitos
empreendimentos passam o tempo escondendo-os ou fugindo deles, em vez
de assumi-los.

Capitalizando a sinceridade

Por esse motivo, a KeyCorp merece muito crédito. Se agora a companhia


poderá capitalizar em cima de sua sinceridade dependerá, em grande parte,
da forma como a administração irá lidar com os responsáveis por seus
tropeços. Segundo Peter Drucker, as empresas mais inteligentes são aquelas
que transformam os lapsos em oportunidades de aprendizado.
“Ninguém aprende a não ser cometendo erros”, Drucker escreveu em The
Practice of Management, seu livro de referência, de 1954. “Quanto melhor
for um homem, mais enganos ele irá cometer, pois mais coisas novas ele irá
experimentar. Eu jamais promoveria um homem a um cargo de alto nível se
ele não tivesse cometido enganos, e grandes enganos. De outra forma, ele
certamente será medíocre. Ainda pior, sem ter cometido erros, ele não terá
aprendido como detectá-los e como corrigi-los.”
A tolerância de Drucker com os enganos não deve ser vista como se ele
amenizasse a incompetência. Ele acreditava que há ocasiões de sobra em
que um empregado deve ser demitido. “A direção deve isso ao
empreendimento”, disse Drucker. “Deve isso ao espírito do grupo gestor,
principalmente àqueles que têm um bom desempenho. Deve isso ao próprio
homem, pois ele provavelmente será a grande vítima de sua própria
inadequação.”
Mas ele alertava quanto à reação excessiva: “A indicação da dispensa de
um funcionário de desempenho ruim ou medíocre não significa que uma
empresa deva demitir as pessoas a torto e a direito.” E ele deixava claro que
os encarregados não podem simplesmente culpar seus subordinados.
“Sempre que a falha de um funcionário for atribuída aos erros da
administração”, disse Drucker, “ele tem que ser mantido na folha de
pagamentos”.

Superando a média

Um dos erros mais comuns dos gestores é colocar uma boa pessoa numa
função errada. Afinal, notou Drucker, “não existe alguém infalível ao julgar
os outros, ao menos não deste lado dos Portões Perolados”. Drucker dizia
que quando alguém comete um deslize, cabe ao chefe dizer: “Não tenho
interesse em culpar aquela pessoa, nenhum interesse em evocar o ‘Princípio
de Peter’ (obra considerada um clássico na área de gestão empresarial) ou
de reclamar. Eu cometi um erro.”
No fim, Drucker dizia que sucesso não é estar certo o tempo todo. Em vez
disso, escreveu ele, em seu clássico de 1973, Management: Tasks,
Responsabilities, Practices, o desempenho tem que ser avaliado em termos
mais semelhantes à superação da média. (Talvez uma forma ainda mais
competente de ver a coisa seja por meio de estatísticas do futebol: às vezes,
você faz um gol, ou dois, às vezes, faz muitos. Mas, outras vezes, você chuta
pra fora. Talvez até na cara do gol.)
Sob o ponto de vista de Drucker, não acertar sempre não é inaceitável; faz
parte do requisito para que uma empresa seja de excelência. “Uma
administração que não define o desempenho como a superação da média é
uma administração que confunde conformismo com realização, confunde a
ausência de fraquezas com a existência de pontos fortes”, disse.

Desempenhos distintos

Ele acrescentou que uma mentalidade de superação de médias permite que as


empresas acomodem tipos distintos de talentos. “Um homem pode ter um
desempenho bom e consistente, raramente atuando muito abaixo de uma
média respeitável, porém, igualmente chegando à genialidade ou virtude”,
escreveu Drucker. “Outro homem irá atuar somente de forma adequada, sob
circunstâncias normais, mas vai se sobressair diante das exigências de uma
crise, ou um grande desafio, passando a atuar como um verdadeiro ‘astro’.
Ambos são ‘realizadores’. Ambos precisam ser reconhecidos. Mas seus
desempenhos parecerão um tanto distintos.”
“No entanto, o homem de quem se deve desconfiar é aquele que nunca
comete um erro”, continua Drucker, “nunca dá um fora, nunca fracassa
naquilo que tenta fazer. Ou ele é um farsante ou sempre fica com o que é
seguro, já experimentado e o trivial”.
Drucker não apenas escreveu essas palavras; ele as viveu. Até os anos
1950, ele tinha concluído que só há uma forma de gerenciar corretamente as
pessoas: presumindo que todas elas sejam responsáveis, tenham direção
própria contanto que seu trabalho lhes proporcione a realização. Em 1960,
foi articulada uma teoria competitiva que afirmava que os gerentes tratavam
cada um de seus funcionários como se fossem egocêntricos, preguiçosos e
resistentes à mudança.
Então, surgiu o psicólogo Abraham Maslow, que em 1962 alegou que, de
qualquer forma, uma abordagem única é tolice. Drucker foi rapidamente
persuadido. “A prova de Maslow quanto a pessoas diferentes precisarem ser
gerenciadas diferentemente é esmagadora”, escreveu ele.
Drucker concluiu que ele e os outros que compartilhavam sua motivação
do tipo “modelo único” como incentivo humano “estavam redondamente
enganados”. Se ao menos mais pessoas tivessem coragem de dizer isso, e
aprender com isso, muitas coisas dariam certo.
19 de junho de 2008
O que Drucker diria sobre a Mervyns

S emana passada, a Mervyns se mostrou como vítima de uma economia


mesquinha e um ambiente de varejo miserável ao dar entrada no 11º capítulo
de proteção à falência (lei que permite uma empresa americana com
dificuldades financeiras continuar funcionando normalmente, dando-lhe um
tempo para chegar a um acordo com seus credores). Mas, na verdade, uma
parte chave da rede de lojas de departamentos entrou em falência havia
muito tempo. Foi o que Peter Drucker chamou de “teoria do negócio”.
Toda instituição se apoia numa série de premissas – noções fundamentais
sobre os clientes e concorrentes, sobre tecnologia, sobre os próprios pontos
fracos e fortes. Drucker explicou que, quando um empreendimento fracassa,
isso se dá por conta “das suposições sobre as quais a instituição foi
construída e prossegue administrada segundo o que já não é compatível à
realidade”.
Por mais óbvio que possa parecer, isso pode ser surpreendentemente
difícil de enxergar. Muitas vezes, os gerentes se preocupam com a maneira
de fazer as coisas. Porém, igualmente importante, talvez até mais importante,
é o que eles de fato estão fazendo. Conforme Drucker afirmou: “Certamente
não há nada tão inútil quanto executar com grande eficiência algo que nem
deveria ser feito.”
Em um artigo publicado na Harvard Business Review, em 1994, Drucker
mencionou que, quando a teoria de negócio é “clara, consistente e focada”,
ela tende a ser “extraordinariamente poderosa”.

Batizando a missão

Tudo começa com uma missão. Drucker citou, por exemplo, a Sears
Roebuck, que “nos anos durante e seguintes à Primeira Guerra Mundial
definiu sua missão como a de ser o comprador informado para a família
americana. Uma década depois, Marks e Spencer, na Grã-Bretanha,
definiram sua missão como a de ser o agente da mudança na sociedade
britânica ao se tornarem o primeiro varejista de primeira classe”.
A Mervyns, lançada em San Lorenzo, Califórnia, em 1949, já teve sua
atraente visão própria do que deveria ser: uma loja que proveria produtos de
alta qualidade, por um bom valor, preenchendo um nicho entre a Sears e a
Montogery Ward, que ficavam na ponta mais baixa do mercado, e a ponta
mais elegante, dos clientes de classe A.
Durante as décadas de 1950 e 60, a Mervyns prosperou com essa fórmula,
mesmo diante da forte concorrência com a J.C. Penney e outros. Em 1971, a
empresa abriu capital público e logo ostentava dúzias de lojas, com uma
receita de milhões de dólares. Sete anos depois, Dayton Hudson (agora da
Target) adquiriu a Mervyns e levou-a até o Arizona, Louisiana, Novo
México, Oklahoma, Oregon e Washington. Em 1983, a Mervyns abriu sua
centésima loja. (Agora, tem 177.)
Mas, ao longo de todo esse tempo, a teoria básica do negócio manteve-se
firme; na verdade, a Mervyns continua a se vender como “protótipo mediano
da loja de departamentos”.
O problema é que, ao seu redor, as coisas mudaram. Cada vez mais
concorrentes irromperam no espaço que a Mervyns confortavelmente
ocupava – a Kohl’s, de forma mais proeminente. Enquanto isso, a ideia de
“mediano” já tinha se embaçado, já que as lojas consideradas de camadas
inferiores começaram a vender produtos mais modernos e marcas de
designers. “Não existe mais o mediano”, diz o consultor de varejo George
Whalin. “Não existe.”
Sob circunstâncias tão desafiadoras, o que deve ter se tornado a teoria de
mercado da Mervyns?

“Aquela ligação emocional”

Não há respostas fáceis. Mas Tom Kelley, um especialista em branding do


Concept Group USA, que trabalhou brevemente na Mervyns, expressou
pouca dúvida quando lhe fiz essa pergunta. Ele acredita que cada loja
deveria ter acentuado sua “percepção própria”, integrando-se à comunidade
onde atuava. Ele teria contratado gerentes de lojas das faculdades locais,
incentivando-os a atuarem nas questões cívicas e faria com que tivessem um
papel altamente visível, uma presença bem-vinda aos compradores. “Tem
tudo a ver com a elaboração daquele vínculo emocional com o seu cliente”,
diz Kelley.
De certa forma, isso são águas passadas. Ter uma mente voltada à
comunidade originalmente tinha um papel expressivo na cultura da Mervyns.
Isso havia sido essencialmente incutido na teoria do negócio, desde o ponto
de partida. Mas aí também a Mervyns falhou – tanto que perdeu sua
identidade distinta, dentro da empresa e também para com seus clientes.
“Pense na Mervyns e que imagem vem à cabeça?”, uma matéria de jornal, de
1997, perguntava sobre a empresa. “Se deu um branco, você não é o único.”
Drucker frisou que não é incomum para uma empresa derrapar dessa
forma, subestimando a teoria de seu negócio à medida que o tempo passa. A
direção vai ficando cada vez “menos consciente disso”, escreveu Drucker.
“Então, a instituição se torna desleixada. Começa a cortar custos. Passa a
buscar o que é conveniente em lugar do que é certo. Eles param de pensar.
Param de questionar. Lembram-se das respostas, mas se esqueceram das
perguntas.”
Seria injusto sugerir que a Mervyns não fez nada para tentar remediar sua
sorte declinante ao longo dos anos. Ela enfatizou suas raízes californianas,
lançou departamentos internos com produtos de 1 a 5 dólares, mistura de
produtos de marca própria com produtos de outras marcas. Mas nada disso
resultou no que a empresa mais precisava: uma revisão minuciosa da teoria
de seu negócio. E, conforme Drucker alertara, “remendar nunca dá certo”.

Uma natureza inconstante

Em 2004, a Target vendeu a Mervyns a um consórcio de empresas de


investimento. Desde então, a Mervyns já teve quatro presidentes – outro
sinal de sua natureza inconstante quando se trata de uma ação decisiva.
O atual presidente John Goodman, um veterano altamente considerado da
Levi Strauss, falou recentemente sobre assumir um caminho semelhante ao de
Kelley: numa era de monstros corporativos sem rosto, ele sinalizou que quer
transformar a Mervyns numa “verdadeira loja de departamentos de bairro”,
favorecendo os clientes latinos, fazendo contratações estratégicas, investindo
no treinamento de pessoal, direcionando suprimentos e comprando de forma
compatível.
Meu medo é que seja tarde demais, que a Mervyns não tenha reconhecido
a tempo que quando a teoria do negócio se torna obsoleta, é como Drucker
colocava: “uma doença degenerativa e com risco de morte”. E isso exige
cirurgia, não Band-Aids.
31 de julho 2008
Quando o corte de custos
não é a solução

O s anúncios de cortes estão se acumulando a cada dia: 50 mil no


Citigroup, 12 mil na AT&T, 6 mil na Sun Microsystems, 2,5 mil na Dupont,
1,2 mil na United Airlines, 850 na Viacom.
Ao todo, as empresas americanas disseram, em novembro, que fariam um
corte de 181.671 empregos, segundo relatado pela Challenger, Gray &
Christmas. Foi o maior número desde 2002 e elevou o montante planejado de
cortes para mais de 1 milhão. Hoje cedo, o Ministério do Trabalho disse que
as folhas de pagamento tiveram uma queda de 533 mil, bem mais que o
esperado, enquanto o índice de desemprego subiu para 6,7%, mais alto
desde outubro de 1993.
Em decorrência da fragilidade econômica, não surpreende que os
empregadores estejam mais inclinados a presentearem seus funcionários no
Natal com um cartão vermelho em vez de um peru. Mas talvez o corte de
pessoal não seja a única resposta. Certamente, não é a única que Peter
Drucker prescreveria.
Não que Drucker fosse cego para a necessidade de se manter o controle
dos custos. De fato, ele ensinava que empresas grandes e pequenas deviam
sempre se perguntar se um determinado segmento do negócio deveria sequer
existir, em lugar de como torná-lo mais eficiente. “A pergunta deve ser: ‘O
telhado vem abaixo se nós pararmos de fazer isso?’”, explicava Drucker. “E
se a resposta é ‘provavelmente, não’, elimina-se aquela operação. É sempre
incrível como tantas das coisas que fazemos jamais farão falta.”
Drucker disse que o importante é fazer disso um exercício de rotina, não
algo que acontece somente às vezes. “Os negócios que são bem-sucedidos no
corte de custos”, disse ele, “não esperam a necessidade de cortá-los”.

Investindo em trabalhadores com conhecimento


Da mesma forma, Drucker acreditava no investimento em recursos
produtivos como uma função regular e diária, e não havia dúvida quanto ao
que ele pensava do direcionamento desses investimentos na época atual. “Os
recursos mais valiosos de uma empresa do século XX são a sua produção e
equipamento”, escreveu ele. “O recurso mais valioso da instituição do
século XXI serão seus trabalhadores com conhecimento.”
Uma pessoa que atuou segundo essas palavras, com resultados
extraordinários a mostrar, é K.H. Moon, ex-diretor executivo do fabricante
de produtos coreanos, Yuhan-Kimberly. (Divulgação completa: Moon, que
agora faz parte do parlamento coreano até pouco tempo atuou na comissão de
diretores do Drucker Institute, administrado por mim.)
Foi durante os anos 1990, em meio ao contágio financeiro asiático, que
Moon olhou em volta e sentiu grande repulsa pelo que viu. “Em quase todas
as empresas”, relembra, “a chefia simplesmente seguiu a velha sabedoria:
demissões em massa”.
No entanto, Moon sentiu que apenas cortar pessoal era uma
irresponsabilidade e começou a convencer os colegas de que havia um
caminho melhor a seguir, não para apenas sobreviver, mas para crescer e
prosperar. “Aquele não era o momento para perder empregos”, conta ele, “e
sim para aumentar nossa habilidade, pessoalmente e na empresa inteira”.
Para chegar lá, Moon deu alguns passos ousados. Um deles foi acelerar um
impulso para um novo sistema de equipe, passando de equipes de três
componentes e três turnos para grupos de quatro membros em dois turnos.
Ao dividir o trabalho dessa forma – Moon tinha ligado as atividades ao
esquema de trabalho compartilhado dos países ocidentais –, a empresa
calcula que pôde empregar 25% a mais de trabalhadores do que teria antes.

Aprendizado para a vida toda

Por conta desse arranjo, os empregados também trabalham menos horas. Mas
eles são incentivados a não ficarem ociosos. A Yuhan-Kimberly paga para
que eles tenham aulas e melhorem suas habilidades técnicas e conhecimentos
gerais (através de aulas de chinês, por exemplo). É tudo baseado na filosofia
de aprendizado de vida, o que D.J. Lee, presidente da Yuhan-Kimberley,
chama de “fonte de competitividade e crescimento sustentável” da empresa.
“Tudo se resume ao que Peter Drucker repetidamente escreveu – não ver
as pessoas apenas como dentes numa roda,” diz Edward Gordon, autor de
The 2010 Meltdown: Solving the Impending Jobs Crisis, que recomenda a
“abordagem contra-intuitiva” da Yuhan-Kimberly.
O resultado é que, ao prover um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
mais saudável, dando às pessoas a oportunidade de melhorar suas
habilidades continuamente, dando outros passos para criar uma cultura de
equipe autodirigida, a Yuhan-Kimberly tem visto aumentar a satisfação
profissional de seus 1.700 funcionários. Como tem acontecido com a
produtividade (junto com a parcela de mercado e a receita), que cresceu
tanto, os salários dos trabalhadores também aumentaram consideravelmente.
Enquanto isso, Moon ajudou a montar o New Paradigm Center, uma
instituição custeada pelo governo que está ensinando outras empresas
coreanas a atuarem como a Yuhan-Kimberly.
Essa fórmula não dá certo para todos; implementá-la envolve custos reais
e, consequentemente, riscos reais. Além disso, não há como evitar o fato de
que, durante a recessão, as demissões são fatais, independentemente do que é
tentado. Até mesmo Drucker, que tanto admirava a indústria japonesa por seu
compromisso com o emprego vitalício, reconheceu que esse ideal tendia a se
romper em meio às pressões da globalização.
Mas o que a Yuhan-Kimberly nos lembra é que cortar milhares de
empregos não precisa ser necessariamente a reação automática de uma
economia fraca. Quando as coisas parecem mais sombrias, é hora de inovar,
não de simplesmente eliminar.
5 de dezembro de 2008
Pergunte “Pra quê?” antes de “Quem?”

N a Borders, você pode comprar uma edição de capa dura da coleção de


ensaios Classic Drucker, por 24,95 dólares, ou pegar a brochura, por dez
pratas a menos. Ali há a esperança de que alguns dos caras do quadro de
diretores da livraria tenham tido o bom senso de pegar essa edição e dar
uma olhada no capítulo 5, antes de escolher um diretor executivo.
Se tiverem feito isso, eles terão tido um vislumbre de alguns insights do
que pode muito bem ser a tarefa mais crucial de qualquer empreendimento:
contratar seus empregados chave.

Faça a pergunta certa

Em “How to Make People Decisions” (“Como escolher pessoas”), editado


pela primeira vez pela Harvard Business Review, em 1985, Peter Drucker
apresenta um punhado de diretrizes para uma boa contratação. Entre as
quais: veja de três a cinco candidatos qualificados e assegure-se de fazer
uma pesquisa adequada, checando com cada um de seus ex-chefes e colegas.
“O julgamento de apenas um executivo é inútil”, escreveu Drucker. “Porque
todos nós temos nossa primeira impressão, preconceitos, gostos e aversões e
precisamos ouvir o que os outros acham.”
Porém, de várias formas, o princípio mais difícil a ser seguido é o
primeiro princípio de Drucker: “Pense minuciosamente na tarefa.” Ou, para
colocar de outra forma, você não pode responder “Quem?” antes de ter
descoberto “Pra quê?”
“Quando a tarefa é escolher um novo gerente regional de vendas”,
explicou Drucker, “o executivo responsável precisa primeiro saber qual é a
essência do projeto: recrutar e treinar novas pessoas de venda, porque,
digamos, a atual força de venda está perto da aposentadoria? Ou é para abrir
mercados novos e em crescimento? Ou, já que o grosso das vendas ainda
vem de produtos com 25 anos de idade, é estabelecer uma presença de
mercado para os novos produtos da empresa? Cada um desses é um projeto
diferente e exige um tipo distinto de pessoa”.

Tome cuidado com o homem renascentista

Embora a maioria dos executivos certamente concorde com essa lógica,


muitos a transgridem. Em seu livro Who, Geoff Smart (que estudou com
Drucker), e Randy Street alertam quanto à queda “numa das armadilhas mais
comuns da contratação”: ser seduzido por alguém que parece capaz de fazer
quase tudo excepcionalmente bem, prometendo, assim, ser o astro,
independentemente da situação.
“Há uma tendência de se gravitar em direção ao atleta em tudo; você sabe,
um conjunto tremendo de aptidões, um currículo de arrasar”, os autores
citam isso como tendo sido dito por Nicholas Chabraja, diretor geral da
General Dynamics. Chabraja prossegue, relembrando que uma vez contratou
uma pessoa nessas circunstâncias, um homem cujo imenso leque de talentos e
criatividade o fizeram pensar no “estupendo desenvolvedor de negócios”.
Porém, o que a empresa realmente precisava, naquele momento, era de um
executivo inclinado a administrar transações que pudessem enxugar o
acúmulo de pendências.

A pessoa certa para a função certa

“Cometi o erro de empregar um cara numa posição que acabou


acrescentando mais pendências”, conta Chabraja. “As margens de transação,
na verdade, caíram. Levei alguns anos para abordar o erro. A moral da
história é que depois arranjei um cara cujo perfil combinava perfeitamente
com o trabalho. Ele arrebentou... O outro cara foi pra outro lugar e construiu
uma carreira esplêndida, compatível com suas habilidades.”
Drucker teria facilmente adivinhado que isso aconteceria. Os melhores
líderes em negócios, segundo ele escreveu, no clássico The Effective
Executive, de 1967, “nunca falam de um ‘homem bom’, mas sempre de um
que é ‘bom’ para uma determinada tarefa”.
A Borders, ao anunciar essa semana que abordou Ron Marshall para ser
seu novo presidente, parece ter exatamente essa ideia em mente. A varejista,
com débitos pesados e tentando afastar a falência, disse que precisava “atuar
de forma mais agressiva” para melhorar seu fluxo de caixa. Marshall, que
recentemente chefiou a atividade de private equity (“Tipo de atividade
financeira realizada por instituições que investem essencialmente em
empresas que ainda não são listadas em bolsa de valores, com o objetivo de
alavancar seu desenvolvimento. Esses investimentos são realizados via
Fundos de Private Equity”) da empresa, tem o tipo de experiência financeira
que pode ser bem empregada para os desafios específicos que a Borders
está enfrentando. O presidente que ele está substituindo, George Jones,
entrou na função com uma reputação mais de inovador do que de homem do
dinheiro.
Nem todo mundo enxerga da mesma forma a dinâmica do quem versus o
quê. Jim Collins, em Good is Great, é inflexível quanto à construção de
“uma equipe executiva superior” ser a prioridade de qualquer empresa
aspirando a uma classe mundial. “Coloque as pessoas certas no ônibus antes
de decidir quem irá pilotá-lo”, ele aconselha.
Mas Collins também destaca que você precisa “colocar as pessoas certas
nos bancos certos”, um exercício de combinação impossível sem se analisar,
pelo menos até determinado nível, o trabalho específico que precisa ser
feito.

Especialização efetiva

Se tudo isso soa como se estivéssemos dizendo que as empresas precisam de


gente especializada, Drucker não discordaria. Isso não sugere que os
funcionários não devem possuir traços fortes, de maneira geral: uma boa
ética profissional, alto nível etc. Mas o atual trabalhador com conhecimento
é “geralmente um especialista”, escreveu Drucker. “Na verdade, ele pode,
como regra, ser efetivo somente se tiver aprendido a fazer uma coisa muito
bem.”
No entanto, em decorrência disso, Drucker acreditava ser essencial para o
especialista que ele entenda como sua função se encaixa na estrutura de
trabalho da empresa, como um todo.
O objetivo disso “não é criar generalistas”, disse Drucker. “É permitir que
o especialista torne a si mesmo e a sua especialidade eficazes. Isso significa
que ele precisa pensar atentamente em quem deve usar sua contribuição e o
que esse usuário precisa saber e entender para poder tornar produtiva a
parcela que o especialista produz.”
Tudo isso é para dizer: é crucial que todo “quem” entenda o “porquê”,
“quando” e “como” por trás do “quê” dela ou dele.
9 de janeiro de 2009
Como a falta de foco prejudicou Detroit

E mbora seja pura coincidência que a Ford Motor, única grande fabricante
de carros de Detroit que não está pedindo ajuda ao Tio Sam, faça um carro
chamado Focus, é difícil deixar passar o simbolismo. Peter Drucker
certamente teria achado engraçado.
Drucker também não se surpreenderia que as concorrentes da Ford,
Chrysler e General Motors, agora se vissem em dificuldade para se manter
vivas. Ele teve críticas a dizer a respeito das duas empresas ao longo dos
anos. Como já mencionei, Drucker acreditava que, pelo menos desde os anos
1940, quando ele estudou a GM pela primeira vez, seus executivos mais
altos resistiram à mudança de planos e políticas há muito praticados –
embora o mundo ao redor deles tivesse mudado. Resultado: uma empresa
que teve uma dificuldade tremenda de avançar, como uma Chevy atolada na
lama.
A força-tarefa do setor automotivo do presidente Barack Obama focou na
mesma fraqueza quando repreendeu a GM por estar “lenta demais” na
execução do que é necessário para dar uma reviravolta. Mas há outra parte
da força-tarefa com a qual Drucker também teria concordado, pois esta
enfatiza um princípio que ele via como essencial para a boa administração
(embora seja infringido, repetidamente): Não se estique demais. A “GM”,
dizia o comitê da Casa Branca, “reteve um número excessivo de placas de
nomes nas portas, nomes não rentáveis, que macularam suas marcas,
distraíram sua equipe diretora do foco, exigindo dólares escassos no
mercado e representando uma demora na percepção do consumidor, na
parcela e margem de mercado”.
Para Drucker, uma das coisas mais importantes que qualquer instituição
pode fazer é adotar o que ele chamava de “abordagem do rifle”, abstendo-se
“do atravancamento de produtos”. “Os resultados econômicos”, escreveu
ele, “exigem que os gestores concentrem seus esforços em um número menor
de produtos, linha de produtos, serviços, consumidores, mercados, canais de
distribuição, usuários etc., que produzirão maior quantidade de receita”.
Abandonando esses produtos

No entanto, por mais fundamental que pareça, acrescentou Drucker, muitos


negócios futilmente “se orgulham em estar dispostos e ser capazes de suprir
qualquer especialidade, satisfazer qualquer exigência de variedade e até de
estimular tais exigências. E muitos negócios se gabam por nunca terem tido
que abandonar um produto por vontade própria”. Graças a essa atitude, há
empresas de sobra que “acabam com milhares de produtos em sua linha de
produção e, frequentemente, menos de 20 deles realmente vendem”.
Reunir a mão de obra é encarado, muitas vezes, como uma semelhante
ausência de foco. “Nós montamos equipes enormes”, disse Drucker, “no
entanto, não concentramos esforços suficientes em nenhuma área para que ela
chegue longe”. Então, durante as épocas difíceis, muitas empresas cortam as
despesas da mesma forma ineficaz: em vez de cortes minúsculos, como
Drucker defendia, eles recorrem a reduções que passam pelo quadro inteiro
de pessoal.
Drucker alertou sobre isso numa matéria escrita para o Harvard Business
Review, em 1963. Mas continua sendo um problema predominante. John
Sullivan, professor de administração da Universidade do Estado de São
Francisco e ex-chefe de talentos da Agilent Technologies, calcula que mais
da metade de todas as empresas que atualmente estão aplicando cortes na
baixa atual estão implementando cortes no quadro todo de pessoal,
congelando salários e licenças. O motivo, segundo ele, é que “elas não têm
coragem” de confrontar os empregados individualmente e, em muitos casos,
não possuem medições apropriadas de desempenho para sequer saber onde
mirar.
A mensagem básica de Drucker “foco, foco, foco” se estendia além da
instituição como um todo, indo até o indivíduo. Os melhores gestores “fazem
primeiro as primeiras coisas e eles executam uma coisa de cada vez”,
escreveu ele, há mais de 40 anos, em The Effective Executive. Tal
determinação, explicou ele, é ditada por uma realidade simples: “A maioria
de nós acha difícil fazer bem somente uma coisa, que dirá duas.”

Concentração é a chave
“A humanidade”, prosseguiu Drucker, “é, de fato, capaz de fazer uma
incrível diversidade de coisas; a humanidade é ‘uma ferramenta
multifuncional’. Mas a forma de aplicar produtivamente a maior abrangência
humana é trazer à luz o grande número de habilidades individuais numa
tarefa. É a concentração na qual todas as habilidades estão focadas numa
única realização”.
A revista Time pode ter intitulado os jovens de hoje como “a geração
multifuncional”, com sua aparente habilidade de fazer o dever de casa,
papear online e ouvir seus iPods, simultaneamente, mas Drucker (um homem
que escreveu 39 livros, lecionou e deu consultoria) evitava assiduamente ser
desviado da atividade principal em curso.
Ele até mantinha uma pilha de cartões previamente impressos com
respostas prontas, permitindo que ele declinasse as distrações potenciais de
forma educada, porém firme e rapidamente. “O Sr. Peter F. Drucker agradece
seu gentil interesse”, diziam os cartões, “mas está incapacitado de endossar
ou revisar livros, manuscritos, ou propostas; de participações em rádio e
televisão; de ingressar em quadros ou painéis de qualquer tipo”, etc., etc.
Na verdade, o “segredo” de gente que “faz tantas coisas”, segundo
Drucker, está no fato de os fazerem um a um. “Corretamente, consideramos
um truque de circo quando alguém mantém dez bolas no ar”, ele escreveu.
“No entanto, até o malabarista só faz isso por 10 minutos. Se ele tivesse que
ficar fazendo por mais tempo, logo derrubaria todas as bolas.”
Ou, talvez, levaria sua empresa ao precipício.
3 de abril de 2009
Uma empresa é mais que o seu presidente

É difícil ler edições recentes do The Atlantic e Harvard Business Review


e não ver um como contrapeso do outro: “Do CEOs Matter?” (“Os
presidentes fazem diferença?”), pergunta uma manchete do primeiro. “What
Only the CEO Can Do” (“O que só o presidente pode fazer”) proclama o
segundo.
Numa olhada rápida, parece haver pouco questionamento quanto ao que
Peter Drucker teria achado mais persuasivo. A matéria da edição de maio do
HBR foi escrita por ninguém menos que A.G. Lafley, diretor executivo da
Procter & Gamble e discípulo de Drucker. Na verdade, muitos dos insights
de Lafley são baseados no que ele aprendeu com Drucker.
Mas é duvidoso que Drucker tivesse descartado a matéria de junho do
Atlantic. Escrito por Harris Collingwood, ele aborda como “já foi longe
demais a obsessão americana com quem senta no topo de uma instituição”.
Devemos ser céticos, sugere Collingwood, quanto ao presidente possuir
“importância suprema” e estamos certos em desafiar essa
“indispensabilidade” de um único executivo, mesmo os que são tratados
como celebridades, como Warren Buffett e Steve Jobs.
O que adotamos como uma cultura “é a teoria da história do Grande
Homem, escrita por Carlyle, e pintada na tela corporativa”, escreve
Collingwood – e é comumente usada para justificar “grandes pacotes de
remuneração”.

Coisas demais para uma só pessoa

Drucker certamente teria concordado com tudo isso. Afinal, na essência de


sua filosofia está a noção de que a magia da administração é “tornar as
pessoas capazes de atuação conjunta”. Administrar qualquer
empreendimento é, inerentemente, um esporte em equipe. Não há uma única
pessoa, por mais capaz que seja, que possa encarar isso sozinha. No mínimo,
por um motivo: há simplesmente coisas demais a fazer. “Um suprimento
ilimitado de gênios não poderia salvar o conceito de executivo único, a
menos que pudessem fazer com que o sol ficasse parado no céu”, escreveu
Drucker em The Practice of Management, seu clássico de 1954.
Além disso, ninguém – nem mesmo o presidente – é bom em tudo. “Gente
forte”, destacou Drucker, “sempre tem grandes fraquezas também”. Então, no
fim, ter “presidente” gravado em seu cartão de visita “não tem a ver com ser
mais ou menos importante”, escreveu em seu livro Managing in the Next
Society, “mas uma importância diferente”.
O que nos leva de volta às páginas de The Atlantic e, a tempo, da HBR. De
sua parte, Collingwood cita vários estudos acadêmicos que concluíram que
“forças externas influenciam o desempenho corporativo muito mais que os
presidentes”. No entanto, para Drucker (e, por tabela, para Lafley), essa é
precisamente a questão: a primeira tarefa de um presidente é analisar essas
forças externas e decidir qual é a melhor forma de reagir em relação a elas.
“O presidente é a ligação entre o Interior, ou seja, a ‘instituição’, e o
Exterior, a sociedade, economia, tecnologia, mercado, clientes, a mídia, a
opinião pública”, Drucker declarou, em 2004. “No interior, estão apenas os
custos. Os resultados estão no exterior”.
Relembrando essas exatas palavras, Lafley conta que elas o ajudaram a
determinar “que eleitorado externo era mais importante” para a P&G, ou
seja, o cliente. Enquanto isso pode parecer óbvio, frisa Lafley, a P&G
começou a perder contato com os clientes” antes que ele assumisse as
rédeas, em 2000. Na matriz, em Cincinnati, “os funcionários ficavam
grudados aos computadores” e “atolados em reuniões com outros membros
da P&G... Frequentemente, estávamos trabalhando em iniciativas que os
clientes não queriam e incorrendo em custos pelos quais os clientes não
deveriam pagar”.
Agora, explica Lafley, “para todos os lugares aonde vou, tento levar a
simples mensagem que o cliente é o chefe. Precisamos ganhar o valor da
equação do cliente, diariamente, em dois momentos da verdade: primeiro,
quando o consumidor escolhe um produto P&G acima de outros que estejam
na loja; e, segundo, quando ele, ou um membro de sua família, usa o produto
e ele proporciona uma experiência encantadora e memorável, ou não”.

Informação do lado “Externo”


Para ajudar a maximizar a chance de sucesso, conta Lafley, “em quase toda
viagem que faço, eu incluo visitas em lares ou mercados. Literalmente todos
os escritórios e centros de inovação da P&G têm clientes trabalhando com
os funcionários. Nossos funcionários passam dias morando com clientes de
baixa renda e trabalhando em supermercados dos bairros”. Tais atividades
captam inteiramente o que Drucker descreveu como a segunda tarefa
específica do presidente: “analisar cuidadosamente que informações
relativas ao lado externo são expressivas e necessárias para a instituição,
depois trabalhar para obtê-las de maneira utilizável.”
Muitos negócios veem esse exercício em termos paroquiais. “Fabricantes
de brinquedos tendem a definir o externo como seus concorrentes fabricantes
de brinquedos”, escreveu Drucker. “Porém, os concorrentes mais
expressivos para o fabricante de brinquedos não são outros fabricantes de
brinquedos, mas outros pretendentes aos dólares gastáveis dos clientes
potenciais... Em outras palavras, a pesquisa de clientes pode ser mais
importante do que a pesquisa de mercado.”
Só depois que o presidente tenha analisado adequadamente o exterior é
que, segundo Drucker, ele ou ela estão em posição de atacar os outros
aspectos da função: responder às perguntas fundamentais: “O que é o nosso
negócio? O que deve ser? O que não deve ser?”; julgar quais resultados são
mais relevantes para a instituição; decidir entre “fluxos de curto prazo e
expectativas proteladas”; escolher as prioridades e resistir à incessante
pressão “de fazer um pouquinho de tudo”; e colocar as pessoas certas em
funções estratégicas.
Portanto, vá em frente e leia o artigo de Lafley, para entender o que é ser
um presidente. Mas, caso você se sinta inebriado pelo título, mantenha
também The Atlantic à mão. Ele irá deixá-lo sóbrio novamente.
29 de maio de 2009
Genetal Motors:
lições da era Alfred Sloan

O histórico pedido de falência feito pela General Motors, na semana


passada, deixou os especialistas apontando para lugares onde o gigante
automotivo pode aprender lições importantes, enquanto busca reviver sua
boa sorte – a concorrente Toyota, por exemplo, ou a AT&T, que acaba de
nomear como presidente da GM Edward Whitacre, que ajudou a transformar
a empresa numa das maiores companhias de telecomunicações do planeta.
Mas aqui está outro modelo menos óbvio de sucesso administrativo a se
levar em conta: General Motors.
Foi a GM de 60 anos atrás, afinal, que ajudou a definir a disciplina da
administração e serviu como exemplo para o livro referência de Peter
Drucker, intitulado Concept of Corporation. “Quando esse livro estava
sendo escrito, a instituição mal tinha sido descoberta e era totalmente
desconhecida, lembrando, de alguma forma, o mapeador medieval na África,
com um imenso espaço em branco escrito: ‘aqui circulam elefantes’”,
afirmou Drucker, quatro décadas depois da publicação do livro, em 1946.
“Os livros sobre as instituições em si, e sua administração, podiam ser
contados nos dedos de uma mão só.”
Como mencionado aqui antes, Concept of Corporation – e a cabeça da
GM, enterrada na areia, diante de suas críticas brandas – prenunciou uma
situação insular que acabaria provando ser incapacitante para o fabricante
automotivo.
No entanto, também vale relembrar que Drucker encontrou muitas, muitas
coisas admiráveis na GM – e principalmente seu presidente, Alfred Sloan.
Numa introdução a My Years with General Motors, autobiografia de Sloan,
Drucker creditou ao executivo sem papo furado ter sido “o primeiro a
trabalhar a organização sistemática numa grande empresa, planejamento e
estratégia, medidas, o princípio de descentralização” e mais. O papel de
Sloan “como designer e arquiteto da administração”, acrescentou Drucker,
“certamente foi uma fundação para a liderança da economia americana nos
40 anos seguintes à Segunda Guerra Mundial”.

Definindo o administrador profissional

De fato, como Drucker via, Sloan foi o pioneiro que transformou o


gerenciamento numa profissão verdadeira, estabelecendo o critério de que
administrador profissional tem o dever de colocar os interesses da
instituição à frente dos interesses pessoais. Sloan, segundo Drucker
escreveu, também deixou claro que “o trabalho de um gestor profissional não
é gostar das pessoas. Não é mudar as pessoas. É colocar seus pontos fortes
em funcionamento. E, se aprova as pessoas, ou a forma como elas trabalham,
o desempenho delas é a única coisa que conta”. Drucker rapidamente
esclarece que a definição de Sloan de desempenho significava “muito mais
que o ponto principal. Também é estabelecer um exemplo. E isso requer
integridade”.
Mas, de todos os pontos que Drucker captou observando Sloan, há um, em
particular, ao qual a GM de hoje talvez quisesse prestar atenção: chegar a
decisões difíceis (motor potente ou híbrido?) exige divergências saudáveis.
David Garvin, professor do curso de negócios de Harvard, conta que um
dos problemas fundamentais da GM, ao longo dos anos – a incapacidade de
tomar posicionamentos estratégicos – foi causado, pelo menos parcialmente,
pela carência de discussões abertas entre os gestores do primeiro escalão.
Em vez de trabalharem de forma franca e sincera, falando de várias opções,
os executivos frequentemente perfilam os votos necessários, como um grupo
de carcereiros de Chicago anteriormente, em “pré-reuniões”, para eliminar
quaisquer surpresas na reunião comum.
“Um número excessivo de decisões já vinha pré-estabelecido”, conta
Garvin, que escreveu um estudo de caso, em 2004, sobre o processo de
definição política da GM. Garvin enfatiza que o desafio básico de Sloan era,
de certa forma, oposto ao enfrentado por seus sucessores. Ele teve que pegar
uma série de companhias automotivas e coordenar suas ações. Conforme o
tempo se passava, a GM teve o fardo de calcular como as filiais espalhadas
pelo mundo todo poderiam moldar suas linhas para atender às necessidades
variáveis dos clientes.
Teste opiniões contra os fatos

Mas, se você estiver falando da Era de Alfred Sloan, ou da Era de Ed


Whitacre, há alguns fatores em comum: primeiro, a companhia precisa
prover clareza absoluta quanto a quem é responsável por decidir o quê. Isso,
segundo Garvin, foi ficando cada vez mais vago na GM, à medida que a
instituição se tornou “cada vez mais complexa” e revestida de burocracia.
Segundo, quando chegar a hora de tomar uma grande decisão, por
exemplo, escolher os produtos a manter e quais devem ser descartados,
todas as alternativas devem ser examinadas com franqueza.
“Cavalheiros, entendo que todos nós estamos em total acordo quanto à
decisão aqui”, Drucker escreveu, citando Sloan. Depois que todos em volta
da mesa acenaram a cabeça em afirmação, Sloan teria dito: “Então, eu
proponho o adiamento de discussões adicionais sobre esse assunto até nossa
próxima reunião, para que tenhamos tempo de arranjar algo para discordar e
talvez ganharmos algum entendimento quanto ao que é uma decisão.”
Drucker escreveu em The Effective Executive, de 1967, que Sloan “era
tudo, menos um tomador de decisão ‘intuitivo’. Ele sempre enfatizava a
necessidade de testar opiniões contra os fatos e a necessidade de ter certeza
absoluta de que não se começasse já com uma conclusão para depois
procurar fatos que a respaldassem. Mas ele sabia que a decisão correta
exigia o desacordo adequado”.
Dito isso, talvez possamos concordar nisso: “A nova GM” seria sábia se
estudasse a antiga GM.
12 de junho de 2009
Gerencie seu chefe

C hegou o momento para que os trabalhadores de toda parte sejam


colocados no microscópio semestral, enquanto os supervisores avaliam os
desempenhos de seus funcionários, pelos seis primeiros meses de 2009, e
calcular aquilo em que eles precisam focar no futuro.
Mas esse também é um momento útil para lembrar um dos ensinamentos
fundamentais de Peter Drucker: seu sucesso depende de quão bem você
desempenha sua função. Também depende, em grande parte, de como a
pessoa a quem você se reporta desempenha o trabalho dela. E isso significa
que você precisa se tornar adepto não somente de administrar a si mesmo e
os que trabalham para você, mas também de administrar seu chefe.
“Poucos administradores parecem perceber o quanto é importante
gerenciar o chefe, ou pior, acreditam que isso nem possa ser feito”, escreveu
Drucker. “Eles têm cólicas por causa do chefe, mas nem tentam gerenciá-lo.
No entanto, administrar o chefe é algo relativamente simples – de fato, até
mais simples do que gerenciar subordinados.”
Dito isso, por favor, não encare o insight de Drucker como uma permissão
para ser puxa-saco. Ele não tinha paciência para bajuladores. “Os pontos
fortes de um chefe não se tornam produtivos ao bajulá-lo”, Drucker declarou
em The Effective Executive, de 1967. “Consegue-se isso começando com o
que é certo e apresentando aquilo de forma acessível ao superior.”

Escreva uma carta

Dentre as melhores formas de comunicação, Drucker aconselhava, em seu


livro referência de 1954, The Practice of Management, a formulação de
uma carta, duas vezes por ano, escrita ao supervisor. O objetivo, como
Drucker explicava, era que o funcionário esclarecesse não apenas suas
próprias metas, mas também o que ele via como objetivos de seu chefe.
Depois disso, o funcionário enumera as “coisas que precisa fazer por conta
própria para obter esses objetivos – e as coisas dentro de seu departamento
que ele considera os maiores obstáculos. Ele lista as coisas que seu superior
e a empresa podem fazer para ajudá-lo e as coisas que o atrapalham.
“Finalmente”, continuou Drucker, “ele descreve o que propõe fazer no ano
seguinte para alcançar suas metas. Se seu superior aceitar essa declaração, a
‘carta do gestor’ se torna a carta patente”, por meio da qual se desenvolvem
os deveres – e, feita corretamente, ela deixa pouco espaço para confusão ou
hesitações. Drucker disse: “Esse artifício, como nenhum outro que eu já
tenha visto, traz à tona a facilidade com que observações casuais e não
consideradas, até do melhor dos ‘chefes’, podem ser confusas e mal
conduzidas.”
No entanto, o diálogo entre superior e subordinado não deve parar por aí.
Drucker também recomendava que, ao menos uma vez por ano, todo
funcionário perguntasse a seu chefe (ou chefes): “O que eu faço e o que meu
pessoal faz para ajudá-lo a realizar seu trabalho? E o que nós fazemos que
dificulta mais a sua vida?”
Drucker também proveu duas outras dicas para uma gestão ascendente.
Primeiro, saiba que ninguém gosta de surpresas – principalmente o chefe.
Portanto, mantenha-o informado.
Segundo, nunca subestime a pessoa que tem uma vaga reservada no
estacionamento. “O chefe pode parecer analfabeto; ele pode parecer imbecil
– e aparências nem sempre enganam”, Drucker escreveu. “Mas não há
nenhum risco em superestimar um chefe. O pior que pode acontecer é que o
chefe sinta-se lisonjeado.” Ainda assim, se você subestimar seu chefe, ele
pode “notar o seu joguinho e irá se ressentir amargamente”.

Franqueza e confiança

Isso não significa que você deva ser cínico ou insincero na forma como você
se relaciona com os que estão no escritório com vista. A chave para
administrar as pessoas para quem você trabalha, assim como aquelas que
trabalham para você, é construir relacionamentos baseados em franqueza e
confiança – e, como parte desse processo, reconhecer que todos têm seus
pontos fortes e fracos, e suas idiossincrasias.
“Chefes não são um título no cronograma da empresa, nem uma ‘função’”,
frisou Drucker. “Eles são indivíduos e têm o direito de fazer seu trabalho da
forma que fazem. E é incumbência das pessoas que trabalham com eles
observá-los para descobrir como eles trabalham e se adaptarem à forma
como chefes são eficazes.”
Se seu chefe é mais de leitura, por exemplo, dê-lhe seus relatórios por
escrito. Se ele for mais de ouvir, aproxime-se dele para conversar.
Embora Drucker tenha começado a escrever sobre a administração do
chefe há mais de 50 anos, esse é um assunto que tem ressonância específica
hoje. Drucker notou que quanto mais as instituições se tornam guiadas pelo
conhecimento, mais provável se torna que um supervisor não tenha de fato
desempenhado muitas das tarefas especializadas para as quais seus
subordinados foram contratados.

Como um maestro de orquestra

Dessa forma, a interação que se desenvolve “é bem mais parecida com a que
existe entre o maestro de uma orquestra e os instrumentistas, do que o
relacionamento tradicional entre superior e subordinados”, Drucker
escreveu, em seu livro de 1999, intitulado Management Challenges for the
21st Century. “O superior de uma instituição que emprega trabalhadores
com conhecimento não pode fazer o trabalho de um subordinado, um maestro
assim como são pode tocar a tuba.”
Por outro lado, os que estão nos degraus abaixo detêm mais poder do que
imaginam. “Da mesma forma que uma orquestra pode sabotar o maestro mais
hábil”, disse Drucker, “uma instituição de conhecimento pode facilmente
sabotar até o mais hábil, que dirá um superior despótico”.
Mas seja cauteloso antes de fazê-lo. Descobrir como administrar – em
lugar de prejudicar – o chefe muito provavelmente será de seu interesse
pessoal. Afinal, como Drucker assinalou, uma das formas mais garantidas de
passar adiante é “trabalhar para um chefe que vai chegar a outros lugares”.
10 de julho de 2009
Inovação não é somente para os iniciantes

N ós todos podemos imaginar a cena: alguns caras trabalhando pesado


numa garagem entulhada de coisas, aperfeiçoando a próxima inovação que
vai sacudir a indústria mundial. Enquanto isso, os grandes personagens
corporativos do mercado estão distraídos – gordos, anestesiados, felizes e
atolados demais pela burocracia e conservadorismo para serem inovadores.
É uma imagem ótima – que persistiu por um longo tempo. Só há um
problema: é falsa. “A crença nada universal de que um grande negócio não
pode inovar não é nem meia-verdade”, Peter Drucker escreveu em
Innovation and Entrepreneurship, seu clássico de 1985.
No entanto, a verdade, acrescentou Drucker, é que “é preciso um esforço
especial para que o negócio já existente” avance além da tentação de
“alimentar o ontem e passar fome amanhã”.
Recentemente, eu me lembrei da sabedoria das palavras de Drucker
quando tive a chance de bater um papo com Mike Shapiro, diretor de
engenharia e tecnologia da Sun Microsystem Open Storage. Tanto quanto em
qualquer outra história que já ouvi, Shapiro demonstra que, como Drucker
colocava, “a inovação pode ser alcançada por qualquer negócio” – até o
maior. Mas o que Shapiro e seus colegas conseguiram também serve como
um modelo de outro exemplo de Drucker: uma grande empresa tem que
seguir práticas específicas se quiser converter suas ideias em resultados
reais.

Saltando à frente

Shapiro, seu sócio Bryan Cantrill e uma pequena equipe são os cérebros por
trás de uma família de sistemas de armazenagem de dados – a 7000 line –
que a Sun apresentou ano passado. O sistema esbanja capacidade, um “app
incrível” que usa gráfico em tempo real, para que os clientes possam
observar e entender o que o sistema de armazenagem está fazendo, e um
modelo de precificação que aparentemente detona a concorrência. Eu mesmo
sou mais para Luddite do que tecnológico, mas posso lhe dizer que as
avaliações da crítica têm sido muito fortes, louvando a velocidade,
simplicidade e baixo custo dos produtos.
Então, como uma instituição consegue surgir com uma dessas? Primeiro,
tem que ter foco na “administração de visão na oportunidade”, escreveu
Drucker. Isso parece simples, frisou ele, mas, em vez de fazer isso, a maioria
das empresas passa grande parte do tempo se concentrando nos problemas. E
não dá pra acertar na mosca se você nem se dá ao trabalho de olhar para o
alvo.
Na Sun, Shapiro e Cantrill tomaram uma decisão consciente de caçar a
oportunidade. Engenheiros altamente competentes e amigos próximos, desde
a época em que estudaram na Universidade de Brown, os dois passaram uma
década trabalhando no sistema de operação Solaris da Sun. Alguns anos
atrás, eles se dedicaram a inserir a Sun numa área que a empresa
tradicionalmente não dominava: a elaboração de utensílios com funções
especiais. Isso se opõe aos servidores de funções gerais, cuja tecnologia
interna tem sido explorada por outras empresas, transformando-a em
produtos rentáveis, deixando a Sun com relativamente pouco a mostrar, por
toda sua proeza de alta tecnologia. (Foi essa vulnerabilidade que ajudou a
levar a Sun aos braços da Oracle, que agora aguarda para concluir sua
aquisição da companhia, no valor de 7,4 bilhões de dólares.)
Shapiro e Cantrill finalmente estabeleceram a armazenagem de dados
como um campo particularmente abundante a ser explorado. Mas a dupla não
ficou simplesmente trancada em um laboratório, pesquisando o estágio atual
da tecnologia de armazenagem, sonhando em melhorá-la. Em vez disso, eles
passaram muito tempo atuando como pesquisadores de mercado, caindo na
estrada e falando com potenciais clientes sobre o que estavam procurando –
um passo crucial, segundo Drucker.
“Porque a inovação é tanto conceitual quanto perceptiva, os futuros
inovadores precisam sair e olhar, perguntar e ouvir”, Drucker escreveu.
“Inovadores bem-sucedidos usam tanto o lado direito quanto o lado
esquerdo de seus cérebros. Eles decifram, analiticamente, o que a inovação
tem de ser... Depois, saem para olhar usuários potenciais e estudar suas
expectativas, seus valores e necessidades.”
O espaço certo

O que Shapiro e Cantrill perceberam com esse exercício foi o fato de terem
que elaborar um “produto revolucionário” – não apenas uma versão
incrementada do que já havia disponível. Por conta da dificuldade e do
gasto, os clientes não iriam simplesmente descartar suas soluções de
armazenagem de dados, a menos que a Sun surgisse com algo muito superior.
“Nós tínhamos que custar metade do preço e ter o dobro da velocidade”,
conta Shapiro.
O problema era que Shapiro não conseguia descobrir como criar algo
assim dentro dos limites da Sun. Não era por falta de talento. Ele conta que a
preocupação era com o fato de que “em grandes instituições, as formas que
as pessoas têm de solucionar os problemas são limitadas pelos horizontes
que elas veem”.
Shapiro também receava que seu projeto, cuja natureza exigia recorrer aos
recursos de partes diferentes da Sun, abriria caminho para brigas políticas
internas com vários vice-presidentes da companhia baseados em Santa Clara
(Califórnia), competindo pelo controle.
Drucker certamente teria compreendido os receios de Shapiro. “O
empreendedorismo, o novo, tem que ser organizado separadamente do
antigo, daquilo que já existe”, disse ele. “Independentemente do que já tenha
sido experimentado – e nós temos tentado todo mecanismo concebido, ao
longo dos últimos 30 ou 40 anos –, unidades existentes têm sido constatadas
como capazes de expansão, modificação e adaptação do que já existe. O
novo pertence a outro lugar.”
No caso da Sun, o outro lugar fica no centro da cidade de São Francisco,
onde Shapiro e Cantrill – com todo o apoio da cúpula da Sun – montaram
uma organização separada, dentro de um prédio antigo. Batizada de
Fishworks (o “fish”, ou peixe, representa a integração completa do software
e hardware), o empreendimento teve permissão para prosseguir em segredo.

Não reinvente tudo

A certa altura, Cantrill descobriu um livro chamado Skunk Works, escrito


pelo ex-chefe da Lockheed, fábrica supersecreta de aeronaves. Dentre as
lições disponíveis, o livro mencionava que, quando a Lockheed construiu o
SR-71, avião de espionagem, os que estavam encarregados pelo programa
não tentaram reinventar tudo. Pegaram todas as peças padrão que puderam,
tirando componentes dos jatos antigos, para que pudessem canalizar toda sua
energia e atenção à película de absorção do radar e outros avanços de ponta.
Shapiro e Cantrill adotaram uma estratégia semelhante. “Nós decidimos não
remontar o sistema operacional”, explica Shapiro. “Isso permitiu que
fuçássemos nas coisas que eram realmente inovadoras.”
Ou, como Drucker aconselhava todos os inovadores: “Não diversifique,
não fragmente, não tente coisas demais de uma só vez.”
Ele também tinha mais um conselho: “Uma inovação de sucesso aponta
para a liderança” de um determinado mercado. Se ela não tiver a ousadia de
buscar tal posição, “é improvável que seja inovadora o bastante e, desse
modo, improvável que seja capaz de se estabelecer”.
Com centenas de clientes desde o começo, a Sun Storage 7000 Series
decididamente se estabeleceu – e a Fishworks, que Shapiro prossegue
administrando, poderia muito bem se provar um dos diamantes ocultos da
aquisição da Oracle. Enquanto isso, a nova linha de produtos se mantém
como prova firme do que Drucker pregava: quando se trata de inovação, o
que importa é a inteligência, e não o tamanho.
24 de julho de 2009
Um sinal positivo e
entusiasmado para a Netflix

C om a exceção de desfrutar de um Charlie Chaplin ou Buster Keaton


ocasionais, em seus tempos de juventude, Peter Drucker nunca foi um grande
fã de cinema. No entanto, ele certamente teria apreciado o empenho da
Netflix em melhorar seu sistema de recomendação de filmes para seus
clientes.
Semana passada, a Netflix anunciou que estava premiando uma equipe
internacional de pesquisadores e craques da computação com o valor de 1
milhão de dólares pelo aperfeiçoamento de 10,06% da habilidade da linha
de locação de filmes online da empresa de prever que filmes seus usuários
irão gostar, com base na cotação que eles fizeram de outros títulos.
Os vencedores, que superaram dezenas de milhares de outras equipes de
mais de 180 países, levaram quase 36 meses para chegar ao limiar de 10%,
enquanto trabalhavam para realizar os avanços tecnológicos no campo de
previsão de predileção. Ao motivar os cientistas a uma disputa com um
conjunto de dados de 100 milhões de cotações, a Netflix pode ter estimulado
avanços nas modelagens de grande escala, o que poderá ter um impacto
muito vasto.

Alcançando resultados concretos

Mas foram três princípios administrativos básicos abraçados pela Netflix,


ao estabelecer o concurso, que teriam recebido um sinal positivo de
Drucker.
O primeiro é que, por sua própria natureza, uma competição como essa
tem tudo a ver com o alcance de resultados, não meramente a criação de uma
atividade bem intencionada. E, no fim, isso é a coisa mais importante que
qualquer instituição pode fazer. “Prover conhecimento para descobrir a
melhor forma de aplicação do conhecimento existente a fim de produzir
resultados é, de fato, o que nós chamamos de administração”, disse Drucker.
O segundo princípio enfatizado pelo prêmio da Netflix é que, para serem
bem-sucedidas, as empresas precisam de um empenho constante em ganhar
uma visão mais profunda dos anseios de seus clientes. É claro que
praticamente toda empresa diz fazer isso. Mas relativamente poucas
abordam o tema com a disciplina exigida – um dos motivos pelos quais
muitas instituições perdem metade de seus clientes em até cinco anos.
“Aquilo que as pessoas da empresa acham saber sobre o cliente e o
mercado tende mais a estar errado do que certo”, Drucker escreveu em seu
livro Managing for Results. “Somente perguntando ao cliente, observando-o
e tentando entender seu comportamento é que se pode descobrir quem ele é,
o que faz, como compra, como usa o que compra, o que espera, o que
valoriza e assim por diante.”

Saindo para obter informação

Drucker receava que computadores não fossem incrivelmente bons para essa
função. A informação que eles emitem “tende a focar muito nas informações
internas”, explicou ele, “e não nas fontes externas e no que os clientes
contam”. Enquanto a Netflix, a Amazon, o Google e outros deram grandes
passos ao longo da última década para entrar na cabeça do consumidor, a
maior parte das empresas com lojas de rua precisam descobrir como utilizar
suas redes de tecnologia da informação para um propósito semelhante.
Pois, independentemente de ter ou não seu negócio online, a máxima de
Drucker se mantém verdadeira: “É lá que estão os resultados. Dentro de uma
instituição, estão somente os centros de custos.” O que nos leva ao terceiro
princípio apresentado pela Netflix: Uma disposição audaciosa de se abrir,
de maneira geral, ao lado de fora.
Isso parece bem mais fácil do que é. Afinal, “é o lado interno da empresa
o mais visível ao executivo”, observou Drucker. “É o lado interno que é
instantâneo pra ele. Seus relacionamentos e contatos, seus problemas e
desafios, suas turbulências e fofocas chegam até ele, tocam-lhe. A menos que
ele faça um esforço especial para ganhar acesso direto à realidade externa,
ele se tornará cada vez mais focado no interior.”
Ganhando tração

Ainda assim, cada vez mais, algumas das empresas de melhor desempenho
estão caindo no que Drucker chamava de “tendência degenerativa”. IBM,
Hewlett-Packard, Procter & Gamble e outras estão engajadas em pesquisas
de colaboração e inovação aberta. Conforme descreveu Scott Cook,
cofundador da Intuit, a empresa está delineando caminhos para que os
clientes, funcionários, prospectos de venda e até aqueles que não têm
qualquer vínculo com a empresa “doem seu tempo, energia e expertise para
facilitar a vida de nossos clientes”. Um exemplo: uma “comunidade de
perguntas e respostas”, que está inserida no produto de software TurboTax
da Intuit, que oferece aos usuários um fórum para descobrir e compartilhar
informações uns com os outros.
Enquanto isso, o modelo de prêmio também está ganhando tração na arena
corporativa, assim como o setor social. A X Prize Foundation, por exemplo,
está prometendo recompensas de oito dígitos para aqueles que conseguirem
dar grandes saltos na exploração de espaços particulares, genomas e
veículos de energia alternativa. E sites como o InnoCentive permitem que as
empresas postem desafios em desenvolvimento de produtos, ou ciência
aplicada, depois organizem para que gente de fora dispute o dinheiro, ou
outros deleites, enquanto tentam solucioná-los. A Netflix, por sua vez, já está
abanando outro prêmio monetário para os que conseguirem criar um
algoritmo que utilize informações demográficas e históricos de locação para
prever o gosto dos usuários que não tenham avaliado filme algum.
Mas o que todo gestor precisa manter em mente é que você não precisa
promover um concurso para espelhar o compromisso que a Netflix possui na
obtenção de resultados, mas precisa ter atenção com o cliente e avidez para
ir além dos próprios muros para descobrir e cultivar o melhor raciocínio de
qualquer lugar.
Fazendo essas coisas todo santo dia, seu negócio será um verdadeiro
vencedor.
2 de outubro de 2009
Tirando a Toyota da marcha a ré

S hoichiro Toyoda, presidente honorário da Toyota Motor, uma vez relatou


uma conversa entre dois educadores japoneses – Atsuo Ueda, especialista
nas práticas administrativas de Peter Drucker, e Masatomo Tanaka, que era
responsável pelo ensino do alardeado sistema de produção do fabricante
automotivo.
“A Toyota”, observou Ueda, “opera exatamente da forma que Drucker-san
disse que uma companhia deveria operar”.
Tanaka confirmou: “Sim, quando temos problemas explicando o que
estamos fazendo, geralmente encontramos uma boa explicação em algum de
seus livros.”
Claro que nunca houve uma época mais crucial para que a Toyota
regressasse aos livros. A companhia recentemente fez um recall de 3,8
milhões de carros e caminhonetes, enquanto os reguladores investigam
centenas de reclamações quanto aos veículos serem propensos à aceleração
por conta própria. Ao mesmo tempo, as finanças da Toyota entraram em
marcha a ré: em maio, a companhia relatou um déficit de 4,3 bilhões de
dólares no ano fiscal – sua primeira perda líquida desde 1950. E, com o
esplendor da Toyota se apagando, os consumidores parecem estar voltando
sua atenção para outras direções.
Algumas semanas atrás, a Strategic Vision, empresa de consultoria de San
Diego, lançou seu Total Value Index (Anuário de Índice de Valor Total),
baseado nas informações obtidas de 48 mil compradores de carros que
adquiriram os modelos 2009, provendo dados sobre preços, economia
esperada com combustível, inovação e outros fatores. Pela primeira vez,
desde que o índice foi lançado em 1995, a Toyota não teve um único item
vencedor dentro das 23 categorias que variam de veículos de pequeno porte
até picapes de grande resistência. Em vez disso, a lista foi dominada pela
Ford, Volkswagen e Honda.

Reviravolta a caminho
As dificuldades da Toyota não são novas. Há dois anos, esta coluna abordou
os problemas que se avolumavam na companhia e sugeriu que os executivos
fossem cautelosos em diminuírem a pressa de se tornarem o maior fabricante
automotivo mundial.
Mas agora não é hora de mais acúmulo. Algumas pessoas se deleitam em
atacar a Toyota, quase na mesma intensidade que dilaceraram Tiger Woods.
(Um blogueiro postou na web uma música chamada “My Toyota”, cantada
com a mesma melodia do antigo sucesso do The Knack, “My Sharona”: Você
vai parar? / Está correndo muito / que passeio assustador, sempre
acelerando.)
Melhor e mais instrutivo é focar na forma como o presidente da Toyota,
Akio Toyoda, filho de Shoichiro, e sua equipe estão tentando arquitetar uma
reviravolta. Não surpreende vermos alguns pensamentos semelhantes aos de
Drucker na abordagem deles.
No último outubro, Akio falou à imprensa, em Tóquio. O que chamou mais
atenção foram suas afirmativas de que a Toyota estava à beira da
“irrelevância ou morte” e “buscava alcançar a salvação” – uma
demonstração pública de penitência extraordinária, mesmo pelos padrões
japoneses.

Paixão enfraquecida

Porém, creio que Drucker teria focado o comentário menos hiperbólico que
Toyoda fez quanto aos consumidores estarem demonstrando uma falta de
entusiasmo com os produtos da empresa, mesmo em seu mercado doméstico.
“Eles dizem que os jovens estão se afastando dos carros”, disse Toyoda.
“Mas certamente fomos nós, os fabricantes automotivos, que abandonamos
nossa paixão pelos carros.”
Para combater isso, Toyoda – um “louco por carros” assumido, que foi
qualificado para correr profissionalmente – tem empurrado sua companhia
para oferecer mais automóveis que sejam “divertidos e empolgantes de
dirigir”. Isso pode soar como pura frivolidade. Mas, para a Toyota, que há
muito fez da qualidade e confiabilidade suas únicas marcas registradas, isso
não é nada menos que uma mudança no que Drucker denominava “a teoria do
negócio”.
“Todo negócio, na verdade, toda instituição, funciona baseada numa
determinada teoria, ou seja, num conjunto de suposições concernentes ao
ambiente externo (clientes, mercados, canais de distribuição, concorrentes) e
um conjunto de suposições abrangendo o ambiente interno (competências
essenciais, tecnologia, produtos, processos)”, escreveu Drucker. “Essas
suposições geralmente são encaradas como as Escrituras Sagradas pela
empresa e seus executivos. Nelas, se baseiam suas decisões, ações e
comportamento. Quanto mais tempo funciona essa teoria de negócio, mais
ela permeia a empresa.

Uma nova teoria de negócio

“Porém, como diz um antigo provérbio: ‘Os deuses concedem 40 anos de


sucesso àqueles que querem destruir’”, acrescentou Drucker. “Pois uma
teoria de negócio não é uma lei da natureza. Ela acaba se tornando
inadequada às realidades do mercado e à tecnologia. Então, as companhias
há muito bem-sucedidas – principalmente as grandes – começam a
deteriorar. Elas perdem seus alicerces. E a única coisa que pode efetuar a
reviravolta é repensar e reformular a teoria de negócio adotada pela
empresa e o reposicionamento do negócio sob um conjunto de novas
suposições.”
Esse reposicionamento, segundo Drucker, sempre começa com algumas
perguntas básicas: Quem são os clientes da empresa, e os não clientes, e o
que eles valorizam? O que outros participantes do mercado estão fazendo, ou
não? Que suposições eles estão assumindo?
No caso da Toyota, o Índice de Valor Total fornece algumas respostas e
sugere que a empresa está no caminho certo com sua ênfase em “divertido e
empolgante”. O mercado automotivo, segundo a Strategic Vision, está
passando por uma “revolução das percepções do comprador” – com um
número cada vez maior de fabricantes aprimorando enormemente a
qualidade de seus carros ao longo dos anos – inspirados, em parte, pela
tradicional excelência que a Toyota possui na área. E isso significa que a
Toyota vai precisar se diferenciar de outras formas.
Mais encantos?

Em primeiro lugar, a Toyota precisa superar seus problemas na linha de


produção. Se ela não recuperar a própria reputação de alta qualidade, nada
mais importará. Porém, além disso, ela precisa dar algo mais aos clientes:
uma pitada de deslumbre, com durabilidade e confiança.
“O Professor Drucker há muito acreditava no progresso permanente”,
explicou Shoichiro Toyoda. “Quando perguntado qual de seus livros era o
melhor, ele respondia ‘O próximo’.” Igualmente, ele disse, a Toyota “é
sempre melhor hoje do que foi ontem e amanhã será melhor ainda”.
Não tenho certeza quanto a hoje. Mas se a empresa conseguir ajustar a
teoria de seu negócio, ela pode estar certa quanto ao amanhã.
18 de dezembro de 2009
Uma lição de métricas de desempenho

S emana passada, ao evocar grandes mudanças no sistema de avaliação


dos professores do ensino público, Randi Weingarten, presidente da
American Federation of Teachers (Federação Americana de Magistério)
enfatizou que seu sindicato havia desenvolvido seu plano em conjunto com
algumas das maiores autoridades do país na área, incluindo os
pesquisadores de Harvard, Susan Moore Johnson e Thomas Kane. Mas, em
suas afirmações ousadas, foi difícil deixar de sentir o espírito de outro
educador de longa data: Peter Drucker.
Durante anos, Drucker alertou que numa economia de conhecimento não
havia escolha exceto dar os passos que Weingarten agora recomenda para a
avaliação qualitativa do ensino em sala de aula e, quando necessário,
remover maus professores.
“As escolas estão se tornando importantes demais para que se ignore sua
responsabilidade – de pensar atentamente em quais devem ser seus
resultados, assim como seu desempenho no intento de obter esses
resultados”, Drucker escreveu em 1993, em seu livro Post-Capitalist
Society. “Para garantir, sistemas escolares distintos darão respostas
diferentes a essas perguntas. Mas todo sistema escolar e toda escola, em
breve, serão solicitados a respondê-las e a encará-las com seriedade.”
No entanto, Drucker teria apreciado outra verdade no discurso de
Weingarten, no National Press Club: a complexidade inerente na elaboração
de uma estrutura de avaliação justa e focada nas coisas certas.
De fato, pode-se interpretar a pressão de Weingarten em fazer “bom” uso
de “informações boas e significativas” como um imperativo, não apenas para
nossas escolas enfermas, mas também para qualquer empreendimento. A
verdade é que, independentemente do setor, de forma relativa poucas
instituições definem e avaliam bem as estatísticas de seus resultados.

“Uma ferramenta de controle”


Para começar, um número excessivo de empresas, organizações sem fins
lucrativos e agências públicas deixa de olhar as avaliações métricas como
um recurso que os funcionários devem utilizar para melhorar seu
desempenho. Em vez disso, o chefe os maneja de modo a criticar e penalizar.
“Enquanto as medições forem usadas abusivamente, como ferramenta de
controle”, disse Drucker, “a área de avaliação estatística será a mais fraca”
para os gestores.
Até mesmo encontrar o conjunto certo de medidas é algo capcioso. Em
Management: Tasks, Responsabilities, Practices, clássico de 1973, Drucker
indicou que muitos negócios usam o retorno anual no investimento como
chave determinante para julgar o sucesso. Em seguida, ele prossegue
contando uma história de uma empresa química que fracassou em
desenvolver um produto muito esperado, durante três anos. Quando
pressionado a dizer o motivo de um atraso tão grande, o executivo
encarregado confessou: “Todo o meu grupo administrativo obtém sua renda
principal de um bônus vinculado ao retorno no investimento. O novo produto
é o futuro desse negócio. Mas pelo período de cinco a oito anos, haverá
somente investimento sem retorno. Eu sei que estamos com três anos de
atraso. Mas você realmente espera que eu tire o pão da boca dos meus
associados mais próximos?”
Hoje, os professores são tipicamente avaliados quando um administrador
faz uma visitinha anual ordinária à sala de aula – um método que esclarece
pouca coisa do que está realmente acontecendo no dia a dia e possibilita
uma pontuação alta a um número excessivo de educadores medíocres. Em
seu discurso, Weingarten defendeu uma abordagem mais abrangente:
observações em sala de aula, autoavaliações, estimativas de planos
didáticos, revisões de portfólios, análises rigorosas dos trabalhos de alunos
e pontuação de testes que demonstrem um crescimento real ao longo do ano.

Cumprindo a missão

Drucker sem dúvida ficaria impressionado com o instinto de Weingarten de


coletar dados quantitativos, assim como qualitativos. “Esses dois tipos de
medidas estão entremeados – e esclarecem um ao outro”, ele escreveu.
Mas também há um perigo ali. Muitos executivos ficam tão envolvidos em
contar isso e analisar aquilo que – frequentemente checando sofisticados
sistemas de T.I. para captarem uma gama de números e outros indicadores –
se esquecem de que qualquer medição é, na melhor hipótese, insignificante e,
na pior, contraproducente, se não for feita para auxiliar a instituição a
cumprir sua missão.
É claro que nessa percepção está implícito que a instituição possui uma
missão claramente articulada que abraça inteiramente – o que Drucker
descrevia como seu “propósito e razão de ser”. Muitas não o fazem.
“Encontrar o sistema métrico correto tem muito menos a ver com
tecnologia do que com a cultura da empresa”, diz Howard Dresner, consultor
estratégico. “A questão é: que tipo de sistema de avaliação é o correto para
reforçar o comportamento correto?”

Professores ensinando aos gestores

Em seu livro The Performance Management Revolution, Dresner compara


os dados que a maioria das empresas gera ao conteúdo que surge no placar
de pontuação de um jogo esportivo: “Não diz nada aos espectadores quanto
à jogada que levou os times a chegarem àquele placar. Não fornece qualquer
informação ao técnico do time que está perdendo que possa ajudar a
alcançar e passar seu adversário. Não diz aos jogares individuais o que eles
podem fazer para jogar melhor no restante do jogo.” O que falta é o contexto.
Weingarten está prevendo um processo de avaliação que não perde a
perspectiva do cenário geral. “Nós propomos revisões rigorosas feitas por
especialistas treinados, avaliadores e diretores baseadas em padrões
profissionais de ensino, nas melhores práticas e nas realizações dos alunos”,
disse ela. “O objetivo é erguer escolas e sistemas inteiros: ajudar
professores promissores a melhorarem, viabilizar que bons professores se
tornem ótimos e identificar os professores que nem deveriam estar dentro de
uma sala de aula.”
Se Weingarten e o sindicato dos professores conseguirem alcançar seus
objetivos – e, devido à profundidade do desafio e das diretrizes envolvidas,
está longe de saber se conseguirão – eles não farão nada menos do que
erguer a sorte de milhões e milhões de jovens. Nada poderia ser mais crucial
para a saúde da sociedade. Mas também haveria um benefício bem bonito
nisso tudo: ao avaliar os resultados com tanta habilidade, os professores
dariam uma grande lição aos gestores de toda parte.
22 de janeiro de 2010
Fonte interna e fonte externa –
a combinação certa

R econhecidamente, não é Cooperstown. Porém, aproximadamente um ano


atrás, Peter Drucker recebeu uma grande homenagem póstuma, quando foi
incluído no Outsourcing Hall of Fame – reconhecimento por ter ajudado a
inflamar a área, com seu artigo “Sell the Mailroom” (“Vendam a
expedição”).
No entanto, desde então, tem sido difícil não notar que o outro lado da
equação – as atividades delegadas internamente – parece estar ganhando
atenção renovada. E Drucker, apesar de sua nomeação para o Hall da Fama,
teria sido o primeiro a elogiar a mudança.
“Em algumas áreas, nós terceirizamos excessivamente”, reconheceu
Jeffrey Immelt, presidente da General Electric, durante um discurso, no
último verão, quando ele anunciou planos para abrir um novo centro de
pesquisas de produção na periferia de Detroit, que irá gerar mais de 1.000
empregos. Logo depois que Immelt fez suas observações, a Boeing adquiriu
uma fábrica de um de seus antigos fornecedores da Carolina do Sul, a Vought
Aircraft Industries. Trazer as instalações para “dentro da empresa”, segundo
a Boeing, ajudaria a “acelerar a produtividade e a eficiência” em seu
tumultuado programa de jatos 787 Dreamliner.

Um chip interno

Enquanto isso, o recente exemplo mais chamativo de fazer as coisas sob o


próprio teto veio na semana passada, quando a Apple revelou seu
computador tablet iPad touch-screen. O que muitos analistas rapidamente
captaram foi que a Apple havia desenhado o circuito interno do dispositivo,
um semicondutor chamado A4, em lugar de recorrer a um fornecedor de
chips como a Intel. Durante a apresentação do produto, Steve Jobs,
presidente da Apple, chegou a exultar sobre o “silicone customizado” da
empresa.
Notoriamente de poucas palavras, a Apple não disse muito mais sobre o
A4, e as críticas sobre a tecnologia foram variadas. Mas a companhia
claramente acredita que ter seu próprio chip dá uma margem – um equilíbrio
otimizado entre a duração da bateria e a velocidade, talvez – que lhe
permitirá, segundo as palavras de Drucker, “gerar um cliente”.
Drucker escreveu que “liderança”, em qualquer setor, “se baseia na
capacidade de fazer algo que os outros não conseguem ou acham difícil de
fazer mesmo mal feito. Ela repousa nas competências essenciais que
mesclam o mercado com o valor do cliente a uma habilidade especial” que o
negócio possui.

Possibilidades de avanço

Segundo a visão de Drucker, as únicas áreas em que uma empresa deve


aplicar recursos externos são aquelas onde ela demonstra não possuir
“habilidades especiais”. E, nesses casos, não deve hesitar nem um pouco em
terceirizar. Drucker achava que fazia um bom sentido econômico e também
considerava a contratação externa uma importante inovação social –
principalmente para os fornecedores de serviços que estão ansiando
encontrar caminhos de progresso.
Se “o pessoal de escritório e apoio” ficar encarregado de um fornecedor
externo, “isso pode oferecer oportunidades, respeito e visibilidade”,
Drucker explicou numa matéria publicada no The Wall Street Journal, em
1989. “Como funcionários de uma faculdade, os gerentes de um refeitório
estudantil jamais serão algo além de subordinados. Numa empresa
independente de bufê, eles podem chegar à vice-presidência responsável
pela alimentação de alunos em dúzias de instituições de ensino; podem até se
tornar os presidentes de suas empresas. Se tiverem um problema, há uma
pessoa com conhecimento em sua própria empresa a quem pedir ajuda. Se
eles descobrirem como desempenhar melhor a função, ou como melhorar o
equipamento, serão bem-vindos e ouvidos.”
Drucker, particularmente, não recorria à terceirização apenas para o
trabalho enfadonho. Ele sugeria que o trabalho com conhecimento – como
aquele desempenhado por um especialista em controle de qualidade – era
indicado para o mesmo tratamento. Resumindo, “você deve terceirizar tudo
que não dispõe de uma carreira que conduza à gerência”, recomendou
Drucker.

Não apenas para cortar custos

Porém, por mais interessado que fosse no conceito, Drucker reconhecia que
terceirizar não deixava de ter suas ciladas. Mais sério que tudo, ele alertou,
eram as “repercussões sociais significativas” que resultariam “se um grande
número de pessoas deixasse de trabalhar para a instituição onde, de fato,
trabalhavam”.
Além disso, Drucker previa perigos para a companhia em si. É claro que
muitas instituições se tornam um tanto sofisticadas no gerenciamento de seus
fornecedores. Mas muitos outros ainda veem a terceirização como um
instrumento basicamente para corte de custos – uma perspectiva limitada que
Drucker chamava de “ilusão”.
Drucker dizia que o verdadeiro objetivo de uma empresa é ressaltar sua
efetividade, não tentar baixar os custos. (Ele sustentava que uma ação
terceirizada bem executada pode até aumentar os custos.)
Com essa finalidade, acrescentou ele, a pergunta predominante para os
executivos é: “Aonde pertencem essas atividades?” Do lado de dentro dos
muros da empresa? Ou fora de suas portas? Ou devem ser reorganizadas
como parte de uma ação conjunta, ou algum outro tipo de aliança?
A resposta nem sempre é tão óbvia. Para ilustrar esse ponto, Drucker citou
um alto fabricante de bens de consumo. Por um tempo, a companhia presumiu
que quanto mais produzia, melhor. Porém, com uma análise mais minuciosa,
ela decidiu terceirizar sua montagem final a uma série de fornecedores. Ao
mesmo tempo, Drucker contou, a empresa passou a ter mais controle sobre
outros aspectos de suas operações, delegando combinações básicas
internamente, para alcançar uma qualidade mais alta.
A lição em tudo isso: estrutura deve seguir estratégia. Ou, como a Apple
demonstrou, a última coisa que você quer fazer é terceirizar somente porque
isso vai lhe poupar um dinheirinho a curto prazo – para depois deixar os
chips caírem onde quiserem.
5 de fevereiro de 2010
O desafio administrativo da Toyota

P ara espanto do coro crescente de críticas, essa semana, a Toyota Motor


continuou a insistir que o controle eletrônico de seu acelerador não é
responsável pela aceleração não-intencionada em seus carros. Mas o que a
empresa imediatamente admitiu – e o que Peter Drucker certamente teria
visto como a chave de seu esperado ressurgimento – é que precisa ter um
controle melhor de outro sistema: o sistema usado pela empresa inteira para
administrar a confiabilidade de seus produtos.
“Estamos basicamente revisando o processo de garantia de qualidade da
Toyota desde o planejamento e design do veículo até a produção, as vendas
e serviços”, Shinichi Sasaki, vice-presidente executivo, disse a um comitê
do Senado.
Em decorrência do prazer que alguns legisladores e canais de notícias
parecem ter com a queda da Toyota, seria fácil descartar os comentários de
Sasaki como uma retórica vaga ou negligenciá-los de vez. Ao mesmo tempo,
a Toyota não fez nenhum favor a si mesma, por conta de alguns de seus
comportamentos. A apresentação agora infame sobre “vitórias da segurança”
feita pela empresa – na qual se gabava por ter economizado 100 milhões de
dólares por ter evitado um recall de 50 mil Sedans – só ajudou a inflamar a
postura de chicotadas adotada por muitos.
No entanto, os passos que Sasaka descreveu – e que teriam sido ecoados
por outros, incluindo o presidente da Toyota, Akio Toyoda – não têm nada de
vago ou trivial. Pois eles vão ao X da questão que Drucker achou que toda
empresa precisa abordar de forma rigorosa: que conjunto de “controles”
proverá o “controle” máximo?
“Os sinônimos de controle são medição e informação”, Drucker escreveu
em seu livro Management: Tasks, Responsabilities, Practices, de 1973. “O
sinônimo de controle é direção... Controles lidam com fatos, ou seja, com
eventos do passado. Controle lida com expectativas, ou seja, com o futuro.
Controles são analíticos, relativos ao que era e é. Controle é normativo e diz
respeito ao que deve ser.”
Controle gerencial

Drucker explicou que, para conceder um controle apropriado a um gestor, os


controles precisam satisfazer um número de critérios, incluindo vários que a
Toyota parece estar focando. Por exemplo, a companhia se comprometeu a
aumentar sua coleta de reclamações de consumidores e depois respondê-las
com maior rapidez do que no passado, organizando batalhões de equipes
técnicas. Ela também prometeu dar aos seus executivos nos EUA, e em
outras regiões ao redor do globo, mais autonomia nas decisões relativas à
segurança. Até agora, tal autoridade residia amplamente no Japão.
Drucker, tendo enfatizado a necessidade de “controles oportunos”, sem
dúvida teria favorecido essas ações. Mas o que talvez seja mais crucial aqui
é a forma como a Toyota está se posicionando para atender outra
especificação dele: “Controles”, Drucker escreveu, “precisam ser
operacionais. Eles têm de ser focados na ação”.
Drucker acrescentou que, num contexto diário, “isso significa que
controles – sejam relatórios, estudos ou números – precisam sempre
alcançar a pessoa capaz de falar sobre a ação controladora. Se eles devem
chegar a outras pessoas, principalmente num escalão mais alto, já é
questionável. Mas seu destinatário primordial é o gestor ou profissional que
possa tomar uma atitude por conta de seu posicionamento em relação ao
fluxo de trabalho... Isso também significa que a medição tem que ser
compatível com o receptor e especificamente moldada para suas
necessidades”.

Mais do que simples rastreamento de dados

E também tem mais. “Controles”, escreveu Drucker, “têm de ser apropriados


às características e natureza do fenômeno medido”. Em outras palavras, é
bem possível rastrear dados sobre qualidade e segurança – e deixar escapar
inteiramente “a verdadeira estrutura da ocorrência”, segundo Drucker
colocou.
A Toyota, por sua vez, parece ciente desse perigo. Em lugar de apenas
prestar atenção às “considerações técnicas e regulatórias”, mais adiante,
Sasaki disse “nós precisamos fazer mais para considerar as expectativas dos
clientes e o uso de nossos veículos no mundo real, mesmo o uso irregular”.
Outro insight de Drucker: “O controle é um princípio da economia.
Quanto menos esforço for preciso para obter controle, melhor será o design
controlador”. Calcula-se que a Toyota tivesse exatamente isso em mente
quando se comprometeu com o Congresso a ir além do uso dos Gravadores
de Dados de Ocorrências – as chamadas caixas-pretas – e “melhorar nossas
ferramentas de diagnóstico automotivo”.
Finalmente, surgiu a promessa feita por Akio Toyoda de fazer com que os
diretores seniores dirijam aqueles carros que tiveram problemas. “Acredito
que somente examinando os problemas ao vivo é que se pode tomar decisões
sob a perspectiva do cliente”, disse ele. “Não dá pra confiar somente nos
relatórios e dados dentro de uma sala de reunião.”
Esses sentimentos falam diretamente à grande preocupação que Drucker
tinha quanto aos controles: a tendência que eles têm de se voltarem para
dentro. “O problema central do executivo da grande instituição é seu
insulamento do lado externo”, disse Drucker. “Isso se aplica ao presidente
dos Estados Unidos, assim como ao presidente do Aço dos Estados Unidos.
Dessa forma, o que a instituição atual precisa é de órgãos de senso sintético
para o lado de fora.”

Estabelecendo valores

Em seu testemunho em Capital Hill, e outros relatos recentes, Toyoda


reconheceu que sua companhia se tornou preocupada com a métrica
precisamente errada: parcela de mercado e lucratividade de curto prazo. Ao
ressaltar seus controles ao redor da segurança e confiabilidade, o fabricante
automotivo está emitindo uma mensagem poderosa a todos os seus
funcionários sobre o que realmente importa.
Drucker, cujos ensinamentos tiveram grande influência na Toyota, notou
que o mero ato de medir algo “não é objetivo nem neutro”. Pois,
“independentemente do quanto sejamos ‘científicos’”, escreveu ele, “o fato
de que esse ou aquele conjunto de fenômenos seja escolhido como sinais de
controle é considerado importante”. Dessa forma, Drucker concluiu,
controles em qualquer empresa são “delimitadores de metas e valores”.
No final das contas, isso é o mais importante na revisão que a Toyota está
realizando: ela reconhece que a recuperação do controle dos pedais de freio
e acelerador da empresa não pode ser alcançada sem também recuperar o
controle de seus valores.
5 de março de 2010
Peter Drucker e os suicídios de Hon Hai

J amais saberemos, realmente, o motivo pelo qual 10 trabalhadores da


planta industrial da Hon Hai Precision, na China, cometeram o suicídio, esse
ano, e mais três tentaram se matar. No entanto, essa atitude é um duro
lembrete para os gestores de toda parte: a coisa mais complicada com a qual
você terá de lidar não é algum sistema de T.I., nem um modelo financeiro
complexo, mas as pessoas que você precisa conduzir e inspirar diariamente.
Trabalho é “impessoal e objetivo”, Peter Drucker escreveu em seu
clássico Management: Tasks, Responsabilities, Practices, de 1973. “Mas o
trabalho é realizado por um ser humano... Como diz o velho clichê das
relações humanas, ‘Não se pode contratar uma mão; o corpo inteiro sempre
vem junto’.”
Por conta disso, Drucker acreditava que o trabalho tem cinco dimensões
específicas, cada uma delas reconhece que aquilo que fazemos no trabalho é
“uma parte essencial” de nossa humanidade.
Primeiro, há uma dimensão fisiológica. “Quando confinado a um
movimento ou ação, o ser humano cansa rapidamente”, frisou Drucker. Além
disso, acrescentou ele, as pessoas atuam melhor se têm a possibilidade de
variar “tanto a velocidade quanto o ritmo com razoável frequência” ao
cumprir determinada tarefa. “Aquilo que é uma boa engenharia industrial
para o trabalho”, concluiu ele, “é uma engenharia extremamente ineficiente
para o trabalhador”.
Na China, alguns ativistas trabalhadores sustentam que os turnos na Hon
Hai, também conhecida como Foxconn, são longos demais; o trabalho é
extremamente repetitivo; e a linha de montagem, que expede produtos para a
Apple, HP e outros é excessivamente veloz. A empresa, baseada em Taiwan,
nega essas acusações. Mas não há como contornar o fato de que ao redor do
mundo inteiro, incluindo nos EUA, Japão e Coreia do Sul, um grande grupo
de pesquisa descobriu que muitas pessoas trabalham extenuadas e o
resultado é o declínio da saúde física.
Os trabalhadores com conhecimento
também estão sofrendo

Esse problema não está restrito aos empregos nas fábricas; os trabalhadores
com conhecimento estão igualmente sofrendo. No fim do mês passado, um
executivo sênior do Bank of New York Mellon, em Londres, processou a
firma, entre outras coisas, pela alegação do volume excessivo de trabalho.
Ele havia anteriormente reclamado com seu empregador, afirmando,
“estamos todos trabalhando com uma dificuldade insuportável”.
A segunda dimensão de uma pessoa no trabalho é psicológica. “O trabalho
é uma extensão da personalidade”, escreveu Drucker. “É uma realização. É
uma das formas que a pessoa tem de definir a si mesma.”
De forma reveladora, talvez, um trabalhador da Hon Hai, de 19 anos, que
saltou de uma janela do quinto andar de um centro de treinamento para a
morte na semana passada deixou um bilhete dizendo que havia “perdido a
confiança” no futuro e estava convencido de que aquilo que um dia havia
esperado realizar no trabalho “estava muito além do que podia ser
alcançado”.
Embora a reação desse jovem tenha sido obviamente extrema, a
dificuldade de encontrar significado e realização no emprego não é tão
incomum. No começo deste ano, o Conference Board relatou que somente
45% dos americanos entrevistados estão felizes com seus empregos, bem
menos que os 67% em 1987 – um deslize a longo prazo que a empresa de
pesquisa disse ser “um alerta para os empregadores”.
A terceira dimensão de trabalho, segundo Drucker, é a viabilização de um
senso comunitário. Ele escreveu que, mesmo nos casos em que as pessoas
tenham atividades externas, o local de trabalho é onde elas encontram muito
de seu “companheirismo” e “identificação coletiva”.
No caso da Hon Hai, alguns observadores mencionaram que a companhia
cresceu com tanta rapidez, com cerca de 400 mil trabalhadores em seu
extenso complexo de Longhua, que tem sido difícil estabelecer esses laços
sociais. Um boletim de notícias de Pequim citou um ex-funcionário dizendo:
a fábrica “é grande demais. Quando eu ia e voltava a pé para o trabalho... eu
me sentia terrivelmente solitário”.
Como fomentar o senso comunitário?

Por outro lado, aqueles funcionários com conhecimento também enfrentam


seus próprios desafios, já que as pessoas têm cada vez mais escolhas sobre
o local onde vivem e trabalham e com quem se relacionam. Para os
administradores, esse padrão leva a uma questão difícil: como se pode
fomentar uma comunidade de membros próximos numa era de mobilidade
profissional?
A quarta dimensão de trabalho de Drucker é um “alicerce de vida” da
“existência econômica” de uma pessoa. Nos EUA, os funcionários públicos
do Conference Board fizeram uma ligação direta entre a baixa satisfação que
uma pessoa tem em relação ao seu emprego e a dificuldade dupla pelo
salário estagnado e o alto custo com planos de saúde.
A China, onde a desigualdade de renda está aumentando, agora está
lidando com sua própria disputa econômica. A planta de transmissão da
Honda Motor, na província de Guangdong, retomou suas atividades normais
essa semana, depois que o fabricante automotivo ofereceu um aumento de
24% pelo término da greve. Também essa semana, a Hon Hai anunciou que
daria um aumento de 30% aos seus funcionários. A companhia enfatizou que
o aumento era uma resposta à falta de mão de obra, não aos suicídios, mas
um representante reconheceu que essa ação poderia levantar o moral.
A quinta e última dimensão, conforme Drucker explicou, é que “sempre há
um relacionamento de poder implícito quando se trabalha numa empresa”.
Afinal, em qualquer negócio, “as funções têm de ser elaboradas, estruturadas
e designadas. O trabalho precisa ser feito dentro da programação e numa
sequência pré-fixada. As pessoas são promovidas ou não”. O truque,
segundo Drucker, é equilibrar essa autoridade com a participação do
funcionário, para garantir que os trabalhadores recebam liberdade e
responsabilidade em proporção adequada.
Mas isso está longe de ser o único truque. De fato, a função mais
espinhosa de qualquer gestor é simultaneamente abordar todas essas coisas:
o fisiológico, o psicológico, o social, o econômico e a dimensão de poder
do trabalho. Drucker alertou que a interação entre tudo isso “pode ser muito
complexa para algum dia ser verdadeiramente compreendida”.
Ainda assim, os administradores devem tentar – com inteligência,
sensibilidade e a consciência constante de que, embora haja vida além do
trabalho, o trabalho é vida.
4 de junho de 2010
Uma estratégia administrativa ousada:
manter silêncio

H á algumas semanas, eu cheguei numa reunião, em Washington, ao


mesmo tempo que Kathy Cloninger, presidente da Girl Scouts, USA. Eu não
a via havia um tempo, então, abri os braços para dar-lhe um grande abraço.
“Que bom vê-lo”, disse ela, baixinho. Eu me esforcei para ouvir as
palavras. Obviamente, havia algo errado.
Cloninger tinha misteriosamente perdido a voz alguns meses antes. Por
alguma razão que seus médicos ainda não tinham descoberto, uma de suas
cordas vocais havia se paralisado. Por um tempo, ela não conseguia falar
mais que um sussurro. Uma injeção recente de medicação ajudara a elevar
ligeiramente sua voz, porém, mesmo esse pequeno alívio, segundo ela me
disse, seria apenas temporário.
Minha primeira reação foi dizer a Cloninger o quanto eu lamentava que
isso tivesse acontecido. Mas não demorou para que minha cabeça passasse
da empatia à curiosidade. Perguntei como era administrar uma instituição
com 10 mil empregados e mais de 3 milhões de membros e subitamente ter
tanta dificuldade em ser ouvida?
Como Cloninger descreveu, ela havia tirado três lições vitais de seu
calvário, e todas certamente seriam defendidas por Peter Drucker, que foi um
conselheiro muito próximo da Girl Scouts, chegando a ser homenageado com
um título de membro vitalício.

Uma compreensão mais ampla do estigma

O primeiro tem a ver com o cliente. Cloninger tem sido vastamente elogiada
por incentivar as meninas no movimento de escoteiras a demonstrar empatia
pelos outros e abraçar a diversidade. Seus esforços com a voz têm
proporcionado uma admiração ainda maior das jovens que se veem
marginalizadas da massa.
“Eu tenho pensado muito em nosso trabalho com as meninas que são
diferentes, de alguma maneira”, explica Cloninger. “Isso é o mais próximo
que cheguei de realmente entender como deve ser”, incluindo a forma
estigmatizada como algumas devem se sentir.
A mensagem para os gestores de toda parte: não há melhor forma de
conduzir uma pesquisa de clientes do que realmente experimentar o que o
cliente faz. No caso de Cloninger, embora a oportunidade tenha surgido do
infortúnio de uma doença, outros podem ser proativos quanto a isso. Drucker
apontou, por exemplo, que Gustav Mahler, maestro de orquestra do século
XIX, costumava solicitar aos seus músicos que sentassem na plateia para que
pudessem ouvir como soava a música na frente do palco. De forma
semelhante, Drucker disse: “Os melhores administradores hospitalares que
eu conheço se internam uma vez por ano como pacientes.”
A segunda lição de Cloninger refere-se a dar poder às pessoas. Por conta
de seu estado, ela precisou recorrer mais do que nunca aos seus colegas.
Isso fez com que ela descobrisse pontos fortes em alguns funcionários, que
nunca tinham tido a chance de brilhar.

Deixando que os subordinados recebam atenção

“Sempre me permiti ser a porta-voz da instituição”, conta Cloninger, que


supervisiona a Girl Scouts desde 2003. “Por ter uma boa articulação verbal,
realmente nunca dei uma chance aos outros” de assumirem esse papel.
Para Drucker, um dos ingredientes essenciais de uma liderança exemplar é
encontrar um meio de se afastar do foco de atenção, de modo a deixar vir à
tona o melhor dos outros. “Um líder eficaz quer associados eficazes; ele os
incentiva, impulsiona-os, realmente se glorifica por eles”, escreveu Drucker
em seu livro Managing for the Future, lançado em 1992. “Porque ele acaba
se colocando responsável pelos erros de seus associados e subordinados,
mas também vê como seus os triunfos que eles tiverem, não como ameaças.”
Além disso, Drucker acreditava que as empresas precisam dar aos
funcionários com conhecimento, em particular, cada vez mais
responsabilidade, se quiser em mantê-los satisfeitos e produtivos. Isso,
segundo ele, “terá de ser feito ao passá-los de subordinados a colegas
executivos, e de empregados a sócios”.
A terceira lição que Cloninger absorveu é sobre a importância de ouvir.
Ela sempre se orgulhou de ser uma excelente ouvinte. Mas suas
circunstâncias atuais – em que ela participa de conference calls digitando os
emails que são lidos em voz alta por outros membros de sua equipe –
fizeram com que Cloninger prestasse mais atenção. “Eu preciso ficar mais
atenta, para ouvir os espaços em que posso entrar na conversa de forma mais
eficiente”, diz ela. “O ouvido realmente precisa ficar apurado.”

Drucker: “Ouça primeiro e fale por último”

Acima de tudo, Cloninger agora percebe que seus longos períodos de


silêncio não têm problema algum. “Eu não serei menos valorizada por não
falar tanto”, conta ela. Acrescenta que, para ser um líder, “você não precisa
ter uma opinião a respeito de tudo”.
Drucker teria ficado satisfeito com esse insight. Um de seus conselhos
prediletos sobre administração – frequentemente citado por Frances
Hesselbein, a antiga presidente da Girl Scouts, que agora dirige o Leader to
Leader Institute, em Nova York – não poderia ser mais direto: “ouça
primeiro e fale por último.”
Desde a época em que encontrei Cloninger, sua voz já melhorou 60%.
Apesar disso, ela continua a dirigir a Girl Scouts de forma diferente do que
fazia antes. “Ainda recorro aos outros mais do que antes”, conta ela, “e estou
bem mais consciente quanto a dar uma chance aos outros em vez de me
antecipar e assumir a liderança”.
Aprender com a adversidade é legitimidade da grande liderança, e Kathy
Cloninger é uma grande líder. É uma qualidade que, mesmo quando ela está
em silêncio, transparece em alto e bom som.
6 de julho de 2010
A British Petroleum
precisava de uma andon cord

P eter Drucker, que se autodenominava “um ambientalista muito antigo”, já


nos anos 1970, certamente teria se sentido entristecido pela devastação
resultante da explosão de um duto de óleo submarino da Deepwater Horizon,
no Golfo do México. Mas acho que ele também ficaria angustiado pelos
danos causados aos seus princípios administrativos: a necessidade de
empregados que delegassem aos trabalhadores uma combinação saudável de
independência e responsabilidade.
Durante sua aparição mal-afamada em Capitol Hill, no mês passado, Tony
Hayward, da BP, garantiu aos legisladores que os próprios trabalhadores da
companhia inglesa de petróleo e os funcionários da empresa de escavação
Transocean têm “autoridade para ordenarem uma parada”, significando que
eles podem instantaneamente cessar uma operação de perfuração se algo
parecer incerto. O diretor geral explicou que uma vez que essa ordem é
dada, “isso exige que todos concordem em continuar. E se houver uma
pessoa que não concorde, então, eles não continuam”.
O motivo preciso do que causou o vazamento gigantesco ainda está sendo
determinado. Porém, durante os meses que transcorreram desde o primeiro
derramamento de óleo no Golfo, um fluxo contínuo de relatos da mídia e
descobertas oficiais deixaram claro que não faltou preocupação antes da
tragédia. Menos de uma semana antes da explosão, soube-se, por exemplo,
que um engenheiro da BP chamou a Deepwater Horizon de “fonte de
pesadelo”. A Halliburton, empresa subcontratada, alertou quanto ao
problema de fluxo “GRAVE” de combustível que poderia ocorrer. Outro
trabalhador disse que ergueu uma bandeira vermelha pelos vazamentos em
um dispositivo crucial, chamado previsor de explosão.
Tudo isso implora pela pergunta: Por que ninguém na escavadeira se
apresentou e emitiu a ordem para parar?
Trabalhadores da linha de produção sabem mais

De certa forma, uma ordem de parada é a expressão extrema de algo que


Drucker defendeu durante muitas décadas: delegar autoridade até o nível
mais baixo possível da instituição. Ele julgava isso particularmente vital
para o trabalhador com conhecimento (e administrar uma escavadeira de
petróleo, com seu leque de exigências técnicas, certamente se qualifica como
tal).
Em campos altamente especializados, disse Drucker, “cada trabalhador
deve saber mais sobre sua área específica do que qualquer outra pessoa na
empresa”. Por outro lado, deve ser esperado que ele ou ela “definam seu
próprio roteiro e assumam a responsabilidade por isso... O trabalho com
conhecimento exige tanto a autonomia quanto a prestação de contas”.
Durante anos, a Toyota fez propaganda de sua versão própria da ordem de
freio, através da qual todos os trabalhadores da fábrica automotiva têm
possibilidade de sinalizar pedindo ajuda e acabar parando a linha de
montagem ao puxar uma corda conhecida como a andon cord.
John Shook, que no começo da década de 1980 ajudou a Toyota a lançar
uma joint venture com a General Motors, sabe, de antemão, que esse
conceito incita grande ceticismo. “Alguns de nossos colegas da GM
questionaram a tentativa de instalar uma andon” no empreendimento, Shook
relembrou numa matéria que escreveu no começo desse ano para o MIT
Sloan Management Review. “Vocês pretendem dar a esses trabalhadores o
direito de interromperem a montagem?”, eles perguntaram. A Toyota
respondeu: “Não, nós pretendemos dar-lhes a obrigação de parar – sempre
que encontrarem um problema.”

Controle excessivo na cúpula

Claro que um sistema que para tudo não cura tudo, como a Toyota
dolorosamente descobriu. Mas é igualmente verdade que qualquer instituição
com excesso de controle concentrado no topo tende a falhar. Conforme
Drucker observou, “antigamente, o ‘chefe’ fazia uma proclamação ou emitia
uma ordem ‘aos meus trabalhadores’. Depois de 1900, ele passou a se
endereçar cada vez mais ‘aos nossos colegas funcionários’. No entanto, esse
é o objetivo”.
Então, se eles realmente tinham autoridade para interromper, por que
ninguém na perfuradora Deepwater Horizon interveio, antes que fosse tarde
demais? Com base nas provas que surgiram até agora, parece que algumas
pessoas talvez tenham tentado soar o alarme, porém, alguém de escalão mais
alto fez pouco caso. Em outros casos, parece que os trabalhadores da BP e
da Transocean se sentiram sob uma terrível pressão de economizar tempo e
dinheiro, apesar das alegações feitas pelas empresas quanto à segurança
sempre vir primeiro. Algumas pessoas até insinuaram que eles recearam
perder o emprego por fazer alarde – uma situação que Drucker teria
considerado especialmente perigosa.
Em qualquer negócio em que o fluxo de informação é “circular, de baixo
pra cima e descendo outra vez” é capaz de “decisões e respostas rápidas”,
escreveu Drucker em The Frontiers of Management, seu livro de 1986. Mas
“essas vantagens serão obtidas apenas se houver entendimento, valores
compartilhados e, acima de tudo, respeito mútuo... É preciso haver uma
linguagem comum, uma união essencial comum” por toda a instituição.
Além disso, Drucker alertou que qualquer companhia onde o “controle
financeiro seja a única linguagem está fadada a ruir, no tumulto da Torre de
Babel”.
Robert Dudley, programado para assumir a função de Hayward como
presidente da BP, tem uma agenda cheia: tranquilizar os reguladores,
restaurar a confiança dos investidores e, mais importante, limpar o Golfo.
Mas ele é inteligente e vai colocar outra tarefa no topo da lista: garantir aos
seus trabalhadores que eles tenham poder – e responsabilidade – de evitar
um desastre, antes que ele aconteça, não apenas no papel.
30 de julho de 2010
O quebra-cabeça da
privacidade do Facebook

E m seu livro The Facebook Effect: The Inside Story of the Company
That Is Connecting the World (O efeito Facebook: a história interna da
empresa que está conectando o mundo), David Kirkpatrick descreve quando
Mark Zuckerberg estava começando a montar seu negócio de rede social: ele
passava os finais de semana lendo os trabalhos de Peter Drucker. Agora,
parece um bom momento para que Zuckerberg se assegure de que ele e toda
a sua equipe recapitulem as lições de Drucker sobre o cliente.
Em particular, o pessoal do Facebook deveria levar em consideração os
conceitos de Drucker quanto a articular as necessidades dos clientes diretos
(no caso do Facebook, são 500 milhões de usuários com determinadas
expectativas ao que diz respeito à privacidade) e apoiar os clientes
(anunciantes da empresa que estão ávidos para terem acesso e explorar ao
máximo os dados do cliente).
“O cliente direto nunca é o único, e satisfazer um cliente sem satisfazer
outros significa não ter desempenho”, disse Drucker. “Fica muito tentador
dizer que há mais de um cliente direto, porém, empresas eficazes resistem a
essa tentação e mantêm o foco – que é o cliente direto”.

Criando uma comunidade

Em nível básico, o Facebook claramente calculou como dar aos seus clientes
diretos o que eles procuram: uma forma de compartilhar mensagens, fotos,
vídeos e outras informações com grupos de amigos. Realmente, o fato de que
a cada 13 pessoas do planeta, agora, 1 está no Facebook atesta o poder
surpreendente do produto.
É uma inovação de que Drucker teria gostado, apesar de ter sido
totalmente tímido com o computador. “As pessoas precisam de uma
comunidade”, Drucker escreveu em Post-Capitalist Society, livro de 1993.
“Precisam disso, em particular, nas cidades grandes, nos bairros
residenciais afastados, onde mais e mais de nós estamos morando. Já não se
pode contar com vizinhos que compartilham os mesmos interesses, as
mesmas ocupações, a mesma ignorância, e que moram juntos no mesmo
mundo. Mesmo que haja uma ligação próxima, não se pode contar com a
família.”
Ao mesmo tempo, o Facebook também parece ser satisfatório a outros
clientes – os marqueteiros, em busca de veicularem anúncios aos que estão
online. Semana passada, numa entrevista à Bloomberg, Sheryl Sandberg,
diretora de operações do Facebook, se gabou contando que alguns dos
maiores anunciantes da empresa de Palo Alto (Califórnia) gastaram dez
vezes mais que no ano passado.

Um choque com os anunciantes

Porém, cada vez mais, as necessidades desses dois campos – usuários (que
participam gratuitamente do Facebook) e anunciantes (que pagam as contas)
– parecem estar entrando em conflito. Chegar ao equilíbrio ideal pode ser
capcioso para todos os tipos de empreendimento. Um hospital, por exemplo,
precisa decidir “se o paciente ou o médico é o cliente principal”, frisou
Drucker. E as organizações não-governamentais habitualmente se deparam
com um punhado de interesses rivais de “clientes”: dos financiadores,
voluntários e das pessoas que atendem.
No Facebook, a tensão começou a aumentar. Em maio, o The Wall Street
Journal relatou que quando alguém clicava em um anúncio, os dados
estavam sendo compartilhados com o anunciante que poderia potencialmente
revelar o nome, idade, cidade natal e ocupação do usuário, dependendo da
quantidade de informação pública que a pessoa revelasse em seu perfil.
Depois que a história vazou, o Facebook disse que estava ajustando a
situação, enquanto sustentava que sua política era jamais compartilhar
informação do usuário sem o consentimento da pessoa.
Porém, de forma mais genérica, defensores da privacidade enxergam um
padrão preocupante no comportamento do Facebook. Kurt Opsahl, advogado
sênior da Electronic Frontier Foundation, rastreou a política de privacidade
do Facebook desde o início do site, em 2005. E sua análise mostra, sem
questionamento, que o Facebook tem se transformado de um espaço
relativamente seguro para se comunicar “com um grupo de sua escolha” em
uma plataforma onde passou a ser cada vez mais difícil não colocar os
preços de sua vida na vitrine. Opsahl diz que, ao longo do caminho, a
empresa tem “lenta e concretamente se servido – e aos parceiros de negócios
e anunciantes – de cada vez mais informação sobre seus usuários”.

“A coisa mais imbecil que poderíamos fazer”

Zuckerberg insiste que há um limite que ele não irá ultrapassar. “Nós não
vendemos informação alguma” aos anunciantes “e jamais o faremos”, ele
disse ao entrevistador, no começo desse ano. Em outro debate, Zuckerberg
declarou que vender dados de usuários aos anunciantes é “a coisa mais
imbecil que poderíamos fazer... as pessoas só continuarão ali enquanto
confiarem na gente”.
No entanto, Zuckerberg também insinuou que as pessoas estão mais à
vontade em serem transparentes e, em seu turno, terem sua experiência online
usada para marketing “personalizado”. Talvez ele esteja preparando algo, e
se ele teve esse insight honestamente, tateando e compreendendo os valores
de seus principais clientes, então, o Facebook deve certamente prosseguir
nessa direção.
“A pergunta: o que os clientes valorizam? – o que satisfaz suas
necessidades, anseios e aspiração – é tão complicada que só pode ser
respondida pelos próprios clientes”, Drucker escreveu. “A liderança não
deve nem tentar adivinhar as respostas, mas deve sempre abordar os clientes
numa busca solidária por essas respostas”.
Mas há razões para o ceticismo. O Índice de Satisfação do Cliente
Americano deu notas muito baixas ao Facebook, em parte, por conta das
“preocupações com privacidade, toda comercialização e propaganda afeta a
experiência do cliente de forma adversa”. Mesmo os jovens – supostamente
os exibicionistas da rede – estão “longe de serem indiferentes e
despreocupados quanto às questões de privacidade”, segundo um estudo
recente realizado por dois pesquisadores da Harvard’s Center for Internet &
Society.
Desconfio que o verdadeiro ímpeto de transformar o Facebook em algo
além de uma casa de vidro vem dos clientes patrocinadores de Zuckerberg,
que o incitam a trair seus clientes diretos. E isso é algo que Drucker não
teria “curtido” nem um pouquinho.
13 de agosto de 2010
As regras de aliança

A notícia da semana passada, quanto à Intel comprar a McAfee, fabricante


de programas de segurança, por 7,68 bilhões de dólares, causou alvoroço
desde o Vale do Silício até Wall Street. Mas outro negócio da Intel,
anunciado no começo deste mês, é o que teria chamado a atenção de
Drucker.
Nesse, a fabricante de chip de Santa Clara (Califórnia) disse estar
formando uma empresa em sociedade com a General Electric para atender
ao mercado de assistência de saúde – o tipo de acordo que Drucker
acreditava, até mais do que fusões e aquisições, que se tornaria, cada vez
mais, uma receita para “o crescimento e expansão do negócio”.
Drucker sustentava que tais parcerias são um veículo inteligente para
pequenas e médias empresas “se tornarem internacionais”. Quanto para
empresas maiores, ele acrescentou: “estas parcerias são as formas de elas se
tornarem multitecnológicas.” Contudo, criar uma aliança que irá durar a
longo prazo está longe de ser fácil.

Disputa pela criança

“Essas são todas ligações perigosas”, Drucker alertou em Managing for the
Future, seu livro de 1992. “Embora seu índice de fracasso nos primeiros
anos não seja mais alto que o dos novos empreendimentos ou aquisições,
elas tendem a ter problemas sérios – às vezes, fatais –, quando têm êxito.
Quando uma aliança é bem-sucedida, fica frequentemente visível que as
metas e objetivos dos sócios são incompatíveis. Cada sócio quer que a
‘criança’ se comporte de forma diferente agora que ‘está crescendo’...
Geralmente o que piora é a ausência de um mecanismo para resolver esses
desacordos. A essa altura, muitas vezes é tarde demais para recuperar a
saúde do negócio conjunto.”
O truque para fazer com que o casamento dê certo é seguir um punhado de
regras que Drucker descreveu. E, segundo se ouve, a Intel e a GE,
conscientemente ou não, estão seguindo esses princípios com atenção. (Isso
não é de surpreender; ambas as empresas têm Drucker no sangue. Ele deu
consultoria a Andy Grove, cofundador da Intel, e também auxiliou uma série
de diretores executivos da GE, começando nos anos 1950, com Ralph
Cordiner.)
As duas primeiras regras: “Antes da conclusão da aliança”, escreveu
Drucker, “todas as partes precisam repensar seus objetivos e os objetivos
‘da criança’”. Igualmente importante, disse ele “é antecipar o acordo quanto
à forma de administrar o empreendimento conjunto”.

Hormônios no comando

Esses conceitos podem parecer surpreendentemente simples. Mas há uma


tentação poderosa para duas empresas fortemente atraídas a apressarem as
coisas, como adolescentes com hormônios enfurecidos. “Você fica
impaciente. Quer tocar com o negócio. Você está empolgado”, diz Louis
Burns, vice-presidente e diretor geral da Intel’s Digital Health Group, que
está programado para se tornar o presidente da nova empresa, ainda não
batizada, da qual terá metade.
Burns observa que, frequentemente, durante as negociações, se os dois
lados concordam em nove pontos e empacam no décimo, eles irão concordar
em deixar o décimo de lado e voltar a ele mais adiante, se for necessário.
Porém, para joint ventures, ele alerta que “o problema é quando o décimo
ponto volta como uma bolada nas costas”. Segundo Burns, a pior coisa que a
GE e a Intel poderiam ter dito uma à outra seria “vamos resolver depois da
união”.
Em vez disso, os dois gigantes corporativos fizeram a revisão das coisas,
durante boa parte do ano, para garantir que todos os envolvidos
concordassem com metas específicas. “Você não vai querer um casamento
em Las Vegas”, diz Burns. As empresas, que já tinham feito uma aliança ano
passado, chegando a esboçar um tipo de contrato pré-nupcial – acordo que,
em menos de 20 páginas, apresenta a estrutura básica e o controle do novo
empreendimento, provê um mapa de produtos e identifica os mercados-alvo.
Embora não formalize legalmente a união, o documento se tornou um guia
para ambas as empresas, ajudando os sócios a manter o foco no que importa.
Somente um volante

Terceira regra de Drucker: “Tem de haver uma reflexão cuidadosa quanto a


quem irá administrar a aliança.” Ele disse especificamente que “a empresa
não pode ser dirigida por um comitê”. No caso da Intel e da GE, não há
dúvida de que Burns é o encarregado. Todos, em ambas as empresas,
reconhecem que “não há dois volantes na dianteira do ônibus”, diz ele. Ao
mesmo tempo, Burns é inequívoco quanto à sua responsabilidade individual,
segundo Drucker colocou, “para o empreendimento de fusão, não para um
dos pais”.
A quarta regra de Drucker é que “cada parceiro precisa dar suprimento em
sua estrutura própria, para o relacionamento da aliança e o outro sócio”.
Mais crítico, segundo ele, é que os envolvidos na aliança “tenham acesso a
alguém na empresa mãe, que possa dizer sim ou não, sem a necessidade de
passar por outros canais”. Burns enfatiza que tanto ele quanto sua
contraparte, Omar Ishrak, têm laços próximos com os níveis mais altos de
suas instituições – porém, novamente, as duas empresas também
sistematizaram a forma de abrir essas linhas para que “sobrevivam além dos
relacionamentos pessoais”.
A regra final de Drucker era que “tem de haver um pré-acordo de como
resolver os desacordos”. Na Intel e na GE, “nós não éramos ingênuos a
ponto de pensar” que não haveriam disputas ocasionais, diz Burns. Portanto,
as empresas têm sido “totalmente claras” quanto ao que acontece “se houver
embaraços”, com determinadas ordens nas mãos de Burns, como presidente,
e outras dadas pela comissão de diretores que será composta por um número
igual de representantes da Intel e da GE, tendo Ishrak como chefe do
conselho.
No fim, a Intel e a GE estão confiantes de que, ao se unirem, elas podem
prosseguir em ritmo acelerado no lançamento de inovações que irão ajudar
idosos e aqueles com doenças crônicas a administrarem suas enfermidades
no próprio lar. No entanto, muitos desafios ainda permanecem. As empresas
não são líderes no mercado. E nem a Medicare, nem as seguradoras
particulares dos EUA atualmente oferecem reembolso por sistemas de
monitoramento doméstico de saúde, levantando perguntas sobre a geração de
lucros.
Ainda assim, tendo sucesso, Burns e seus novos colegas irão se ver em
grande vantagem: através de um planejamento cuidadoso e franco, eles já
afastaram o perigo da união.
27 de agosto de 2010
Burger King: começando a cortejar
o não cliente

P eter Drucker não era de comer em locais de fast-food e só costumava


passar uma vez por ano no McDonald’s para uma refeição rápida, a caminho
da casa de veraneio da família, no Colorado. Ainda assim, ele teria uma
ideia bem clara do que o Burger King precisa fazer para se virar e começar
a prestar bem mais atenção aos seus “não clientes”.
“Mesmo o maior empreendimento (exceto um monopólio governamental)
tem muito mais não clientes do que clientes”, Drucker escreveu em
Management Challenges for the 21st Century, observando que quase
nenhuma empresa supre sequer 30% de determinado mercado. “E, ainda
assim, poucas instituições sabem algo sobre os não clientes – pouquíssimas
delas sabem que eles sequer existem, muito menos quem são. E menos ainda
sabem o motivo por serem não clientes.”
O Burger King, que semana passada fechou negócio para a própria venda a
uma firma de ações chamada 3G Capital, por 3,26 bilhões de dólares,
parecia fazer praticamente tudo para ignorar seus não clientes. A empresa de
Miami focava quase que exclusivamente no que denomina “superfãs”:
homens de 18 a 34 anos que tendem a frequentar seus restaurantes.
Certamente, o Burger King sabe do que esse grupo movido a testosterona
gosta. A empresa direcionou toda sua campanha de acordo (na verdade, a
ponto de algumas mulheres acharem os comerciais da empresa nojentos e
afrontosos). Inovações de produtos, tais como costelas assadas na brasa,
também visavam o mesmo grupo demográfico carnívoro.

O efeito da recessão

Porém, após um período de sucesso do Burger King, as aflições econômicas


da nação golpearam a empresa com uma força desproporcional. Vendas e
lucros despencaram, conforme a fila de desempregados aparentemente
substituía as filas dos balcões do BK, para muitos superfãs. Alguns analistas
também desconfiam que uma tendência a longo prazo está se desenrolando: à
medida que as pessoas ficam mais conscientes da saúde, devorar
hambúrgueres duplos com queijo e bacon não parece mais tão atraente.
É uma armadilha na qual Drucker observou outras pessoas caírem. Em
Managing for Results, de 1964, Drucker contou sobre um fabricante de
equipamentos de consertos domésticos que estava feliz com a base de seus
clientes: casais recém-casados, que haviam acabado de comprar uma casa.
Mas, depois de cerca de cinco anos, eles acabavam parando de comprar.
“Isso parecia perfeitamente lógico para o fabricante”, Drucker escreveu. A
empresa percebeu que só quando esses casais eram mais jovens é que “eles
tinham energia para trabalhos manuais. E, com filhos pequenos, eles
normalmente passavam a maior parte de suas noites e fins de semana em
casa”.
Mas, quando a companhia finalmente se deu ao trabalho de examinar seus
não clientes, ela descobriu que estava negligenciando um mercado
potencialmente vasto: as pessoas casadas há mais de cinco anos. “Eles eram
não clientes basicamente porque a empresa tinha escolhido um canal de
distribuição, principalmente a loja de material de construção, inacessível a
eles, exceto nas manhãs de sábado”, escreveu Drucker. E “sábado de manhã
não é um bom horário de compras para os homens” quando seus filhos já
estão um pouquinho mais velhos e têm inúmeras atividades às quais
precisam ser levados. Ao deslocar seus produtos para os shoppings, que
ficam abertos até a noite, e acrescentar um canal de vendas via correio, com
entrega em casa, o fabricante dobrou sua receita.

Ignorando 70% do mercado

Outro exemplo: no auge das lojas de departamento, nos anos 1970, como
mostrou Drucker, elas eram responsáveis por mais de um quarto das vendas
de varejo nos EUA. E, assim como no Burger King, os gestores desses
negócios tinham um senso bem apurado de quem eram seus compradores.
“Eles constantemente entrevistavam seus clientes, analisando e
pesquisando”, Drucker escreveu. “Mas não davam atenção aos 70% do
mercado que não eram clientes. Não viam motivo para dar.” Afinal, sua
suposição, que, na época, era totalmente válida, era que “a maioria das
pessoas que podiam fazer compras em lojas de departamento fazia”.
Mas o comportamento acabou mudando. “Pois para o grupo predominante
entre os baby boomers – mulheres de famílias de renda dupla e com
formação – não era o dinheiro que determinava o lugar onde faziam
compras”, explicou Drucker. “O tempo era o fator primordial, e essa geração
de mulheres não podia se dar ao luxo de passar seu tempo fazendo compras
em lojas de departamentos.” No entanto, os executivos do mundo das lojas
de departamento falharam em reconhecer isso, porque estavam se
concentrando unicamente em seus clientes, não nos não clientes. “Depois de
um tempo”, disse Drucker, “eles foram sabendo cada vez mais sobre menos”.

Examinando as “áreas de satisfação”

Para evitar que isso acontecesse, Drucker aconselhava os administradores a


fazer regularmente uma série de perguntas “que não são feitas no mercado
comum de pesquisa ou em estudos do consumidor”. Entre elas: o que os
clientes – e não clientes – compram de outras lojas? Que valor essas
compras representam para eles? Que satisfação oferecem? Elas competem
com a satisfação apresentada por nossos produtos ou serviços? Elas
oferecem satisfações que nossos produtos e serviços poderiam suprir, talvez
até melhor? Existem novos produtos ou serviços que nós poderíamos inserir
para suprir essas áreas de satisfação?
Em forte contraste com o Burger King, o McDonald’s vem abordando, nos
últimos anos, exatamente essas questões – e, como resultado, prosperou
durante a recessão. O McDonald’s passou a servir especialmente bebidas
com café e smoothies, assim como prover o acesso gratuito à internet
wireless, com a intenção de atrair não clientes.
Ao mesmo tempo, a empresa tem sido cautelosa quanto a não excluir os
clientes existentes, evitando mudanças drásticas. “Nós aprendemos a não
mexer com os itens principais do cardápio – eu, pessoalmente, não tiraria
nem uma semente de gergelim”, disse Dan Coudreaut, chef executivo e
diretor de inovações culinárias. No entanto, “estamos empolgados com a
inovação para nos mantermos relevantes”.
O Burger King tem muito trabalho duro pela frente, incluindo uma
melhoria nas lanchonetes e em sua tecnologia. Mas, se ele realmente espera
recuperar seu brilho, precisa lembrar que, como Drucker disse, “é sempre
com os não clientes que a mudança acontece”.
10 de setembro de 2010
O exame autoimposto do
Bank of America

A ssim como outras grandes instituições financeiras, o Bank of America


passou por um “teste de estresse” ano passado, imposto pelos funcionários
públicos dos EUA. Mas é um procedimento autoimposto – semelhante ao que
Peter Drucker chamava de “Raio-X do negócio” – que talvez garanta a saúde
da companhia, a longo prazo.
Drucker, que era afeiçoado às analogias médicas, achava que toda
instituição deve regularmente passar por esse tipo de exame rigoroso, em
todos os seus departamentos: produtos, serviços, tecnologia, processo e
canais de distribuição. “O Raio-X do negócio é uma ferramenta para a
tomada de decisão”, escreveu. “Ela nos possibilita, na verdade, nos força a
alocar recursos para resultados no negócio existente. Mas também nos
possibilita determinar o quanto é necessário criar para o negócio de amanhã
e nos permite transformar intenções em desempenho inovador.”
No caso do Bank of America, baseado em Charlotte (Carolina do Norte), a
instituição que mais concede empréstimos nos EUA, descobrir como
conduzir uma performance inovadora é algo crucial. Assim como outros
bancos, ele enfrenta questões duras quanto à forma de crescimento em meio a
restrições governamentais sobre cartões de crédito e débito, hipotecas,
exigência de reservas e derivativos.

Avaliação sistemática

A resposta aparentemente alcançada pelo Bank of America teria com certeza


agradado Drucker: sob o comando de Brian Moynihan, que se tornou
presidente em janeiro, a empresa deixou claro que não vai automaticamente
saltar à próxima oportunidade de uma aquisição, ou mergulhar em um novo
mercado, apenas porque isso é considerado “moderno”. Em vez disso,
Moynihan e seus colegas têm sistematicamente revisado as partes mais
importantes da empresa e diagnosticado o que há para vender, revitalizar e
onde investir o capital e recursos para atender as necessidades dos clientes a
longo prazo.
“Nós continuamos a modernizar nossa empresa, eliminando coisas que os
clientes simplesmente não pedem”, disse Moynihan, semana passada, numa
conferência de serviços financeiros, em São Francisco.
Para isso, Drucker aconselhava posicionar cada parte da empresa em uma
categoria. Estas incluem “o ganha-pão atual”, assim como “o ganha-pão de
amanhã”, ou aqueles produtos que já comandam um mercado de porte e cuja
melhor época ainda está por vir. Há também as “especialidades produtivas”,
que servem como um nicho decididamente estreito, mas mantêm uma posição
de liderança. “A contribuição de sua receita líquida deve ser maior que seu
volume; sua parcela na carga de custos, bem inferior”, explicou Drucker.
Em seguida estão os “produtos em desenvolvimento”, que ainda estão se
afinando, mas onde se concentram as “grandes expectativas”, segundo
Drucker. “O volume de pessoas alocadas para eles deve ser pequeno –
embora seja, é claro, maior do que o que a receita gerada ainda justifica”.
Depois, estão os “fracassos” óbvios. De certa forma, coisas que caem
nesse grupo são mais fáceis de lidar. “Elas se anunciam e se liquidam”,
escreveu Drucker.

Categorias capciosas

Em contraste, mais complicados são aqueles aspectos do empreendimento


que Drucker chamava de “criança problema”. Entre esses, estão os “ganha-
pão” de ontem. “Todos da empresa adoram o ganha-pão de ontem”, observou
Drucker. “É o produto que ‘construiu a empresa’”. Mas os ganha-pães atuais,
acrescentou ele, estão prestes a se tornarem obsoletos e, enquanto isso, “sua
receita líquida tende a ser baixa em relação ao seu volume, enquanto o
número de transações necessárias para mantê-los vivos” está aumentando
com regularidade.
Igualmente capcioso é lidar com “tarefas de conserto”. Essas, segundo
Drucker, devem “sofrer de um – e apenas um – defeito predominante”, e esse
problema deve ser razoavelmente simples de identificar e corrigir. Além
disso, qualquer coisa inserida nessa categoria deve ter uma “alta
probabilidade de resultados excepcionais”, caso o conserto dê certo.
O restante das 11 categorias de Drucker inclui “especialidades
desnecessárias”, na qual os produtos são inutilmente divididos em
segmentos, em vez de concentrados numa única oferta de porte;
“especialidades injustificadas”, na qual o produto ou serviço recebeu uma
“diferenciação insignificante, pela qual o cliente não está disposto a pagar”;
“investimentos em ego gerencial”, na qual quanto mais recursos são
injetados num produto, pior ele fica; e as “Cinderelas”, ou áreas que podem
se sair bem, se ao menos tiverem uma chance.

Análise de crescimento

Uma vez que uma empresa classifica todos os seus produtos e serviços dessa
forma, a máquina de raio-X de Drucker pode ser ligada. É quando a empresa
pode prognosticar quando uma mudança crítica tem probabilidade de
acontecer (como o ganha-pão atual se transformar no ganha-pão de ontem).
Mas isso não vai acontecer automaticamente. Segundo Drucker, a chave é
garantir que todos os produtos sejam analisados em termos de “custos de
incrementos adicionais de crescimento”, o que irá ajudar a revelar onde eles
se posicionam, em termos de seu ciclo de vida. É um produto em ascensão?
Ou está prestes a entrar em declínio? E, se for o caso, com que velocidade
está destinado a cair?
No Bank of America, sua análise do que está pronto para crescer e o que
realmente não se encaixa mais levou a uma sequência de decisões
significativas ao longo dos últimos nove meses. A empresa descartou ou está
preparada para descartar uma lista de ativos, incluindo participações em
alguns bancos latino-americanos, uma operadora de seguros e uma carteira
de private equity.
Ao mesmo tempo, eles estão investindo numa nova linha de produtos que
irá reduzir o ônus com taxas de saques a descoberto, para seus clientes de
mercados de consumo em massa. Também está transferindo mais empregados
para locais onde seja importante cultivar relacionamentos mais profundos
com clientes – uma parte integral da estratégia de Moynihan, para a venda
compartilhada de produtos e serviços das áreas de varejo, corporativos e de
administração de bens de seus clientes.
Semana passada, Moynihan frisou, por exemplo, que os clientes mais
afluentes do banco mantêm 7 trilhões de dólares em investimentos em outras
instituições financeiras. Essa é uma grande soma que, se conduzida
corretamente, pode começar a migrar para o Merrill Lynch, comprado pelo
Bank of America, ano passado.
Ou, para colocar de outra forma, tendo uma visão de raio-X, Moynihan
pode muito bem estar em processo de transformação da Cinderela no ganha-
pão de amanhã.
24 de setembro de 2010
Churchill e Drucker: perfeitos juntos

A lgumas semanas atrás, Winston Churchill ficou digital. O espólio do ex-


primeiro ministro britânico anunciou que está lançando seu próprio
aplicativo de iPhone, apresentando a “perspicácia e sabedoria” de
Churchill. Também foram montados um website e perfis no Facebook e
Twitter. Pelo que pude ver, aparentemente, a única coisa que falta é uma
ligação com o trabalho de Peter Drucker.
Os laços entre os dois são muito antigos. Em maio de 1939, Churchill
revisou o primeiro grande livro de Drucker, intitulado The End of Economic
Man, para o The Times Literary Supplement, e o elogiou dizendo que ele
era “um dos escritores de quem quase tudo pode ser desculpado, pois ele
não somente tem mente própria, como a dádiva de iniciar outras mentes,
junto com uma linha de pensamento estimulante”.
Porém, muito mais que pela caneta, Churchill e Drucker parecem ligados
pela ação – ao menos, aos olhos de uma autoridade sobre Churchill. Daniel
Myers, diretor de operações do Churchill Center, em Chicago, nos últimos
anos, vem apresentando a executivos uma palestra que examina as ações do
líder britânico como “uma história de sucesso executivo”. Myers detalha,
mais especificamente, a forma como Churchill ilustrava as oito regras de
Drucker para ser um executivo eficaz.
Myers se deparou com esses princípios quando Drucker os apresentou, em
2004, num artigo da Harvard Business Review. “Eu li e disse ‘Nossa’”,
lembra Myers, cuja instituição educacional ostenta 3 mil membros ao redor
do globo. “Isso é puramente churchilliano.”

O que precisa ser feito?

A primeira prática de executivos eficazes, segundo Drucker escreveu, é


“perguntar o que precisa ser feito”, ao contrário de “o que você quer que eu
faça?”. Isso também não pode ser um gesto vazio. “Levar a pergunta a
sério”, aconselhou ele, “é crucial para o sucesso administrativo”.
Myers relata inúmeras histórias que captam a incorporação desse traço por
Churchill, inclusive quando mandou ajuda para a Rússia, em 1941. Churchill
sabia o que a situação exigia. Conforme Myers conta: “Quando questionado
por Jock Colville, seu principal secretário particular, quanto à sua aparente
meia-volta, Churchill explicou: ‘Se Hitler invadisse o inferno, eu daria ao
menos uma referência favorável ao diabo no parlamento inglês’.”
A segunda regra de Drucker para executivos eficazes é perguntar: “O que é
o certo para a empresa?” “Eles não perguntam se é certo para os donos, para
o preço das ações, os empregados ou os executivos”, acrescentou Drucker.
Isso é porque, a menos que as escolhas sejam feitas segundo o interesse a
longo prazo da instituição, isso vai acabar “não sendo certo para nenhum dos
acionistas”.
Aqui, Meyers cita um capítulo da noite da Primeira Guerra, quando
Churchill serviu como líder da marinha britânica, e a frota estava em
manobras. Embora seus oficiais estivessem clamando para voltar ao porto
de origem, em Scapa Flow, Churchill os manteve no mar e continuou seu
treinamento. “Em tudo que fazia, Churchill sempre perguntava ‘O que é o
certo para o país?’”, conta Meyers. Nesse caso, “mesmo seus adversários
mais firmes admitiram, rabugentos, que a frota estava pronta para a guerra,
graças a Churchill”.

Planos de ação

A terceira regra de Drucker para a eficácia: desenvolver planos de ação. Ele


disse que “os melhores executivos pensam nos resultados desejados, nos
prováveis obstáculos, revisões futuras e pontos a incluir”. Para Myers, em
tempo algum essas qualidades foram tão colocadas em teste quanto em maio
de 1940, quando Churchill foi pressionado por seu secretário estrangeiro,
Lord Halifax, e outros em seu gabinete a considerar o armistício com Hitler.
Churchill refutou todos eles, expressando claramente as metas e
expectativas. “Seria tolice achar que se fizéssemos as pazes agora, seríamos
melhor tratados pela Alemanha do que se lutássemos contra ela”, disse
Churchill. “Sendo assim, devemos seguir em frente e lutar, aqui, ou em
qualquer lugar, e se essa nossa história finalmente tiver que terminar, deixe
que termine conosco deitados no chão, engasgados com nosso próprio
sangue.”
Segundo Drucker, as duas coisas que os executivos eficazes fazem é
assumir a responsabilidade por decisões e pela comunicação. Quanto à
primeira, Myers aponta o que muitos acham ser o maior tropeço de Churchill
– durante a Primeira Guerra Mundial, como primeiro almirante da Bretanha,
sua tentativa fracassada de capturar os Dardanelles, no leste do
Mediterrâneo. “Ele nunca pôs a culpa nos outros”, diz Myers. Quanto à
última questão, Myers conta que Churchill trabalhou duro para assegurar que
estava sendo inteiramente compreendido; até mesmo seus gracejos eram
treinados e refinados.
A sexta regra de Drucker é focar nas oportunidades, em lugar dos
problemas. “Acima de tudo”, escreveu Drucker, “executivos eficazes tratam
a mudança como uma oportunidade, em vez de uma ameaça”. Myers vê os
primeiros anos de Churchill, durante os quais ele publicou cinco livros e
viajou pelo mundo, aos 26 anos, como um exemplo maravilhoso desse
princípio de Drucker tomando vida.

Reuniões produtivas

A sétima regra é fazer reuniões produtivas – assegurando-se, como disse


Drucker, que “sejam sessões de trabalho, e não conversa fiada”. Ele
escreveu que a grande chave para isso é um bom acompanhamento. Churchill
era mestre nisso, conta Myers, anexando isso aos seus memorandos mais
urgentes, assinalados com etiquetas vermelhas escritas “Ação desse dia”,
para ajudar a equipe a conseguir resultados.
Finalmente, escreveu Drucker, executivos eficazes compartilham mais uma
característica: eles pensam e dizem “nós”, em vez de “eu”. Myers conta que
“foi assim que Churchill se negou a receber a honra de cavaleiro, depois que
seu partido eleitoral foi derrotado, em 1945. “Como posso aceitar a Ordem
da Jarreteira”, conta-se que Churchill teria perguntado, “se as pessoas
acabaram de me dar a ordem da botina?”.
Duas décadas depois daquele comentário, Drucker recordaria Churchill
afetuosamente. Ele escreveu que, quando o mundo estava desabando, nos
anos 1930, “o que Churchill deu foi precisamente o que a Europa precisava:
autoridade moral, crença nos valores e fé na competência da ação racional”.
Essa citação de Drucker, como se pode notar, tem 134 caracteres,
simplesmente perfeita para “tuitar” Churchill.
22 de outubro de 2010
O escritório sem paredes

N a semana passada, meus colegas do Drucker Institute e eu nos mudamos


de volta para nosso escritório, que no começo do mês tinha sido
redesenhado, de cima a baixo, por Herman Miller. É um lugar bonito, com a
mistura perfeita de forma e praticidade, abrigando 140 peças de mobiliário
flexível, móvel e multifuncional (com armários de armazenagem que usamos
como bancos, por exemplo), respeitando o meio-ambiente.
Ainda assim, meu detalhe preferido é esse: não há paredes internas. Somos
oito e nos sentamos juntos num espaço grande e ensolarado, sem quaisquer
obstáculos entre nós. Nossa configuração anterior era bem parecida, mas,
como chefe, eu tinha uma área de trabalho fechada com baias. Agora, elas
foram jogadas fora.
Há muito mais que simbolismo em jogo nisso. Sem paredes, minha equipe
e eu nos comunicamos precisamente da forma como Peter Drucker defendia.
Na verdade, eu estou convencido de que nossos quase 430 m2 de espaço
aberto são um grande impulso em nossos resultados.
Como dizia Drucker, uma das coisas mais cruciais que qualquer líder pode
fazer “é erguer a instituição cercando-a de informação e comunicação, em
vez de hierarquia”.
Derrubar as paredes é o modo perfeito de se chegar a isso. Nem um dia se
passa sem que alguma ideia surja: um membro da equipe conversa com
outro, relutando com algum desafio específico. Outro membro escuta o que
eles estão dizendo e participa. Uma quarta pessoa também se envolve e
apresenta uma perspectiva totalmente diferente. Desse fermento, nasceram
algumas de nossas melhores inovações.

Diálogo de fluxo livre

Ainda esta semana, por exemplo, nós decidimos refinar nosso empenho para
atrair leitores ao nosso blog, the Drucker Exchange, depois que uma
discussão quase espontânea irrompeu entre nós três; um colega de trabalho
ficou se coçando para falar e acabou entrando, levando nosso raciocínio
ainda mais longe. Para mim, como supervisor, a melhor parte foi o fato de
que meus dois funcionários tinham iniciado a conversa, e eu pude ouvi-los
primeiro – exatamente como Drucker prescrevera.
“Uma comunicação de cima para baixo não pode dar certo e não dá”,
declarou Drucker, em Management: Tasks, Responsibilities, Practices, seu
clássico de 1973. Ele acrescentou que as iniciativas vindas do alto só têm
uma chance de dar certo se “surgirem depois que uma comunicação de baixo
para cima tiver sido estabelecida com êxito”. Elas têm de ser uma “reação,
em vez de ação; resposta, em lugar de iniciativa”.
Em nosso pequeno núcleo de pesquisa baseado na universidade, os
debates desse gênero fazem parte do ofício. Porém, mesmo as maiores
empresas podem se beneficiar sendo imaginativas com seu espaço. No fim
dos anos 1990, quando Paul O’Neill era presidente da Alcoa, ele construiu
uma nova sede, com um imenso andar aberto. Os escritórios tradicionais
deram lugar a áreas de trabalho de 25 m2 – completas, com “portais de
passagem” – para a maioria dos empregados, incluindo O’Neill.
Os layouts típicos de escritórios, com sua inclinação ao status, “são uma
barreira para o conceito de colaboração e ‘colocam as pessoas em seus
lugares’ diariamente”, diz O’Neill. Uma hierarquia é “estabelecida pelo
acesso à luz do sol, ao volume de metros quadrados, à proximidade às
‘pessoas importantes’. Eu queria transmitir fisicamente a ideia de que ‘se
você trabalha ali, você é importante, porém, tão importante quanto qualquer
outro que trabalha aqui’”.

Evitando jurisdições formais

Para Drucker, a essência do trabalho de equipe em si é “a comunicação


lateral”, conforme “pessoas de conhecimento e habilidades distintas
trabalham juntas, voluntariamente, segundo a lógica da situação e as
exigências da tarefa, em vez de seguir uma estrutura formal de jurisdição”. O
fluxo livre de diálogo que naturalmente emerge da proximidade física só
aumenta as possibilidades para esse tipo de participação.
Outro que acredita firmemente nessa abordagem é Carlos Brito, o
presidente da Anheuser-Bush InBev, que não tem um escritório próprio há
mais de 20 anos. Ele divide uma mesa grande com os que se reportam a ele.
“Nós cultivamos a informalidade e a franqueza, incentivando os colegas a
trazer ideias à liderança da equipe e uns aos outros do andar e até nos
corredores”, Brito me disse. Para facilitar isso, o cervejeiro gigante tem
“pessoas de todos os níveis sentadas próximas umas das outras, para que
possamos todos aprender mutuamente e para que líderes e gerentes possam
acompanhar de perto o trabalho diário que suas equipes estão realizando.
“Também é mais eficiente para nos comunicarmos de maneira mais aberta
e veloz”, conta Brito. “As reuniões são necessárias... fazem parte do
negócio, mas eu descobri que muitas vezes você pode realizar mais coisas
numa conversa de cinco minutos, no corredor, do que numa reunião de uma
hora. Não dá pra agendar uma reunião de cinco minutos no Outlook.”

Sem lugar para se esconder

Brito também percebe outras vantagens. Os funcionários que trabalham numa


área comum ficam aptos a aprenderem as melhores práticas uns com os
outros. Além disso, um escritório sem paredes aumenta a responsabilidade
individual. “Não há como se esconder num espaço aberto de trabalho”,
explica Brito. “Pelo fato de todos estarem ali, sentados, é mais fácil para
pessoas de todos os níveis reconhecerem os que têm alto e baixo
desempenhos diários, não apenas ocasionalmente, em grandes reuniões, ou
durante avaliações de performance.”
É claro que há momentos em que um pequeno espaço particular é
necessário. Algumas pessoas da minha instituição colocam fones de ouvido
quando precisam de silêncio. Também é comum que um de nós vá até o pátio
para atender à ligação de uma esposa ou falar confidencialmente com
alguém. Mas essa pequena inconveniência perde a importância diante de
tantas vantagens da interação pessoal – principalmente numa época em que
tantas instituições estão se afogando em dados.
“Só o contato direto pode prover comunicação”, observou Drucker.
“Quanto mais automatizarmos o manuseio da informação, mais teremos que
criar oportunidades para a comunicação efetiva.”
Drucker disse, certa vez, algo que ficou famoso: “O mais importante na
comunicação é ouvir aquilo que não está sendo dito.”
Sem dúvida, é verdade. Mas nós também não podemos nos esquecer:
também há muito a ganhar quando se ouve o que está sendo dito pela pessoa
ao seu lado.
5 de novembro de 2010
Quando o Walkman se aposenta,
a Sony rebobina

Q uando chegou a notícia, mês passado, de que a Sony estava tirando de


linha a produção de seu Walkman original, o gravador cassete portátil
original, muitos da mídia demarcaram aquilo como a passagem de uma era.
No entanto, eis o que a maioria não percebeu: graças, em parte, a um aluno
de Peter Drucker, a Sony talvez esteja prestes a criar um novo leque de
dispositivos que podem causar tanta sensação quanto o Walkman causou um
dia.
Para a Sony, isso certamente seria um desenvolvimento bem-vindo. Já faz
anos que os concorrentes da Coreia do Sul, dos EUA e de outros lugares,
têm atacado a companhia japonesa de eletrônicos. O talismã que a Sony
criou há três décadas, quando o Walkman chegou ao mercado, perdeu o
brilho faz tempo.
Porém, agora, a Sony está sendo empurrada a novas direções. George
Bailey, contratado em 2009, vindo da IBM, ostenta o título de “diretor de
transformação” e vem derrubando os problemas da Sony com custos, de
maneira eficiente e produtiva. A margem de operações ano a ano da empresa
cresceu por quatro trimestres seguidos.
Mas talvez até mais importante do que essas reformas financeiras, é a
filosofia que Bailey está ajudando a incutir na Sony: o negócio precisa
começar do lado de fora, com o cliente, não internamente, na bancada de
trabalho do engenheiro.

Satisfação do cliente

A mensagem é puro Drucker, com quem Bailey fez meia dúzia de aulas, na
Universidade Claremont Graduate, no começo dos anos 1980, quando o
Walkman ainda era o melhor dispositivo disponível. “O cliente define o
negócio”, Drucker escreveu em Management: Tasks, Responsibilities,
Practices, clássico de 1973. “Um negócio não é definido pelo nome da
empresa, estatutos ou artigos da instituição. Ele é definido pelo desejo que o
cliente satisfaz ao comprar um produto ou serviço.”
Por mais básico que esse conceito possa parecer, é algo que a Sony havia
negligenciado. Segundo Bailey, a companhia sempre teve a capacidade de
produzir produtos superiores, do ponto de vista da engenharia. “Muito do
que a Sony fez foi produzir coisas menores, mais velozes e de qualidade
superior”, ele explica. E por um bom tempo, isso foi o suficiente. A fórmula
deu combustível para o incrível crescimento da empresa no início da década
de 1990.
Porém, nos anos recentes, tanto a tecnologia quanto o mercado mudaram
drasticamente. Por exemplo, a qualidade das televisões hoje em dia é
geralmente tão boa que muitos progressos novos “nem são perceptíveis ao
olho humano”, conta Bailey. Concorrentes como a Vizio, que usa produtores
contratados na China para seus aparelhos de preço relativamente baixo,
estão se aproximando da Sony, em termos do que Bailey chama de
“specmanship”.
A superioridade do design da Sony – Bailey compara alguns produtos da
empresa a obras de arte – também derrapou. “Não é que a Sony tenha
piorado nisso”, diz ele. “Os outros melhoraram muito”, incluindo a Samsung
e a LG.

O conceito de qualidade de Drucker

Ao mesmo tempo, os desejos dos clientes evoluíram. Ter um hardware


fantástico já não é mais o suficiente. “De repente, as pessoas começaram a
pensar de forma diferente sobre os eletrônicos”, conta Bailey. “Elas querem
programas que sejam intuitivos e facilitem o uso das coisas. Querem
aplicativos, conteúdo e serviços.”
“O que empolga um engenheiro japonês em Shinagawa”, acrescenta ele,
“talvez não seja o que deixa um cliente feliz em Helsinki, Nova York ou
Bombai”.
Nesse sentido, o conceito tradicional de “qualidade” realmente não é mais
relevante, exatamente como Drucker advertiu. “A qualidade de um produto
ou serviço não é o que o fornecedor coloca nele”, Drucker disse em
Innovation and Entrepreneurship, livro de 1985. “É o que o cliente tira dele
e aquilo pelo que está disposto a pagar. Um produto não tem qualidade
porque é difícil de fazer e custa muito dinheiro, como os fabricantes
geralmente acreditam. Isso é incompetência. Os clientes pagam somente pelo
que é útil para eles e lhes dá valor. Nada mais constitui qualidade.”
E, assim, Bailey e outros líderes da Sony estão forçando a equipe de
engenheiros a fazer as perguntas que não têm sido feitas: “É ótimo que você
tenha tornado esse negócio mais veloz, leve e menor. Mas o que irá fazer
pelos clientes que o comprarem? Isso vai mudar a experiência deles?”

Mudança de cultura

Bailey acredita que a cultura da empresa está começando a mudar,


apontando, como exemplo, a NEX-5, nova câmera da Sony. Ela não é apenas
bem formulada, mas, com suas lentes internamente substituíveis e uma série
de outras funções, ela conseguiu prover “uma diferença vital” na
“experiência fotográfica”, segundo as palavras de uma resenha sobre o
produto. As vendas estão explodindo.
Mudar a postura mental dos engenheiros da Sony é apenas uma parte da
equação para o sucesso, é claro. Além disso, Bailey introduziu um programa
chamado FAST, de “focus, accountability, speed and teamwork” (foco,
responsabilidade, velocidade e trabalho em equipe). Todos esses princípios
também ecoam Drucker, cujas “ideias”, comenta Bailey, “são tão valorosas
hoje quanto eram quando ele as escreveu”.
Mas, no fim, é provável que a atenção renovada que a Sony está dando ao
cliente prove ser o mais crucial. Bailey reconhece que, de determinadas
maneiras, ele e também Howard Stringer, presidente, e outros, estão tentando
cutucar a empresa para levá-la “de volta para o futuro”. Afinal, o Walkman
vendeu mais de 200 milhões de unidades não meramente porque era pequeno
e leve, mas por ter revolucionado a forma como as pessoas consumiam
música.
Para a Sony, o grito de guerra está claro: O Walkman está morto. Vida
longa ao Walkman.
19 de novembro de 2010
Dessa vez, um Steve Jobs
diferente que partiu

E m 1985, quando Steve Jobs deixou a Apple, depois de uma briga


horrível com a diretoria, Peter Drucker não ficou nem um pouco surpreso –
nem solidário. O problema, disse ele, foi Jobs não compreender
adequadamente a disciplina de gestão.
Jobs e Stephen Wozniak, cofundador da Apple, “nunca sujaram as mãos na
terra”, disse Drucker. “O sucesso os deixou arrogantes. Eles não conheciam
os elementos simples. Eram como um arquiteto que não sabe pregar um
prego.
“Se você olhar as empresas bem-sucedidas, são elas que aprendem
administração, ou mandam trazer. Nas empresas de alta tecnologia que são
realmente bem-sucedidas, geralmente o criador já não está mais lá cinco
anos depois. Ele pode estar no conselho; pode ser um presidente honorário.
Mas ele está fora e geralmente sai com amargura... para Jobs, faltou a
disciplina. Não me refiro à autodisciplina. Estou falando do conhecimento
básico e da disposição de aplicá-lo.”

A diferença dessa vez

Mais de duas décadas depois – com Jobs novamente deixando a Apple,


dessa vez, para sua segunda licença médica, desde 2009 – é de se apostar
que Drucker já não diria coisas tão afrontosas. Afinal, Jobs mais que
dominou os fundamentos em que Drucker imaginou que ele tivesse falhado
quando jovem.
Jobs, que voltou à Apple em 1997, depois que vários presidentes quase
derrubaram a companhia no chão, emergiu particularmente como adepto da
implementação de um dos princípios fundamentais de Drucker: criar um
cliente.
“Os mercados não são criados por Deus, pela natureza, ou pelas forças
econômicas, mas pelos executivos”, escreveu Drucker. “O desejo que uma
empresa tem de satisfazer talvez tenha sido sentido pelo cliente antes que lhe
tenha sido ofertado um meio de satisfazê-lo. Como a comida para um
faminto, isso pode ter dominado a vida do cliente, preenchendo todos os
seus momentos, mas permaneceu como um anseio potencial, até que a ação
dos comerciantes o converteu numa demanda efetiva. Somente então existe
um cliente e um mercado.”
“Ou talvez”, prossegue Drucker, “o anseio não tenha sido sentido pelo
cliente potencial; ninguém sabia que ele queria uma máquina copiadora, ou
um computador, até que estes produtos se tornaram disponíveis”. Para essa
lista, é claro que agora acrescentaríamos o iPod, o iPhone e o iPad.

Uma bancada profunda

Mas Jobs aparentemente tornou-se um gestor extraordinário em outro


aspecto: ele se cercou de um grupo altamente talentoso de executivos,
incluindo Tim Cook, diretor de operações, que atua como presidente, na
ausência de Jobs; Phil Schiller, diretor mundial de marketing da Apple; e
Jonathan Ive, vice-presidente sênior de desenho industrial, a quem se credita
o aclamado design dos produtos da Apple. É inquestionável que a bancada é
bem mais profunda do que a sabedoria convencional imagina.
“Em sua concepção, uma companhia é frequentemente ‘a extensão da
sombra de um homem’”, Drucker escreveu, em 1954, em The Practice of
Management. “Mas ela não irá crescer e sobreviver, a menos que o homem
da cúpula se converta em uma equipe.”
Drucker indicou que, mesmo que uma única pessoa seja portadora do título
de presidente, ela precisa ter um círculo – ou mais – de colegas igualmente
talentosos “que sejam de seu nível e que, portanto, não queiram nada dele;
pessoas com quem ele possa ‘ficar à vontade’ e falar livremente, com quem
ele não precise ser cauteloso quanto aos seus passos ou palavras, com quem
ele possa ‘pensar em voz alta’, sem se comprometer”.
Chegar a esse estágio exige aplicação. “Equipes não podem ser formadas
do dia para a noite”, Drucker adverte em seu livro Innovation and
Entrepreneurship, de 1985. “Elas exigem longos períodos, antes que possam
dar certo. As equipes são baseadas em confiança e compreensão mútuas, e
isso leva anos para se construir” – no mínimo, três.
Certamente, muitas pessoas – principalmente entre os que não são
observadores ardentes da Apple – veem Jobs como uma atuação solo. E isso
é por um bom motivo: ele se qualifica como o “presidente super-homem”,
como Drucker chamava. Drucker observou que o problema é que “as
empresas não podem depender de super-homens para administrá-las; o
suprimento é imprevisível e excessivamente limitado”. No fim, ele explicou:
“as instituições sobrevivem somente se administradas por gente competente
que assume sua função com seriedade”.

Mais sobre as renas

Para a Apple, essa é precisamente a questão: a empresa claramente ostenta


um leque impressionante de gente competente. E, embora nenhum deles
possa ser um substituto perfeito para Steve Jobs como equipe, eles podem
muito bem se manter altamente bem-sucedidos.
Enquanto isso, seria muito benéfico para a Apple que ostentasse também
alguns desses outros líderes extremamente capazes. Como dito essa semana
por Jeffrey Sonnenfeld, professor da Faculdade de Administração de Yale:
“Só se ouve falar sobre o Papai Noel, mas está na hora de ouvirmos mais
sobre as renas.”
A rena número um, ao menos por enquanto, é Cook, que realizou um
trabalho esplêndido supervisionando a Apple durante a ausência anterior de
Jobs. Essa semana, com muita gente se perguntando se Jobs algum dia
voltaria, Cook tentou abrandar a preocupação das pessoas. “A equipe aqui
tem amplitude e profundidade de talento e uma cultura de inovação que Steve
incutiu na empresa”, disse ele. “A excelência se tornou um hábito.”
Se isso se provar verdade a longo prazo, Jobs terá se provado mais que
um grande visionário; ele terá se provado um grande administrador.
21 de janeiro de 2011
Para a Nokia, um ponto a favor
e outro contra

I nvestidores e observadores da tecnologia estão tentando descobrir se a


Nokia teve um avanço notável ou um dano em sua posição no negócio
impiedoso que é a área de comunicação móvel. Mas é a comunicação da
empresa que teria mais intrigado Drucker.
Semana passada, a Nokia anunciou que planejava formar uma aliança, sob
a qual irá usar um produto da Microsoft como seu sistema de operação
básico para smartphones. Ao optar pelo Windows Phone 7, a Finnish irá
deixar para trás seu sistema operacional Symbian. Ao se unir à Microsoft, a
Nokia também escolheu deixar de lado outras opções, como tentar o
programa Android, do Google.
A parceria com a Microsoft representa uma mudança radical para a Nokia
– e por uma boa razão. A parcela de mercado de smartphone tem se
deteriorado rapidamente em face do Android e do iPhone, da Apple. Em
partes cruciais do mundo, como os EUA, a Nokia é nada mais que invisível.

Causando um estardalhaço

Stephen Elop, presidente da Nokia, numa declaração que se tornou um


sucesso instantâneo para o Hall da Fama corporativo, foi longe ao comparar
a situação da companhia com a de um homem que se encontra em pé numa
plataforma de petróleo em chamas. Para se salvar, ele se atira no mar do
norte.
“Em circunstâncias comuns, o homem jamais pensaria em mergulhar nas
águas gélidas”, Elop escreveu aos empregados, numa carta expedida pouco
antes do anúncio da Microsoft. “Mas esse não era um momento comum – sua
plataforma estava pegando fogo. O homem sobreviveu à queda e à água.
Depois de ser resgatado, ele notou que a plataforma em chamas provocou
uma mudança extrema em seu comportamento.
“Nós também estamos em pé numa ‘plataforma em chamas’ e precisamos
decidir como vamos mudar nosso comportamento.”
Drucker teria apreciado a franqueza e o apuro na visão dos comentários de
Elop, principalmente devido ao ambiente competitivo fervilhante no qual a
Nokia se encontra. Durante as épocas mais desafiadoras, Drucker escreveu
que a tarefa mais importante da administração é assegurar “a força estrutural
e solidez da instituição, a sua capacidade de sobreviver a um golpe, a
adaptação a uma mudança súbita e a capacidade de se beneficiar de novas
oportunidades”.

Vendendo a decisão

Porém, a pergunta mais difícil é: Com que eficácia Elop comunicou seu
raciocínio de antecipar a revelação do acordo com a Microsoft?
Drucker acreditava que um passo chave em qualquer decisão é alcançar
adesão suficiente dentro da empresa antes de seguir adiante. Ele acrescentou
que essa é uma lição que havia aprendido com os japoneses. “Assim que
começa o processo de tomada de decisão, e bem antes que a decisão seja
tomada, a administração japonesa vende a decisão”, explicou Drucker. “As
decisões japonesas não estão sendo tomadas por consenso; isso é uma falha
de tradução do termo japonês. A tradução correta seria algo como
‘entendimento comum’.”
Claro que existem limites práticos e legais do quanto cada líder pode dizer
aos grupos que estão na linha de frente de uma transação. Isso se mostra
particularmente verdadeiro numa instituição grande como a Nokia, que
possui mais de 130 mil pessoas em sua folha de pagamento. Mas a noção
geral – de que a liderança é, conforme as palavras de Drucker, “uma função
de marketing” e as instituições precisam olhar os empregados como um tipo
de cliente – é algo em que mais gestores precisam prestar atenção.
No caso dos japoneses, “todos que estão inclinados a serem afetados por
uma decisão – digamos, por uma joint venture com uma empresa Ocidental,
ou a aquisição de ações de um potencial distribuidor americano –, serão
solicitados a escrever o quanto tal decisão afetaria seu trabalho, função e
departamento”, frisou Drucker. “Ele é expressamente proibido de ter uma
opinião, recomendar ou fazer objeção à possível ação. Mas espera-se que
ele reflita atentamente. Em contrapartida, a administração sabe o
posicionamento de cada uma dessas pessoas. Então, a cúpula toma a decisão
de cima para baixo.”
A essa altura, todos já têm participação na nova direção da empresa. Cada
empregado é minuciosamente preparado para o que está por vir. “Não há
necessidade de vender a decisão, ela já foi vendida”, conclui Drucker.

Compartilhando a jornada

Em contraste, na Nokia, os funcionários pareciam surpresos pela notícia da


Microsoft. No dia em que foi divulgada, mais de 1.000 trabalhadores saíram
da empresa, em protesto. Muitos estão preocupados com demissões.
Enquanto isso, os concorrentes estão ocupados pescando talentos. “Algum
engenheiro da Nokia precisa de emprego? Estamos contratando”, dizia o
tweet de um recrutador do Google.
Elop, que deixou a Microsoft para ingressar na Nokia, em setembro
último, engoliu seus sapos pela ligação com a antiga empresa. Um grupo de
pequenos acionistas está pedindo sua saída, e há analistas de sobra
questionando a sabedoria dessa aliança.
Mas, no fim, mesmo que Elop consiga persuadir o pessoal de fora que essa
estratégia faz sentido, é o pessoal de dentro que terá de mostrar resultados.
Como Drucker disse, “a menos que a instituição tenha ‘comprado’ a decisão,
ela permanecerá ineficaz”.
Questionado sobre a opinião negativa de tantos de seus trabalhadores,
Elop comentou: “Todo funcionário passa por uma jornada emocional, e a
jornada emocional é difícil, porque essa é uma grande mudança. Eu tive
quatro meses e meio para passar pela minha jornada emocional, terminando
numa posição bem diferente daquela que eu tinha quando comecei.”
Se mais trabalhadores da Nokia tivessem seguido com ele por pelo menos
mais um trecho da jornada, sem saberem de tudo num estalo, a essa altura, a
empresa teria um posicionamento bem mais forte.
18 de fevereiro de 2011
CAPÍTULO 3
Desafios administrativos
para o século XXI
O problema da General Motors referente
ao acordo com o STA, Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria Automotiva

E m 1946, foi publicado Concept of the Corporation, de Peter Drucker,


uma análise de vários anos da General Motors. A GM odiou. A análise de
Drucker – afirmando que o fabricante automotivo, absurdamente bem-
sucedido na época, deveria reavaliar uma porção de antigas diretrizes de
relações com clientes, revendedores, funcionários e mais – foi vista, dentro
da instituição como altamente crítica. Alfred Sloan, o reverenciado
presidente da GM, ficou tão aborrecido com o livro que “ele simplesmente o
tratou como se não existisse”, Drucker recordou mais tarde, “sem jamais
mencioná-lo e jamais permitindo que fosse mencionado em sua presença”.
O Sindicato dos Trabalhadores Automotivos também não abraçou o
pensamento de Drucker. Entre suas recomendações específicas, dizia que os
trabalhadores da GM assumissem responsabilidade mais direta pelo que
faziam, adotando uma “postura gerencial” e atuando numa “comunidade de
governança pessoal”. Walter Reuther, poderoso presidente do STA, recebeu
esse conceito da seguinte forma: “Gerentes gerenciam e trabalhadores
trabalham, e exigir que os trabalhadores assumam responsabilidade pelo que
é da função gerencial impõe um fardo intolerável ao trabalhador.”
Seis décadas depois, se Drucker estivesse vivo para instituir o último
capítulo da saga da GM, meu palpite é que, mais uma vez, nem a companhia
ou o sindicato ligariam muito para o que ele teria a dizer. Drucker, no
mínimo, ficaria cético sobre o quão transformador o contrato de quatro anos,
firmado entre a GM e o STA semana passada, realmente é.

Modelo industrial obsoleto


Sim, a reestruturação das grandes obrigações da GM com o STA, junto com
as concessões de vencimentos e benefícios pelo sindicato, prometem deixar
a estrutura de custos da empresa mais em linha com suas concorrentes
asiáticas. Isso pode muito bem permitir que a GM se torne consistentemente
rentável, o que não é pouca coisa.
Porém, em determinado nível, o acordo se atém a um modelo industrial já
obsoleto. E vai de encontro com a estratégia previamente articulada por Rick
Wagoner, presidente da GM, de desenhar novos veículos para que possam
ser montados em qualquer lugar do planeta.
Segundo os noticiários, em particular, a GM prometeu investir bilhões de
dólares para manter certos carros, caminhonetes e motores nos EUA,
provendo um incremento às instalações em Wisconsin, Michigan e Indiana, e
o STA espera uma medida de segurança para seus 74 mil trabalhadores
sindicalizados. Segundo a companhia descreveu no contrato, isso “prepara o
caminho para que a GM tenha uma melhora significativa em sua
competitividade produtiva”, simultaneamente “reforçando sua base de
produção essencial nos EUA”.

Desviando da produção manufaturada

Mas esses dois princípios – preparando-se para o futuro e trancando-se


numa mentalidade ‘feito nos Estados Unidos’ – estão fundamentalmente em
desacordo.
Como Drucker via, grandes forças econômicas e demográficas
posicionaram os EUA e outras nações desenvolvidas numa rota em que os
empregos de bens manufaturados estão destinados a um papel cada vez
menos relevante. Boa parte desse trabalho, segundo ele, inevitavelmente será
desviado ao exterior.
Tentar evitar essa mudança através do que se resume ao protecionismo na
mesa de barganha é tolice. A mudança do século XXI, passando das linhas
tradicionais à manufatura do que Drucker chamava de “trabalho com
conhecimento” – análise laboratorial, design de software etc. – é tão
implacável quanto a transição da agricultura para os manufaturados, do
século XX.
Depois da Segunda Guerra Mundial, aproximadamente 1 em cada 3
trabalhadores americanos estava empregado em produção. Hoje, esse
número representa 1 em cada 10 (embora o rendimento produtivo, assim
como a parcela do rendimento total econômico, tenham se mantido estáveis,
graças, em grande parte, à produtividade crescente).

Educação acima do aprendizado

“A maioria das pessoas continua acreditando que quando os empregos de


produção entram em declínio, a base produtiva do país é ameaçada e tem de
ser protegida”, Drucker escreveu em 2001, quatro anos antes de morrer.
“Elas têm grande dificuldade de aceitar que, pela primeira vez na história, a
sociedade e a economia já não são dominadas pelo trabalho manual, e um
país pode se alimentar, habitar e vestir com apenas uma pequena minoria de
sua população engajada nesse tipo de trabalho.”
Drucker não quis dizer que as pessoas deixariam de usar as mãos de vez;
na verdade, em muitos casos, talvez usem até mais. Mas o trabalho será
“baseado em conhecimento teórico que só pode ser adquirido através de
educação formal”, explicou ele, “não através de aprendizado”.
Tudo isso sugere que quaisquer investimentos que a GM esteja fazendo
para solidificar sua presença produtiva nos EUA seriam mais aproveitados
se fossem gastos em programas de lançamento para reciclagens e
reorganização de seus jovens trabalhadores para um destino do qual, no final
das contas, muitos deles não conseguirão escapar.

O fim da linha de montagem

Isso também não deve ser uma iniciativa incompleta. Imagine uma grande
instituição criando um currículo de aprendizado vitalício que tenha o
respaldo de tanta energia, talento e força financeira como a elaboração de
uma bateria de novas fábricas. Imagine um programa de reciclagem tão
vigoroso e inovador que o sindicato jamais pudesse descartar como uma
concessão corporativa qualquer.
Em 1983, em um novo epílogo de Concept of the Corporation, Drucker
escreveu: “A GM pode, dentro de uma década, se desenvolver tornando-se
uma companhia verdadeiramente transnacional que integre mercados do
mundo desenvolvido e seu poder de compra com os recursos da mão de obra
do Terceiro Mundo.
“E, embora seja cedo demais para um palpite de como será o perfil da
mão de obra da GM”, acrescentou ele, “a linha de montagem, aquele símbolo
da indústria durante a primeira metade do século até 1990 ou 2000,
provavelmente terá sumido na história”.
Drucker obviamente estava ligeiramente enganado na cronologia. Mas não
há como negar que a tendência simplesmente está ali – mesmo para os que
gostam de fingir, como Alfred Sloan fez um dia.
30 de setembro de 2007
Drucker e as complexidades raciais

M uito antes que uma parte tão grande da nação ficasse obcecada com o
que estava sendo dito nos sermões das igrejas negras, nas manhãs de
domingo, Peter Drucker ia ouvir pessoalmente, de vez em quando.
Era o fim da década de 1930 e Drucker tinha acabado de chegar em Nova
York, fugindo dos nazistas. Sempre que calhava de passar um fim de semana
em Washington, Drucker relembrou anos depois, ele entrava sorrateiramente
na Rankin Chapel e ficava “abalado e comovido” por Howard Thurman, o
capelão da Universidade de Howard. Segundo Drucker, ele tinha um tipo de
voz que “chegava ao âmago do ser”.
A oratória de Thurman e os relacionamentos que Drucker fez com outros
intelectuais negros da época lhe deixaram uma impressão e tanto. Afinal, ele
sempre viu a importância da administração como algo que transcende a
arena corporativa e chega a todos os segmentos da sociedade.
De fato, Drucker achava a discriminação racial que permeava seu país
adotivo algo tão perturbador que uma vez recusou “a função acadêmica mais
atraente” que já teve em seu caminho – o cargo de reitor da Emory
University, em Atlanta. “O cargo foi-me oferecido no fim dos anos 1940,
quando o Sul ainda era inteiramente segregado, e eu tive que dizer não”,
relatou Drucker em sua autobiografia, intitulada Adventures of a Bystander.

A repercussão Obama

É impossível saber que candidato Drucker teria apoiado, se é que apoiaria


algum, na corrida presidencial de 2008; ele era difícil de definir
politicamente. Pouco tempo antes de falecer, em 2005, aos 95 anos, ele
elogiou um democrata (Harry Truman) e um republicano (Ronald Reagan)
como os presidentes mais eficazes dos últimos 100 anos.
Mas eu imagino que Drucker teria sentido uma forte ligação com o
discurso feito pelo senador Barack Obama (democratas de Illinois) esse mês
sobre “as complexidades raciais desse país, que nunca realmente
destrinchamos”. Drucker teria entendido a abordagem de Obama, que a
linguagem incendiária usada por seu antigo pastor, o Reverendo Jeremiah
Wright – sendo, por um lado, “simplesmente indesculpável” – era fomentada
por uma raiva real e poderosa, com raízes muito profundas.
“A escravidão não foi um equívoco, foi um pecado – e os frutos dos
pecados de um pai são arcados pelos filhos de sete gerações”, Drucker
disse, em 1991, numa palestra no Economic Club of Washington. “Agora
estamos na quarta geração”, acrescentou ele, aludindo à necessidade de ao
menos mais seis décadas para superar esse legado vergonhoso.

Conhecimento e trabalho

Ao mesmo tempo, Drucker certamente teria admirado a franqueza de Obama


ao afirmar que os afro-americanos frequentemente falharam em enfrentar
“nossa própria cumplicidade, em nossa condição”. Na forma como Drucker
via as coisas, essa falha foi particularmente severa em termos do mais vasto
desenvolvimento econômico da metade do último século: a mudança dos
empregos manuais, de trabalhadores de fábricas, para o “trabalho com
conhecimento”, no qual as pessoas são obrigadas a usar mais a cabeça do
que as mãos.
No começo dos anos 1990, Drucker declarou que essa transição para o
trabalho de conhecimento rumava para ser concluída nos EUA – e, com ela,
havia emergido a percepção de que a educação é “o centro da sociedade de
conhecimento, e a escolaridade é sua instituição chave”. Essa nova
realidade, segundo Drucker, tem “sido amplamente aceita (exceto na
comunidade negra) como apropriada, ou, ao menos, inevitável”.
Desnecessário dizer que muito se pensou no conteúdo desses parênteses.
“Nos anos de 1950 desde a Segunda Guerra Mundial, a posição
econômica dos afro-americanos dentro dos Estados Unidos melhorou mais
depressa do que a de qualquer outro grupo na história social americana – ou
na história social de qualquer outro país” – escreveu Drucker, num artigo de
1994, para a Atlantic Monthly. “Três quintos dos negros dos Estados Unidos
ascenderam para a renda da classe média; antes da Segunda Grande Guerra,
esse índice era de um vigésimo.
“Porém, metade desse grupo ingressou na classe média, não nos empregos
da classe média. Desde a Segunda Guerra, mais e mais negros entraram na
indústria de produção em massa, dos trabalhadores sindicalizados – ou seja,
nos empregos com remuneração de classe média alta, sem que lhes fosse
exigido formação nem habilidade. No entanto, esses são precisamente os
empregos que estão desaparecendo cada vez mais depressa.”

Mudando o status econômico

Esse caminho – tão tentador, mas, no final das contas, tão tênue – ajuda a
explicar o motivo pelo qual o atual status econômico dos negros representa
apenas 56% em relação ao dos brancos, segundo a National Urban League.
“O economicamente racional para o jovem negro nos Estados Unidos pós-
guerra não era permanecer na escola e aprender; era deixar a escola o mais
cedo possível e arranjar um dos empregos que havia de sobra na produção
em massa”, Drucker conclui. “Como resultado, no aspecto quantitativo, a
queda do trabalhador industrial golpeou os negros do país de maneira
desproporcionalmente difícil e, pior ainda, no aspecto qualitativo. Isso
enfraqueceu o que havia de exemplo mais potente na comunidade negra
americana: o trabalhador industrial bem pago, com emprego estável, plano
de saúde e uma aposentadoria garantida – ainda que sem possuir habilidade
ou muita formação.”
A solução óbvia é melhorar as oportunidades educacionais de alto nível
para as crianças negras e igualmente para os adultos. Mas, novamente, o
passado complicou o presente. Nas décadas de 1950 e 60, as escolas foram
integradas – um ato que Drucker estimou profundamente. “A discriminação
racial tinha de ser corrigida, tinha de ser eliminada”, disse ele. Mas, ao fazê-
lo, muitas escolas acabaram “colocando os fins sociais à frente do objetivo
de aprender”, Drucker escreveu em Post-Capitalist Society, de 1993. O
resultado foi que o sistema educacional, que tinha sido programado para
ajudar, acabou sendo minado para muitas das próprias crianças.
O caminho à frente, Drucker rogou, é criar uma nova cultura “na qual as
crianças menos privilegiadas aprendam porque isso é esperado delas,
exigido delas” – um grito de esperança, se é que ela algum dia existiu.
27 de março de 2008
Alavancando os pontos fortes
dos deficientes

Q uando a Câmara de Deputados aprovou, no último junho, a lei que


estende proteção aos deficientes, isso representou um importante passo à
frente sobre um assunto também importante. Mas o que o local de trabalho
precisa, até mais do que a nova lei, é de uma antiga visão – que foi provida
inicialmente por Peter Drucker, há mais de 40 anos.
“Tornar a força produtiva é o único propósito de uma organização”,
Drucker escreveu, em seu clássico de 1967, intitulado The Effective
Executive, “é claro que ela não pode sobrepor os pontos fracos que todos
temos de sobra. Mas isso pode torná-los irrelevantes”.
Isso vale pra todos nós, é claro. Como Drucker observou, “pessoas fortes
sempre têm pontos fracos também. Onde há humano, há erro. E ninguém é
forte em muitas áreas. Comparados ao universo do conhecimento,
experiência e habilidades humanas, até mesmo o maior gênio do mundo seria
classificado como um fracasso total. Não existe tal coisa como um ‘homem
bom’. A pergunta é: bom em quê?”

A barreira da postura no local de trabalho

Mas essa perspectiva tem uma ressonância particular com os deficientes –


uma população substancial e em crescimento. A ONU calcula que ao redor
do globo existam cerca de 650 milhões de pessoas vivendo com
deficiências. Nos EUA, o departamento de censo contabilizou mais de 50
milhões com algum tipo de deficiência.
E muitas delas lutam para encontrar um emprego, mesmo tendo habilidades
e avidez para trabalhar. O Disability Funders Network (Rede de Apoio ao
Deficiente), grupo sem fins lucrativos, relata que o índice de desemprego
para pessoas com deficiência é 10 vezes mais alto do que o do país como um
todo. Um estudo de 2003, feito por pesquisadores da Cornell University,
deixa pouca dúvida quanto ao motivo disso: concluiu-se que a “postura no
local de trabalho continua a ser uma barreira na contratação e mantimento de
pessoas com deficiências”.
Após meses de negociações entre lobistas comerciais e defensores dos
deficientes, o projeto de lei que acabou de passar na Câmara deve ajudar.
Aborrecidos porque a Suprema Corte havia derrubado o plano original, de
1990, balizador do ADA Americans with Disabilities Act (Lei dos
Americanos Deficientes), os legisladores deixaram claro que as pessoas
portadoras de epilepsia, diabetes, câncer, esclerose múltipla, paralisia
cerebral e outras doenças devem receber do ADA proteção contra
discriminação, mesmo que controlem a doença com medicamentos ou
estejam em remissão. É esperado que o Senado aprove uma medida similar.

Canalizando talentos singulares

Porém, o mais necessário é uma mudança fundamental na forma de pensar


dos funcionários. Eles frequentemente se preocupam com o que veem como
limitações de uma pessoa deficiente. Em lugar disso, o foco deve ser:
“Como se alavanca os pontos fortes da pessoa?”, disse Jonathan Kaufman,
presidente da Disability-Works, uma empresa de consultoria de Nova York
que presta serviços a clientes do setor público e privado. Ele acrescenta que
“o conceito de Drucker é crucial”.
Kaufman, que nasceu com paralisia cerebral, diz que conhece pessoas
deficientes com os mais incríveis talentos, que seriam uma dádiva na
empresa certa – indivíduos com Síndrome de Asperger, por exemplo, que
são capazes de “multiplicar números com 12 ou 15 dígitos de cabeça mais
rápido que uma calculadora. A questão é como você canaliza isso, como
administra”.
Em sua autobiografia, Copy This!, Paul Orfalea, fundador da Kinko, relata
como ser portador de dislexia dificultou certas coisas para ele, incluindo a
leitura e escrita. Mas ele também descobriu que tinha uma vantagem sobre
seus rivais na loja de cópias.

Diversidade humana
“Os disléxicos possuem uma empatia extraordinária”, ele explicou. “Talvez
os disléxicos sejam tão solidários porque, quando criança, muitos de nós nos
acostumamos a não ter ninguém que nos ouvisse. Eles sofrem e captam o
sofrimento dos outros. Esse era o caso comigo. Para lidar com aquilo, eu
passei a ser um bom ouvinte.” Anos depois, Orfalea percebeu que isso o
transformava em alguém raramente sintonizado para “entender e atender as
necessidades emocionais dos clientes e funcionários”.
Kaufman acredita que as empresas podem colher outros benefícios em
admitir e adiantar as carreiras de deficientes. Uma coisa é certa, essa
abordagem pode prover “a diversidade humana” que Drucker acreditava ser
vital para o bem-estar de toda instituição.
Além disso, contratar deficientes pode gerar lealdade dos clientes entre os
amigos e parentes do funcionário – mercado potencialmente imenso quando
se leva em conta que das 70 milhões de famílias nos EUA, mais de 20
milhões possuem ao menos um membro com uma deficiência. As posições
dos deficientes constituem um mercado enorme, ostentando mais de 1 trilhão
de dólares de renda agregada anual.
O resultado final, segundo Kaufman, é que, se uma empresa aprende a
valorizar o deficiente, isso pode “afetar os resultados” de uma forma
positiva e, ao mesmo tempo, “pode ter um verdadeiro impacto social” –
dupla favorita de Drucker.
Vistos dessa forma, os deficientes não são uma responsabilidade; são uma
oportunidade.

Teimando em não se convencer

Alguns negócios entendem. A Virginia Commonwealth University


desenvolveu 20 cases, incluindo projetos da Alaska Airlines, Bank of
America e Hyatt, que enfatizam “modelos corporativos de sucesso” lidando
com os deficientes. Dos 485 trabalhadores do centro de distribuição da
Walgreen, na Carolina do Sul, mais de 35% são deficientes. E a rede de
farmácias agora está contratando trabalhadores para suas novas instalações
em Connecticut.
“Na verdade”, diz a empresa, em seu material social, “estamos ativamente
buscando pessoas qualificadas, incluindo gente com deficiências cognitivas
e intelectuais. Por que despender um empenho extra para contratar
trabalhadores com deficiências cognitivas e intelectuais? Porque esse é um
grupo que raramente recebe ofertas verdadeiras de emprego. Nós queremos
mudar isso. Achamos que podemos”.
Ainda assim, muitas empresas continuam obstinadas. Elas dizem se
preocupar com a possibilidade de aumento nos custos, questões de
segurança, o aspecto da responsabilidade legal e como os colegas e clientes
irão reagir.
Mas todas essas coisas são simplesmente desculpas para uma
administração inferior. Recorrendo à parábola dos talentos da Bíblia,
Drucker frisou que a tarefa do administrador não podia ser mais clara: É
“multiplicar a capacidade de desempenho do todo, colocando em uso
qualquer que seja a força, até a saúde, qualquer aspiração que haja nos
indivíduos”.
3 de julho de 2008
Quando 2008 parece 1968

F oi uma porcaria de verão, não foi? Outro dia, no posto de gasolina,


fiquei olhando, incrédulo, como tenho feito há semanas, enquanto os números
na bomba subiam cada vez mais. Total: 67,83 dólares para encher o tanque
do meu Passat. Pulei de volta para dentro e liguei o rádio, achando que uma
musiquinha pudesse tirar da minha cabeça o vazio em minha carteira, mas,
em vez disso, veio o noticiário: Fannie Mae e Freddie Mac estavam
vacilantes. Depositantes nervosos tinham irrompido no IndyMac Bancorp
para sacarem seu dinheiro. A General Motors estava se preparando para
fazer outra rodada de cortes.
Suspiro. Você não tem que ser muito rabugento para sentir que as coisas
andam desabando ultimamente – muito disso é resultado da terrível gestão
que se estende por uma imensa gama de instituições. Temos sido minados
por corretores hipotecários e banqueiros corruptos, reguladores financeiros
ambíguos, executivos míopes na indústria automotiva e políticos sem visão.
Deus sabe que há culpados de sobra por aí.
No entanto, vale considerar que esses problemas – a crise dos
financiamentos imobiliários, a gasolina a mais de 4 dólares, as dificuldades
contínuas de um ícone americano como a GM – refletem mais que um
fracasso profundo. Eles também dizem muito sobre nosso futuro: “o futuro”,
segundo Peter Drucker colocava, “que já aconteceu”.
Vendo dessa forma, nós talvez estejamos menos atolados no Verão do
Nosso Descontentamento do que começando a enfrentar o que Drucker
chamava de A Era da Descontinuidade.
Foi há 40 anos, quando Drucker usou essa frase como título de seu décimo
livro. Ele predisse uma era que apenas começava a despontar no horizonte,
que prometia trazer “um período de mudanças – na tecnologia e política
econômica, nas estruturas industriais e na teoria econômica, no conhecimento
necessário para governar e administrar”.

Bases que se movem


Essa época de transformação – que ainda estamos atravessando – possui um
contraste rigoroso com aquela que a precedeu. Durante o período anterior,
que Drucker demarcou a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, até o
meio da década de 1960, as tendências na produção e na renda ao redor do
globo tinham sofrido uma alteração tão leve que um “economista Rip Van
Winkle”, que adormeceu em 1914 e despertou 50 anos depois, teria ficado
estarrecido ao descobrir o quanto permaneceu nos trilhos. Segundo Drucker,
durante esse período, ainda menos mudanças relevantes ocorreram no
cenário econômico do que em qualquer época ao longo dos 300 anos
anteriores.
“Cada uma das áreas industriais atualmente tidas como uma grande
potência já seguia a caminho da liderança industrial em 1913”, explicou ele.
“Desde então, nenhum grande país industrial entrou para o clube”. De forma
semelhante, “grande parte da tecnologia industrial” dos anos 1960 era
meramente “uma extensão e modificação de inovações e tecnologias” que
desabrocharam durante a metade do século após a Guerra Civil.
Mas Drucker sabia que toda essa calma, toda essa estabilidade, estavam
prestes a acabar. Ele escreveu que “as bases se moveram sob os nossos
pés”.
Entre as mudanças mais profundas que Drucker viu se desfraldarem,
estava o distanciamento da “economia internacional” tradicional –
caracterizada por nações individuais atuando como unidades díspares, cada
qual com “seus próprios valores e preferências econômicas, seus próprios
mercados e sua própria informação altamente reservada”. O que subitamente
emergia em seu lugar, segundo ele, era uma verdadeira “economia mundial”,
na qual “as diferenças já não estavam no que as pessoas têm ou querem, mas
no quanto das mesmas coisas elas têm ou podem comprar”.
Vemos aspectos disso se mostrando neste momento, na bomba de gasolina.
Embora a especulação e manipulação tenham tido participação nas recentes
subidas de preço, é o aumento da demanda por petróleo dos países em
desenvolvimento que vai manter os preços altos. A Agência Internacional de
Energia nos diz que a China e a Índia estão em ritmo de importar, juntas, 19
milhões de barris diários de petróleo em 2030, enquanto em 2006
importavam aproximadamente 5 milhões. Contudo, não temos nenhuma
política nacional de energia que lide com a pressão que isso invariavelmente
incidirá nos suprimentos.
Época de trevas?

Enquanto isso, o colapso dos financiamentos imobiliários – que continua a


ser sentido não apenas nos EUA, mas também na Europa e Ásia – enfatiza o
falta de conectividade mundial, assim como nosso fracasso em gerir o
sistema de forma adequada. “Há uma necessidade muito maior de regular os
mercados financeiros internacionais e globais”, disse Joseph Stiglitz, um
professor da Universidade de Columbia e ex-economista chefe do Banco
Mundial, numa conferência em Frankfurt, no começo desse ano. “Mas nós
não temos nem as instituições, nem a postura mental com as quais
poderíamos fazer isso de forma eficaz e democraticamente.” Ainda estamos
agindo como se fosse 1968, e não 2008.
Quanto à GM, seus planos para acelerar o fechamento de algumas fábricas
de caminhonetes e utilitários e dispensar mais alguns milhares de operários
da produção é, no maior sentido, um sinal de outra mudança monumental que
Drucker abordou em The Age os Discontinuity: “Na véspera da Segunda
Guerra Mundial”, escreveu ele, “os operadores de máquinas e homens da
linha de montagem eram o centro da força de trabalho americana. Hoje, o
centro é o trabalhador com conhecimento, o homem ou mulher que aplica ao
trabalho produtivo suas ideias, conceitos e informação, em lugar de
habilidades manuais ou massa muscular”.
Claro que isso é ainda mais verdadeiro agora. Porém, novamente, não
estamos nos portando de acordo. Entre 1940 e 2000, a proporção dos que
têm 25 anos ou mais, nos EUA, com pelo menos o diploma de faculdade,
aumentou de pouco menos de 5% para mais de 25%. Mas nos últimos anos, o
Peter G. Peterson Institute for International Economics demonstrou que esse
crescimento estagnou. Além disso, os EUA têm previsão de passarem por um
declínio do número de trabalhadores detentores de diplomas de mestrado e
doutorado. Essa é realmente a forma como queremos nos preparar para
sermos bem-sucedidos em uma economia baseada no conhecimento?
Quatro décadas inteiras se passaram desde que The Age of Discontinuity
surgiu. É bom que comecemos a absorver suas lições, antes que o verão se
transforme em uma época triste que nunca termina.
17 de julho de 2008
Sem fórmula mágica
para a crise econômica

C om a economia em apuros e o futuro incerto, gestores de toda parte


estão em busca de respostas. Ou, mais precisamente, muitos estão
determinados a encontrar a resposta – aquela estratégia que lhes permitirá
passar por essas épocas turbulentas.
Este é o momento de reduzir a marcha? Ou é uma oportunidade de adquirir
os bens a preços baixos? Será que a instituição deve se manter em seu
curso? Ou deve tentar uma nova direção? Para Peter Drucker, a resposta
para tais perguntas sempre poderá ser resumida em três palavras: isso tudo
depende.
Pode parecer terrivelmente insípido, principalmente durante um período
em que tantas pessoas estão buscando um pouquinho de certeza na qual se
agarrar. Mas, para Drucker, determinar o que uma empresa deve fazer em
seguida é algo que somente a própria empresa pode fazer, através de uma
contínua e “sistemática análise de todos os atuais produtos, serviços,
processos, mercados, utilização final e canais de distribuição”.
Ao analisar minuciosamente todas essas dimensões da transação, é preciso
perguntar: “Estas ainda são viáveis?” Drucker escreveu, em sua obra-prima
de 1973, Management: Tasks, Responsibilities, Practices: “Elas têm
probabilidade de permanecerem viáveis? Ainda passam valor ao cliente?
Tendem a continuar a passá-lo amanhã? Ainda se encaixam às realidades da
população e mercados, da tecnologia e economia? Se não, qual é a melhor
forma para que as deixemos de lado – ou, pelo menos, de deixar de injetar
recursos e empenho?”

Pense com cautela

Com as coisas tão instáveis no mundo atual, as empresas devem trabalhar


metodicamente nesses assuntos complexos. No entanto, a tendência é fazer
exatamente o contrário. Conforme Drucker observou numa entrevista de
1997, sempre que as pessoas são “pegas num período de mudanças velozes,
a sensação é de que tem de haver uma resposta correta”, à qual todos podem
facilmente recorrer.
Essa sensação origina-se, em parte, da pressão dos colegas. “Se um
presidente comenta no campo de golfe algo como ‘Nós estamos usando isso
e não passaríamos sem’, você também tem de fazê-lo”, comentou Drucker.
Ele se apressou em acrescentar que não são apenas os executivos que são
vítimas desse tipo de raciocínio preguiçoso. “Quando eu estava crescendo,
em Viena, todos sentiam a necessidade de fazer análise”, recordou ele. “E
houve uma época em que toda criança com mais de quatro anos precisava ter
as amídalas removidas... A busca por uma solução rápida é uma falha
humana universal.”
No reino dos negócios, essa é uma falha que se manifesta numa sucessão
de modismos passageiros da gestão, ofertados por uma série de gurus de
estilo próprio. “Cada evangelista”, disse Drucker, “está bem certo de que
seu próprio remédio patenteado cura tudo. E é muito difícil que a
administração pergunte ‘Isso é para nós?’”

“Psicologia de Maria vai com as outras”

Mas, na verdade, não há panaceia alguma. “O negócio que é bom para minha
artrite”, disse Drucker, “não me ajudaria em nada com uma perna quebrada,
mesmo sendo na mesma área”.
Isso é notoriamente “psicologia de Maria vai com as outras”, como
Drucker chamava, o que contribuiu com a crise em que estamos atolados
agora. Em vez de enfrentar, diligentemente, as perguntas que Drucker sugeriu
– O que estamos fazendo é viável? Isso se adéqua à realidade? –, muitos
executivos dos bancos ignoraram os riscos, com o maior prazer, e
mergulharam na fossa do crédito subprime. A razão disso era óbvia: parecia
uma forma de enriquecimento rápido. E, além disso, todo mundo estava
fazendo.
Bem, todo mundo, não. William Taylor, coautor do livro Maverick at
Work, recentemente frisou que o banco online ING Direct “conseguiu evitar a
marcha de todos de sua área” ao manter “os financiamentos hipotecários
simples, em lugar de instrumentos exóticos que pareciam bons demais para
serem verdade (e eram)”. Segundo Taylor, o ING gerou 100 mil hipotecas no
valor de 26 bilhões de dólares, enquanto teve 15 meras execuções
hipotecárias.
Arkadi Kuhlmann, presidente e presidente do conselho do ING Direct, se
orgulha em ter recusado, construindo seu negócio em serviços baratos e
básicos, com alta taxa de juros. Ainda assim, ele admitiu a Taylor que, às
vezes, seguir a multidão tem uma atração. “Toda pessoa que tenta fazer uma
inovação real será tentada pelo dinheiro a ganância, aceitação, estar no
miolo do agito”, disse Kuhlmann. “Mas, no fundo”, explicou ele, “há uma
diferença fundamental: eu sei por que estou aqui. Eu quero fazer uma
diferença”.
Segundo a visão de Taylor – e Drucker certamente teria concordado –,
essa é uma das coisas mais importantes e corajosas que um gestor pode
fazer: “resistir à inovação que ocorre em sua área, quando essa inovação,
independentemente do quão popular se torne com seus concorrentes, vai
contra seu ponto de vista de longo prazo.”
Então, o que um administrador deve fazer em meio a uma economia frágil?
Dê uma boa e séria olhada em sua empresa e no contexto de sua missão – e
na de ninguém mais –, decida o que está pronto para ser buscado e o que faz
sentido abandonar. No fim, você talvez pegue a esquerda, talvez, a direita.
Talvez fique apenas parado.
“Nove vezes, em cada dez”, disse Drucker, “quando você faz o
diagnóstico, você não prossegue na transação. Apenas espera” – e deixa
passar o trem de Maria vai com as outras.
Salvação do setor automobilístico:
o que Drucker teria dito

N o meio dos anos 1970, Peter Drucker ficou diante de um grupo de


executivos, na Universidade de Nova York, e ouviu um deles reclamar de
suas dificuldades com uma economia complicada. Drucker lhe deu um
pequeno conselho, mas o executivo evidentemente não ficou convencido.
“Não acho que isso irá funcionar pra mim”, o homem disse, num debate
descrito no livro de John Tarrant intitulado Drucker: The Man Who
Invented the Corporate Society. “Então, teria sido melhor você fechar o
negócio”, disse Drucker. “Não há lei que diga que uma empresa tem que
durar para sempre.”
Imagino que Drucker teria dito algo bem semelhante se tivesse tido a
chance de passar alguns minutos com os presidentes das três maiores
empresas automotivas, conforme eles seguiram até Capital Hill, essa
semana, para pedir socorro federal de 25 bilhões de dólares.
E saiba que ele não teria feito isso gentilmente. Pois Drucker compreendia
muito bem a dor particular e a desarticulação social que podem resultar do
colapso de uma indústria.
Seis décadas atrás, ele observou a máquina catadora de algodão começar
a varrer o Sul, eliminando a necessidade de trabalhadores nos campos. “Sem
dúvida”, escreveu ele, “a substituição do trabalhador economicamente
ineficaz pela máquina eficiente deve acabar resultando numa renda maior
para todos, incluindo os que estão desalojados ou seus descendentes”.

Lições do algodão

“Mas para onde irão os meeiros, que totalizam entre 5 e 8 milhões, e o que
irão fazer?”, Drucker prosseguiu. “E quanto à malha social e econômica do
Sul, da qual eles servem de base? Certamente, um desalojamento súbito dos
meeiros seria uma catástrofe social e política, não somente para o Sul, mas
também para o país inteiro.”
No entanto, Drucker reconheceu que tentar impedir o caminho da máquina
– e o caminho do futuro – implementando algum tipo de diretriz industrial
“resultaria numa catástrofe ainda maior; a cada ano, o ajuste se tornará mais
difícil, o status quo, menos sustentável”.
A analogia entre algodão e carros está longe de ser perfeita. Mas não há
como fugir da mesma conclusão dolorosa: dar uma escora a um grupo de
empresas que não conseguem competir sozinhas só irá retardar o inevitável e
dificultar a adaptação mais adiante.
O relacionamento de Drucker com a indústria automobilística foi longo e
ocasionalmente adverso. Na verdade, suas palavras de alerta sobre o Sul do
Algodão foram escritas como parte de seu livro de 1946, Concept of the
Corporation, que, antes de mais nada, tratava-se de um estudo da fabricante
automotiva mais problemática de hoje, a General Motors.

Aviso agourento à cúpula da GM

Na época, a GM estava no topo do mundo e Concept of the Corporation foi


mais que respeitoso. “A maioria dos críticos”, Drucker relembraria mais
tarde, “considerou o livro fortemente a favor da GM”. Porém, em meio aos
diretores da companhia, ele se tornou uma praga, logo depois de ser
publicado.
Drucker explicou que seu trabalho foi insultado, pois ele cometera a
temeridade de dizer que a GM talvez quisesse rever algumas de suas
diretrizes e estratégias essenciais, principalmente aquelas que haviam sido
instituídas havia 20 anos ou mais. Ele acrescentou que o grande sucesso
dessas abordagens era o que tornava a revisão ainda mais urgente.
“Não foram especificamente as minhas sugestões de mudança que
aborreceram tanto os executivos da GM, mas minha sugestão de que as
diretrizes fossem consideradas temporárias, sujeitas a se tornarem
obsoletas”, disse Drucker. “Para os executivos da GM, os procedimentos
eram ‘princípios’ válidos para sempre ou, ao menos, por períodos muito
longos.”
Por volta dos anos 1990, Drucker deu outra olhada na GM e concluiu que,
em certo grau, pouca coisa havia mudado – porém, naquele momento, em vez
de altamente rentável e vastamente admirada, a empresa estava oscilando
seriamente (em especial em relação à Toyota, sua concorrente japonesa, que
acolhera muitas das ideias de Drucker, principalmente na área de relações
humanas). Segundo a visão de Drucker, a gigante de Detroit estava mais lenta
do que nunca e resistente ao novo modo de pensar.
Os motivos da “inabilidade da GM de sair do atoleiro”, Drucker escreveu
na nova introdução de Concept of the Corporation, “são, na maioria, os
problemas indicados há 50 anos”.
Hoje, a questão é: o que faz alguém achar que algo poderia ser diferente só
pela aplicação de 25 bilhões de dólares?

Investimento em treinamento profissional

No entanto, apenas ser contra o auxílio à fabricante automotiva também não é


responsável. Afinal, por trás de todo Hummer, estão os humanos que o
construíram. Portanto, em vez de 25 bilhões de dólares para socorrer as
empresas, por que não fazer um investimento de 25 bilhões naqueles
trabalhadores das montadoras e outros, que talvez sejam desalojados tão
bruscamente, como os meeiros do velho Sul?
O Governo Federal atualmente gasta 20 bilhões em todos os seus
programas de treinamento, segundo a Workforce Strategy Center, um grupo
de pesquisa baseado em Nova York. É o momento certo para um grande
incremento naquele orçamento, principalmente com a expectativa da geração
de milhões de empregos na área ambiental, ao longo dos próximos 30 anos.
“Proteger indústrias que estão envelhecendo não funciona”, Drucker
mencionou em seu livro de 2002, intitulado Managing in the Next Society.
“Essa é a lição clara de 70 anos de subsídios agrícolas.” O que estiver
sendo gasto na escora de empreendimentos falidos, escreveu ele, “deveria
estar subsidiando a renda de trabalhadores mais velhos dispensados e o
treinamento de reciclagem e reorganização dos mais jovens”.
Dinheiro não resolve tudo: muitas iniciativas de desenvolvimento da mão
de obra estão sendo mal administradas e precisam ser revistas. Mas há
alguns modelos promissores por aí, e o impulso geral é puramente Drucker:
prover acesso ao conhecimento ampliado, enquanto se coloca o passado no
espelho retrovisor.
21 de novembro de 2008
O velho pagamento pela faculdade

S emana passada, centenas de estudantes da Universidade de Washington


fizeram um protesto contra a proposta de aumentar o custo do ensino
superior. Se Drucker estivesse por aqui, você poderia apostar que ele teria
pegado um megafone para se juntar a eles.
Durante décadas, Drucker censurou o aumento do custo da faculdade neste
país. “O custeio da educação superior afeta o bolso de todos”, ele escreveu
na Harper’s Magazine, em 1956. “Esse é o problema central da educação
americana.”
Quase 40 anos depois, Drucker estava expressando a mesma preocupação.
“Tais gastos, em total descontrole”, ele escreveu, na Forbes, em 1997,
“significam que o sistema está rapidamente se tornando insustentável. A
educação superior está numa crise profunda”.
Certamente, a maioria das universidades deveria ter deixado de existir há
muito tempo, devido aos seus preços. O fato de não ter acontecido indica
outra coisa, algo que Drucker reconheceu e também o afligiu: a influência
sem paralelos que elas ostentam, como “guardiãs” do futuro das pessoas.
Esse é um papel que permitiu que muitas instituições de ensino saíssem
impunes, com os tipos de pecados que afundariam qualquer empresa.
Há anos, o custo de um diploma de faculdade tem subido quase o dobro do
índice da inflação; esse é um ritmo mais veloz do que o que estamos
gastando com assistência médica. Famílias de renda média agora pagam
25% de seus ganhos para mandar um filho a uma faculdade estadual por
quatro anos, segundo a National Center for Public Policy & Higher
Education. E isso já levando em conta qualquer auxílio financeiro que o
estudante receba.

A qualidade do ensino não se eleva como seu custo

Enquanto isso, é difícil argumentar que o cliente esteja recebendo muito


benefício adicional pela grana extra. Certamente há muitos programas e
professores maravilhosos por aí. Mas, “de maneira geral, é difícil dizer se,
de alguma forma significativa, a qualidade da experiência do aluno
universitário melhorou tanto assim”, enquanto os preços dispararam,
comenta o economista Richard Vedder, em seu livro Going Broke by Degree.
E, certamente não melhorou mais que outros serviços.
Drucker, que começou a lecionar no Sarah Lawrence College, nos anos 30,
e comandou uma sala de aula na Claremont Graduate University até 2002,
sugeriu que as faculdades de hoje em dia estão vacilando terrivelmente com
jovens adultos “altamente escolados e deficientemente educados”.
Chegando ao final do século XIX, “quando meu pai se formou, ele não era
uma pessoa técnica ou científica, como você pode imaginar”, recordou
Drucker. “No entanto, não era esperado que ele e outras pessoas formadas de
sua geração entendessem o conteúdo da física, mas o que é a física, com o
que a física lida... Isso não significava ser capaz de realizar cirurgias, mas
significava ser capaz de entender medicina. Não significava ser capaz de
trabalhar com linguística, mas de entender o que a linguística faz. E, nos
últimos cem anos, nós perdemos essa capacidade.
“Não é apenas o fato de que nossos filhos não aprendem a ler e escrever.
É que nossos engenheiros sabem desenhar e conhecem maquinários e
ferramentas, mas não sabem nada do mundo em que vivem. Não sabem nada
fora de suas próprias áreas.”

O modelo universitário inovador aguarda

Porém, apesar das falhas imensas – preços de falir o banco e propostas de


valor questionável – há dois fatos que são difíceis de deixar passar: a
maioria das universidades continua a apresentar seus produtos praticamente
da mesma forma que vêm fazendo há séculos, em campus vastos, com alunos
sentados em auditórios de palestras. E, apesar de todo o resmungar sobre o
custo e as verdadeiras privações enfrentadas por um número cada vez maior
de famílias, não falta gente implorando pelo que está sendo vendido.
“O antigo modelo persiste, não apenas porque já foi testado pelo tempo,
mas porque há pouca relação entre o preço e a demanda”, diz Zach First,
meu colega no Drucker Institute, que está atuando como o principal
pesquisador de um estudo sobre inovação em educação superior, custeado
pela Spencer Foundation.
Um punhado de empreendimentos, como o da Capella University, com seu
currículo online, entraram em cena. Mas essas iniciativas continuam à
margem.
First conta que se pode imaginar que, se uma grande universidade de
pesquisa descobrir como “prover alta qualidade com metade do corpo
docente, ou através de alguma descoberta inovadora – para que possa cortar
gastos e reduzir o preço do ensino –, esta ficará em posição muito forte”.
Mas, por ora, explica ele, há pouco incentivo para sequer tentar. Este ano,
apesar da recessão profunda, uma faculdade após a outra irá rejeitar dois
terços de seus candidatos. Quando outros negócios têm a chance de fazer
isso?

Economia de conhecimento

A razão disso, é claro, está no fato de vivermos exatamente na mesma era


que Drucker, no fim dos anos 1950, previu e ajudou a definir: uma era
construída sobre o conhecimento. Não é novidade que um diploma de
faculdade agora seja absolutamente essencial para o local de trabalho –
independentemente das falhas do sistema que produz o canudo.
Tudo isso deixou nossas instituições de ensino superior como o que
Drucker descreveu como “monopólio social”. “A poucas instituições da
história foi concedido o volume de poder que a universidade atual possui”,
ele escreveu em seu livro Post-Capitalist Society, de 1993. “A recusa em
admitir ou conceder o diploma é equivalente a privar uma pessoa do acesso
a uma carreira.”
Contanto que esse seja o caso – e eu digo isso como pai de uma criança
terminando o segundo grau, que está começando a olhar as faculdades –, é
duro ver algo mudando. Nós vamos continuar a reclamar e discutir, como
fazemos há 50 anos, sobre o custo insustentável da educação. E aqueles de
nós com sorte suficiente para encontrar um caminho, continuarão a pagar,
mesmo assim.
17 de abril de 2009
A inovação do trabalhador com
conhecimento da Brand Velocity

A Brand Velocity talvez seja uma das empresas mais inteligentes da qual
você já ouviu falar. Jack Bergstrand, que antes supervisionava o
departamento de tecnologia da informação na Coca-Cola, lançou uma
empresa de consultoria, há cinco anos, com um objetivo que vai além de
ganhar dinheiro. Ele quis adotar o que Peter Drucker identificou como o
maior desafio ímpar de nosso tempo: incrementar a produtividade do
trabalhador com conhecimento.
“A mais importante e, de fato, verdadeiramente excepcional contribuição
da administração no século XX foi o aumento em 50% da produtividade do
trabalhador manual na atividade manufaturada”, declarou Drucker, em 1999.
“A mais importante contribuição que a administração precisa fazer no século
XXI é igualmente aumentar a produtividade do trabalhador com
conhecimento e do trabalho de conhecimento.”
Mas descobrir como aumentar o rendimento daqueles que utilizam seu
cérebro mais que seus músculos – um grupo que agora é responsável por ao
menos um quarto, talvez metade, de todos os empregados dos EUA e outras
nações desenvolvidas – não é moleza. Muitas instituições, mesmo as que são
engajadas em trabalho de conhecimento, continuam a recorrer a processos
quem vêm diretamente dos princípios oriundos do “gerenciamento
científico” de Frederick Taylor, no começo de 1900.
É uma combinação terrível. “O sistema oculto que tornou o trabalho
manual bem-sucedido é exatamente o mesmo sistema que reprime nossa
capacidade de seguir adiante com mais velocidade na Era do
Conhecimento”, escreveu Bergstrand em seu livro recém-publicado,
intitulado Reinvent Your Enterprise (revelação: Bergstrand está doando
parte das vendas de seu livro ao Drucker Institute, organização de pesquisa,
sem fins lucrativos, que eu administro). Na verdade, as diferenças entre a
manufatura antiga e o trabalho de conhecimento são totais: o trabalho manual
é altamente visível; o trabalho de conhecimento é basicamente invisível –
ele acontece entre as duas orelhas de uma pessoa. O trabalho manual á
altamente especializado; o trabalho de conhecimento é, conforme observa
Bergstrand, muito mais “holístico”.
O trabalho manual tende a ser estável; o trabalho de conhecimento é
eternamente mutável. O trabalho manual enfoca as respostas certas; o
trabalho de conhecimento visa perguntas certas. O trabalho manual envolve
muita estrutura, com relativamente poucas decisões; o trabalho de
conhecimento enfatiza menos estrutura e mais decisões.
Mas isso não quer dizer que não há estrutura numa firma como a Brand
Velocity. Longe disso. Bergstrand e seus colegas pegaram “uma folha de
papel em branco”, segundo suas palavras, e metodicamente refletiram sobre
tudo que eles fazem: como, onde e sob quais circunstâncias eles fazem
reuniões; como compram equipamento, desde PCs até clipes de papel; como
compensam os funcionários; e muito mais.
A Brand Velocity fica em Atlanta, mas, de certa forma, isso é uma ilusão.
A empresa não tem bens fixos. Sua sede é pouco mais de um endereço de
correspondência, com um espaço de 20 m2 que eles alugam para guardar
documentos importantes.
Quando alguém da Brand Velocity se reúne com um cliente – a empresa
presta consultoria a gigantescos projetos de tecnologia da informação – por
algumas horas, eles alugam uma sala de reuniões da Regus, que administra
uma série de elegantes centros de negócios pelo mundo afora. Muitos dos
que são acompanhados ao lugar pela recepcionista até a sala de reuniões
nem imaginam que não estão num escritório da Brand Velocity. Bergstrand
chama isso de ambiente “tradicionalmente virtual”.
A ideia intrínseca ali – e o mesmo é verdadeiro para a folha de
pagamentos, assuntos legais e armazenagem de dados, todos terceirizados –
é que, em vez de possuir e administrar prédios, a Brand Velocity pode se
concentrar naquilo que faz bem. Não ter um escritório central também dá aos
trabalhadores com conhecimento a mobilidade e flexibilidade que eles
desejam. Muitos da Brand Velocity trabalham de casa.
Eles também lidam com os fornecedores de maneira incomum.
Trimestralmente, os 10 funcionários da Brand Velocity recebem 6 mil
dólares cada para comprarem o que precisam, desde novos computadores
até canetas. Se gastarem mais, sai do bolso deles. Se gastarem menos, ficam
com a diferença como parte de sua renda (não se pode deixar de imaginar se
John Train teria comprado um cesto de lixo de 1.400 dólares sob essas
circunstâncias). Além de reduzir a papelada – na Brand Velocity, só se faz
quatro relatórios de despesas anuais – a finalidade é dar aos trabalhadores
exatamente as ferramentas de que precisam para fazer seus trabalhos. Você
atua melhor de um computador PC, mas eu prefiro um Mac? Sem problema.
Cada um de nós tem o que quer, e a empresa não fica com dificuldades (e
pagando uma fortuna) de padronizar tudo.
A Brand Velocity oferece aos empregados um salário base. Mas grande
parte da remuneração deles é determinada por um sistema de pontos, com
pontos ganhos por três – e somente três – coisas: a venda de trabalho
excelente, a apresentação de trabalho excelente e o recrutamento e
desenvolvimento de grandes talentos. Bergstrand conta que, sob essa
organização, “trabalhadores de conhecimento altamente produtivos não
precisam ser sócios para serem compensados como se fossem. Ao mesmo
tempo, o pessoal mais sênior não tem a garantia das maiores compensações”.
Isso é mais que uma teoria. Embora ele seja o presidente, o próprio
Bergstrand nem sempre é o que ganha mais grana.
Se tudo isso parece ser ligeiramente despreocupado, não é. Bergstrand e
sua equipe são rigorosos na forma como fazem quase tudo, incluindo a
tomada de decisões. Para qualquer projeto, eles solicitam muita informação
da empresa, mas não deixam dúvida quanto a quem cabe a decisão final.
Então, essa pessoa age – e age rapidamente.
Conclusão: a Brand Velocity é rentável e está crescendo. Ela alega que
seus custos são 20% menores do que a média do setor. E, particularmente,
afirma que apresenta aos clientes os mesmos resultados de alta qualidade
que eles teriam de empresas de consultoria muito maiores – porém, em
metade do tempo e com menos da metade de pessoal, o que resulta numa
economia imensa para o cliente.
A verdadeira pergunta é o quanto a Brand Velocity pode crescer. Uma
coisa é fazer isso com o porte atual da empresa, e outra, bem diferente, com
uma equipe de milhares.
Bergstrand diz que tendo gerado cerca de 15 milhões de dólares em
negócios, até agora, a Brand Velocity está pronta para ir além do estágio
“protótipo”. Ele contratou altos executivos de grandes instituições – entre as
quais, a Kimberly-Clark e a Ernst & Young – de modo que, ao testar os
inúmeros conceitos produtivos dos trabalhadores de conhecimento, a Brand
Velocity “pôde fatorar, diante da necessidade de dividir em escalões”.
O empenho certamente merece observação. Se a Brand Velocity prosperar
– e ensinar os outros, ao longo do caminho – os resultados não serão nada
menos que revolucionários.
1 de maio de 2009
Japão: repensando o emprego vitalício

S emana passada, o Partido Democrata Japonês disparou rumo à vitória


numa eleição histórica, antecipando uma agenda ambiciosa que inclui a
revisão do relacionamento de Tóquio com Washington e uma atuação maior
nos debates internacionais sobre o clima. Mas há particularmente um ponto
em sua plataforma sobre o qual os gestores – e não apenas os japoneses –
devem ter sabedoria para refletir, como Peter Drucker fez.
Um dos objetivos do Partido Democrata Japonês é contratar trabalhadores
temporários para as fábricas – uma confirmação da inquietação que muitas
pessoas no Japão estão sentindo, conforme o modelo de “emprego vitalício”,
existente há décadas, continua a se dissolver (e suas práticas trabalhistas se
parecem cada vez mais com as adotadas nos EUA).
É difícil dizer exatamente quantos japoneses realmente desfrutaram da
confiabilidade e conforto de um emprego para a vida toda. Ao desmembrar
as estatísticas e interpretar uma série de mudanças na lei trabalhista
japonesa, de diferentes formas, os estudiosos chegaram a números tão baixos
como 20% e tão altos como 80% da mão de obra. Porém, o irrefutável é que
a estabilidade empregatícia de longo prazo, desfrutada por muitos no Japão
(muitos homens, na verdade), tem sido o alicerce da cultura corporativa do
país e um símbolo de sua coesão como sociedade.
“O sucesso do Japão – e não há precedentes para isso, em toda sua
história – recai amplamente na imobilidade organizada – a imobilidade do
emprego vitalício”, observou Drucker, que visitou o Japão pela primeira vez
em 1959 e esteve entre os primeiros observadores a prever a ascensão do
país como uma força econômica mundial.

Promovendo o trabalho em equipe

De fato, a antiga abordagem certamente tem suas virtudes, incluindo o


fomento da obediência entre os funcionários – o que não é ruim, quando se
está tentando promover o trabalho em equipe na instituição. Edward Lincoln,
um professor da Universidade de Nova York e diretor de seu Center for
Japan-U.S. Business & Economic Studies (Centro Japão-EUA de Estudos de
Negócios e Economia), acredita que os trabalhadores japoneses talvez
também tenham avidamente abraçado a mudança tecnológica ao longo dos
anos porque eles não se preocuparam quanto a uma máquina colocá-los na
rua. “Eles sabiam que seriam transferidos para outra função dentro da
empresa”, diz ele.
Drucker também achava que havia muito a aprender com os japoneses.
Num artigo original de 1971, da Harvard Business Review, ele elogiou os
administradores do país pela forma deliberada como eles tomavam suas
decisões, enalteciam seu compromisso com o treinamento contínuo do
trabalhador e encontrou lições na maneira como eles serviam como mentores
de seus empregados mais jovens.
Drucker também elogiava o conceito de emprego vitalício, que
considerava bem menos severo do que muitos imaginavam. Ele observou que
isso se dava, em parte, porque os trabalhadores japoneses enfrentavam a
aposentadoria obrigatória (à época, aos 55 anos), transformando “vitalício”
num termo errôneo.
Além disso, Drucker escreveu, as empresas no Japão nunca hesitaram em
demitir as pessoas quando o negócio vai mal. “No entanto, elas fazem isso
de uma forma que os funcionários que mais precisam da renda são os mais
protegidos”, explicou ele. “O fardo da adaptação recai sobre os que podem
suportá-lo e possuem rendas alternativas às quais recorrer.”

Olhando além da tradição

Apesar de tudo isso, com o passar do tempo, Drucker chegou à mesma


conclusão de muitos executivos japoneses: prosperar na economia global
atual exige mais flexibilidade na contratação e demissão de pessoas do que o
sistema tradicional havia permitido.
Dessa forma, desde o fim dos anos 90, a maior parte das grandes
corporações japonesas se reestruturou, passando de “gigantes sem manejo a
concorrentes ágeis”, segundo as palavras de Ulrike Schaede, da
Universidade da Califórnia, em São Diego. Dentre os passos que eles deram,
houve um aumento da utilização de pessoal em meio período, trabalhadores
contratados e equipe temporária. Esse grupo agora representa mais de um
terço da mão de obra japonesa.
A tendência não está sendo conduzida somente pela indústria. Conforme
mais pessoas mudam do trabalho manual para o trabalho de conhecimento,
passam a apreciar a possibilidade de trocar um trabalho por outro
(presumivelmente arrebanhando ofertas melhores pelo caminho). Nos EUA,
o escritor Bruce Tulgan batizou esse fenômeno de “lealdade do momento”.
Mas o que preocupava Drucker – e o que as eleições japonesas enfatizam
– é o lado inverso da mobilidade e estabilidade, principalmente para
aqueles trabalhadores sem habilidades técnicas e formação superior, em
grande demanda. Nesses casos, Drucker mencionou que os empregadores
têm uma obrigação especial de ajudar os dispensados, ajudando-os a
encontrar novas colocações.

Ajudando os trabalhadores “redundantes”

Isso “exige tentativas ativas e enérgicas na retenção de novas oportunidades


de emprego”, escreveu Drucker. “Exige que o empregador assuma
responsabilidade pela colocação dos trabalhadores redundantes em novas
funções”. Esse foi um conselho que Drucker deu tanto ao Japão quanto
dentro dos EUA.
“Eu realmente espero”, acrescentou ele, “que o Japão encontre uma
solução para preservar a estabilidade social, a comunidade – e a harmonia
social – que os empregos vitalícios proviam, e ainda crie mobilidade que o
trabalho de conhecimento e os trabalhadores de conhecimento precisam ter”.
Ainda está longe de sabermos se o Partido Democrata Japonês encontrou a
resposta certa. Mas ele tocou num assunto – o formato apropriado de
contrato entre empregador e empregado, no século XXI – que merece muito
mais atenção, independente de que lado do Pacífico nós estejamos.
4 de setembro de 2009
As mulheres e a tendência de
trabalho de conhecimento

E sse mês, a notícia de que as mulheres estão superando o número de


homens nas folhas de pagamento da nação gerou menos alvoroço que um
sutiã em chamas. Relativamente poucos canais consideraram esse marco que
estava espremido no relatório de índices de emprego de janeiro, do
Ministério do Trabalho. E alguns dos analistas que se deram ao trabalho de
prestar atenção indicaram que isso não se baseou nas estatísticas mais
confiáveis ou robustas do governo. Outros focaram o fato de que as mulheres
chegaram a essa marca somente porque os homens vêm perdendo seus
empregos com mais rapidez do que as mulheres, durante o declínio da
economia.
Mas Peter Drucker, eu creio, teria visto os números – que as mulheres
detinham 50,3% dos empregos não agrícolas nacionais no mês passado,
segundo dados sazonais não ajustados – com uma grande simpatia, tanto pela
importância histórica e também pelos tipos de mudanças que isso
prognostica no mundo corporativo.
De fato, aos olhos de Drucker, o número certamente serviria como a mais
recente prova da força cinética do movimento rumo aos tipos de trabalhos –
aqueles em que o cérebro vence os músculos – que alteraram drasticamente
o relacionamento tradicional entre os sexos.

Empregos “igualmente acessíveis”

Drucker explicou em Managing in a Time of Great Change, seu livro de


1995, que, durante séculos, “homens e mulheres realizavam o mesmo tipo de
trabalho apenas quando era servil. Homens e mulheres cavavam valas...
homens e mulheres catavam algodão nos campos.
“Mas qualquer trabalho que envolvesse habilidade e qualquer trabalho que
concedesse status social, ou provesse renda acima da subsistência mínima,
era segregado pelo sexo”, prosseguiu Drucker. Telefonistas eram quase
universalmente mulheres, por exemplo, enquanto os instaladores de telefones
eram praticamente todos homens.
No entanto, o trabalho de conhecimento era diferente. Tais ocupações –
que Drucker identificou pela primeira vez no fim dos anos 1950 e agora,
segundo inúmeras estimativas, cobrem de um quarto à metade de todos os
empregos deste país – são “igualmente acessíveis a ambos os sexos”,
segundo Drucker colocou.
“Quanto mais subimos a escada do trabalho de conhecimento, mais
provável é que homens e mulheres estejam realizando o mesmo trabalho”,
Drucker escreveu. “Ser uma secretária em um banco americano ainda
significa ter o cargo de uma mulher, mas a vice-presidência do mesmo banco
pode ser ocupada por um homem ou uma mulher.”
Esse fluxo inédito de mulheres nas mesmas linhas de trabalho que os
homens também não mostra qualquer sinal de diminuição. Se mudar, pode até
acelerar, já que as mulheres agora ganham cerca de 60% dos diplomas
universitários concedidos nos EUA.

Potencial gerencial

Para as companhias – que cada vez mais estão descobrindo que o


conhecimento substituiu a terra, o trabalho braçal e o capital como “fator
crítico de produção”, segundo as palavras de Drucker – essa tendência
representa uma oportunidade tremenda.
Generalizar qualquer grupo de pessoas é tolice e provavelmente lhe trará
problemas; e quando você está falando de metade da espécie humana, é certo
que você encontrará inúmeras exceções a qualquer regra.
Entretanto, um leque de estudos atraentes – realizados por pesquisadores
da INSEAD, McKinsey & Co. e outros – sugere que as mulheres se
sobressaem mais que os homens quando se trata de elaboração de equipe,
demonstração de inteligência emocional, proposta clara de expectativas e
apresentação de outros traços frequentemente associados com trabalho de
conhecimento eficaz. Ao citar algumas dessas descobertas numa conferência,
ano passado, Avivah Wittenberg-Cox, presidente da 20-First, consultoria
baseada em Paris, não pôde deixar de perguntar: “As mulheres são as
gestoras pelas quais Drucker estava esperando?”
O próprio Drucker parecia achar que sim. Em 1986, ele disse a um
auditório que muitos dos empregos de hoje dependem da “disposição para
trabalhar com outras pessoas”. Depois, Drucker acrescentou: “Vamos
encarar, geralmente, as mulheres são melhores nisso do que os homens”.

Mudança de comportamento corporativo

E, para capitalizar inteiramente, muitas instituições precisam revisar a


maneira de abordar as mulheres. Isso vai além da simples promoção de
mulheres a altos cargos corporativos, ou a conselhos diretores, ou a
eliminação da diferença de salários entre funcionários homens e mulheres,
ou a oferta de um ambiente mais flexível e favorável à família – embora
todas essas coisas sejam terrivelmente necessárias.
Para muitas instituições, tirar proveito desse grupo rico em talentos irá
depender de uma mudança básica de comportamento – a percepção de que
homens e mulheres tendem a possuir pontos fortes distintos e que a estratégia
mais inteligente é encontrar o equilíbrio entre eles.
“Muitos empregadores há tempos acreditam que a melhor forma de
integrar mulheres é tratar todos da mesma forma”, Wittenberg-Cox escreveu
em seu livro Why Women Mean Business, em coautoria com Alison
Maitland. “Durante décadas, essa abordagem foi reforçada pela legislação
de oportunidades iguais e pelas próprias mulheres, que exigiam tratamento
igual. O único problema é que na busca da imparcialidade e igualdade, as
empresas terminantemente ignoraram as diferenças entre as mulheres e os
funcionários homens a quem antes recorriam. Lidaram com a chegada maciça
das mulheres solicitando que elas se adequassem – e se adaptassem aos
moldes de carreiras e estilos de lideranças masculinas.”
Wittenberg-Cox dá consultoria a executivos para se tornarem “sexualmente
bilíngue” – ou seja, “fluentes na linguagem e cultura tanto de homens quanto
de mulheres”, de modo a obter o melhor de ambos.
Uma última questão (só para constar): as feministas não chegaram a
queimar seus sutiãs, nos anos 60; isso é um mito. Mas a necessidade de que
as empresas reconheçam, assim como Drucker fez, que “o conhecimento é
neutro, independente do sexo”, sem homogeneizar homens e mulheres no
local de trabalho, não poderia ser mais real.
19 de fevereiro de 2010
A dificuldade do setor de serviços

S empre que estou em Seul, como estive na semana passada, eu me vejo


admirando aquele lugar: o aeroporto de primeira, os arranha-céus reluzentes,
sua tecnologia eletrônica onipresente – todos esses sinais visíveis da
transformação econômica alcançada, em grande parte, numa única geração.
Não era de se admirar que Peter Drucker dissesse que a Coreia do Sul era,
“indubitavelmente”, a nação mais empreendedora do planeta.
Ainda assim, se há um ponto fraco a ser encontrado na Coreia – e em
muitos outros países, ao redor do mundo – é algo que Drucker também
entendia bem: um imenso setor de serviços lutando para ser produtivo.
No começo deste mês, o governo sul-coreano anunciou que investiria 300
bilhões de wons (ou 260 bilhões de dólares) em pesquisa e
desenvolvimento, visando melhorar a produtividade dos provedores de
serviço. “As indústrias coreanas subestimaram o investimento em pesquisa e
desenvolvimento de produtos, mas questionaram a mesma necessidade em
serviços”, explicou um oficial. Agora, o plano é promover a tecnologia que
possa impulsionar avanços no lançamento de planos de assistência médica,
propaganda, design, serviços comerciais e mais.
Os coreanos estão sendo conduzidos, em parte, por estatísticas que
mostram que o setor de serviços da nação tem apenas metade da atividade
produtiva dos EUA. Porém, alguns se perguntam se os passos largos que os
EUA deram, ao longo dos últimos 15 anos, são mais ilusão do que realidade.
O economista Paul Krugman é um que afirmou que boa parte da proeza
produtiva dos EUA supostamente veio dos serviços financeiros. “Em
decorrência dos acontecimentos recentes”, pergunta ele, “será que sequer
temos certeza de que a expansão do sistema financeiro estava fazendo algo
produtivo?”

Defasagem na remuneração
De qualquer forma, o que sabemos, com certeza, é que os salários de muitos
trabalhadores de serviços continuam terrivelmente defasados – e isso é o
que mais preocupava Drucker. Na verdade, com a classificação das
empresas de serviços aumentando rapidamente, ele alertou quanto “à
possibilidade de tensões sociais inigualadas, desde as primeiras décadas da
Revolução Industrial”.
O setor de serviços é variado e vasto. Hoje, nos EUA, mais de 80% dos
empregos estão no setor de serviços; na Coreia, esse número se encontra em
cerca de 70%. Drucker, por sua vez, tendia a dividir esse universo gigante
em duas categorias distintas: funções de trabalho de conhecimento e funções
sem capacitação, ou semicapacitadas.
É claro que o primeiro grupo está relativamente em boa forma –
principalmente aqueles que têm sido capazes de obter altos níveis de
formação. Nos EUA, por exemplo, os que possuem diploma universitário
ganham, em média, dois terços a mais do que aqueles que não concluíram o
segundo grau, segundo o Goldman Sachs Global Market Institute. E aqueles
que possuem graduação profissional ostentam rendas quase duas vezes
maiores que os que só têm diploma de faculdade.
Mas os sem capacitação, ou semicapacitados – zeladores e garçonetes,
vendedores de varejo e atendentes em casas de repouso –, estão numa
situação muito mais difícil. “Em sua posição social”, Drucker escreveu, em
1991, num artigo da Harvard Business Review, “essas pessoas são
comparáveis aos proletários de anos atrás: aqueles quase sem
escolaridade... massas que irromperam nas cidades industriais e invadiram
suas fábricas”.

A produtividade como alvo

Para que esses trabalhadores se adiantem, Drucker acreditava haver somente


um remédio: aumentar sua produtividade (ou produção por hora de trabalho).
“Quanto menos produtiva a economia”, Drucker dizia, “maior a
desigualdade de renda. Quanto mais produtiva, menos desigualdade”.
Com o passar dos anos, alguns especialistas sustentaram que, devido à sua
própria natureza, a atividade de serviços é uma mão de obra intensiva que
não leva a ganhos produtivos – fenômeno conhecido como “Doença de
Baumol” (batizado segundo William Baumol, o economista que primeiro a
descreveu).
Mas Drucker estava convencido de que é possível dar saltos significativos
na produtividade do setor de serviço – embora eles não venham tipicamente
através da adaptação de novas tecnologias, como esperavam os coreanos.
Em vez disso, Drucker disse que o caminho para se chegar lá é atentar para o
que prescreveu, há muito tempo, o “pioneiro científico” Frederick Taylor:
“trabalhar com mais esperteza.”
Drucker sustentava, especificamente, que as empresas de êxito
comprovado nesse campo:

• “definiram a tarefa” premente;


• asseguraram-se de que o trabalho estava focado naquela tarefa
específica, em lugar de correr em direções diferentes;
• “definiram a performance”;
• engajaram cada funcionário como “parceiro no aperfeiçoamento
produtivo e na primeira ideia para isso”; e
• “inseriram aprendizado contínuo” em cada função.

“Como resultado”, acrescentou Drucker, esses empreendimentos


“aumentaram substancialmente a sua produtividade – em alguns casos,
chegando a dobrá-la – o que lhes permitiu aumentar os salários. Igualmente
importante é que esse processo também elevou enormemente o respeito
pessoal e orgulho dos trabalhadores”.

Com que rapidez?

Agora, a questão é com que rapidez alguma dessas coisas pode realmente
acontecer, numa escala grande o suficiente para diminuir o vácuo entre os
trabalhadores de conhecimento e seus primos sem capacitação, prestadores
de serviços.
“Até mesmo nas sociedades mais estabelecidas e estáveis, as pessoas
serão deixadas para trás na mudança para o trabalho de conhecimento”,
Drucker reconheceu. “É preciso uma geração ou duas até que a sociedade e
sua população consigam alcançar as mudanças radicais na composição da
mão de obra e demandas por habilidades técnicas e conhecimento. Leva
algum tempo – a melhor parte de uma geração, a julgar pela experiência
histórica – até que os trabalhadores de serviços possam ser elevados o
suficiente para provê-los com um meio de vida padrão da ‘classe-média’.”
Tudo isso dá a entender que, além do tipo de investimento que os coreanos
estão tentando, ou os tipos de técnicas administrativas que Drucker defendia,
as nações talvez precisem de algo mais se esperam elevar a sorte daqueles
nas funções de serviços: um pouquinho de paciência.
19 de março de 2010
Quando a aposentadoria
não é uma opção

E m 2001, numa série de ensaios para o The Economist, Peter Drucker


indicou uma transformação demográfica que se descortinava pelo mundo
desenvolvido, enquanto, poeticamente, ele se via na frente que liderava essa
tendência.
“O fator predominante na Próxima Sociedade será algo ao qual a maioria
das pessoas está apenas começando a prestar atenção: o crescimento veloz
da população mais velha e o encolhimento da geração mais jovem,”
observou Drucker. “Os políticos ainda prometem salvar os sistemas
previdenciários, mas eles – e seus constituintes – sabem perfeitamente que
em mais 25 anos as pessoas terão que continuar trabalhando até setenta e
poucos anos, se a saúde permitir.”
À época, Drucker rapidamente se aproximava de seu aniversário de 92
anos, ainda escrevendo, lecionando, prestando consultoria. Somente os mais
abençoados entre nós podem esperar prosseguir tão fortes nessa idade. Mas
não há como negar o fenômeno geral que Drucker identificou, assim como as
implicações importantes que isso reserva para os que lideram instituições e
igualmente entidades sem fins lucrativos.

“Mudança tectônica”

De fato, no mês passado, a RAND, uma instituição não lucrativa de


pesquisas localizada em Santa Monica, Califórnia, publicou um estudo
mostrando que há um número crescente de americanos adiando suas
aposentadorias. O estudo também previu que essa “mudança tectônica” no
setor de trabalho tende a “continuar e até a se acelerar, ao longo de duas
décadas”.
Segundo a RAND, depois de um declínio de mais de um século, o número
de homens e mulheres mais velhos na força de trabalho começou a se elevar
modestamente, durante a década de 1990. Enquanto 17% dos americanos de
idade entre 65 e 75 anos estavam empregados em 1990, espera-se que esse
número tenha uma elevação de 25% este ano. A RAND acredita que o
padrão irá persistir até pelo menos 2030 – mais tempo do que o previsto
pelos especialistas.
Para os elaboradores das diretrizes governamentais, tentar assegurar a
robustez da previdência e do sistema de saúde, as ramificações desse golpe
são um tanto substanciais. Mas os empreendimentos individuais também
precisam prestar atenção.
“As instituições empregadoras – e, de forma alguma, isso se refere apenas
às empresas – devem começar, o mais rápido possível, a experimentar novos
relacionamentos com pessoas mais velhas, principalmente os trabalhadores
mais velhos e de conhecimento”, Drucker escreveu, em Management,
Challenges for the 21st Century, seu livro de 1999. “A instituição que
primeiro tiver êxito atraindo e mantendo trabalhadores de conhecimento
além da idade tradicional de aposentadoria, tornando-os inteiramente
produtivos, terá uma vantagem competitiva tremenda”.

“Novas formas de trabalhar”

Para chegar lá, disse Drucker, os empregadores precisam aprender a ser


mais flexíveis. Conforme os baby boomers chegam aos 50 e 60 anos, disse
ele, muitos deles tendem a querer atuar em meio período, ou como
consultores, ou assumir atribuições especiais. “Novas formas de trabalhar
proximamente com as pessoas serão, cada vez mais, o assunto central da
administração” de muitas instituições, Drucker escreveu.
Ele acrescentou que, comparados aos seus colegas mais jovens, os
trabalhadores mais velhos com formação e talento suficientes “terão muito
mais escolhas e serão capazes de conciliar funções tradicionais, não
convencionais, e de lazer, na proporção que mais lhes convier”.
Parte do motivo para que esse grupo agora se encontre numa posição tão
forte se resume à oferta e demanda. Outro estudo recente, lançado pela
MetLife Foundation e a Civic Ventures, empresa de pesquisa de São
Francisco, prevê que ao longo dos próximos oito anos, poderá haver até 5
milhões de vagas de empregos nos EUA – e os trabalhadores de 55 anos ou
mais serão cruciais para suprir esse vácuo.
“Não apenas haverá funções a serem preenchidas por trabalhadores
experientes”, diz Barry Bluestone, economista da Northeast University, autor
do estudo, “mas a nação simplesmente precisará de trabalhadores mais
velhos para assumi-las”.

Alcançando propósito social

A Bluestone faz uma projeção mostrando que quase metade das deficiências
de mão de obra (2,4 milhões de empregos) serão em quatro campos:
educação, assistência médica, governo e setor sem fins lucrativos. Todos
esses podem prover particularmente o que os baby boomers estão buscando:
não apenas uma chance de se manter ativos, mas também de dar uma
contribuição significativa.
Mais de uma década atrás, Drucker detectou um desejo crescente entre os
trabalhadores de conhecimento de alcançarem algum propósito social
durante a segunda metade de suas vidas. “Essas pessoas possuem
habilidades substanciais”, Drucker escreveu. “Elas sabem trabalhar.
Precisam de uma comunidade... Também precisam de renda. Mas, acima de
tudo, precisam do desafio.”
Para ajudá-los, ano passado, a Civic Ventures lançou um programa no qual
os executivos do Vale do Silício recebem bolsas de estudos complementares
em áreas não lucrativas. A ideia é não somente levar a essas organizações a
expertise tão necessária em marketing, finanças e recursos humanos, mas
também fazer com que o executivo se prepare para sua eventual transição a
uma “carreira repetida” no setor social.
A ironia, claro, é que toda essa atividade e insight por parte da Civic
Ventures e da RAND chega em meio a um mercado de trabalho brutalmente
enfraquecido, principalmente para os que têm 55 anos ou mais. Mês passado,
a Pew Fiscal Analysis Iniciative relatou que cerca de 30% dos que estão
nessa faixa etária já estão desempregados há um ano ou mais. “Outra geração
de trabalhadores americanos, ao menos um número significativo deles, está
sendo forçada a se aposentar mais cedo que o esperado pela queda da
economia”, observou o escritor economista David Warsh, no começo dessa
semana.
Mas as instituições inteligentes estão cientes de que toda queda é
invariavelmente seguida por uma ascensão. E a próxima será conduzida por
uma porção de gente de meia-idade envelhecendo.
21 de maio de 2010
O plano de aprendizado
misto do Wal-Mart

E m seu livro provocador, intitulado The Retail Revolution: How Wal-


Mart Created a Brave New World of Business, Nelson Lichtenstein invoca a
pesquisa pioneira que Peter Drucker fez sobre a General Motors,
descrevendo como cada área tem sua “indústria de indústrias”.
Lichenstein diz que quando Drucker publicou Concept of Corporation, em
1946, ele mencionou que os fabricantes automotivos eram predominantes e a
GM era o rei dos reis. Hoje, explica ele, quem está “por cima são os
varejistas, Wal-Mart, acima de todos, estabelecendo o padrão para um novo
estágio na história do capitalismo corporativo”.
É precisamente por que Wal-Mart ocupa esse lugar proeminente, se não
preeminente, que seu anúncio, este mês, quanto a ajudar seus funcionários a
cursarem a faculdade, foi algo que me surpreendeu – e certamente teria
surpreendido Drucker – como um fato potencialmente relevante. Só nos resta
ver o quão relevante.

Aprendizado no emprego

De cara, é realmente tentador descartar essa iniciativa, através da qual o


Wal-Mart diz que irá gastar 50 milhões de dólares em assistência
educacional e outros itens relativos, ao longo dos próximos três anos, como
menos que ideal. Pelo acordo que a empresa de Bentonville (Arkansas) fez
com a American Public University, os empregados podem receber crédito
para os cursos, equivalentes a até 45% do necessário para se obter um
diploma, pelo treinamento no Wal-Mart e o “aprendizado no emprego”. Até
2012, 70% dos 1,4 milhões de empregados do Wal-Mart nos EUA terão seus
cargos revistos pela “qualificação de ensino superior”.
Algumas pessoas certamente verão isso como uma forma estranha de
promover o aprendizado. Por que, afinal, dar crédito por treinamentos e
tarefas que o trabalhador do Wal-Mart teria de fazer de qualquer jeito?
Outros tendem a atacar esse aspecto do programa do Wal-Mart como uma
tentativa de fazer um alvoroço de relações públicas com relativamente pouco
investimento. Embora o Wal-Mart tenha abraçado a reforma de assistência a
saúde e tenha passado a ser amplamente elogiado por suas práticas
ambientalistas, o varejista de preços populares permanece uma potência
polarizadora.
“Ao longo dos últimos anos, nós construímos um modelo para fazer uma
grande diferença em grandes questões”, Mike Duke, diretor geral do Wal-
Mart, disse recentemente. “Já estamos bem avançados nesse caminho.
Ninguém pode duvidar de nossa sinceridade.” Na verdade, muita gente
dúvida da sinceridade da companhia e continua vendo isso, segundo as
palavras de Lichtenstein, como o exemplo de liderança de um grupo de
corporações que “tritura sua mão de obra, esfola seus vendedores e
transformou o pagamento da aposentadoria e provisões com saúde numa
loteria para milhões de trabalhadores”.

Promessa da internet

Mas, ao menos nos termos dessa recente iniciativa educacional, eu acho que
Drucker estaria aberto à abordagem do Wal-Mart. Para começar, ele
provavelmente teria gostado da decisão do Wal-Mart de se conectar à
American Public, instituição de ensino online da West Virginia, em lugar de
outro parceiro acadêmico mais conhecido.
Drucker nunca ligou muito para o requinte exibido pelas faculdades e
universidades de elite e via o ensino pela Internet como tremendamente
promissor. “A faculdade não sobreviverá como uma instituição residencial”,
Drucker previu no fim dos anos 90. “As edificações atuais são totalmente
desnecessárias.” Na própria pesquisa do Wal-mart, sobre empregados, mais
de dois terços disseram à companhia que preferiam uma universidade online
a um campus tradicional.
No entanto, eu acredito que o mais intrigante para Drucker teria sido esse
conceito de casar o treinamento corporativo e as rotinas normais de trabalho
com uma instrução mais formal, da American Public.
O Wal-Mart diz que a vantagem de ter os empregados acumulando créditos
em assuntos como gerenciamento de inventário de varejo e relações com
clientes, estando no trabalho, é que isso irá colocá-los “no caminho mais
veloz para a obtenção do diploma de nível superior, reduzindo seu tempo na
sala de aula e tornando o custo geral mais viável”.
Mas isso é fugir ao ponto principal. Se o trabalho do curso e o trabalho
habitual estão integrados de uma forma inteligente e refletida, um reforça o
outro, ajudando os empregados do Wal-Mart a aprenderem ambos, de um
jeito novo.

O intelectual versus o administrador

Frequentemente, nós consideramos o aprendizado algo que tem de ser feito


rigidamente, dentro de uma sala de aula. Mas isso é tolice. “Aprender é
prosseguir no processo biológico”, dizia Drucker. “Começa com a
concepção e termina somente na morte. E nós sabemos que o aprendizado
não é uma atividade específica de um órgão – a mente ou o intelecto. É um
processo no qual a pessoa toda está engajada: a mão, o olho, o sistema
nervoso, o cérebro.”
Drucker observou que ser capaz de usar todos esses recursos irá, cada vez
mais, definir a “pessoa educada”. Ele escreveu em Post-Capitalist Society,
seu livro de 1993, que nós “teremos que estar preparados para viver e
trabalhar simultaneamente em duas culturas – ‘do intelectual’, que foca em
palavras e ideias, e do ‘administrador’, que foca nas pessoas e no trabalho.
“O mundo do intelectual, a menos que seja contrabalançado pelo gestor, se
torna um mundo onde todos ‘fazem suas próprias coisas’, mas ninguém
realiza nada. O mundo do gestor, a menos que contrabalançado pelo
intelectual, se torna uma burocracia ilógica do ‘Homem Organizado’. Mas se
os dois equilibrarem um ao outro, pode haver criatividade e ordem,
realização e missão.”
O êxito do Wal-Mart não dependerá simplesmente de quantos de seus
trabalhadores se formarem na faculdade, mas se a empresa terá encontrado
uma forma de mesclar a educação para uma nova era – na qual os executores
também sejam pensadores e vice-versa.
18 de junho de 2010
A computação em nuvem e Peter Drucker

N uma das fotografias mais interessantes que eu já vi de Peter Drucker,


ele está sentado diante de um computador Compaq quadrado. Desajeitado,
segura o mouse com a mão direita, enquanto sua mão esquerda está
rigidamente esticada sobre o teclado. A expressão intrigada em seu rosto
diz: “Tire-me daqui.”
Nada disso é terrivelmente espantoso para um homem que ficava tão
pouco à vontade diante de um PC, que, enquanto ponderava como a Web
estava mudando o mundo, no começo do século XXI, optou por escrever
seus dois últimos livros numa máquina de escrever Brother. Quanto ao
computador, Drucker uma vez disse: “Eu o trato como se fosse simplesmente
uma grande calculadora”.
Além de seu desconforto pessoal, Drucker se preocupava quanto aos
gestores terem a tendência de se tornarem excessivamente enamorados com
seu último dispositivo eletrônico. Como resultado, eles se esquecem de que
a tecnologia não é, em si, um fim, e que, para determinadas decisões – as que
exigem intuição, por exemplo –, os humanos sempre terão vantagem sobre as
máquinas. “Tudo com que um computador pode lidar são abstrações”,
escreveu Drucker. “E abstrações só podem ser confiáveis se constantemente
verificadas em contraste com o concreto.”

Como a eletricidade através do circuito

Ainda assim, mesmo com toda sua cautela, Drucker teria sido arrebatado
pelo texto escrito por um jovem economista chamado Florian Ramseger, que
afirma que “nós estamos no degrau da frente de uma nova era”, devido ao
advento da “computação em nuvem”. Esse é o sistema baseado na internet,
no qual recursos compartilhados, software e informação são providos sob
demanda a dispositivos, de forma bem semelhante à eletricidade que
atravessa um circuito. De fato, assim como Ramseger vê as coisas, é uma era
que o próprio Drucker ajudou a definir.
“A computação em nuvem tem um grande potencial para posicionar os três
principais elementos da sociedade de conhecimento de Drucker”, escreveu
Ramseger, de 29 anos, um alemão que acabou de ingressar no Fórum
Econômico de Genebra como analista de pesquisa. Sua redação sobre o tema
foi recentemente escolhida como a vencedora no Desafio Peter Drucker,
concurso que atraiu mais de 200 inscrições do mundo inteiro; os
participantes não podiam ter mais de 35 anos. (A competição foi patrocinada
pela Drucker Society of Austria, afiliada do Drucker Institute, administrado
por mim.)
Segundo Ramseger, o primeiro elemento é enfatizado pela conectividade.
Isso é crucial porque numa sociedade de conhecimento, os trabalhadores
tendem a assumir tarefas altamente especializadas. Mas, “apenas por si”,
segundo Drucker explicou em Managing in a Time of Great Change, de
1995, esse “conhecimento especializado não resulta em performance”. Para
produzir resultados expressivos, grupos de pessoas ostentando áreas
diferentes de expertise precisam se reunir frequentemente e contribuir para
uma meta comum. Conforme Ramseger escreve, a computação em nuvem
promete tornar isso cada vez mais fácil, porque irá “criar muitas plataformas
novas de troca para que os trabalhadores de conhecimento se engajem”.

Alavancagem para trabalhadores

O segundo elemento, segundo ele, é uma mudança no “equilíbrio dos


relacionamentos entre empregador e empregado”. Em Managing in the Next
Society, seu livro de 2002, Drucker alertou as instituições para que
reconhecessem sua necessidade de trabalhadores de conhecimento, mais do
que eles precisavam das empresas. Drucker escreveu que “eles sabem que
podem partir” para outra oportunidade praticamente a qualquer hora.
Ramseger sugere que com a computação em nuvem, essa tendência rumo à
mobilidade só irá se acelerar. “Os trabalhadores não vão mais precisar ficar
presos às mesas”, diz ele. “Em vez disso, podendo se conectar à nuvem, a
qualquer hora e de qualquer lugar, eles finalmente poderão ser donos de suas
próprias ferramentas de trabalho: um netbook e algum espaço no servidor.”
O terceiro elemento, conforme escrito por Ramseger, são as “hierarquias
mais planas”. Drucker acreditava que os trabalhadores de conhecimento
reagem apenas a objetivos concretos, não aos caprichos de seus chefes.
“Eles exigem uma organização norteada pelo desempenho, em lugar de uma
que se norteia pela autoridade”, escreveu ele. Ramseger diz que a
computação em nuvem deve ajudar ainda mais “a liberação da mão de obra”,
incentivando “coordenação constante” entre todo tipo de gente, sem
referência ao escalão corporativo ou posição social. Tudo que importa é a
qualidade do conhecimento.
Outras pessoas veem a mesma tendência se desenrolando. Algumas
semanas atrás, no segundo Fórum Drucker, em Viena, onde Ramseger foi
homenageado por sua redação vencedora, Lynda Gratton, da London
Business School, refletiu sobre como o planeta deverá ser em 2020, se,
como alguns preveem, 5 bilhões de pessoas estiverem conectada através de
seus dispositivos portáteis. “A nuvem tem implicações imensas para o
trabalho”, disse Gratton, porque “qualquer um, em qualquer lugar, poderá
baixar qualquer coisa, praticamente sem custo”.

Fugindo ao sentido

Nem todos estão tão entusiasmados. Alguns dizem que a nuvem é


excessivamente alardeada ou simplesmente a descartam como um mero
modismo. Outros estão focados nos desafios de segurança e tecnologia.
Ramseger, por sua vez, reconhece que “ainda existem muitos países com uma
infraestrutura fraca de internet”, o que pode impedir seus residentes de
acessarem a nuvem. Ainda assim, outros reduziram todas as discussões
sobre computação em nuvem a uma corrida de cavalos, em que tentam prever
que empresa irá emergir como a líder de longo prazo do setor: Amazon,
Salesforce.com, Google, Microsoft ou IBM. Ou a caracterizam simplesmente
como uma forma de aumentar a terceirização de Tecnologia de Informação e,
dessa forma, economizar dinheiro.
Mas tudo isso foge ao sentido. Segundo as palavras de Ramseger, talvez
mais que qualquer tecnologia por aí, a nuvem esteja posicionada para
“revolucionar a nossa forma de trabalho”, se não a nossa forma de vida. É
uma visão tão provocadora, que fica difícil imaginar que, se Peter Drucker
fosse vivo, não estaria escrevendo a respeito, meditando sobre as
possibilidades na sua Brother Correctronic.
3 de dezembro de 2010
Acelerando o ingresso do UAW
na General Motors

E m meados dos anos 40, com Peter Drucker prestando consultoria sobre
relações com os funcionários, Charlie Wilson, presidente da General
Motors, ficou convencido de que o fabricante automotivo precisava de uma
nova abordagem para lidar com seus trabalhadores. Ele projetou uma versão
antecipada dos “círculos de qualidade”, nos quais, segundo Drucker, o
pessoal comum poderia se “identificar com o produto e a empresa”, assim
como “seria responsável pela qualidade e desempenho”.
A iniciativa nem sequer engrenou a primeira marcha. Para a maior parte
dos executivos da GM, o plano “representava a abdicação das
responsabilidades gerenciais”, Drucker recordou mais tarde. Drucker disse
que o UAW (United Auto Workers ou Sindicato dos Trabalhadores
Automotivos) também se manteve em “violenta oposição” ao conceito – por
motivo bem parecido. Walter Reuther, presidente do sindicato, não queria
seus membros desempenhando o que ele via como função de um gerente. Na
verdade, acrescentou Drucker, Reuther era desconfiado de qualquer coisa
que criasse um “centro de interesse comum entre empregador e empregado”.
Não pude deixar de me lembrar da determinação de Reuther, esta semana,
quando li a respeito do espírito bem mais colaborador de Bob King, atual
presidente da UAW. King – que este ano enfrenta negociações com a GM,
Ford e Chrysler e também está decidido a organizar os trabalhadores nas
fábricas americanas de empresas estrangeiras, incluindo a Toyota e a
Volkswagen – parece o inverso de Reuther.
“Estamos realmente comprometidos com o sucesso das companhias onde
representamos os trabalhadores”, King declarou, numa entrevista para a
Bloomberg News. Em outro ponto, ele defendeu a participação de seus
membros em conselhos corporativos, dizendo: “Quanto mais expressiva a
voz dos trabalhadores, em todos os aspectos de seu emprego, mais sucesso o
empregador terá.”
Parceria na missão do empregador

Enquanto isso, um conjunto de 11 princípios de negociação expedido pelo


sindicato explicitamente pede uma “parceria na missão do empregador”. Ele
atesta: “O UAW abraça a cultura participativa baseada no desempenho, onde
o sindicato contribui com o progresso contínuo de processos e
responsabilidade compartilhada pela qualidade, inovação, flexibilidade e
valor”.
Em alguns aspectos, nós já ouvimos isso. No começo dos anos 70,
sindicatos e empresas entraram numa série de programas de participação
trabalhista-gerencial, com os mais variados títulos: “Administração de
Qualidade Total”, “Participação do Funcionário”, “Qualidade de Vida no
Trabalho” e assim por diante. Os fabricantes automotivos e o UAW se
engajaram mais do que o habitual nessas iniciativas, enquanto
experimentavam outros tipos de trabalho em equipe, tal como aqueles
adotados pela Operação Saturno, da GM.
Mas a visão de King parece ir além de tudo que já foi experimentado
antes. Tentativas anteriores de cooperação “foram restringidas por um
relacionamento abrangente que era mais oponente”, diz Harley Shaiken,
professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, que, há muitos anos, vem
acompanhando atentamente a cena trabalhista. A disposição de King para
que seus membros participem das questões relativas à produtividade –
assunto que o sindicato tradicionalmente ignorava – é especialmente notável,
segundo Shaiken. “Estamos em novas águas, seguindo em frente”, diz ele.
King não é nenhum bobão. Ele deixou claro que a prosperidade desfrutada
recentemente pelos fabricantes de Detroit precisa fluir na direção dos que
estão no UAW, que fizeram grandes concessões às Três Grandes, para ajudá-
las a burlar seu próprio mau gerenciamento e sobreviver. “Nós queremos
que nossos sindicalizados tenham uma participação bem significativa na
parte superior dessas companhias”, afirmou King, que foi eleito chefe do
sindicato no último mês de junho.

Riqueza em habilidade e experiência dos trabalhadores


Shaiken conta que, ainda assim, essa questão da “justiça social” é uma visão
similar à de que “o UAW do século XXI significa trabalhar com os
fabricantes para obter empresas mundialmente competitivas e bem-
sucedidas”. Ele observa que a mão de obra de Detroit, que está
envelhecendo, e é frequentemente vista como negativa, oferece uma gama de
ricas habilidades e experiência às quais as empresas podem recorrer.
Há muitas razões para duvidar de que a posição de King realmente faça
alguma diferença. Muita gente inteligente acredita que a UAW, cuja
associação declinou de seu pico, em 1979, com 1,5 milhão para cerca de
355 mil membros hoje, vai acabar rumando à extinção.
Richard Block, professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas
na Michigan State University, vê a plataforma de King como meramente a
última, na longa linha de prelúdios da UAW. E ele sugere que a melhor coisa,
proveniente de qualquer dessas alianças trabalhador-chefia, é a habilidade
do sindicato de ajudar a coordenar o maciço encolhimento da indústria e
“amortecer o golpe”, assegurando que seus membros não sejam
involuntariamente dispensados e, em vez disso, recebam seus direitos.
Quando uma empresa está em sério declínio, segundo ele, “o melhor que os
trabalhadores podem esperar é algum tipo de albergue relativo à indústria”.
Entretanto, talvez – apenas talvez – King possa superar as adversidades.
Em seu livro de 1989, intitulado The New Realities, Drucker novamente
urgia o UAW e os fabricantes automotivos a juntarem forças de uma forma
como jamais haviam feito. “O sindicato ainda teria um papel de
representante dos empregados contra a estupidez da administração, sua
arbitrariedade gerencial e o abuso de poder”, escreveu ele. No entanto, as
coisas não ficariam tão controversas se o UAW também “trabalhasse com a
administração da produtividade e qualidade em manter o empreendimento
competitivo e, consequentemente, mantendo os empregos e rendas de seus
membros”.
Só nos resta imaginar como seria a situação agora se o UAW e os
fabricantes automotivos tivessem se unido, mais de meio século atrás,
quando Peter Drucker e Charlie Wilson pensaram em seguir esse caminho
pela primeira vez.
7 de janeiro de 2011
Incerteza? Supere

S e há uma coisa sobre a qual você pode ter certeza é que Peter Drucker
não aprovava toda a reclamação dos homens de negócios quanto à incerteza.
Eles estão dirigindo sua lamúria primordialmente ao governo federal,
como ilustrado numa entrevista que ouvi, semana passada, na Rádio Pública,
com Andrew Liveris, diretor executivo da Dow Chemical. Comentando
pouco antes o discurso do Presidente Barack Obama ao sindicato, Liveris
contou uma ladainha de preocupações que muitos diretores executivos
americanos expressaram nos últimos meses.
“Ora, eu não tenho apenas impostos altos; tenho impostos incertos”, disse
ele. “Nesse momento, tenho mais regulamentações infundadas, sem base
científica, sem base de dados, vindo em minha direção. Na verdade, eu nem
sei quanto serão os meus custos nos próximos cinco anos. Então, estou aqui
esperando pela reforma regulatória, e o governo, é claro, agora está
engajado nisso – assistência médica e a incerteza que ronda o orçamento da
saúde, e o que vai acabar acontecendo ali. A política da energia – temos
muitas incertezas no sistema regulatório da energia. Quero dizer, eu consigo
seguir em frente, mas isso é meia dúzia.”
Não que Drucker não fosse sentir nenhuma empatia. “O governo moderno
se tornou ingovernável”, Drucker afirmou em The Age of Discontinuity, seu
livro de 1968, tocando em um assunto do qual ele nunca se distanciou com o
passar das décadas. “Hoje em dia, não há governo que ainda alegue controle
sobre sua burocracia e de suas inúmeras representações.”
Mas Drucker também acreditava que no grande panorama das coisas, a
influência do governo tende a ser relativamente menor. (A menos, eu
suponho, que você seja um contratante federal, e seu cliente principal seja o
Tio Sam.) Forças fora da arena pública agem como os principais condutores
das mais profundas mudanças moldando nosso mundo, incluindo a contínua
transição para a era do conhecimento.

“A futilidade da política”
“Se este século prova algo, é a futilidade da política”, Drucker escreveu, em
1994. “Foram as transformações sociais, como correntes oceânicas
profundas, por baixo das superfícies tormentosas do mar, que tiveram o
efeito de fato permanente. Elas, e não toda a violência da superfície política,
transformaram não apenas a sociedade, mas também a economia, a
comunidade e o sistema governamental no qual vivemos”. Drucker
acrescentou que “os acontecimentos políticos que viram manchetes de
jornais” permaneceriam nesse papel inferior, adentrando boa parte do século
XXI.
No entanto, além de tudo isso, existe outra razão mais fundamental para
parar de reclamar: a incerteza é simplesmente parte do negócio. Os
executivos precisam administrar a incerteza, não ficar choramingando a
respeito dela.
Na verdade, desde que a economia mudou da agricultura para a
manufatura, a incerteza passou a fazer parte da equação. “O agricultor sabia
que, se não tivesse uma espiga de milho quando a nevasca chegasse, ele não
teria mais espiga alguma naquele ano”, Drucker escreveu em seu livro de
1950, The New Society. “O fazendeiro sabia que, se suas ovelhas não
parissem na primavera, ele não conseguiria reabastecer seu rebanho. Mas na
produção industrial não se pode prever, com certeza alguma, quando um
produto ou serviço terá sucesso. Se terá ou não sucesso, nós chamamos de
‘risco inerente’; mas, se ele terá sucesso em um, cinco ou vinte anos, isso é
uma ‘incerteza’.”
Mais de 50 anos depois, com o grosso dos empregos de operários
substituídos pelo trabalho de conhecimento e serviços, a quantidade de
nebulosidade que os administradores enfrentam só aumentou.
“A incerteza na economia, sociedade, política – se tornou tão grande a
ponto de ser fútil, se não contraproducente, o tipo de planejamento que a
maioria das empresas ainda pratica: prognósticos baseados em
probabilidades”, Drucker escreveu em Managing in a Time of Great
Change, seu livro de 1995.
Então, o que deve fazer um executivo desnorteado?

“Planejando para a incerteza”


Pra começar, Drucker alertou que é essencial projetar as coisas de uma
forma nova. “O planejamento tradicional pergunta ‘O que é mais provável
acontecer?’”, Drucker observou. “Em lugar disso, o planejamento para a
incerteza pergunta ‘O que já aconteceu que irá criar o futuro?’”
Drucker mencionou que um lugar para detectar essas evoluções é a
demografia, particularmente o envelhecimento veloz da população
aumentando pelos EUA, Europa, Japão e outros lugares. Outra área a
observar são as mudanças na ciência e tecnologia, ou em nossos valores
básicos (pense no movimento ambiental) que, conforme Drucker colocou, “já
ocorreu, mas ainda não teve impacto completo”.
“É comum que acreditem que as inovações geram mudanças, mas poucas
fazem isso”, escreveu Drucker. “Inovações bem-sucedidas exploram as
mudanças que já aconteceram. Elas exploram a defasagem de tempo – na
ciência, frequentemente, 25 ou 30 anos – entre a mudança em si e sua
percepção e aceitação.”
Drucker também sugeriu a análise das mudanças estruturais de um setor:
oscilações em sua produtividade, a forma como a renda disponível do
cliente é distribuída e assim por diante.
“Durante qualquer período curto de tempo, seus efeitos são superficiais”,
Drucker indicou. “Porém, em um período não tão curto, essas tendências
estruturais têm uma relevância bem maior do que as flutuações de curto
prazo, às quais os economistas, políticos e executivos dão toda sua atenção”.
Principalmente perto da época do Discurso do Estado da União.
4 de fevereiro de 2011
CAPÍTULO 4
Sobre Wall Street e finanças
O enigma pelo país afora
É bem difícil imaginar que Angelo Mozilo, diretor executivo de
empréstimos hipotecários da Countrywide Financial, seja um discípulo de
Drucker. Mas, ano passado, ele não hesitou em se definir dessa forma e, em
ao menos um aspecto, ele estava certo.
“Como o falecido Peter Drucker uma vez disse, o empresário sempre
procura pela mudança, reage a ela e a explora como uma oportunidade”,
Mozilo disse a um auditório de acionistas, banqueiros e outros. “Essa é a
essência da cultura da Countrywide.”
A Countrywide, como tantas outras empresas golpeadas pela tempestade
subprime, não está mais tão exultante. Algumas semanas atrás, a empresa
relatou uma perda de 1,2 bilhão de dólares no terceiro trimestre. Nessa
perda, estão incluídos planos de corte de até 12 mil empregos, ou cerca de
20% da mão de obra da Countrywide.

A primeira responsabilidade

Enquanto isso, Mozilo, há muito um alvo dos críticos, em decorrência de seu


pagamento king-size, está sob artilharia dos acionistas ativistas. (Drucker
também abominava o pagamento excessivo de altos executivos.) E a
Securities & Exchange Commission já andou fuçando as vendas pré-
arranjadas por Mozilo de ações da companhia.
De forma mais abrangente, a bagunça da hipoteca imobiliária vem
trazendo à mente tudo que Drucker ensinava aos negócios que não fizessem.
Mascateando instrumentos financeiros complexos a legiões de solicitantes de
empréstimos que não entendiam onde estavam se metendo e não tinham
meios de lidar com o débito que estavam assumindo, corretores hipotecários
inescrupulosos violaram o que Drucker chamava de “a primeira
responsabilidade” de qualquer profissional: “não causar danos
conscientemente.”
Ao lançar apólices respaldadas por hipotecas cada vez mais exóticas, as
firmas de Wall Street dificultaram o acesso apropriado ao risco para a
maioria dos investidores e ajudaram a dar combustível para a bolha –
precisamente o tipo de bolha insustentável e guiada pelo lucro de curto prazo
que Drucker detestava. “Porcos se refestelando são sempre um espetáculo
repulsivo, e você sabe que não dura muito”, disse Drucker, durante uma
sacudida anterior no mercado, no fim dos anos 80.

A regulamentação é a chave

E se aproveitando da supervisão regulatória frouxa, os concessores de


empréstimos se evadiram de uma de suas principais obrigações: assegurar
que haja critérios e supervisão suficientes, mesmo que isso eleve seus
custos. Segundo Drucker escreveu em Management: Tasks, Responsibilities,
Practices, seu magnum opus de 1973, “a regulamentação é de interesse do
negócio, principalmente do negócio responsável”.
Sem ela, acrescentou Drucker, surge a crise e o escândalo inevitáveis. E
isso “leva à investigação do governo, editoriais zangados e eventualmente à
perda da confiança de todo um setor, sua administração e seus produtos, por
amplos setores do público”. Que é, obviamente, onde nos encontramos hoje.
Mas, antes de desistir inteiramente das hipotecas subprime, vale lembrar
que elas representam algo que Drucker aplaudia (a que Mozilo se referia):
uma inovação social genuína.
Durante os anos 90, os EUA viram a escalada da aquisição da casa
própria, mais que em qualquer época, desde os anos 50; agora, está numa
taxa de 68%. Minorias que se viam excluídas do sistema deram grandes
passos. O número de negros proprietários de casas subiu de cerca de 42%
para 47%, em 1994. O índice de proprietários latinos saltou de 41% para
50%. Um grande motivo para esse ganhos são os empréstimos subprime.

Obviamente arriscado

No entanto, como o contágio subprime continua a se espalhar – e as


expulsões de Stan O’Neal da Merrill Lynch e Charles Prince, do Citigroup,
indicam que continuarão por um bom tempo – a pressão só irá aumentar para
apertar os empréstimos hipotecários, voltando a ser como era, há vinte anos.
Na verdade, muitos comentaristas “sugeriram que jogássemos fora o
mercado todo e voltássemos à situação de aperto do começo dos anos 90”,
disse Edward Gramlich, associado sênior do Urban Institute e autor de
Subprime Mortgages: America’s Latest Boom and Bust, dirigindo-se aos
participantes da conferência da Federal Reserve, no último verão. Mas “essa
parece a mensagem precisamente errada de se obter da experiência”, disse
Gramlich. “O mercado de hipotecas subprime foi uma inovação válida e
possibilitou que 12 milhões de inquilinos passassem a proprietários.”
Emprestar grandes somas de dinheiro a gente com históricos de crédito
escasso ou incerto é obviamente arriscado. Mas, novamente, Drucker
observou em Innovation and Entrepreneurship, seu livro de 1985, que “toda
atividade econômica é de ‘alto risco’ por definição’”.

Pura ganância

O problema com o empréstimo subprime não é a natureza da inovação em si.


É a forma como ele foi conduzido. Corretamente executada, “a inovação é
conceitual e perceptiva”, escreveu Drucker. “Inovadores bem-sucedidos
utilizam tanto o lado direito quanto o esquerdo de seus cérebros. Eles olham
os números e olham para as pessoas. Eles calculam, analiticamente, qual
deve ser a inovação para atender a uma oportunidade. Depois, saem para
olhar os clientes, usuários, para ver quais são suas expectativas, seus
valores, suas necessidades. De outro modo, corre-se o risco de ter a
inovação certa da forma errada.”
De certa forma, foi exatamente isso que aconteceu aqui. Por conta da pura
ganância, todo tipo de subprime foi vendido com negligência e desprezo
quanto a esses produtos específicos serem apropriados para os
consumidores que usufruiram deles.
O resultado final, como Drucker talvez dissesse, é que a crise colocou
todo o enfoque no que lojas como a Countrywide fizeram à sociedade. O que
fizeram por ela caiu no esquecimento.
9 de novembro de 2007
A crise financeira:
o que Drucker teria dito

P eter Drucker não tinha muitas coisas boas a dizer sobre aqueles de Wall
Street, e a certa altura os comparou a “camponeses balcânicos que roubavam
as ovelhas uns dos outros”.
Devido à magnitude da última crise que assolou a Fannie Mae, Freddie
Mac, American International Group, Lehman Brothers e seus amigos, só se
pode imaginar que tipo de analogia sarcástica ele usaria hoje.
Ou talvez ele tivesse apenas dito: “Eu falei”.
Afinal, tantos dos problemas que assolaram esses gigantes dos setores de
bancos de investimentos, hipotecas e seguros – e que ameçam “minar a
segurança financeira de todos nós’, como o Presidente George W. Bush
colocou – vêm de um tolo desprezo pelas lições mais fundamentais que
Drucker ensinou sobre risco, escopo e responsabilidade.
Alguns preferem complicar as coisas, particularmente agora que a
administração Bush anunciou um pacote de auxílio de 700 bilhões de
dólares. De fato, há uma tentação, em certos setores, de embromar o que
aconteceu aqui – mascarar os erros administrativos básicos que foram a raiz
desse desastre, apontando os entremeios intricados das negociações de
crédito, “venda a descoberto” e outros enigmas.

Sorte não dura

Porém, como Drucker sabia tão bem, nada disso é muito complexo: se você
faz muitas apostas perigosas – e juntar sua fortuna sobre um alicerce de
critérios patéticos e uma montanha de dívidas não é nada senão perigoso –
você vai acabar ficando sem sorte.
“Não importa o quanto o apostador seja astuto”, afirmou Drucker, “as leis
da probabilidade garantem que ele vai perder tudo que ganhou e muito
mais”. Ele escreveu essas palavras nos anos 90, conforme um grupo
diferente de instituições que um dia haviam sido ilustres – Barings, Bankers
Trust, Yamaichi Securities – foram derrubadas por sua negligência.
Drucker frisou que o alto escalão administrativo professou estar chocado
por algumas atividades realizadas nessas empresas, e não seria surpresa se
ouvíssemos conversas semelhantes dessa vez – principalmente se as pessoas
acabarem indo parar na cadeia. Foi relatado que o FBI abriu mais de duas
dúzias de sindicâncias sobre possíveis fraudes ligadas ao colapso
financeiro, incluindo investigações na Fannie Mae, Freddie Mac, AIG e
Lehman.
Mas Drucker não engolia que os altos executivos fossem cegos diante do
comportamento evidente de seus funcionários, uma década atrás, e ele não
iria engolir agora. “Em primeiro lugar”, ele escreveu, “coincidências têm
limite. Uma sequência de falências como essa não pode ser taxada de
‘exceção’. Elas denotam falhas no sistema”.

Grande demais para esconder

Além disso, acrescentou Drucker, “em cada um desses ‘escândalos’ o alto


escalão parece ter cautelosamente feito vista grossa, contanto que as
operações trouxessem lucros (ou, ao menos, fingissem trazer). Até que as
perdas se avolumassem tanto que já não podiam ser escondidas, o operador
apostador foi um herói e nadava em dinheiro”.
É claro que a pressão para produzir esses lucros – e, por outro lado,
alavancar o preço das ações da companhia – se tornou algo contínuo. O
veterano jornalista financeiro Rob Reed afirmou recentemente que,
antigamente, “o preço da ação era um componente importante de algo
superior: a forma como a companhia era gerida, a qualidade de seus
produtos, as inovações, a satisfação do cliente – você sabe, o negócio, em
si”. Mas, ao longo do tempo, essas buscas se tornaram amplamente
ofuscadas por apenas uma: maximizar o valor dos acionistas.
Para Drucker, essa mentalidade era anacrônica. “Uma coisa é clara para
qualquer um que possua um leve conhecimento da história político-
econômica: a declaração atual de ‘soberania acionista absoluta’... é o último
hurra do século XIX, basicamente, o capitalismo pré-industrial”, escreveu
ele, num artigo de 1988. “Isso transgride o senso de justiça das pessoas.”
Talvez, até mais importante, disse Drucker, essa falta de equilíbrio é
inquietante num mundo em que grandes instituições têm um efeito enorme em
tantas coisas – nas carteiras de acionistas, sim, mas também nas vidas de
milhões de outras pessoas, como estamos vendo agora.

Pensamento de longo prazo

Na época atual, “a empresa moderna, principalmente uma grande empresa,


pode fazer seu trabalho econômico – incluindo gerar lucros para os
acionistas – somente se for gerida para longo prazo”, escreveu Drucker. “Em
conjunto, há muito na sociedade – empregos, carreiras, comunidades – que
depende da sorte econômica de grandes empreendimentos para ser
subordinado inteiramente aos interesses de qualquer grupo, incluindo os
acionistas.”
No fim, tudo isso leva àquilo que mais faz falta atualmente em Wall Street
e em boa parte da América Corporativa: ética de responsabilidade.
Drucker acreditava firmemente que todo negócio precisa contribuir com a
saúde geral da sociedade. Isso significa fazer “bons trabalhos”, onde for
apropriado. Mas, acima de tudo, significa assegurar que o negócio em si seja
bem gerenciado e feito para durar.
“O desempenho da missão específica da instituição é a primeira
necessidade e interesse da sociedade”, Drucker escreveu em Management:
Tasks, Responsabilities, Practices. “Um negócio falido não é um
empregador desejável e é improvável que seja um bom vizinho numa
comunidade. Nem irá gerar capital para os empregos de amanhã nem as
oportunidades para os trabalhadores de amanhã.”
Eu frequentemente digo às pessoas que há um milhão de motivos para ler e
reler o que Peter Drucker tinha a dizer. Nessa semana, parece haver 700
bilhões de motivos.
26 de setembro de 2008
Liderança financeira,
o ingrediente que falta

C onforme a crise financeira passou de mal a pior na semana passada, os


elaboradores das diretrizes e executivos de negócios fizeram um grande
estardalhaço por conta da míngua do crédito mundo afora. Porém, o maior
problema é a falta de uma coisa completamente diferente: liderança.
Peter Drucker – que começou a escrever sobre o assunto nos anos 40,
muito antes que isso entrasse na moda – considerava verdadeiros líderes
aqueles que depositavam responsabilidade e consistência em tudo que
faziam, além de terem profunda consciência do que tinha de ser realizado.
Em se tratando da confusão atual, os encarregados em Wall Street e
Washington fracassaram nessas três frentes.
Mais apavorantes, talvez, foram as performances em Capital Hill dos ex-
responsáveis pelo Lehman Brothers e American International Group, que
culparam os operadores divergentes de curto prazo, os reguladores
imprevisíveis e os colegas descuidados pelas calamidades em suas firmas –
ou seja, praticamente todo mundo, menos eles. “Num olhar retroativo à
minha época em comando”, disse Robert Willumstad, ex-presidente da AIG,
a um comitê da Casa, “não vejo como a AIG poderia ter feito algo
diferente”.

A altura da prudência?

Richard Fuld, que presidiu a queda da Lehman, disse ao conselho que todas
as suas decisões “foram prudentes e apropriadas”, dada a informação que
ele tinha na época. No entanto, se for verdade, isso indica que sua
organização está mal equipada para prover-lhe as informações necessárias –
isso, em si, já é um colapso gerencial horrendo.
“A frase folclórica de Harry Truman dizendo ‘aqui se assume o que se faz’
ainda é uma boa definição de liderança”, Drucker escreveu em seu clássico
de 1967, The Effective Executive. Willumstad e Fuld debocharam do padrão
da responsabilidade.
Entretanto, os funcionários públicos também não têm mostrado qualidades
de liderança. “A primeira função de um líder é fazer soar a trombeta em alto
e bom som”, escreveu Drucker. “A liderança eficaz – e, novamente, isso é
uma sabedoria muito antiga – não é baseada no fato de ser esperto; é baseada
no fato de ser consistente.”
Mas clareza e consistência têm estado ausentes da reação do governo à
crise. Em princípio, a Administração Bush passou maus bocados para
explicar porque um plano de resgate de 700 bilhões de dólares não era
simplesmente um salvamento com o dinheiro dos pagadores de impostos às
companhias responsáveis pela catástrofe. E o tempo todo o esforço do
governo parecia incerto e casual, como se eles não soubessem exatamente
que notas a trombeta deveria entoar. Em determinado ponto, por exemplo, os
funcionários do Tesouro depreciaram a ideia de o governo assumir a
participação dos bancos nacionais. Depois, eles reverteram o rumo e
anunciaram, na terça-feira, que iriam investir 250 bilhões de dólares no
setor.
Essa ação ajudou a estimular o revigoramento, depois que as ações tinham
sido completamente arruinadas, na semana anterior. Mas ainda veremos se o
plano do governo sequer está focado nas coisas certas. Depois de tudo, é
bem possível que isso possa ter êxito escorando o sistema bancário, em
curto prazo, enquanto omite a garantia de que outro colapso financeiro não
irá se materializar mais adiante.
Uma das questões mais sérias, que não foi abordada adequadamente, por
exemplo, é expedir uma ordem que obrigue as instituições financeiras a
divulgarem precisamente que tipo de risco elas enfrentam hoje e mais à
frente.
“Houve muitas tentativas indiferentes de melhorar isso, ao longo dos anos,
a maioria delas conduzida pelas grandes perdas de crédito, ou nas
operações, preocupações com a estabilidade sistêmica ou danos aos
clientes”, escreveu Erik Banks, veterano da Merrill Lynch, em seu livro
perturbadoramente premonitório, lançado em 2004, intitulado The Failure of
Wall Street. “Quando alguma coisa ruim acontece, os reguladores pedem
mais informações sobre os riscos, os bancos as providenciam, por um
tempo, ninguém acha particularmente útil, porque é tudo expresso em termos
evasivos, e nada é, de fato, transmitido, depois aquilo é enterrado de forma
ilegível nas observações de rodapé; os reguladores, clientes e investidores
se esquecem, e tudo volta ao status quo, até a próxima explosão.”
Dessa vez, teremos que fazer melhor – mas isso exige líderes que tenham
coragem para tratar não apenas da atual calamidade, mas também de suas
causas ocultas, incluindo a falta de transparência.

Expandindo fronteiras

Realmente, a forma como Drucker via uma das tarefas mais importantes de
um líder é formular cuidadosamente o que ele ou ela espera realizar a cada
grande decisão. “Que objetivos a decisão precisa alcançar?”, Drucker
escreveu. “Quais são as metas mínimas que ela precisa obter? Que
condições ela precisa atender?”
Drucker indicou que na ciência, essas são conhecidas como “condições
limite”. E não alcançá-las pode ser terrível. “Uma decisão que não satisfaz
as condições limite”, afirmou Drucker, “é pior do que a que define
erroneamente o problema.”
Ele relatou que o Presidente Roosevelt expandiu suas próprias condições
limite depois de um “súbito colapso econômico”, entre o verão de 1932 e a
primavera de 1933. Antes, Roosevelt tinha buscado uma política de
recuperação relativamente conservadora. Mas, quando a situação se
deteriorou, sua meta passou a ser necessariamente não apenas a recuperação,
mas a reforma abrangente.
Esse é um caminho que seríamos sábios em seguir novamente. A questão
é: haverá alguém para nos prover a liderança e conduzir até lá?
14 de outubro 2008
10 lições de administração obtidas da
morte do Lehman

L awrence Mcdonald, ex-vice-presidente do Lehman Brothers, intitulou


seu relato interno da morte da empresa de A Colossal Failure of Common
Sense. Peter Drucker, por outro lado, foi certa vez mencionado por Sumantra
Ghoshal, da London Business School, como o “praticante da sabedoria do
bom senso”.
Com esse profundo contraste em mente, aqui estão 10 lições de gestão
derivadas dos insights de Drucker, um ano após a quebra do Lehman:

1. Executivos que ficam preocupados com o preço diário das ações de


sua companhia, ou consumidos pelas metas trimestrais, não dão bons
comandantes de uma empresa. “A tarefa mais crítica da administração é
equilibrar curto e longo prazo”, declarou Drucker, numa entrevista, em 1999,
acrescentando que “a ênfase unilateral” nessa última é “deletéria e
perigosa”.
Basicamente, disse Drucker, decidir “se um negócio deve ser administrado
focando os resultados de curto ou longo prazo é uma questão de valores.
Analistas financeiros acreditam que os negócios podem ser administrados
focando ambos. Gente bem-sucedida nos negócios sabe mais.

2. Atrelar remuneração individual aos ganhos de curto prazo só


exacerba o problema. Isso premia o executivo “por fazer a coisa errada”,
disse Drucker. “Em vez de perguntar ‘Estamos tomando a decisão certa?’, a
tentação é perguntar ‘Qual foi o nosso fechamento de hoje?’ Isso é um
incentivo para saquear a instituição.”
O Aspen Institute recentemente incitou as companhias a “definir métricas
firmes e específicas de valor de longo prazo”, depois usá-las tanto para “se
comunicar com os investidores” quanto para “ajustar melhor a remuneração
dos executivos” com o que realmente importa. O Federal Reserve também
está considerando obrigar as instituições financeiras a adotarem diretrizes
que vinculem o pagamento à performance de longo prazo. Drucker teria
enaltecido essa iniciativa.

3. As pessoas não gostam quando aqueles que exibiram terríveis casos


de miopia administrativa ficam podres de ricos ao longo do processo.
Inevitavelmente, disse Drucker, há “uma erupção de amargura e desprezo
pelos capitães corporativos que se atribuem o pagamento de milhões”. O ex-
presidente da Lehman, Richard Fuld, que desfrutou de 40 milhões de dólares
em benefícios, em 2007, recentemente reclamou que ele tinha sido
“surrado”. “Nesse momento, estão procurando alguém em quem despejar, e
sou eu”, disse Fuld.
Drucker simplesmente não sentiria pena dele. “Poucos altos executivos”,
disse ele uma vez, “sequer podem imaginar o ódio e a fúria que provocaram”
por conta de seus pagamentos injustificados. “Não sei como isso vai ficar,
mas a inveja que está se desenvolvendo por conta dessa abastança enorme
vai causar problema.”

4. Lucros altos não significam, necessariamente, que você esteja


produzindo algo de valor verdadeiro. O Lehman, na verdade, relatou um
ganho recorde em 2005, 2006, 2007. Isso talvez tenha impressionado o setor
de investimentos. Mas, no fim, não é isso que conta. “Os analistas de seguros
acreditam que empresas fazem dinheiro”, disse Drucker. “Empresas fazem
sapatos.”

5. Dinheiro em movimento não é a mesma coisa que a produção real de


bens e serviços. Para ter certeza, os instrumentos financeiros têm um papel
vital no risco disseminado, assegurando o funcionamento azeitado da
economia global. Mas quando Wall Street está gerando 40% dos lucros
corporativos dos EUA, algo saiu terrivelmente dos trilhos.
Drucker chamava esse fluxo mundial de capital e crédito de “economia
simbólica”, bem diferente da “economia real”. “Os americanos” dizia ele,
“não podem viver numa economia simbólica, onde os negociantes atuam
somente com números”.

6. Quando você compra e vende muitos bens, a preços


consideravelmente acima do valor básico daquilo que está sendo
negociado, a elevação não tem como durar. “Sabe-se que a duração média
de uma bolha de sabão é de cerca de 26 segundos”, disse Drucker. “Então, a
tensão da superfície se torna excessivamente grande e ela estoura. Para os
delírios especulativos, essa duração é de cerca de 18 meses”.

7. Nem mesmo os banqueiros profissionais, que são ostensivamente


“especializados em controle de risco”, estão imunes à síndrome da bolha
de sabão. É claro que isso não significa que eles não tentem esperteza contra
o sistema. A tendência é que as empresas recorram às “operações por conta
própria”, ou seja, “a especulação a termo”, observou Drucker. “Isso, no
entanto, conforme séculos de história financeira ensinam (começando com os
Medici, na Europa do século XV), só tem um – absolutamente um – desfecho
certo: perdas catastróficas.”

8. É especialmente difícil evitar essas perdas quando você não quer


ouvir más notícias. Lehman e os outros bancos de investimentos se
recusavam a sequer pensar no “perigo potencial” de se tornarem
excessivamente alavancados, segundo McDonald relata em seu livro. “Wall
Street só ouvia o mar calmo, os lucros recorde, o maior crescimento de
todos os tempos, alegria, abastança, prosperidade e bôôôôônuuuuus.
Qualquer coisa inferior a isso estava fora daquela cultura.” Quando o diretor
de renda fixa alertou Fuld sobre as apostas insustentáveis que a firma estava
fazendo, acrescenta McDonald, Fuld “resolveu espezinhá-lo, diminuí-lo
publicamente”.
Outros ex-banqueiros do Lehman pintam um quadro semelhante, dizendo
que Fuld e o alto escalão não estavam interessados em visões discordantes.
Mas “a discordância é essencial para a tomada de decisão”, disse Drucker.
Sem isso, os que estão no topo simplesmente não podem assumir o que
Drucker descrevia como a “tarefa mais importante” pela qual eram
responsáveis: “prever a crise.”

9. Enquanto seres humanos estiverem encarregados por nossas


maiores instituições, essa não será a última crise que veremos.
“Escândalos são um fator comum na paisagem”, disse Drucker, que não se
chocava com o fato de que as companhias estivessem novamente assumindo
riscos substanciais e vendendo o tipo de produto financeiro exótico que
gerou a Grande Recessão. “Eles tipicamente começam com alguma coisa que
dá errado, e você varre pra debaixo do tapete. E você acaba tentando varrer
elefantes pra debaixo do tapete. Então, quando não dá mais certo, tudo vem
abaixo.”

10. “Pessoas tolas cometem erros tolos. Pessoas brilhantes cometem


erros colossais.”
18 de setembro de 2009
Goldman Sachs: fracasso na inovação

S e a Goldman Sachs infringiu a lei, ainda veremos. Mas uma coisa é


certa: a firma transgrediu um dos princípios essenciais de inovação de Peter
Drucker.
“A inovação é um efeito na economia e sociedade, uma mudança no
comportamento de clientes e de pessoas, de maneira geral”, escreveu
Drucker. “Ou é uma mudança em processo – ou seja, na forma como as
pessoas trabalham e produzem algo. Portanto, a inovação sempre precisa
estar próxima ao mercado, focada no mercado, na verdade, impulsionada
pelo mercado.”
Em profundo contraste, as assim chamadas inovações exploradas pela
Goldman – seguros relativos a hipotecas, em cujo valor a firma apostava
entrar em declínio – não estavam, de forma alguma, engrenadas ao mercado;
elas estavam direcionadas para dentro e negociadas pela Goldman para seu
próprio lucro.
Como observou Carl Levin, Democrata de Michigan que encabeça o
Subcomitê Permanente do Senado em Investigações: “A natureza da função
de Wall Street mudou. Eles ainda argumentam estarem provendo capital e
estimulando a inovação, e, até certo ponto, estão. Mas houve uma mudança
significativa aqui, quanto ao modelo, no qual eles estão em defesa de si
mesmos. Seus clientes são eles próprios.”

Servindo ao operador da casa

Drucker viu a chegada dessa bagunça muito tempo atrás. Numa matéria que
ele escreveu em 1999, “Financial Services: Innovate or Die”, ele franzia o
rosto para o tipo de transação que causou tantos danos à reputação da
Goldman e, mais importante, à economia mundial. Desde os anos 70,
escreveu ele, “as únicas inovações” nos bancos “têm sido uns derivativos
‘científicos’ quaisquer.
“Mas esses instrumentos financeiros não são elaborados para prover um
serviço ao cliente”, prosseguiu Drucker. “São feitos para tornar as
especulações do operador mais rentáveis e, simultaneamente, menos
arriscadas – certamente, uma transgressão às leis básicas de risco e
improváveis de dar certo. Na verdade, elas não têm mais probabilidade de
dar certo do que o sistema científico do jogador inveterado, apostando em
Monte Carlo ou Las Vegas.”
É claro que a tendência de inflar o lucro final próprio sem criar qualquer
coisa de valor real (um bem, um emprego, um ganho na produtividade) não
contaminou apenas Wall Street. Em inúmeros setores, muitos executivos
agora depositam mais tempo e energia na engenharia financeira do que na
engenharia de produtos.
Drucker, por sua vez, não era ingênuo quanto às altas finanças. Ele
compreendia inteiramente que os negócios precisam se engajar em
transações de hedging (cobertura) e opções comerciais de preços voláteis ou
moedas flutuantes. “Riscos de operações cambiais estrangeiras”, disse
Drucker, “transformam os gestores mais tradicionais em especuladores”.

Inovação verdadeira: caixas eletrônicos

Mas isso não é a mesma coisa que um banco operando por conta própria,
uma prática que pode rapidamente transformar os que eram tradicionalmente
clientes principais da instituição em considerações secundárias. “Eu
acredito que os bancos devem ser bancos servindo aos clientes”, escreveu
Vikram Pandit, diretor executivo do Citigroup, numa carta recente ao
Presidente Obama, numa declaração que, em dia e época diferentes, teria
sido tão comicamente óbvia quanto a cor do cavalo branco de George
Washington.
Paul Volcker, ex-Presidente do Conselho do Federal Reserve, que vem
tentando erguer um muro entre os bancos que se mantêm fazendo depósitos e
os que querem fazer apostas arriscadas para vantagem própria, comentou,
não faz muito tempo, que somente uma inovação financeira foi digna de
alguma atenção nos últimos 20 anos. E não são os CDOs (collaterized debt
obligations, ou obrigações de débito colateral) o núcleo do escândalo da
Goldman. E sim os caixas eletrônicos. “Isso realmente ajuda as pessoas e é
uma conveniência real”, disse Volcker. “Quantas outras inovações, que
tenham sido tão importantes para o individuo, você pode citar?”
A observação de Volcker foi meio que um gracejo, mas Drucker
certamente teria apreciado o sentimento. Em seu texto de 1999, ele explicava
que em duas ou três décadas após a Segunda Guerra Mundial, um fluxo
contínuo de inovações emanava do setor bancário, incluindo o Eurodollar, o
Eurobond, o primeiro fundo de pensão e o cartão de crédito.
Ele também enfatizou o trabalho pioneiro de Walter Wriston, do Citibank,
que, como Drucker descreveu, “imediatamente mudou sua companhia, que
deixou de ser um banco americano, com filiais estrangeiras, e passou a ser
um banco global, com múltiplas sedes”. Drucker disse que o insight
subsequente de Wriston, “de que o que interressa ao ‘banco não é o dinheiro;
é a informação’, criou o que eu chamaria de ‘teoria do negócio’ para o setor
de serviços financeiros”.

O mercado da classe média

Todavia, Drucker afirmou que, desde a época de Wriston, os banqueiros


fizeram pouca coisa para inovar, ao menos em benefício de seus clientes.
Porém, Drucker via um possível ponto favorável no setor: prestar serviços a
investidores de classe média ao redor do globo.
Drucker chamou a atenção para um de seus clientes de consultoria, a
empresa de corretagem Edward Jones, baseada em St. Louis, que foi uma
das primeiras a enxergar o potencial desse mercado, há cerca de 40 anos.
Drucker escreveu que a maioria das pessoas que Edward Jones atende não é
particularmente abastada, mas “as somas que coletivamente despejam nos
investimentos apequenam, em grande magnitude, tudo que os super-ricos do
mundo inteiro possuem, incluindo os xeiques, os marajás da Indonésia e os
bilionários da informática”.
Hoje em dia, acrescentou Drucker, o tipo de cliente que Edward Jones
atende “constitui o grupo populacional de crescimento mais veloz em todos
os países desenvolvidos e emergentes”, incluindo a América Latina, o Japão,
a Coreia do Sul e as principais cidades da China. “Esse mercado”,
mencionou Drucker, “pode se tornar o sucessor do século XXI do primeiro
‘mercado em massa’ financeira: seguro de vida”.
Não tenho como dizer se o prognóstico de Drucker irá se transformar em
realidade. Mas isso eu sei: estamos melhores com os caixas eletrônicos do
que com investimentos platônicos.
7 de maio de 2010
CAPÍTULO 5
Sobre valores e responsabilidade
Por que as boas maneiras
são importantes no trabalho

P ara aqueles que nunca se incomodaram em prestar atenção a suas mães,


talvez vocês ouçam Peter Drucker, pai da administração moderna.
Essa ideia insolente me veio à cabeça algumas vezes na última semana,
conforme eu lia uma série de histórias sobre etiqueta (ou, a falta dela) no
local de trabalho. Mais recentemente, houve um estudo de caso postado no
website da BusinessWeek. Sobre um trabalhador que tinha que lidar com um
chefe grosseiro.
E, apenas algumas semanas atrás, eu vi que funcionários públicos de
Anaheim, Califórnia – lar da Disneylândia –, foram mobilizados para
programar aulas para taxistas, funcionários da rede hoteleira e outros
trabalhadores do setor de serviços da cidade, para garantir que eles tenham
uma atuação de anfitriões de conhecimento e entusiasmo com os turistas,
enquanto também cuidam do lado da cortesia.
A esperança é que as lições que venham a aprender – profissionais e de
afabilidade – sejam notadas não apenas pelos visitantes, mas também por
seus colegas. “Nós os ensinamos que eles fazem parte de uma equipe, e o
que fazem reflete na equipe” diz Mickey Schaefer, presidente da Mickey
Schaefer & Associated, empresa de treinamento de Tucson, Arizona. “Nós
nos tornamos uma sociedade tão informal que todos estamos inclinados a
derrapar. Queremos voltar ao básico. Seu comportamento, limpeza e postura
amistosa, tudo isso é importante.”
Drucker, que se lembrava de sua avó confrontando um jovem ladrão, num
bonde, em Viena, no começo dos anos 30, dando-lhe um sermão sobre a
virtude das boas maneiras, certamente concordaria. “A boa educação serve
como o lubrificante de uma empresa”, escreveu Drucker. “É a lei da natureza
que dois corpos em movimento, em contato um com o outro, criem fricção.
Isso é tão verdadeiro para seres humanos quanto para objetos inanimados.
Boas maneiras – coisas simples como dizer ‘por favor’ e ‘obrigado’ e saber
o nome da pessoa ou perguntar de sua família – possibilitam duas pessoas a
trabalharem juntas, independentemente de gostarem ou não uma da outra.”

Um dia após o outro

Como a última parte de seu comentário deixa claro, Drucker nunca foi
particularmente sentimental sobre tudo isso. Ele não estava interessado em
fomentar amizades; estava, como sempre, tentando enfatizar a performance.
“Sentimentos afetuosos e palavras agradáveis não têm significado, na
verdade, são uma fachada para comportamentos patifes, se não houver
nenhuma realização naquilo que é, no fim das contas, um relacionamento
focado no trabalho, na tarefa”, Drucker alertou em The Effective Executive,
seu clássico de 1967. “Por outro lado, uma palavra áspera ocasional não irá
conturbar um relacionamento que produz resultados e realizações, por tudo
que envolve.”
No entanto, Ducker sabia que, um dia após o outro, manter um senso de
decoro é um ingrediente importante em qualquer empreendimento bem
administrado. “Maus modos”, disse ele, “esfolam as pessoas, deixam
cicatrizes permanentes”.
Talvez até literalmente. Mês passado, a Joint Commission, uma entidade
de certificação para a indústria americana de assistência de saúde,
determinou que 15 mil hospitais, casas de repouso, laboratórios e outras
instituições implementassem padrões discriminados do que consideravam
conduta pessoal “aceitável e inaceitável” e estabelecessem “um processo
formal” para gerenciar a situação quando as regras forem infringidas.
“Líderes do setor de assistência de saúde e cuidadores sabem, há anos,
que comportamentos ameaçadores e turbulentos são um problema sério”,
disse a comissão. “Rompantes verbais, atitudes condescendentes, a recusa na
participação de tarefas designadas e ameaças físicas geram o fracasso do
trabalho em equipe, da comunicação e colaboração necessária para a
realização de cuidados com o paciente.”

Civilidade é crucial
Não é somente o pessoal da área médica que precisa desse lembrete. Um
estudo lançado ano passado, baseado numa pesquisa feita com mais de 54
mil empregados de 179 instituições da Austrália e Nova Zelândia, descobriu
que um em cada cinco empregados passa por um incidente de rudeza uma vez
ao mês.
As pessoas que excluem os colegas de trabalho das situações, os
interrompem quando eles estão falando, fazem observações depreciativas,
ocultam informações e menosprezam as ideias alheias podem ter “um grande
impacto no engajamento dos funcionários”, disse Barbara Griffin, psicóloga
organizacional da University of Western Sydney e coautora de um estudo,
quando este foi lançado. Ela disse que na verdade, esse tipo de atmosfera
pode muito bem determinar “se você permanece numa instituição, fala
positivamente sobre seu emprego ou se esforça ainda mais. Isso também
pode causar angústia psicológica e prejuízos à saúde física”.
Por mais que isso pareça sensato, muitos administradores falham na
percepção do quanto a civilidade é crucial. “Gente inteligente,
principalmente os jovens inteligentes, deixam de compreender isso”,
escreveu Drucker. “Se a análise mostra que o trabalho brilhante de alguém
falha repetidamente assim que a cooperação de outros é solicitada, isso
provavelmente indica uma falta de cortesia – ou seja, falta de boas
maneiras.”

As habilidades pessoais superam o talento

Isso, é claro, vai minando não apenas a instituição, mas o indivíduo. Em seu
aclamado livro What Got You Here Won’t Get You There: How Successful
People Become Even More Successful, o consultor executivo (e colega
colunista da BusinessWeek.com) Marshall Goldsmith indica que “as
habilidades pessoais”, mais que a inteligência, ou os talentos técnicos,
frequentemente “fazem a diferença no quanto você consegue ascender” em
sua carreira.
Entre os desafios do comportamento interpessoal que Goldsmith diz que
muitos de nós precisamos nos esforçar para superar: falar quando estamos
zangados, ser excessivamente negativos, dar desculpas, reclamar o crédito
não merecido, não ser bom ouvinte e “falhar na demonstração de gratidão –
forma mais básica de falta de educação”.
E, com isso, resta apenas mais uma coisa a dizer: obrigado pela leitura.
14 de agosto de 2008
Colocando uma tampa na
remuneração do presidente

P ara um cara cuja consultoria ajudou a enriquecer tantos presidentes de


empresas, Peter Drucker tinha uma aversão intensa aos salários exorbitantes
dos executivos. Ele detestava os altos pagamentos feitos a presidentes, em
todos os aspectos: o que isso dizia sobre o indivíduo, como líder, a forma
como isso mina o funcionamento estável da instituição e o jeito como
esgarça a sociedade como um todo.
As fortes sensações de Drucker sobre o assunto – ele uma vez usou a
expressão “sério desastre” para definir as gratificações estratosféricas dos
presidentes – valem ser lembradas à luz das notícias informando que os
homens encabeçando a Fannie Mae e a Freddie Mac poderiam ter
qualificação para receberem 24 milhões de dólares, além de outros
benefícios, ao serem demitidos de suas funções.
Semana passada, o governo federal foi forçado a intervir e auxiliar as
seguradoras hipotecárias gigantes, numa ação que poderia custar bilhões aos
contribuintes.
Embora não tenha ficado totalmente claro se os dois presidentes retirantes,
Daniel Mudd, da Fannie, e Richard Syron, da Freddie, de fato sairiam com
toda essa grana, a possibilidade de um golpe de sorte como esse repercutiu
na trilha da campanha presidencial e ajudou a atiçar uma discussão nacional
sobre pagamento a executivos.
A posição de Drucker na questão, consistentemente articulada ao longo
dos anos, era controversa. Mas estava enraizada em sua crença de que os
melhores líderes são aqueles que entendem que o que vem com sua
autoridade é o peso da responsabilidade, não “o manto do privilégio”, como
mencionou o editor e escritor Thomas Stewart, descrevendo a visão de
Drucker. É função deles “fazer o que é certo para a empresa – não somente
para os acionistas, e certamente, não somente o que for bom para eles”.
Ano passado, segundo um relato que acaba de ser publicado pelo Institute
for Policy Studies and United for a Fair Economy, S&P, 500 presidentes
receberam, em média, o equivalente a 10,5 milhões de dólares. Isso era 344
vezes o salário médio de um trabalhador americano.
O que Drucker achava mais apropriado era uma proporção de 25 para 1
(como sugeriu em um artigo de 1977), ou 20 para 1 (como expressou em um
ensaio de 1984 e muitas vezes depois). Aumentar a diferença muito além
disso, segundo Drucker declarou, dificulta o fomento de uma equipe que a
maioria dos empreendimentos precisa para ter sucesso.
“Não estou falando dos sentimentos amargos das pessoas da empresa”,
Drucker disse a um repórter, em 2004. “Eles estão convencidos de que seus
chefes são escroques, de qualquer jeito. São os gerentes de nível médio, que
ficam incrivelmente desiludidos” pelas gratificações dos presidentes que
parecem não ter limites.
Isso é especialmente verdadeiro, explicou Drucker, numa entrevista
anterior, quando os presidentes enchem os bolsos enquanto empregados
estão sendo mandados embora. Esse tipo de ação, disse ele, é “moralmente
imperdoável”.
Drucker não era particularmente contra o fato de recompensar algumas
pessoas como reis. “Há exceções, na verdade, deve haver”, ele escreveu.
“Um ‘astro’, seja um supervendedor da seguradora, ou o cientista, no
laboratório que faz meia dúzia de descobertas inéditas em suas pesquisas,
eles devem ser pagos sem qualquer limite de renda.”
Entretanto, o diretor geral tem um dever especial de mostrar que ele ou ela
é “somente um contratado”, disse Drucker, evocando as palavras de J.P.
Morgan. “Foi isso que os presidentes de hoje esqueceram.”
Não todos, é claro. Ano passado, Jim Sinegal, presidente da Costco
Wholesale, ganhou 3,2 milhões de dólares, incluindo um salário de 350 mil,
um bônus de 80 mil e uma carteira de ações no valor de 2,6 milhões. Embora
não chegue a ser um trocado, isso foi muito menos que seus colegas
arrebanharam – e bem menos que o comitê de gratificação da Costco queria
lhe dar. Mas o comitê disse, num arquivamento regulatório, que estava
disposto a respeitar “os desejos dele de receber uma gratificação modesta,
em parte, por acreditar que montantes maiores não mudariam a motivação
nem o desempenho do Sr. Sinegal”.
Estipular o pagamento de altos executivos pode ser algo capcioso, mesmo
para aqueles cujos instintos sejam de reduzir sua remuneração. Em meados
dos anos 80, depois de pedir consultoria a Drucker, Herman Miller,
fabricante de móveis, concordou que o pagamento de seu presidente deveria
ser restrito em 20 vezes o valor médio de todos os empregados. “A parte
sutil desse limite foi a mensagem ao presidente: se você quiser ganhar mais,
precisa fazê-lo subindo o pagamento médio” de todos da empresa, e o
homem que detinha o posto, Dick Ruth, relembrou isso em seu livro, Leaders
& Followers.
Mas, em 1997, Herman Miller descartou o modelo de Drucker. “A partir
de uma perspectiva competitiva”, disse Ruth, “nós precisávamos eliminar a
limitação para atrair e reter as pessoas certas”.
O próprio Drucker admitiu que as fórmulas compensatórias têm uma
dificuldade inerente de se desenvolver. “Eu seria a última pessoa a alegar
que um sistema ‘justo’, muito menos ‘científico’, pode ser elaborado”, ele
escreveu. No entanto, ele nunca abriu mão da regra de 20 por 1 para os
presidentes, promovendo-a como algo bom para a instituição, assim como
para a saúde geral da sociedade.
Permitir a existência de uma disparidade absurda na renda “corrói”,
alertou Drucker. “Isso destrói a confiança mútua entre grupos que precisam
conviver e trabalhar juntos.”
E, ocasionalmente, socorrer uns aos outros.
12 de setembro de 2008
Uma época para autorreflexão ética

E sta pode ser a época da doação, mas certamente dá a sensação de que


todos estão subitamente tirando. A Siemens, gigante da engenharia alemã,
concordou, este mês, em pagar o valor recorde de 1,6 bilhão de dólares às
autoridades americanas e europeias para firmar um acordo da retirada das
acusações de que a empresa subornou, rotineiramente, para garantir
contratos de trabalhos públicos ao redor do globo. Marc Dreier, proeminente
advogado de Nova York – chamado por um promotor público americano de
“Houdini da representação de documentos falsos” –, foi acusado pelos
federais de fraudar fundos de hedge e outros investidores, no valor de 380
milhões de dólares.
E, claro, temos Bernard L. Madoff, que dizem ter confessado um esquema
de fraude financeira com proporções verdadeiramente épicas: um calote de
50 bilhões de dólares, quantia quase equivalente ao PIB de Luxemburgo.
Tudo isso dito, surge a pergunta que Peter Drucker fez, pela primeira vez,
numa matéria de 1981, para o jornal The Public Interest e que mais tarde se
tornou título de um capítulo em seu livro The Ecologigal Vision: “Can there
be business ethics?” (Pode haver ética nos negócios?)
Drucker não apresentou isso para sugerir que negócios eram inerentemente
incapazes de demonstrar um comportamento ético. Ele tampouco estava
afirmando que o local de trabalho deve, de alguma forma, ser isento de
preocupações morais. Em vez disso, sua preocupação era com o fato de que
falar de “ética profissional”, como um conceito distinto, era distorcê-lo,
transformando-o em algo “incompatível com o que a ética sempre dever
ser”.
O que Drucker temia, especificamente, era que os executivos pudessem
dizer que estavam cumprindo suas responsabilidades sociais como líderes
empresariais – protegendo empregos e gerando riqueza – enquanto engajados
em práticas absolutamente abomináveis. “Ética para eles” escreveu Drucker,
“é um cálculo de custo benefício, e isso significa que os administradores
estão isentos das exigências da ética, se tiverem um comportamento
discutível, para conferir benefícios a outras pessoas”.
É difícil imaginar que um Madoff, ou um Dreier, sequer tentariam se safar
com uma lógica tão torturada: uma atitude de fim-que-justifica-os-meios, que
Drucker intitulava “casuística”. Mas todos nós conhecemos gestores que
tentaram racionalizar um ato inescrupuloso alegando que isso serviria para
um bem maior.

O teste do espelho

Em seu livro Resisting Corporate Corruption, Stephen Arbogast menciona


que, quando os graúdos da Enron buscaram uma isenção da política ética da
empresa, para que pudessem seguir adiante com certos acordos financeiros
duvidosos, o combinado era fazer “parecer um sacrifício em benefício da
Enron”. Reinhard Siekaczek, ex-executivo da Siemens, disse ao The New
York Times que a chuva de funcionários públicos estrangeiros com subornos
“era para manter a unidade operacional viva e não colocar em perigo
milhares de empregos da noite para o dia”.
Para Drucker, o melhor meio para um negócio – na verdade, qualquer
empresa – criar um ambiente ético para seu pessoal compartilhar é o que ele
veio a chamar de “teste do espelho”, num artigo de 1999. Em seu texto de
1981, Drucker tinha dado um nome mais elegante à sua ideia: “A Ética da
Prudência”. Mas, de qualquer forma, isso se resume à mesma coisa: quando
você se olha no espelho, pela manhã, que tipo de pessoa você quer ver?
Drucker escreveu que a Ética da Prudência “não diz, com todas as letras, o
que é o comportamento ‘correto’.” Em vez disso, ela presume que “o
comportamento errado está claro o suficiente – e, se houver qualquer dúvida,
ele será ‘questionável’, portanto, deve ser evitado”. Drucker acrescentou
que “seguindo a prudência, todos se tornam líderes, independentemente de
seu status” e assim permanecem, ao “evitar qualquer ato que os
transformaria no tipo de pessoa que não querem ser, que não respeitam”.
Drucker prossegue: “Se você não quer ver um cafetão quando se olhar no
espelho, ao se barbear, não contrate garotas de programa para entreter
congressistas, clientes ou vendedores. Em qualquer outra circunstância,
contratar garotas de programa pode ser condenável como algo vulgar e de
mau gosto, e pode ser evitado como algo que gente crítica faz. Pode ser mal
visto ou parecer estranho. Pode até ser ilegal. Mas somente a prudência é
eticamente relevante. Isso é o que Kierkegaard, o mais sério moralista do
século XIX, quis dizer quando mencionou que a estética é a verdadeira
ética.”

Tempo para refletir

Drucker alertou que a Ética da Prudência “pode ser facilmente degenerada”,


transformando-se em aparências vazias e “na hipocrisia de relacionamentos
públicos”. No entanto, apesar desse perigo, Drucker acreditava que “a Ética
da Prudência é certamente apropriada para uma sociedade de instituições”,
na qual “um número extraordinário de gente está em posições de alta
visibilidade, mesmo que somente dentro da instituição. Desfrutam dessa
visibilidade não como o Príncipe Cristão, pela virtude de nascimento, nem
pela virtude da riqueza – ou seja, não por serem personagens. São
funcionários e importantes apenas através de sua responsabilidade de tomar
a atitude certa. Mas esse é exatamente o ponto principal da Ética da
Prudência”.
Agora é a época do ano em que muitos de nós nos encontramos sentados na
igreja, ou na sinagoga, ou, se não somos religiosos, simplesmente fazendo
uma avaliação de quem somos e onde queremos estar quando o calendário
virar. Porém, ainda mais crucial é que continuemos a ser honestos em nossa
análise pessoal ao voltarmos ao trabalho, no começo de 2009.
“Aprendi mais sobre teologia sendo um consultor de gestão do que quando
me ensinaram religião”, Drucker disse uma vez. Ele explicou que isso é
porque a “administração sempre lida com a natureza do Homem e (como
todos nós, com alguma experiência prática, já aprendemos) com o Bem e o
Mal também”.
Portanto, faça o teste do espelho agora – e continue fazendo, até bem
depois que os enfeites de Natal tenham sido guardados e as velas do Hanuca
tenham queimado inteiramente. Enquanto isso, boas festas para todos.
23 de dezembro de 2008
O chamado de Obama ao dever lembra
Drucker sobre as organizações éticas

P erto do fim de sua longa vida, quando Peter Drucker foi solicitado a
listar suas maiores contribuições, ele apontou sua visão pioneira de que a
administração se estendia além do reino dos negócios, para “se tornar o
órgão norteador de todas as instituições da sociedade moderna”. Ele também
observou, sem adornos ou falsa modéstia: “eu instituí o estudo da
administração como uma disciplina, em seu próprio direito”.
Depois, ele acrescentou isso: “Enfoquei essa disciplina nas pessoas e no
poder; nos valores, na estrutura e constituição; e, acima de tudo, em
responsabilidades.” Para dar uma ênfase a mais, ele datilografou a última
parte em letras maiúsculas.
Essa semana, eu pensei na lista de Drucker quando o Presidente Barack
Obama citou a palavra com R em seu discurso inaugural, que foi, por sua
vez, sublime e sóbrio. “O que de nós é solicitado agora”, declarou ele, “é
uma nova era de responsabilidade”.

Liderança ética

Mas o que são esses “deveres a nós mesmos, à nossa nação e ao mundo”,
dos quais Obama nos pediu para “lançar mão, alegremente”? O que
realmente pode ser esperado que façamos numa época em que, como o
próprio presidente colocou, “nossa economia está muito enfraquecida, lares
e empregos foram perdidos, empresas foram fechadas”? Como cada um de
nós pode fornecer ajuda, do nosso jeito, para o bem comum?
Parte da resposta é o chamado de Obama ao serviço e voluntariado, uma
força que Drucker também via como uma “contracorrente poderosa” em
relação à “decadência e dissolução da família e comunidade e perda de
valores” nos Estados Unidos.
Porém, para Drucker, havia algo ainda mais fundamental quanto à noção de
responsabilidade. Isso começa com o reconhecimento de que, ao longo dos
últimos 150 anos, nós nos tornamos uma sociedade de grandes instituições.
E, quando essas instituições não são administradas de forma eficaz e
conduzidas eticamente, a sociedade sofre como um todo.

Questões previstas

Hoje em dia, quem pode duvidar disso? O que é bom para a General Motors
pode ser bom para o país, mas a consequência natural é certamente
verdadeira: quando as coisas vão mal na GM (ou no Citigroup ou na Fannie
Mae), é ruim para todos nós.
“O desempenho econômico é a responsabilidade primordial de uma
empresa”, escreveu Drucker. “Na verdade, uma empresa que não apresenta
resultados pelo menos equivalentes ao custo de seu capital é irresponsável;
ela desperdiça os recursos da sociedade. A performance econômica é a base
sem a qual uma empresa não pode desempenhar nenhuma outra
responsabilidade, não pode ser um bom empregador, um bom cidadão, um
bom vizinho. Mas a performance não é a única responsabilidade de uma
empresa... Toda empresa precisa assumir inteira responsabilidade por seu
impacto nos empregados, no meio ambiente, nos clientes e naqueles com
quem tiver contato. Isso é responsabilidade social.”
Ademais, não pode fazer isso depois do fato. Drucker explicou que “é
dever da instituição olhar à frente e analisar quais de seus impactos tendem a
se tornar problemas sociais. Em seguida, é dever da empresa tentar prever
esses efeitos colaterais indesejados”.

O que é socialmente responsável?

No entanto, as empresas precisam fazer mais do que simplesmente evitar que


o negativo aconteça; para ser verdadeiramente responsável, elas têm que
deixar uma marca no lado positivo do livro contábil da sociedade.
A melhor forma de realizar isso, como Drucker recomendava, é que a
instituição converta “em oportunidades para sua própria performance, a
satisfação de anseios e necessidades sociais”. Essa abordagem foi
observada por Drucker no fim dos anos 60, outra época de intensa ansiedade
para a nação, “talvez, particularmente importante num período de
descontinuidade”.
Drucker reconheceu que, se há perigo na satisfação das necessidades
sociais, isso ocorre quando as empresas se tornam presas à tentação de ir
longe demais – de tentar assumir tarefas para as quais não estão devidamente
preparadas. “Empresas não agem de forma ‘socialmente responsável’
quando se preocupam com ‘problemas sociais’ fora de sua própria esfera de
competência e ação”, disse ele. “Elas agem de forma ‘socialmente
responsável’ quando atendem às necessidades da sociedade através de
concentração em suas funções específicas. Agem com maior
responsabilidade ainda quando convertem a necessidade pública em sua
realização própria.”
Então, no que isso se resume para você e eu?
Embora Drucker tenha escrito sobre “responsabilidade social” no contexto
empresarial, ele se apressou em lembrar que “a empresa, em si, como
qualquer outra coletividade, é uma ficção legal. São indivíduos na empresa
que tomam as decisões e ações atribuídas à instituição, seja nos ‘Estados
Unidos’ ou na ‘General Electric’ ou no “Misericórdia Hospital’”.

Administração atenta

Então, cabe a nós sermos atentos quanto ao nosso impacto,


independentemente do tipo de trabalho em que estamos engajados, de não
causarmos danos e buscarmos ativamente meios de resolver males sociais,
sempre que isso fizer sentido concreto ao negócio.
Finalmente, cabe a nós atuarmos. De outro modo, a organização na
“sociedade de instituições” de Drucker jamais será saudável e estável.
Isso é verdadeiro tanto para os gestores quanto para outros trabalhadores,
principalmente os trabalhadores com conhecimento, cujo grupo continua a
crescer. “O bem-estar de nossa sociedade inteira”, disse Drucker, “depende,
cada vez mais, da habilidade eficaz desse grande número de trabalhadores
com conhecimento”.
Ser responsável não significa apenas fazer as coisas certas. Significa fazer
as coisas certas bem.
23 de janeiro de 2009
Confiança: prioridade para
administradores eficazes

S emana passada, ao descrever como ela tinha dado uma reviravolta na


Kraft Foods, Irene Rosenfeld, presidente, enfatizou a forma como a empresa
aumentou a produção de seu marketing e impulsionou o desenvolvimento de
produtos. Mas há um ingrediente adicional que Rosenfeld mencionou e que
escapa a muitos gestores: inspirar confiança na empresa.
Ao longo da reestruturação da Kraft, nos últimos anos, os executivos têm
feito um grande esforço para serem “francos, abertos e honestos” – mesmo
em meio ao fechamento de unidades e corte de funcionários, disse
Rosenfeld, no World Business Forum, em Nova York. O forte senso de
confiança que tem sido fomentado, disse ela, tem “tido um papel crucial em
nossa habilidade de realizar as coisas”.
Peter Drucker tinha uma receita semelhante para o sucesso. “As
instituições já não são mais construídas com base na força”, ele escreveu em
seu livro Management Challenges for the 21st Century. “Cada vez mais,
são construídas sobre a confiança”.
Companhia alguma, seja sem fins lucrativos ou um órgão governamental,
pode “prever uma grande catástrofe”, acrescentou Drucker, “mas você pode
construir uma instituição que esteja pronta para a batalha, que tem o moral
alto, que saiba como se portar, tenha confiança em si mesma, em que as
pessoas confiem umas nas outras, porque, sem confiança, elas não vão lutar”.
É claro que há empresas de sobra que acreditam nisso. A cada ano, o
Great Place to Work Institute pesquisa milhares de funcionários para seu
“Índice de Confiança”, depois elogia aquelas companhias que oferecem
ambientes extraordinários de “credibilidade, respeito, imparcialidade,
orgulho e camaradagem”. Encabeçando sua última lista, estavam a NetApp, a
Edward Jones, a Boston Consulting Group, o Google e a Wegmans Food
Markets.
Falta de confiança conduz à disfunção

Todavia, o surpreendente é como tantas empresas claramente não entendem


isso. Enquetes realizadas nos últimos anos pela Watson Wyatt,
BlessingWhite e outras descobriram que menos da metade de todos os
trabalhadores confiam no que a alta diretoria lhes diz. Há um número
excessivo de executivos que tentam esconder as coisas ou distorcê-las.
E, uma vez que a confiança seja minada, todo o restante tende a sair dos
trilhos. Patrick Lencioni, autor de The Five Dysfunctions of a Team, afirma
que para a eficácia de qualquer empresa – com resultados de empregados
que se sentem verdadeiramente engajados e comprometidos com seu trabalho
– tem de haver uma atmosfera em que as pessoas possam expressar visões
discordantes, até de forma acalorada.
Mas sem confiança – sem que as pessoas estejam dispostas a ficarem
vulneráveis umas com as outras e admitirem suas fraquezas e erros – isso é
impossível. “Conflito sem confiança é política”, Lencioni afirmou, durante
sua apresentação no World Business Forum.
Drucker, que alertava quanto ao rápido consenso quando decisões difíceis
tinham de ser tomadas, certamente teria concordado. “Há um velho ditado –
da época de Aristóteles, e que depois se tornou uma máxima da Igreja
Católica, que diz: No essencial, a união, na ação, a liberdade, e em todas as
coisas, a confiança”, escreveu Drucker. “E confiança exige que a
discordância seja exposta abertamente e que seja vista como um desacordo
honesto.”

Como os administradores podem estabelecer confiança

Por mais importante que seja a confiança, ela não é fácil de ser estabelecida.
Leva um tempo, motivo pelo qual Drucker recomendava às empresas que não
forçassem alguém recém-contratado a um trabalho muito importante. Mesmo
que essa pessoa seja altamente qualificada, ele ou ela ainda não terão
ganhado a confiança de seus colegas de trabalho.
Drucker escreveu: “Como observou o grande Duque de Marlborough,
predecessor de Winston Churchill, há mais de três séculos, ‘O problema
básico na coalizão de guerra é que é preciso confiar a vitória, se não a
própria vida, a um comandante que se conhece pela reputação, em lugar da
performance’. Na instituição, assim como no exército, sem o conhecimento
pessoal construído ao longo de um período de tempo, não pode haver
confiança, nem comunicação eficaz.”
Mas como se ganha a confiança sendo um administrador?
Segundo o ponto de vista de Drucker, é crucial ser capaz de colocar o ego
de lado e fazer o que for melhor para a empresa. “Os líderes que trabalham
com mais eficácia nunca dizem ‘eu’”, frisou ele. “E isso não é porque eles
treinaram para não dizer ‘eu’. Eles não pensam ‘eu’. Pensam ‘nós’; eles
pensam ‘equipe’. Há uma identificação (frequentemente, bem inconsciente)
com a tarefa e com o grupo. Isso é o que gera confiança, que possibilita a
realização da tarefa.”
Ainda assim, a grande maneira de se ganhar confiança é simplesmente
sendo consistente – fazer o que você diz que irá fazer, agir de maneiras que
estejam em linha com o que você diz acreditar, desenvolver projetos que
estejam em harmonia com a missão e os valores da empresa. “Confiança
significa que você sabe o que esperar das pessoas”, declarou Drucker.
“Confiança é entendimento mútuo. Não amor recíproco, nem mesmo respeito
mútuo. Previsibilidade.”
A hipocrisia provavelmente não ocuparia um lugar muito alto nas listas de
maiores equívocos cometidos pelos administradores. Mas deveria. Seus
colegas estão observando atentamente. Pode acreditar.
16 de outubro de 2009
Os executivos estão errados em
desvalorizar os valores

A McKinsey & Co. lançou, esta semana, uma pesquisa sobre “liderança
durante e depois da crise”. No entanto, se Peter Drucker pudesse analisar a
pesquisa, eu creio que ele a teria achado um tanto reveladora em termos de
como nós nos metemos nessa encrenca.
Quando perguntados sobre as habilidades organizacionais mais relevantes
para o desempenho da administração corporativa, os 763 executivos que
responderam – representando um leque de regiões, setores e funções –
escolheram duas, mais que quaisquer outras. A primeira foi “liderança”, que
foi descrita como a facilidade de “moldar e inspirar as ações para os
outros”. A segunda foi “direção”, ou “capacidade de articular o rumo da
companhia e como chegar lá” de forma alinhada.
Enquanto isso, lá no fim da lista, estava a habilidade de “fomentar um
entendimento compartilhado de valores”. Meros 8% dos que responderam
citaram isso como um valor crucial, comparados aos 49% que optaram por
liderança e 46%, por direção. Ademais, os participantes da pesquisa
indicaram que reforçar valores compartilhados se tornou menos vital desde
o início da crise econômica, enquanto as outras duas qualidades se tornaram
mais significantes.
Para Drucker, esses números certamente teriam sido preocupantes. Da
forma como ele via as coisas, qualquer empresa precisa demonstrar
realização em três áreas importantes para ser bem-sucedida: geração “de
resultados diretos”, “o desenvolvimento de gente para o amanhã” e “a
construção de valores”. Se um negócio é “privado de qualquer dessas três
áreas, ele claramente vai decair e morrer”, Drucker alertou em The Effective
Executive, seu clássico de 1967.

Liderança e valores
É claro que é tentador descartar qualquer discussão sobre valores como puro
mingau – aquele troço empapado escrito nos relatórios de responsabilidade
social corporativa e proferido nos banquetes de premiações anuais da
companhia. Mas isso é uma má interpretação do significado de valores. Lá
no fundo, todo empregado sabe o que a empresa representa. E, a menos que
represente as coisas certas, é terrivelmente fácil para as pessoas se
desviarem.
“Hoje em dia, ouvimos muita conversa sobre a ‘cultura’ de uma
instituição”, Drucker mencionou, numa matéria para a Harvard Business
Review, em 1988. “Mas o que realmente queremos dizer com isso é o
compromisso na empresa com alguns objetivos e valores em comum. Sem
compromisso, não há empreendimento; há apenas uma máfia. A função da
administração é pensar, programar e exemplificar esses objetivos, valores e
metas.”
Talvez a descoberta mais estranha da McKinsey, seja a sugestão de que
prover liderança, de alguma forma, está separada da promoção de valores.
Na verdade, os dois estão atrelados – são a hélice dupla do DNA de
qualquer corporação.
Conforme Drucker escreveu: “A liderança é exemplo. O líder é visível;
ele representa a instituição. Pode ser totalmente anônimo no instante em que
deixa o escritório e entra em seu carro para ir pra casa. Porém, dentro da
empresa, ele ou ela são visíveis, e isso não é verdade apenas para empresas
pequenas ou locais; é igualmente verdadeiro para as grandes, nacionais,
mundiais... Não importa se o restante da empresa não representa; o líder não
somente representa quem somos, mas, acima de tudo, o que sabemos que
devemos ser.”
O que explica muito sobre tantos bancos terem demonstrado um grau tão
grande de negligência no colapso financeiro. Num relatório deste ano,
falando de lições sobre governança corporativa recolhidas da crise, a
Organisation for Enomic Co-operation and Development citou “distinção no
topo” como grande parte do problema. Olhando as soluções, a OECD
enfatizou padrões convocando diretores não apenas a aprovarem os
objetivos estratégicos de um banco, mas também seus “valores
corporativos”, e a garantir que sejam “comunicados claramente” por toda a
instituição.
Para toda empresa, uma opção

A mesma análise concluiu que, adicionalmente à falta de sistemas e


procedimentos suficientes para a avaliação apropriada de determinados
tipos de seguros, “fatores de sensibilidade também ocorriam” em algumas
empresas. No banco francês Société Générale, o estudo disse que “um
desequilíbrio emergiu entre a linha de frente do escritório, focada na
expansão das atividades, e as funções de controle, que não conseguiam
desenvolver a percepção crítica necessária para desenvolver seu papel”.
Em outras palavras, o Société Générale, assim como muitos outros, se
tornou tão aplicado em realizar os “valores” que se esqueceu dos valores.
Agora, segundo a OECD, o banco está tentando “passar a uma cultura de
responsabilidade compartilhada e respeito mútuo” – cultura em que os
gestores de risco são premiados como operadores.
Richard Ellsworth, colega de longa data de Peter Drucker, na Claremont
Graduate University, deixa claro que, em certo nível, todo negócio enfrenta
uma escolha semelhante. “A empresa pode ser vista como uma máquina de
fazer dinheiro, ou um veículo para a satisfação das necessidades humanas”,
Ellsworth escreveu em seu novo livro, em coautoria com um grupo de
membros do corpo docente da Claremont, chamado (assim como essa
coluna) The Drucker Difference. “Por definição, se o valor principal não for
compartilhado – se os empregados não acreditarem em seu valor intrínseco –
então essa fundação e a cultura corporativa resultante ficam enfraquecidas, e
os valores corporativos perdem muito de seu poder de influenciar e conduzir
as ações.”
Deixa pra lá a pesquisa. Sem estabelecer valores, ofertar liderança e
prover direcionamento são, na melhor das hipóteses, gestos vazios.
30 de outubro de 2009
Engajamento autêntico mesmo

S empre que algo é denominado “autêntico”, pode-se apostar que é tudo,


menos isso. Entretanto, todo administrador seria inteligente em considerar o
que a FSG Social Impact Advisors, uma empresa de Boston, fundada em
parceria com Michael Porter, da Harvard Business School, chama de
“Engajamento Autêntico”. A ideia é que as empresas assumam problemas
sociais, mas num contexto competitivo – para buscar meios de contribuir
mais amplamente com a comunidade, conforme lida com os objetivos
principais do negócio.
“Muitas empresas progressistas estão vendo questões sociais através
dessa nova lente”, relatou a FSG, em seu informativo mais recente, citando
inúmeros exemplos, incluindo o alvo da Toyota de “mobilidade de emissão
zero”, a promoção da Unilever de práticas de boa saúde, através do sabonete
Lifebuoy, e o trabalho da Firmenich, gigante das fragrâncias e sabores, com
os agricultores pobres da baunilha, em técnicas sustentáveis de plantio.
Dá até pra imaginar qual seria a resposta de Peter Drucker a esse sinal
luminoso: já não era sem tempo.
Em seu livro de 1973, Management: Tasks, Responsibilities, Practices,
Drucker incitou as empresas a verem os males sociais “como grandes fontes
de oportunidade”. Além disso, ele recomendava que elas se assegurassem de
que essas oportunidades fossem “elaboradas dentro da estratégia” da
empresa, não vistas como alguma reflexão filantrópica.

A responsabilidade máxima

Mas foi ainda mais cedo, em 1954, com The Practice of Management, que
Drucker começou a argumentar que cumprir a missão de uma corporação, e
ajudar a transformar a sociedade positivamente, não era apenas compatível,
mas também mutuamente fortalecedor. “É de responsabilidade da
administração fazer o que for verdadeiramente bom para o público, tornar-se
o próprio objetivo da empresa”, ele escreveu.
Drucker não via isso como algum exercício quixotesco. Na verdade, ele
acreditava ser essencial que uma combinação entre o ganho público e
privado se tornasse um aspecto comum da vida corporativa. “Nisso está o
verdadeiro significado da ‘Revolução Americana’ do século XXI,” declarou
Drucker. “Que um número cada vez maior de nossas administrações assuma
como sua a responsabilidade de realizar esse novo princípio em suas ações
diárias, é nossa esperança para o futuro de nosso país e sociedade, e talvez
para o futuro da sociedade Ocidental, toda.
“Para assegurar que essa afirmação não seja só de boca, mas se torne um
fato”, prosseguiu ele, “a mais importante, a responsabilidade máxima da
gestão é: com ela mesma, com a empresa, com nossos herdeiros, nossa
sociedade e nosso modo de vida”.

Engajamento fajuto

Meio século depois, só podemos sacudir a cabeça e imaginar o que deu


errado. Que agora sejamos compelidos a usar um termo como “Engajamento
Autêntico” é uma medida do quanto nos distanciamos da visão original de
Drucker.
Pra começar, há muito engajamento fajuto por aí. Para muitas empresas,
evocar “responsabilidade social corporativa” se tornou uma afirmação
indiferente de nobres intenções ou, pior, um truque de RP.
Incrivelmente, a empresa de marketing TerraChoice anunciou, no último
mês de abril, que havia empresas acusadas de estarem fazendo “lavagem
verde”, ou enganando o público quanto às suas qualidades ambientais, em
98% dos 2.219 produtos que eles haviam examinado.
Adicionalmente, muitos executivos passaram a focar no ‘se dar bem’,
ligando pouco para fazer o bem – uma mentalidade que ajudou a disparar a
crise financeira global que continua a prejudicar tanta gente.
Alguns teoristas e liberais argumentam que a busca persistente de lucro
máximo irá, no fim das contas, resultar na vantagem de todos. Mas Drucker
achava que essa lógica de Gordon Gekko era tolice, até perigosa. “Uma
sociedade baseada na assertiva de que fraquezas particulares podem se
tornar benefícios públicos não pode durar”, alertou ele. “Pois, numa
sociedade boa, moral e duradoura, o bem público deve sempre repousar na
virtude particular.”

Criação de cliente

Ainda assim, descobrir meios de satisfazer metas corporativas e


necessidades da sociedade, simultaneamente – o que a FSG descreve como
“valores compartilhados” –, não é necessariamente fácil. Uma pesquisa
lançada no último verão pela IBM descobriu que somente 30% dos
executivos recebem dados adequados sobre a emissão de carbono, regras
trabalhistas, composição de produtos e coisas do gênero para calcular como
dar contribuições sociais nessas áreas, mesmo se quiserem.
Por outro lado, as empresas precisam se resguardar contra serem forçadas
a ingressarem em projetos que não fazem um sentido financeiro concreto.
“Sempre que uma empresa assumir responsabilidades sociais com as quais
não pode arcar financeiramente, ela já está encrencada”, escreveu Drucker.
No entanto, Drucker, assim como outros que compartilham sua filosofia,
também incentivaria as empresas a reconhecerem que, conforme a
globalização se acelera e a tecnologia se espalha, há uma chance crescente –
se não uma obrigação – tanto para o desenvolvimento econômico mais amplo
quanto para tornar o mundo um lugar melhor.
“As empresas, sendo as instituições mais poderosas da sociedade,
precisam ser instrumentos da justiça social”, proclamou, há algumas
semanas, o estudioso em administração C.K. Prahalad, autor de The Fortune
at the Bottom of the Pyramid, em Viena, numa conferência que marcou o que
teria sido o centésimo aniversário de Drucker. Ao mesmo tempo, ele
destacava “o valor prático dessa abordagem – especificamente, como 5
bilhões de pessoas na terra, injustamente mal servidas, apresentam uma
abertura extraordinária para levar a cabo o que Peter Drucker disse ser o
primeiro propósito de todo negócio: criar um cliente.

Oportunidades em toda parte


Para muitos, ver as coisas dessa forma exige um ajuste no pensamento – uma
lição que David Cooperrider, professor da Case Western Reserve
University, aprendeu quando visitou Drucker em 2003, dois anos antes que
Drucker morresse, aos 95 anos. “A responsabilidade social também pode ser
lucrativa?” perguntou Cooperrider.
Drucker sorriu e disse a seu convidado que ele tinha entendido ao
contrário: a questão não é se a responsabilidade social pode ser lucrativa
para uma empresa, mas o quão lucrativa uma empresa pode fazer a
responsabilidade social. “Cada uma das questões sociais e globais de hoje é
uma oportunidade de negócios disfarçada”, Drucker disse a Cooperrider,
ecoando os comentários que ele tinha feito pela primeira vez, décadas antes.
Esse insight ajudou a estimular Cooperrider a lançar o Center for Business
as an Agent of World Benefit, que está promovendo o progresso do conceito
através de pesquisa e ação.
Vamos torcer para que ele resista à tentação de renomear seu
empreendimento de Center for Business as an Agent of Authentic World
Benefit.
4 de dezembro de 2009
CAPÍTULO 6
Os setores público e social
Recebendo ao doar

E sta é a estação da doação. No entanto, como Peter Drucker sabia bem,


as recompensas de tais ações fluem em mão dupla – não apenas aos
necessitados, mas àqueles que pegam uma carona por fazerem uma diferença
nesse mundo tão conturbado.
Foi por isso que, no dia de Natal, fui até uma igreja, não muito longe da
minha casa, ajudar a servir jantar para os famintos e sem-teto. Dúzias de
voluntários da minha sinagoga e de outros lugares entregaram cerca de 1.000
pratos de comida. Muitos outros, é claro, irão participar de atividades
semelhantes hoje – e todos os dias. O voluntariado ao redor da nação está
em sua atividade máxima, em 30 anos, segundo a Corporation for National
and Community Service, com 27% de adultos doando seu tempo e talento a
uma variedade de organizações sem fins lucrativos. Isso é uma alta de 15%
desde 1974, e de mais de 20% desde 1989.

O que faz os voluntários entrarem em ação

Nada disso teria surpreendido Drucker. Embora fosse mais conhecido por
prestar consultoria a altos executivos de grandes corporações, o pai da
administração moderna aconselhou inúmeras instituições do setor social,
como Girl Scouts, forçando-as a lutar com as mesmas questões fundamentais
que todo empreendimento – sem fins lucrativos ou não – deve confrontar:
Qual é a sua missão? Quem é seu cliente? O que seu cliente vale? Quais são
nossos resultados? Qual é o nosso plano?
Drucker, como todos nós, via a importância de dar uma mão ao que ela
chamava de “uma América turbulenta e em mudança veloz” – onde os
economistas calculam que até um terço da população não ganha o suficiente
para cobrir suas necessidades básicas. Mas conforme Drucker foi chegando
ao fim da vida, ele ficou convencido de que esse salto na participação no
voluntariado não estava sendo conduzido pelas exigências dos
desamparados. “O principal motivo para essa elevação”, escreveu ele num
livro para administradores de instituições não lucrativas, publicado em
1999, “é a busca pela comunidade, pelo compromisso e pela contribuição.
“Quando converso com voluntários, eu pergunto, repetidamente: ‘Por que
você está disposto a dar todo esse tempo, se já trabalha duro?’ E
repetidamente recebo a mesma resposta, ‘Porque aqui, eu sei o que estou
fazendo. Aqui, eu contribuo. Aqui, faço parte da comunidade.’”
Drucker uma vez disse ter grandes esperanças de que as pessoas
encontrassem satisfação em pertencer às suas fábricas e escritórios. Mas
esse ideal, segundo Drucker explicou em seu livro de 1993, intitulado Post-
Capitalist Society, “nunca se enraizou”. Então, enquanto a maioria dos
voluntários é, segundo ele observou, “bem-educada, rica, ocupada” e “gosta
de seu emprego”, essas pessoas também anseiam por algum tipo de meio
para dar vazão que lhes dê “orgulho cívico”.

Saindo-se bem fazendo o bem

No entanto, com uma rapidez surpreendente, esse quadro de dois cenários


distintos – um, em que as pessoas vão para seus empregos diários e tentam
se sair bem, o outro, no qual elas saem do trabalho e vão fazer o bem – está
ficando embaçado. Como disse o filantropo Steve Case, fundador da
América Online, cada vez mais “as linhas divisórias entre as empresas, o
governo e os setores de beneficência estão se misturando”.
De um lado, um número crescente de empresas que estão prestando
atenção ao chamado resultado duplo: o efeito que elas têm na sociedade,
assim como seu retorno financeiro. A Revolution Health, do próprio Case, é
um bom exemplo. É um negócio lucrativo que busca fazer dinheiro, em parte,
com a venda de propaganda online. Mas a Revolution Health faz parceria
com organizações não lucrativas, ampliando sua visibilidade e ajudando-as
a inscrever novos membros e apoiadores. Além disso, a companhia tem um
propósito social: dar assistência às pessoas a levarem uma vida mais
saudável, construindo um mercado “central do consumidor” de informações
médicas e de bem-estar.
Será que a maior parte do que se fala sobre o resultado duplo (ou triplo, se
você também considerar o impacto ambiental) é pura bobagem de relações
públicas? Pode apostar. Mas boa parte disso reflete um movimento na
direção de uma abordagem genuinamente nova do negócio? Com certeza.

Capitalismo criativo

“Nós podemos fazer com que as forças do mercado trabalhem melhor para
os pobres”, disse Bill Gate, presidente do conselho da Microsoft, a um
grupo de formandos de Harvard, “se desenvolvermos um capitalismo mais
criativo” – com o qual seja possível “gerar lucro, ou, ao menos, um meio de
vida, servindo pessoas que estejam sofrendo injustiças”.
Por outro lado, os grupos de organizações sem fins lucrativos estão
explodindo. Há cerca de 1,5 milhão de organizações desse tipo nos EUA, um
aumento de 1 milhão, ou mais, desde uma década atrás, segundo o relato do
National Center for Charitable Statistics, do Urban Institute. Com o
crescimento, veio a oportunidade – e não apenas para os voluntários. Uma
análise deste ano, realizada pelo Johns Hopkins Center para a Civil Society
Studies, descobriu que entre 2002 e 2004, a mão de obra paga nas
organizações sem fins lucrativos cresceu mais de 5%, enquanto o índice
geral de empregos teve uma ligeira queda no mesmo período.

Entidades sem fins lucrativos


atraem os melhores talentos

No total, as empresas beneficentes empregaram 9,4 milhões de trabalhadores


pagos, mais do que os que estão no setor de serviços de utilidade pública
(energia elétrica, gás, água, telefone etc.), venda por atacado ou o setor de
construção. Além disso, conforme o setor se expande, ele está atraindo os
melhores e mais brilhantes. Os que têm mestrados estão cada vez mais
ávidos em aplicar sua perspicácia nas finanças, estratégia e marketing,
porém, não para os ricos, mas para mudar o mundo.
Tom Tierney, presidente do Bridgespan Group, uma organização
beneficente que fornece serviços de consultoria para fundações e outras
entidades não lucrativas, comentou, numa conferência recente, que sua firma,
aberta este ano, recebeu currículos para 110 vagas. Tierney, que era
presidente da consultoria corporativa Bain & Co., enfatizou que esses não
são candidatos de segunda linha. “Aquele grupo de talento é tão bom quanto
– e eu posso até argumentar que é melhor – qualquer grupo de talento que a
Bain & Co. já viu”, disse Tierney. “E a Bain paga muito mais.”
Por que alguém sairia em busca de um salário mais magro? É exatamente
pela mesma razão que Drucker identificou: um desejo profundo de se engajar
“na responsabilidade cívica que pontua a cidadania”. Somente agora a
tendência está transcendendo o voluntariado e chegando a um lugar que
Drucker sempre desejou em que ele florescesse: no reino do horário
comercial.
27 de dezembro de 2007

O que Obama não deveria fazer

O presidente eleito, Barack Obama, fez promessas de sobra sobre o que


ele irá fazer: prover alívio de impostos à classe média, reconstruir nossa
infraestrutura em ruínas, investir em energia renovável, garantir que todas as
crianças recebam educação de primeira linha e tornar a assistência médica
acessível a todos os americanos – tudo isso, domando o monstruoso déficit
da nação.
Mas, como Peter Drucker deixou claro, o sucesso de Obama pode
depender do que ele escolher não fazer.
Drucker escreveu, em 1993, que é absolutamente crucial, dando um
pequeno aconselhamento ao Salão Oval, que qualquer novo presidente “não
teime em fazer o que quer, mesmo que isso seja o foco de sua campanha”.
Ele mencionou que Harry Truman chegou à presidência convencido,
“como a maioria dos americanos”, de que ele deveria começar lidando com
uma série de problemas domésticos, com o fim da Segunda Guerra Mundial.
“O que o transformou num presidente eficaz”, disse Drucker, “foi o fato de
ter aceitado, depois de algumas semanas, que os assuntos internacionais,
principalmente o refreamento da agressão de Stalin mundo afora, tinham de
receber prioridade, gostasse ele ou não (e ele não gostou)”.
“Parece haver uma lei dos políticos americanos”, prosseguiu Drucker, “de
que o mundo sempre mude entre o dia da eleição e o dia da posse. Recusar-
se a aceitar isso – como Jimmy Carter tentou fazer – é não ter ‘princípios’. É
negar a realidade e condenar a si mesmo a ser ineficaz”.
É claro que, no caso de Obama, a derrocada do mundo já aconteceu.
Endireitar a economia e principalmente trazer algum alívio aos combalidos
proprietários de imóveis tem de ser seu objetivo número 1. Se Obama
fragmentar seus esforços em muito mais do que no conserto do sistema, é
provável que ele “não realize nada”, segundo as palavras de Drucker.

Nada é “garantido”

Outra regra do que não fazer para o presidente eleito: “nunca aposte em algo
garantido”, Drucker escreveu. “O tiro sempre sai pela culatra.” Drucker
relembrou que nenhum presidente desfrutou de um mandato mais popular do
que Franklin Roosevelt, a caminho de seu segundo turno. De fato, ela tinha
“todos os motivos para acreditar que seus planos de ‘empacotar’ a Suprema
Corte e, dessa forma, remover o último obstáculo para as reformas do New
Deal (um programa implementado nos EUA entre 1933 e 1937 sob o governo
de Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-
americana) seria um tiro certeiro. No entanto, sua ação imediatamente teve
um revés – “tanto que”, Drucker comentou, “ele nunca mais conseguiu
recuperar o controle do Congresso”.
O discurso benevolente da vitória, feito por Obama, no qual ele se dirige
ao outro partido e expressa “uma medida de humildade e determinação para
curar as divisas que impediram nosso progresso” foi um primeiro passo bom
e importante. Conforme ele prossegue em frente, nos meses por vir, ele
precisa continuar no mesmo rumo, tanto das palavras, como das ações.
O que mais Obama não deve fazer? “Um presidente eficaz”, escreveu
Drucker, “precisa dizer não à tentação de micro gerenciamento”. O
paradigma mais promissor, disse ele, talvez seja o gabinete de Franklin
Delano Roosevelt, onde “9 de 10 membros (todos, exceto o Secretário de
Estado) eram o que se poderia chamar agora de tecnocratas – especialistas
competentes numa área”. “Eu que decido”, Drucker citou as palavras de
Roosevelt, “depois entrego a tarefa a um membro do gabinete e o deixo em
paz”.
Em contraste, mencionou Drucker, tentar ter um único chefe de equipe da
Casa Branca como lanceiro para liquidar os maiores problemas de uma
administração “nunca funcionou” muito bem. Tampouco, disse ele, aquele
modelo clintoniano de trazer para dentro da sala “dúzias e dúzias de
secretárias, subsecretárias, secretárias assistentes, assistentes especiais e
assim por diante”. Isso acaba transformando o mais alto nível de governo
“numa perpétua reunião em massa”.
Porém, de todas as coisas que o presidente não deve fazer, Drucker deixou
pouca dúvida: ele jamais pode presumir que um governo pode – e nem deve
tentar – resolver tudo que está errado.

Ineficácia governamental

“Há provas de sobra de que o governo é grande mais que forte; que é gordo
e flácido, em vez de poderoso; que custa um bocado, mas não realiza muito”,
Drucker escreveu, 40 anos atrás, em The Age of Discontinuity. Três décadas
depois, num artigo no The Atlantic, a avaliação franca de Drucker não tinha
mudado muito: “Os governos de todos os lugares – nos Estados Unidos, no
Reino Unido, Alemanha, na ex-União Soviética – se provaram incapazes de
administrar a comunidade e a sociedade.”
Mas Drucker não apenas soltou a língua. Ele também ofereceu sua porção
de prescrições. Entre elas: cultivar “o hábito de progresso contínuo” nos
departamentos federais e instituir “testes de desempenho”, nos quais a
performance de vários órgãos seriam comparadas anualmente, “com o
melhor se tornando padrão a ser seguido por todos nos anos seguinte”.
Mas, segundo Drucker via, a coisa que o governo mais precisa fazer é
parar de fazer. “O propósito do governo é tomar decisões fundamentais e
torná-las eficazes”, declarou Drucker. “O propósito do governo é focar nas
energias políticas da sociedade. É representar as questões. É apresentar
opções básicas. Em outras palavras, o propósito do governo é governar.
“Isso, conforme aprendemos em outras instituições, é incompatível com
‘fazer’. Qualquer tentativa de combinar o governo com ‘fazer’, em grande
escala, paralisa a capacidade de tomada de decisão. Qualquer tentativa de
ter órgãos fazendo tomada de decisão significa um ‘fazer’ muito fraco. Eles
não são preparados para isso...”
Obama, por sua vez, parece ter abraçado essa filosofia. Não faz qualquer
sentido forçar “uma era de não governança”, disse ele ao The New York
Times, no verão passado. “O que precisamos trazer à pauta é o fim da era de
um governo impassível e ineficiente, de pensamento a curto prazo, para que
prepare o trabalho, a estrutura, os alicerces, para que o mercado opere de
forma eficaz e para que cada um dos indivíduos possa se conectar com esse
mercado e ser bem-sucedido dentro dele.” No fim, o caminho mais seguro
para o “Sim, nós podemos” será o presidente dizer, às vezes, “Não, receio
que eu não possa”.
7 de novembro de 2008
Resolvendo o enigma do sistema de saúde

E sta semana, o presidente Barack Obama começou a forçar a reforma do


setor de saúde. É claro que, se alguma legislação será aprovada, dependerá
de sua destreza para navegar a política traiçoeira de Washington nos meses
pela frente. Mas, se o sistema médico de fato irá melhorar, já está ligado a
algo totalmente diferente: com que eficácia ele será gerido nos próximos
anos.
Isso é algo que Peter Drucker entendia muito bem. “Drucker foi campeão
nos princípios de administração por objetivo e administração por medida –
duas forças norteadoras por trás da revolução de qualidade moderna na
assistência de saúde”, declararam Neil Seeman e Adalsteinn Brown, da
Universidade de Toronto, alguns anos atrás, no jornal Health Quarterly.
Mas a revolução ainda tem que passar pelas barricadas, pelo menos nos
EUA. Para começar, a qualidade não é o que deve ser. Um relatório do
governo, expedido no início do mês, descobriu que 40% da assistência
recomendada não é prestada aos pacientes. Enquanto isso, as infecções
adquiridas por pessoas que permanecem numa unidade de tratamento, como
uma casa de idosos, ou um hospital, estão entre os 10 primeiros casos de
morte do país. Não é de admirar o que a secretária de Saúde, Kathleen
Sebelius, disse: “O status quo é insustentável.”
Ao mesmo tempo, os custos estão fora de controle. Os EUA gastam, em
assistência de saúde, muito mais por pessoa do que qualquer outro país. Em
2007, nós colocamos 2,2 trilhões de dólares em despesas médicas, e os
analistas do governo preveem que o número irá subir mais de 6%
anualmente, até a próxima década. Isso impulsionaria a parcela da saúde no
PIB, passando de 17,6% a 20,3% ao ano, em 2018. Durante todo esse tempo,
45 milhões de americanos permanecerão sem cobertura médica.

Uma rede complexa


O fato de que o sistema esteja em péssima forma não chega a surpreender.
Com o passar do tempo, o mundo da medicina vem ficando cada vez mais
complicado. Drucker identificou o hospital como “a organização humana
mais complexa já elaborada”, com sua rede de médicos, enfermeiras e
técnicos. As seguradoras de saúde não tendem a simplificar os fatos, pois já
descobriram que a obscuridade pode ajudar a trazer lucros imensos.
Então, como melhoramos as coisas?
A Casa Branca acredita que há várias chaves, incluindo o reforço da
prevenção e programas de saúde, para que as pessoas não cheguem a
adoecer. Ela também espera incentivar a repaginação dos incentivos
financeiros para os provedores de saúde, de modo que eles sejam
recompensados – em vez de penalizados – por realizarem um trabalho de
excelência.
Porém, grande parte das iniciativas da administração está centralizada em
algo que vem diretamente da cartilha de Drucker: medição de resultados.
Peter Orszag, diretor da divisão de orçamentos, gosta muito de citar uma
pesquisa de Dartmouth que mostra como os gastos em assistência de saúde
variam muito entre as regiões do país, frequentemente, com pouca correlação
nos desfechos.
Focando essas discrepâncias e também definindo metodicamente que
medicamentos e tratamentos funcionam melhor, deve ser possível
economizar rios de dinheiro, enquanto se eleva a qualidade. Pelo menos,
essa é a teoria.
No entanto, o que Drucker sabia era que a medição de qualquer coisa está
longe de ser uma proposição honesta. Para começar, escreveu ele: “O que
medimos, e como medimos, determina o que será considerado relevante e,
desse modo, define não apenas o que vemos, mas o que nós – e outros –
devemos fazer.” Além disso, quanto mais medimos, mais corremos o risco
de abarrotar o sistema com dados. Em vez disso, o necessário é a
informação verdadeira: o que Drucker definiu como “dados dotados de
relevância e propósito”.

“Uma visão do todo”


Isso é especialmente difícil de fazer, acrescentou ele, numa instituição
repleta de especialistas – e não há área com mais especialistas do que a
medicina. “Cada especialidade”, observou Drucker, “tem seu próprio
conhecimento, seu próprio treinamento, sua própria terminologia”.
Um grande desafio que a administração enfrenta em tal situação, explicou,
é criar “uma visão comum, uma visão do todo”. Somente quando isso for
estabelecido, os indivíduos podem começar a fazer as perguntas que Drucker
considerava uma questão de responsabilidade profissional: “Quem, nessa
instituição, depende de mim para alguma informação? E, por outro lado, de
quem eu dependo?”
“A lista de cada pessoa vai incluir superiores e subordinados”, escreveu,
em 1988, numa matéria publicada no Harvard Business Review. “Mas a
maioria dos nomes importantes da lista será de colegas, pessoas com quem
se tem um relacionamento básico na coordenação.
“O relacionamento do médico residente, do cirurgião e do anestesista, por
exemplo”, continuou. “Mas o relacionamento de um bioquímico, um
farmacêutico, o médico diretor responsável pela testagem clínica e um
especialista em marketing de uma empresa farmacêutica não é diferente.”
O que falta hoje é precisamente a visão comum e o senso de coordenação
que Drucker evocava. Como Seeman e Brown indicaram, “os líderes da
assistência de saúde abraçaram a medição”. Esse não é o problema. No
entanto, o que frequentemente falta é o conselho de Drucker para que “todos
os dados coletados sejam vinculados a uma estratégia que atenda ao
paciente”.
No fim das contas, a equipe de Obama precisa se lembrar de que medição
é apenas metade da batalha. Eles também precisam se assegurar que suas
descobertas sejam atentamente administradas, exatamente como Drucker
solicitou.
15 de maio de 2009
O que murcha os ânimos dos voluntários
é o tédio, não o rigor

E sta semana, Michelle Obama atravessou o pódio, em São Francisco, e,


olhando para milhares de líderes e voluntários de organizações sem fins
lucrativos reunidos à sua frente, percebeu a tendência inequívoca que está
varrendo o país: hoje em dia, ajudar está na moda.
“Vocês fizeram tudo que estava ao seu alcance para que retribuir voltasse
a entrar na moda”, declarou a Primeira Dama, no começo da Conferência
Nacional de Serviço e Voluntariado de 2009.
Em algum lugar, Peter Drucker está sorrindo.
Na última vez que escrevi sobre a escalada no voluntariado nos Estados
Unidos, há um ano e meio, destaquei que a influência de Drucker nesse
campo, tanto como consultor de inúmeras organizações do setor social
quanto como observador da avidez das pessoas em descobrirem algo em
suas vidas que lhes traga satisfação. “O que as empresas americanas sem
fins lucrativos fazem por seus voluntários talvez seja tão importante quanto o
que elas fazem pelos que recebem seus serviços”, escreveu Drucker em seu
livro de 1993, Post-Capitalist Society. “Cidadania dentro e através do setor
social recupera o orgulho cívico que é a marca da comunidade.”
Hoje, impelido por esse pensamento, o voluntariado está rapidamente se
tornando um fenômeno cultural plenamente maturado. As pesquisas indicam
que os nascidos entre 1980 e 2000, na virada do milênio, têm mais senso
cívico que qualquer geração, desde os anos 1930. Os 77 milhões de baby
boomers também estão ingressando no movimento, conforme o pessoal de
40, 50 e 60 anos está buscando, cada vez mais, as carreiras centralizadas no
voluntariado e serviço público.

Uma onda de boas ações


Enquanto isso, a tecnologia está habilitando as pessoas para que, através de
um clique, possam encontrar uma infinidade de vias para se engajarem e
fazerem sua parte na eliminação dos problemas mais prementes da
sociedade. Entre os que estão liderando essa onda, está a All for Good, um
novo website hospedado pelo Google.
Porém, nada rendeu mais ao National Service Movement do que as
palavras e ações dos Obama. Desde que o presidente assinou, em abril, o
Serve America Act, no valor de 5,7 bilhões de dólares, até o lançamento,
mês passado, do United We Serve – iniciativa elaborada para que todos os
americanos façam do serviço voluntário parte de suas vidas diárias durante
o verão – ele abordou, em sua campanha, a promessa de transformar o
serviço comunitário um ponto central de sua administração.
No entanto, apesar de toda a dinâmica e empolgação palpável em São
Francisco, as firmas beneficentes precisam ter cuidado, ou acabarão
desperdiçando a notável oportunidade que têm diante de si.
Mais cedo, este ano, a Stanford Social Innovation Review publicou uma
matéria mencionando como as entidades não lucrativas são fracas no trato
com seus voluntários. Como resultado, acima de um terço dos mais de 60
milhões de americanos que dedicam seu tempo e talentos, durante um ano,
não o fazem no ano seguinte – não apenas naquela organização em que se
inscreveram, mas em nenhuma outra. Alguns chamam isso de “goteira do
voluntariado”.
Segundo a análise, há uma série de razões para essa retirada, incluindo a
falta de adequação das organizações não lucrativas em reconhecerem a
contribuição de seus voluntários e a falta de treinamento na relação entre
eles e seus gestores.
Mas Robert Grimm, diretor de pesquisa e desenvolvimento de diretrizes
na Corporation for National and Community Service, e um dos autores do
artigo, acredita que há uma questão mais fundamental a ser combatida: não é
porque os voluntários tenham experiências terríveis nas organizações, diz
ele; é que as experiências são insípidas.

Combinando necessidades e habilidades


Grimm diz que as entidades precisam “descobrir quais são as paixões das
pessoas” – e fazer um trabalho melhor na realização desses interesses. Elas
também precisam tirar um proveito muito maior das habilidades que os
voluntários trazem. Não há motivo para que, digamos, um advogado pinte
uma cerca se a organização que ele quer ajudar puder colocá-lo para
trabalhar numa questão legal urgente. Por que uma executiva de marketing
aposentada tem que ficar preenchendo envelopes se ela pode ajudar a montar
uma nova campanha de mídia?
A habilidade das organizações não lucrativas em combinar eficientemente
as necessidades e habilidades se torna cada vez mais crítica, já que um
número crescente de firmas como a Deloitte e a PricewaterhouseCoopers
estão doando milhões de dólares em serviços a essas entidades.
A necessidade de manter os trabalhadores engajados e conceder-lhes uma
sensação de orgulho não é exclusividade do setor social. Drucker ensinava
que todos os administradores precisam oferecer aos seus funcionários uma
forma de dar uma contribuição significativa. Pois é isso, até mais que o
dinheiro, que dá motivação às pessoas.
“A satisfação pessoal do trabalhador sem trabalho produtivo é um
fracasso”, Drucker escreveu em seu clássico de 1973, Management: Tasks,
Responsibilities, Practices. “Assim como o trabalho produtivo que destrói o
senso de realização do trabalhador”, e sua impressão de realmente ter feito
diferença. “Na verdade, nenhuma das duas coisas dura muito tempo.”
Em se tratando de voluntários, o instinto entre os administradores é não
exigir demais deles, receando afugentá-los se estiverem sobrecarregados.
Mas, na verdade, Drucker acreditava que os voluntários esperam ser
cobrados com rigor – contanto que seja para algo que, no final das contas, dê
uma grande recompensa emocional.
“Voluntários precisam ter mais satisfação com seu trabalho do que os
funcionários pagos, precisamente por não terem um contracheque”, Drucker
escreveu. “Acima de tudo, eles precisam de desafios.”
As instituições não lucrativas precisam começar a provê-los rapidamente.
Ou os grupos de voluntários que brotam por toda a nação não se sentirão
mais em voga, vão se sentir uma droga.
26 de junho de 2009
A reforma do setor de assistência à saúde:
o tipo certo de compromisso

O alvoroço dessa semana quanto à Casa Branca estar pronta para desistir
de um plano de assistência pública como parte da reforma da saúde, serve de
janela panorâmica para o toma lá dá cá da política de governo. Mas também
é uma janela com vista para o que Peter Drucker chamava de “elementos da
tomada de decisão”.
Nesse sentido, a discussão em D.C. é instrutiva para qualquer líder
encarregado de tomar uma decisão difícil. Invariavelmente, em algum
momento, ele ou ela será forçado a dar um passo a que muita gente
instintivamente resiste: compromisso.
“O líder estipula as metas, estabelece as prioridades e mantém os
critérios”, Drucker escreveu em seu livro de 1992, Managing for the
Future. No entanto, ele também “assume compromissos, é claro; os líderes
eficazes são, de fato, dolorosamente cientes de que não possuem controle do
universo.
“Porém, antes de assumir um compromisso”, acrescentou, “o líder eficaz
pensou criteriosamente se o compromisso que está assumindo com a
restrição da realidade – que pode envolver problemas políticos,
econômicos, financeiros ou de pessoas – compatível com sua missão e metas
ou se o desvia delas”.
Voltando à trilha da campanha, há muitos meses que o presidente Barack
Obama tomou a decisão fundamental de seguir a passos largos na direção da
tentativa de rever o setor de saúde nacional. Ao fazê-lo, ele pareceu seguir
um balizador da consultoria de Drucker, relativo a uma das perguntas mais
cruciais que qualquer executivo deve fazer: “A decisão é realmente
necessária?”
Afinal, como Drucker indicou, “uma alternativa é sempre a alternativa de
não fazer nada”. E esse é precisamente o caminho a ser tomado “se a
condição, embora irritante, não tenha importância ou tenda a não fazer muita
diferença”.
No entanto, nesse caso, a inércia não era uma possibilidade – não com os
custos da saúde explodindo e mais de 45 milhões de americanos sem
cobertura e quase 15 mil perdendo a cobertura diariamente, segundo as
estimativas.
Mas agora chegou o que o próprio presidente descreveu como “a parte
difícil”. Esse é o estágio inevitável, observou Drucker, quando “fica
subitamente óbvio que a decisão não será agradável, nem popular, nem será
fácil”.
O que dificulta ainda mais para Obama é o fato de estarem espalhando
mentiras sobre suas crenças: que ele favorece o “socialismo”, “painéis de
morte” para os idosos e outras bobagens. Por mais insano que isso possa
parecer, o presidente deve ser extremamente cauteloso na forma como ele e
seus suplentes o rechaçam, para que não sufoquem detalhes legítimos da
reforma.

Conflito pode gerar boas soluções

Isso seria um desastre porque, como Drucker sabia, os melhores desfechos


surgem de pontos de vista conflitantes. Para começar, explicou ele, a
discordância “salvaguarda o tomador de decisão de se tornar prisioneiro da
organização” em que se encontra. Além disso, pode apresentar outras ideias
às quais recorrer, mais adiante, caso algo dê errado com o plano inicial.
“Acima de tudo”, Drucker escreveu em Management: Tasks,
Responsibilities, Practices, “a discordância é necessária para estimular a
imaginação” e surgirem “soluções verdadeiramente criativas” que exigem
“uma forma nova e diferente de perspectiva e compreensão”.
No final das contas, a chave para evitar o que Drucker batizou de “a
armadilha de ‘ter razão’”. Em lugar de começar “com a presunção ‘eu estou
certo e ele está errado’”, escreveu, um grande líder “começa com o
compromisso de descobrir por que as pessoas discordam” e então está
preparado para ceder, onde fizer sentido.
No começo desta semana, conforme os membros da administração
seguiram aos programas de debates matinais de domingo, isso foi exatamente
o que pareceu acontecer. Eles deram a entender que não estavam totalmente
casados com a “opção pública” – ou seja, montar um plano de seguro saúde
administrado pelo governo que competisse com as seguradoras particulares.
Esse tipo de flexibilidade é inteligente. Durante todo o tempo, os oponentes
pintaram essa proposta como uma “tomada de posse” da assistência de
saúde, e é esse tipo de retórica que mais ameaça arruinar a reforma.
Ao mesmo tempo – ainda mais importante –, os consultores de Obama
enfatizaram que a abertura deles a outras abordagens não significa, de modo
algum, que o presidente esteja renunciando a determinados objetivos
essenciais: elevar a remuneração (o que deve ajudar a diminuir os custos) e
oferecer escolha. Embora isso possa ser concebível através de outras vias,
incluindo a implementação de cooperativas de assistência médica.
Como tudo isso vai repercutir, não está claro. Alguns dos aliados mais
próximos da administração insistem em manter a opção pública. Mais
amplamente, os eleitores continuam profundamente céticos quanto ao que o
presidente e os democratas do Congresso estão tentando alcançar.
Mas saiba disso: se nós acabarmos tendo uma reforma real, será porque a
administração terá moldado o que Drucker caracterizava como o tipo certo
de compromisso – um compromisso melhor transmitido, disse ele, segundo o
antigo provérbio “Melhor pouco do que nada”.
Por outro lado, se muita coisa for barganhada – se o presidente,
desesperado, desistir não somente da opção pública, mas também de suas
metas intrínsecas, ele terá feito um tipo muito diferente de compromisso,
expresso na história do julgamento de Salomão: “Meio bebê é pior do que
não ter bebê nenhum.” Conforme Drucker observou, meio bebê “não é
metade da vida crescendo para ser uma criança. É um cadáver em dois
pedaços”.
E podemos ter certeza de que é um bebê pelo qual os pais não poderão
fazer qualquer plano de saúde.
21 de agosto de 2009
Grandes soluções começam pequenas

M esmo que Harry e Louise não tivessem matado a iniciativa do


presidente Clinton pela reforma da assistência médica, ainda em seus planos
iniciais, Peter Drucker acreditava que ela teria sido condenada por dois
outros criminosos: a enormidade e a complexidade.
“Você precisa começar pequeno”, Drucker frisou, durante uma entrevista,
em 1996, quando ele abordou “o problema” do ClintonCare. “Os grandes
curadores de tudo nunca dão certo.”
É exatamente esse insight que teria transformado Drucker em fã da
legislação histórica sobre a assistência de saúde que está tramitando no
Congresso em seus últimos estágios de aprovação. E é um insight ao qual os
administradores muito além do mundo médico devem prestar atenção, já que
se aplica a praticamente qualquer tipo de instituição.
A noção do pacote da saúde que agora está em Capitol Hill é, na verdade,
baseada no paradigma “comece pequeno”, que ganhou giro nas últimas
semanas, graças à publicação na The New Yorker de um artigo atraente de
Atul Gawande, cirurgião de Boston e ex-consultor de Clinton. Apesar de
todos os críticos que alertaram quanto a uma “grande posse governamental”
da medicina, Gawande ressalta que quase metade das 2 mil páginas do
projeto de assistência médica do Senado é dedicada a programas
relativamente pequenos que “testariam várias formas de diminuir os custos e
aumentar a qualidade”.

Evitando a grandiosidade

“Há um programa piloto para aumentar os pagamentos de médicos que


apresentarem assistência de alta qualidade a custos mais baixos e uma
redução nos pagamentos para os que apresentarem serviço de baixa
qualidade a preços mais altos”, escreve Gawande. “Há um programa que
pagaria bônus aos hospitais que melhorarem seus resultados com pacientes
de problemas cardíacos, pneumonia e cirurgias. Há um programa que iria
impor penalidades financeiras às instituições com altos índices de infecções
transmitidas por trabalhadores da assistência médica. Ainda há um que viria
a testar um sistema de penalidades e recompensas atrelado à qualidade de
assistência médica e reabilitação domiciliar. Outras experiências tentam
afastar de vez a medicina dos pagamentos de taxas por serviço.
Em alguns aspectos, parece contraintuitivo assumir um programa para uma
tarefa gigantesca, experimentando um pouquinho disso e um pouquinho
daquilo. Mas Drucker ensinou que essa é a única maneira de fazer uma
mudança potencial decolar. “Ideias grandiosas para coisas que vão
‘revolucionar um setor’ tendem a não dar certo”, afirmou Drucker. Em outro
ponto, ao discutir o desenvolvimento da política de educação, ele diz o
seguinte: “Nós precisamos de inovação; portanto, precisamos de
experimentações.”
Bill Pollard, presidente emérito da ServiceMaster, uma empresa de
pesticida para gramados e limpeza corporativa, diz que uma das lições mais
valiosas que aprendeu com Drucker foi que “o potencial para algo novo
sempre exige ser testado”.

“Vale a pena fazer com pouco valor”

“Para que uma nova ideia seja bem-sucedida, ela precisa primeiro sair do
quadro-negro e ir além da análise de mercado ou do grupo de estudos”,
explica Pollard, um cliente de consultoria e amigo próximo de Drucker. “É
importante começar – iniciar o atendimento a alguns clientes para aprender
com a aplicação prática de uma ideia. Ideias podem ser estudadas e
analisadas, até que sejam exauridas. Se algo é digno de ser feito, será digno
de ser feito com pouco valor, para começar, para aprender com a
experiência.”
É claro que aprender verdadeiramente com a experiência exige um
empenho real. Drucker enfatizava que cada novo empreendimento precisa
ser elaborado desde o começo, com ferramentas cuidadosamente analisadas
para a sinalização quando algo sair dos trilhos e o sucesso parecer
improvável.
Ao mesmo tempo, ele deixou claro que tais avaliações não podem se
tornar excessivamente focadas no que está quebrado. “O primeiro objetivo”,
Drucker escreveu, “é descobrir o que estamos fazendo bem, pois sempre se
pode prosseguir fazendo mais daquilo, mesmo quando não temos a menor
ideia do motivo de estarmos nos saindo bem numa determinada área”.
Em seu texto, Gawande defende o progresso através da experimentação e
erro, traçando como uma série de programas piloto americanos no setor
agrícola revolucionaram a agricultura no começo do século XX. “O que
parecia uma bagunça, acabou tendo coerência como um todo”, relata
Gawande. “O governo nunca assumiu a agricultura, mas também não a
deixou de lado. Ele moldou um círculo de experimentos, aprendizado e
incentivo para agricultores, por todo o país”. Resultado: os preços dos
alimentos caíram, e a produtividade e qualidade dispararam.

Testando o novo negócio

Drucker, por sua vez, abordou a história de forma semelhante. Ele concluiu
que as partes do programa do presidente Franklin D. Roosevelt que foram
pior – incluindo, por exemplo, a National Recovery Administration –
começaram com conceitos excessivamente ambiciosos que se espelharam
pelo país. Em contraste, disse Drucker, “não é coincidência que praticamente
todos os programas de êxito tenham sido previamente testados em
experimentações de pequeno porte, em estados e cidades, durante os 20 anos
anteriores – em Wisconsin, na cidade de Nova York, ou outros lugares, no
Estado de Nova York, ou por uma das administrações reformistas de
Chicago.
Drucker certamente entendia os limites do governo federal e teria insistido
em que a implementação efetiva desses programas piloto e quaisquer
programas adicionais fosse deixada, sempre que possível, a cargo dos
órgãos locais, das organizações não lucrativas e das empresas. Como dizem,
o Tio Sam fica mais no leme do que no remo.
No entanto, é interessante que Drucker também tenha discernido as
sementes do que Gawande tenha acabado de escrever, comentando, numa
entrevista de 1996: “O esboço de um novo sistema de assistência médica
americano está lentamente emergindo de literalmente centenas de
experimentos locais.”
Se a reforma da saúde for aprovada pela lei, e mais desses projetos piloto
chegarem a florescer, talvez possamos ouvir um lema diferente – e mais
animador – vindo de Washington: “É pequeno demais para fracassar.”
8 de janeiro de 2010
Encarando o estrago de frente

D etroit teve um declínio incomensurável desde que Peter Drucker a


descreveu, mais de meio século atrás, como “a cidade industrial em si”.
Mas, mesmo segundo as atuais expectativas diminuídas, as últimas semanas
foram especialmente duras.
O ex-prefeito Kwame Kilpatrick, já preso por violar a condicional, foi
acusado na corte federal por 19 delitos de fraude e sonegação de impostos.
O presidente do sistema escolar local pediu demissão e foi processado,
depois de supostamente se acariciar durante uma reunião com uma colega. E
o censo recente demonstra que Detroit continua a perder residentes.
No entanto, apesar de todos os reveses, a Cidade Automotiva pode muito
bem ter começado os primeiros estágios de uma reviravolta. Isso se deve,
em grande parte, a um traço que o atual prefeito Dave Bing apresenta e todo
administrador, principalmente durante uma época incerta como essa, deve
imitar: a determinação de olhar os piores problemas de frente.
“Uma época de turbulência é perigosa”, escreveu Drucker, “mas o maior
perigo é a tentação de negar a realidade”.

Predomínio da negação

De fato, muitos caem direto nessa armadilha, frequentemente, sem notar. A


inabilidade para lidar com circunstâncias desagradáveis “é o que Sigmund
Freud descreveu como a combinação de ‘saber com não saber’. Ela é,
segundo a formulação objetiva de George Orwell, ‘estupidez protetora’”,
conforme explica Richard Tedlow, da faculdade de administração de
Harvard, em seu livro Denial.
“Desde a pequena criança que insiste que seus pais não se separaram,
embora seu pai tenha se mudado de casa, até o alcoólatra que jura ser apenas
um bebedor social, ao presidente que declara ‘missão cumprida’, quando
não foi”, acrescenta Tedlow, “a negação permeia cada faceta da vida. Os
negócios não são exceção. Na verdade, a negação pode ser o maior e mais
poderoso problema que as empresas enfrentam, desde as iniciantes até as
corporações maduras e poderosas”.
Bing, de 66 anos, que desfrutou de uma carreira de basquete pertencente
ao Hall da Fama e teve sucesso como proprietário de várias empresas de
manufaturados, antes de ingressar na política, não tem nada de negação. Seu
estilo de liderança chamou minha atenção pela primeira vez quando eu li seu
perfil, no começo desse ano, na Sports Illustrated. Bing, segundo dito pelo
escritor Michael Rosenberg, “parece quase ter prazer em dizer às pessoas o
que elas não querem ouvir”.

Menor e mais magro

Um mês e pouco depois, ele ganhou as manchetes, por ter feito exatamente
isso. Em vez de tentar enfeitar o pavão do censo de Detroit, inchando o
orgulho da cidade e maximizando o financiamento federal – tática que muitos
municípios adotam – o prefeito falou abertamente sobre a necessidade de
abraçar uma cidade bem menor e mais magra.
“As questões transformadoras precisam ser abordadas”, Bing me disse,
citando a hemorragia contínua dos trabalhadores de fábricas, que Detroit
vem testemunhando há tantos anos. “É difícil para as pessoas lidarem com o
fato de que aqueles empregos se foram e não vão voltar. Nós temos que nos
preparar para algo muito diferente.”
Claro que esse é o verdadeiro truque: não apenas ter coragem para lutar
contra os desafios mais assustadores, mas também possuir a visão e
habilidade de transformar a situação em algo positivo. Conforme Drucker
afirmou, “uma época de turbulência é também uma ótima oportunidade para
aqueles que compreendem, aceitam e exploram essas novas realidades”.
No caso de Detroit, isso significa enxugar as coisas antes de construí-las
novamente. Bing, que herdou um déficit de mais de 300 milhões de dólares
quando assumiu a prefeitura, em maio de 2009, chegou a um acordo com o
conselho municipal, mês passado, para um orçamento de 3 bilhões, que
inclui um corte de gastos de mais de 100 milhões.

Encolhendo a base fiscal


Tomar uma rasteira dessas é sempre doloroso. Mas com uma base de
impostos embasada em apenas 900 mil pessoas – nem metade do que
Detroit teve em seu ápice – simplesmente “há uma porção de coisas que
não podemos mais nos dar ao luxo de fazer”, diz Bing, conforme vai
detonando os cortes em “asfaltamento de ruas, jardinagem, remoção de
neve” e outros serviços. “Ninguém gosta de ouvir isso, mas se não o
fizermos, vamos continuar caindo em espiral.” Num viés parecido, o prefeito
identificou 3 mil casas arruinadas para demolição este ano.
No entanto, Bing também acredita que em meio aos destroços, uma
pequena luz pode brilhar: redimensionar irá permitir que a cidade enfoque a
revitalização de um número seleto de bairros importantes. O prefeito frisa
que inúmeros projetos de construção estão em andamento e ele também vê
uma chance de desenvolver a margem internacional do rio de Detroit.
Mas, no fim, Bing reconhece que são as ideias, e não as edificações, que
precisam salvar a cidade. Ele afirma que Detroit tem uma rica tradição de
excelência em engenharia e empreendedorismo. A questão é: como a cidade
pode reacender aquele espírito e traduzir isso em empregos?

Consertando as escolas

“Como podemos identificar o próximo Berry Gordy?” pergunta Bing,


referindo-se ao fundador da Motown Records. “Como identificamos o
próximo Henry Ford?”
O processo precisa começar, sugere ele, aceitando que “temos um sistema
escolar falido e falho”. Algumas pessoas estão estimulando um controle da
prefeitura sobre as escolas municipais, na esperança de melhorar a
contabilidade, mas não está claro se Bing está animado para assumir esse
papel. De qualquer forma, tais planos estão no momento parados.
Detroit tem um longo caminho a percorrer até ficar saudável novamente. E
Bing não é imune à crítica. O Detroit Free Press, por exemplo, o condenou
por “medir palavras sobre como será o futuro educacional da cidade”.
Mesmo com tudo isso, Bing parece estar lentamente progredindo ao
confrontar muitas das mais duras realidades de Detroit, encarando-as de
frente, sem fazer promessas excessivas quanto ao que pode realizar. Se como
resultado a cidade se erguer, o homem que pegou mais de 3.400 rebotes,
durante sua época na NBA, terá conseguido o maior rebote de todos.
16 de julho de 2010
CAPÍTULO 7
Arte, música e esportes
Radiohead segundo... Drucker?

P eter Drucker adorava música – Haydn e Beethoven, Mozart e Mahler.


No entanto, se o falecido filósofo da administração estivesse por aqui hoje,
ele sem dúvida seria arrebatado por uma oferta novíssima, através de um ato
totalmente diferente: a banda britânica de rock Radiohead.
Não pelo som sintetizado. Em vez disso, Drucker ficaria impressionado
pelo enfoque ousado do Radiohead em algo que muitas empresas
negligenciam: precificação. Se atrelada a uma estratégia geral de marketing,
ela pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar o empreendimento a
captar oportunidades.
Semana passada, o Radiohead começou a distribuir seu álbum mais
recente, In Rainbows. Os consumidores podem fazer o download pela
Internet e – aí está a pegada – pagar o que acham que vale: 2 dólares, 10 ou
nada.
“Depende de você”, a banda diz aos visitantes, em sua página. “Não,
sério, de você”.

As complexidades da precificação

Precificar um produto apropriadamente não é uma prática fácil. Isso envolve


um cálculo ligeiramente complexo que precisa considerar não apenas o
investimento feito no negócio, mas também os custos em que irá incorrer (à
medida que passar o período de aprendizado e, presumivelmente, se tornar
mais eficiente); a posição de seus concorrentes; e uma interação crucial de
preço e volume.
A precificação também exige um determinado grau de autocontrole. “O
primeiro e facilmente o mais comum dos pecados” entre os negócios,
escreveu Drucker, num artigo de 1993, “é a deferência às altas margens de
lucros e à ‘precificação superior’”.
Historicamente, muitas empresas ignoraram esses fatores. Elas determinam
o preço de algo simplesmente somando todas as despesas, depois
esbanjando um acréscimo de lucro que acham que o mercado vai admitir.
Como disse Drucker, essa “precificação conduzida pelo custo” estava de
trás para frente. No fim, ele concluiu, “a única coisa que funciona é o custo
conduzido pelo preço”, ou seja, calcular o que o consumidor acredita que um
produto ou serviço vale, depois elaborar o item em conformidade (com um
lucro suficiente embutido para embasar a sustentabilidade e crescimento, o
que não equivale necessariamente ao maior preço que pode ser obtido).

Confiando no cliente

“A precificação guiada pelo custo é a razão pela qual não existe uma
indústria de eletrônicos de consumo, disse Drucker. Ela tinha a tecnologia e
os produtos. Mas ela atuava sobre a precificação conduzida pelo custo – e
os japoneses praticavam o custo guiado pelo preço.”
O que o Radiohead fez foi levar as coisas a um nível ainda mais
sofisticado. Realmente, a banda abraçou a ideia radical de “precificação
baseada no valor”: cobrar do consumidor o que você acredita que eles estão
dispostos a pagar, dados os benefícios que lhes são oferecidos. No mercado
business-to-business, em particular, isso significa estabelecer preços
diferentes para clientes diferentes pelo mesmo produto, baseado em seu
valor, para cada um.
Desde que o plano de precificação do Radiohead se espalhou, no começo
deste mês, as reações têm variado de confusas à quase paralisia, com alguns
prevendo que a abordagem da banda de deixar por conta do pessoal iria
ajudar a acelerar a morte das grandes gravadoras. (O Radiohead
recentemente encerrou seu relacionamento com a gigante EMI.)
Estou longe de me convencer de que o lançamento desse único álbum vai
levar à ruína da indústria fonográfica. Mas numa coisa eu aposto: deve
ajudar a banda a enfatizar seu próprio lucro final.

Um atrativo do show

Thomas Nagle, coautor do clássico The Strategy and Tactics of Pricing,


também está impressionado pela sagacidade do Radiohead. Vinte anos atrás,
quando a primeira edição de seu livro foi publicada, ele citou a sabedoria de
músicos que cobravam relativamente pouco por seus shows porque essas
apresentações ao vivo eram o que levava às vendas recorde – na época,
parte mais lucrativa do negócio.
Agora, diz ele, “o mundo virou ao contrário”. Ao precificar In Rainbows
com tanta flexibilidade – apresentando, inclusive, a opção de maior
barganha, ou seja, nada – o Radiohead pode até atrair novos fãs que irão
lotar seus shows, que são as verdadeiras máquinas de dinheiro da
atualidade.
Além disso, o Radiohead está vendendo uma versão turbinada de In
Rainbows (acompanhando um par de LPs em vinil, um CD com músicas
extras e fotografias) por aproximadamente 80 dólares. Alguns observadores
sugeriram que o download digital pode, consequentemente, atuar como um
“líder de perda”, fisgando o pessoal que ficará propenso a pagar uma grana
por um pacote mais caro.
Mas o engraçado é o seguinte: o In Rainbows pode muito bem acabar
sendo um líder sem perda.
Nagle comenta que os consumidores estão frequentemente dispostos a
pagar por alguma coisa, mesmo que a tenham de graça, contanto que
percebam que é um negócio justo. E, claro, uma pesquisa conduzida pela
revista musical NME indica que os fãs do Radiohead estão, em média, dando
10 dólares pela cópia digital de In Rainbows – bem em linha com o que o
iTunes da Apple cobra pela maioria dos álbuns.
Tudo isso certamente respalda uma página tirada do song-book de
Drucker: “O que o cliente vê, pensa, acredita e quer, em qualquer momento
que seja, tem de ser aceito pela administração como um fato objetivo e
precisa ser encarado com seriedade, como os relatórios de um vendedor, os
testes de um engenheiro ou os números de um contador.”
11 de outubro de 2007
A equipe vencedora de Peter Drucker

N o verão de 1985, um executivo chamado Peter Bavasi ficou matutando


sobre um artigo de Peter Drucker, publicado na Harvard Business Review,
no qual o grande pensador da administração descreveu o “fabricante de
janela” – uma função tão inerentemente impossível que estava apta a derrotar
até o melhor e mais inteligente.
O alerta de Drucker – “Qualquer função que gente habitualmente
competente não consegue desempenhar é uma função que não pode ser
preenchida” – foi particularmente um mau presságio para Bavasi. É que ele
tinha acabado de assumir a função de presidente do Cleveland Indians, uma
franquia esportiva à qual as palavras “sem sorte” pareciam emaranhadas.
Então, Bavasi ligou para Drucker em busca de sua consultoria e ali
começou um relacionamento que, com a nova temporada de beisebol a
caminho, vale rever, pelo que pode ensinar a todos os administradores,
estando ou não em campo.

Procurado: especialista organizacional

A temporada de 1985, durante a qual os Indians tinham perdido 102 jogos e


ganhado meros 60, já tinha aberto caminho para 1986 na época que Drucker
ingressou como consultor. O professor nascido na Áustria gostava de assistir
ao passatempo nacional americano e tinha até emplacado uma amizade com
Yogi Berra, jogador do Hall da Fama, quando as duas figuras sempre citadas
eram vizinhas, em Nova Jersey, no começo dos anos 1970. (Drucker: “A
melhor forma de prever o futuro é criá-lo.” Berra: “Previsões são muito
difíceis de fazer, principalmente se forem sobre o futuro.”)
Porém, Bavasi não estava à procura de um cara do beisebol. Ele precisava
de um especialista organizacional, alguém que pudesse ajudar a ensinar toda
sua operação, desde o gerente de equipamentos na sede do clube até o
saltador, embaixo da marquise do banco de reservas, a serem mais eficazes,
numa infinidade de tarefas. Na verdade, Basavi acreditava, de longa data, no
conceito de Drucker de MBO (Management by Objectives, ou
Administração por Objetivos).

MBO – através do qual os gestores da organização trabalham em conjunto,


identificando metas, claramente definindo as responsabilidades individuais a
serem cumpridas e calculam como medir os resultados – recebera sua
parcela de críticas ao longo dos anos. Alguns, por exemplo, dizem que o
sistema é difícil de implementar e não funciona bem em ambientes de
mudanças rápidas. Drucker, que havia introduzido a ideia em The Practice
of Management, seu marco de 1954, indicou que o MBO não era nenhuma
mágica contra a ineficiência. Ele enfatizou que funcionava somente “se você
primeiro pensar em seus objetivos”. No entanto, ele mencionou que “90% do
tempo, você não pensa”.

Montando a equipe certa

Bavasi, no entanto, achou que o MBO era perfeito para o time de beisebol,
em parte, porque os objetivos eram inequívocos. “É um negócio de fatores
absolutos”, ele me disse. “É ganha-perde, tacada-fora. Não há meio termos.
Não tem talvez.” E assim, ele elaborou um plano estratégico de operação de
450 páginas baseado no MBO e cobriu cada departamento dos Indians.
Drucker fez leves ajustes, aconselhando Bavasi a tornar os objetivos mais
qualitativos e menos quantitativos, conforme ele passava de áreas como
venda de ingressos ao clube em si. Prender o técnico a um determinado
número de vitórias, Bavasi explica, “seria fazer muita pressão em todo
mundo”. Em vez disso, Drucker sugeriu que os Indians se concentrassem em
montar o tipo certo de equipe técnica que acabaria levando a mais vitórias.
Com essa finalidade, ele motivou Bavasi e seu círculo interno – o técnico
dos Indians, o gerente geral e o diretor de pessoal – a pensarem não somente
em esmerar as habilidades físicas do grupo, mas em cuidar também do
desenvolvimento intelectual e emocional. Com a orientação de Drucker,
Bavasi mandou vir um técnico que falasse espanhol e pudesse se identificar
com os jovens jogadores latinos. Ele se assegurou de que um dos técnicos
fosse afetuoso, em quem os jogadores pudessem se apoiar, enquanto outro
era mais do tipo durão, para lhes dar uma bronca ocasional. “Ele nos
lembrou que se administrássemos o aspecto humano”, conta Bavasi, “isso
levaria à produtividade no campo”.

Os jogadores difíceis de administrar

Drucker (que cobrava 5 mil dólares por dia) não era uma presença constante.
Ele estava lecionando na Califórnia, na época, e encontrava Bavasi e os
garotos somente quando eles viajavam para Anaheim para jogar contra os
Angels. Ele também não fez nenhuma determinação. Na maior parte do
tempo, conta Bavasi, “ele dava a consultoria inquirindo, fazendo rodadas de
perguntas, e nossas respostas começaram a revelar novas maneiras de
abordar velhos problemas”.
Drucker também era “um mestre”, relembra Bavasi, “na elaboração de
discussões sobre alguns jogadores difíceis de administrar”. Entre eles,
estava o lançador Ernie Camacho, que tinha uma propensão para jogar uma
temporada brilhante, seguida por outra terrível.
“Bem”, disse Drucker, “olhando seu histórico estatístico, nós podemos
concluir que ele tem uma personalidade regressiva. Vemos muito isso no
meio dos melhores programadores de computação. Eles recebem uma missão
muito complexa e escrevem um código brilhante. A tarefa seguinte sai
medíocre, às vezes, um desastre. Então, eles escrevem algo brilhante. Sobe e
desce. Liga e desliga. Exatamente como seu lançador”.

O Ás da virada

Bavasi se lembra do gerente Pat Corrales atento, sentindo que Drucker


“estava prestes a revelar a resposta” para estabilizar o lançador inconstante.
“Peter”, perguntou Corrales, “o que podemos fazer para que esse cara seja
mais consistente?”
“Patrick”, respondeu Drucker, com seu jeito formal, “pelo que vejo, só há
uma coisa que você pode fazer”. Finalmente, depois de uma longa pausa, ele
disse: “Você deve vender esse cara, o mais rápido que puder.” (Camacho
durou mais um ano em Cleveland, antes de ingressar no Astros.)
Bavasi saiu depois da temporada de 86, e Drucker não prestou mais
consultoria ao time. Mas, enquanto o fazia, a virada foi inegável: A Tribo
ganhou incríveis 84 jogos e o público pagante no Cleveland Stadium
bombou, passando a quase 1,5 milhão, dos 655 mil no ano anterior.
“Peter teve muito a ver com o nosso enfoque como uma organização”,
conta Bavasi. “Ele nos fazia olhar para tudo que estávamos fazendo, para ver
se havia uma boa lógica por trás... Peter foi nosso mais valioso jogador.”
10 de abril de 2008
Organizações precisam de
estrutura e flexibilidade

C ertamente não faltam lições de administração a serem captadas da


performance de Michael Phelps, que estilhaçou recordes nas Olimpíadas de
Pequim – a importância de estabelecer objetivos firmes e manter-se
intensamente focado talvez seja o carro chefe de todas elas.
No entanto, eu desconfio que Peter Drucker teria ficado mais intrigado
pelos golpes sofridos no ringue de boxe do que pelo ouro acumulado na
piscina. Foi ali, no centro do quadrado, que os EUA tiveram sua pior
apresentação de todos os tempos, ganhando apenas uma medalha de bronze e
mandando os fãs desconsolados irem calcular o que houve de errado.
Interessante é que a resposta parece ter relativamente pouco a ver com a
proeza atlética dos lutadores e um bocado com a forma como a equipe foi
conduzida. Os que estavam encarregados do grupo olímpico de nove homens
ignoraram alguns princípios básicos que Drucker – apesar de ser mais um
aluno de ciências sociais do que da ciência do boxe – acertou na mosca: a
necessidade de direção clara e, ao mesmo tempo, um determinado nível de
flexibilidade organizacional.

Técnicos demais

Em grande parte, os problemas dos pugilistas podem ser traçados a partir de


uma atitude tomada ano passado: os membros da equipe americana tiveram
que deixar suas casas – e os cuidados de seus treinadores pessoais – para
irem morar no centro de treinamento do Comitê Olímpico Americano no
Colorado, como parte de um programa de residência de 10 meses. Isso, em
contrapartida, levou a vários enganos – do tipo que pode infestar qualquer
empreendimento, se não houver cautela.
O primeiro foi que, ao chegar em Pequim, vários boxeadores americanos
não sabiam a quem ouvir: o técnico olímpico, Dan Campbell, ou seus
treinadores pessoais de longa data. A equipe olímpica disse ao peso-pena
Luis Yanez, por exemplo, que fosse agressivo desde o soar do gongo de
abertura de sua grande luta. Mas seu técnico, de sua cidade, a quem ele era
tremendamente fiel, recomendou paciência. “Você fica com o garoto perdido
no meio”, Campbell disse aos repórteres. Yanez perdeu.
Drucker não teria se surpreendido com o desfecho. “Em qualquer
instituição, precisa haver autoridade”, ele escreveu em seu livro de 1999,
Management Challenges for the 21st Century, “alguém que possa tomar as
decisões finais e esperar que sejam acatadas”.

Conflito de lealdades

Mas, a menos que fique claro de quem é o papel, pode dar confusão. Para
ser bem-sucedida, qualquer organização “tem de ser transparente”, explicou
Drucker. “As pessoas precisam saber e têm que entender a estrutura na qual
devem trabalhar. Isso soa óbvio – mas é frequentemente infringido na
maioria das instituições (até nas Forças Armadas).
A situação mais difícil, acrescentou ele, é quando as pessoas se sentem
puxadas em duas direções diferentes, como os boxeadores se sentiram. “É
um princípio muito antigo das relações humanas que ninguém deva ser
colocado num conflito de lealdades”, afirmou Drucker, “e ter mais de um
‘mestre’ gera esse conflito”.
No entanto, Drucker reconheceu que essa rigidez não é o caminho correto
– e é aqui que os dirigentes da equipe americana de boxe (e certamente
muitos outros administradores) poderiam reconsiderar sua abordagem e
lucrar com isso.

Organize a flexibilidade

Um erro comum tanto na teoria quanto na prática da administração, notado


por Drucker, é que tendemos a nos tornarmos fixados em organizar as coisas
de determinada maneira – e daquela maneira apenas. Dependendo da época,
fazemos tudo a ver com colaboração, ou tudo a ver com descentralização, ou
tudo a ver com comando e controle.
Mas, na verdade, “não há tal coisa como a organização correta”, escreveu
Drucker. “Existem apenas organizações, e cada uma delas tem suas forças
distintas, suas limitações distintas e aplicações específicas. Ficou claro que
a organização não é algo absoluto. É uma ferramenta para tornar as pessoas
produtivas ao trabalharem juntas. Dessa forma, uma determinada estrutura
organizacional se encaixa a certas tarefas, em certas condições e certos
momentos.”
Frequentemente, presume-se que “as instituições são homogêneas, e,
portanto, o empreendimento inteiro deve ser organizado da mesma forma”,
prosseguiu Drucker. “Mas em qualquer empresa existe a necessidade de um
número diferente de estruturas organizacionais coexistindo lado a lado.”

Coordenação capciosa

Para os boxeadores, isso sugere que a melhor forma de seguir em frente


talvez seja a combinação, com períodos de duração de uma semana,
treinando no centro olímpico, mesclado com o treinamento pessoal em casa,
que é designado a reforçar a estratégia estipulada pela equipe nacional.
Fazer com que isso funcione exige uma coordenação hábil – e comunicação
constante – entre os treinadores diferentes, para assegurar que todos estejam
falando a mesma coisa, mas não há dúvida de que seja factível. Na verdade,
a equipe de ginástica feminina atua exatamente segundo esse modelo.
Jim Millman, presidente da USA Boxing, já sinalizou que está interessado
em fazer algumas mudanças – em que extensão, ainda veremos. Se Drucker
for algum referencial, Millman e seus colegas não devem hesitar em ousar,
principalmente em decorrência das altas expectativas quanto à equipe
americana de boxe em Pequim. Alguns observadores até acharam que esse
grupo talvez fosse ganhar o maior número de medalhas desde 1984, quando
os EUA acumularam 10 ouros e 2 pratas no ringue.
“O fracasso inesperado deve ser levado a sério, como o primeiro leve
ataque cardíaco de um homem de 60 anos”, Drucker escreveu. Ademais,
bons líderes “não descartam o fracasso inesperado como resultado da
incompetência de um subordinado, ou um acidente, mas tratam-no como um
sintoma de ‘falha no sistema’”.
Isso é Drucker vintage, sem jamais dar golpe baixo.
29 de agosto de 2008
Fazendo música com Drucker

C onforme os roqueiros, rappers, e cantores de música country pegaram


seus prêmios Grammy neste fim de semana, você pode estar certo de que
eles vão agradecer a todo tipo de gente por transformá-los em astros:
produtores, agentes, fãs e, claro, muitos, às suas mães.
Mas há um ganhador do Grammy de anos passados que sente ter um débito
com uma influência muito diferente: Peter Drucker.
A Southwest Chamber of Music, situada em Pasadena (Califórnia), há
muito recorreu aos insights de Drucker para ajudar na administração eficaz
da entidade, assim como a determinar minuciosamente as suas seleções
musicais. Ao constantemente questionar que programas e estratégias se
tornaram obsoletas, a Southwest oferece algumas lições valiosas que podem
ajudar qualquer organização – independentemente do tipo de negócio – a
acertar o tom. “Ler Drucker se tornou uma incrível lâmpada para mim”,
conta Jan Karlin, diretora executiva da Southwest, ganhadora de Grammys
em 2003 e 2004, pelos dois primeiros volumes da obra musical completa de
Carlos Chavez.

Verdi influenciou Drucker

Não surpreende que uma organização como a Southwest tivesse uma forte
afinidade com o trabalho de Drucker. Ele, que via “a administração como
uma arte liberal”, temperava seus livros e artigos com referências à música.
“A chave para a grandeza” em qualquer instituição, escreveu Drucker, em um
ensaio de 2002 para a Harvard Business Review, “é buscar o potencial das
pessoas e dedicar tempo para desenvolvê-lo... Para montar uma orquestra de
renome mundial, é preciso ensaiar as mesmas passagens da sinfonia
repetidamente, até que a primeira clarineta entoe como o maestro a ouve.
Esse processo também é o que faz com que um diretor de pesquisa de um
laboratório industrial tenha sucesso”.
Drucker particularmente estimava Giuseppe Verdi, o compositor italiano
do século XIX, pelo tremendo impacto que lhe causou. No final da década
de 1920, Drucker vivia em Hamburgo, onde trabalhava como estagiário
numa empresa de exportação de algodão. Toda semana, ele fugia do tédio do
trabalho, indo à ópera, e foi lá que ouviu “Falstaff”, de Verdi. “Fui
totalmente arrebatado por aquilo”, relembrou Drucker.
Porém, o que mais o impressionou foi quando ele descobriu, mais tarde,
que a obra-prima de Verdi – “com sua alegria e deleite pela vida, sua
incrível vitalidade”, como Drucker descrevia – tinha sido escrita por um
homem de 80 anos. “Minha vida inteira, como músico”, declarou Verdi, “eu
tenho lutado pela perfeição. Ela sempre me escapou. Eu certamente tinha a
obrigação de tentar mais uma vez”. Drucker disse que essas palavras de
Verdi se tornaram sua “estrela guia” e o ajudaram a inspirá-lo a escrever até
noventa e poucos anos.

Definindo uma nova missão

Para a Southwest, os ensinamentos de Drucker formam a base para examinar


todos os tipos de coisas, incluindo os aspectos mais fundamentais da
organização. Karlin, por exemplo, diz que sua base em Drucker deixou claro
que depois que a Southwest tinha ganhado seus Grammys, ela precisava de
uma nova expressão de sua missão. A antiga – “energizar e renovar o
repertório musical, integrando o melhor do mundo contemporâneo e da
música antiga (medieval, renascentista e barroca) nos programas e
concertos” – já tinha sido amplamente realizada.
“Nós começamos a pensar: o que vamos fazer agora?”, conta Karlin,
demonstrando uma postura empresarial que exige o abandono de
determinadas iniciativas para abrir caminho ao futuro. A nova missão da
Southwest é: “prover ao sudeste da Califórnia e às comunidades musicais
internacionais concertos, gravações e programas educacionais que reflitam a
vasta diversidade da música artística do mundo todo.”
Essa nova abordagem levou a Southwest a enfocar a rica diversidade em
seu próprio lar – particularmente, nas comunidades latina e asiática – e abriu
as portas para novas aventuras no exterior.
Fazendo as perguntas certas

Ano que vem, a Southwest fará parte de um intercâmbio cultural com o


Vietnã, patrocinado pelo Departamento de Estado, que envolverá tanto
apresentações musicais quanto workshops sobre gerenciamento de artes,
abordando os princípios de Drucker.
Hoje, em meio a um cenário financeiro difícil, Karlin e seu marido, o
diretor artístico da Southwest, Jeff von der Schmidt, estão fazendo uma
pergunta semelhante à de Drucker, com a finalidade de ajudá-los a avistar
mais oportunidades, mesmo com todos os desafios: “Se fôssemos dar início
à Southwest agora, como seria ela?”
“Peter teria nos incentivado a repensar a organização – e é isso que
estamos fazendo”, diz Karlin, que produziu um orçamento equilibrado para
cada um dos 22 anos de existência da Southwest.

Ninguém é imune

De sua parte, von der Schmidt conta que a escrita de Drucker lhe deu um
meio de avaliar as duras escolhas artísticas entre abraçar a nova música ou
manter as composições clássicas. “Realmente tem de haver um equilíbrio
entre a continuidade e a mudança”, conta von der Schmidt, apontando para
um dos temas centrais de Drucker.
Em 2007, a Southwest contratou Michael Millar, que recebeu seu
doutorado na Claremont Graduate University, onde estudou performance
musical e administração artística. Nessa última, seus professores incluíram
ninguém menos que Peter Drucker.
Karlin e von der Schmidt já eram conhecidos de Drucker quando Millar
chegou, mas ele garantiu que a ênfase de Drucker na missão, clientes,
resultados e planejamento tinha sido incrustada mais profundamente na
organização. Ninguém é imune. “Isso faz com que todos – até os músicos –
sejam mais eficazes no que fazem”, conta Millar, diretor de desenvolvimento
da Southwest e trombonista.

Fazendo a conexão com pontos fortes


Millar também evoca Drucker quando ele mostra aos jovens como tocar. A
forma típica de ensinar um instrumento, diz ele, é que o instrutor ouça e
depois diga: “Aqui foi onde você fez errado”. Millar inverte, dizendo:
“Agora me diga o que você fez – e comece com o que você fez certo.”
“Os alunos podem se conectar com os pontos fortes e tornar suas fraquezas
irrelevantes”, ele explica. “Todos precisam entender o que fazem bem.”
Para a Southwest em si, isso foi transformar Drucker numa bela música.
6 de fevereiro de 2009
Lições de administração do nada,
tiradas da arte

A lgumas das mentes mais brilhantes da liderança em gestão – Warren


Bennis, Ken Blanchard, Charles Handy, Stephen Covey, Frances Hesselbein
e Jim Collins, entre outros – vieram ao sudeste californiano na semana
passada para palestrar e ajudar a comemorar o que teria sido o centésimo
aniversário de Peter Ducker. As afirmações dos palestrantes, nas quais
ligavam as ideias de Drucker às suas, eram repletas de insight e inspiração.
No entanto, foi outro evento do centenário de Drucker – na segunda-feira à
noite, a abertura da exposição de arte japonesa – que mais me marcou.
A Sanso Collection, como é conhecida, contém cerca de 200 pinturas,
quase metade das quais associadas ao zen budismo. Drucker, que além de ser
professor de administração, já ensinou arte japonesa, adorava essas telas. E
ele frequentemente as utilizava como desculpa para parar e pensar, ver o
mundo de uma forma diferente.

Bastante espaço vazio

De forma parecida, “ele incentivava os expectadores a olhar e olhar


novamente”, diz o curador da mostra, Bruce Coats, professor de história da
arte na Scripps College e amigo de Drucker de longa data.
Mas o que Drucker torcia para que as pessoas observassem ia além das
imagens, que incluíam paisagens do século XV e desenhos do século XIX, de
monges e divindades. Ele queria que elas vissem e até se deleitassem com o
nada onipresente na arte. “As pinturas japonesas têm um predomínio do
espaço em branco”, Drucker escreveu em Song of the Brush, livro sobre a
coleção. “Não é gratuitamente que a tela esteja vazia. O espaço vazio
organiza a pintura.”
O mesmo, é claro, se faz verdadeiro para nossos empreendimentos: é a
criação do espaço vazio – o momento em que nos desligamos de todas as
distrações externas e nos damos a oportunidade de pensar – que pode
determinar se estamos organizados de forma eficaz e se prosseguiremos com
sucesso.
Contudo, em vez disso, nós entupimos a nossa tela. Digite o termo
“sobrecarga de informação” no Google e você obtém mais de 1,4 milhão de
entradas – isso, em si, já é um sinal do problema. Em seu livro The Ten
Commandments for Business Failure, Donald Keough, ex-presidente da
Coca-Cola, cita uma análise que descobriu que o típico funcionário
corporativo é assediado por 133 e-mails todos os dias.

Cacofonia onipresente

Além disso, escreve Keough, “eles lidam com múltiplas comunicações – um


fax aqui, uma mensagem de texto ali – participam de uma reunião e
teleconferência com outra reunião ali – assistem a uma apresentação de
PowerPoint aqui, um relatório em vídeo ali. Os telefones tocando na mesa e
vibrando no bolso. O sistema nervoso humano não foi, nem de longe,
elaborado para processar material a essa velocidade e carga cegantes”.
Algumas pessoas sistematicamente relutam com esse ataque violento. Por
exemplo, quando Patty Stonesifer se tornou presidente da Bill & Melinda
Gates Foundation, ela fez questão de manter livres as suas sextas-feiras para
que pudesse estudar, aprender e se revigorar.
No entanto, manter a agenda livre não é fácil, mesmo para o executivo
muito bem intencionado. Drucker frequentemente alertava que “dentro de
alguns dias ou semanas, o tempo livre terá sumido novamente, consumido
por novas crises, novas urgências, novas trivialidades”. Por isso, a maioria
dos administradores, explicou ele, “mantém um diário contínuo e o analisa
periodicamente”, cortando atividades adicionais, conforme necessário.
Mas não é só do “choque da caixa de entrada” e do cansaço das reuniões
que você deve se resguardar. Comece qualquer projeto ou negociação e “fica
difícil parar”, afirma Keough. “Há uma tendência na direção do desejo
coletivo e do pensamento conjunto, em que todos estão tão ávidos em fazer
com que algo aconteça que o raciocínio claro se torna quase impossível.”
Tempo para pensar

O conselho de Keough para qualquer líder: cesse aquilo que está fazendo de
vez em quando e pense um pouco a respeito. “Tempo para pensar não é um
luxo”, diz ele. “É uma necessidade... A menos que alguém pare para pensar,
é fácil cometer os mesmos erros, repetidamente.”
Isso não é simplesmente uma questão de foco. Como eu mencionei
previamente nesta coluna, Drucker era um grande defensor de que se faça
uma coisa de cada vez e de fazê-la bem feita. Mas ele também acreditava em
não fazer, para ter tempo de simples contemplação. “Depois da ação eficaz,
reflita em paz”, disse Drucker. “Da reflexão tranquila virá uma ação ainda
mais eficaz.”
Esse foi um tema que surgiu várias vezes na semana passada, durante a
comemoração do centenário de Drucker. No tom principal de seu discurso,
Jim Collins incitou as pessoas – principalmente os jovens – a “desligarem
seus dispositivos eletrônicos”, abrirem “espaço em branco em suas agendas”
e aproveitarem esses “intervalos gloriosos de quietude”. E durante sua
apresentação do filósofo social britânico Charles Handy, Kai Ryssdal, do
programa Marketplace, da rádio pública, mencionou um esquema que Handy
uma vez teve: substituir seu próprio “Pensamentos de Hoje”, na BBC, com
um “Intervalo silencioso do dia”.
O conceito de Handy, como Ryssdal recordou, era dar aos ouvintes dois
minutos, durante os quais eles poderiam pensar em silêncio, antes de voltar
“ao tumulto da vida cotidiana”. Os produtores de Handy cortaram a ideia,
reconhecendo, conforme Ryssdal mencionou, que “dois minutos de silêncio
completo não é um ótimo programa de rádio”.
No entanto, é excelente administração.
13 de novembro de 2009
Beisebol japonês e
revelações de administração

S emana passada, o começo oficial da temporada da liga profissional de


beisebol trouxe os sons mais alegres da vida: a batida do bastão, o estalo da
luva de couro e o tremular da página impressa.
Porque o dia de abertura invariavelmente significa não somente uma nova
temporada, mas também uma prateleira cheia de novos livros sobre o jogo,
incluindo a MVP (mais valiosa publicação) desse ano: Willie Mays: The
Life, the Legend, de James Hirsch. Para aqueles cujos gostos se inclinam
mais à sessão de negócios, há um título improvável que deverá aguçar até o
interesse deles: What if a Female Manager of a High School Baseball Team
Read Drucker’s “Management”?
Atualmente disponível somente em japonês, o romance se tornou uma
sensação no exterior. Vendeu mais de 300 mil cópias em apenas alguns
meses e atualmente ocupa o 3º lugar de best-sellers da lista japonesa no
Amazon. Fala-se da tradução em inglês. (O autor do livro, Natsumi Iwasaki,
está doando parte dos royalties para a Japan Drucker Workshop e a
Universidade de administração Peter F. Drucker & Masatoshi Ito; ambas
afiliadas ao Drucker Institute, administrado por mim.)
Executivos corporativos, fãs mais que inveterados do beisebol ou
adolescentes curiosos até agora provaram ser o público principal para essa
narrativa, enquanto consideram suas lições chave. Um insight crucial: “A
instituição começa com o cliente”, Iwasaki me disse. Ou, como Drucker
colocava: “‘Quem é o cliente?’, é a primeira e mais importante pergunta na
definição do propósito do negócio, assim como sua missão. Não é uma
pergunta fácil, muito menos óbvia. A forma como ela está sendo respondida
determina, em grande escala, como o negócio define a si mesmo.”

História de administração
Na história de Iwasaki, uma aluna chamada Minami Kawashima
inesperadamente se torna a gerente do time de beisebol da escola de segundo
grau Hodokubo – uma posição que, no Japão é em parte de assistente da sede
do clube e em parte de cuidadora do time. Quando assume o emprego, ela
não sabe muito sobre a função, nem sobre os jogadores com quem terá que
trabalhar.
Porém, ela rapidamente percebe que eles são um bando de atletas atuando
abaixo da média, apesar de talentosos, são desmotivados e não
desempenham um papel à altura.
Então, um dia, Minami depara com uma versão de Management: Tasks,
Responsibilities, Practices, clássico de Drucker, de 1973. Ela o devora e
começa a entrar em ação. Entre os primeiros passos de Minami: deixar
claros os objetivos, exatamente como Drucker prescreveu. “Objetivos não
são destino; são direção”, escreveu Drucker. “Objetivos não são ordens; são
compromissos. Eles não determinam o futuro; eles são os meios de mobilizar
os recursos e energia do negócio para a elaboração do futuro.”
No caso de Minami, sua grande meta era que o time de Hodokubo
ganhasse a taça de beisebol de escolas japonesas de segundo grau, o
Campeonato Nacional Koshien. Para chegar lá, ela abraça alguns dos
princípios básicos de Drucker, todos expressos nos títulos dos capítulos do
livro: “Minami aborda o Marketing”, “Minami tenta guiar os pontos fortes
das pessoas”, “Minami aplica a inovação”, “Minami pensa no que é
integridade”.

Clientes principais

Muitos leitores parecem inspirados pela protagonista. Embora Minami seja


uma jovem – não exatamente uma posição de alta estatura na sociedade
japonesa – e ocupe uma posição inferior na organização, “ela encontrou uma
forma de fazer uma grande diferença”, diz Emi Makino, que está estudando
na Drucker School (e atuou como minha tradutora, quando eu bati um papo
com Iwasaki). “Isso mostra que qualquer um pode se fortalecer para dar uma
contribuição.”
Talvez, a maior revelação para o time tenha surgido quando Minami
ajudou a descobrir quem são seus clientes principais. Resposta: os pais dos
garotos, uma descoberta que os incentiva a fazer jus às suas habilidades.
“Eles primeiro precisam retribuir um senso de satisfação aos pais”,
explica Iwasaki. “É isso que esses clientes valorizam: momentos
comoventes” no campo. O time então “se anima em função da missão e a
roda começa a girar”.
Iwasaki, de 41 anos, é relativamente novo nesse modo de pensar, tendo
descoberto Management em 2006, um ano após a morte de Drucker. À
época, o entusiasta de jogos online estava tentando descobrir como organizar
as pessoas para jogarem de forma mais eficaz. Um blogger observou que ele
estava lendo Drucker para ajudá-lo com isso, e, portanto, Iwasaki resolveu
fazer o mesmo.
Ele logo descobriu que não estava apenas interessado nas ideias de
Drucker; também estava profundamente comovido por elas. “Management é
realmente uma obra de arte, uma realização histórica”, conta Iwasaki, que já
escreveu para a televisão japonesa e produz eventos cômicos para teatro e
cinema.

Senso de comunidade

Iwasaki sugere que a popularidade de seu livro pode refletir uma mudança
na cultura japonesa. Depois de um período no qual as pessoas se tornaram
“espalhadas por toda parte” e “perderam o senso de comunidade”, ele
acredita que um espírito colaborador possa estar voltando à voga. “Há sinais
de pessoas querendo trabalhar juntas”, diz Iwasaki. “Nesse contexto, as
palavras de Drucker são realmente assimiladas.”
Por mais maluco que tudo isso possa parecer, Drucker muito
provavelmente teria gostado do livro de Iwasaki. Ele adorava o Japão e,
durante muitos anos, teve um relacionamento bem próximo com as principais
companhias japonesas. Ele também adorava beisebol. Em meados dos anos
1980, Drucker prestou consultoria aos Cleveland Indians e ajudou a
revitalizar o time, em grandes dificuldades, naquela época.
Através das façanhas de Minami Kawashima, Iwasaki colocou as duas
peças juntas, uma jogada dupla literária.
13 de abril de 2010
SOBRE O AUTOR

R ick Wartzman é o diretor executivo do Drucker Institute, na Claremont


Graduate University. O instituto busca melhorar a sociedade estimulando a
administração efetiva e a liderança responsável. Realiza isso, em grande
parte, transmitindo as ideias e ideais de Peter F. Drucker.
Rick também é colunista da Bloomberg Businessweek online. E ele foi
editor de The Drucker Lectures: Essential Lessons on Management,
Society and Economy, publicado em junho de 2010, pela McGraw-Hill.
O livro de Rick, Obscene in the Extreme: The Burning and Banning of
John Steinbeck’s The Grapes of Wrath, foi publicado em setembro de 2008
pela PublicAffairs. Ele foi indicado pelo Los Angeles Times como um dos
25 livros favoritos de não ficção do ano e foi finalista do prêmio Los
Angeles Times Book, em história, e do PEN USA Literay Award.
Rick é coautor, com Mark Arax, do bestseller The King of California:
J.G. Boswell and the Making of a Secret American Empire, que foi
escolhido como um dos melhores livros de 2003 pelo San Francisco
Chronicle e um dos 10 melhores livros de não ficção do ano pelo Los
Angeles Times. Ele recebeu, entre outras homenagens, um California Book
Award e um William Saroyan International Prize.
Antes de ingressar no Drucker Institute, Rick passou duas décadas como
repórter, editor e colunista do Wall Street Journal e do Los Angeles Times.
Índice
CAPA
Ficha Técnica
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO
CAPÍTULO 1
Peter Drucker: eterno, onipresente
Muhammad Yunus: o discípulo improvável
Pensamento abrangente
Tirando a poeira de um volume de peso
AIG e o vislumbre de Drucker a um lugar muito escuro
Administração como arte liberal
Refletindo sobre Prahalad Refletindo sobre Drucker
Evite a insensatez do economista
Drucker e a espiritualidade
CAPÍTULO 2
Google: um ideal druckeriano?
A Toyota perdeu o jeito?
O mecanismo da Wikia, movido a gente
O que a Microsoft pode oferecer ao Yahoo?
O plano de Buffett para uma sucessão bem-sucedida
A Exxon Mobil precisa de uma visão mais extensa
A visão de Drucker sobre cometer erros
O que Drucker diria sobre a Mervyns
Quando o corte de custos não é a solução
Pergunte “Pra quê?” antes de “Quem?”
Como a falta de foco prejudicou Detroit
Uma empresa é mais que o seu presidente
Genetal Motors: lições da era Alfred Sloan
Gerencie seu chefe
Inovação não é somente para os iniciantes
Um sinal positivo e entusiasmado para a Netflix
Tirando a Toyota da marcha a ré
Uma lição de métricas de desempenho
Fonte interna e fonte externa – a combinação certa
O desafio administrativo da Toyota
Peter Drucker e os suicídios de Hon Hai
Uma estratégia administrativa ousada: manter silêncio
A British Petroleum precisava de uma andon cord
O quebra-cabeça da privacidade do Facebook
As regras de aliança
Burger King: começando a cortejar o não cliente
O exame autoimposto do Bank of America
Churchill e Drucker: perfeitos juntos
O escritório sem paredes
Quando o Walkman se aposenta, a Sony rebobina
Dessa vez, um Steve Jobs diferente que partiu
Para a Nokia, um ponto a favor e outro contra
CAPÍTULO 3
O problema da General Motors referente ao acordo com o STA, Sindicato
dos Trabalhadores da Indústria Automotiva
Drucker e as complexidades raciais
Alavancando os pontos fortes dos deficientes
Quando 2008 parece 1968
Sem fórmula mágica para a crise econômica
Salvação do setor automobilístico: o que Drucker teria dito
O velho pagamento pela faculdade
A inovação do trabalhador com conhecimento da Brand Velocity
Japão: repensando o emprego vitalício
As mulheres e a tendência de trabalho de conhecimento
A dificuldade do setor de serviços
Quando a aposentadoria não é uma opção
O plano de aprendizado misto do Wal-Mart
A computação em nuvem e Peter Drucker
Acelerando o ingresso do UAW na General Motors
Incerteza? Supere
CAPÍTULO 4
O enigma pelo país afora
A crise financeira: o que Drucker teria dito
Liderança financeira, o ingrediente que falta
10 lições de administração obtidas da morte do Lehman
Goldman Sachs: fracasso na inovação
CAPÍTULO 5
Por que as boas maneiras são importantes no trabalho
Colocando uma tampa na remuneração do presidente
Uma época para autorreflexão ética
O chamado de Obama ao dever lembra Drucker sobre as organizações
éticas
Confiança: prioridade para administradores eficazes
Os executivos estão errados em desvalorizar os valores
Engajamento autêntico mesmo
CAPÍTULO 6
Recebendo ao doar
O que Obama não deveria fazer
Resolvendo o enigma do sistema de saúde
O que murcha os ânimos dos voluntários é o tédio, não o rigor
A reforma do setor de assistência à saúde: o tipo certo de compromisso
Grandes soluções começam pequenas
Encarando o estrago de frente
CAPÍTULO 7
Radiohead segundo... Drucker?
A equipe vencedora de Peter Drucker
Organizações precisam de estrutura e flexibilidade
Fazendo música com Drucker
Lições de administração do nada, tiradas da arte
Beisebol japonês e revelações de administração
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