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Ficha Técnica

Título original: Start With Why: How Great Leaders Inspire


Everyone to Take Action
Título: Primeiro Pergunte Porquê
Autor: Simon Sinek
Revisão: Carla Castro
Adaptação da capa portuguesa: Carlos Miranda/Lua de Papel
ISBN:9789892341675

LUA DE PAPEL
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© Simon Sinek, 2009


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INTRODUÇÃO

PORQUÊ COMEÇAR
PELO PORQUÊ?

O presente livro prende-se com um padrão que ocorre de forma natural,


uma forma de pensar, agir e comunicar que confere a alguns líderes a
capacidade de inspirarem aqueles que os rodeiam. Apesar de estes “líderes
inatos” poderem ter chegado ao mundo já com uma predisposição para
inspirarem, essa capacidade não lhes está exclusivamente reservada. Todos
nós podemos interiorizar este padrão. Com um pouco de disciplina,
qualquer líder ou organização pode inspirar outros, tanto dentro como fora
da sua própria organização, de modo a ajudar a que as suas ideias e visões
se desenvolvam. Todos nós podemos aprender a liderar.
O objetivo deste livro não é simplesmente tentar reparar as coisas que não
estão a funcionar. Em vez disso, escrevi este livro para funcionar como um
guia, para que possa focalizar-se e amplificar as coisas que de facto
funcionam. Não pretendo derrubar as soluções apresentadas por outras
pessoas. A maioria das respostas que obtemos, quando se baseiam em
provas sólidas, é perfeitamente válida. No entanto, se o nosso ponto de
partida forem perguntas erradas, se não conseguirmos perceber a causa,
então até mesmo as respostas certas irão acabar sempre por nos levar na
direção errada… A verdade… acaba sempre por ser revelada.
As que se seguem são histórias de indivíduos e organizações que
personificam naturalmente este padrão. São eles que começam pelo porquê.

1.
A meta era ambiciosa. O interesse público era elevado. Os especialistas
estavam desejosos de contribuir. O dinheiro estava prontamente disponível.
Munido de todos os ingredientes para o sucesso, Samuel Pierpont
Langley determinou, em inícios da década de 1900, que seria o primeiro
homem a pilotar um avião. Altamente conceituado, era um responsável de
topo no Instituto Smithsonian, um professor de Matemática que também
tinha lecionado em Harvard. Entre os seus amigos incluíam-se alguns dos
mais poderosos homens a nível governamental e empresarial, incluindo
Andrew Carnegie e Alexander Graham Bell. Langley recebeu uma dotação
de 50.000 dólares do Departamento de Guerra dos EUA para financiar o seu
projeto, uma avultada quantia de dinheiro para a época. Reuniu os melhores
cérebros da época, uma verdadeira equipa de sonho em matéria de talento e
conhecimentos. Langley e a sua equipa recorreram aos melhores materiais e
a imprensa acompanhava-o para todo o lado. As pessoas em todo o país
estavam de olhos postos na história, à espera de lerem que ele tinha
alcançado o seu objetivo. Com a equipa que reuniu, e dispondo de amplos
recursos, o seu sucesso estava garantido.
Estava mesmo?
A algumas centenas de quilómetros de distância, Wilbur e Orville Wright
estavam a trabalhar na sua própria máquina voadora. A paixão de ambos
por voar era de tal modo intensa que inspirou o entusiasmo e empenho de
um grupo extremamente dedicado da sua terra natal, em Dayton, Ohio. Não
havia financiamento para o empreendimento dos dois irmãos. Não
dispunham de qualquer dotação governamental. Não possuíam contactos de
alto nível. Nem uma só pessoa da equipa possuía habilitações académicas
superiores, nem tão pouco Wilbur ou Orville Wright as tinham. Mas a
equipa uniu-se numa humilde loja de venda de bicicletas e conseguiu tornar
a sua visão numa realidade. No dia 17 de dezembro de 1903, um pequeno
grupo testemunhou um homem a voar pela primeira vez na História.
Como é que os irmãos Wright conseguiram ser bem-sucedidos numa área
onde uma equipa com melhores equipamentos, mais bem financiada e com
um nível de instrução superior não conseguiu?
Não foi sorte. Tanto os irmãos Wright como Langley estavam altamente
motivados. Ambos os lados tinham uma forte ética profissional. Ambos os
lados dispunham de mentes científicas aguçadas. Eles estavam atrás do
mesmo objetivo, mas apenas os irmãos Wright foram capazes de inspirar
quem os rodeava e de liderarem verdadeiramente a sua equipa no sentido de
desenvolverem uma tecnologia que mudaria o mundo. Só os irmãos Wright
começaram pelo porquê.

2.
Em 1965, os alunos do campus da Universidade da Califórnia, Berkeley,
foram os primeiros a queimar publicamente as suas cédulas militares em
protesto contra o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietname. O norte
da Califórnia era um foco de sentimento antigoverno e anticlasses
dirigentes; imagens de confrontos e motins em Berkeley e Oakland foram
difundidas por todo o mundo, fomentando movimentos de apoio por todo o
território dos EUA e Europa. Mas só em 1976, praticamente três anos
depois do fim do envolvimento militar norte-americano no conflito do
Vietname, é que despertou uma revolução diferente.
Eles queriam ter impacto, um impacto muito grande, até mesmo
desafiando a forma como as pessoas percecionam o modo de
funcionamento do mundo. Mas estes jovens revolucionários não atiraram
pedras nem agarraram em armas para combater um regime autoritário. Em
vez disso, decidiram vencer o sistema no seu próprio jogo. Para Steve
Wozniak e Steve Jobs, cofundadores da Apple Computer, o campo de
batalha era empresarial e a arma de eleição foi o computador pessoal (PC).
A revolução do computador pessoal estava a começar a ser preparada
quando Wozniak criou o Apple I. A tecnologia, que estava a começar a
captar as atenções, era sobretudo vista como uma ferramenta de trabalho
para as empresas. Os computadores eram demasiado complexos e o seu
preço não estava ao alcance do cidadão comum. Mas Wozniak, um homem
que não era motivado pelo dinheiro, almejava um propósito mais nobre para
a tecnologia. Ele viu o computador pessoal como uma forma de o cidadão
comum competir com as empresas. Ele achava que se conseguisse
descortinar uma maneira de o fazer chegar às mãos dos particulares, o
computador daria a praticamente toda a gente a capacidade de desempenhar
muitas das mesmas funções que uma empresa muito mais bem equipada em
matéria de recursos. O computador pessoal poderia nivelar o campo de jogo
e mudar a forma como o mundo funcionava. Woz concebeu o Apple I e
melhorou a tecnologia com o Apple II, para ser financeiramente acessível e
fácil de usar.
Independentemente do quão visionários ou brilhantes possam ser, uma
grande ideia ou um grande produto não valem de muito se ninguém os
comprar. O melhor amigo de então de Wozniak, o jovem de 21 anos
chamado Steve Jobs, sabia exatamente o que fazer. Apesar de a sua
experiência se cingir à venda de componentes eletrónicos, Jobs provaria ser
muito mais do que um bom vendedor. Ele queria fazer algo de significativo
no mundo e criar uma empresa seria a forma de lá chegar. A Apple foi a
ferramenta que ele usou para desencadear a sua revolução.
No seu primeiro ano de atividade, com apenas um produto, a Apple
registou receitas de um milhão de dólares. No segundo ano, as vendas
ascenderam a 10 milhões de dólares. No seu quarto ano, venderam
computadores no valor de 100 milhões de dólares. E em apenas seis anos a
Apple Computer tornou-se uma empresa avaliada em mil milhões de
dólares, com mais de 3.000 funcionários.
Jobs e Woz não eram os únicos participantes na revolução do computador
pessoal. Não eram os únicos indivíduos inteligentes naquele ramo de
negócio; com efeito, eles nem sequer percebiam muito do negócio. O que
tornou a Apple especial não foi a capacidade de eles construírem uma
empresa com um crescimento tão notável. Não foi a capacidade de eles
idealizarem de forma diferente os computadores pessoais. O que tornou a
Apple especial foi o facto de eles terem sido capazes de replicar o padrão
vezes sem conta. Ao contrário de muitos dos seus concorrentes, a Apple
desafiou com êxito o pensamento convencional da indústria dos
computadores, da indústria da pequena eletrónica de consumo, da indústria
musical, da indústria dos telemóveis e da indústria mais alargada do
entretenimento. E a razão é simples. A Apple inspira. A Apple começa pelo
porquê.

3.
Ele não era perfeito. Ele tinha as suas complexidades. Ele não era a única
pessoa que tinha sofrido numa América que não defendia os direitos civis
dos negros e havia muitos outros oradores carismáticos. Mas Martin Luther
King Jr. tinha um dom. Ele sabia como inspirar as pessoas.
King sabia que se o movimento dos direitos civis fosse bem-sucedido, se
queriam que houvesse uma mudança real e permanente, seria preciso mais
do que ele e os seus aliados mais chegados. Seria preciso mais do que
palavras estimulantes e discursos eloquentes. Seriam precisas pessoas,
dezenas de milhares de pessoas comuns, unidas por uma visão única, para
mudar o país. Às 11:00 da manhã do dia 28 de agosto de 1963, enviariam a
Washington a mensagem de que era altura de a América seguir um novo
rumo.
Os organizadores do movimento dos direitos civis dos negros não
enviaram milhares de convites nem sequer havia um site para verificar a
data. Mas as pessoas acorreram ao evento. E continuaram a chegar e a
chegar. Ao todo, 250.000 pessoas desceram à capital da nação a tempo de
ouvirem as palavras imortalizadas na História, proferidas por um homem
que acabaria por liderar um movimento que mudaria a América para
sempre: “Eu tenho um sonho”.
A capacidade para atrair tantas pessoas em todo o país, de todas as cores e
raças, para se juntarem no dia certo, na hora certa, exigiu algo especial.
Apesar de outros saberem que a América tinha de mudar para que os
direitos civis chegassem a todos, foi Martin Luther King que inspirou um
país a mudar não só em prol de uma minoria, mas em prol de todos. Martin
Luther King começou pelo porquê.

::::
Há os líderes e há os que lideram. Com uma quota de mercado de apenas
6% nos Estados Unidos e de cerca de 3% a nível mundial, a Apple não é um
fabricante líder de computadores pessoais. No entanto, a empresa lidera a
indústria dos computadores e é agora também líder noutros setores. As
experiências de Martin Luther King não eram inéditas, mas ele inspirou
toda uma nação a mudar. Os irmãos Wright não eram os participantes mais
fortes na corrida ao primeiro voo a motor tripulado, mas conduziram-nos a
uma nova era da aviação e, ao fazerem-no, mudaram por completo o mundo
em que vivemos.
Os seus objetivos não eram diferentes dos objetivos das outras pessoas e
os seus sistemas e processos eram facilmente replicados. Ainda assim, os
irmãos Wright, a Apple e Martin Luther King destacaram-se entre os seus
pares. Eles fogem à norma e o seu impacto não é facilmente copiado. Eles
são membros de um grupo muito seleto de líderes que fazem algo muito,
muito especial. Eles inspiram-nos.
Praticamente todos os indivíduos ou organizações precisam de motivar os
outros no sentido de agirem em prol de algo ou de outrem. Alguns desejam
motivar uma decisão de compra. Outros procuram apoio ou votos. Mas há
outros interessados em motivar as pessoas que os rodeiam para trabalharem
mais arduamente ou de forma mais inteligente ou apenas para seguirem as
regras. A capacidade de motivar as pessoas não é, por si só, difícil. Está
normalmente associada a algum fator externo. Incentivos tentadores ou a
ameaça de uma punição irão frequentemente suscitar o comportamento
desejado. A General Motors, por exemplo, motivou de forma tão bem-
sucedida as pessoas a comprarem os seus produtos que vendeu mais carros
do que qualquer outro fabricante automóvel do mundo durante mais de 70
anos. Mas, apesar de ser líder na indústria onde operava, a empresa não
liderava.
Em contraste, os grandes líderes são capazes de inspirar as pessoas no
sentido de agirem. Aqueles que conseguem inspirar, dão às pessoas um
sentimento de propósito ou pertença que tem pouco a ver com qualquer
incentivo ou benefício externo que possam obter. Aqueles que
verdadeiramente lideram são capazes de criar um séquito de pessoas que
agem não porque foram influenciadas mas porque foram inspiradas. Para
aqueles que se sentem inspirados, a motivação para agir é profundamente
pessoal. Eles são menos propensos a serem convencidos através de
incentivos. Os que se sentem inspirados estão dispostos a pagar mais ou a
enfrentarem transtornos, mesmo que isso implique sofrimento pessoal. Os
que são capazes de inspirar irão criar um séquito de seguidores – apoiantes,
eleitores, clientes e funcionários – que agem em prol do bem comum, não
por serem obrigados a fazê-lo, mas porque o querem fazer.
Apesar de serem relativamente pouco numerosos, as organizações e
líderes com capacidade natural para nos inspirarem surgem sob todas as
formas e dimensões. Podem ser encontrados tanto no setor público como
privado. Estão presentes em todos os tipos de indústrias – a venderem a
consumidores ou a outras empresas. Independentemente de onde existem,
todos eles têm uma vasta influência nas suas indústrias. Têm os clientes
mais leais e os empregados mais leais. Tendem a ser mais rentáveis do que
os outros que operam no mesmo setor. São mais inovadores e, mais
importante ainda, são capazes de sustentar todas estas coisas no longo
prazo. Muitos deles mudam indústrias. Alguns deles mudam até mesmo o
mundo.
Os irmãos Wright, a Apple e Martin Luther King são apenas três
exemplos A Harley-Davidson, a Disney e a Southwest Airlines são mais
três exemplos. John F. Kennedy e Ronald Reagan também foram capazes de
inspirar. Independentemente do que advogam, todos eles têm algo em
comum. Todos os líderes e empresas inspiradores, independentemente da
sua dimensão ou indústria, pensam, agem e comunicam exatamente da
mesma forma.
E são o preciso oposto de todos os restantes.
E se todos nós pudéssemos aprender a pensar, agir e comunicar como
aqueles que sabem inspirar? Imagino um mundo em que a capacidade de
inspirar é praticada não apenas por uns quantos eleitos, mas pela maioria.
Há estudos que demonstram que mais de 80% dos norte-americanos não
têm o seu emprego de sonho. As pessoas que adoram ir para o trabalho são
mais produtivas e mais criativas. Elas vão para casa mais felizes e têm
famílias mais felizes. Elas tratam melhor os seus colegas e clientes. Os
funcionários inspirados proporcionam empresas mais fortes e economias
mais sólidas. É por isso que escrevo este livro. Espero inspirar outros a
fazerem as coisas que os inspiram, de modo a que, juntos, possamos
construir as empresas, a economia e um mundo nos quais confiamos e onde
a lealdade seja a regra e não a exceção. Este livro não se destina a dizer-lhe
o que fazer ou como o fazer. O seu objetivo não é fornecer-lhe um plano de
ação. O seu objetivo é oferecer-lhe a causa da ação.
A todos aqueles que têm a mente aberta a novas ideias, que procuram
criar um sucesso duradouro e que acreditam que o seu sucesso requer a
ajuda de outros, lanço-lhes um desafio. A partir de agora, comecem pelo
porquê.
PARTE 1

UM MUNDO
QUE NÃO COMEÇA
PELO PORQUÊ
CAPÍTULO 1

PRESUMA QUE SABE

Num dia frio de janeiro, um homem de 43 anos foi nomeado dirigente máximo do seu país.
Ao seu lado estava o seu antecessor, um famoso general que, 15 anos antes, havia
comandado as forças armadas da sua nação numa guerra que resultou na derrota da
Alemanha. O jovem líder foi criado na fé católica romana. Passou as cinco horas seguintes a
assistir a desfiles em sua homenagem e ficou a comemorar até às três da manhã.

Sabe quem é que estou a descrever, certo?


Trata-se do dia 30 de janeiro de 1933 e estou a descrever Adolf Hitler e
não, como a maioria das pessoas terá presumido, John F. Kennedy.
A questão é que fazemos suposições. Fazemos suposições sobre o mundo
que nos rodeia com base em informações por vezes incompletas ou falsas.
Neste caso, a informação que forneci estava incompleta. Muitos de vocês
estavam convencidos de que estava a descrever John F. Kennedy até
acrescentar um pormenor: a data.
Isto é importante porque o nosso comportamento é influenciado pelas
nossas suposições ou pelas nossas verdades percecionadas. Tomamos
decisões com base no que achamos que sabemos. Num passado não muito
distante, a maioria das pessoas acreditava que o mundo era plano. Essa
verdade percecionada influenciou os comportamentos. Durante esse
período, houve poucas atividades exploratórias. As pessoas temiam que, se
viajassem para muito longe, pudessem cair para fora do planeta. Por isso,
permaneceram imóveis. Foi assim até que um pequeno detalhe foi revelado
– o mundo é redondo –, levando a que os comportamentos mudassem em
grande escala. Com essa descoberta, as sociedades começaram a atravessar
o planeta. Estabeleceram-se rotas comerciais; começaram a comercializar-
se especiarias. Novas ideias, como a matemática, foram partilhadas entre
sociedades que desencadearam todos os tipos de inovações e avanços. A
correção de um simples pressuposto falso impulsionou a raça humana a
seguir em frente.
Consideremos agora a forma como as organizações são formadas e como
as decisões são tomadas. Sabemos realmente por que razão é que algumas
organizações são bem-sucedidas e outras não, ou simplesmente supomos?
Independentemente da sua definição de sucesso – atingir um preço-alvo de
uma ação, fazer uma certa quantia de dinheiro, alcançar uma meta de
receitas ou lucros, conseguir uma grande promoção, fundar a sua própria
empresa, alimentar os pobres, conseguir um cargo público –, a forma como
concretizamos os nossos objetivos é muito semelhante. Alguns de nós
simplesmente improvisam, mas a maioria tenta pelo menos reunir alguns
dados para tomar decisões ponderadas. Às vezes, esse processo de recolha é
formal – através da realização de sondagens ou estudos de mercado. E às
vezes é informal, como pedir conselhos aos nossos amigos e colegas ou
olhar para trás para a nossa própria experiência pessoal para ter alguma
perspetiva. Independentemente do processo ou dos objetivos, todos nós
queremos tomar decisões ponderadas. Mais importante ainda: todos
queremos tomar as decisões certas.
Como todos sabemos, porém, nem todas as decisões acabam por ser as
corretas, independentemente da quantidade de dados que reunimos. Às
vezes, o impacto dessas decisões erradas é menor, outras vezes pode ser
catastrófico. Seja qual for o resultado, tomamos decisões com base numa
perceção do mundo que, de facto, pode não ser completamente precisa. Da
mesma forma que muitos estavam certos de que eu estava a descrever John
F. Kennedy no início deste capítulo. Você tinha a certeza de que estava
certo. Até podia ter apostado dinheiro nisso – um comportamento baseado
numa suposição. Partiu do princípio de que estava certo até eu apresentar
aquele pormenor: a data.
Não são só as más decisões que têm por base falsos pressupostos. Às
vezes, quando as coisas correm bem, pensamos que sabemos o porquê, mas
será que sabemos realmente? Ainda que o resultado tenha sido o
pretendido, não significa que consigamos repeti-lo sucessivamente. Tenho
um amigo que investe algum do seu dinheiro. Sempre que lhe corre bem, é
graças à sua inteligência e capacidade de escolher as ações certas, pelo
menos na opinião dele. Não tenho qualquer problema com as várias linhas
de pensamento, mas ou o seu sucesso e fracasso dependem da sua própria
presciência e cegueira, ou da boa ou má sorte. Não pode ser de ambas.
Então, como é que podemos garantir que todas as nossas decisões
produzem os melhores resultados por razões que estão totalmente sob o
nosso controlo? A lógica determina que mais informações e dados são
fundamentais. E é exatamente isso que fazemos. Lemos livros, participamos
em conferências, ouvimos podcasts e pedimos conselhos a amigos e colegas
– tudo com o objetivo de sabermos mais para podermos perceber o que
fazer ou como agir. O problema é que todos nós estivemos em situações em
que tínhamos todos os dados e muito bons conselhos, mas mesmo assim as
coisas não correram lá muito bem. Ou talvez o impacto tenha durado apenas
um curto período de tempo, ou tenha acontecido algo que não conseguimos
prever. Uma nota rápida para todos os que adivinharam que era de Adolf
Hitler que eu falava no início do capítulo: os detalhes que dei são iguais
para Hitler e para John F. Kennedy, poderia ser qualquer um dos dois. Deve
ter cuidado com o que pensa que sabe. As suposições, como vê, mesmo que
baseadas em pesquisas sólidas, podem induzir-nos em erro.
Intuitivamente, compreendemos isto. Compreendemos que, mesmo com
montanhas de dados e bons conselhos, se as coisas não correm como era
esperado, provavelmente é porque nos escapou um detalhe pequeno, mas
vital. Nestes casos, voltamos a todas as nossas fontes, procuramos talvez
algumas novas e tentamos perceber o que fazer, e todo o processo começa
novamente. Mais dados, no entanto, nem sempre ajudam, especialmente se
todo o processo foi iniciado a partir de um pressuposto errado. Há outros
fatores que devem ser considerados, fatores externos aos nossos cérebros
racionais, analíticos e com sede de informação.
Houve momentos em que não dispúnhamos de dados ou em que optámos
por ignorar os conselhos ou as informações disponíveis e seguimos
simplesmente o nosso instinto e as coisas correram bem, às vezes até
melhor do que o esperado. Esta dança entre o instinto e a tomada de
decisões racional explica a forma como conduzimos negócios e até mesmo
como vivemos a vida. Podemos continuar a dissecar todas as opções, em
todas as direções, mas depois de todos os bons conselhos e de todas as
provas convincentes, ficamos no mesmo sítio de onde partimos: como
explicar ou decidir uma linha de ação que produz um efeito desejado que é
repetível. Como é que podemos ter previsões 100% certas?
Há uma história maravilhosa de um grupo de executivos americanos do
setor automóvel que foi ao Japão para observar uma linha de montagem
nipónica. No final da linha, as portas eram colocadas nas dobradiças, tal
como acontecia na América. Mas faltava algo. Nos Estados Unidos, um
trabalhador da linha de montagem usaria um martelo de borracha para bater
ao de leve nas extremidades da porta (1), de forma a garantir que encaixava
na perfeição. No Japão, essa função não parecia existir. Confusos, os
executivos americanos perguntaram em que ponto é que se asseguravam de
que a porta encaixava perfeitamente. O seu guia japonês olhou para eles e
sorriu timidamente. “Certificamo-nos disso quando a desenhamos”. Na
fábrica japonesa de automóveis, não analisavam o problema e acumulavam
dados para descobrir a melhor solução – criavam o resultado desejado logo
desde o início. Se não alcançavam o resultado desejado, percebiam que isso
se devia a uma decisão que tinham tomado no início do processo.
No final de contas, as portas dos carros produzidos nos Estados Unidos e
no Japão pareciam estar perfeitamente encaixadas quando rolavam pela
linha de montagem. Mas os japoneses não precisavam de empregar alguém
para martelar as portas, nem precisavam de comprar martelos. Mais
importante ainda: as portas japonesas durarão provavelmente mais tempo e
talvez sejam até mais sólidas, ao nível estrutural, num acidente. Tudo isso
porque eles garantiam, logo à partida, que as peças encaixariam.
O que os fabricantes americanos faziam com os seus martelos de borracha
é uma metáfora para a forma como muitas pessoas e organizações lideram.
Quando confrontadas com um resultado que não está de acordo com o
plano, utilizam uma série de táticas de curto prazo perfeitamente eficazes
até o resultado desejado ser alcançado. Mas quão estruturalmente sólidas
são essas soluções? Muitas organizações funcionam num mundo de metas
tangíveis e de martelos para as alcançar. Contudo, aquelas que conseguem
mais, que obtêm mais de menos pessoas e recursos e que exercem uma
enorme influência, criam produtos e empresas e até recrutam pessoas que
encaixam bem na intenção original. Embora o resultado possa parecer o
mesmo, os grandes líderes compreendem o valor nas coisas que não
conseguimos ver.
Cada instrução que damos, cada plano de ação que estabelecemos, cada
resultado que desejamos, começa com a mesma coisa: uma decisão. Há
aqueles que decidem manipular a porta para conseguir o resultado desejado
e há aqueles que têm um ponto de partida muito diferente. Embora ambas
as linhas de ação possam produzir resultados semelhantes a curto prazo, é
aquilo que não conseguimos ver que torna o sucesso a longo prazo mais
previsível para apenas um dos lados: para aqueles que entenderam por que
razão é que as portas têm de encaixar logo aquando da sua conceção e não
por ausência de melhor alternativa.
1 “Nos Estados Unidos, um trabalhador da linha de montagem usaria um martelo de borracha para
bater ao de leve nas extremidades da porta”: Norman Bodek, “What is Muda?” Manufacturing
Engineering, julho de 2006, http://www.sme.org/cgi-bin/fi nd-articles.pl?
&ME06ART40&ME&20060709&SME.
CAPÍTULO 2

INCENTIVOS E PENALIZAÇÕES

Manipulação versus Inspiração

Hoje em dia, no mercado, não há praticamente produtos ou serviços que os


clientes não possam comprar noutro sítio pelo mesmo preço, com a mesma
qualidade, o mesmo nível de serviço e as mesmas características. Se temos
de facto alguma vantagem, por sermos percursores, provavelmente iremos
perdê-la numa questão de meses. Se oferecemos algo verdadeiramente
novo, em breve alguém aparecerá com algo semelhante e talvez até melhor.
Mas se perguntarmos à maioria das empresas por que motivo é que os
seus clientes são seus clientes, a maioria dirá que é por causa da qualidade,
características, preço ou serviço de qualidade superior. Por outras palavras,
a maioria das empresas não faz ideia do porquê de os seus clientes serem
seus clientes. Esta é uma conclusão fascinante. Se as empresas não sabem
por que razão é que os seus clientes são seus clientes, há uma forte
probabilidade de também não saberem por que motivo é que os seus
funcionários são seus funcionários.
Se a maioria das empresas não sabe realmente o porquê de os seus
clientes serem seus clientes e de os seus funcionários serem seus
funcionários, como é que sabem de que forma podem atrair mais
funcionários e encorajar a lealdade entre aqueles que já lá trabalham? A
realidade é que, atualmente, a maioria das empresas está a tomar decisões
com base num conjunto de pressupostos incompletos ou, pior, totalmente
errados, sobre o que está a orientar os seus negócios.
Só existem duas formas de influenciar o comportamento humano:
podemos manipulá-lo ou inspirá-lo. Quando falo em manipulação, isso não
é necessariamente pejorativo; é uma tática muito comum e bastante
benigna. Na verdade, muitos de nós fazemo-lo desde jovens. “Vou ser o teu
melhor amigo” é a tática negocial altamente eficaz usada por gerações de
crianças para conseguirem o que querem de um colega. E como lhe dirá
qualquer criança que já tenha oferecido doces para ganhar um novo amigo,
funciona.
Dos negócios à política, as manipulações correm desenfreadas sob todas
as formas de vendas e marketing. As manipulações típicas incluem: descer
o preço; fazer uma promoção; usar o medo, a pressão dos pares ou
mensagens aspiracionais; e prometer inovação para influenciar o
comportamento – seja uma compra, um voto ou apoio a algo. Quando as
empresas ou organizações não têm uma noção clara da razão de os seus
clientes serem seus clientes, tendem a depender de um número
desproporcional de manipulações para conseguirem o que precisam. E por
uma boa razão. As manipulações funcionam.

Preço

Muitas empresas mostram-se relutantes em jogar o jogo dos preços, mas


fazem-no porque sabem que é eficaz. Tão eficaz, na verdade, que a tentação
pode, por vezes, ser esmagadora. Existem poucas empresas de serviços
profissionais que, quando confrontadas com uma oportunidade de
conquistar um grande negócio, não tenham diminuído o preço para o
garantir. Independentemente de como o racionalizaram para si ou para os
seus clientes, o preço é uma manipulação altamente eficaz. Baixemos os
preços o suficiente e as pessoas irão comprar a nós. Vemos isso no retalho,
no final de cada estação, quando os produtos ficam a “preços de
liquidação”. Baixemos os preços o suficiente e as prateleiras ficarão
rapidamente vazias para dar espaço aos produtos da estação seguinte.
No entanto, jogar o jogo dos preços pode ter um custo tremendo e criar
um grande dilema à empresa. Para o vendedor, vender com base no preço é
como a heroína. Os ganhos de curto prazo são fantásticos, mas, quanto mais
o faz, mais difícil se torna largar o hábito. Assim que os compradores se
habituam a pagar um preço abaixo da média por um produto ou serviço, é
muito difícil conseguir-se que paguem mais. E os vendedores, confrontados
com uma pressão esmagadora para baixarem cada vez mais os preços,
ficam com as suas margens cada vez mais reduzidas. Isso só aumenta a
necessidade de vender mais para compensar. E a forma mais rápida de o
fazer é, uma vez mais, pelo preço. Desta forma, instala-se a espiral
descendente do vício dos preços. No mundo da droga, esses viciados são
chamados de ‘junkies’. No mundo dos negócios, chamamos-lhes
mercadorias. Seguros. Computadores domésticos. Serviços de
comunicações móveis. Inúmeros produtos embalados. A lista de
mercadorias criada pelo jogo dos preços não tem fim. As empresas que se
veem forçadas a tratar os seus produtos como mercadorias são, quase
sempre, as responsáveis por essa situação. Não posso dizer que baixar os
preços não seja uma forma perfeitamente legítima de conduzir negócios; o
desafio é permanecer rentável.
A Wal-Mart parece ser uma exceção à regra. Eles criaram um negócio
fenomenalmente bem-sucedido a jogar o jogo dos preços. Mas isso também
teve um custo elevado. A escala ajudou a Wal-Mart a evitar as fraquezas
inerentes a uma estratégia de preços, mas a obsessão da empresa com os
preços, acima de tudo, deixou-a mergulhada em escândalos e prejudicou a
sua reputação. E cada um dos escândalos que envolveu a empresa nasceu
das suas tentativas de manter os custos baixos para poder oferecer os preços
baixos.
O preço tem sempre um custo. A questão é: quanto é que estamos
dispostos a pagar pelo dinheiro que fazemos?

Promoções

A General Motors tinha um objetivo ambicioso. Liderar a indústria


automóvel americana em termos de quota de mercado. Na década de 1950,
havia quatro opções de fabricantes automóveis nos Estados Unidos: GM,
Ford, Chrysler e AMC. Antes de as fabricantes estrangeiras entrarem em
campo, a GM dominava. A nova concorrência, como seria de esperar,
tornou esse objetivo mais difícil de manter. Não preciso de apresentar dados
para explicar o quanto a indústria automóvel mudou em 50 anos. Mas a
General Motors permaneceu firme durante a maior parte do século passado
e manteve o seu prezado domínio.
Desde 1990, porém, a quota de mercado da Toyota nos Estados Unidos
mais do que duplicou. Em 2007, a quota da Toyota tinha subido de 7,8%
para 16,3% (2). Durante o mesmo período, a GM viu a sua quota de
mercado nos Estados Unidos cair drasticamente, de 35% em 1990 para
23,8% em 2007. E no início de 2008, o impensável aconteceu: os
consumidores dos EUA compraram mais automóveis fabricados no exterior
do que na América.
Desde a década de 1990, confrontadas com esta investida feroz da
concorrência do Japão, a GM e as outras fabricantes americanas
esforçaram-se para oferecer incentivos que as ajudassem a manter a sua
quota decrescente. Fortemente apoiada por publicidade, a GM ofereceu
incentivos de reembolso entre 500 e 7.000 dólares para os clientes que
comprassem os seus carros e camiões. Durante muito tempo, as promoções
funcionaram de forma brilhante. As vendas da GM estavam a aumentar
novamente.
Mas, a longo prazo, os incentivos só ajudaram a reduzir drasticamente as
margens da GM e a colocá-la num grande buraco. Em 2007, a GM perdeu
729 dólares por veículo (3), em grande parte devido aos incentivos.
Percebendo que o modelo era insustentável, a GM anunciou que iria reduzir
o montante dos incentivos de reembolso oferecidos e, com essa redução, as
vendas caíram. Sem dinheiro, não havia clientes. A indústria automóvel
tinha transformado os clientes em verdadeiros viciados em incentivos,
criando a expectativa de que preços sem desconto eram uma coisa do
passado.
Quer se trate de “dois pelo preço de um” ou “brinquedo grátis no
interior”, as promoções são manipulações tão comuns que muitas vezes nos
esquecemos que estamos a ser manipulados. Da próxima vez que andar à
procura, por exemplo, de uma máquina fotográfica digital para comprar,
preste atenção à forma como toma a sua decisão. Encontrará facilmente
duas ou três máquinas fotográficas com as características de que precisa –
tamanho, quantidade de megapixels, preço comparável, boa marca. Mas
talvez uma delas tenha uma promoção – um estojo grátis ou um cartão de
memória grátis. Dada a paridade relativa das características e benefícios,
esse pequeno extra às vezes é tudo o que é preciso para fazer inclinar a
balança. No mundo do comércio entre empresas [business-to-business;
b2b], as promoções são chamadas de “valor acrescentado”. Mas os
princípios são os mesmos: dê alguma coisa de graça de forma a reduzir o
risco, para que alguém faça negócio consigo. E, tal como o preço, as
promoções funcionam.
A natureza manipuladora das promoções está tão bem estabelecida no
retalho que a indústria até deu nome a um dos princípios. Chamam-lhe
breakage. O breakage mede a percentagem de clientes que não aproveitam
uma promoção e acabam por pagar o preço total por um produto. Isso
geralmente acontece quando os compradores não se preocupam em cumprir
as etapas necessárias para reclamar os seus descontos, um processo que é
propositadamente complicado ou inconveniente de forma a aumentar a
probabilidade de erros ou inatividade para manter esse breakage elevado.
A devolução de parte dos custos de um produto geralmente exige que o
cliente envie uma cópia da fatura, retire um código de barras da embalagem
e complete minuciosamente um formulário de desconto com detalhes sobre
o produto e como foi comprado. Enviar a parte errada da caixa ou ignorar
um pormenor no formulário pode atrasar o desconto por semanas, meses ou
simplesmente anulá-lo. A indústria dos descontos também tem um nome
para o número de clientes que simplesmente não se preocupam em solicitar
a devolução do dinheiro ou que nunca utilizam o cheque de reembolso que
recebem. Chama-se slippage.
Para as empresas, os benefícios de curto prazo dos reembolsos e outras
manipulações são claros: um desconto atrai os clientes, levando-os a
pagarem o preço total por um produto que podem ter pensado comprar
apenas devido à perspetiva de um reembolso parcial. Mas quase 40% desses
clientes nunca obtêm o preço mais baixo que achavam que estavam a pagar.
(4) Chamemos-lhe um imposto sobre os desorganizados, mas os retalhistas
contam com isso.
As autoridades reguladoras intensificaram o escrutínio da indústria dos
descontos, mas com um sucesso limitado. O processo de descontos continua
a ser complexo e isso significa dinheiro grátis para o vendedor.
Manipulação no seu melhor. Mas a que preço?

Medo

Se alguém assaltasse um banco com uma banana no bolso, seria acusado de


assalto à mão armada. Claramente, nenhuma vítima estaria em perigo de ser
baleada, mas é a convicção de que o ladrão tem uma arma real que é tida
em conta pela lei. E por uma boa razão. Sabendo muito bem que o medo as
levará a cumprir as suas exigências, o ladrão tomou medidas para fazer com
que as suas vítimas se assustassem. O medo, real ou percecionado, é
indiscutivelmente a manipulação mais poderosa que existe.
“Nunca ninguém foi despedido por contratar a IBM”, diz o velho adágio,
descrevendo um comportamento que resulta inteiramente do medo. Um
funcionário de um departamento de compras, encarregado de encontrar os
melhores fornecedores para uma empresa, recusa um produto melhor a um
preço mais baixo simplesmente porque é de uma empresa de menor
dimensão ou de uma marca menos conhecida. O medo, real ou
percecionado, de que o seu emprego ficasse em causa se alguma coisa
corresse mal foi o suficiente para o fazer ignorar o propósito expresso da
sua função, e até tomar uma decisão que não era do melhor interesse da
empresa.
Quando é usado o medo, os factos são secundários. Profundamente
enraizada no nosso impulso biológico de sobrevivência, essa emoção não
pode ser rapidamente apagada com factos ou dados. É assim que o
terrorismo funciona. Não é a probabilidade estatística de se ser atacado por
um terrorista, mas o medo de que isso aconteça, que aflige uma população.

Na qualidade de manipulador poderoso, o medo é usado frequentemente


com motivações muito menos nefastas. Usamos o medo para criar os nossos
filhos. Utilizamos o medo para motivar as pessoas a obedecerem a um
código de ética. O medo é usado regularmente em anúncios de serviço
público, para promover a segurança infantil ou a sensibilização para o
VIH/SIDA, ou a necessidade de usar cintos de segurança. Qualquer pessoa
que tenha visto televisão nos anos de 1980 assistiu a uma grande dose de
publicidade antidrogas, incluindo um anúncio de um programa federal para
combater o abuso de drogas entre adolescentes: “Este é o teu cérebro”, dizia
o homem enquanto levantava um ovo branco. Depois, partia o ovo para
uma frigideira com óleo quente. “Este é o teu cérebro com drogas... Alguma
pergunta?”
E outro anúncio destinado a assustar qualquer adolescente impetuoso: “A
cocaína não te torna sexy... mata-te”.
Da mesma forma, quando os políticos dizem que o seu opositor
aumentará os impostos ou reduzirá o orçamento para a manutenção da
ordem pública, ou o noticiário da noite avisa que a sua saúde ou segurança
estão em risco se não estiver sintonizado naquele canal para ouvir as
notícias às 23:00, ambos estão a tentar semear o medo entre eleitores e
telespetadores, respetivamente. Para venderem os seus produtos, as
empresas também usam o medo para agitar a insegurança que todos temos.
A ideia é que, se não comprar o produto ou serviço, algo de mau lhe pode
acontecer.
“A cada 36 segundos, alguém morre de ataque cardíaco”, diz um anúncio
de um cardiologista local. “Tem rádon? O seu vizinho tem!”, lê-se num
anúncio colocado na lateral de um camião de uma empresa que vende um
serviço de inspeção de poluição domiciliar. E, naturalmente, a indústria de
seguros gostaria de lhe vender o seu seguro de vida “antes que seja tarde
demais”.
Se alguém já lhe vendeu alguma coisa com a advertência de que deveria
temer as consequências se não comprasse, estava a apontar-lhe uma popular
arma à cabeça para o ajudar a ver o “valor” de o escolher a ele, e não ao seu
concorrente. Ou talvez fosse apenas uma banana. Mas funciona.

Aspirações

“Deixar de fumar é a coisa mais fácil que alguma vez fiz”, disse Mark
Twain (5). “Fi-lo centenas de vezes”.
Se o medo nos motiva a afastarmo-nos de algo horrível, as mensagens
aspiracionais tentam-nos em direção a algo desejável. Os especialistas de
marketing falam frequentemente sobre a importância de se ser inspirador,
oferecendo às pessoas algo que desejam alcançar e a capacidade de mais
facilmente chegarem lá com um produto ou serviço específico. “Seis passos
para uma vida mais feliz”. “Trabalhe esses abdominais para vestir o número
de sonho do seu vestido!” “Em apenas seis semanas pode ficar rico”. Todas
essas mensagens manipulam. Elas tentam-nos com as coisas que queremos
ter ou seduzem-nos para sermos a pessoa que gostaríamos de ser.
Embora de natureza positiva, as mensagens aspiracionais são mais
eficazes junto de quem tem falta de disciplina ou sofre do persistente medo
ou insegurança de não conseguir atingir os seus sonhos por si (o que, em
vários momentos, por várias razões, abarca toda a gente). Digo sempre a
brincar que, com uma mensagem motivacional, é possível levar uma pessoa
a tornar-se sócia de um ginásio, mas fazer com que a pessoa vá treinar três
dias por semana requer um pouco de inspiração. Alguém que tenha um
estilo de vida saudável e o hábito de fazer exercício não responde a “seis
passos fáceis para perder peso”. Os mais suscetíveis são aqueles que não
têm esse estilo de vida. Não é novidade que muitas pessoas experimentam
dietas atrás de dietas, na tentativa de alcançarem o corpo dos seus sonhos. E
seja qual for o regime escolhido, todos eles sustentam que o exercício
regular e uma dieta equilibrada ajudarão a reforçar os resultados. Por outras
palavras, disciplina. As inscrições nos ginásios tendem a aumentar cerca de
12% em janeiro, com as pessoas a tentarem cumprir a resolução de Ano
Novo de viverem uma vida mais saudável. No entanto, apenas uma parte
desses aspirantes ao gosto pelo fitness ainda está no ginásio no final do ano.
As mensagens aspiracionais podem estimular determinados
comportamentos, mas, para a maioria, não duram muito.
As mensagens aspiracionais não são eficazes apenas no mercado de
consumo. Também funcionam muito bem nas transações entre empresas. Os
gestores de empresas, grandes e pequenas, querem sair-se todos bem, pelo
que tomam decisões, contratam consultores e implementam sistemas para
os ajudar a alcançar esse resultado desejado. Mas, muitas vezes, não são os
sistemas que falham, mas a capacidade de os manter. Posso falar por
experiência própria. Implementei muitos sistemas ou práticas ao longo dos
anos com o objetivo de me ajudar a “alcançar o sucesso a que aspiro”, mas
voltei sempre aos meus velhos hábitos duas semanas depois. Aspiro a um
sistema que me ajude a evitar implementar sistemas para responder a todas
as minhas aspirações. Mas, provavelmente, não seria capaz de o seguir por
muito tempo.
Esta resposta de curto prazo para desejos de longo prazo também está
bem patente no mundo empresarial. Uma amiga minha, que é consultora de
gestão, foi contratada por uma empresa avaliada em milhares de milhões de
dólares para a ajudar a cumprir os seus objetivos e aspirações. O problema é
que, independentemente da dificuldade em questão, os gestores da empresa
eram sempre atraídos para a opção mais rápida e mais barata em vez de
optarem pela melhor solução a longo prazo, explicou ela. Tal como os
adeptos das dietas, “eles nunca tinham tempo ou dinheiro para fazer bem à
primeira”, disse ela sobre o cliente, “mas tinham sempre tempo e dinheiro
para o fazer novamente”.

Pressão dos pares

“Quatro em cada cinco dentistas preferem Trident”, atesta o anúncio


daquela marca de pastilhas elásticas numa tentativa de nos fazer
experimentar o seu produto. “Um ensaio duplo-cego realizado numa
universidade de topo concluiu…”, dizem as televendas da madrugada. “Se
o produto é bom o suficiente para os profissionais, é bom o suficiente para
si”, incentiva o anúncio. “Com mais de um milhão de clientes satisfeitos”,
provoca outro anúncio. Tudo isto é uma forma de pressão dos pares.
Quando os comerciantes dizem que a maioria de uma população ou que um
grupo de especialistas prefere o seu produto em detrimento de outro, estão a
tentar influenciar o comprador a acreditar que o que eles vendem é melhor.
A pressão dos pares funciona porque acreditamos que a maioria, ou os
especialistas, deve saber mais do que nós. A pressão dos pares funciona não
porque a maioria ou os especialistas estão sempre certos, mas porque temos
medo de podermos estar errados.
As recomendações por parte de celebridades são usadas, por vezes, para
acrescentar ainda mais pressão dos pares aos argumentos de venda. “Se ele
usa”, pensamos nós, “é porque deve ser bom”. Isso faz sentido quando
ouvimos Tiger Woods a promover produtos de golfe da Nike ou bolas de
golfe Titleist. (Considera-se que o acordo de Woods com a Nike deu
visibilidade à empresa no mundo do golfe). Mas Tiger também promoveu
os carros da General Motors, serviços de consultoria de gestão, cartões de
crédito, comida e um relógio Tag Heuer concebido “especialmente para o
golfista” (6). O relógio, aliás, consegue absorver um choque de 5.000 g, um
impacto mais provável para a bola do que para o golfista. Mas Tiger
promoveu-o, por isso deve ser bom. As recomendações das celebridades
também são usadas para apelar às nossas aspirações e ao desejo de sermos
como elas. O exemplo mais explícito foi a campanha “Eu quero ser como o
Mike”, da Gatorade (7), que levava os jovens a acreditar que se bebessem
Gatorade iriam ser como Michael Jordan. No entanto, há muitos outros
exemplos de recomendações por parte de celebridades em que é mais difícil
ver a ligação. Sam Waterston, da série Lei & Ordem, por exemplo, promove
a negociação online da TD Ameritrade. Tirando o facto de ser uma
celebridade, não se percebe muito bem o que é que um ator conhecido por
prender homicidas maníacos faz pela marca. Imagino que seja pelo facto de
ser visto como uma pessoa “confiável”.
Os jovens impressionáveis não são os únicos sujeitos à pressão dos pares.
A maioria de nós já teve provavelmente a experiência de ser pressionado
por um vendedor. Alguma vez teve um representante comercial a tentar
vender-lhe uma “solução de escritório” dizendo que 70% dos seus
concorrentes estão a usar o seu serviço e perguntando-lhe por que razão é
que você não está? Mas e se 70% dos seus concorrentes forem idiotas? E se
foi oferecido tanto valor acrescentado e um preço tão baixo a esses 70% que
eles não conseguiram resistir à oportunidade? Esta prática é concebida com
um único propósito – pressionar-nos no sentido de comprarmos. Para nos
fazer sentir que podemos estar a perder alguma coisa ou que só nós é que
não sabemos o que toda a gente já sabe. É melhor estar do lado da maioria,
certo?
Citando a minha mãe, “se os teus amigos puserem a cabeça no forno, tu
também pões?” Infelizmente, se tivessem pago ao Michael Jordan ou ao
Tiger Woods para fazer isso mesmo, talvez se iniciasse uma tendência.

Novidade (também conhecida como Inovação)


“Naquela que foi uma grande inovação, em termos de design e engenharia
(8), [a Motorola] criou um telefone inédito”, lia-se no comunicado de
imprensa de 2004 que anunciava o lançamento da mais recente entrada da
fabricante de equipamentos de telecomunicações no ultracompetitivo
mercado dos telemóveis. “A combinação de metais, como o alumínio usado
na aviação, com novos avanços, como uma antena interna e um teclado
gravado quimicamente, levou à criação de um dispositivo com apenas 13,9
mm de espessura”.
E funcionou. Milhões de pessoas acorreram para comprar um. As
celebridades exibiram os seus RAZR na passadeira vermelha. E até foram
vistos num ou noutro primeiro-ministro. Ao serem vendidas mais de 50
milhões de unidades, poucos poderiam dizer que o RAZR não era um
enorme sucesso. “Ao superar as atuais expectativas do mercado de
telemóveis, o RAZR representa a história da Motorola de lançamento de
inovações revolucionárias”, disse o antigo CEO da marca, Ed Zander, sobre
o seu novo produto milagre, “ao mesmo tempo que estabelecia uma nova
fasquia para os futuros produtos da indústria das comunicações móveis”.
Este produto foi um enorme sucesso financeiro para a Motorola. Foi
realmente uma inovação de proporções monumentais.
Mas será que foi mesmo?
Menos de quatro anos depois, Zander foi forçado a sair (9). As ações
negociavam 50% abaixo do seu valor médio desde o lançamento do RAZR
e os concorrentes da Motorola tinham ultrapassado facilmente os recursos e
funcionalidades do RAZR com novos telemóveis igualmente inovadores. A
Motorola voltou novamente a ser apenas mais uma fabricante de telemóveis
a lutar pelo seu lugar. Como muitas outras antes, a empresa confundiu
inovação com novidade.
A verdadeira inovação muda o rumo de indústrias ou mesmo da
sociedade. A lâmpada, o micro-ondas, o fax, o iTunes. Estas são
verdadeiras inovações que mudaram a forma como conduzimos os
negócios, que alteraram a forma como vivemos a nossa vida e, no caso do
iTunes, que desafiaram uma indústria a reavaliar completamente o seu
modelo de negócio. Acrescentar uma câmara a um telemóvel, por exemplo,
não é uma inovação – é uma ótima funcionalidade, sem dúvida, mas não
uma alteração na indústria. Com esta redefinição em mente, mesmo a
própria descrição da Motorola do seu novo produto acaba por se revelar
uma mera lista de algumas características excelentes: uma caixa metálica,
uma antena oculta, um teclado plano e um telemóvel fino. Dificilmente uma
“inovação revolucionária”. A Motorola tinha apenas criado, com sucesso, o
mais recente objeto resplandecente para as pessoas se empolgarem… pelo
menos até aparecer um novo. E essa é a razão pela qual essas características
são mais uma novidade do que uma inovação. São acrescentadas na
tentativa de diferenciar, mas não de reinventar. Não é uma coisa negativa,
mas não podem ser consideradas como acrescentando qualquer valor a
longo prazo. A novidade pode impulsionar as vendas – o RAZR provou isso
mesmo –, mas o impacto não perdura. Se uma empresa acrescenta
demasiadas ideias inovadoras, demasiadas vezes, pode ter um impacto no
produto ou categoria semelhante ao do jogo de preços. Na tentativa de se
diferenciarem com mais funcionalidades, os produtos começam a parecer-se
mais com mercadorias. E, tal como o preço, a necessidade de acrescentar
mais produtos à linha para compensar a comoditização acaba numa espiral
descendente.
Na década de 1970, só havia dois tipos de pasta de dentes Colgate. Mas, à
medida que a concorrência foi aumentando, as vendas da Colgate
começaram a diminuir. Então, a empresa introduziu um novo produto que
incluía uma nova característica, a adição de fluoreto. Depois outra. E outra.
Branqueamento. Controlo do tártaro. Brilho. Riscas. Cada inovação ajudou
certamente a aumentar as vendas, pelo menos durante algum tempo. E o
ciclo prosseguiu. Sabe quantos tipos diferentes de pasta de dentes a Colgate
tem hoje? 32. Atualmente, existem 32 tipos diferentes de pasta de dentes
Colgate (excluindo os quatro que fazem para as crianças). E atendendo à
forma como cada empresa responde às “inovações” das outras, isso
significa que os concorrentes da Colgate também vendem um número
semelhante de variantes que oferecem mais ou menos a mesma qualidade,
mais ou menos os mesmos benefícios, mais ou menos ao mesmo preço. Há
literalmente dezenas e dezenas de pastas de dentes para escolher, mas não
há dados que mostrem que os americanos estão a escovar mais os dentes
agora do que na década de 1970. Graças a toda esta “inovação”, tornou-se
quase impossível saber que pasta de dentes é a ideal para cada um. De tal
forma que até a Colgate disponibiliza uma ligação no seu website intitulada
“Precisa de ajuda para decidir?” (10) Se a Colgate precisa de nos ajudar a
escolher um dos seus produtos porque há muitas variantes, como é que é
suposto que decidamos quando vamos ao supermercado, sem o seu website
para nos ajudar?
Uma vez mais, este é um exemplo do mais novo conjunto de objetos
resplandecentes criados para incentivar a experimentação ou a compra. O
que as empresas disfarçam, de forma inteligente, sob a forma de “inovação”
é, na verdade, uma novidade. E não são apenas os produtos embalados que
dependem da novidade para atrair clientes; esta é também uma prática
comum noutras indústrias. A estratégica funciona, mas raramente ajuda a
construir quaisquer relações de lealdade.
O iPhone da Apple substituiu, desde então, o Motorola RAZR como o
telemóvel mais popular. No entanto, eliminar todos os botões e introduzir
um ecrã táctil não é o que torna o iPhone inovador. Essas são as novas
características resplandescentes. Mas os outros podem copiar essas coisas, e
isso não vai redefinir a categoria. A Apple fez algo mais que é muito mais
significativo.
A Apple não está apenas a liderar a forma como os telemóveis são
concebidos, mas, ao estilo próprio da empresa, a forma como a indústria
funciona. Na indústria dos telemóveis, é o fornecedor do serviço, não o
fabricante de telemóveis, que determina todas as características e benefícios
que o telemóvel pode oferecer. T-Mobile, Verizon Wireless, Sprint, AT&T,
todas elas diziam à Motorola, Nokia, Ericsson, LG e outras marcas o que é
que os telemóveis iriam fazer. E então surgiu a Apple. E anunciou que diria
ao fornecedor do serviço o que é que o telemóvel faria, e não o contrário. A
AT&T foi a única que concordou, conseguindo assim o acordo exclusivo
para oferecer a nova tecnologia. Este é o tipo de mudança que terá impacto
na indústria por muitos anos, prolongando-se muito além de alguns anos de
subidas das vendas por causa do novo produto resplandescente.
Novo, hã?

O preço que pagamos pelo dinheiro que fazemos

Não posso contestar que as manipulações funcionam. Cada uma delas pode
realmente ajudar a influenciar o comportamento e cada uma delas pode
ajudar uma empresa a tornar-se bem-sucedida. Mas há um preço a pagar.
Nenhuma delas gera lealdade. Com o passar do tempo, custam mais e mais.
Os ganhos são apenas de curto prazo. E aumentam o nível de stresse tanto
para o comprador como para o vendedor. Se temos muito dinheiro ou
estamos a tentar obter apenas um ganho de curto prazo, sem consideração
pelo longo prazo, então essas estratégias e táticas são perfeitas.
Além do mundo dos negócios, as manipulações também são a norma na
política de hoje. Assim como as manipulações podem gerar uma venda, mas
não criar lealdade, também podem ajudar um candidato a ser eleito, mas
não criam uma base para a liderança. A liderança exige que as pessoas
fiquem connosco nos bons e maus momentos. Liderança é a capacidade de
mobilizar pessoas não para um único evento, mas durante anos. Nos
negócios, a liderança significa que os clientes continuarão a apoiar a nossa
empresa, mesmo quando deslizarmos. Se a manipulação for a única
estratégia, o que é que acontece na próxima vez que for necessária uma
decisão de compra? O que é que acontece depois de a eleição estar ganha?
Há uma grande diferença entre recorrência nos negócios e lealdade. A
recorrência é quando as pessoas fazem negócios connosco várias vezes. A
lealdade é quando as pessoas estão dispostas a recusar um produto melhor
ou um preço melhor para continuarem a fazer negócios connosco. Os
clientes leais muitas vezes nem se preocupam em pesquisar a concorrência
ou em sondar outras opções. A lealdade não é facilmente vencida. A
recorrência é. Tudo o que é preciso é mais manipulação.
As técnicas de manipulação tornaram-se um sustentáculo tão importante
para o mundo americano dos negócios que se tornou praticamente
impossível para alguns largar o hábito. Como em qualquer vício, o objetivo
não é ficar sóbrio, mas sim encontrar o próximo remédio mais depressa e
mais frequentemente. E, por mais espetacular que seja o êxtase no curto
prazo, esses remédios têm um impacto prejudicial sobre a saúde de uma
organização no longo prazo. Viciadas nos resultados a curto prazo, as
empresas realizam atualmente os negócios como uma série de soluções
rápidas e sucessivas. As táticas de curto prazo tornaram-se tão sofisticadas
que se desenvolveu toda uma economia, munida de estatísticas e quase-
ciência, para servir as manipulações. As empresas de marketing direto, por
exemplo, disponibilizam cálculos sobre quais as palavras que geram os
melhores resultados em cada publicidade endereçada que enviam.
Aqueles que oferecem descontos por correio sabem que os incentivos
funcionam e sabem que, quanto maior o desconto, mais eficaz ele é.
Também estão cientes do custo que acompanha esses descontos. Para os
tornarem rentáveis, os fabricantes confiam que os números de breakage e
slippage se manterão acima de um determinado limite. Tal como sucede
com um toxicodependente, cujo comportamento é reforçado pelo nível de
satisfação a curto prazo, a tentação de tornar a habilitação ao desconto mais
complexa ou demorada, de modo a reduzir o número de candidatos
qualificados, pode ser irresistível para alguns.
A Samsung, a gigante da eletrónica, dominou a arte das letras pequenas
que torna os descontos tão lucrativos para as empresas (11). No início dos
anos 2000, a empresa ofereceu descontos até 150 dólares numa variedade
de produtos eletrónicos, estipulando nas letras minúsculas que o desconto
estava limitado a um por endereço – um requisito que teria soado razoável o
suficiente para qualquer pessoa na altura. No entanto, na prática,
desclassificava efetivamente todos os clientes que viviam em blocos de
apartamentos onde mais do que um residente havia pedido o mesmo
desconto. Mais de 4.000 clientes da Samsung atraídos pela devolução de
parte do dinheiro receberam avisos a negar-lhes os descontos por esses
motivos. O caso foi levado à Procuradoria-Geral de Nova Iorque e, em
2004, a Samsung foi condenada a pagar 200.000 dólares em reivindicações
de descontos de moradores de blocos de apartamentos. Este é um caso
extremo de uma empresa que foi apanhada. Mas o jogo dos descontos, de
cortar códigos de barras, preencher formulários e fazer tudo antes do prazo
limite está vivo e bem de saúde. Como é que uma empresa pode dizer que é
focada no cliente quando está tão confortavelmente a medir o número de
clientes que não conseguirão efetivar qualquer promessa de poupança?

As manipulações geram transações, não lealdade

“É fácil”, explica o anúncio de televendas, “coloque simplesmente as suas


antigas joias de ouro no envelope pré-pago e nós enviar-lhe-emos um
cheque com o valor do ouro em apenas dois dias”. A Mygoldenvelope.com
é um dos líderes neste setor, servindo como corretor de ouro para ser
enviado para uma refinaria, fundido e reintroduzido no mercado das
matérias-primas.
Quando Douglas Feirstein e Michael Moran fundaram a empresa,
queriam ser os melhores do ramo. Queriam transformar uma indústria com
reputação de casa de penhores e dar-lhe um pouco de brilho de Tiffany.
Investiram dinheiro para tornar a experiência perfeita. Trabalharam para
tornar ideal a experiência de serviço ao cliente. Ambos eram
empreendedores de sucesso e conheciam o valor da construção de uma
marca e de uma positiva experiência do cliente. Gastaram muito dinheiro
para tentar obter o equilíbrio certo e certificaram-se de que explicavam em
que é que eram diferentes, através de publicidade de resposta direta em
vários canais de cabo locais e nacionais. “Melhor do que as ofertas
semelhantes”, diziam. E estavam certos. Mas o investimento não gerou o
retorno esperado.
Uns meses depois, Feirstein e Moran fizeram uma importante descoberta:
quase todos os seus clientes faziam negócios com eles apenas uma vez. Eles
tinham um negócio transacional, mas estavam a tentar torná-lo muito mais
do que isso. Então pararam de tentar tornar o seu serviço “melhor do que
ofertas semelhantes” e, em vez disso, contentaram-se em serem apenas
bons. Dado que a maioria das pessoas não se tornaria cliente habitual, não
haveria comparações diretas com os outros serviços. Tudo o que
precisavam de fazer era gerar uma decisão de compra e oferecer uma
experiência suficientemente agradável para as pessoas a recomendarem a
um amigo. Mais do que isso parecia desnecessário. Assim que os
proprietários do mygoldenvelope.com perceberam que não precisavam de
investir na lealdade, já que tudo o que queriam era motivar transações, o
negócio tornou-se muito mais eficiente e lucrativo.
Para transações que ocorrem, em média, apenas uma vez, os incentivos e
penalizações são a melhor forma de conseguir o comportamento desejado.
Quando a polícia oferece uma recompensa, não está a tentar criar um
relacionamento com a testemunha ou o informador; é apenas uma transação
única. Quando perde o seu gatinho e oferece uma recompensa para o
recuperar, não precisa de ter um relacionamento duradouro com a pessoa
que o devolve; só quer o seu gato de volta.
As manipulações são uma estratégia perfeitamente válida para incentivar
uma transação ou qualquer comportamento que seja requerido apenas uma
vez ou em raras ocasiões. As recompensas que a polícia usa são concebidas
para incentivar as testemunhas a apresentarem-se para fornecer pistas ou
provas que possam levar a uma detenção. E, como qualquer promoção, a
manipulação funcionará se o incentivo for suficientemente alto para mitigar
o risco.
No entanto, quando uma pessoa ou organização almeja mais do que uma
única transação, se houver a esperança de um relacionamento leal e
duradouro, as manipulações não ajudam. Um político quer o seu voto, por
exemplo, ou quer que lhe dê apoio e lealdade duradouros? (A avaliar pela
forma como decorrem as eleições nos dias de hoje, parece que tudo o que
querem é ganhar as eleições. Os anúncios que desacreditam opositores, o
foco num só tema e a forma desconfortável como recorrem ao medo ou a
desejos motivacionais são indicadores disso mesmo. Essas táticas ganham
eleições, mas não geram lealdade entre os eleitores.)
A indústria automóvel americana compreendeu da pior forma o elevado
custo de depender de manipulações para construir um negócio, quando a
lealdade era o que precisavam realmente de nutrir. Ainda que as
manipulações possam ser uma estratégia viável quando os tempos são bons
e o dinheiro abunda, uma mudança nas condições de mercado pode torná-
las muito caras. Quando se deu a crise do petróleo de 2008, as promoções e
incentivos da indústria automóvel tornaram-se insustentáveis (o mesmo
aconteceu na década de 1970). Neste caso, a duração de tempo em que as
manipulações poderiam produzir ganhos de curto prazo foi definida pelo
tempo durante o qual a economia conseguisse sustentar a estratégia. Esta é
uma plataforma fundamentalmente fraca sobre a qual construir um negócio,
já que parte do pressuposto de que os tempos serão sempre de crescimento.
Embora os clientes leais sejam menos tentados por outras ofertas e
incentivos, é mais difícil reconhecer o seu valor nos tempos áureos, dado o
fluxo contínuo de negócios. É nos momentos difíceis que os clientes leais
mais importam.
As manipulações funcionam, mas custam dinheiro. Muito dinheiro.
Quando não há dinheiro para financiar essas táticas, não ter clientes leais é
verdadeiramente prejudicial. Depois do 11 de Setembro, houve clientes que
enviaram cheques à Southwest Airlines para demonstrarem o seu apoio. Um
bilhete que acompanhava um cheque de 1.000 dólares dizia: “Têm sido tão
bons para mim ao longo dos anos que, nestes tempos difíceis, queria
agradecer ajudando-vos”. Os cheques que a Southwest Airlines recebeu não
foram certamente suficientes para terem um impacto significativo nos
resultados da empresa, mas foram um símbolo do sentimento que os
clientes tinham pela empresa. Tinham um sentimento de parceria. O
comportamento leal daqueles que não enviaram dinheiro é quase impossível
de mensurar, mas o seu impacto tem sido inestimável no longo prazo,
ajudando a Southwest a manter a sua posição como a companhia aérea mais
lucrativa da história.
Saber que se tem uma base de clientes e funcionários leais não só reduz
custos como também proporciona uma grande tranquilidade. Tal como
acontece com os amigos leais, sabe que os seus clientes e funcionários
estarão lá quando mais precisar deles. É o sentimento de “estamos juntos
nisto”, partilhado entre cliente e empresa, eleitor e candidato, patrão e
funcionário, que define os grandes líderes.
Em contrapartida, depender de manipulações cria um stresse enorme para
o comprador e para o vendedor. Para o comprador, tornou-se cada vez mais
difícil saber que produto, serviço, marca ou empresa é melhor. Brinco com
a proliferação de variedades de pasta de dentes e a dificuldade de escolher a
correta. Mas a pasta dentífrica é apenas uma metáfora. Quase todas as
decisões que nos pedem para tomarmos todos os dias são como escolher
pasta de dentes. Decidir que escritório de advogados contratar, que
faculdade frequentar, que carro comprar, que empresa escolher para
trabalhar, que candidato eleger – há muitas escolhas. Todos os anúncios,
promoções e pressões usados para nos tentar de uma forma ou de outra,
cada tentativa de fazer mais do que os outros para nos cortejar o nosso
dinheiro ou apoio, produzem, em última análise, um resultado consistente:
stresse.
Também para as empresas, cuja obrigação é ajudar-nos a decidir, a tarefa
tornou-se cada vez mais difícil. Todos os dias, a concorrência faz algo novo,
algo melhor. Ter que criar constantemente uma nova promoção, uma nova
tática de marketing de guerrilha, uma nova funcionalidade, é um trabalho
árduo. Juntando a isso os efeitos a longo prazo de anos de decisões de curto
prazo que prejudicaram as margens de lucro, o resultado é um aumento dos
níveis de stresse dentro das organizações. Quando as manipulações são a
regra, ninguém ganha.
Não é por acaso que fazer negócios hoje em dia, e estar no mercado de
trabalho, seja mais stressante do que era antigamente. Peter Whybrow, no
seu livro intitulado American Mania: When More Is Not Enough, defende
que muitos dos males de que sofremos hoje pouco têm a ver com a má
alimentação ou com as gorduras vegetais parcialmente hidrogenadas do
nosso regime alimentar. Em vez disso, diz Whybrow, foi a forma como a
América corporativa se desenvolveu que aumentou o nosso stresse para
níveis tão elevados que estamos literalmente a ficar doentes por causa disso
(12). Os americanos estão a sofrer de úlceras, depressão, hipertensão arterial,
ansiedade e cancro a níveis recorde. De acordo com Whybrow, todas essas
promessas de mais, mais e mais estão a sobrecarregar os circuitos de
recompensa do nosso cérebro. Os ganhos de curto prazo que atualmente
conduzem os negócios na América estão, na realidade, a destruir a nossa
saúde.

Só porque funciona, não significa que esteja certo

O perigo das manipulações é que elas funcionam. E, como as manipulações


funcionam, tornaram-se a regra, praticada pela grande maioria das empresas
e organizações, independentemente da dimensão ou da indústria. Esse facto,
por si só, cria uma sistémica pressão dos pares. Numa perfeita ironia, nós,
manipuladores, fomos manipulados pelo nosso próprio sistema. Com cada
descida de preços, promoção, mensagem baseada no medo ou aspiração e
novidade que usamos para alcançar os nossos objetivos, ficamos com as
nossas empresas, as nossas organizações e os nossos sistemas cada vez mais
fracos.
A crise económica que teve início em 2008 é apenas outro exemplo –
ainda que extremo – do que pode acontecer se um falso pressuposto for
mantido por muito tempo. O colapso do mercado imobiliário e
subsequentemente do setor bancário decorreram de decisões tomadas dentro
dos bancos com base numa série de manipulações. Os funcionários foram
manipulados com bónus que encorajavam a tomada de decisões
imprudentes. O facto de se apontar abertamente o dedo a quem falasse
desencorajou a dissidência responsável. Um fluxo contínuo de concessão de
empréstimos incentivou os aspirantes a proprietários a comprarem mais do
que podiam pagar em todos os níveis de preços. Houve muito pouca
lealdade. Foi tudo uma série de decisões transacionais – eficazes, mas com
um custo muito elevado. Poucos estavam a trabalhar para o bem de todos.
Por que razão é que o fariam? – não havia qualquer motivo para isso. Não
havia causa ou crença além da gratificação instantânea. Os banqueiros não
foram os primeiros a serem arrastados pelo seu próprio sucesso. Os
fabricantes de automóveis americanos agiram da mesma forma durante
décadas – manipulação atrás de manipulação, decisão de curto prazo em
cima de decisão de curto prazo. O enfraquecimento, ou mesmo o colapso, é
a única conclusão lógica quando as manipulações são a principal linha de
ação.
A realidade é que, no mundo de hoje, as manipulações são a regra.

Mas há uma alternativa.


2 “Em 2007, a quota da Toyota tinha subido de 7,8% para 16,3%”: Tom Krisher, “GM, Toyota in
virtual tie on 2007 sales”, USA Today, 23 de janeiro de 2008,
http://www.usatoday.com/money/topstories/2008-01-23-434472425_x.htm.
3 “Em 2007, a GM perdeu 729 dólares por veículo”: Oliver Wyman’s Harbour Report 2008,
http://www.oliverwyman.com/content_images/OW_EN_Automotive_Press_2008_HarbourReport08.
pdf.
4 “quase 40% desses clientes nunca obtêm o preço mais baixo que achavam que estavam a pagar”:
Brian Grow, “The Great Rebate Runaround”, BusinessWeek, 23 de novembro de 2005,
http://www.businessweek.com/bwdaily/dnfl ash/nov2005/nf20051123_4158_db016.htm.
5 “Deixar de fumar é a coisa mais fácil que alguma vez fiz””: American Cancer Society Guide to
Quitting Smoking,
http://www.cancer.org/docroot/PED/content/PED_10_13X_Guide_for_Quitting_Smoking.asp.
6 “um relógio Tag Heuer concebido “especialmente para o golfista””: http://www.tagheuer.com/the-
collection/specialists/golf-watch/index.lbl.
7 “campanha “Eu quero ser como o Mike”, da Gatorade”: “The Allure of Gatorade”, CNN Money, 22
de novembro de 2000, http://money.cnn.com/2000/11/21/deals/gatorade/.
8 “Naquela que foi uma grande inovação, em termos de design e engenharia”: “Introducing the
Motorola RAZR V3”, http://www.motorola.com/mediacenter/news/detail.jsp?
globalObjectId=4485_3818_23.
9 “Menos de quatro anos depois, Zander foi forçado a sair”: “Motorola’s Zander out after 4 rocky
years,” MSNBC, 30 de novembro de 2007, http://www.msnbc.msn.com/id/22040026/.
10 “a Colgate disponibiliza uma ligação no seu website”:
http://www.colgate.com/app/Colgate/US/OC/Products/Toothpastes/Name.cvsp.
11 “Samsung, a gigante da eletrónica”: “Samsung’s American Unit Settles Rebate Case”, New York
Times, 2 de outubro de 2004, http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?
res=9B01E3DD113AF932A15753C1A9629C8B63.
12 “Em vez disso, diz Whybrow, foi a forma como a América corporativa se desenvolveu”: Peter
C.Whybrow, American Mania: When More Is Not Enough. Nova Iorque: W. W. Norton & Company,
2005.
PARTE 2

UMA PERSPETIVA
ALTERNATIVA
CAPÍTULO 3

O CÍRCULO DOURADO

Há alguns líderes que escolhem inspirar, em vez de manipular, de modo a


motivarem as pessoas. Quer se trate de pessoas ou organizações, cada um
destes líderes inspiradores pensa, age e comunica precisamente da mesma
forma, completamente oposta à dos restantes. Conscientemente ou não, a
forma como o fazem é seguindo um padrão que ocorre naturalmente e a que
chamo O Círculo Dourado.
O conceito de O Círculo Dourado foi inspirado no rácio dourado [ou
proporção divina] – uma relação matemática simples que tem fascinado
matemáticos, biólogos, arquitetos, artistas, músicos e naturistas desde o
início dos tempos (13). Dos egípcios a Pitágoras, passando por Leonardo da
Vinci, muitos procuraram o rácio dourado para fornecerem uma fórmula
matemática à proporção e até mesmo à beleza. Também sustenta a noção de
que há mais ordem na natureza do que aquilo que julgamos, tal como na
simetria das folhas e na perfeição geométrica dos flocos de neve.
No entanto, aquilo que mais me atraiu no rácio dourado foi o facto de ter
tantas aplicações em tantos domínios. E, ainda mais significativo, fornecia
uma fórmula que poderia produzir resultados repetíveis e previsíveis em
situações em que tais resultados devem ter sido assumidos como pura sorte
ou uma ocorrência casual. Mesmo a Mãe Natureza – que é, para a maioria
das pessoas, um símbolo de imprevisibilidade – exibia mais ordem do que
aquilo que anteriormente reconhecemos. Tal como o rácio dourado, que dá
provas de ordem na aparente desordem da natureza, O Círculo Dourado
encontra ordem e previsibilidade no comportamento humano. Dizendo de
forma simples, ajuda-nos a compreender por que motivo fazemos o que
fazemos. O Círculo Dourado fornece provas convincentes do quanto mais
podemos alcançar se nos lembrarmos de começar tudo aquilo que fazemos
perguntando porquê.
O Círculo Dourado é uma perspetiva alternativa aos pressupostos
existentes sobre a razão de alguns líderes e organizações terem alcançado
um tão desmedido nível de influência. Fornece uma clara perceção de como
a Apple é capaz de inovar em tantas indústrias tão diversificadas e nunca
perder a sua capacidade de o fazer. Explica por que razão as pessoas tatuam
logótipos da Harley-Davidson nos seus corpos. Faculta um entendimento
mais claro não só de como a Southwest Airlines criou a companhia aérea
mais rentável da história, mas também do porquê de as coisas que fez terem
funcionado. Dá até mesmo alguma clareza sobre o porquê de as pessoas
terem seguido Martin Luther King Jr. num movimento que mudou uma
nação e o porquê de termos aceite o desafio de John F. Kennedy de levar o
homem à lua mesmo depois de ele já ter morrido (14). O Círculo Dourado
mostra de que forma é que estes líderes foram capazes de inspirar a ação,
em vez de manipularem as pessoas no sentido de agirem.
Esta perspetiva alternativa não é apenas útil para mudar o mundo;
também existem aplicações práticas para a capacidade de inspirar. Pode ser
usado como um guia para melhorar grandemente a liderança, a cultura
empresarial, a contratação, o desenvolvimento de produtos, as vendas e o
marketing. Até explica a lealdade e o modo de criar dinâmica suficiente
para transformar uma ideia num movimento social.
E tudo começa fluindo de dentro para fora. Tudo começa pelo porquê.
Antes de podermos explorar as suas aplicações, permitam-me que defina
primeiro os termos, começando pelo exterior do círculo e movendo-nos até
ao seu interior.
O QUÊ: Cada empresa e organização do planeta sabe O QUE faz. Esta é
a verdade, independentemente de serem pequenas ou grandes e de qual a
indústria onde operam. Qualquer pessoa consegue facilmente descrever os
produtos ou serviços que uma empresa vende ou a função que exerce dentro
desse sistema. Os QUÊs são fáceis de identificar.
COMO: Algumas empresas e pessoas sabem COMO fazem O QUE
fazem. Quer lhes chamemos “proposta diferenciada de valor”, “processo
exclusivo” ou “proposta única de venda”, os COMOs são muitas vezes
fornecidos para explicar a forma como algo é diferente ou melhor. Não
sendo tão óbvios como os QUÊs, muitos consideram que estes são os
fatores diferenciadores ou motivadores numa decisão. Seria falso partir do
princípio de que basta apenas isso. É que há um detalhe em falta:
PORQUÊ: Pouquíssimas pessoas ou empresas conseguem articular
claramente o PORQUÊ de fazerem o QUE fazem. Quando eu digo o
PORQUÊ, não me refiro a fazer dinheiro – esse é um resultado. Com o
PORQUÊ, quero saber qual é o vosso propósito, causa ou crença. POR
QUE motivo é que as vossas empresas existem? POR QUE razão é que
você se levanta da cama todos os dias? E POR QUE motivo deve alguém
importar-se?
Quando a maioria das organizações ou pessoas pensam, agem ou
comunicam, fazem-no de fora para dentro, de O QUÊ para o PORQUÊ. E
por uma boa razão – elas passam das coisas mais evidentes para as mais
vagas. Nós dizemos O QUE fazemos, por vezes dizemos COMO é que o
fazemos, mas raramente dizemos POR QUE motivo fazemos O QUE
fazemos.
Mas não é isso que acontece com as empresas inspiradas. Nem com os
líderes inspirados. Cada um deles, independentemente da sua dimensão ou
indústria onde opera, pensa, age e comunica de dentro para fora.
Recorro frequentemente à Apple Inc. como exemplo, simplesmente
porque é uma empresa amplamente reconhecida e cujos produtos são fáceis
de compreender e de comparar com outros. Além disso, o sucesso da Apple
ao longo do tempo não é uma coisa comum. A sua capacidade para
continuar a ser uma das empresas mais inovadoras, ano após ano, a par com
a sua excecional capacidade para atrair uma legião de seguidores, como que
numa seita, torna-a um excelente exemplo para demonstrar muitos dos
princípios do Círculo Dourado.
Vou começar com um exemplo simples de marketing.
Se a Apple fosse como a maioria das outras empresas, uma mensagem de
marketing sua seria transmitida do exterior do Círculo Dourado. Começaria
com alguma declaração sobre O QUE é que a empresa faz ou produz,
seguindo-se o COMO é que pensa ser diferente ou melhor do que a
concorrência, seguido de algum apelo à ação. Com isso, a empresa
esperaria algum tipo de comportamento em troca, neste caso uma compra.
Uma mensagem de marketing da Apple, se a empresa fosse como todas as
outras, seria algo como:

Fazemos excelentes computadores.


Eles têm um design belíssimo, são simples de usar e amigos do utilizador.
Quer comprar um?

Não é um argumento de venda muito atrativo, mas é dessa forma que a


maioria das empresas nos vende. Esta é a norma. Primeiro, começam com
O QUE fazem – “eis o nosso novo automóvel”. Em seguida dizem-nos
como é que o fazem ou de que forma é que são melhores – “tem assentos
em couro, um excelente nível de consumo de combustível por quilómetro e
um ótimo plano de financiamento”. E depois fazem então um apelo à ação e
esperam pelo comportamento em troca.
Observamos este padrão nos mercados de comércio entre empresas e
consumidores [business-to-consumer; b2c], bem como nos contextos de
comércio entre empresas [business-to-business; b2b]: “Esta é a nossa
sociedade de advogados. Os nossos advogados formaram-se nas melhores
universidades e representamos os maiores clientes. Contrate-nos”. Este
padrão é também visível no meio político – “Eis a candidata, eis as suas
opiniões sobre impostos e imigração. Veem como ela é diferente? Votem
nela”. Em qualquer um dos casos, a comunicação é organizada numa
tentativa de convencer alguém quanto a uma diferença ou valor superior.
Mas não é isso que as organizações e líderes inspiradores fazem. Cada um
deles, independentemente da dimensão ou indústria onde opera, pensa, age
e comunica de dentro para fora.
Olhemos novamente para o caso da Apple e reescrevamos o exemplo da
forma como a Apple de facto comunica. Desta vez, o exemplo começa pelo
PORQUÊ.

Tudo aquilo que fazemos é com a convicção de que estamos a desafiar o status quo. Nós
acreditamos em pensar de forma diferente.
A forma como desafiamos o status quo é criando produtos com um design belíssimo,
simples de usar e amigos do utilizador.
E acontece que fazemos excelentes computadores.
Quer comprar um?

Trata-se de uma mensagem completamente diferente. Com efeito,


sentimo-la de forma diferente em relação à primeira. Temos muito mais
vontade de comprar um computador da Apple após lermos a segunda versão
– e a única coisa que fiz foi inverter a ordem da informação. Não há
quaisquer truques, não há manipulação, não há oferta de material gratuito,
não há mensagens ambiciosas, não há celebridades.
A Apple não se limita a inverter a ordem da informação, a sua mensagem
começa pelo PORQUÊ, um propósito, causa ou crença que nada tem a ver
com O QUE a empresa faz. O QUE eles fazem na Apple – os produtos que
fabricam, desde computadores até pequenos aparelhos eletrónicos – já não
funciona como a razão para comprar, funciona como uma prova palpável da
sua causa. O design e a interface do utilizador de produtos Apple, apesar de
serem importantes, não são suficientes, por si só, para gerar um tão elevado
nível de lealdade entre os seus clientes. Esses importantes elementos
ajudam a tornar a causa palpável e racional. Outras empresas podem
contratar designers de topo e engenheiros brilhantes e criarem produtos
lindíssimos e fáceis de usar, e copiar as coisas que a Apple faz, e podem até
mesmo roubar funcionários à Apple para poderem fazê-lo, mas os
resultados não serão os mesmos. Copiar simplesmente O QUE a Apple faz,
ou a forma COMO o faz, não irá funcionar. Há algo mais, algo difícil de
descrever e praticamente impossível de copiar que lhe confere um
desmedido grau de influência no mercado. O exemplo começa por provar
que as pessoas não compram O QUE você faz, mas sim o PORQUÊ de o
fazer.
Vale a pena repetir: as pessoas não compram O QUE você faz, mas sim o
PORQUÊ de o fazer.
A capacidade da Apple para conceber produtos tão inovadores de forma
tão consistente e a sua capacidade de captar um nível tão impressionante de
lealdade para os seus produtos decorre de algo mais do que simplesmente
fazer O QUE faz. O problema é que as organizações usam os benefícios e
características palpáveis para criar um argumento racional para o motivo de
a sua empresa, produto ou ideia ser melhor do que outro. Por vezes, essas
comparações são feitas diretamente e por vezes são intuídas analogias ou
metáforas, mas o efeito é o mesmo. As empresas tentam vender-nos O QUE
fazem, mas nós compramos o PORQUÊ de o fazerem. É isso que quero
dizer quando afirmo que elas comunicam de fora para dentro; elas lideram
com o QUÊ e o COMO.
No entanto, quando se comunica de dentro para fora, o PORQUÊ é
oferecido como a razão para comprar e os QUÊs funcionam como a prova
palpável dessa crença: as coisas que podemos apontar para racionalizarmos
ou explicarmos os motivos pelos quais nos sentimos mais inclinados para
um produto, empresa ou ideia em detrimento de outro.
Aquilo QUE as empresas fazem representa os fatores externos, mas o
PORQUÊ de o fazerem é algo muito mais profundo. Em termos práticos, a
Apple nada tem de especial. É apenas uma empresa como qualquer outra.
Não há verdadeira diferença entre a Apple e qualquer uma das suas
concorrentes – Dell, HP, Gateway, Toshiba. Escolha qualquer uma, é
indiferente. Todas elas são estruturas corporativas. E é isso que uma
empresa é. Uma estrutura. Todas elas fabricam computadores. Todas elas
têm alguns sistemas que funcionam e outros que não. Todas elas têm igual
acesso aos mesmos talentos, aos mesmos recursos, às mesmas agências, aos
mesmos consultores e aos mesmos meios de comunicação social. Todas elas
têm alguns bons gestores, alguns bons designers e engenheiros inteligentes.
Todas elas fabricam alguns produtos que funcionam bem e alguns que não
funcionam bem… mesmo a Apple. Então por que razão é que a Apple tem
um grau tão desmedido de sucesso? Por que motivo é mais inovadora? Por
que razão é consistentemente mais rentável? E como é que conseguiu criar
uma tão leal legião de seguidores – algo que pouquíssimas empresas
alguma vez alcançarão?
As pessoas não compram O QUE você faz, mas sim o PORQUÊ de o
fazer. Esta é a razão pela qual a Apple conseguiu um nível de flexibilidade
tão impressionante. As pessoas sentem-se obviamente confortáveis quando
compram um computador da Apple. Mas as pessoas também se sentem
perfeitamente confortáveis quando compram à Apple um leitor de mp3, um
telemóvel ou um gravador de vídeo digital. Os consumidores e investidores
sentem-se completamente à vontade com o facto de a Apple disponibilizar
tantos produtos diferentes em tantas categorias diferentes. Não é O QUE a
Apple faz que a distingue. É o PORQUÊ de o fazer. Os produtos da Apple
dão vida à causa da empresa.
Não sou insensato a ponto de sugerir que os produtos da Apple não
interessam; claro que interessam. Mas é a razão pela qual eles importam
que é contrária ao entendimento convencional. Os produtos da Apple, só
por si, não são o motivo pelo qual a empresa é percecionada como superior;
os seus produtos, O QUE a Apple produz, funcionam como a prova
palpável daquilo em que a empresa acredita. É essa clara correlação entre O
QUE eles fazem e o PORQUÊ de o fazerem que faz com que a Apple
sobressaia. É essa a razão pela qual percecionamos a Apple como sendo
autêntica. Tudo o que a empresa faz serve para demonstrar o seu PORQUÊ,
para desafiar o status quo. Independentemente dos produtos que fabrica, ou
da indústria onde opera, é sempre claro que a Apple “pensa diferente”.
Quando a Apple surgiu com o Macintosh, com um sistema operativo
baseado numa interface de utilizador gráfica e não uma complicada
linguagem informática, desafiou a forma como os computadores
funcionavam naquela época. Além disso, ao passo que a maioria das
empresas tecnológicas viu a sua maior oportunidade de comercialização
junto das empresas, a Apple quis dar aos particulares, em suas casas, o
mesmo poder que a qualquer empresa. O PORQUÊ da Apple, de desafiar o
status quo e autonomizar as pessoas, é um padrão pelo facto de se repetir
em tudo o que a empresa diz e faz. É visível no seu iPod e ainda mais no
iTunes, um serviço que desafiou o status quo do modelo de distribuição da
indústria musical e que estava mais adequado à forma como as pessoas
consumiam música.
A indústria musical estava organizada de modo a vender álbuns, um
modelo que evoluiu numa altura em que ouvir música era uma atividade
que se praticava sobretudo em casa. A Sony mudou isso em 1979, com a
introdução do Walkman. Mas, mesmo o Walkman, e mais tarde o Discman,
estavam limitados ao número de cassetes ou CDs que conseguíamos
carregar além do aparelho. O desenvolvimento do formato musical mp3
veio alterar tudo isso. A compressão digital permitiu que uma elevadíssima
quantidade de músicas pudesse ser armazenada em aparelhos de música
digitais, altamente portáteis e relativamente baratos. A nossa capacidade
para sair de casa com apenas um aparelho fácil de transportar transformou a
música em algo que passou a ouvir-se bastante fora de casa. E o mp3 não só
mudou o lugar onde ouvíamos música como também nos transformou, ao
passarmos de uma cultura de compilação de álbuns para uma cultura de
compilação de canções. Enquanto a indústria musical ainda se mantinha
ocupada a tentar vender-nos álbuns, um modelo que já não se adequava ao
comportamento do consumidor, a Apple lançou o seu iPod com a oferta de
“1.000 canções no seu bolso” (15). Com o iPod e o iTunes, a Apple fez um
trabalho muito melhor de comunicação do valor do mp3 e do leitor de mp3
face à forma como vivíamos as nossas vidas. A publicidade da Apple não
consistia em exaustivas descrições dos detalhes dos produtos; não era sobre
eles, era sobre nós. E nós compreendemos o PORQUÊ de querermos esses
produtos.
A Apple não inventou o mp3, nem inventou a tecnologia que trouxe o
iPod, mas teve o mérito de, com isso, transformar a indústria musical. O
leitor portátil de música, com um disco rígido com vários gigabites, foi na
verdade inventado pela Creative Technology Ltd., uma tecnológica sediada
em Singapura que ganhou proeminência ao criar a tecnologia áudio Sound
Blaster, que permite que os computadores pessoais tenham som (16). Com
efeito, a Apple só lançou o iPod 22 meses depois da entrada da Creative no
mercado. Este detalhe, por si só, questiona o pressuposto da vantagem do
pioneiro. Atendendo ao seu historial no ramo do som digital, a Creative
estava mais qualificada do que a Apple para lançar um produto de música
digital. O problema é que eles publicitaram o seu produto como um “leitor
de mp3 com 5GB”. É precisamente a mesma mensagem que as “1.000
canções no seu bolso” que a Apple fez passar. A diferença é que a Creative
nos disse O QUE era o seu produto e a Apple disse-nos POR QUE razão
precisávamos dele.
Só mais tarde, quando decidíssemos que tínhamos de possuir um iPod, é
que O QUÊ passava a importar – e nessa altura escolheríamos a versão de
5GB, de 10GB, etc., os pormenores palpáveis que provavam que podíamos
ter 1.000 canções no nosso bolso. A nossa decisão começava pelo
PORQUÊ e também a mensagem da Apple o fazia.
Quantos de nós podem dizer, com toda a certeza, que, de facto, um iPod é
mesmo melhor do que o Zen da Creative? Os iPods, por exemplo,
continuam a ter o problema da curta duração da bateria e da sua
substituição. Eles simplesmente tendem a morrer. Talvez o Zen seja melhor.
A realidade é que nem sequer queremos saber se é ou não melhor. As
pessoas não compram O QUE você faz, elas compram o PORQUÊ de você
o fazer. E é a clareza do PORQUÊ da Apple que lhe confere uma
capacidade tão impressionante para inovar, muitas vezes competindo com
empresas aparentemente mais bem qualificadas do que ela, e para ser bem-
sucedida em indústrias fora do seu ramo de atividade principal.
O mesmo não se pode dizer de empresas com um sentido vago do
PORQUÊ. Quando uma organização se define a si mesma pelo QUE faz,
será apenas isso que alguma vez será capaz de fazer. Os concorrentes da
Apple, ao definirem-se a si mesmos pelos seus produtos ou serviços,
independentemente da sua “proposta de valor diferenciadora”, não se
podem permitir ter a mesma liberdade. A Gateway, por exemplo, começou a
vender televisores de ecrã plano em 2003. Ao terem produzido monitores
de ecrã plano durante anos, estavam mais do que qualificados para
produzirem e venderem televisores. Mas a empresa não conseguiu criar um
nome credível junto das marcas de eletrónica de consumo e desistiu do
negócio dois anos mais tarde para se focar no seu “negócio central”. A Dell
surgiu com os assistentes pessoais digitais (PDA) em 2002 e com os leitores
de mp3 em 2003, mas durou apenas alguns anos em cada um dos mercados.
A Dell fabrica produtos de boa qualidade e está plenamente qualificada para
produzir estas outras tecnologias. O problema foi que a empresa se definiu
pelo QUE fazia; eles faziam computadores e, para nós, simplesmente não
fazia sentido comprar-lhes um PDA ou um leitor de mp3. Não parecia bem.
Quantas pessoas pensa que ficariam na fila durante seis horas para
comprarem um novo telemóvel da Dell, como aconteceu aquando do
lançamento do iPhone da Apple? As pessoas não conseguiam ver a Dell
além da fabricante de computadores. Não fazia sentido ser de outra forma.
As fracas vendas rapidamente acabaram com o desejo da Dell de entrar no
mercado dos produtos da pequena eletrónica; em vez disso, a empresa
optou por se “focalizar no seu negócio central”. A menos que a Dell, tal
como muitos outros, consiga redescobrir o seu objetivo, causa ou crença de
base e começar pelo PORQUÊ em tudo o que diz e faz, a única coisa que
sempre fará será vender computadores. Ficará presa no seu “negócio
central”.
A Apple, ao contrário dos seus concorrentes, definiu-se a si mesma pelo
PORQUÊ de fazer as coisas, não pelo QUE faz. Não é uma empresa de
computadores, mas sim uma empresa que desafia o status quo e que
apresenta às pessoas alternativas mais simples. A Apple até alterou a sua
denominação jurídica em 2007, de Apple Computer, Inc. para Apple Inc.,
de modo a refletir o facto de já não ser apenas uma empresa de
computadores (17). Falando de forma prática, na verdade não importa qual é
a designação jurídica de uma empresa. No entanto, para a Apple, ter a
referência “Computer” no seu nome não limitava O QUE ela poderia fazer.
Limitava a forma como se via a si mesma. A alteração do nome não foi de
ordem prática, foi de ordem filosófica.
O PORQUÊ da Apple foi formado aquando da sua criação, em finais dos
anos 1970, e até agora não mudou. Independentemente dos produtos que a
empresa fabrica ou das indústrias para as quais migra, o seu PORQUÊ
mantém-se uma constante. E a intenção da Apple de desafiar a mentalidade
corrente revelou-se profética. Na qualidade de empresa de computadores,
redirecionou o rumo da indústria dos computadores pessoais. Enquanto
pequena empresa de eletrónica, desafiou o tradicional domínio de empresas
como a Sony e a Philips. Enquanto fornecedora de telemóveis, levou as
companhias há mais tempo no ramo – Motorola, Ericsson e Nokia – a
reavaliarem a sua própria atividade. A capacidade da Apple para entrar e até
dominar tantas indústrias diferentes chegou mesmo a mudar o que significa,
logo para começar, ser uma empresa de computadores. Independentemente
do QUE faz, nós sabemos POR QUE razão é que a Apple existe.
O mesmo não se pode dizer das suas concorrentes. Embora todas elas
tenham tido, a determinada altura, um claro sentido do PORQUÊ – foi um
dos principais fatores que ajudou cada uma delas a tornarem-se empresas no
valor de milhares de milhões de dólares –, com o passar do tempo todas
perderam o seu PORQUÊ. Atualmente, todas essas empresas se definem a
si mesmas pelo QUE fazem: fabricamos computadores. Passaram de
empresas com uma causa para empresas que vendem produtos. E quando
isso acontece, o preço, a qualidade, o serviço e as características tornam-se
a principal moeda para motivar uma decisão de compra. Por essa altura, a
empresa e os seus produtos já se transformaram, ostensivamente, em
mercadoria. Tal como pode ser atestado por qualquer empresa obrigada a
competir pelo preço, qualidade, serviço ou características, é muito difícil
diferenciarmo-nos durante um determinado período de tempo ou criarmos
uma base de clientes leais se nos alicerçarmos apenas nesses fatores. Além
disso, custa dinheiro e é desgastante acordar todos os dias a tentar competir
só a esse nível. Conhecer o PORQUÊ é essencial para um sucesso
duradouro e para a capacidade de evitar ser metido no mesmo saco que os
outros.
Qualquer empresa que se depare com o desafio de como se diferenciar no
seu mercado é, basicamente, uma mercadoria, independentemente do QUE
faz ou de COMO o faz. A título de exemplo, pergunte a um produtor de
leite e ele dir-lhe-á que há de facto variações entre as marcas de leite. O
problema é que temos de ser especialistas para percebermos as diferenças.
Para o mundo exterior, o leite é basicamente todo igual, por isso
simplesmente metemos todas as marcas no mesmo saco e chamamos-lhes
uma mercadoria. Em resposta, é assim que a indústria atua. Este é, em
grande medida, o padrão de quase todos os restantes produtos ou serviços
atualmente disponíveis no mercado, seja b2c ou b2b. Eles focalizam-se
naquilo QUE fazem e na forma COMO o fazem, sem terem em
consideração o PORQUÊ de o fazerem; nós metemos todos no mesmo saco
e eles agem como mercadorias. Quanto mais os tratamos como
mercadorias, mais eles se focam no QUE fazem e na forma COMO o
fazem. É um ciclo vicioso. Mas só as empresas que agem como
mercadorias é que acordam todos os dias com o desafio de tentarem
diferenciar-se. As empresas e organizações com um claro sentido do
PORQUÊ nunca se preocupam com isso. Elas não pensam em si mesmas
como sendo iguais a qualquer outra e não têm de “convencer” ninguém do
seu valor. Elas não precisam de complexos sistemas de incentivos e
penalizações. Elas são diferentes e toda a gente o sabe. Elas começam pelo
PORQUÊ em tudo o que dizem e fazem.
Há pessoas que ainda estão convictas de que a diferença da Apple provém
da sua capacidade de marketing. A Apple “vende um estilo de vida”, dir-
lhe-ão os profissionais de marketing. Então como é que esses profissionais
de marketing não replicaram intencionalmente o sucesso e longevidade da
Apple noutra empresa? Chamar-lhe um “estilo de vida” [lifestyle,
significando que a marca entende a nossa vida e nos acompanha para todo o
lado] é um reconhecimento de que as pessoas que vivem de determinada
forma escolhem incorporar a Apple nas suas vidas. A Apple não inventou o
estilo de vida, nem vende um estilo de vida. A Apple é simplesmente uma
das marcas que aqueles que vivem um determinado estilo de vida optam por
ter. Essas pessoas usam determinados produtos ou marcas pelo facto de
viverem aquele estilo de vida; antes de mais, isso é, em parte, a forma como
reconhecemos o modo de vida dessas pessoas. Os produtos que elas
escolhem tornam-se a prova do PORQUÊ de fazerem as coisas que fazem.
É o facto de o PORQUÊ da Apple ser tão claro que leva a que aqueles que
acreditam no que a Apple acredita se sintam atraídos por ela. Tal como a
Harley-Davidson encaixa no estilo de vida de um determinado grupo de
pessoas e os sapatos da Prada se adequam ao estilo de vida de um outro
grupo, é o estilo de vida que vem primeiro. Tal como os produtos que a
empresa produz servem de prova do PORQUÊ da empresa, também uma
marca ou produto serve de prova do PORQUÊ de um indivíduo.
Outros, até mesmo alguns que trabalham para a Apple, dirão que o que
verdadeiramente distingue a Apple é, na verdade, a qualidade dos seus
produtos. Ter produtos de boa qualidade é, obviamente, importante.
Independentemente de quão claro for o nosso PORQUÊ, se o QUE nós
vendemos não funcionar tudo o resto se desmorona. Mas uma empresa não
precisa de ter os melhores produtos, apenas precisa de ser boa ou muito boa.
Ser melhor ou a melhor é uma comparação relativa. Sem primeiro se
compreender o PORQUÊ, a própria comparação não tem qualquer valor
para quem toma decisões.
O conceito de “melhor” impõe que se pergunte: com base em que padrão?
Será um carro desportivo Ferrari F430 melhor do que uma minivan Honda
Odyssey? Depende da razão pela qual precisa do carro. Se tem uma família
composta por seis pessoas, um Ferrari de dois lugares não é melhor. No
entanto, se estiver à procura de uma forma espetacular de conhecer uma
mulher, uma minivan da Honda não será provavelmente a melhor
(dependendo do tipo de mulher que quer conhecer, depreendo; também eu
não devo fazer suposições). O que deve começar por ser considerado é o
motivo pelo qual o produto existe, devendo esse facto estar alinhado com o
porquê de alguém o querer. Poderia falar-lhe acerca de todas as maravilhas
de engenharia do Honda Odyssey, algumas das quais podem na verdade ser
melhores do que as de um Ferrari. Sem dúvida que consome menos
combustível. Mas há uma grande probabilidade de eu não conseguir
convencer alguém que deseja realmente um carro desportivo a comprar uma
coisa diferente. O facto de haver quem se sinta visceralmente mais atraído
por um Ferrari do que por um Honda Odyssey diz mais sobre a pessoa do
que sobre a engenharia do produto. A engenharia, por exemplo, seria
simplesmente um dos pontos tangíveis que um amante da Ferrari poderia
apontar para provar o que sente sobre o carro. A obstinada defesa da
superioridade da Ferrari por parte da pessoa cuja personalidade está
predisposta a favorecer todas as características e benefícios de um Ferrari
não pode ser uma conversa objetiva. Por que razão acha que a maioria das
pessoas que compra Ferraris paga mais para ter um modelo em vermelho,
ao passo que a maioria das pessoas que compra Hondas Odyssey
provavelmente não se importa muito com a cor?
Em relação a todos aqueles que tentarão convencê-lo de que os
computadores da Apple são simplesmente melhores, não posso contestar
uma única afirmação. A única coisa que posso dizer é que a maioria dos
fatores que as pessoas creem torná-los melhores cumprem as normas
daquilo que um computador deve fazer. Por isso, na prática, os Macintosh
só são melhores para aqueles que creem no que a Apple acredita. Essas
pessoas que partilham o PORQUÊ da Apple acreditam que os produtos da
marca são objetivamente melhores, e qualquer tentativa para os convencer
do contrário é inútil. Mesmo que munidos de indicadores objetivos, o
argumento acerca de qual é melhor ou de qual é pior, sem primeiro
estabelecer um padrão comum, só cria mais debate. Os que são leais a cada
uma das marcas apontarão várias características e vantagens que são
importantes para eles (ou que não o são), numa tentativa de convencerem o
outro lado de que têm razão. E essa é uma das principais razões pelas quais
tantas empresas sentem a necessidade de se diferenciarem – com base no
inconsistente pressuposto de que apenas um grupo pode estar certo. Mas e
se ambos os lados tiverem razão? E se um Apple fosse o certo para algumas
pessoas e um PC fosse o certo para outras? Já não se trata de um debate
sobre ser melhor ou pior, mas sim uma discussão sobre necessidades
diferentes. E antes de a discussão sequer começar, deve começar-se por
definir o PORQUÊ de cada um dos lados.
Uma simples reivindicação de que algo é melhor, mesmo com a prova
racional que a sustenta, pode criar desejo e até mesmo motivar uma decisão
de compra, mas não cria lealdade. Se um cliente se sentir inspirado a
comprar um produto, em vez de ser manipulado nesse sentido, ele estará
apto a verbalizar as razões pelas quais considera que aquilo que comprou é
melhor. A boa qualidade e as características importam, mas não são
suficientes para produzir a lealdade fervorosa que todos os líderes e
empresas mais inspiradoras conseguem captar. É a causa que é representada
pela empresa, marca, produto ou pessoa que inspira lealdade.

Não é a única forma, mas sim apenas uma forma

Conhecer o seu PORQUÊ não é a única forma de ser bem-sucedido, mas é a


única forma de manter um sucesso duradouro e ter uma maior combinação
de inovação e flexibilidade. Quando um PORQUÊ fica nebuloso, torna-se
muito mais difícil manter o crescimento, lealdade e inspiração que ajudou a
impulsionar o sucesso original. Por difícil quero dizer que a manipulação,
em vez da inspiração, rapidamente se torna a estratégia de eleição para
motivar o comportamento. Esta é eficaz no curto prazo, mas paga-se caro
no longo prazo.
Pense no clássico caso das companhias de caminhos de ferro que é
referido nas faculdades de gestão. Em finais dos anos 1800, as companhias
ferroviárias eram as maiores empresas dos EUA. Ao terem alcançado um
tal sucesso monumental, até mesmo alterando a paisagem da América,
lembrarem-se do PORQUÊ deixou de ser importante para elas. Em vez
disso, ficaram obcecadas com O QUE faziam – estavam no negócio das
linhas ferroviárias. Este estreitamento da perspetiva influenciou a sua
tomada de decisões – elas investiram todo o dinheiro que tinham em vias,
dormentes ferroviários e locomotivas. Mas, no início do século XX, surgiu
uma nova tecnologia: o avião. E todas aquelas grandes companhias
ferroviárias acabaram por fechar portas. E se elas se tivessem definido a si
mesmas como estando no negócio do transporte de massas? Talvez o seu
comportamento tivesse sido diferente. Talvez tivessem visto oportunidades
que, assim, acabaram por perder. Talvez hoje em dia fossem donas de todas
as companhias aéreas.
A comparação levanta a questão da sobrevivência de longo prazo de
tantas outras empresas que se definiram a si mesmas e às suas indústrias
pelo QUE fazem. Têm estado a fazê-lo da mesma forma, há já tanto tempo,
que a capacidade de competirem face a uma nova tecnologia ou de verem
uma nova perspetiva se torna uma tarefa perturbadora. A história das
companhias ferroviárias tem inquietantes semelhanças com o caso da
indústria musical já referida anteriormente. Esta é outra indústria que não
fez um bom trabalho de ajustamento do seu modelo de negócio de modo a
encaixar uma mudança comportamental motivada por uma nova tecnologia.
Mas outras indústrias cujos modelos de negócio evoluíram numa altura
diferente revelam brechas similares – as indústrias dos jornais, das editoras
e da televisão, só para referir três. Estas são as empresas ferroviárias de hoje
em dia, que estão a debater-se para definirem o seu valor, enquanto veem os
seus clientes virarem-se para empresas de outras indústrias para atenderem
às suas necessidades. Se as empresas de música tivessem tido um sentido
mais definido do PORQUÊ, talvez tivessem conseguido ver a oportunidade
de inventarem o equivalente ao iTunes em vez de deixarem isso para uma
aguerrida empresa de computadores.
De qualquer das formas, retornar ao objetivo, causa ou crença original
ajudará estas indústrias a adaptarem-se. Em vez de se perguntar “O QUE
devemos fazer para competir?”, as perguntas que se devem colocar são
“POR QUE motivo começámos a fazer O QUE estamos a fazer” e “O QUE
podemos nós fazer para revitalizar a nossa causa, tendo em conta todas as
tecnologias e oportunidades de mercado atualmente disponíveis?” Mas não
têm de se fiar em mim. Nada disto é a minha opinião. Está tudo firmemente
alicerçado nos princípios da biologia.
13 “rácio dourado [ou proporção divina] – uma relação matemática simples”: Wolfram Mathworld,
“Golden Ratio”, http://mathworld.wolfram.com/GoldenRatio.html. Também em
http://goldennumber.net/.
14 “desafio de John F. Kennedy de levar o homem à lua”: “The Decision to Go the Moon: President
John F. Kennedy’s May 25, 1961 Speech before a Joint Session of Congress”, NASA History Office,
http://history.nasa.gov/moondec.html.
15 “1.000 canções no seu bolso”: “Apple Presents iPod”,
http://www.apple.com/pr/library/2001/oct/23ipod.html.
16 “O leitor portátil de música, com um disco rígido com vários gigabites, foi na verdade inventado
pela Creative Technology Ltd.”: “The Nomad Jukebox Holds a Hefty Store of Music.” New York
Times, 1 de junho de 2000, http://www.nytimes.com/2000/06/01/technology/news-watch-the-nomad-
jukebox-holds-a-hefty-store-of-music.html?scp=1&sq=creative+nomad&st=nyt.
17 “A Apple até alterou a sua denominação jurídica em 2007”: “Apple Debuts iPhone, TV Device,
Drops ‘Computer’ From Name”, Foxnews.com, 11 de janeiro de 2007,
http://www.foxnews.com/story/0,2933,242483,00.html.
CAPÍTULO 4

ISTO NÃO É OPINIÃO,


ISTO É BIOLOGIA

Os Star-Belly Sneetches tinham estrelas na barriga (18).


Os Plain-Belly Sneetches não tinham estrelas na barriga.
As estrelas não eram muito grandes. Na verdade, até eram muito pequenas.
Podes pensar que uma coisa dessas não importa nada.

Então, rapidamente, Sylvester McMonkey McBean


Apareceu com uma máquina muito peculiar.
E disse: “Querem estrelas como um Star-Belly Sneetch?
Meus amigos, podem tê-las por três dólares cada!”
Na sua história de 1961 sobre os Sneetches [um povo de pássaros
amarelos], o Dr. Seuss deu-nos a conhecer dois grupos de Sneetches, uns
com estrelas na barriga e outros sem estrela na barriga. Os que não tinham
estrelas queriam desesperadamente tê-las para se sentirem enquadrados.
Estavam dispostos a fazer grandes esforços e a pagar quantias cada vez
maiores simplesmente para sentirem que faziam parte de um grupo. Mas só
o Sylvester McMonkey McBean, o homem cuja máquina coloca “estrelas
sobre estrelas”, lucrou com o desejo dos Sneetches de se enquadrarem.
Tal como acontece com tantas outras coisas, o Dr. Seuss explicou-o da
melhor forma. Os Sneetches representam na perfeição uma necessidade
humana muito básica – a necessidade de pertença. A nossa necessidade de
pertença não é racional, mas é uma constante que existe em todas as
pessoas de todas as culturas. É um sentimento que temos quando aqueles
que nos rodeiam partilham os nossos valores e crenças. Quando sentimos
que pertencemos, sentimo-nos ligados e sentimo-nos seguros. Como seres
humanos, desejamos esse sentimento e procuramo-lo.
Às vezes, o nosso sentimento de pertença é acidental. Não somos amigos
de todas as pessoas da nossa cidade natal, mas se viajarmos por todo o
Estado e encontrarmos alguém da nossa cidade, sentimos de imediato uma
ligação a essa pessoa. Não somos amigos de todas as pessoas do nosso
Estado natal, mas, ao viajarmos pelo país, sentiremos um vínculo especial
com alguém que encontremos que seja do nosso Estado natal. Vá para o
estrangeiro e criará laços instantâneos com outros americanos que encontrar
pelo caminho. Lembro-me de uma viagem que fiz à Austrália. Um dia
estava num autocarro e ouvi um sotaque americano. Virei-me e puxei
conversa. Senti-me imediatamente ligado a eles, falávamos a mesma língua,
entendíamos a mesma gíria. Como um estranho numa cidade estranha, por
esse breve momento, tive um sentimento de pertença, e por isso, confiei
mais naqueles estranhos do autocarro do que em qualquer outro passageiro.
Na verdade, passámos algum tempo juntos mais tarde. Independentemente
do lugar onde possamos ir, confiamos naqueles em quem percecionamos
valores ou crenças comuns.
O nosso desejo de sentir que pertencemos a algo é tão poderoso que nos
esforçamos ao máximo, fazemos coisas irracionais e, muitas vezes,
gastamos dinheiro para ter esse sentimento. Como os Sneetches, queremos
estar próximos de pessoas e organizações que são como nós e partilham as
nossas crenças. Quando as empresas falam sobre o QUE fazem e sobre o
quão avançados são os seus produtos, podem ser atrativas, mas não
representam necessariamente algo a que queiramos pertencer. Mas quando
uma empresa comunica claramente o seu PORQUÊ, aquilo em que acredita,
e nós acreditamos no que ela acredita, então, por vezes, faremos um esforço
extra para incluir esses produtos ou marcas nas nossas vidas. E não é
porque sejam melhores, mas porque se tornam indicadores ou símbolos dos
valores e crenças que nos são queridos. Esses produtos e marcas dão-nos
um sentimento de pertença, e sentimos uma afinidade com as pessoas que
compram as mesmas coisas. Os clubes de fãs, criados pelos clientes,
geralmente são formados sem qualquer ajuda da própria empresa. Essas
pessoas formam comunidades, presencialmente ou online, não apenas para
partilharem com os outros o quanto gostam de um produto, mas também
para estarem na companhia de pessoas como elas. As suas decisões nada
têm a ver com a empresa ou os seus produtos; têm tudo a ver com os
próprios indivíduos.
A nossa necessidade natural de pertença também nos torna bons a
reconhecer as coisas que não se encaixam. É um sentido que
desenvolvemos. Um sentimento. Alguma coisa dentro de nós, algo que não
conseguimos exprimir por palavras, permite-nos sentir como certas coisas
se enquadram e outras não. A Dell vender leitores de mp3 não parece
correto porque a Dell define-se como uma empresa de computadores, e por
isso as únicas coisas que se enquadram são computadores. A Apple define-
se como uma empresa em missão e, portanto, qualquer coisa que faça que
se encaixe na definição, enquadra-se. Em 2004, produziram um iPod
promocional em parceria com a iconoclástica banda de rock irlandesa U2.
Isso faz sentido. Nunca teriam produzido um iPod promocional com a
Celine Dion, apesar de ela ter vendido muito mais discos do que os U2 e
poder ter um público mais vasto. Os U2 e a Apple encaixam porque
partilham os mesmos valores e crenças (19). Ambos alargam as fronteiras.
Não faria sentido a Apple lançar um iPod especial com a Celine Dion. Por
maior que possa ser o público de Dion, a parceria simplesmente não
encaixa.
Basta olhar para os anúncios de televisão da Apple “Eu sou um Mac e eu
sou um PC” para termos uma representação perfeita daquilo que um
utilizador dos Mac precisa de ser para se sentir enquadrado (20). No anúncio,
o utilizador do Mac é um tipo jovem, sempre de calças de ganga e t-shirt,
sempre descontraído, sempre com sentido de humor a fazer troça do
“sistema”. O PC, na forma como é definido pela Apple, veste um fato. Mais
velho. Pesado. Para nos encaixarmos num Mac, precisamos de ser como o
Mac. A Microsoft respondeu à Apple com a sua própria campanha “Eu sou
um PC”, que retrata vários tipos de pessoas que se identificam com o “PC”.
A Microsoft incluiu muito mais pessoas nos seus anúncios – professores,
cientistas, músicos e crianças. Como seria de esperar da empresa que
fornece 95% dos sistemas operativos dos computadores, para pertencermos
a essa multidão temos de ser como toda a gente. Nenhum é melhor ou pior
do que o outro; depende onde sente que pertence. Você é um demagogo ou
está com a maioria?
Somos atraídos por líderes e organizações que são bons a comunicar
aquilo em que acreditam. A sua capacidade de nos transmitirem um
sentimento de pertença, de nos fazerem sentir especiais, seguros e
acompanhados faz parte daquilo que lhes permite inspirar-nos. Aqueles que
consideramos grandes líderes têm a capacidade de nos aproximar e de
acionar a nossa lealdade. E sentimos um forte vínculo com aqueles que
também são atraídos pelos mesmos líderes e organizações. Os utilizadores
da Apple sentem uma ligação entre si. Os que conduzem Harleys estão
ligados entre si. Todos aqueles que se sentiram impelidos a ouvir Martin
Luther King Jr. a proferir o seu discurso “Eu tenho um sonho”,
independentemente da raça, religião ou sexo, ficaram juntos naquela
multidão como irmãos e irmãs, unidos pelos seus valores e crenças comuns.
Eles sabiam que estavam juntos porque conseguiam intuí-lo.

As decisões instintivas não acontecem no seu estômago

Os princípios do Círculo Dourado são muito mais do que uma hierarquia de


comunicações. Os seus princípios estão profundamente enraizados na
evolução do comportamento humano. O poder do PORQUÊ não é opinião,
é biologia. Se olhar para um corte transversal do cérebro humano, de cima
para baixo, vê que os níveis do Círculo Dourado correspondem
precisamente aos três níveis principais do cérebro. A mais recente estrutura
do cérebro, do Homo sapiens, é o neocórtex, que corresponde ao nível O
QUÊ. O neocórtex é responsável pelo pensamento racional e analítico e
pela linguagem.

As duas secções do meio englobam o cérebro límbico. O cérebro límbico


é responsável por todos os nossos sentimentos, como a confiança e a
lealdade. Também é responsável por todos os comportamentos humanos e
toda a nossa tomada de decisões, mas não tem capacidade de formular
linguagem.
Quando comunicamos de fora para dentro, quando começamos por
comunicar o QUE fazemos, as pessoas conseguem compreender grandes
volumes de informações complicadas, como factos e recursos, mas isso não
induz comportamentos. Mas quando comunicamos de dentro para fora,
estamos a conversar diretamente com a parte do cérebro que controla a
tomada de decisões, e a nossa parte linguística do cérebro permite-nos
racionalizar essas decisões.
A parte do cérebro que controla os nossos sentimentos não tem a
capacidade da linguagem. É essa desconexão que faz com que seja tão
difícil expressar os nossos sentimentos em palavras. Temos problemas, por
exemplo, em explicar porque é que nos casámos com a pessoa com quem
casámos. Temos dificuldade em colocar em palavras as verdadeiras razões
pelas quais amamos aquela pessoa, e por isso damos a volta ao assunto ou
racionalizamos. “Ela é engraçada, é inteligente”, começamos por dizer. Mas
há muitas pessoas engraçadas e inteligentes no mundo, e nós não as
amamos nem queremos casar com elas. Obviamente, há mais por detrás da
paixão do que apenas personalidade e competência. Racionalmente,
sabemos que a nossa explicação não é o verdadeiro motivo. É a forma como
os nossos entes queridos nos fazem sentir, mas é realmente difícil traduzir
esses sentimentos em palavras. Por isso, quando somos pressionados,
começamos a dar a volta ao assunto. Podemos até mesmo dizer coisas que
não têm um sentido racional. “Ela completa-me”, por exemplo. O que é que
isso significa e o que faz com que olhe para alguém que o faz sentir-se
assim e tenha vontade de se casar com essa pessoa? Esse é o problema do
amor; só sabemos quando o encontramos porque “parece simplesmente
certo”.
O mesmo acontece com outras decisões. Quando uma decisão parece
certa, temos dificuldades em explicar por que motivo a tomámos. Uma vez
mais, a parte do cérebro que controla a tomada de decisões não controla a
linguagem, por isso racionalizamos. Isso complica o valor das sondagens ou
dos estudos de mercado. Perguntar às pessoas porque é que o escolheram, e
não a outro, pode fornecer ótimas evidências de como racionalizaram a
decisão, mas não dá muitas luzes sobre a verdadeira motivação para a
decisão. Não é que as pessoas não saibam, a questão é que têm dificuldades
em explicar por que é que fazem o que fazem. A tomada de decisões e a
capacidade de explicar essas decisões existem em diferentes partes do
cérebro.
É daqui que vêm as “decisões intuitivas”. Sentimos simplesmente que
estão certas. Não há nenhuma parte do estômago que controle a tomada de
decisões, tudo acontece no cérebro límbico. Não é por acaso que usamos a
palavra “sentir” para explicar essas decisões. A razão pela qual sentimos
que essas decisões intuitivas são corretas é porque a parte do cérebro que as
controla também controla os nossos sentimentos. Não importa se seguiu o
seu instinto ou se simplesmente seguiu o seu coração, não importa que parte
do corpo acha que está a conduzir a decisão: a verdade é que a decisão veio
do seu cérebro límbico.
O nosso cérebro límbico é poderoso, poderoso o suficiente para conduzir
um comportamento que às vezes contradiz a nossa compreensão racional e
analítica de uma situação. Muitas vezes confiamos no nosso instinto,
mesmo que a decisão vá contra todos os factos e números. Richard Restak,
um neurocientista muito conhecido, fala sobre isso no seu livro The Naked
Brain (21). Quando forçamos as pessoas a tomarem decisões apenas com a
parte racional do cérebro, é quase certo que acabam a “pensar demais”.
Essas decisões racionais tendem a demorar mais, diz Restak, e muitas vezes
podem ser de menor qualidade. Em contrapartida, as decisões tomadas com
o cérebro límbico, decisões intuitivas, tendem a ser decisões mais rápidas e
de melhor qualidade. Esta é uma das principais razões pelas quais os
professores dizem aos alunos para seguirem a sua primeira intuição quando
fazem testes de escolha múltipla, para confiarem no seu instinto. Quanto
mais tempo passarem a pensar na resposta, maior o risco de errarem. Os
nossos cérebros límbicos são inteligentes e muitas vezes sabem o que é
certo. É a nossa incapacidade de verbalizar os motivos que pode levar-nos a
duvidar de nós mesmos ou a confiar na evidência empírica quando o nosso
instinto nos diz para não o fazermos.
Consideremos a experiência de comprar uma televisão de ecrã plano na
loja local de eletrónica. Você está no corredor, a ouvir um especialista
explicar a diferença entre LCD e plasma. O representante comercial
apresenta-lhe todas as diferenças racionais e benefícios, mas, ainda assim,
você não sabe qual é a melhor televisão para si. Depois de uma hora, ainda
não faz ideia. A sua mente está sobrecarregada porque está a pensar
demasiado sobre a decisão. Acaba por fazer a sua escolha e sai da loja, mas
ainda não está 100% convencido de que escolheu o caminho certo. Depois
vai a casa de um amigo e vê que ele comprou a “outra”. Ele não para de
falar sobre como adora a sua televisão. E de repente fica com ciúmes,
mesmo não sabendo ainda que aquela não é melhor do que a sua.
Questiona-se: “Será que comprei a certa?”
As empresas que não comunicam uma noção do PORQUÊ obrigam-nos a
tomar decisões apenas com base em evidências empíricas. É por isso que
essas decisões demoram mais tempo, são difíceis ou deixam-nos com
dúvidas. Nestas condições, estratégias de manipulação que exploram os
nossos desejos, medos, dúvidas ou fantasias funcionam muito bem. Somos
forçados a tomar essas decisões nada inspiradoras por uma razão simples –
as empresas não nos oferecem nada além dos factos e números,
características e benefícios nos quais devemos basear as nossas decisões. As
empresas não nos dizem PORQUÊ.
As pessoas não compram o QUE você faz, compram o PORQUÊ de o
fazer. O facto de não se comunicar o PORQUÊ só gera stresse ou dúvida.
Em contrapartida, muitas pessoas que se sentem impelidas a comprar
computadores Macintosh ou motas Harley-Davidson, por exemplo, não
precisam de conversar com ninguém sobre que marca escolher. Sentem uma
enorme confiança na sua decisão e a única dúvida que têm é que Mac ou
Harley escolher. Nesse nível, as características e os benefícios racionais,
factos e números são absolutamente importantes, mas não para conduzir a
decisão de dar dinheiro ou ser leal à empresa ou à marca. Essa decisão já
está tomada. As características tangíveis servem simplesmente para ajudar a
direcionar a escolha do produto que melhor se adequa às nossas
necessidades. Nesses casos, as decisões aconteceram totalmente de dentro
para fora. Essas decisões começaram pelo PORQUÊ – a componente
emocional da decisão – e depois as componentes racionais permitiram ao
comprador verbalizar ou racionalizar os motivos da sua decisão.
Isto é o que queremos dizer quando falamos sobre conquistar corações e
mentes. O coração representa a parte límbica e emocional do cérebro, e a
mente é o centro racional e de linguagem. A maioria das empresas é
fortemente adepta de conquistar a mente; tudo o que isso exige é uma
comparação de todos as características e benefícios. Conquistar corações,
porém, dá muito mais trabalho. Dada a evidência da ordem natural da
tomada de decisões, não posso deixar de me perguntar se a ordem da
expressão “corações e mentes” é uma coincidência. Por que razão é que
ninguém se propôs a conquistar “mentes e corações”?
A capacidade de conquistar os corações antes das mentes não é fácil. É
um equilíbrio delicado de arte e ciência – outra construção gramatical
casual. Porque é que as coisas não são um equilíbrio entre ciência e arte,
mas sempre arte antes da ciência? Talvez seja uma pista subtil que o nosso
cérebro límbico comprometido pela linguagem nos está a enviar para nos
ajudar a ver que a arte de liderar tem tudo a ver com seguir o coração.
Talvez os nossos cérebros estejam a tentar dizer-nos que o PORQUÊ deve
vir primeiro.
Sem um PORQUÊ, é mais difícil tomar uma decisão. E, quando temos
dúvidas, procuramos a ciência e os dados para orientarmos as nossas
decisões. As empresas vão dizer-lhe que a razão pela qual começam com o
QUE fazem ou COMO o fazem é porque foi isso que os seus clientes
pediram. Qualidade. Serviço. Preço. Características. É a isso que os dados
se referem. Dado que a parte do cérebro que controla a tomada de decisões
é diferente da parte do cérebro que é capaz de reportar essa decisão, seria
uma conclusão perfeitamente válida dar às pessoas o que elas pedem.
Infelizmente, existem agora mais provas de que as vendas não aumentam
significativamente e os laços de lealdade não se formam de imediato pelo
facto de as empresas dizerem ou fazerem tudo o que os seus clientes
querem. Henry Ford resumiu-o da melhor forma. “Se eu tivesse perguntado
às pessoas o que queriam”, disse ele, “teriam pedido um cavalo mais
rápido”.
Esta é a genialidade da liderança de excelência. Os grandes líderes e as
grandes organizações são bons a ver o que a maioria de nós não consegue
ver. São bons a dar-nos coisas que nunca pensámos pedir. Quando a
revolução dos computadores estava em curso, os utilizadores não se
lembrariam de pedir uma interface gráfica de utilizador. Mas foi isso que a
Apple nos deu. Num contexto de expansão da concorrência na indústria da
aviação, a maioria dos passageiros aéreos nunca teria pensado em pedir
menos em vez de mais. Mas foi o que a Southwest fez. E perante tempos
difíceis e grandes obstáculos, poucos teriam perguntado ao seu país o que é
que posso fazer por ti em vez de o que é que podes fazer por mim. Foi com
essa causa em mente que John F. Kennedy iniciou a sua presidência. Os
grandes líderes são aqueles que confiam nos seus instintos. São aqueles que
compreendem a arte antes da ciência. Conquistam os corações antes das
mentes. São aqueles que começam pelo PORQUÊ.
Tomamos decisões ao longo de todo o dia, e muitos delas são motivadas
pelas emoções. Raramente analisamos toda a informação disponível para
garantir que conhecemos cada um dos factos. E não precisamos. Tem tudo a
ver com graus de certeza. “Posso tomar uma decisão com 30% da
informação”, disse o ex-secretário de Estado dos EUA, Colin Powell.
“Qualquer coisa acima de 80% é demasiado”. Há sempre um nível em que
confiamos em nós próprios ou naqueles que nos rodeiam para nos guiar e
nem sempre sentimos que precisamos de estar na posse de todos os factos e
números. E por vezes não podemos confiar em nós próprios para tomar uma
determinada decisão. Isso pode explicar por que nos sentimos (essa palavra
novamente) tão desconfortáveis quando outros insistem para que tomemos
uma decisão que não vai ao encontro do nosso instinto. Confiamos no nosso
instinto para nos ajudar a decidir em quem votar ou que champô comprar.
Como a nossa biologia complica a nossa capacidade de verbalizar as
verdadeiras razões pelas quais tomamos as decisões que tomamos,
racionalizamos com base em fatores mais palpáveis, como o design, o
serviço ou a marca. Esta é a base para o falso pressuposto de que o preço ou
as características são mais importantes do que são na realidade. Essas coisas
importam, fornecem-nos os aspetos tangíveis que podemos apontar para
racionalizar a nossa tomada de decisão, mas não definem a direção e não
inspiram comportamentos.

É aquilo que não consegue ver que importa

“Torna o seu branco mais branco e os seus brilhos mais brilhantes”, dizia o
anúncio de televisão sobre o mais recente detergente para a roupa. Esta foi a
proposta de valor durante muitos anos no negócio dos detergentes para a
roupa. Um argumento perfeitamente legítimo. Foi o que o estudo de
mercado revelou que os clientes desejavam. Os dados eram verdadeiros,
mas a verdade sobre o que as pessoas queriam era diferente.
Os fabricantes de detergente para a roupa perguntaram aos consumidores
o QUE queriam do detergente, e os consumidores responderam brancos
mais brancos e brilhos mais brilhantes. Se pensarmos sobre isso, não é uma
descoberta assim tão notável que as pessoas queiram que o seu detergente
as ajude a ter as suas roupas não apenas limpas, mas muito limpas. Então,
as marcas tentaram diferenciar a forma COMO deixavam os brancos mais
brancos e os brilhos mais brilhantes, tentando convencer os consumidores
de que um aditivo era mais eficaz do que outro. Proteína, disse uma marca.
Melhoradores de cor, disse outra. Ninguém perguntou aos clientes o
PORQUÊ de quererem as suas roupas limpas. Esse pormenor só foi
revelado muitos anos depois, quando um grupo de antropólogos contratado
por uma dessas empresas de bens de consumo embalados revelou que, na
verdade, não eram todos aqueles aditivos que estavam a dirigir o
comportamento. Eles observaram que, quando as pessoas tiravam as suas
roupas da máquina, ninguém as examinava à luz para ver quão brancas
estavam nem as comparava com peças novas para ver quão brilhantes
estavam. A primeira coisa que as pessoas faziam quando tiravam a roupa da
máquina era sentir o cheiro. Esta foi uma descoberta incrível. Parecer limpo
era mais importante para as pessoas do que estar limpo. Havia a presunção
de que todos os detergentes lavam a roupa. É o que os detergentes
supostamente fazem. Mas ter as suas roupas com um cheiro fresco e limpo
importava muito mais do que as ligeiras diferenças entre detergentes e qual
lavava efetivamente melhor a roupa.
O facto de um falso pressuposto ter levado toda uma indústria na direção
errada não é exclusivo dos detergentes. As empresas de telemóveis
acreditavam que as pessoas queriam mais opções e botões até a Apple
apresentar o seu iPhone com menos opções e apenas um botão. As
fabricantes de automóveis alemãs acreditavam que a sua engenharia, por si
só, era importante para os compradores de carros americanos. Ficaram
surpresas e perplexas quando perceberam que a grande engenharia não era
suficiente. Uma por uma, as fabricantes alemãs de automóveis de luxo
passaram a incorporar suportes para copos nos seus carros. Era uma
característica muito valorizada pelos americanos que faziam percursos
maiores nas suas deslocações, mas que raramente era mencionada em
qualquer pesquisa sobre os fatores que influenciavam as decisões de
compra. Não estou, de forma nenhuma, a sugerir que os suportes para copos
tornam as pessoas leais aos BMWs. Tudo o que estou a sugerir é que,
mesmo para os compradores de carros de mentalidade racional, há mais
fatores a influenciar a tomada de decisões do que aquilo que salta à vista.
Literalmente.
O poder do cérebro límbico é surpreendente. Não só controla as nossas
decisões intuitivas, como pode influenciar-nos a fazer coisas que parecem
ilógicas ou irracionais. Deixar a segurança do lar para explorar lugares
distantes. Atravessar oceanos para ver o que está do outro lado. Deixar um
emprego estável para começar um negócio na cave de casa, sem dinheiro no
banco. Muitos olham para essas decisões e dizem: “Isso é estúpido, és
louco. Podes perder tudo. Podes morrer. O que é que te passou pela
cabeça?” Não é a lógica ou os factos, mas as nossas esperanças e sonhos, os
nossos corações e o nosso instinto, que nos levam a tentar coisas novas.
Se fôssemos todos racionais, não haveria pequenas empresas, não haveria
atividade exploratória, haveria pouca inovação e não existiriam grandes
líderes para inspirar todas essas coisas. É a crença eterna em algo maior e
melhor que impulsiona esse tipo de comportamento. Mas também pode
controlar o comportamento nascido de outras emoções, como o ódio ou o
medo. Por que outro motivo uma pessoa planearia magoar alguém que
nunca conheceu?
É surpreendente a quantidade de estudos de mercado que revelam que as
pessoas querem fazer negócios com a empresa que lhes oferece produtos de
melhor qualidade, com a maior quantidade de funcionalidades, o melhor
serviço e tudo a um bom preço. Mas consideremos as empresas que
usufruem de maiores taxas de lealdade – raramente têm todas essas coisas.
Se você quisesse comprar uma Harley-Davidson personalizada, teria de
esperar seis meses pela entrega (mas reconheço-lhes o mérito de já terem
conseguido reduzir o prazo, pois antes era um ano). Isso é um mau serviço!
Os computadores da Apple são pelo menos 25% mais caros do que um PC
comparável. Há menos software disponível para o seu sistema operativo.
Têm menos periféricos. As máquinas em si são por vezes mais lentas do
que um PC comparável. Se as pessoas tomassem apenas decisões racionais
e fizessem todas as pesquisas antes de procederem a uma compra, ninguém
iria comprar um Mac. Mas é claro que as pessoas compram Macs. E
algumas não os compram simplesmente – amam-nos, um sentimento que
vem diretamente do coração. Ou do cérebro límbico.
Todos conhecemos alguém que é louco por Macs. Pergunte-lhes o
PORQUÊ de amarem os seus Macs. Não lhe vão dizer: “Bem, vejo-me
como alguém que gosta de desafiar o status quo, e é importante para mim
cercar-me de pessoas, produtos e marcas que provem ao mundo exterior
quem é que eu acredito ser”. Biologicamente, foi o que aconteceu. Mas essa
decisão foi tomada na parte do cérebro que controla o comportamento, mas
não a linguagem. Assim, o que vão fazer é apresentar uma racionalização:
“É a interface do utilizador. É a simplicidade. É o design. É a alta
qualidade. São os melhores computadores. Eu sou uma pessoa criativa”. Na
verdade, a sua decisão de compra e a sua lealdade são profundamente
pessoais. Essas pessoas não querem propriamente saber da Apple; tem tudo
a ver com elas.
O mesmo se pode dizer das pessoas que adoram trabalhar na Apple. Nem
os funcionários conseguem descrevê-lo em palavras. No caso deles, o
trabalho que fazem é um dos QUÊs do seu PORQUÊ. Eles também estão
convencidos de que é apenas a qualidade dos produtos que está por detrás
do sucesso da Apple. Mas, no fundo, todos adoram fazer parte de algo
maior do que eles próprios. Os funcionários mais leais da Apple, como os
clientes mais leais da marca, adoram uma boa revolução. Nem um grande
aumento salarial ou mais benefícios conseguem convencer um empregado
leal da Apple a trabalhar para a Dell, tal como nenhum desconto ou
promoção consegue convencer um utilizador fiel do Mac a mudar para um
PC (muitos já estão a pagar o dobro do preço). Isto vai além do racional. É
uma crença. Não é por acaso que a cultura da Apple é frequentemente
descrita como um culto. É mais do que apenas produtos, é uma causa a
apoiar. É uma questão de fé.
Lembra-se da Honda e da Ferrari? Os produtos não são apenas símbolos
daquilo em que a empresa acredita, também funcionam como símbolos
daquilo em que os compradores leais acreditam. Pessoas com computadores
portáteis da Apple, por exemplo, gostam de os abrir quando estão sentadas
no aeroporto. Gostam que todos saibam que estão a usar um Mac. É um
emblema, um símbolo de quem são. Aquele logotipo brilhante da Apple diz
algo sobre elas e sobre a forma como veem o mundo. Alguém repara
quando uma pessoa abre um computador HP ou Dell? Não! Nem mesmo as
pessoas que usam esses computadores. A HP e a Dell têm um sentido
difuso do PORQUÊ, e por isso os seus produtos e as suas marcas em nada
simbolizam os utilizadores. Para o utilizador da Dell ou da HP, o seu
computador, por mais rápido ou elegante que seja, não é um símbolo de um
propósito maior, causa ou crença. É apenas um computador. Na verdade,
durante muito tempo, o logotipo na tampa de um computador Dell estava na
posição correta para o utilizador, o que significa que quando o abriam
ficava virado ao contrário para todos os outros. Produtos com um sentido
claro do PORQUÊ dão às pessoas uma forma de dizer ao mundo exterior
quem são e aquilo em que acreditam. Lembre-se, as pessoas não compram o
QUE faz, compram o PORQUÊ de o fazer. Se uma empresa não tem um
sentido claro do PORQUÊ, então é impossível para o mundo exterior
perceber alguma coisa além do QUE a empresa faz. E quando isso
acontece, as manipulações que dependem de preços, funcionalidades,
serviços ou qualidade, tornam-se a principal moeda de diferenciação.
18 “Os Star-Belly Sneetches tinham estrelas na barriga”: Dr. Seuss, The Sneetches and Other Stories.
Nova Iorque: Random House, 1961.
19 “Os U2 e a Apple encaixam”: “Apple Introduces the U2 iPod”,
http://www.apple.com/pr/library/2004/oct/26u2ipod.html.
20 “Eu sou um Mac e eu sou um PC”: “Get a Mac,” http://www.apple.com/getamac/ads/.
21 “Richard Restak, um neurocientista muito conhecido”: Richard Restak, MD, The Naked Brain:
How the Emerging Neurosociety Is Changing How We Live, Work and Love. Nova Iorque: Harmony,
2006.
CAPÍTULO 5

CLAREZA, DISCIPLINA
E CONSISTÊNCIA

A natureza abomina o vazio. Para promover a vida, a Mãe Natureza tenta


encontrar o equilíbrio sempre que possível. Quando a vida é destruída por
causa de um incêndio florestal, por exemplo, a natureza irá introduzir uma
nova vida para a substituir. A existência de uma cadeia alimentar em
qualquer ecossistema, em que cada animal existe como alimento para outro,
é uma forma de manter o equilíbrio. O Círculo Dourado, baseado em
princípios naturais da biologia, também obedece à necessidade de
equilíbrio. Como mencionei anteriormente, quando o PORQUÊ está
ausente, produz-se desequilíbrio e as manipulações prosperam. E quando as
manipulações prosperam, aumenta a incerteza para os compradores, a
instabilidade para os vendedores e o stresse para todos.
Começar pelo PORQUÊ é apenas o início. Ainda há muito trabalho a
fazer para que uma pessoa ou organização conquiste o direito ou a
capacidade de inspirar. Para que O Círculo Dourado funcione, cada uma das
peças deve estar em equilíbrio e na ordem correta.

Clareza do PORQUÊ

Tudo começa com a clareza. Tem de saber o PORQUÊ de fazer o QUE faz.
Se as pessoas não compram o QUE faz, compram o PORQUÊ de o fazer,
então se não sabe POR QUE faz o QUE faz, quem é que saberá? Se o líder
da organização não consegue articular claramente POR QUE é que a
organização existe em termos que vão além dos seus produtos ou serviços,
como é que espera que os funcionários saibam POR QUE é que devem ir
trabalhar? Se um político não consegue articular POR QUE é que pretende
ocupar um cargo público além do típico “para servir as pessoas” (o padrão
mínimo racional para todos os políticos), como é que os eleitores vão saber
quem apoiar? As manipulações podem motivar o resultado de uma eleição,
mas não ajudam a escolher quem deve liderar. Liderar requer ter quem o
apoie voluntariamente. Requer aqueles que acreditam em algo maior do que
uma única questão. Inspirar começa com a clareza do PORQUÊ.

Disciplina do COMO

Assim que saiba o PORQUÊ de fazer o que faz, a questão é: como é que o
fará? COMO são os seus valores ou princípios que orientam a forma
COMO pode dar vida à sua causa. A forma COMO fazemos as coisas
manifesta-se nos sistemas e processos de uma organização e na sua cultura.
Compreender COMO faz as coisas e, mais importante ainda, ter a disciplina
necessária para manter a organização e todos os seus funcionários
responsáveis por esses princípios orientadores, aumenta a capacidade de
uma organização poder trabalhar com as suas forças naturais. Compreender
o COMO é algo que confere uma maior capacidade, por exemplo, para
contratar pessoas ou encontrar parceiros que, naturalmente, prosperarão
quando trabalharem consigo.
Ironicamente, a pergunta mais importante é a que recebe a resposta mais
evasiva – POR QUE razão faz o que faz? –, quando a resposta, na verdade,
é bastante simples e nos torna mais eficientes ao ser identificada (falarei
sobre este assunto em capítulos posteriores). A parte mais difícil está na
disciplina, para nunca se desviar da sua causa, para se responsabilizar pela
forma COMO faz as coisas. Tornando as coisas ainda mais difíceis para nós
próprios, fazemos por nos lembrar dos nossos valores, escrevendo-os na
parede... sob a forma de substantivos. Integridade. Honestidade. Inovação.
Comunicação, por exemplo. Mas os substantivos não são acionáveis. São
coisas. Não pode criar sistemas ou desenvolver incentivos em torno dessas
coisas. É quase impossível responsabilizar as pessoas perante substantivos.
“Um pouco mais de inovação hoje, se não se importa, Bob”. E se tiver que
escrever “honestidade” na sua parede para se lembrar de o fazer, então
provavelmente tem problemas maiores do que esse.
Para que os valores ou princípios orientadores sejam verdadeiramente
eficazes, têm de assumir a forma de verbos. Não é “integridade”, é “fazer
sempre a coisa certa”. Não é “inovação”, é “olhar para o problema de um
ângulo diferente”. Articular os nossos valores como verbos dá-nos uma
ideia clara... Temos uma ideia clara de como agir em qualquer situação.
Podemos responsabilizar-nos no sentido de os medir ou até mesmo de criar
incentivos em torno deles. Pedir às pessoas para terem integridade não
garante que as suas decisões terão sempre em consideração os melhores
interesses dos clientes ou utilizadores; mas pedir-lhes que façam sempre o
que está certo, sim. Pergunto-me que valores teria a Samsung escrito na
parede quando desenvolveu aquele desconto que não era aplicável a pessoas
que viviam em blocos de apartamentos.
O Círculo Dourado oferece uma explicação para o sucesso a longo prazo,
mas a natureza inerente de fazer coisas tendo em vista o longo prazo
geralmente inclui investimentos ou custos de curto prazo. Esta é a razão
pela qual é tão importante a disciplina para se manter focado no PORQUÊ e
permanecer fiel aos seus valores.

Consistência do QUÊ

Tudo o que diz e tudo o que faz tem de comprovar aquilo em que acredita.
Um PORQUÊ é apenas uma crença. Não é mais do que isso. O COMO tem
a ver com as ações que leva a cabo para concretizar essa crença. E o QUÊ é
o resultado dessas ações – tudo o que diz e faz: os seus produtos, serviços,
marketing, relações públicas, cultura e quem contrata. Se as pessoas não
compram o QUE faz, mas o PORQUÊ de o fazer, então todas essas coisas
devem ser consistentes. Com consistência, as pessoas vão ver e ouvir, sem
sombra de dúvida, aquilo em que acredita. Afinal, vivemos num mundo
palpável. A única forma de as pessoas saberem aquilo em que você acredita
é através das coisas que diz e faz. E se não for consistente nas coisas que
diz e faz, ninguém saberá em que é que acredita.
É no nível do QUÊ que a autenticidade acontece. “Autenticidade” é
aquela palavra muitas vezes propagandeada no mundo empresarial e
político. Todos falam sobre a importância de se ser autêntico. “Você deve
ser autêntico”, dizem os especialistas. “Todos os dados de tendências
mostram que as pessoas preferem fazer negócios com marcas autênticas”.
“As pessoas votam no candidato autêntico”. O problema é que essa
instrução não é acionável.
Como é que entra no escritório de alguém e diz: “Daqui para a frente, por
favor, use um pouco mais de autenticidade”. “Relativamente a esse material
de marketing no qual está a trabalhar, por favor, torne-o um pouco mais
autêntico”, pode instruir um CEO. O que é que as empresas fazem para
tornar autêntico o seu marketing, ou as suas vendas, ou o que quer que
estejam a fazer?
Considero hilariante a solução mais comum. As empresas saem à rua para
fazer estudos de mercado e perguntam aos clientes o que é que têm de lhes
dizer para serem autênticas. Isto está totalmente errado. Não podemos
perguntar aos outros o que temos de fazer para sermos autênticos. Sermos
autênticos significa que já sabemos isso. O que é que um político diz
quando lhe pedem para ser “mais autêntico”? Como é que um líder age “de
forma mais autêntica”? Sem uma compreensão clara do PORQUÊ, a
instrução é completamente inútil.
O que a autenticidade significa é que o seu Círculo Dourado está em
equilíbrio. Significa que acredita realmente em tudo o que diz e em tudo o
que faz. Isso é válido tanto para a administração da empresa como para os
seus funcionários. Só quando isso acontece é que as coisas que diz e faz
podem ser vistas como autênticas. A Apple acreditou que o seu computador
Apple original e o seu Macintosh desafiavam as plataformas IBM DOS
dominantes. A Apple acredita que os seus produtos iPod e iTunes estão a
desafiar o status quo na indústria da música. E todos entendemos o
PORQUÊ de a Apple fazer o que faz. É por causa desse entendimento
mútuo que vemos esses produtos da Apple como autênticos. A Dell lançou
leitores de mp3 e PDAs numa tentativa de entrar no negócio dos produtos
da pequena eletrónica de consumo. Não sabemos qual é o PORQUÊ da
Dell, não estamos certos daquilo em que a empresa acredita nem o
PORQUÊ de ter produzido esses produtos para lá dos ganhos próprios e do
desejo de capitalizar um novo segmento de mercado. Esses produtos não
são autênticos. Não é que a Dell não pudesse ter entrado noutros mercados
– tem certamente o conhecimento e capacidade necessários para fazer bons
produtos –, mas o que torna tudo muito mais difícil e dispendioso é a sua
capacidade de o fazer sem uma compreensão clara do PORQUÊ. O simples
facto de produzir produtos de alta qualidade e de os comercializar não
garante o sucesso. A autenticidade não pode ser alcançada sem uma clareza
do PORQUÊ. E a autenticidade é importante.
Pergunte aos melhores vendedores o que é preciso para se ser um ótimo
vendedor. Vão sempre dizer-lhe que acreditar no produto que está a vender
é algo que ajuda. O que é que a crença tem a ver com o trabalho de um
vendedor? Simples. Quando os vendedores acreditam realmente naquilo
que estão a vender, as palavras que saem das suas bocas são autênticas.
Quando a crença entra na equação, a paixão emana do vendedor. É essa
autenticidade que produz os relacionamentos nos quais se baseiam as
melhores organizações de vendas. Os relacionamentos também criam
confiança. E com a confiança vem a lealdade. Sem um Círculo Dourado
equilibrado não há autenticidade, o que significa que não há relações fortes,
o que significa que não há confiança. E está de volta à estaca zero,
vendendo com base no preço, serviço, qualidade ou características. Está de
volta ao patamar onde é igual a todos os outros. Pior ainda, sem essa
autenticidade, as empresas recorrem à manipulação: preços, promoções,
pressão dos pares, medo, escolha. Eficaz? Claro, mas só no curto prazo.
Ser autêntico não é um requisito para o sucesso, mas é um requisito a ter
em conta se desejar que esse sucesso seja duradouro. Uma vez mais,
voltamos ao PORQUÊ. A autenticidade é quando diz e faz as coisas em que
realmente acredita. Mas se não sabe POR QUE é que a organização ou os
produtos existem num nível além do QUE faz, então é impossível saber se
as coisas que diz ou faz são consistentes com o seu PORQUÊ. Sem o
PORQUÊ, qualquer tentativa de autenticidade será quase sempre
inautêntica.

A ordem correta
Depois de ter a clareza do PORQUÊ, ser disciplinado e responsável pelos
seus próprios valores e princípios orientadores, e consistente em tudo o que
diz e faz, o último passo é manter tudo na ordem correta. Tal como aquele
pequeno exemplo de marketing da Apple que usei anteriormente, alterar
apenas a ordem das informações, começando pelo PORQUÊ, mudou o
impacto da mensagem. O QUÊ é importante – oferece a prova tangível do
PORQUÊ – mas o PORQUÊ tem de vir primeiro. O PORQUÊ fornece o
contexto para tudo o resto. Como verá repetidamente em todos os casos e
exemplos deste livro, seja em liderança, tomada de decisões ou
comunicação, começar pelo PORQUÊ tem um impacto profundo e
duradouro no resultado. Começar pelo PORQUÊ é o que inspira as pessoas
a agir.

Se não sabe PORQUÊ, não pode saber COMO

Rollin King, um empresário de San Antonio, teve a ideia de pegar no que a


Pacific Southwest estava a fazer na Califórnia e aplicar isso no Texas –
criando uma companhia aérea que realizasse voos de curta distância entre
Dallas, Houston e San Antonio (22). King tinha passado recentemente por
um longo e complicado divórcio e virou-se para o único homem em quem
confiava para o ajudar a concretizar a sua ideia. O seu advogado de
divórcio, Herb Kelleher, fumador inveterado e apreciador de uísque Wild
Turkey.
King e Kelleher eram o oposto um do outro em quase todos os sentidos
( ). King, um indivíduo virado para os números, era notoriamente rude e
23

desajeitado, enquanto Kelleher era gregário e afável. No início, Kelleher


disse que a ideia de King era estúpida, mas, ao final da noite, King já o
tinha inspirado com a sua visão e Kelleher concordou em considerar juntar-
se a ele. No entanto, só quatro anos depois é que a Southwest Airlines fez o
seu primeiro voo do Love Field de Dallas para Houston.
A Southwest não inventou o conceito de companhia aérea low-cost. A
Pacific Southwest Airlines foi pioneira na indústria – a Southwest até
copiou o seu nome. A Southwest não tinha nenhuma vantagem da
percursora – a Braniff International Airways, a Texas International Airlines
e a Continental Airlines já estavam a servir o mercado do Texas, e nenhuma
estava disposta a ceder o seu espaço. Mas a Southwest não foi criada para
ser uma companhia aérea. Foi criada para defender uma causa. Eles
simplesmente usaram uma companhia aérea para o fazer.
No início da década de 1970, só 15% da população que viajava o fazia
pelo ar (24). Tendo em conta essa taxa, o mercado era pequeno o suficiente
para assustar a maioria dos potenciais concorrentes das grandes companhias
aéreas. Mas a Southwest não estava interessada em competir contra todos
os outros pelos 15% da população que viajava. A Southwest estava
interessada nos outros 85%. Naquela altura, se perguntasse à Southwest
quem era a sua concorrência, a companhia dir-lhe-ia: “Competimos contra o
automóvel e o autocarro”. Mas o que queriam dizer era: “Somos os
defensores do cidadão comum”. Foi esse o PORQUÊ de terem criado a
companhia aérea. Foi a sua causa, o seu propósito, a sua razão de existir. A
forma COMO criaram a empresa não decorreu de uma estratégia
desenvolvida por uma consultora de gestão de topo. Nem de um conjunto
de boas práticas quem tivessem visto outras empresas pôr em ação. Os seus
princípios orientadores e valores decorreram diretamente do seu PORQUÊ
e tinham mais de senso comum do que outra coisa qualquer.
Na década de 1970, as viagens aéreas eram caras, e se a Southwest queria
ser a defensora do cidadão comum, tinha de ser barata. Era um imperativo.
E numa época em que as viagens aéreas eram elitistas – as pessoas usavam
gravata nos aviões –, a Southwest, na qualidade de defensora do cidadão
comum, tinha de ser divertida. Era um imperativo. Numa altura em que as
viagens aéreas eram complicadas, com preços diferentes dependendo da
data da reserva, a Southwest tinha de ser simples. Se queriam ser acessíveis
aos outros 85%, então a simplicidade era um imperativo. Na altura, a
Southwest tinha duas categorias de preços: voos à noite/fins de semana e
diurnos. Era isso.
Barata, divertida e simples. Foi COMO a criaram. Foi assim que
defenderam a causa do cidadão comum. O resultado das suas ações tornou-
se palpável nas coisas que diziam e faziam – o seu produto, as pessoas que
contrataram, a sua cultura e o seu marketing. “Agora é livre de se deslocar
pelo país”, diziam no seu anúncio publicitário. É muito mais do que um
slogan. É uma causa. E é uma causa à procura de seguidores. Aqueles que
poderiam relacionar-se com a Southwest, aqueles que se viam como
pessoas comuns, passaram a ter uma alternativa às grandes companhias
aéreas. E aqueles que acreditaram no que a Southwest acreditava tornaram-
se ferozmente leais à empresa. Sentiam que a Southwest era uma empresa
que falava diretamente com eles e diretamente para eles. Mais importante
ainda, sentiam que voar com a Southwest dizia algo sobre quem eram,
como pessoas. A lealdade que se desenvolveu com os clientes não teve nada
a ver com o preço. O preço foi simplesmente uma das formas através da
qual a companhia área deu vida à sua causa.
Howard Putnam, um dos antigos presidentes da Southwest, gosta de
contar a história de um alto quadro de uma grande empresa que se
aproximou dele depois de um evento (25). O executivo disse-lhe que voava
sempre numa das grandes companhias aéreas quando viajava em trabalho.
Tinha de ser, eram ordens da empresa. E, apesar de ter acumulado muitas
milhas na outra companhia aérea, e de o dinheiro não ser problema, quando
viajava por conta própria ou com a família, voava sempre com a Southwest.
“Ele adora a Southwest”, diz Putnam com um sorriso quando conta a
história. Só porque a Southwest é barata não significa que só atraia pessoas
com menos dinheiro. Ser barata é só uma das coisas que a Southwest faz
que nos ajudam a entender aquilo em que a empresa acredita.
O que a Southwest alcançou é a substância da sua tradição empresarial.
Em resultado do PORQUÊ de fazer o que faz e porque é altamente
disciplinada na forma COMO o faz, é a companhia aérea mais lucrativa da
história. Nunca houve um ano em que não tenha tido lucros, incluindo
depois do 11 de setembro, e durante as crises do petróleo da década de 1970
e inícios dos anos 2000. Tudo o que a Southwest diz e faz é autêntico. Tudo
neles reflete a causa original que King e Kelleher decidiram defender
décadas antes. Nunca mudou.
Avancemos 30 anos no tempo. A United Airlines e a Delta Air Lines
olharam para o sucesso da Southwest e decidiram que precisavam de um
produto de baixo custo para competir e participar no êxito da Southwest.
“Temos de arranjar um desses modelos de negócio para nós”, pensaram. Em
abril de 2003, a Delta lançou a sua alternativa low-cost, a Song. Menos de
um ano depois, a United lançou a Ted. Em ambos os casos, copiaram a
forma COMO a Southwest o havia feito. Criaram a Ted e a Song com
características de companhias baratas, divertidas e simples. E quem já voou
com a Ted ou a Song, pôde constatar que eram baratas, eram divertidas e
eram simples. Mas ambas falharam.
A United e a Delta eram muito experientes no negócio da aviação e
tinham toda a capacidade para acrescentar os produtos que quisessem para
se adaptarem às condições do mercado ou aproveitarem oportunidades. O
problema não foi o QUE fizeram, o problema é que ninguém sabia o
PORQUÊ de a Ted e a Song existirem. Talvez fossem melhores do que a
Southwest. Mas não importava. Naturalmente, as pessoas voaram com elas,
mas há sempre razões pelas quais as pessoas fazem negócios connosco que
nada têm a ver connosco. Que as pessoas podem ser motivadas a usar o
nosso produto não é a questão; o problema era que muito poucos eram leais
às marcas. Sem um sentido claro do PORQUÊ, a Song e a Ted eram apenas
mais duas companhias aéreas. Sem um sentido claro do PORQUÊ, tudo o
que as pessoas tinham para as avaliar era o preço ou a conveniência. Eram
mercadorias que tinham que depender de manipulações para construir o seu
negócio, uma premissa dispendiosa. A United abandonou a sua incursão no
negócio das companhias aéreas de baixo custo quatro anos depois de
começar, e a Song, da Delta, também realizou o seu último voo quatro anos
depois de ser lançada.
É um falso pressuposto o de que a diferenciação ocorre no COMO e no
QUE faz. Oferecer simplesmente um produto de alta qualidade com mais
funcionalidades ou um melhor serviço ou um melhor preço não cria a
diferença. Fazer isso não garante o sucesso. A diferenciação ocorre no
PORQUÊ e na forma COMO o faz. A Southwest não é a melhor companhia
aérea do mundo. Nem sempre é a mais barata. Tem menos rotas do que
muitos dos seus concorrentes e nem sequer voa para fora dos Estados
Unidos. O QUE faz não é sempre significativamente melhor. Mas o
PORQUÊ de o fazer é totalmente claro e tudo o que faz o comprova. Há
muitas formas de motivar as pessoas a fazer coisas, mas a lealdade vem da
capacidade de inspirar as pessoas. Só quando o PORQUÊ é claro e as
pessoas acreditam naquilo em que você acredita é que se cria uma
verdadeira relação de lealdade.
Manipulação e inspiração são semelhantes,
mas não a mesma coisa

Tanto a manipulação como a inspiração mexem com o cérebro límbico.


Mensagens aspiracionais, medo ou pressão dos pares levam-nos a decidir de
uma forma ou de outra, apelando aos nossos desejos irracionais ou jogando
com os nossos medos. Mas é quando esse sentimento emocional vai além
da insegurança, da incerteza ou dos sonhos que a reação emocional se
alinha com a forma como nos vemos. É nesse ponto que o comportamento
muda: deixa de ser motivado para ser inspirado. Quando somos inspirados,
as decisões que tomamos têm mais a ver com quem somos e menos com as
empresas ou os produtos que estamos a comprar.
Quando as nossas decisões parecem certas, estamos dispostos a pagar um
prémio ou a sofrer algum inconveniente por causa desses produtos ou
serviços. Não tem nada a ver com preço ou qualidade. Preço, qualidade,
características e serviço são importantes, mas são o custo de entrar nos
negócios hoje em dia. São esses sentimentos límbicos viscerais que criam
lealdade. E é essa lealdade que dá à Apple ou à Harley-Davidson ou à
Southwest Airlines ou a Martin Luther King ou qualquer outro grande líder
uma vantagem tão grande. Sem uma base sólida de seguidores leais,
aumenta a pressão para manipular – competir ou “diferenciar-se” com base
no preço, qualidade, serviço ou características. A lealdade, o real valor
emocional, existe no cérebro do comprador, não do vendedor.
É difícil convencer alguém de que os seus produtos ou serviços são
importantes na vida dessa pessoa com base em fatores racionais externos
que você definiu como valiosos (lembre-se da Ferrari versus Honda). No
entanto, se o seu PORQUÊ e o PORQUÊ das pessoas corresponderem, elas
verão os seus produtos como formas tangíveis de provarem aquilo em que
acreditam. Quando o PORQUÊ, o COMO e o QUÊ estão em equilíbrio, é
alcançada a autenticidade e o comprador sente-se realizado. Quando não
estão em equilíbrio, existe stress ou incerteza. Quando isso acontece, as
decisões que tomamos também não estarão em equilíbrio. Sem o PORQUÊ,
o comprador é facilmente motivado por aspirações ou medo. Nesse ponto, é
o comprador que corre o risco de acabar por não ser autêntico. Se ele
comprar algo que não incorpora claramente o seu próprio sentido de
PORQUÊ, então aqueles que o rodeiam terão poucos elementos para
poderem ter uma ideia clara e precisa de quem ele é.
O animal humano é um animal social. Somos muito bons a perceber as
subtilezas no comportamento e a julgar as pessoas em conformidade. Temos
boas e más impressões sobre organizações, assim como temos boas e más
impressões sobre pessoas. Há certas pessoas em quem sentimos que
podemos confiar e outras pessoas que não nos transmitem essa sensação.
Esses sentimentos também se manifestam quando as empresas nos tentam
cortejar. A nossa capacidade de sentir determinada coisa, ou o seu oposto,
em relação a uma pessoa ou a uma organização é a mesma. O que muda é
quem está a falar connosco, mas é sempre um único indivíduo que está a
ouvir. Mesmo quando uma organização passa a sua mensagem na TV, por
exemplo, independentemente de quantas pessoas estiverem a ver o anúncio,
será sempre e somente a título individual que se poderá percecionar a
mensagem. Este é o valor do Círculo Dourado; ele fornece uma forma de
comunicar consistente com a forma como os indivíduos recebem as
informações. Por este motivo, uma organização deve ser clara sobre o seu
propósito, causa ou crença e certificar-se de que tudo o que diz e faz é
consistente e autêntico perante essa crença. Se os níveis do Círculo
Dourado estiverem equilibrados, todos aqueles que partilham a visão da
organização do mundo serão atraídos para ela e para os seus produtos como
uma traça para uma lâmpada.

Fazer negócios é como ter um encontro

Gostaria de lhe apresentar o nosso amigo imaginário Brad. Brad tem um


encontro esta noite. É um primeiro encontro e está muito animado. Acha
que a mulher que está prestes a conhecer é extremamente bonita e que há
grandes perspetivas para a relação. Brad senta-se para jantar e começa a
falar.

“Sou extremamente rico”.


“Tenho uma casa grande e um belo carro”.
“Conheço muitas pessoas famosas”.
“Apareço constantemente na televisão, o que é bom, porque sou bem
parecido”.
“Tive muito sucesso na vida”.

A questão é: será que Brad terá um segundo encontro?


A forma como comunicamos e como nos comportamos é uma questão de
biologia. Isso significa que podemos fazer algumas comparações entre as
coisas que fazemos na nossa vida social e as coisas que fazemos na nossa
vida profissional. Afinal de contas, as pessoas são pessoas. Para saber como
aplicar o PORQUÊ numa situação de negócios, não precisa de olhar muito
além da forma como agimos num encontro. Porque, na verdade, não há
diferença entre vendas e encontros. Em ambas as circunstâncias, senta-se à
mesa com alguém e espera dizer um número suficiente de coisas acertadas
para fechar um acordo. Claro que pode sempre optar por uma ou outra
manipulação, num jantar requintado, aludindo àquilo que tem ou às pessoas
que conhece. Dependendo do desejo de fechar o acordo, pode dizer-lhes
qualquer coisa que queiram ouvir. Prometa-lhes o mundo e tem uma boa
probabilidade de fechar o acordo. Uma vez. Talvez duas vezes. Com o
tempo, porém, manter esse relacionamento terá um custo cada vez maior.
Independentemente das manipulações que escolher, essa não é a forma certa
de construir um relacionamento de confiança.
No caso do Brad, é óbvio que o encontro não correu bem. A
probabilidade de ter um segundo encontro não é grande, e certamente não
fez um bom trabalho no que respeita a lançar as bases para construir uma
relação. Ironicamente, o interesse inicial da mulher pode ter sido gerado
com base nesses elementos. Ela concordou com o encontro porque os seus
amigos lhe disseram que o Brad era bonito, tinha um bom emprego e
conhecia muitas pessoas famosas. Mesmo que todas essas coisas possam ser
verdade, os QUÊs não conduzem à tomada de decisão, os QUÊs devem ser
usados como prova do PORQUÊ, e o encontro caiu totalmente por terra.
Vamos mandar o Brad sair de novo, mas desta vez vai começar com o
PORQUÊ.
“Sabe o que adoro na minha vida?”, começa ele desta vez. “Acordo todos
os dias para fazer algo que adoro. Inspiro as pessoas a fazer as coisas que as
inspiram. É a coisa mais maravilhosa do mundo. Na verdade, a melhor parte
é tentar descobrir todas as diferentes formas de o fazer. É verdadeiramente
incrível. E, acredite ou não, consegui ganhar muito dinheiro com isso.
Comprei uma casa grande e um bom carro. Conheço muitas pessoas
famosas e apareço constantemente na TV, o que é divertido, porque sou
bem parecido. Tenho muita sorte de estar a fazer uma coisa que adoro, e
dei-me muito bem por causa disso”.
Desta vez, as hipóteses de o Brad ter um segundo encontro, assumindo
que quem está sentado à sua frente acredita no que ele acredita, aumentaram
exponencialmente. Mais importante ainda, também está a estabelecer bons
alicerces para um relacionamento baseado em valores e crenças. Disse as
mesmas coisas que no primeiro encontro; a única diferença é que começou
com o PORQUÊ, e todos os QUÊs, todos os benefícios tangíveis, serviram
como prova desse PORQUÊ.
Consideremos agora a forma como a maioria das empresas faz negócios.
Alguém se senta à mesa consigo, depois de ter ouvido dizer que você era
um cliente potencial, e começa a falar.

“A nossa empresa é extremamente bem-sucedida”.


“Temos escritórios muito bons, devia passar por lá e vê-los um dia
destes”.
“Fazemos negócio com todas as grandes empresas e marcas”.
“Tenho a certeza de que viu o nosso anúncio”.
“Estamos a sair-nos muito bem”.

Nos negócios, tal como num mau encontro, muitas empresas trabalham
arduamente para provar o seu valor sem começarem por dizer o PORQUÊ
de existirem. É necessário fazer mais do que apenas mostrar o seu currículo
para alguém o achar atrativo. Mas é precisamente isso que as empresas
fazem. Fornecem uma longa lista da sua experiência – o QUE fizeram,
quem conhecem –, com a convicção de que as achará tão desejáveis que irá
descartar tudo o resto para fazer negócios com elas.
As pessoas são pessoas e a biologia da tomada de decisões é a mesma,
independentemente de ser uma decisão pessoal ou uma decisão de negócios.
É óbvio que no cenário do encontro foi um mau encontro, então por que
motivo esperamos que seja diferente no cenário dos negócios?
Tal como num encontro, é extremamente difícil começar a construir um
relacionamento de confiança com um potencial utilizador ou cliente
tentando convencê-los de todas as características e benefícios racionais.
Essas coisas são importantes, mas servem apenas para dar credibilidade a
um discurso de vendas e permitir que os compradores racionalizem a sua
decisão de compra. Como acontece com todas as decisões, as pessoas não
compram o QUE você faz, compram o PORQUÊ de o fazer. E o QUE faz,
funciona como a prova tangível do PORQUÊ. Mas, a menos que comece
pelo PORQUÊ, tudo o que as pessoas terão são os benefícios racionais. E o
mais provável é que não consiga um segundo encontro.
Aqui está a alternativa:
“Sabe o que adoro na nossa empresa? Todos nós vimos trabalhar
diariamente para fazer algo que adoramos. Inspiramos as pessoas a fazerem
coisas que as inspiram. É a coisa mais maravilhosa do mundo. Na verdade,
a parte divertida está em tentar descobrir todas as diferentes formas de o
fazermos. É realmente incrível. A melhor parte é que também é bom para os
negócios. Saímo-nos muito bem. Temos escritórios bonitos, devia vê-los
um dia destes. Trabalhamos com algumas das maiores empresas. Tenho a
certeza que viu os nossos anúncios. Estamos a sair-nos muito bem”.
Agora, quão certo está de que o segundo discurso foi melhor do que o
primeiro?

Três graus de certeza

Quando só conseguimos apresentar uma base racional para uma decisão,


quando só podemos apontar para elementos tangíveis ou medidas racionais,
o nível máximo de confiança que podemos oferecer é “Acho que esta é a
decisão certa”. Isso seria biologicamente meticuloso, porque estamos a
ativar o neocórtex, a parte “pensadora” do nosso cérebro. Neste nível
podemos verbalizar os nossos pensamentos. É o que acontece quando
passamos muito tempo a analisar os prós e contras, ouvindo todas as
diferenças entre plasma e LCD, Dell e HP.
Quando tomamos decisões instintivas, o nível máximo de confiança que
podemos oferecer é “A decisão parece-me correta”, mesmo que isso vá
contra todos os factos e números. Uma vez mais, isso é biologicamente
meticuloso, porque as decisões instintivas acontecem na parte do cérebro
que controla as nossas emoções, não a linguagem. Pergunte aos empresários
e líderes mais bem-sucedidos quais são os seus segredos e, invariavelmente,
todos dizem o mesmo: “Confio no meu instinto”. Quando as coisas
correrem mal, vão dizer-lhe: “Dei ouvidos ao que os outros me diziam,
mesmo não me parecendo certo. Devia ter confiado no meu instinto”. É
uma boa estratégia, mas não tem a capacidade de ganhar escala. A decisão
instintiva só pode ser tomada por uma única pessoa. É uma estratégia
perfeitamente adequada para um indivíduo ou uma pequena organização,
mas o que é que acontece quando o sucesso exige que mais pessoas possam
tomar decisões que pareçam corretas?
É nessa altura que o poder do PORQUÊ pode ser plenamente realizado. A
capacidade de colocar um PORQUÊ em palavras fornece o contexto
emocional para as decisões. Oferece maior confiança do que “Acho que
está certo”. É mais escalonável do que “Parece-me certo”. Quando conhece
o seu PORQUÊ, o nível máximo de confiança que pode oferecer é “Eu sei
que está certo”. Quando sabe que a decisão está certa, não só ela lhe parece
certa, como também pode racionalizá-la e exprimi-la facilmente por
palavras. A decisão é totalmente equilibrada. Os QUÊs racionais oferecem
provas para o sentimento de PORQUÊ. Se consegue verbalizar o
sentimento que levou à decisão instintiva, se consegue indicar claramente o
PORQUÊ, então dará um contexto claro de modo a que todos aqueles que
estão à sua volta consigam entender por que motivo essa decisão foi
tomada. Se a decisão é consistente com os factos e números, esses factos e
números servem para reforçar a decisão – este é o equilíbrio. E se a decisão
vai contra todos os factos e números, então irá destacar os outros fatores
que precisam de ser considerados. E é isso que pode transformar uma
decisão controversa de um debate numa troca de opiniões.
O meu antigo parceiro de negócios, por exemplo, ficava aborrecido
quando eu afastava um negócio. Eu explicava-lhe que um determinado
potencial cliente não me “parecia” bem. Isso deixava-o frustrado porque “o
dinheiro do cliente era tão bom como o de qualquer outra pessoa”, dizia-me
ele. Ele não conseguia entender o motivo da minha decisão, e pior ainda, eu
não conseguia explicar-lho. Era apenas uma sensação que eu tinha. Pelo
contrário, hoje em dia, consigo explicar facilmente POR QUE é que estou
nos negócios para inspirar as pessoas a fazerem as coisas que as inspiram.
Se eu tivesse de tomar a mesma decisão neste momento, pelo mesmo
motivo instintivo, não haveria qualquer dúvida, porque todos sabem o
PORQUÊ de a decisão ter sido tomada. Desistimos de alguns negócios
porque esses potenciais clientes não acreditam no que acreditamos e não
estão interessados em nada que tenha a ver com inspirar pessoas. Com um
sentido claro do PORQUÊ, um debate sobre assumir um determinado
cliente que não se encaixa transforma-se numa troca de opiniões sobre se o
desequilíbrio gerado vale o ganho de curto prazo que ele nos pode dar.
O objetivo de um negócio não deve ser fazer negócios com alguém que
simplesmente quer o que temos. Deve ser focar-se nas pessoas que
acreditam no que acreditamos. Quando somos seletivos e fazemos negócios
apenas com aqueles que acreditam no nosso PORQUÊ, a confiança surge.
22 “pegar no que a Pacific Southwest estava a fazer na Califórnia”: “PSA: Catch Our Smile; The
Story of Pacific Southwest Airlines”, http://catchoursmile.com/.
23 “King e Kelleher eram o oposto um do outro em quase todos os sentidos”: Matt Malone, “In for a
Landing”, Portfolio.com, agosto de 2008,
http://www.portfolio.com/executives/features/2008/07/16/Q-and-A-with-Southwest CEO-Kelleher;
Joseph Guinto, “Rollin On”, Southwest Airlines Spirit, junho de 2006,
http://macy.ba.ttu.edu/Fall%2006/SWA%20Rollin%20On.pdf; Katrina Brooker, “The Chairman of
the Board Looks Back”, Fortune, 28 de maio de 2001,
http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2001/05/28/303852/index.htm; “We
Weren’t Just Airborne Yesterday”, http://www.southwest.com/about_swa/airborne.html.
24 “No início da década de 1970, só 15% da população que viajava o fazia pelo ar”: correspondência
pessoal de Brian Lusk, gestor de comunicação com os clientes na Southwest Airlines, fevereiro de
2009.
25 Howard Putnam, um dos antigos presidentes da Southwest”: Howard Putnam, entrevista pessoal,
outubro de2008.
PARTE 3

OS LÍDERES
PRECISAM DE
SEGUIDORES
CAPÍTULO 6

O SURGIMENTO DA CONFIANÇA

Dizer que a maioria dos funcionários da empresa tinha vergonha de ali


trabalhar era dizer pouco. Não era segredo que os trabalhadores se sentiam
maltratados. E se uma empresa maltrata o seu pessoal, então repare como é
que os funcionários tratam os seus clientes. A lama escorre colina abaixo e
se você for um dos que cá estão em baixo, será atingido em cheio. Numa
empresa, essa pessoa é normalmente o cliente. Ao longo da década de 1980,
esse era o dia a dia na Continental Airlines – a pior companhia aérea do
setor (26).
“Consegui aperceber-me de qual era o maior problema da Continental
assim que lá entrei, em fevereiro de 1994”, escreveu Gordin Bethune em
From Worst to First, o relato na primeira pessoa, feito pelo presidente
executivo, da transformação da Continental. Era uma empresa muito má
para se trabalhar”. Os funcionários eram “rudes com os clientes, rudes uns
com os outros, e tinham vergonha da sua empresa. E não se pode ter um
bom produto quando as pessoas não gostam de ali trabalhar. Simplesmente
não é possível”, recorda.
Herb Kelleher, presidente da Southwest Airlines durante 20 anos, foi
considerado um herege por defender que compete a uma empresa, antes de
mais, olhar pelos seus trabalhadores. Funcionários felizes garantem clientes
felizes, dizia ele (27). E clientes felizes asseguram acionistas felizes – por
essa ordem. Felizmente, Bethune partilhava desta herege convicção.
Alguns argumentariam que a razão para a cultura da Continental ser tão
venenosa se devia ao facto de a empresa estar em apuros financeiros. Dir-
lhe-iam que é complicado os executivos concentrarem-se em algo que não
seja a sobrevivência quando uma empresa se confronta com tempos difíceis.
“Assim que voltarmos a ser rentáveis”, dizia a lógica, “olharemos para tudo
o resto”. E sem dúvida que a Continental se debateu com dificuldades
durante a década de 1980 e inícios dos anos 1990. Em oito anos, a empresa
pediu duas vezes proteção contra credores, ao abrigo do capítulo 11 da lei
de falências – uma vez em 1983 e outra em 1991 – e conseguiu a façanha
de ter 10 presidentes executivos em apenas uma década. Em 1994, o ano em
que Bethune assumiu as rédeas como novo CEO, a empresa tinha registado
prejuízos de 600 milhões de dólares e ocupava a última posição em
qualquer categoria mensurável de desempenho.
Mas nada daquilo permaneceu durante muito tempo após a chegada de
Bethune. No ano seguinte, a Continental registou lucros de 250 milhões de
dólares e rapidamente se classificou como uma das melhores empresas para
se trabalhar na América. E apesar de Bethune ter realizado mudanças
substanciais no sentido de melhorar as operações, os maiores ganhos
estavam numa categoria de desempenho que é praticamente impossível de
mensurar: a confiança.
A confiança não surge simplesmente porque um vendedor cria um
argumento racional sobre o motivo pelo qual o cliente deve comprar um
produto ou serviço, ou porque um executivo promete mudanças. A
confiança não é uma mera lista de verificação. Preencher todas as suas
responsabilidades não cria confiança. A confiança é um sentimento, não
uma experiência racional. Confiamos nalgumas pessoas e empresas, mesmo
quando as coisas correm mal, e não confiamos noutras mesmo que tudo
pareça correr exatamente como deve de ser. Analisar todos os pontos de
uma lista de verificação não garante confiança. A confiança começa a surgir
quando sentimos que outra pessoa ou organização é motivada por coisas
que não sejam o seu ganho pessoal.
Com a confiança vem um sentido de valor – valor real, não apenas valor
equiparado a dinheiro. O valor, por definição, é a transferência da
confiança. Não pode convencer alguém de que você tem valor, tal como não
pode convencer alguém a confiar em si. Tem de conquistar a confiança,
comunicando e demonstrando que você partilha dos mesmos valores e
convicções. Tem de falar acerca do seu PORQUÊ e prová-lo com O QUE
faz. Uma vez mais, um PORQUÊ é apenas uma convicção, os COMOS são
as ações que realizamos para concretizar aquela crença, e os QUEs são os
resultados dessas ações. Quando os três estão em equilíbrio, a confiança é
criada e o valor é percecionado. Foi isso que Bethune conseguiu fazer.
Há muitos executivos talentosos com capacidade para gerirem operações,
mas a liderança de excelência não se baseia apenas em grandes capacidades
operacionais. Liderar não é o mesmo que ser o líder. Ser o líder significa
que você está na mais alta posição, seja por a conquistar, por ter uma grande
fortuna ou por navegar nos meandros da política interna. Liderar, contudo,
significa que outros o seguem voluntariamente/prontamente – não porque
tenham de o fazer, não porque lhes pagam para isso, mas porque querem
fazê-lo. Frank Lorenzo, CEO da Continental antes de Bethune, pode ter
sido o líder daquela companhia aérea, mas Gordon Bethune é que sabia
como liderá-la. Aqueles que lideram são capazes de o fazer porque aqueles
que os seguem confiam que as decisões tomadas pelo topo são no melhor
interesse do grupo. Por sua vez, aqueles que confiam trabalham com afinco
porque sentem que estão a trabalhar para algo maior do que eles próprios.
Antes da chegada de Bethune, o 20.o1 andar da sede da empresa, o andar
executivo, estava vedado à maioria das pessoas. Os escritórios dos
executivos de topo estavam trancados. Só quem tinha um cargo de vice-
presidente sénior, ou acima, é que tinha permissão de acesso. Eram
necessários cartões autorizados para chegar àquele piso, havia câmaras de
segurança por todo o lado e guardas armados palmilhavam aquele andar
para eliminar quaisquer dúvidas quanto à segurança. Claramente, a empresa
sofria de problemas de confiança. Conta-se que Frank Lorenzo nem sequer
bebia um refrigerante a bordo de um avião da Continental se não fosse ele
próprio a abrir a lata. Ele não confiava em quem quer que fosse, por isso
não é de estranhar que ninguém confiasse nele. É difícil liderar quando
aqueles que devemos liderar não se mostram propensos a seguir-nos.
Bethune era muito diferente. Ele compreendeu que, para lá da estrutura e
sistemas, uma empresa é sobretudo a soma das suas pessoas. “Não
mentimos ao nosso próprio médico”, diz ele, “e não podemos mentir aos
nossos próprios funcionários” (28). Bethune decidiu-se a mudar a cultura da
empresa, dando a todos algo em que podiam acreditar. E no que é que,
especificamente, ele os levou a acreditar, a ponto de conseguir transformar a
pior companhia aérea do setor na melhor, com as mesmas pessoas e o
mesmo equipamento?
Na faculdade, tive um colega de quarto chamado Howard Jeruchimowitz.
Howard, que é agora advogado em Chicago, cedo se apercebeu de um
desejo muito simples do ser humano. Tendo crescido nos subúrbios da
cidade de Nova Iorque, jogava como defesa na pior equipa da Little
League. Eles perderam praticamente todos os jogos que disputaram – e não
por pequenas margens; eram regularmente aniquilados. O seu treinador era
um bom homem e queria incutir uma atitude positiva nos jovens atletas.
Após uma das suas derrotas mais embaraçosas, o treinador reuniu a equipa
e recordou-lhes: “não interessa se ganham ou perdem, o que importa é
como jogam”. Foi nesta altura que o jovem Howard levantou a mão e
perguntou: “então por que motivo é que temos uma tabela de pontuações?”
Howard compreendeu, desde cedo, o desejo de vencer, tão próprio do ser
humano. Ninguém gosta de perder e as pessoas mais abastadas vivem para
ganhar. A única variação é a pontuação que usamos. Para alguns, é o
dinheiro, para outros é a fama ou os prémios recebidos. Para alguns é o
poder, amor, uma família ou a realização espiritual. A métrica é relativa,
mas o desejo é o mesmo. Um multimilionário não precisa de trabalhar. O
dinheiro torna-se uma forma de manter a pontuação – um registo relativo de
como as coisas estão a correr. Mesmo um multimilionário que perde
milhões devido a más decisões pode ficar deprimido. Apesar de o dinheiro
não ter qualquer impacto no seu estilo de vida, ninguém gosta de perder.
A motivação para vencer não é, por si só, uma coisa negativa. No entanto,
os problemas começam a surgir quando a métrica se torna a única medida
do sucesso, quando aquilo que se conquista já não tem qualquer ligação ao
PORQUÊ de termos definido essa meta.
Bethune definiu que iria provar a toda a gente na Continental que, se
quisessem vencer, seriam capazes de vencer. E a maioria dos funcionários
manteve-se por lá, para descobrir se ele tinha razão. Houve poucas
exceções. Um executivo que certa vez reteve um avião porque estava
atrasado foi convidado a sair, bem como outros 39 dos 60 executivos de
topo que não acreditavam naquilo a que Bethune se propunha.
Independentemente da experiência que tinham ou do que tinham para
oferecer, eram convidados a sair se não jogassem em equipa e se não se
mostrassem capazes de se adaptar à nova cultura que Bethune estava a
tentar criar. Não havia espaço para os que não acreditavam na nova
Continental.
Bethune sabia que, para formar uma equipa capaz de vencer, era preciso
mais do que proferir uns quantos discursos motivacionais e oferecer bónus
aos executivos de topo se eles alcançassem determinadas metas em matéria
de receitas. Ele sabia que, se queria sucesso real e duradouro, as pessoas
teriam de vencer não por ele, não pelos acionistas e não pelos clientes. Para
que o sucesso fosse duradouro, os funcionários da Continental teriam de
querer vencer por eles próprios.
Tudo aquilo a que Bethune se referia era feito em termos de quanto isso
beneficiaria os funcionários. Em vez de lhes dizer para manterem os aviões
limpos para os clientes, ele salientava algo mais óbvio. Todos os dias eles
iam trabalhar num avião. Os passageiros saíam após o voo, mas muitos dos
tripulantes tinham de ficar durante pelo menos mais uma viagem. Por isso,
sabia bem trabalhar num ambiente limpo.
Bethune também se livrou de toda a segurança no 20.o andar. Instituiu
uma política de porta aberta e mostrou-se incrivelmente acessível. Para ele,
era normal aparecer e ajudar a despachar as malas junto dos responsáveis
pela bagagem no aeroporto. A partir daquele momento, passaram a ser uma
família e todos tinham de trabalhar em conjunto.
Bethune focou-se nas coisas que ele sabia serem importantes, e para uma
companhia aérea a coisa mais importante é ter os aviões a chegarem e a
partirem a horas. Em inícios da década de 1990, antes de Bethune chegar à
empresa, a Continental tinha a classificação mais baixa em termos de
pontualidade entre as 10 maiores companhias aéreas do país. Então Bethune
disse aos funcionários que todos os meses em que a Continental se
posicionasse, em termos de pontualidade, nos cinco primeiros da tabela de
classificação, cada funcionários receberia um cheque de 65 dólares. Quando
se pensa que a Continental tinha 40.000 funcionários em 1995, percebe-se
que o custo mensal dessa pontualidade custava à companhia 2,5 milhões de
dólares. Mas Bethune sabia que estava a fechar um bom negócio: os seus
crónicos atrasos estavam a custar à companhia 5 milhões de dólares por
mês em despesas, como ligações perdidas e e pagamento de estadias aos
passageiros. Mas o mais importante para Bethune foi o que o programa de
bónus fez pela cultura da empresa: conseguiu ter dezenas de milhares de
funcionários, incluindo gestores, todos a apontarem na mesma direção pela
primeira vez em anos.
Longe estavam os tempos em que só os executivos de topo é que
desfrutavam dos benefícios do sucesso. Todos recebiam os seus 65 dólares
quando a companhia aérea ficava bem classificada e ninguém recebia
quaisquer complementos quando a empresa falhava os seus objetivos.
Bethune insistiu até para que esses cheques fossem passados em separado.
Não era um valor que simplesmente se juntava ao cheque do salário. Este
era diferente. Este era um símbolo de vitória. E, em cada cheque, uma
mensagem lembrava-os do PORQUÊ de irem trabalhar: “Obrigado por
fazerem da Continental uma das melhores”.
“Mensurávamos coisas que os funcionários podiam, de facto, verificar”,
contou Bethune. “A fasquia que colocámos era algo a que os funcionários
poderiam chegar em conjunto, não separadamente”.
Sentiam que estavam juntos em tudo o que faziam. E estavam mesmo.

A única diferença entre você e um homem


das cavernas é o carro que você conduz

A razão pela qual a raça humana tem sido tão bem-sucedida não se prende
com o facto de ser o animal mais forte – longe disso. O tamanho e a força,
só por si, não garantem o sucesso. Temos sido bem-sucedidos enquanto
espécie devido à nossa capacidade para criar culturas. As culturas são
grupos de pessoas que se juntam em torno de um conjunto comum de
valores e crenças. Quando partilhamos valores e crenças com outros,
criamos confiança. A confiança de outros permite-nos contar com os outros
para ajudarem a proteger os nossos filhos e a assegurar a nossa
sobrevivência pessoal. A capacidade de sair da toca para ir caçar ou
explorar, convicto de que a comunidade protegerá a nossa família e os
nossos bens até regressarmos é um dos mais importantes fatores na
sobrevivência de um indivíduo e na evolução da nossa espécie.
O facto de confiarmos em pessoas com valores e crenças comuns não é,
em si, uma asserção profunda. Há uma razão para não sermos amigos de
todas as pessoas que conhecemos. Somos amigos das pessoas que veem o
mundo da mesma maneira que nós, que partilham as nossas visões e o
nosso conjunto de crenças. Por mais compatível que uma pessoa possa
parecer, isso não lhe garante uma amizade. Pode pensar nisto também numa
escala macro. O mundo está repleto de culturas diferentes. Ser americano
não é melhor do que ser francês. São apenas culturas diferentes – nem
melhores, nem piores, apenas diferentes. A cultura americana valoriza
fortemente os ideais de empreendedorismo, independência e autonomia. O
nome que damos ao nosso PORQUÊ é Sonho Americano. A cultura
francesa valoriza fortemente os ideais da identidade unificada, a confiança
coletiva e a joie de vivre [alegria de viver]. (Repare que preferimos usar a
expressão em francês para descrever o estilo de vida refletido na alegria de
viver. Coincidência? Talvez). Algumas pessoas encaixam bem na cultura
francesa e outras pessoas na cultura americana. Não é uma questão de
serem melhores ou piores, elas são simplesmente diferentes.
A maioria das pessoas que nasceu e cresceu numa determinada cultura
irá, por razões óbvias, acabar por se encaixar razoavelmente bem nessa
cultura, mas nem sempre. Há pessoas que cresceram em França e nunca
sentiram verdadeiramente que ali pertenciam; sentiam-se deslocadas na sua
própria cultura. Por isso foram embora, talvez para a América. Atraídas
pelos sentimentos que nutriam pelo PORQUÊ da América, seguiram o
sonho americano e emigraram.
Sempre se disse que a América é alimentada, em grande parte, pelos
imigrantes. Mas é totalmente falso que todos os imigrantes se tornem
membros produtivos de uma sociedade. Não é verdade que todos os
imigrantes têm um espírito empreendedor – só aqueles que se sentem
visceralmente atraídos pela América. É isso que um PORQUÊ faz. Quando
é claramente compreendido, atrai as pessoas que acreditam na mesma coisa.
E partindo do princípio de que encaixam bem naquilo que os americanos
acreditam e na forma como eles fazem as coisas, esses imigrantes dirão da
América: “Adoro isto” ou “Adoro este país”. Esta reação visceral tem
menos a ver com a América e mais a ver com eles. É a forma como eles se
sentem perante a sua própria oportunidade e a sua própria capacidade de
prosperar numa cultura à qual sentem que pertencem, por oposição àquela
de onde vêm.
E dentro do grande PORQUÊ que é a América, podemos decompor as
coisas ainda mais. Algumas pessoas encaixam-se bem em Nova Iorque e
outras encaixam-se melhor em Minneapolis. Uma cultura não é melhor ou
pior do que a outra, elas são apenas diferentes. Muitas pessoas sonham em
mudar-se para Nova Iorque, por exemplo, atraídas pelo glamour ou pela
perceção de oportunidade. Elas chegam com aspirações de grandes feitos,
mas não são capazes de ponderar se irão encaixar-se numa cultura antes de
darem esse passo. Algumas fazem-no. Mas muitas não. Tenho visto
continuamente pessoas a chegar a Nova Iorque com grandes esperanças e
sonhos, mas depois não conseguem encontrar o emprego que desejam ou
descobrem esse emprego mas não conseguem aguentar a pressão. Não são
palermas nem são trabalhadores maus ou medíocres. Simplesmente não se
encaixam bem. E ou ficam em Nova Iorque e esforçam-se mais do que
precisam, detestando os seus empregos e as suas vidas, ou mudam-se. Se se
mudarem para uma cidade na qual se encaixam melhor – Chicago ou São
Francisco, ou outro local qualquer – acabam normalmente por ser muito
mais felizes e mais bem-sucedidas. Nova Iorque não é racionalmente
melhor do que outras cidades, simplesmente não é a cidade certa para toda a
gente. Tal como todas as cidades, só é a cidade certa para aqueles que se
encaixam bem nela.
O mesmo se pode dizer de um lugar que tenha uma forte cultura ou
personalidade reconhecível. Damo-nos melhor em culturas nas quais nos
encaixamos bem. Damo-nos melhor em lugares que refletem os nossos
próprios valores e crenças. Tal como o objetivo não é fazer negócios com
qualquer pessoa que simplesmente queira o que nós temos, mas sim fazer
negócios com pessoas que acreditam naquilo em que nós acreditamos,
também é benéfico viver e trabalhar num lugar onde prosperaremos
naturalmente porque os nossos valores e crenças estão alinhados com os
valores e crenças daquela cultura.
Agora pensemos no que uma empresa é. Uma empresa é uma cultura. Um
grupo de pessoas reunidas em torno de um conjunto comum de valores e
crenças. Não são os produtos ou serviços que unem uma empresa. Não é a
dimensão e força que tornam uma empresa robusta, é a cultura – o forte
sentido de crenças e valores que todos, desde a presidência executiva até à
receção, partilham. Assim, logicamente, o objetivo não é contratar pessoas
que simplesmente possuem um conjunto de competências de que
precisamos, o objetivo é contratar pessoas que acreditam no mesmo que
nós.
Encontrar as pessoas que acreditam
naquilo em que nós acreditamos

Em inícios do século XX, o aventureiro britânico Ernest Shackleton


decidiu-se a explorar a Antártida. O norueguês Roald Amundsen tinha
acabado de ser o primeiro explorador a chegar ao Pólo Sul, deixando uma
conquista pendente: a travessia do continente pelo extremo sul da Terra.
A parte terrestre da expedição teria início no gelado Mar de Weddell,
abaixo da América do Sul, e percorreria 2,7 quilómetros ao longo da rota
polar até ao Mar de Ross, abaixo da Nova Zelândia. O custo, segundo as
estimativas feitas na época por Shackleton, ascenderia a cerca de 250.000
dólares (29). “A travessia do continente polar sul será a maior viagem polar
alguma vez tentada”, afirmou Shackleton a um jornalista do The New York
Times a 29 de dezembro de 2013. “Os territórios desconhecidos no mundo
que estão ainda por conquistar estão a diminuir, mas falta ainda este grande
empreendimento”.
A 5 de dezembro de 1914, Shackleton e uma equipa composta por 27
homens abriu caminho no Mar de Weddell, a bordo do Endurance, uma
embarcação de 350 toneladas que tinha sido construída com financiamento
de doadores privados, do governo britânico e da Real Sociedade de
Geografia do Reino Unido. Por essa altura, a Primeira Guerra Mundial
alastrava na Europa e o dinheiro estava a ficar mais escasso. As doações por
parte de estudantes britânicos pagaram as equipas de cães (30).
Mas a tripulação do Endurance nunca chegou ao continente da Antártida.
A apenas alguns dias da Ilha Geórgia do Sul, no Atlântico Sul, a
embarcação deparou-se com quilómetros sucessivos de gelo compacto e
rapidamente se viu presa, uma vez que o inverno estava a chegar mais cedo
e se mostrava bastante rigoroso (31). O gelo cercou a embarcação “como
uma amêndoa num pedaço de caramelo”, escreveu um membro da
tripulação (32). Shackleton e a sua tripulação ficaram presos na Antártica
durante 10 meses, enquanto o Endurance derivava lentamente para norte,
até que a pressão do campo de gelo acabou por destruir o navio. A 21 de
novembro de 1915, a tripulação viu a embarcação afundar nas águas
geladas do Mar Weddell.
Presa no gelo, a tripulação do Endurance subiu a bordo dos seus três
salva-vidas e desembarcou na pequena Ilha Elefante. Ali Shackleton deixou
para trás todos os seus homens, exceto cinco deles, e embarcou numa
perigosa viagem ao longo de 1,3 quilómetros de mares revoltos para
procurar ajuda – que acabou por conseguir.
Contudo, o que torna a história do Endurance tão notável não é a
expedição: é o facto de, ao longo de todo este suplício, ninguém ter
morrido. Não houve histórias de pessoas a comerem-se umas às outras nem
de motins.
Isso não foi sorte. Isso foi porque Shackleton contratou pessoas que se
encaixavam bem. Ele encontrou os homens certos para a tarefa. Quando
preenchemos uma organização com pessoas que se enquadram, aqueles que
acreditam no que nós acreditamos, o sucesso simplesmente acontece. E
como é que Shackleton encontrou aquela fantástica tripulação? Com um
simples anúncio no Times de Londres.
Compare essa situação com a forma como nós contratamos pessoas. Tal
como Shackleton, colocamos anúncios no jornal, ou nos seus equivalentes
modernos, como a Craiglist ou a Monster.com. Por vezes, contratamos um
recrutador para encontrar alguém para nós, mas o processo é, em grande
medida, o mesmo. Fornecemos uma lista de qualificações para o emprego e
esperamos que o melhor candidato seja aquele que preenche todos os
requisitos.
O problema é a forma como escrevemos esses anúncios. Todos eles se
prendem com O QUÊ e não com o PORQUÊ. Um anúncio de “procura-se”
pode dizer, por exemplo, “precisa-se de executivo da área da contabilidade,
com um mínimo de cinco anos de experiência, devendo possuir experiência
profissional no setor. Venha trabalhar numa empresa fantástica e em franco
crescimento com uma excelente remuneração e ótimos benefícios”. O
anúncio poderá captar imensos candidatos, mas como é que sabemos qual é
o que melhor se adequa?
O anúncio de Shackleton para membros da tripulação era diferente. Não
se referia ao QUE procurava. O seu anúncio não dizia: “Precisa-se de
homens para uma expedição. Mínimo de cinco anos de experiência. Devem
saber içar velas. Venha trabalhar para um capitão fantástico”.
Em vez disso, Shackleton procurava homens com algo mais. Procurava
uma tripulação que sentisse pertencer àquela expedição. O seu anúncio
dizia o seguinte: “Precisa-se de homens para viagem perigosa. Salário
baixo, frio intenso, longos meses de completa escuridão, perigo constante,
sem garantia de regresso em segurança. Respeito e reconhecimento em caso
de sucesso” (33).
As únicas pessoas que responderam ao anúncio foram as que o leram e
acharam que era fantástico. Essas pessoas adoravam probabilidades
intransponíveis. As únicas pessoas que se candidataram às funções eram
sobreviventes. Shackleton só contratou aqueles que acreditavam no mesmo
que ele. A sua capacidade de sobrevivência estava garantida. Quando os
funcionários sentem que fazem parte, eles irão garantir-lhe o sucesso. E não
estarão a trabalhar arduamente e à procura de soluções inovadoras para si,
estarão a fazê-lo por eles mesmo.
O que todos os grandes líderes têm em comum é a capacidade para
descobrirem quem se encaixa bem nas suas organizações – aqueles que
acreditam no mesmo que eles. A Southwest Airlines é um excelente
exemplo de uma companhia com uma habilidade certeira para contratar
pessoas que se encaixam bem. A sua capacidade para encontrar pessoas que
personificam a sua causa torna muito mais fácil para a empresa
providenciar um excelente serviço. Tal como Herb Kelleher certa vez disse,
numa afirmação que ficou famosa, “não se contrata pelas competências,
contrata-se pela atitude. As competências podem sempre ser ensinadas”.
Isto está certo; o problema é: que atitude? E se a atitude não for a que se
encaixa na nossa cultura?
Gosto muito de perguntar às empresas que tipo de pessoas é que elas
gostam de contratar e uma das respostas mais comuns que me dão é: “só
contratamos pessoas com paixão”. Mas como é que se sabe se uma pessoa
revela paixão numa entrevista, mas depois não é assim tão apaixonada pelo
trabalho?” A verdade é que praticamente todas as pessoas do planeta são
apaixonadas, só não somos todos apaixonados pelas mesmas coisas. Se
começarmos pelo PORQUÊ quando estamos a contratar, aumentamos
fortemente a nossa capacidade para atrair aqueles que são apaixonados por
aquilo em que acreditamos. Simplesmente contratar pessoas com base no
seu CV ou numa irrepreensível ética profissional não é garantia de sucesso.
O melhor engenheiro da Apple, por exemplo, provavelmente seria medíocre
se trabalhasse para a Microsoft. Da mesma forma, o melhor engenheiro da
Microsoft provavelmente não prosperaria na Apple. Ambos são altamente
experientes e trabalham com afinco. Ambos podem ter fortes
recomendações. No entanto, nenhum desses engenheiros se adequa à
cultura da outra empresa. O objetivo é contratar aqueles que estão
apaixonados pelo seu PORQUÊ, o seu propósito, causa ou crença, e que
têm uma atitude que encaixa bem na sua cultura. Só assim que isso esteja
determinado é que se deve passar à fase de avaliação das suas competências
e experiência. Shackleton poderia ter tido a mais experiente tripulação que
o dinheiro podia comprar, mas se essas pessoas não tivessem capacidade
para se sentirem ligadas a um nível muito mais profundo do que a sua
competência, não se poderia esperar que a sobrevivência fosse o desfecho
esperado.
Durante anos, a Southwest não teve um departamento de reclamações –
não precisava disso. Apesar de Kelleher falar, apropriadamente, acerca da
necessidade de contratar pela atitude, a companhia aérea na verdade merece
mais reconhecimento por contratar as pessoas certas para prestarem um
excelente serviço. Kelleher não era o único a tomar as decisões de
contratação – e pedir a todos que simplesmente confiassem nos seus
instintos era demasiado arriscado. A sua genialidade esteve em perceber por
que motivo algumas pessoas se encaixavam tão bem, e depois
desenvolvendo sistemas para encontrar mais dessas pessoas.
Na década de 1970, a Southwest Airlines decidiu que os uniformes das
suas hospedeiras seriam compostos por calções curtos e botas de cano alto
(hein, estávamos nos anos 70) (34). Não foi ideia da empresa; a Pacific
Southwest, a companhia aérea sediada na Califórnia cujo modelo inspirou a
Southwest, fê-lo primeiro, tendo a Southwest simplesmente copiado a ideia.
Mas, ao contrário da Pacific Southwest, a Southwest percebeu algo que se
revelaria inestimável. A empresa percebeu que quando recrutava
hospedeiras, as únicas pessoas que se candidatavam eram animadoras de
claques [cheerleaders] e majorettes. E isso porque eram as únicas pessoas
que não se importavam de envergar os novos uniformes. As animadoras de
claques e as majorettes, contudo, encaixavam perfeitamente na Southwest.
Elas não só tinham uma ótima atitude como também toda a sua disposição
tinha a ver com animar as pessoas. Espalhar o otimismo. Liderar multidões,
levando-as a acreditar que “podemos ganhar”. Elas encaixavam
perfeitamente numa empresa que era a preferida do cidadão comum. Ao
perceber isto, a Southwest começou a recrutar apenas animadoras de
claques e majorettes.
As empresas de excelência não contratam pessoas para depois as
motivarem, elas já contratam pessoas motivadas e inspiram-nas. As pessoas
ou estão motivadas ou não. E se não se der às pessoas motivadas algo em
que acreditem, algo maior do que o seu emprego para poderem focar-se
nisso, elas sentir-se-ão motivadas a procurar um novo emprego e as
empresas ficam agarradas ao que restar.

Deem-lhes uma catedral

Debrucemo-nos sobre a história de dois pedreiros. Você chega junto do


primeiro pedreiro e pergunta: “gosta do seu trabalho?” Ele olha para si e
responde: “tenho estado a construir esta parede desde que me lembro. O
trabalho é monótono. Trabalho sob o sol abrasador durante todo o dia. As
pedras são pesadas e levantá-las dia após dia pode dar cabo das costas. Nem
sequer tenho a certeza se este projeto estará concluído no meu tempo de
vida. Mas é um trabalho. Dá para pagar as contas”. Você agradece-lhe pelo
tempo dispensado e segue.
Um pouco mais à frente, depara-se com um segundo pedreiro. Faz-lhe a
mesma pergunta: “gosta do seu trabalho?” Ele olha para si e responde:
“adoro o meu trabalho. Estou a construir uma catedral. É certo que estou a
trabalhar nesta parede desde que me lembro, e sim, o trabalho por vezes é
monótono. Trabalho sob um sol abrasador durante todo o dia. As pedras são
pesadas e levantá-las dia após dia pode dar cabo das costas. Nem sequer
tenho a certeza se este projeto estará concluído antes de eu morrer. Mas
estou a construir uma catedral”.
O QUE estes dois pedreiros estão a fazer é exatamente o mesmo; a
diferença é que um deles tem um sentido de propósito. Ele sente que faz
parte. Vai trabalhar para ser parte de algo maior do que o trabalho que está a
realizar. O simples facto de ter um sentido do PORQUÊ muda toda a sua
visão do trabalho que está a fazer. Torna-o mais produtivo e decididamente
mais leal. Ao passo que o primeiro pedreiro irá provavelmente aceitar outro
trabalho por mais dinheiro, o pedreiro inspirado trabalha mais horas e
provavelmente recusará um trabalho mais fácil e mais bem remunerado
para ficar e ser parte daquela causa mais nobre. O segundo pedreiro não se
vê como mais ou menos importante do que o indivíduo que está a fazer o
vitral ou até mesmo do que o arquiteto. Eles estão todos a trabalhar em
conjunto para construírem a catedral. É este laço que cria camaradagem. E
essa camaradagem e confiança são os elementos do sucesso. As pessoas
trabalham em conjunto por uma causa comum.
As empresas com um forte sentido do PORQUÊ são capazes de inspirar
os seus trabalhadores. Os funcionários são mais produtivos e inovadores e o
sentimento que levam para o trabalho atrai outras pessoas desejosas de lá
trabalharem também. Não é assim tão difícil perceber por que razão as
empresas com quem gostamos de fazer negócio são também as melhores
empregadoras. Quando as pessoas dentro da empresa sabem o PORQUÊ de
irem trabalhar, há uma probabilidade muito maior de as pessoas exteriores à
empresa compreenderem o PORQUÊ de aquela empresa ser especial.
Nestas organizações, desde a administração até à base, ninguém se vê como
mais ou menos do que qualquer outra pessoa. Todos eles precisam uns dos
outros.

Quando motivados pelo PORQUÊ,


o sucesso simplesmente acontece

Tratou-se de uma versão de viragem do século do boom das tecnologias [as


chamadas empresas dot.com]. A promessa de uma nova tecnologia
revolucionária estava a mudar a forma como as pessoas imaginavam o
futuro. E houve uma corrida para ver quem conseguiria fazê-lo primeiro.
Estávamos no final do século XIX e a nova tecnologia era o avião. Um dos
homens mais conhecidos nesse domínio era Samuel Pierpont Langley.
Como muitos outros inventores da sua época, ele estava a tentar construir a
primeira máquina voadora do mundo mais pesada do que o ar. O objetivo
era ser o primeiro a conseguir realizar um voo tripulado, controlado e
alimentado por uma máquina. A boa notícia é que Langley possuía os
ingredientes certos para aquele enorme empreendimento; ele tinha aquilo
que muitos definiriam como a receita do sucesso.
Langley tinha alcançado alguma reputação no seio da comunidade
académica como astrónomo, o que o levou a ocupar cargos prestigiantes e
de topo. Ele foi secretário do Instituto Smithsonian. Tinha sido assistente no
Harvard College Observatory e professor de Matemática na Academia
Naval dos Estados Unidos. Langley tinha muito bons contactos. Entre os
seus amigos incluíam-se alguns dos homens mais poderosos do governo e
do meio empresarial, como Andrew Carnegie e Alexander Graham Bell.
Ele dispunha também de um vasto financiamento. O Departamento de
Guerra, o percursor do Departamento da Defesa, tinha-lhe atribuído 50.000
dólares para o seu projeto, o que era muito dinheiro naquele tempo. O
dinheiro não era um impedimento.
Langley reuniu algumas das melhores e mais brilhantes mentes de então
( ). A sua equipa de sonho incluía o piloto Charles Manly, um brilhante
35

engenheiro mecânico formado pela Universidade Cornell, e Stephan Balzer,


o criador do primeiro automóvel em Nova Iorque. Langley e a sua equipa
recorreram aos melhores materiais. As condições de mercado eram perfeitas
e as suas relações públicas eram excelentes. O The New York Times seguia-
o para todo o lado.Todos conheciam Langley e torciam pelo seu sucesso.
Mas havia um problema.
Langley tinha um objetivo arrojado, mas ele não tinha um sentido claro
do PORQUÊ. O seu propósito de querer construir o avião era definido em
termos de O QUE ele estava a fazer e O QUE poderia obter. Ele era
apaixonado pela aeronáutica desde tenra idade, mas não tinha uma causa
para defender. Mais do que tudo, Langley queria ser o primeiro. Ele queria
ser rico e famoso. Essa era a sua motivação de base.
Apesar de já ter grande reputação no seu meio, ele almejava o tipo de
fama de um Thomas Edison ou de um Alexander Graham Bell, que só surge
quando se inventa algo de grandioso. Langley viu no avião o seu bilhete
para a fama e fortuna (36). Ele era inteligente e motivado. Ele tinha aquilo
que ainda hoje continuamos a assumir como sendo a receita para o sucesso:
muito dinheiro, as melhores pessoas junto dele e as condições de mercado
ideais. Mas poucos de nós alguma vez ouviram falar de Samuel Pierpont
Langley.
A algumas centenas de quilómetros, em Dayton, no Ohio, Orville e
Wilbur Wright estavam também a construir uma máquina voadora. Ao
contrário de Langley, os irmãos Wright não tinham a receita do sucesso.
Pior ainda, eles pareciam ter a receita do fracasso. Não havia financiamento
para a empreitada a que se propunham. Não havia subsídios
governamentais. Não dispunham de contactos de alto nível. Os irmãos
Wright financiaram o seu sonho com as receitas da sua loja de bicicletas.
Nem uma única pessoa que trabalhava na equipa, incluindo Orville e
Wilbur, tinha educação universitária; alguns deles não tinham sequer
terminado o liceu. O que os irmãos Wright estavam a fazer não era diferente
de Langley ou de todos os outros que estavam a tentar construir uma
máquina voadora. Mas os irmãos Wright tinham algo muito especial. Eles
tinham um sonho. Eles sabiam POR QUE razão era importante construir
aquela máquina. Eles acreditavam que se conseguissem descortinar uma
forma de criar aquela máquina voadora, isso mudaria o mundo. Eles
imaginavam os benefícios para todas as pessoas se fossem bem-sucedidos.
“Wilbur e Orville eram verdadeiros cientistas, profunda e genuinamente
preocupados com o problema físico que estavam a tentar resolver – o
problema do equilíbrio e do voo”, referiu James Tobin, o biógrafo dos
irmãos Wright (37). Langley, por seu lado, só queria alcançar o nível de
prestígio dos seus pares, como Alexander Graham Bell, o tipo de fama que
ele sabia que só conquistaria com um grande progresso científico. Langley,
segundo Tobin, “não tinha a paixão dos Wright pelo voo, estava apenas à
procura de um feito”.
Orville e Wilbur proclamaram aquilo em que acreditavam e inspiraram
outros da sua comunidade a juntarem-se-lhes na sua causa. A prova do seu
empenho era evidente. Com fracasso após fracasso, a maioria teria
desistido, mas não a equipa dos irmãos Wright. A equipa sentia-se tão
inspirada que, independentemente dos reveses que sofriam, não deixava de
aparecer para tentar de novo. De cada vez que os irmãos Wright saíam para
realizar um voo de ensaio, segundo se conta, eles levavam cinco conjuntos
de peças com eles, porque sabiam que esse era o número de vezes que
provavelmente fracassariam antes de se decidirem a regressar a casa nesse
dia.
E foi então que aconteceu. A 17 de dezembro de 1903, num campo em
Kitty Hawk, na Carolina do Norte, os irmãos Wright subiram aos céus. Um
voo de 59 segundos, a uma altitude de 36,5 metros, à velocidade de uma
corrida de atletismo, foi quanto bastou para porem em marcha uma nova
tecnologia que mudaria o mundo.
Apesar de ter sido um feito notável, passou quase despercebido. O The
New York Times não estava lá para cobrir a história. Impulsionados por
algo maior do que fama e glória, os irmãos Wright contentaram-se em
esperar para contar ao mundo. Eles sabiam qual era o verdadeiro
significado para o mundo.
O que Langley e os irmãos Wright estavam a tentar criar era precisamente
a mesma coisa; ambas as partes estavam a construir o mesmo produto.
Ambos os lados estavam altamente motivados. Tanto Langley como os
irmãos Wright possuíam uma forte ética profissional. Ambos os lados
tinham mentes científicas aguçadas. O que a equipa dos irmãos Wright teve,
e que Langley não teve, nada teve a ver com sorte. Foi a inspiração. Um
lado estava motivado pela perspetiva de fama e riqueza, o outro por uma
convicção. Os irmãos Wright empolgavam quem os rodeava. Langley
pagava para ter os melhores talentos a ajudá-lo a ficar rico e famoso. Os
irmãos Wright começaram pelo PORQUÊ. Langley estava motivado pelo
QUÊ: pouco tempo depois de Orville e Wilbur terem levantado voo,
Langley desistiu. Deu por terminado o seu empreendimento. Ele poderia ter
dito: “que fantástico, agora vou melhorar a tecnologia deles”. Mas não o
fez. Ele considerou humilhante aquela derrota – o seu próprio voo de ensaio
tinha terminado no Rio Potomac e todos os jornais gozaram com isso (38).
Ele dava demasiada importância ao que os outros pensavam dele, estava
demasiado preocupado em tornar-se famoso. E como não foi o primeiro,
simplesmente desistiu.

A inovação acontece na periferia

As equipas de sonho nem sempre são assim tão de sonho. Quando uma
equipa de especialistas se junta, normalmente trabalham para eles mesmos e
não para o bem comum. É isso que acontece quando as empresas sentem
necessidade de pagar mega-salários para “obterem os melhores talentos”.
Essas pessoas não vão trabalhar necessariamente porque acreditam no vosso
PORQUÊ, mas sim pelo dinheiro. Uma manipulação clássica. Pagar a
alguém imenso dinheiro e pedir-lhe que apresente ideias fantásticas garante
muito pouco. No entanto, formar uma equipa de pessoas que pensam da
mesma forma e dar-lhes uma causa para seguirem garante um maior sentido
de trabalho de equipa e camaradagem. Langley criou uma equipa de sonho
e prometeu torná-los ricos. Os irmãos Wright inspiraram um grupo de
pessoas que quiseram juntar-se-lhes em busca de algo maior do que
qualquer membro da equipa. As empresas tradicionais dão aos seus
funcionários algo com que trabalharem. Em contrapartida, as organizações
mais inovadoras dão aos seus funcionários algo pelo qual trabalharem.
O papel de um líder não é ter todas as ideias estupendas. O papel de um
líder é criar um ambiente em que possam surgir ideias estupendas. São as
pessoas de dentro da empresa, aquelas que estão na linha da frente, que
estão mais bem qualificadas para descobrirem novas formas de fazer as
coisas. As pessoas que atendem os telefones e falam com os clientes, por
exemplo, podem dizer-lhe mais sobre o tipo de perguntas que recebem do
que qualquer pessoa sentada num escritório executivo a quilómetros de
distância. Se for dito aos funcionários da empresa que simplesmente
apareçam e façam o seu trabalho, será isso que eles farão. Mas se lhes for
constantemente lembrado o PORQUÊ de a empresa ter sido fundada e lhes
for dito para procurarem constantemente formas de dar vida a essa causa,
enquanto desempenham as suas funções, então eles farão mais do que
simplesmente o seu trabalho.
A título de exemplo, não foi Steve Jobs que inventou o iPod ou o iTunes
ou o iPhone. Foram outros elementos da empresa que o fizeram. Jobs deu às
pessoas um filtro, um contexto, um propósito mais elevado em torno do
qual se inovava: descobrir setores onde reinava o status quo, aquelas
empresas onde se lutava para proteger os seus antiquados modelos de
negócio, e desafiá-lo. Foi esse o PORQUÊ da criação da Apple, foi isso que
Jobs e Wozniak fizeram quando fundaram a empresa, e é isso que as
pessoas e os produtos da Apple têm feito desde sempre. É um padrão que se
repete. Os funcionários da Apple simplesmente procuram formas de dar
vida à causa da empresa no máximo de setores que conseguirem. E
funciona.
Não é isso que sucede em muitas outras empresas. As empresas que se
definem pelo QUÊ, em vez de pelo PORQUÊ de fazerem o que fazem,
instruem os seus funcionários a serem inovadores em torno de um produto
ou serviço. “Melhorem-no”, é o que lhes pedem. Aqueles que trabalham
para os concorrentes da Apple, empresas que se definiram a si mesmas
como “fabricantes de computadores”, trabalham para desenvolver
computadores “mais inovadores”. O melhor que conseguem fazer é
acrescentar mais memória RAM, acrescentar uma ou duas funcionalidades,
ou, tal como qualquer fabricante de computadores tem feito, dar às pessoas
a opção de personalizarem a cor da caixa do seu computador. Isto
dificilmente se pode qualificar como uma ideia com potencial para mudar o
rumo de uma indústria. É uma simpática funcionalidade, sim, mas não
inovação. Se está curioso sobre como a Colgate deu por si com 32 pastas
dentífricas diferentes hoje em dia, é porque todos os dias os seus
funcionários vão trabalhar para desenvolverem uma pasta de dentes melhor
e não, por exemplo, para procurarem formas de ajudar as pessoas a sentirem
mais confiança nelas próprias.
A Apple não tem o exclusivo das boas ideias; existem pensadores
inteligentes e inovadores na maioria das empresas. Mas as empresas de
excelência dão aos seus funcionários um propósito ou desafio em torno do
qual podem desenvolver ideias, em vez de simplesmente os instruírem no
sentido de fabricarem uma ratoeira melhor. As empresas que estudam os
seus concorrentes na esperança de acrescentarem as características e
benefícios que tornarão os seus próprios produtos “melhores” estão apenas
a trabalhar para consolidar a empresa dentro do QUE faz. As companhias
com um claro sentido do PORQUÊ tendem a ignorar a concorrência, ao
passo que aquelas que têm apenas uma vaga noção do PORQUÊ são
obcecadas pelo que as outras estão a fazer.
A capacidade de uma empresa para inovar não só é útil para desenvolver
novas ideias, é inestimável para superar dificuldades. Quando as pessoas
vão trabalhar com um maior sentido de propósito têm mais facilidade em
atravessar tempos difíceis ou mesmo em descobrir oportunidades nesses
tempos difíceis. As pessoas que vão trabalhar com um claro sentido do
PORQUÊ são menos propensas a desistir após uns quantos fracassos
porque compreendem qual é a causa maior. Thomas Edison, um homem
decididamente motivado por uma causa maior, disse: “eu não descobri uma
forma de fazer uma lâmpada, eu descobri milhentas formas de não fazer
uma lâmpada”.
A Southwest Airlines é famosa por ter sido pioneira no tempo de resposta
de 10 minutos – a capacidade de fazer desembarcar os passageiros, preparar
e fazer embarcar um avião em 10 minutos (39). Esta capacidade ajuda uma
companhia aérea a fazer mais dinheiro, porque quanto mais os aviões
estiverem no ar, melhor a empresa se está a sair. O que poucas pessoas
sabem é que esta inovação nasceu da dificuldade. Em 1971, a Southwest
estava com pouco dinheiro e precisou de vender um dos seus aviões para se
manter em atividade. Isto deixou-a com três aviões para cumprirem uma
agenda que exigia quatro. A empresa tinha duas escolhas: reduzir as suas
operações ou descortinar uma forma de ter os seus aviões prontos a arrancar
de novo em apenas 10 minutos. E foi assim que nasceu o tempo de resposta
de 10 minutos.
Ao passo que a maioria dos funcionários das outras companhias aéreas
teria simplesmente dito que isso não poderia ser feito, o pessoal da
Southwest apressou-se a tentar descobrir uma forma de realizar aquela
tarefa sem precedentes e aparentemente impossível. Atualmente, a sua
inovação ainda dá frutos. Devido ao crescente congestionamento nos
aeroportos e aos maiores volumes de carga e aviões, a Southwest demora
agora cerca de 25 minutos a ter os seus aviões prontos a descolarem de
novo. No entanto, se quisesse tentar manter os mesmos voos mas aumentar
em cinco minutos esse tempo de resposta, precisaria de mais 18 aviões na
sua frota, a um custo de quase mil milhões de dólares.
A notável capacidade da Southwest para resolver problemas, a
impressionante capacidade da Apple para inovar e a capacidade dos irmãos
Wright para desenvolver uma tecnologia com a equipa de que dispunha só
foram possíveis por uma mesma razão: eles acreditaram que conseguiriam e
confiaram nas suas equipas para o fazerem.

A definição de confiança

Fundado por Sir Francis Baring em 1762, o Barings Bank era o mais antigo
banco comercial de Inglaterra. O banco, que sobreviveu às guerras
napoleónicas, à Primeira Guerra Mundial e à Segunda Guerra Mundial, não
conseguiu sobreviver à predileção pelo risco por parte de um
autoproclamado operador desonesto. Nick Leeson derrubou sozinho o
Barings Bank em 1995, ao realizar transações bolsistas não autorizadas e de
risco extremamente elevado. Se os ventos tivessem continuado a soprar na
direção certa, Leeson teria ficado muito rico, e teria também enriquecido o
banco, pelo que teria sido aclamado como um herói.
Mas há coisas imprevisíveis, como o tempo e os mercados financeiros.
Poucos contestam que aquilo que Leeson estava a fazer era simplesmente
jogar. E o jogo é muito diferente do risco calculado. O risco calculado
aceita que pode haver grandes perdas, mas são tomadas medidas de
salvaguarda contra essas perdas ou para responder a um desfecho
improvável mas possível. Apesar de uma aterragem de emergência ser
“improvável”, como nos dizem as companhias aéreas, continuam a
fornecer-nos coletes salva-vidas. E nem que seja pela paz de espírito,
gostamos que o façam. Não o fazer seria um jogo no qual poucas
companhias aéreas estariam dispostas a entrar, mesmo que a tábua atuarial
penda fortemente para o lado delas.
Leeson ocupava, estranhamente, duas posições no Barings, atuando
ostensivamente como operador bolsista e como seu próprio supervisor [em
Singapura], mas o facto não é interessante tendo em conta o assunto. Que
um homem tenha uma tal tolerância ao risco a ponto de poder criar tanto
dano também não é muito interessante. Ambos são fatores de curto prazo.
Ambos teriam terminado se Leeson tivesse deixado a empresa ou mudado
de funções, ou se o Barings lhe tivesse atribuído um novo supervisor para
monitorizar as suas operações. O que é mais interessante é a cultura do
banco, que permitiu que estas condições existissem. O Barings tinha
perdido o seu PORQUÊ.
A cultura do Barings já não era uma cultura na qual as pessoas iam
trabalhar inspiradas. Motivadas, sim, mas não inspiradas. Manipuladas pela
promessa de elevados prémios pelo desempenho, é certo, mas não
inspiradas para trabalharem no melhor interesse comum. Tal como Leeson
referiu no seu próprio relato de como saiu impune durante tanto tempo pelo
seu comportamento de risco, ele disse que não era uma questão de os outros
não reconhecerem que aquilo que ele estava a fazer era potencialmente
perigoso. Era pior do que isso. Havia um estigma contra as perguntas. “As
pessoas na sucursal londrina do Barings eram tão sábias que ninguém se
atrevia a fazer uma pergunta estúpida para o caso de poderem parecer
patetas em frente a todos os outros”, explicou Leeson (40). A ausência de um
conjunto claro de valores e crenças, a par com a débil cultura daí resultante,
criaram as condições para um ambiente em que cada um sabia de si, cujo
impacto de longo prazo só poderia resultar num desastre. É assim desde o
homem das cavernas. Se as pessoas não tomam conta da comunidade, então
os benefícios da comunidade desaparecem. Muitas empresas têm
funcionários ilustres e vendedores estrelas, e por aí fora, mas poucas têm
uma cultura que produza excelentes pessoas como regra e não como
exceção.
A confiança é uma coisa notável. A confiança permite-nos contar com os
outros. Contamos com aqueles em quem confiamos para nos aconselharem
no sentido de tomarmos decisões. A confiança é o alicerce para a evolução
das nossas próprias vidas, das nossas famílias, das nossas empresas, das
nossas sociedades e da nossa espécie. Confiamos em quem pertence à nossa
comunidade para olhar pelos nossos filhos de modo a podermos ir jantar
fora. Se nos for dado a escolher entre duas amas, temos mais tendência para
confiar naquela que conhece a zona do que naquela com muita experiência,
mas que vive mais longe. Não confiaríamos em alguém de fora porque não
sabemos nada sobre essas pessoas, dizemos. A realidade é que também não
sabemos nada sobre a ama local para lá do facto de ser dali da zona. Neste
caso, damos primazia à familiaridade em detrimento da experiência no que
diz respeito a algo muito importante – a segurança dos nossos filhos.
Confiamos que alguém que vive na nossa comunidade, e com maior
probabilidade de partilhar os nossos valores e crenças, está mais bem
qualificada para cuidar da coisa mais preciosa das nossas vidas, em
detrimento de uma pessoa com um longo currículo mas que seja de fora. É
impressionante. É caso para refletirmos quando pensamos na forma como
contratamos pessoas: o que é mais importante, o seu CV e experiência ou o
seu bom enquadramento na nossa comunidade? Os nossos filhos são
provavelmente mais importantes do que o cargo que queremos ocupar numa
organização, mas parece que aplicamos critérios muito diferentes. Estará
aqui em jogo um falso pressuposto no que respeita a quem é o melhor
funcionário?
Historicamente, a confiança tem desempenhado um papel mais
preponderante na evolução das empresas e sociedades do que somente no
conjunto de competências. Tal como o casal que deixa os seus filhos para
uma saída à noite, os grupos dentro de uma mesma sociedade sairiam com
confiança, sabendo que as suas casas e famílias estariam seguras até ao seu
regresso. Se não houvesse confiança, então ninguém correria riscos. Não
correr quaisquer riscos significaria que não haveria qualquer atividade
exploratória, nenhuma experimentação e nenhum avanço da sociedade
como um todo. É um conceito notável: só quando os indivíduos conseguem
confiar na cultura ou organização é que assumirão riscos pessoais de modo
a fazer avançar essa cultura ou organização como um todo. Nem que seja
porque, no final de contas, isso é bom para a sua própria saúde e
sobrevivência.
Independentemente da sua experiência e das suas competências, nenhum
trapezista tentará um novo salto de desafio da morte sem primeiro tentar
com uma rede por baixo. E dependendo de quão perigoso o número for, ele
poderá insistir em ter sempre a rede quando o executa. Além da sua óbvia
vantagem de o apanhar se cair, a rede também traz um benefício
psicológico. Saber que ela está lá dá ao trapezista a confiança necessária
para tentar algo que nunca fez antes, ou para o fazer sucessivamente.
Retire-se a rede e ele só executará números seguros, aqueles em que sabe
que pode terminar em segurança. Quanto mais ele confiar na qualidade da
rede, mais riscos pessoais assumirá para tornar a sua atuação melhor. A
confiança que a administração do circo lhe dá ao fornecer-lhe uma rede é
provavelmente concedida também a outros artistas. Rapidamente todos os
artistas se sentirão confiantes para tentarem novas coisas e irem mais além.
Esse acervo de confiança pessoal e de risco pessoal faz com que todo o
circo tente apresentar um melhor espetáculo. Um espetáculo global melhor
significa mais clientes. E o sistema prospera. Mas não sem confiança.
Quem está inserido numa comunidade, ou numa organização, tem de
confiar que os seus líderes lhe fornecem uma rede – prática ou emocional.
Com esse sentimento de suporte, quem está na organização é mais provável
que envide esforços adicionais que acabarão por beneficiar o grupo como
um todo.
Posso admitir que há sempre quem assuma o risco, pela primeira vez ou
repetidamente, sem a rede. Haverá sempre quem se aventure a explorar,
independentemente de quem esteja em casa a segurar o forte. Estas pessoas
por vezes conquistam o seus legítimos lugares como inovadores. Os que
foram em frente, os que fizeram coisas que mais ninguém faria. Alguns
deles poderão fazer avançar uma empresa ou mesmo uma sociedade. E
alguns deles acabaram por morrer antes de alcançarem o que quer que seja.
Existe uma grande diferença entre saltar de um avião munido de
paraquedas e saltar sem paraquedas. Ambos produzem experiências
extraordinárias, mas só um aumenta a probabilidade de ser capaz de tentar
mais uma vez. Um trapezista com uma personalidade propensa a assumir
riscos extraordinários, sem rede, poderá ser a estrela num espetáculo que,
de outra forma, seria medíocre. Mas se morrer ou se mudar para outra
companhia circense, o que acontece? Este é o paradigma em que alguém é
motivado pelo benefício próprio, independentemente das consequências ou
benefícios para a organização para a qual trabalha. Nesse caso, o esforço
poderá ser bom para o indivíduo e poderá ser bom para o grupo, mas os
benefícios, especialmente para o grupo, são limitados no tempo. Com o
passar do tempo, este sistema irá desmoronar-se, muitas vezes em
detrimento da organização. Incutir confiança de modo a encorajar as
pessoas que não têm predileção pelo risco, como Nick Leeson, é uma
melhor estratégia de longo prazo.
As organizações de excelência tornam-se excelentes porque as pessoas
que dela fazem parte se sentem protegidas. O forte sentido de cultura cria
um sentimento de pertença e funciona como uma rede. As pessoas vão para
o trabalho sabendo que as suas casas, colegas e a organização como um
todo irão olhar por elas. Isto resulta num comportamento recíproco.
Decisões, esforços e comportamentos individuais que suportam, beneficiam
e protegem o interesse de longo prazo da organização como um todo.
A Southwest Airlines, uma companhia reconhecida por se focar nos seus
clientes, não considera, por uma questão de política, que o cliente tem
sempre razão. A Southwest não tolerará clientes que abusam dos seus
funcionários (41). A empresa preferirá que esses clientes voem através de
outra companhia. É uma ironia subtil o facto de uma das companhias com
melhor serviço ao cliente nos EUA tentar focar-se primeiro nos seus
funcionários e só depois nos clientes. É a confiança entre a administração
da empresa e os funcionários, não o dogma, que produz o excelente serviço
ao cliente. Assim, o pré-requisito para que alguém confie na cultura na qual
trabalha, é que se partilhem os valores e crenças dessa cultura. Sem isso,
esse funcionário, por exemplo, simplesmente não se encaixará bem e o mais
provável é que trabalhe apenas para benefício próprio sem ter em
consideração o bem maior. Mas se quem estiver na organização se encaixar
bem, a oportunidade de se esforçar mais, de explorar, de inventar, de inovar
e de avançar e, mais importante ainda, de o fazer vezes sem conta, aumenta
exponencialmente. Só com confiança mútua é que uma organização se pode
tornar excelente.

A verdadeira confiança provém das coisas


que não se podem ver

“Rambo 2”, disse a voz que se ouviu no rádio do brigadeiro-general


Jumper, referindo-se a ele pelo seu código de chamada. “O vosso inimigo, a
180 quilómetros por hora, está a 40 quilómetros e a aproximar-se
rapidamente”.
“Contacto radar Barnyard”, respondeu o Rambo 2, reportando que tinha
detetado o grupo inimigo no seu próprio radar. General de uma estrela, John
Jumper era um experiente piloto de F-15 com milhares de horas de voo e
mais de mil horas de combate (42). Sob todos os pontos de vista, ele era um
dos melhores. Nascido em Paris, Texas, tinha uma carreira de distinção.
Tinha já pilotado praticamente todos os aparelhos de que a Força Aérea
norte-americana dispunha, desde aviões de carga a caças. Homenageado e
distinguido, comandante do seu próprio esquadrão de combate, ele era a
personificação do que significava ser um piloto de combate. Inteligente e
confiante.
Mas, naquele dia, a reação de Jumper não se adequou à situação com que
se deparava. À distância de 40 quilómetros, seria de esperar que ele
disparasse as suas armas ou realizasse algum outro movimento ofensivo.
Receando que Jumper tivesse sintonizado um contacto errado no seu radar,
a capitã Lori Robinson repetiu calmamente o que conseguia ver a
quilómetros de distância: “Rambo 2, confirme contacto radar. O SEU
inimigo vai agora a 190 quilómetros por hora, está a 32 quilómetros de si”.
Na qualidade de controladora dos mísseis aéreos, e a monitorizar toda a
ação no seu visor do radar a partir de um centro de comando e controlo nas
proximidades, competia a Lori Robinson direcionar o piloto para a aviação
inimiga de modo a que ele pudesse usar as suas armas para os intercetar e
destruir. Ao contrário de um controlador de tráfego aéreo, cuja função é
manter os aviões a distâncias seguras, a controladora de mísseis tinha de
aproximar os aviões. Com a vantagem do visor do radar, só o controlador de
mísseis consegue ver o panorama geral, uma vez que o sistema de
navegação de que o piloto dispõe a bordo apenas mostra o que está
diretamente em frente ao avião.
No entanto, a capitã Robinson encarava o seu trabalho como algo mais do
que apenas ficar a olhar para um radar, algo mais profundo do que ser
apenas os olhos e ouvidos dos pilotos que se confrontavam com o perigo a
2.400 quilómetros por hora. A capitã Robinson sabia o PORQUÊ de o seu
trabalho ser importante. Ela via-se como responsável por abrir caminho
para os pilotos ao seu cuidado, de modo a que eles pudessem fazer o que
era necessário, de modo a que pudessem dar mais deles e dos seus aviões
com maior confiança. E, por esta razão, ela era invulgarmente boa nas
funções que desempenhava. Robinson não podia cometer erros. Se o
fizesse, perderia a confiança dos seus pilotos e, pior, eles perderiam a
confiança neles mesmos. É a confiança que torna os pilotos de caças tão
bons no que fazem.
E então aconteceu. A capitã Robinson conseguiu dizer a Jumper, pelo
rádio, que ele não estava consciente da ameaça que avançava em sua
direção. Num dia sem nuvens, a 7.000 metros sobre o deserto, o alarme
soou no caça de última geração, no valor 25 milhões de dólares, do Rambo
2. Ele olhou pelo seu visor do radar e viu o inimigo a preparar-se para
atacá-lo. “VIRAR À DIREITA! VIRAR À DIREITA!”, gritou ele para o
seu rádio. A 9 de outubro de 1988, o brigadeiro-geral John. P. Jumper foi
morto.
A capitã Robinson aguardou. Reinava uma calma assustadora. Não muito
depois, Jumper irrompeu pela sala da reunião de balanço na Base da Força
Aérea de Nellis. “Fizeste com que eu morresse!”, gritou à capitã Robinson.
Situada no deserto do Nevada, a base de Nellis acolhe a Fighter Weapons
School da Força Aérea dos EUA e, nesse dia, o general John Jumper tinha
sido alvo do impacto direto de um míssil numa simulação por parte de outro
caça da Força Aérea dos EUA que desempenhava o papel de um
combatente inimigo.
“Senhor, não foi culpa minha”, respondeu a capitã Robinson muito
calmamente. “Verifique o vídeo. Verá como foi”. O general Jumper, que era
na época o comandante do Esquadrão 57, um graduado da Fighter Weapons
School da Força Aérea dos EUA, e ex-instrutor em Nellis, avaliava
rotineiramente cada detalhe de todas as missões de treino que pilotava. Os
pilotos muitas vezes contavam com o vídeo para poderem aprender com os
seus exercícios. O vídeo não mentia. E naquele dia também não mentiu.
Revelou que o erro tinha sido de facto de Jumper e não da capitã Robinson.
Tratou-se de uma armadilha clássica. Ele tinha-se esquecido que fazia parte
de uma equipa. Tinha-se esquecido que aquilo que o tornava tão bom no
que fazia não era apenas a sua habilidade. Jumper era um dos melhores
porque havia outros que olhavam por ele. Uma vasta infraestrutura de
pessoas que ele não conseguiu ver.
Sem dúvida que o general Jumper recebeu o melhor equipamento, a
melhor tecnologia e o melhor treino que o dinheiro poderia comprar. Mas
foi a mecânica, os professores, os seus colegas pilotos, a cultura da Força
Aérea e a capitã Robinson que asseguraram que ele poderia confiar em si
mesmo para cumprir as funções. O general Jumper esqueceu-se do
PORQUÊ de ele ser tão bom profissional e tomou uma decisão na fração de
um segundo que lhe custou a vida. Mas é para isso que o treino serve, para
aprender estas lições.
Cerca de 16 anos após a lição que aprendeu no deserto do Nevada, o
general Jumper abraçou coisas maiores. Atualmente general reformado de
quatro estrelas, foi chefe de pessoal da Força Aérea norte-americana entre
2001 e 2005, o cargo mais elevado em toda a Força Aérea, responsável pela
organização, treino e equipamento de quase 700.000 elementos no ativo,
guardas, reservas e forças civis que servem nos EUA e fora do país (43).
Enquanto membro do Estado Maior Conjunto dos Estados Unidos, ele, a
par com chefes de outros serviços, foi conselheiro do secretário da Defesa,
do Conselho de Segurança Nacional e do presidente.
Esta não é, porém, uma história sobre o general Jumper. É uma história
sobre Lori Robinson. Atualmente ela própria brigadeiro-general na Força
Aérea, já não está sempre a olhar para uma mira (44). Já não há demónios
nem bandidos, as alcunhas da Força Aérea para os bons e os maus da fita,
na sua vida. Apesar de as suas funções terem mudado, a general Robinson
ainda começa os seus dias recordando-se do PORQUÊ de ir trabalhar.
Por muito que sinta a falta dos “seus miúdos”, como chamava aos que
serviam sob o seu comando, a general Robinson continua a procurar formas
de abrir caminho para os outros de modo a que possam dar mais de si e
levar a organização mais à frente. “O tempo para pensar em si mesmo já
passou, isto não é sobre si, é sobre o tenente atrás de si”, lembrava ela aos
seus alunos quando era instrutora na Fighter Weapons School. “Se o
fizermos em número suficiente”, prosseguia, referindo-se ao PORQUÊ de
fazer o que faz, “então deixamos o domínio militar e o país em melhor
estado do que os encontrámos. E não é esse o objetivo?” E é esse sentido de
propósito, uma clara ideia do PORQUÊ de ir trabalhar, que tem sido a pedra
angular do sucesso da general Robinson. E isso, já agora, tem sido notável.
Trabalhar afincadamente para abrir caminho aos outros de modo a que
eles possam, de forma confiante, avançar para coisas maiores e melhores,
inspirou outros a abrirem caminho para a general Robinson fazer
precisamente a mesma coisa. Na qualidade de mulher no meio bastante
masculino que é o militar, ela dá um exemplo de como se deve liderar. A
liderança de excelência não tem a ver com pressão e intimidação; os
grandes líderes, tal como Robinson comprova, lideram com o PORQUÊ.
Eles personificam um sentido de propósito que inspira aqueles que os
rodeiam.
A general Robinson era tão confiável como controladora de mísseis
aéreos que não era invulgar os pilotos em missões de treino pedirem para
ela lhes ser atribuída. “O maior elogio que poderia receber era quando as
pessoas diziam: “quando vou para combate, quero a Lori no rádio”, diz ela.
Robinson foi a primeira mulher na história da Força Aérea a comandar o
55.o Esquadrão de Controlo Aéreo a partir da base de Tinker, um dos
maiores esquadrões no Comando de Combate Aéreo (o esquadrão que
pilota os aviões do Sistema Aéreo de Alerta e Controlo Aerotransportado
AWACS – a frota de Boeings 707 com as enormes antenas do radar
giratório na parte superior). E é a primeira comandante de um esquadrão de
combate que não vem da classe dos pilotos. Ela foi a primeira instrutora
mulher da Weapons School a ensinar na Fighter Weapons School da Força
Aérea, onde a força aérea treina todos os seus ases do ar. Ali, ela tornou-se
a mais aclamada professora nas fileiras – tendo sido considerada a melhor
professora de sete turmas consecutivas. Ela é a primeira mulher a dirigir a
Secretaria da Força Aérea e chefe de pessoal do Air Force Executive Action
Group. Em 2000, o presidente do Estado Maior Conjunto dos Estados
Unidos disse, sobre a general Robinson, dos tempos em que era ainda
capitã, que ela tinha influenciado de forma singular as suas ideias sobre o
poderio aéreo. E a lista prossegue.
Indubitavelmente, a general Lori Robinson é uma líder notável. Há quem
ocupe cargos de gestão e aja como se estivesse numa árvore dos macacos.
Essas pessoas certificam-se de que todos os que estão no topo da árvore só
veem sorrisos quando olham para baixo. Mas é frequente aqueles que estão
em baixo apenas verem rabos quando olham para cima. Os líderes de
excelência, como a general Robinson, são respeitados tanto pelos que estão
acima como pelos que estão abaixo. Os que estão sob o comando da general
Robinson confiam implicitamente nela porque sabem que ela está
empenhada em olhar por eles. “Não há nada que vocês possam fazer que eu
não consiga solucionar”, disse muitas vezes aos alunos da Fighter Weapons
School. E aqueles a quem a general reporta revelam imenso respeito por
ela. “Não sei como é que ela resolve metade das coisas que tem em mãos”,
dizem aqueles que a conhecem. Mais importante ainda, isso é dito com um
sorriso aberto e com respeito. A capacidade da general Robinson para
liderar desenvolveu-se não porque ela era a mais inteligente ou a mais
afável. Ela é uma grande líder porque compreende que conquistar a
confiança de uma organização não provém de tentar impressionar toda a
gente, provém de decidir servir aqueles que a servem a ela. É a confiança
invisível que confere a um líder os seguidores de que precisa para conseguir
que as coisas sejam feitas. E, no caso de Lori Robinson, as coisas são feitas.
Recorri ao exemplo militar porque é o expoente do que aqui está em
causa. A confiança importa. A confiança provém de fazer parte de uma
cultura ou organização com um conjunto comum de valores e crenças. A
confiança é mantida quando os valores e crenças são ativamente geridos. Se
as empresas não trabalham ativamente no sentido de manterem o seu
Círculo Dourado em equilíbrio – clareza, disciplina e consistência –, então a
confiança começa a dissipar-se. Uma empresa, que é de facto uma
organização, deve trabalhar ativamente no sentido de recordar a toda a
gente o PORQUÊ de a empresa existir. O PORQUÊ de ter sido fundada,
logo para começar. Aquilo em que acredita. Elas têm de responsabilizar
todos os elementos da empresa pelos valores e princípios orientadores. Não
basta escrevê-los na parede – isso é trabalho passivo. Os bónus e incentivos
devem centrar-se nesses valores e princípios orientadores. A empresa deve
servir aqueles que espera que a sirvam.
Com equilíbrio, as pessoas que se encaixam bem na empresa podem
confiar que todos estão a bordo pelas mesmas razões. É também a única
forma de cada indivíduo no sistema poder confiar que os outros estão a
atuar no sentido de “deixar a organização melhor do que quando entraram”,
citando uma vez mais a general Robinson. Esta é a raiz da paixão. A paixão
provém de sentirmos que fazemos parte de algo em que acreditamos, algo
maior do que nós próprios. Se as pessoas não confiarem que uma empresa é
organizada de forma a fazer evoluir o seu PORQUÊ, então a paixão
desvanece-se. Sem uma confiança gerida, as pessoas irão trabalhar apenas
com o intuito de cumprirem as suas funções e irão preocupar-se sobretudo
com elas próprias. Esta é a raiz da política de escritório – as pessoas
funcionam dentro do sistema em prol delas mesmas, muitas vezes às custas
dos outros e até mesmo às custas da empresa. Se uma empresa não gere a
confiança, então os seus funcionários não irão confiar nela e o benefício
próprio torna-se a motivação reinante. Isto pode ser bom no curto prazo,
mas, com o decorrer do tempo, a organização ficará cada vez mais
debilitada.
Herb Kelleher, o visionário por detrás da Southwest Airlines,
compreendeu isto melhor do que a maioria das pessoas. Ele reconheceu
que, para obter o melhor dos seus funcionários, teria de criar um ambiente
de trabalho em que eles sentissem que a empresa se preocupava com eles.
Ele sabia que iriam sobressair naturalmente se sentissem que o trabalho que
realizavam fazia a diferença. Quando um jornalista perguntou a Kelleher
quem é que estava em primeiro lugar para ele, se os acionistas ou os
funcionários, a sua resposta foi considerada uma heresia na época (e, em
grande medida, ainda é). “Bom, é fácil. Os funcionários estão em primeiro
lugar e, se forem tratados corretamente, irão tratar o mundo exterior de
forma correta e o mundo exterior irá recorrer de novo ao produto da
empresa, e é isso que deixa os acionistas felizes. Essa é, na verdade, a
forma como as coisas funcionam e não é, de todo, complicado”, afirmou.

A influência dos outros


Em quem confia mais, em alguém que conhece ou em alguém que não
conhece? No que é que confia mais, num argumento defendido num
anúncio ou numa recomendação feita por um amigo? Em quem confia mais,
no empregado de mesa que lhe diz “tudo o que está no menu é excelente”
ou no empregado de mesa que lhe diz para evitar o frango estufado? Acha
estas perguntas muito fáceis? Então e esta: por que razão há de alguém
confiar em si?
As recomendações pessoais ajudam muito. Confiamos na opinião de
outros. Faz parte da estrutura das culturas fortes. Mas não confiamos nas
opiniões de qualquer um. Estamos mais inclinados a confiar naqueles que
partilham dos nossos valores e crenças. Quando acreditamos que alguém
tem o nosso melhor interesse em mente, porque isso também o beneficia,
todo o grupo ganha. A evolução das sociedades baseou-se grandemente na
confiança entre os que têm o mesmo conjunto de valores e crenças.
O sentimento de confiança está diretamente alojado no mesmo lugar que
o PORQUÊ – o cérebro límbico – e é muitas vezes suficientemente
poderoso para jogar o trunfo da investigação empírica, ou pelo menos
semear a dúvida. É por esta razão que tantas manipulações são eficazes;
acreditamos que, mal ou bem, os outros sabem mais do que nós.
Claramente, quatro em cada cinco dentistas sabem mais do que nós quando
estão a escolher pastilhas elásticas (mas e em relação ao que preferiu não
comer pastilhas… o que sabia ele que os outros não sabiam?) É óbvio que
confiamos nas recomendações feitas por uma celebridade. Essas
celebridades são ricas e podem usar qualquer produto que queiram. Os
produtos devem ser bons se elas estão a colocar a sua reputação em jogo ao
promoverem-nos, não é?
Provavelmente já respondeu mentalmente a esta pergunta.
Evidentemente, essas celebridades estão a promover o produto porque lhes
pagam para isso. Mas se as recomendações das celebridades não
funcionassem, as empresas não as usariam como recurso. Ou talvez seja o
medo de que talvez esses produtos “possam” funcionar que alimenta o
piscar de olho de um milhão de dólares e um sorriso que nos incentiva a
escolher um carro em detrimento de outro ou um batom em vez de outro. O
facto é que nenhum de nós está imune ao efeito que alguém que
conhecemos, ou em quem sentimos que confiamos, tem sobre as nossas
decisões.
As recomendações das celebridades são usadas com este conceito em
mente. Parte-se do princípio de que, ao usar um nome ou rosto conhecido,
haverá maior probabilidade de as pessoas confiarem nos argumentos dados.
A falha neste pressuposto é que o estatuto de celebridade, por si só, pode
ajudar a influenciar o comportamento, mas a este nível é uma mera pressão
de pares. Para funcionar, a celebridade tem de representar uma causa ou
crença clara. Uma atleta conhecida pela sua ética profissional poderá ter
algum valor para uma empresa com a mesma crença, por exemplo. Ou um
ator conhecido pelo seu trabalho em prol das instituições de beneficência
poderá enquadrar-se numa empresa conhecida por fazer o bem. Nestes
casos, é evidente que tanto a empresa como a celebridade estão a trabalhar
conjuntamente para fazerem avançar a mesma causa. Havia um anúncio do
TD Bank com os apresentadores Regis Philbin e Kelly Pipa de um
programa da manhã. Ainda estou a tentar perceber a causa que dois
apresentadores de um talk show representam e de que forma é que isso
importa quando se trata de escolher um banco em vez de outro. Quando
uma empresa diz que uma celebridade representa “o tipo de qualidades que
queremos que os nossos clientes associem a nós”, ela falha o essencial. A
celebridade é mais um QUÊ para o PORQUÊ da empresa. A celebridade
deve personificar as qualidades que já existem na empresa. Sem haver
primeiro um PORQUÊ bem claro, qualquer benefício representará apenas
um reforço do reconhecimento.
Muitas decisões (e, na realidade, negociações de contratos) baseiam-se
num indicador do setor publicitário chamado pontuação Q – um quociente
de quão conhecida é determinada celebridade, o quão famosa é, por assim
dizer. Quanto mais elevada for a pontuação, melhor o reconhecimento, sem
ajuda, da celebridade. Esta informação, por si só, não basta. Quanto mais
claramente for entendido o PORQUÊ do próprio porta-voz, melhor
embaixador poderá ser de uma marca ou empresa que pensa da mesma
forma. Mas não existe de momento qualquer medida do PORQUÊ de uma
celebridade, pelo que o resultado é óbvio. O valor de demasiadas
recomendações de celebridades está apenas na atratividade da celebridade.
A menos que a audiência a quem você está a tentar apelar perceba aquilo
em QUE o porta-voz acredita, a menos que o porta-voz seja “um de nós”, a
recomendação poderá motivar o reconhecimento, poderá até mesmo
impulsionar as vendas no curto prazo, mas não será capaz de construir
confiança.
Uma recomendação confiável é suficientemente poderosa para alardear
factos e números e até mesmo orçamentos de marketing no valor de vários
milhões de dólares. Pense no jovem pai que quer fazer tudo bem pelo seu
filho recém-nascido. Ele decide que vai comprar um carro novo – que seja
seguro, que proteja a criança. Passa uma semana a ler todas as revistas e
relatórios, já viu toda a publicidade e decide que no sábado seguinte irá
comprar um Volvo. Os factos estão lá e ele já se decidiu. Na sexta-feira à
noite ele e a sua mulher vão a um jantar. Junto à taça de ponche está o seu
amigo, que é um entusiasta de automóveis. O nosso intrépido pai recente
vai ter com o seu amigo e anuncia-lhe orgulhosamente que, na qualidade de
pai, decidiu comprar um Volvo. Num ápice, o seu amigo responde: “por que
motivo vais fazer isso? O Mercedes é o carro mais seguro para andar na
estrada. Se te preocupas com o teu filho, tens de comprar um Mercedes”.
Apostado em ser um bom pai, mas também confiando na opinião do seu
amigo, uma de três coisas acontecerá. O nosso jovem pai mudará de ideias e
compra um Mercedes; segue em frente com a sua decisão original, mas não
sem algumas dúvidas sobre se está a fazer a coisa certa; ou regressa à sua
mesa de projeto para recomeçar toda a sua investigação de modo a ficar
tranquilo quanto à sua decisão. Independentemente do volume de
informação racional de que dispõe, se ele não tiver a certeza quanto à sua
decisão, irá ficar tenso e a confiança desaparecerá. Por mais que as
fracionemos, as opiniões dos outros importam. E as opiniões daqueles em
quem confiamos importam ainda mais.
A questão não está na forma como as empresas automóveis devem falar
ao pai que comprou o carro. A questão não está sequer na forma como elas
cortejam a opinião altamente influente do seu amigo, o tipo maluquinho
pelos automóveis. O conceito de comprador e influenciadores não é novo.
A questão que se coloca é a seguinte: como é que conseguirá que os
influenciadores falem suficientemente sobre si, a ponto de você conseguir
que o sistema penda para o seu lado?
26 “Ao longo da década de 1980, esse era o dia a dia na Continental Airlines”: Gordon Bethune,
From Worst to First: Behind the Scenes of Continental’s Remarkable Comeback. Nova Iorque: John
Wiley and Sons, 1999.
27 “Funcionários felizes garantem clientes felizes”: Kevin Freiberg e Jackie Freiberg, Nuts!
Southwest Airlines’ Crazy Recipe for Business and Personal Success. Nova Iorque: Broadway, 1998.
28 “Não mentimos ao nosso próprio médico”: Gordon Bethune, entrevista pessoal, janeiro de 2009.
29 “O custo (…) ascenderia a cerca de 250.000 dólares”: “Shackleton Plans Record Polar Trip”, The
New York Times, 30 de dezembro de 1913.
30 “As doações por parte de estudantes britânicos pagaram as equipas de cães”: “Ernest H.
Shackleton, 1874–1922”, South-Pole.com, www.south-pole.com/p0000097.htm.
31 “A apenas alguns dias da Ilha Geórgia do Sul”:
http://www.pbs.org/wgbh/nova/shackleton/1914/timeline.html.
32 “como uma amêndoa num pedaço de caramelo”: Paul Ward, “Shackleton, Sir Ernest (1874–
1922)”, Cool Antarctica,
http://www.coolantarctica.com/Antarctica%20fact%20file/History/Ernest%20Shackleton_Trans-
Antarctic_expedition2.htm.
33 “Precisa-se de homens para viagem perigosa”: Nova Online,
http://www.pbs.org/wgbh/nova/shackleton/1914/team.html.
34 “Na década de 1970, a Southwest Airlines decidiu que os uniformes das suas hospedeiras seriam
compostos por calções curtos”: Howard Putnam, entrevista pessoal, outubro de 2008.
35 “Langley reuniu algumas das melhores e mais brilhantes mentes de então”: James Tobin, To
Conquer the Air: The Wright Brothers and the Great Race for Flight. Nova Iorque: Free Press, 2004.
36 “Langley viu no avião o seu bilhete para a fama e fortuna”: Tobin, entrevista pessoal, fevereiro de
2009.
37 “Wilbur e Orville eram verdadeiros cientistas”: Tobin, entrevista pessoal, fevereiro de 2009.
38 “Ele considerou humilhante aquela derrota”: Tobin, To Conquer the Air.
39 “A Southwest Airlines é famosa por ter sido pioneira no tempo de resposta de 10 minutos”: Paul
Burnham Finney, “Loading an Airliner is Rocket Science”, New York Times, 14 de novembro de
2006, http://travel2.nytimes.com/2006/11/14/business/14board ing.html?pagewanted=print.
40 “As pessoas na sucursal londrina do Barings”: Nick Leeson e Edward Whitley. Rogue Trader:
How I Brought Down Barings Bank and Shook the Financial World. Nova Iorque: Little, Brown and
Company, 1996.
41 “A Southwest não tolerará clientes que abusam dos seus funcionários”: Freiberg e Freiberg, Nuts!
42 “General de uma estrela, John Jumper era um experiente piloto de F-15”: General Lori Robinson,
entrevista pessoal, outubro de 2008.
43 “foi chefe de pessoal da Força Aérea norte-americana entre 2001 e 2005”:
http://www.af.mil/bios/bio.asp?bioID=5986.
44 “Atualmente ela própria brigadeiro-general na Força Aérea”: http://www.af.mil/bios/bio.asp?
bioID=10439.
CAPÍTULO 7

COMO CONSEGUIR
O PONTO DE VIRAGEM

Se eu lhe dissesse que conhecia uma empresa que inventou uma nova e
incrível tecnologia que mudará a maneira como consumimos TV, isso
despertaria o seu interesse? Talvez estivesse interessado em comprar-lhes o
produto ou em investir na empresa. E isto melhora. Eles têm o melhor
produto disponível. A qualidade é espetacular, muito melhor do que
qualquer outra coisa no mercado. E os esforços em matéria de publicidade
foram tão notáveis que até se tornaram num nome familiar. Interessado?
Este é o caso da marca TiVo. Uma empresa que parecia ter tudo a seu
favor, mas que acabou por ser um falhanço comercial e financeiro. Já que
parecia ter a receita para o sucesso, o fracasso da TiVo desafiou a sabedoria
convencional. No entanto, as dificuldades são facilmente compreendidas se
considerar que ela achava que O QUE fazia era mais importante do que o
PORQUÊ de o fazer. A empresa ignorou também a Teoria da Difusão das
Inovações.
Em 2000, Malcolm Gladwell criou o seu próprio ponto de viragem
quando compartilhou connosco a forma como os pontos de inflexão
ocorrem nos negócios e na sociedade (45). No seu livro pertinentemente
intitulado The Tipping Point, Gladwell identifica grupos de populações
necessários a que chama de conectores e influenciadores. Sem dúvida que
as ideias de Gladwell são acertadas. Mas ainda se levanta a questão: por que
razão deve um influenciador falar com alguém sobre si? Os comerciantes
estão sempre a tentar influenciar os influenciadores, mas poucos sabem
realmente como. Não podemos contestar que os pontos de viragem
acontecem e que as condições de que Gladwell fala estão corretas, mas um
ponto de viragem pode acontecer intencionalmente? Eles não podem ser
apenas um fenómeno acidental. Se existem, então devemos ser capazes de
conceber um, e se pudermos conceber um, devemos ser capazes de
conceber um que permaneça para lá do fenómeno inicial. É a diferença
entre uma moda e uma ideia que muda uma indústria ou uma sociedade
para sempre.
Na sua obra de 1962, Diffusion of Innovations, Everett M. Rogers foi o
primeiro a descrever formalmente as inovações na sociedade (46). Trinta
anos depois, no seu livro Crossing the Chasm, Geoffrey Moore expandiu as
ideias de Rogers para aplicar o princípio ao marketing de produtos de alta
tecnologia (47). Mas a Teoria da Difusão das Inovações explica muito mais
do que apenas a propagação da inovação ou tecnologia. Explica a
propagação de ideias.
Se não conhece esta teoria, pelo menos já deve estar familiarizado com
alguma da sua terminologia. A nossa população está dividida em cinco
segmentos que atravessam uma curva em sino: inovadores, primeiros a
aderir, maioria inicial, maioria tardia e retardatários [últimos a aderir].

Segundo esta teoria, os primeiros 2,5% da população são os inovadores e


os 13,5% seguintes são os primeiros a aderir [ao produto ou serviço]. Os
inovadores, segundo Moore, procuram criar novos produtos ou ideias, de
forma agressiva, e interessam-se por qualquer avanço fundamental; ser o
primeiro é uma parte central das suas vidas. Como o próprio nome sugere,
os inovadores são a pequena percentagem da população que desafia os
restantes a verem e pensarem o mundo de uma forma um pouco diferente.
Os primeiros a aderir são semelhantes aos inovadores, pois apreciam as
vantagens obtidas por novas ideias ou tecnologias. Eles são os primeiros a
reconhecer o valor das novas ideias e estão dispostos a tolerar a imperfeição
porque conseguem ver o potencial. Embora sejam rápidos a perceber o
potencial e estejam dispostos a assumir riscos para experimentar novas
tecnologias ou ideias, os primeiros a aderir não são geradores de ideias
como os inovadores. Mas ambos os grupos são semelhantes, como diz
Moore, na medida em que dependem fortemente da sua intuição. Eles
confiam no instinto.
Os primeiros a aderir estão dispostos, tal como os inovadores, mas em
menor grau, a pagar um prémio ou a suportar algum inconveniente de forma
a possuírem um produto ou adotarem uma ideia que sintam ser certa. Os
que se situam do lado esquerdo da curva de difusão são aqueles que ficaram
na fila seis horas para estarem entre os primeiros a comprar o iPhone, que
marcou a entrada da Apple no mercado de telemóveis, mesmo que
pudessem ter entrado numa loja uma semana depois e comprado um sem
terem de esperar. A vontade de suportar um inconveniente ou pagar mais
caro teve menos a ver com a excelência do produto e mais a ver com a
maneira como os compradores se percecionavam a si mesmos. Eles queriam
ser os primeiros.
Este é também o tipo de personalidade que comprou televisões de ecrã
plano assim que saíram para o mercado, embora custassem mais de 40.000
dólares e a tecnologia ainda estivesse longe de ser perfeita. O meu amigo
Nathan encaixa neste perfil. Certa vez, cirandei pela casa dele e contei pelo
menos 12 auriculares bluetooth para o telemóvel. Perguntei-lhe o porquê de
ter tantos. “Estragaram-se todos?”, indaguei. “Não”, respondeu ele,
“surgiram novos modelos”. (Havia também cerca de cinco computadores
portáteis, vários modelos de smartphones BlackBerry e caixas de outros
aparelhos que nunca funcionaram muito bem.) Nathan é um dos primeiros a
aderir.
Os 34% seguintes da população são a maioria inicial, seguida da maioria
tardia, havendo por último os retardatários – que estão no extremo direito
do espectro. Os retardatários [últimos a aderir] são aqueles que compram
telefones de teclas com sistema de sons só porque já não se fazem telefones
de discar. As maiorias iniciais e tardias são mais práticas. Para elas, os
fatores racionais são mais importantes. A maioria inicial está um pouco
mais confortável com novas ideias ou tecnologias, ao passo que a maioria
tardia não.
Quanto mais à direita se está na curva, mais habitual é encontrar clientes
e fregueses que podem precisar do que você tem, mas que não acreditam
necessariamente naquilo em que você acredita. Como clientes, eles são
aqueles para quem – não importa o quão afincadamente você trabalhe –
nunca é suficiente. Tudo se resume ao preço, no caso deles. Raramente são
leais. Raramente fazem recomendações e às vezes você pode até espantar-se
com o facto de ainda fazer negócio com eles. “Eles simplesmente não
entendem”, diz-nos o instinto. É importante identificar este grupo para que
possa evitar fazer negócio com eles. Para quê investir dinheiro e energia
para ir atrás de pessoas que acabarão por fazer negócio consigo se cumprir
os seus requisitos práticos, mas que nunca lhe serão leais se não o fizer?
Assim que estabeleça uma ligação com as pessoas, não é muito difícil
perceber onde é elas se enquadram no espectro; o desafio é descobrir quem
é quem antes de se decidir a trabalhar com elas.
Todos nos posicionamos em diferentes lugares neste espectro,
dependendo do produto ou da ideia. A maioria de nós é ferozmente leal a
certos produtos e ideias, em momentos distintos, e demonstramos um
comportamento que se adequa ao lado esquerdo da curva. E relativamente a
outros produtos ou ideias, exibimos o comportamento que se encaixa no
lado direito da curva. Quando nos posicionamos num dos lados do espectro,
muitas vezes temos dificuldade em entender os do outro lado, porque o seu
comportamento não nos faz sentido. A minha irmã é uma das primeiras a
aderir no que se refere a tendências da moda, ao passo que eu me situo
convictamente na maioria tardia. Só há pouco tempo é que finalmente cedi
e comprei umas calças de ganga de marca que foram bastante caras. Admito
que me ficam bem, mas continuo a achar que não valem o dinheiro e não
consigo entender por que razão a minha irmã pensa que sim.
Em contrapartida, sou um dos primeiros a aderir no que toca a
determinadas tecnologias. Comprei um leitor de DVDs Blu-ray antes de
essa tecnologia ter sido aperfeiçoada. Paguei cerca de quatro ou cinco vezes
mais em comparação com um leitor de DVD normal. A minha irmã não
consegue entender a razão do meu desperdício de dinheiro em “coisas
inúteis”, como ela diz. Nós nunca veremos as coisas nos mesmos termos.
Cada um de nós atribui valores diferentes a diferentes coisas e temos
comportamentos em conformidade com isso. Esta é uma das principais
razões pelas quais é quase impossível “convencer” alguém do valor dos
seus produtos ou ideias com base em argumentos racionais e benefícios
tangíveis. Trata-se, uma vez mais, do velho debate entre o Ferrari e o Honda
Odyssey. As empresas que vendem jeans de estilistas (ou a minha irmã)
bem podem falar comigo até ficarem azuis no que diz respeito à
importância da qualidade do tecido, design e mão de obra – entra por um
ouvido e sai pelo outro. Da mesma forma, sem sombra de dúvida que se
podem comprovar os benefícios racionais de escolher um leitor de DVD de
500 dólares ao invés de um de 100; mas a minha irmã não vai querer ouvir
uma única palavra sobre isso. E é quando se dá o jogo da manipulação. Mas
repito: ainda que sejam sempre eficazes, as manipulações não produzem
lealdade e aumentam os custos e o stresse para todas as partes envolvidas.
A maioria das pessoas ou organizações que têm algo a vender, seja um
produto, serviço ou ideia, esperam alcançar algum nível de sucesso ou
aceitação no mercado de massas. Muitos esperam entrar no sino da curva.
Chegar lá, no entanto, é mais fácil dizer do que fazer. Quando pergunta às
pequenas empresas sobre os objetivos que têm, muitas delas responderão
que almejam tornar-se companhias avaliadas em milhares de milhões de
dólares em x número de anos. Lamentavelmente, as probabilidades de isso
acontecer não são as melhores. Dos 27 milhões de empresas registadas nos
Estados Unidos, menos de 2.000 conseguem algum dia atingir os mil
milhões de dólares em receitas anuais. E 99,9% de todas as empresas nos
Estados Unidos têm menos de 500 funcionários. Por outras palavras, o
sucesso do mercado de massas é realmente difícil de alcançar.
As grandes empresas enfrentam desafios semelhantes no que diz respeito
a manterem o seu sucesso no mercado de massas. Só porque o conseguiram
uma ou duas vezes não significa que sabem como o fazer sempre. A título
de exemplo, o Zune, que marcou a entrada da Microsoft no mercado de
leitores de mp3 com multi-gigabytes de capacidade, visava “destronar o
iPod”. Isso não aconteceu. Mesmo que a qualidade seja superior, é preciso
mais para ter sucesso do que dispor apenas do produto e do marketing. Não
se esqueça, a tecnologia superior Betamax não superou a tecnologia VHS,
de qualidade inferior, como formato padrão para cassetes de vídeo na
década de 1980. O melhor nem sempre ganha. Como qualquer lei natural, a
Teoria da Difusão deve ser tida em conta se a aceitação do mercado de
massas for importante para si. A recusa em fazê-lo custará muito dinheiro,
podendo resultar num sucesso medíocre, se não mesmo num falhanço total.
Há uma ironia para o sucesso do mercado de massas, ao que parece. É
quase impossível consegui-lo se direcionar o seu marketing e os seus
recursos para o meio do sino, se tentar atrair aqueles que representam o
meio da curva sem apelar primeiro aos que são os primeiros a aderir. Pode
ser feito, mas com uma despesa tremenda. Isso acontece porque a maioria
inicial, de acordo com Rogers, não tentará algo até que alguém o tenha
tentado primeiro. A maioria inicial – toda a maioria, na verdade – precisa da
recomendação de outra pessoa que já tenha experimentado o produto ou
serviço. Eles precisam de saber que alguém o testou. Precisam dessa
recomendação pessoal confiável.
Segundo a Teoria da Difusão, o sucesso no mercado de massas só pode
ser alcançado depois de ter penetrado em 15% a 18% do mercado. Isto
porque a maioria inicial não experimentará algo novo até que alguém o
tenha feito primeiro. É por isso que temos que reduzir o preço ou oferecer
serviços de valor acrescentado. Tentamos reduzir a tolerância ao risco
dessas pessoas de mentalidade prática até que se sintam à vontade para
comprar. É nisto que consiste uma manipulação. Elas podem comprar, mas
não serão leais. Não se esqueça, a lealdade é quando as pessoas estão
dispostas a suportar algum inconveniente ou a pagar um extra para fazerem
negócio consigo. Podem até recusar uma oferta melhor de alguém – algo
que a maioria tardia raramente faz. Quando consegue fazer o sistema
pender para o seu lado é quando o crescimento de uma empresa ou a
divulgação de uma ideia começam a manifestar-se a um ritmo
extraordinário. É também neste ponto que um produto ganha aceitação no
mercado de massas. O ponto em que uma ideia se torna um movimento.
Quando isso acontece, o crescimento não é apenas exponencial, é
automático. Pura e simplesmente, avança.
Por conseguinte, o objetivo de negócio não deve ser simplesmente vender
a quem quiser o que você tem – a maioria –, mas sim encontrar pessoas que
acreditam naquilo em que você acredita, o lado esquerdo da curva do sino.
Essas pessoas percecionam um grande valor naquilo que você faz e pagarão
de boa vontade um extra ou suportarão algum tipo de inconveniência para
serem parte da sua causa. Essas pessoas são as que, por vontade própria,
falarão de si às outras. Esses 15% a 18% não são as pessoas que estão
simplesmente dispostas a comprar o produto. É a percentagem de pessoas
que compartilham as suas crenças e querem incorporar as suas ideias, os
seus produtos e os seus serviços nas suas próprias vidas como QUÊs para os
seus próprios PORQUÊs. Eles encaram o QUE você faz como um elemento
tangível que demonstra o seu próprio propósito, causa ou crença no mundo
exterior. A vontade de pagar mais ou suportar inconvenientes para usar o
seu produto ou serviço diz mais sobre elas do que sobre si e os seus
produtos. A capacidade de verem facilmente o PORQUÊ de precisarem de
incorporar os seus produtos nas suas vidas faz deste grupo os clientes mais
leais. Eles são também os acionistas mais leais e os funcionários mais leais.
Não importa onde eles se posicionam no espectro, estas são as pessoas que
não só o amam, mas falam sobre si. Consiga pessoas suficientes do lado
esquerdo da curva, ao seu lado, e elas encorajarão os restantes a fazerem o
mesmo.
Gosto muito de perguntar às empresas que taxa de conversão é que obtêm
com os seus novos esforços comerciais. Muitas respondem com orgulho:
“10%”. Mesmo que ignore os princípios do Círculo Dourado, a lei das
médias diz que pode ganhar cerca de 10% do negócio. Atire espaguete
suficiente à parede e alguns dos fios ficarão lá colados. Para fazer crescer o
negócio, tudo o que precisa fazer é mais prospeção, e é por isso que fazer
crescer o seu negócio, no meio da curva, é tão caro. Embora o negócio
possa crescer, a média permanecerá aproximadamente a mesma, e 10% não
são suficientes para que o sistema dê uma gorjeta.
Da mesma forma, 10% dos seus clientes ou fregueses existentes
mostrarão, naturalmente, lealdade para consigo. Mas por que razão são tão
leais? Tal como a nossa incapacidade para explicar por que razão é que
amamos os nossos cônjuges, o melhor que podemos arranjar para explicar o
que os torna clientes tão bons é: “eles simplesmente compreendem”. E
embora esta explicação possa parecer correta, é completamente irrecorrível.
Como é que consegue que mais pessoas “compreendam”? Isso é o que
Moore entende por “fosso”, a transição entre os primeiros a aderir e a
maioria inicial, e é difícil de transpor. Mas não se souber PORQUÊ.
Se possuir a disciplina necessária para se concentrar nos primeiros a
aderir, acabará por ter uma maioria. Mas deve começar pelo PORQUÊ.
Focar-se exclusivamente nos chamados influenciadores não é suficiente. O
desafio é: que influenciadores? Há aqueles que parecem adequar-se mais ao
perfil de influenciador do que outros, mas, na realidade, somos todos
influentes em diferentes momentos e por diferentes motivos. Você não quer
um influenciador qualquer, quer alguém que acredite naquilo em que você
acredita. Só então é que falarão sobre si sem quaisquer instruções ou
incentivos. Se eles realmente acreditam naquilo em que você acredita e se
estão realmente no lado esquerdo da curva, não precisarão de ser
incentivados; fá-lo-ão porque querem. Todo o ato de incentivar um
influenciador é manipulador. Isso torna o influenciador completamente
inautêntico junto do seu grupo. Não demorará muito até que o grupo
descubra que uma recomendação não foi feita com o melhor interesse do
grupo em mente, mas sim por causa do interesse próprio de uma pessoa. A
confiança desgasta-se e o valor do influenciador é considerado inútil.

Se recusar ter em conta a teoria da difusão,


isso sair-lhe-á caro

Em 1997, a marca TiVo acorreu ao mercado com um novo dispositivo


notável (48). Poucos contestarão que, desde que o produto foi introduzido
até aos dias de hoje, a TiVo teve o produto de maior qualidade da sua
categoria. A divulgação pública da empresa tinha sido extraordinária. Sem
qualquer ajuda, alcançou um nível de perceção do consumidor [o chamado
awareness] com o qual a maioria das marcas pode apenas sonhar. Tornou-se
mais do que um termo genérico, como Kleenex e Band-Aids. Com efeito,
conseguiu alcançar mais do que um estatuto genérico; tornou-se um verbo
na língua inglesa: “to TiVo.”
A empresa tinha sido bem financiada com capital de risco e possuía uma
tecnologia que poderia, de facto, reinventar a forma como consumimos a
televisão. O problema estava no facto de a empresa apontar diretamente
para o meio da curva do sino na comercialização da tecnologia. Percebendo
a atratividade do produto junto do mercado de massas, a empresa ignorou
os princípios da Teoria da Difusão e apontou às massas. Alicerçada nesse
mau objetivo, tentou apelar à maioria cínica, explicando o QUE é que o
produto fazia em vez de começar por indicar o PORQUÊ da existência da
empresa ou do produto. Tentou convencer com recursos e benefícios.

Basicamente, a empresa disse ao mercado de massas:


• Temos um novo produto.
• Faz pausa na TV em direto.
• Salta anúncios.
• Rebobina a TV em direto.
• Memoriza os seus hábitos de visualização e grava programas sem
necessidade de configuração.

Os analistas ficaram espantados com as perspetivas da TiVo, bem como


da sua concorrente, a Replay, uma start-up bem financiada, apoiada por
capital de risco. Um responsável por estudos de mercado estimou que esses
chamados recetores pessoais de TV atingiriam 760.000 subscritores até ao
final do primeiro ano.
A TiVo arrancou, finalmente, em 1999 (49). Mike Ramsay e Jim Barton,
dois ex-colegas que fundaram a TiVo, estavam certos de que o público
televisivo estava pronto. E poderia ter estado se a TiVo tivesse sabido como
falar com eles. Mas, apesar da emoção entre analistas e tecnófilos, as
vendas foram extremamente dececionantes. A TiVo vendeu cerca de 48.000
unidades no primeiro ano (50). Enquanto isso, a Replay, cujos
patrocinadores incluíam os fundadores do Netscape, não conseguiu obter
público e, em vez disso, envolveu-se numa disputa com as cadeias de
televisão relativamente à forma como permitiam aos espectadores
ignorarem os anúncios. Em 2000, a empresa adotou uma nova estratégia e,
alguns meses depois, foi vendida à SonicBlue, que posteriormente se
declarou insolvente.
Os analistas estavam perplexos quanto ao motivo pelo qual os aparelhos
da TiVo não estavam a vender melhor. A empresa parecia ter tudo para isso.
Afinal, eles tinham a receita do sucesso: um produto de excelente
qualidade, dinheiro e condições ideais de mercado. Em 2002, depois de a
TiVo estar há quase três anos no mercado, uma manchete na Advertising
Age resumia: “Há mais anexos do que TiVos nas casas americanas” (51).
(Nessa época, havia 671.000 casas com anexos nos Estados Unidos, em
comparação com as 504.000 a 514.000 casas com TiVo.) Não só as vendas
foram medíocres, como a empresa não teve um bom desempenho perante os
acionistas. Aquando da entrada em bolsa, no outono de 1999, a TiVo
negociava a pouco mais de 40 dólares por ação. Poucos meses depois,
atingiu o seu máximo histórico, ligeiramente acima dos 50 dólares. O preço
das ações diminuiu de forma constante no resto do ano e, exceto por três
curtos períodos desde 2001, nunca mais negociou acima dos 10 dólares.
Se aplicar os princípios do Circulo Dourado, a resposta é clara: as pessoas
não compram o QUE você faz, compram o PORQUÊ de o fazer, e a TiVo
tentou convencer os consumidores a comprarem dizendo apenas o que o
produto fazia. Funcionalidades e benefícios racionais. A resposta
tecnofóbica e prática do mercado de massas já era previsível. “Não percebo
isto. Não preciso disto. Não gosto disto. Estás a assustar-me”. Havia um
pequeno número de seguidores leais da TiVo, provavelmente cerca de 10%,
aqueles que simplesmente “compreenderam”, que não precisaram de uma
articulação explícita do PORQUÊ. Eles existem até hoje, mas não em
número suficiente para criar o ponto de viragem que a TiVo precisava e
tinha previsto.
O que a TiVo deveria ter feito era ter falado sobre aquilo em que
acreditava. Devia ter falado, antes de mais, sobre o PORQUÊ de o produto
ter sido inventado, e, de seguida, poderia aventurar-se a partilhar a sua
invenção com os inovadores e os primeiros a aderir que acreditassem no
mesmo que a empresa. Se tivesse iniciado o argumento de venda com o
PORQUÊ da existência do produto, o produto em si ter-se-ia tornado a
prova da causa maior – a prova do PORQUÊ. Se o Circulo Dourado
estivesse em equilíbrio, o resultado poderia ter sido bem diferente. Compare
a lista original de funcionalidades e benefícios com uma versão revista que
começa pelo PORQUÊ:

Se você é o tipo de pessoa que gosta de ter o controlo total de todos os


aspetos da sua vida, temos um produto para si.
• Faz pausa na TV em direto.
• Salta anúncios.
• Rebobina a TV em direto.
• Memoriza os seus hábitos de visualização e grava programas sem
necessidade de configuração.

Nesta versão, todas as funcionalidades e benefícios racionais servem


como prova tangível do PORQUÊ da existência do produto, e não os
motivos propriamente ditos para o comprar. O PORQUÊ é a crença que
impulsiona a decisão, e O QUE ela faz fornece-nos uma maneira de
racionalizar a atratividade do produto.
Confirmando a sua incapacidade de tocar o segmento certo do mercado, a
TiVo ofereceu uma explicação muito racional sobre o que estava a
acontecer. “Enquanto as pessoas não o experimentarem, não conseguirão
entender por que é que precisam deste produto”, disse em 2000, ao The
New York Times, uma porta-voz da TiVo, Rebecca Baer. Se essa linha de
pensamento estivesse certa, então nenhuma tecnologia nova pegava. Um
facto que é manifestamente falso. Embora a Sra. Baer estivesse certa sobre
a incapacidade do mercado de massas de compreender o valor do produto, a
TiVo é que não conseguiu comunicar adequadamente e captar o lado
esquerdo da curva do sino de modo a sensibilizar e encorajar a sua adoção,
sendo por isso que poucas pessoas “o experimentaram”. A TiVo não
começou pelo PORQUÊ. Eles ignoraram o lado esquerdo da curva e não
conseguiram encontrar o ponto de viragem. E, por esses motivos, “as
pessoas não o experimentaram” e o mercado de massas não o comprou.
Avance uma década. A TiVo continua a ter o melhor produto de gravação
de vídeo digital do mercado. O nível de perceção do consumidor, sem
quaisquer ajudas, continua a ser estrondoso. Agora, quase toda a gente sabe
o que o produto é e o que faz, mas o futuro da empresa é tudo menos
seguro.
Enquanto milhões de espectadores podem dizer que “TiVam” coisas
imensas vezes, infelizmente para a TiVo eles não estão a usar um sistema
TiVo. Em vez disso, eles “TiVam” programas através de um gravador de
vídeo digital (DVR) fornecido pela empresa de cabo ou satélite. Muitos
tentam argumentar que o fracasso da TiVo se deveu à distribuição superior
das empresas de cabo. Mas sabemos que muitas vezes as pessoas fazem um
desvio, pagam um extra ou suportam um inconveniente para comprarem um
produto que as atrai de forma visceral. Até há pouco tempo, as pessoas que
queriam uma mota Harley-Davidson personalizada esperavam entre mais de
seis meses a um ano para receber o produto. Isso é, a todos os títulos, um
mau serviço. Os consumidores poderiam simplesmente entrar numa
concessionária da Kawasaki e sairiam de lá com uma mota nova. Eles
poderiam ter encontrado um modelo muito similar em potência e talvez até
mais barato. Mas suportaram o inconveniente voluntariamente, não porque
estavam no mercado à procura de uma mota, mas porque queriam uma
Harley.
A TiVo não foi a primeira a ignorar esses princípios e não será a última. O
fraco sucesso das emissoras com tecnologia de rádio por satélite, como a
Sirius ou a XM Radio, seguiu um caminho semelhante. Eles apresentaram
uma nova tecnologia, bem divulgada e bem financiada, que tentou
convencer os utilizadores com uma promessa de funcionalidades e
benefícios racionais – sem anúncios e com mais canais do que a
concorrência. Junte-lhe uma série impressionante de recomendações de
celebridades, incluindo a estrela do rap Snoop Dogg e o ícone de pop dos
anos 70, David Bowie, e, apesar disso, a tecnologia ainda não cola. Quando
começa pelo PORQUÊ, aqueles que acreditam naquilo em que você
acredita são atraídos por si por razões muito pessoais. São aqueles que
compartilham os seus valores e crenças, e não a qualidade dos seus
produtos, que irão virar o sistema. O seu papel no processo é ser claro sobre
o propósito, a causa ou a crença, e mostrar como os seus produtos e
serviços contribuem para o avanço dessa causa. Sem um PORQUÊ, as
novas ideias e tecnologias rapidamente se veem mergulhadas num jogo de
preço e funcionalidades – um sinal claro de uma ausência do PORQUÊ e
uma despromoção para o estatuto de mercadoria. Não foi a tecnologia a
falhar, foi a forma como as empresas tentaram vendê-la. A rádio com
transmissão via satélite não penalizou a radiodifusão tradicional de forma
alguma. Mesmo quando a Sirius e a XM se fundiram, na esperança de que a
força conjunta das suas empresas ajudasse a mudar a sua sorte, as ações da
nova empresa foram negociadas a menos de 50 cêntimos cada. E, da última
vez que verifiquei, a XM estava a oferecer um desconto, uma promoção e
frete grátis, e advogava ser o “serviço de rádio por satélite número 1 da
América, com mais de 170 canais” para dar alento ao produto.
Dê às pessoas algo em que acreditar

A 28 de agosto de 1963, 250.000 pessoas de todo o país acorreram ao


National Mall para a Marcha de Washington, D.C., para ouvirem Martin
Luther King Jr. proferir o seu famoso discurso “Eu tenho um sonho”. Os
organizadores não enviaram 250.000 convites e não havia um site na
internet para verificar a data. Como é que eles conseguiram que um quarto
de milhão de pessoas aparecesse no dia certo, à hora certa?
Em inícios da década de 1960, o país foi dilacerado por tensões raciais.
Houve tumultos em dezenas de cidades só no ano de 1963. A América foi
um país marcado pela desigualdade e segregação. A forma como o
movimento dos direitos civis elevou uma ideia de que todos os homens são
criados iguais, para se tornar um movimento com o poder de mudar um
país, é fundamentado nos princípios do Círculo Dourado e da Teoria da
Difusão.
King não era a única pessoa viva naquela época que sabia o QUE tinha de
mudar para haver uma defesa dos direitos civis na América. Ele tinha
muitas ideias sobre o que era preciso acontecer, mas também outros as
tinham. E nem todas as suas ideias eram boas. Ele não era um homem
perfeito; tinha as suas complexidades.
Mas King era de uma convicção absoluta. Ele sabia que a mudança tinha
de acontecer na América. A sua clareza do PORQUÊ e o seu sentido de
propósito deram-lhe a força e a energia necessárias para continuar a sua luta
contra probabilidades aparentemente insuperáveis. Havia outros que, como
ele, partilhavam a sua visão da América, mas muitos desistiram depois de
tantas derrotas. A derrota é dolorosa. E a capacidade de continuar de cabeça
erguida, dia após dia, exige algo mais do que saber qual a legislação a
aprovar. Para que os direitos civis pudessem realmente efetivar-se no país,
os seus organizadores teriam de reunir toda a gente. Eles podiam ter
conseguido a aprovação da legislação, mas precisavam de mais do que isso,
precisavam de mudar um país. Para garantirem uma mudança duradoura,
seria preciso juntar uma nação em torno dessa causa, não porque tivessem
de fazê-lo, mas sim porque queriam. Mas ninguém pode efetivar uma
mudança duradoura sozinho. Seria preciso que outros acreditassem naquilo
em que King acreditava.
Os detalhes de COMO alcançar os direitos civis ou o PORQUÊ de o fazer
eram discutíveis, e diferentes grupos tentaram estratégias diferentes. Alguns
usaram de violência, outros tentaram a vida do apaziguamento.
Independentemente do COMO ou do PORQUÊ de alguma coisa estar a ser
feita, havia uma coisa que todos tinham em comum – o PORQUÊ de o
fazerem. Não era apenas a convicção imperturbável de Martin Luther King
que conseguia mexer com toda uma população, mas a capacidade de
colocar o seu PORQUÊ em palavras. King tinha um dom. Falou sobre
aquilo em que acreditava. E as suas palavras tiveram o poder de inspirar:

“Eu acredito”
“Eu acredito”
“Eu acredito”

“Há dois tipos de leis. As que são justas e as que são injustas”, declarou
( ). “Uma lei justa”, explicou King, “é um código criado pelo homem que
52

se enquadra na lei moral. Uma lei injusta é um código que não está em
harmonia com a lei moral. (…) Qualquer lei que eleva a personalidade
humana é justa. Qualquer lei que degrada a personalidade humana é injusta.
Todos os estatutos de segregação são injustos porque a segregação distorce
a alma e prejudica a personalidade”. A sua crença era maior do que o
movimento pelos direitos civis. Tinha a ver com toda a humanidade e com a
forma como nos tratamos. É evidente que o seu PORQUÊ se desenvolveu
em resultado da época e do lugar em que nasceu e da cor da sua pele, mas o
movimento dos direitos civis foi a plataforma ideal para King dar vida ao
seu PORQUÊ, a sua crença na igualdade.
As pessoas ouviram as suas crenças e as suas palavras tocaram-nas
profundamente. Aqueles que acreditavam no que ele acreditava assumiram
essa causa como sua. E diziam às pessoas aquilo em que acreditavam. E
essas pessoas disseram a outras aquilo em que acreditavam. Algumas
organizaram-se de forma a espalhar essa crença de forma mais eficiente.
E, no verão de 1963, um quarto de milhão de pessoas apareceu para ouvir
King proferir o seu discurso “Eu tenho um sonho” na escadaria do Lincoln
Memorial.
Mas quantas pessoas apareceram por causa de King?
Zero.
Elas apareceram por si próprias. Era aquilo em que elas acreditavam. Foi
isso que elas viram como uma oportunidade para ajudar a América a tornar-
se uma versão melhor de si mesma. Foram aqueles que queriam viver num
país que refletisse os seus próprios valores e crenças que as inspiraram a
entrar num autocarro e viajar durante oito horas para ficar sob o sol de
Washington em meados de agosto para ouvir Martin Luther King falar.
Estar em Washington foi simplesmente uma das coisas que fizeram para
provar aquilo em que acreditavam. Aparecer nesse dia foi um dos QUÊs
para o seu próprio PORQUÊ. Tratava-se de uma causa e era a causa delas.
O discurso de King funcionou como um lembrete visceral da crença
partilhada por todos os que lá estavam a ouvir. E esse discurso era sobre o
que ele acreditava, e não sobre como isso iria ser feito. Ele proferiu o
discurso “Eu tenho um sonho”, não o “Eu tenho um plano”. Foi uma
declaração com propósito e não um plano abrangente de 12 pontos para
alcançar os direitos civis na América. King ofereceu à América um lugar
para onde ir, não um plano a seguir. O plano tinha um lugar, mas não na
escadaria do Lincoln Memorial.
A declaração de King sobre sua crença era algo suficientemente poderoso
para reunir aqueles que partilhavam dessa crença, mesmo que não fossem
afetados pessoalmente pelas desigualdades. Perto de 25% das pessoas que
foram à marcha naquele dia eram brancas. Tratava-se de uma crença não
sobre a América negra, mas uma crença sobre uma América compartilhada.
King foi o líder de uma causa. Uma causa para todos aqueles que
acreditavam no que ele acreditava, independentemente da cor da pele.
Não foram os detalhes dos seus planos que lhe renderam o direito de
liderar. Era aquilo em que acreditava, e a sua capacidade de comunicar
claramente, que as pessoas seguiam. No fundo, ele, como todos os grandes
líderes, tornou-se o símbolo dessa crença. King veio a personificar a causa.
Ainda hoje fazemos estátuas dele para manter essa crença viva e palpável.
As pessoas seguiam-no por causa da sua ideia de uma América diferente. A
parte do cérebro que influencia o nosso comportamento e as decisões não
tem capacidade de linguagem. Temos dificuldade em dizer claramente, em
termos emocionais, porque fazemos o que fazemos e oferecemos
racionalizações que, embora válidas e verdadeiras, não são suficientemente
poderosas para inspirar outras pessoas. Por isso, quando questionadas sobre
o porquê de lá estarem naquele dia, as pessoas apontaram para King e
disseram simplesmente: “Porque eu acredito”.
Mais do que qualquer outra coisa, o que Martin Luther King Jr. nos deu
foi a clareza, uma maneira de explicar como nos sentimos. Ele deu-nos as
palavras que nos inspiraram. Ele deu-nos algo em que acreditar, algo que
poderíamos facilmente compartilhar com os nossos amigos. Todas as
pessoas presentes no National Mall naquele dia partilhavam de um conjunto
de valores e crenças. E todos os presentes naquele dia, independentemente
da cor da pele, raça ou sexo, confiaram uns nos outros. Foi essa confiança,
esse vínculo comum, essa crença compartilhada que alimentou um
movimento que mudaria uma nação.

Nós acreditámos.
Nós acreditámos.
Nós acreditámos.
45 “Em 2000, Malcolm Gladwell criou o seu próprio ponto de viragem”: Malcolm Gladwell, The
Tipping Point: How Little Things Can Make a Big Difference. Nova Iorque: Back Bay Books, 2002.
46 “Everett M. Rogers foi o primeiro a descrever formalmente as inovações na sociedade: Everett M.
Rogers, Diffusion of Innovations. Nova Iorque: Free Press, 2003.
47 “Geoffrey Moore expandiu as ideias de Rogers para aplicar o princípio ao marketing de produtos
de alta tecnologia”: Geoffrey A. Moore, Crossing the Chasm. Nova Iorque: Collins, 2002.
48 “Em 1997, a marca TiVo acorreu ao mercado com um novo dispositivo notável: John Markoff,
“Netscape Pioneer to Invest in Smart VCR”, New York Times, 9 de novembro de 1998,
http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9F0DE0D6133EF93AA35752C1A96E958260.
49 “A TiVo arrancou, finalmente, em 1999”:
http://www.tivo.com/abouttivo/aboutushome/index.html.
50 “A TiVo vendeu cerca de 48.000 unidades no primeiro ano”: Roy Furchgott, “Don’t People Want
to Control Their TV’s?”, New York Times, 24 de agosto de 2000,
http://www.nytimes.com/2000/08/24/technology/don-t-people-want-to-control-their-tv-s.html.
51 “Há mais anexos do que TiVos nas casas americanas”: Bradley Johnson, “Analysts Mull Future
Potential of PVR Ad-Zapping Technology”. Advertising Age, 4 de novembro de 2002,
http://people.ischool.berkeley.edu/~hal/Courses/StratTech09/Lectures/Networks/Articles/tivo-losing-
money.html.
52 “Há dois tipos de leis”: Martin Luther King Jr., “Letter from a Birmingham Jail”,
http://www.thekingcenter.org/prog/non/Letter.pdf.
PARTE 4

COMO CONVOCAR
AQUELES
QUE ACREDITAM
CAPÍTULO 8

COMECE PELO PORQUÊ, MAS SAIBA


COMO O FAZER

A energia entusiasma. O carisma inspira

RAH!!!! Com um rugido, Steve Ballmer, o homem que substituiu Bill


Gates como CEO da Microsoft, entra de rompante no palco da reunião
anual global da empresa (53). Ballmer ama a Microsoft – e di-lo sem
rodeios. E também sabe motivar um público. A sua energia é quase
folclórica. Ele cerra os punhos no ar e corre de uma ponta à outra do palco,
ele grita e transpira. É incrível vê-lo a falar e a multidão adora-o. Como
Ballmer comprova, a energia pode, sem sombra de dúvida, motivar uma
multidão. Mas pode isso inspirar a população? O que é que acontece no dia
seguinte ou na semana seguinte quando a energia de Ballmer lá não está
para motivar os funcionário? Será a energia suficiente para manter uma
empresa de 80.000 pessoas focada?
Em contrapartida, Bill Gates é tímido e estranho, um desajustado social.
Ele não se encaixa no estereótipo do líder de uma empresa no valor de
milhares de milhões de dólares. Ele não é o mais enérgico dos oradores.
Mas, quando Bill Gates fala, as pessoas ouvem. Agarram-se a cada palavra.
Quando Gates fala, não enche uma sala, inspira-a. Aqueles que o ouvem,
levam o que disse e guardam-no durante semanas, meses ou anos. Gates
não tem energia, mas Bill Gates inspira.
A energia motiva, mas o carisma inspira. A energia é fácil de ver, fácil de
medir e fácil de copiar. O carisma é difícil de definir, quase impossível de
medir e demasiado indefinível para se poder copiar. Todos os grandes
líderes têm carisma porque todos os grandes líderes têm uma clareza do
PORQUÊ; uma crença imortal num propósito ou causa maior do que eles
próprios. Não é a paixão de Bill Gates por computadores que nos inspira, é
o seu otimismo inabalável de que mesmo os mais complicados problemas
podem ser resolvidos. Ele acredita que podemos encontrar formas de
remover obstáculos para garantir que toda a gente pode viver e trabalhar o
seu maior potencial. É pelo seu otimismo que somos atraídos.
Tendo vivido a revolução no mundo dos computadores, ele viu o
computador como a tecnologia perfeita para nos ajudar a tornarmo-nos mais
produtivos e atingirmos o nosso potencial. Essa crença inspirou a sua visão
de um PC em cada secretária até se tornar realidade. Irónico, tendo em
conta que a Microsoft nunca fez PCs. Não foi só devido ao QUE os
computadores faziam, mas devido ao PORQUÊ de precisarmos deles que
Gates conseguiu prever o impacto da nova tecnologia. Atualmente, o
trabalho que desenvolve na Fundação Bill e Melinda Gates nada tem a ver
com software, mas é outro caminho que encontrou para dar vida ao seu
PORQUÊ (54). Ele procura novas formas de resolver problemas. Ainda
mantém uma crença inabalável. E ainda acredita que, se pudermos ajudar
pessoas, desta feita as menos privilegiadas – removendo alguns obstáculos
simples –, também elas terão uma oportunidade para serem mais produtivas
e para se erguerem de modo a atingirem o seu pleno potencial. Para Gates, o
que mudou foi O QUE ele está a fazer para dar vida à sua causa.
O carisma nada tem a ver com energia; vem de uma clareza do PORQUÊ.
Provém de uma convicção absoluta num ideal maior do que o próprio. A
energia, em contraste, decorre de uma boa noite de sono ou grandes
quantidades de cafeína. A energia pode empolgar. Mas só o carisma pode
inspirar. O carisma comanda a lealdade. A energia não.
A energia pode sempre ser injetada numa organização de forma a motivar
as pessoas a fazerem coisas. É certo que bónus, promoções, outros
incentivos ou mesmo algumas penalizações fazem as pessoas trabalhar com
mais afinco, mas os ganhos, como em todas as manipulações, são a curto
prazo. Com o tempo, estas táticas custam mais dinheiro e aumentam o
stresse para empregador e empregado de igual forma, e acabam por se
tornar a principal razão pela qual as pessoas vão trabalhar todos os dias.
Isso não é lealdade. Trata-se da versão dos funcionários para a recorrência
nos negócios. A lealdade dos funcionários ocorre quando eles recusam mais
dinheiro ou mais benefícios e preferem continuar a trabalhar na mesma
empresa. A lealdade a uma empresa supera a remuneração e os benefícios.
E, a menos que sejamos astronautas, não é o trabalho que fazemos que nos
inspira. É a causa pela qual trabalhamos. Não queremos ir trabalhar para
construir uma parede, queremos ir trabalhar para construir uma catedral.

O caminho escolhido

Nascido no Ohio, a 96,5 quilómetros de Dayton, Neil Armstrong cresceu a


ouvir histórias sobre os irmãos Wright (55). Desde tenra idade que ele
sonhava voar. Montava modelos de aviões, lia revistas sobre aviação e
olhava para o céu através de um telescópio montado no telhado de sua casa.
Tirou até a licença de piloto antes da carta de condução. Ao tornar realidade
uma paixão que vinha desde criança, Armstrong estava destinado a ser
astronauta. Mas, para os restantes de nós, as nossas carreiras e caminhos são
mais como os de Jeff Sumpter.
Quando Sumpter estava na secundária, a sua mãe arranjou-lhe um estágio
de verão no banco onde trabalhava. Quatro anos depois de terminar o liceu,
ligou ao banco para saber se podia trabalhar em regime de part-time e
acabaram por lhe oferecer um emprego em full-time. Uau, o Jeff conseguiu
uma carreira como bancário. Com efeito, depois de 15 anos no setor, ele e o
seu colega Trey Maust seguiram o seu caminho e fundaram o seu próprio
banco, o Lewis & Clark Bank em Portland, Oregon.
Sumpter é muito bom naquilo que faz – tem sido um dos responsáveis de
concessão de empréstimos com melhor desempenho ao longo da sua
carreira. É apreciado e respeitado pelos seus colegas e clientes. Mas mesmo
o Jeff admitirá que não tem uma grande paixão pela banca, per se. Mas
apesar de não estar a viver o seu sonho de criança, é apaixonado por alguma
coisa. Não é O QUE ele faz que o tira da cama todas as manhãs. É o
PORQUÊ de o fazer.
Os nossos percursos profissionais são, em grande medida, acidentais. Eu
nunca planeei fazer o que estou a fazer agora. Em miúdo queria ser
engenheiro aeronáutico, mas na faculdade apontei para procurador do
tribunal penal. Contudo, quando estava na faculdade de Direito, perdi o
encanto pela ideia de me tornar advogado. Não me parecia correto. Estava
numa faculdade de Direito em Inglaterra, onde a lei é verdadeiramente uma
das últimas profissões “inglesas”; não usar um fato riscado para uma
entrevista poderia prejudicar as minhas hipóteses de conseguir um trabalho.
Essa “não era a minha praia”.
Entretanto comecei a namorar com uma rapariga que estava a estudar
marketing na Universidade de Syracuse. Ela conseguia ver o que me
inspirava e o que me frustrava acerca do Direito e sugeriu que tentasse a
minha sorte no mesmo domínio que ela. E lá dei por mim numa nova
carreira, em marketing. Mas isso é apenas uma das coisas que fiz – não é a
minha paixão e não é a forma como defino a minha vida. A minha causa –
inspirar pessoas no sentido de fazerem o que as inspira – é o PORQUÊ de
sair da cama todos os dias. O aspeto mais empolgante é tentar encontrar
novos caminhos, diferentes QUÊs para dar vida à minha causa, sendo este
livro um deles.
Independentemente do QUE fazemos na nossa vida, o nosso PORQUÊ –
o nosso propósito, causa ou crença – nunca muda. Se o nosso Círculo
Dourado estiver equilibrado, O QUE fazemos é simplesmente a forma
palpável que encontramos para dar vida vida à nossa causa. Desenvolver
software foi somente uma das coisas que Bill Gates fez para dar vida à sua
causa. Uma companhia aérea deu a Herb Kelleher o escape perfeito para
espalhar a sua crença na liberdade. Levar o homem à Lua foi um propósito
que John F. Kennedy usou para juntar pessoas e dar vida à sua crença de
que servir a nação – e não estar à espera de ser servido pela nação –
conduziria a América pelo caminho do progresso e da prosperidade. A
Apple foi uma via para Steve Jobs desafiar o status quo e fazer algo
impactante no mundo. Todas as coisas que estes líderes carismáticos
fizeram representam as formas tangíveis que encontraram para darem vida
aos seus PORQUÊs. Mas, quando eram novos, nenhum deles poderia
imaginar O QUE é que estariam a fazer mais tarde.
Quando um PORQUÊ é claro, os que partilham dessa crença serão
atraídos por ele e talvez queiram fazer parte do projeto que lhe há de dar
vida. Se essa crença for alargada, poderá ter o poder de juntar ainda mais
crentes dispostos a levantar a mão e a declarar: “Eu quero ajudar.” Ao
reunirmos um grupo de crentes em torno de um propósito, causa ou crença
comum, podem acontecer coisas incríveis. Mas é necessário mais do que
inspiração para alcançar a excelência. A inspiração apenas faz arrancar o
processo; é preciso algo mais para impulsionar um movimento.

Ampliar a fonte de inspiração

O Círculo Dourado não é apenas uma ferramenta de comunicação; ele


também nos traz uma certa perspetiva sobre a forma como as organizações
são organizadas. À medida que começamos a acrescentar dimensão ao
conceito do Círculo Dourado, deixa de ser útil encará-lo unicamente como
um modelo bidimensional. Se o objetivo é providenciar algum valor real à
forma como se constrói uma organização no nosso mundo tridimensional, o
Círculo Dourado precisa de ser tridimensional. A boa notícia é que ele é
tridimensional. É, na realidade, a visão, do topo para a base, de um cone.
Rode-o e conseguirá ver o seu pleno valor.
O cone representa a empresa ou uma organização – um sistema
inerentemente hierárquico e organizado. No topo do sistema, representando
o PORQUÊ, está um líder; no caso da empresa, é, por norma, o presidente
executivo (ou, pelo menos, assim esperamos). O nível imediatamente
abaixo, o nível COMO, normalmente inclui os executivos seniores que são
inspirados pela visão do líder e sabem COMO lhe dar vida. Não se esqueça
que um PORQUÊ é apenas uma crença, os COMOs são as ações que
empreendemos para compreender essa crença e Os QUÊs são o resultado
dessas ações. Independentemente de quão carismático ou inspirador um
líder é, se na organização não existirem pessoas inspiradas a ponto de
darem vida a essa visão, de construírem infraestruturas com sistemas e
processos, então, na melhor das hipóteses, a ineficácia irá imperar, e, na
pior, o resultado será o falhanço.
Nesta interpretação, o nível COMO representa uma pessoa ou pequeno
grupo, responsável por construir a infraestrutura que torna um PORQUÊ
tangível. Isso pode acontecer nos departamentos de marketing, operacional,
financeiro, dos recursos humanos e em todos os outros departamentos ao
nível dos executivos de topo. Abaixo desse nível está O QUÊ, que é onde se
dá a realidade prática. É neste nível que se encontra a maioria dos
funcionários e onde todo o trabalho palpável acontece.

Eu tenho um sonho (e ele tem o plano)

Martin Luther King Jr. disse que tinha um sonho e inspirou muitas pessoas
a fazerem desse sonho também o delas. O que Ralph Abernathy deu ao
movimento foi algo diferente: ele sabia o que seria preciso para concretizar
esse sonho e mostrou às pessoas COMO o fazer (56). Ele deu estrutura ao
sonho. King falava sobre as implicações filosóficas do movimento,
enquanto Abernathy, amigo de longa data e mentor de King e secretário
financeiro e tesoureiro da Southern Christian Leadership Conference,
ajudava as pessoas a compreender os passos específicos que necessitavam
de dar. “Agora”, diria Abernathy ao público depois de um discurso
entusiasmado de King, “deixem-me dizer-vos o que isto significa amanhã
de manhã”.
Martin Luther King Jr. era o líder, mas não mudou a América sozinho.
Ainda que King tenha inspirado o movimento, é preciso organização se
quisermos que, de facto, as pessoas se mexam. Como é o caso da maior
parte dos grandes líderes, existiam outros à volta de King que sabiam a
melhor forma de COMO o fazer. Por cada grande líder, por cada indivíduo
do tipo PORQUÊ, existe um ou mais indivíduos inspirados, do tipo COMO,
capazes de assumir a causa intangível e criar a infraestrutura que lhe pode
dar vida. Essa infraestrutura é o que torna efetivamente possível qualquer
sucesso ou mudança mensurável.
O líder está no topo do cone – no começo, que é onde está o PORQUÊ –,
ao passo que os indivíduos de tipo COMO estão imediatamente abaixo e
são responsáveis por fazer com que as coisas de facto aconteçam. O líder
idealiza o ponto de destino e aqueles que são do tipo COMO encontram o
caminho para lá chegar. Um destino sem um caminho leva à ineficácia, algo
que muitos indivíduos de tipo PORQUÊ experienciarão sem a ajuda de
outros para os fundamentar. Um caminho sem destino, no entanto, pode ser
eficiente, mas com que propósito? É tudo simples quando se sabe guiar,
mas é muito mais gratificante quando se tem um sítio para onde ir. Ralph
Abernathy era uma das pessoas que se sentia inspirada por King e que sabia
COMO fazer da causa algo concretizável e tangível. “A função de King era
interpretar a ideologia e a teologia da não-violência”, explicou Abernathy.
“A minha função era mais simples e terra-à-terra. Eu dizia [às pessoas]:
‘Não andem nesses autocarros’”. [N.T.: alusão ao boicote aos autocarros de
Montgomery, que decorreu em 1955 e 1956, e que visava denunciar a
política de segregação racial vigente nos transportes públicos daquela
cidade do Estado do Alabama].
Sempre que um grande e carismático líder atingiu algo de significativo,
teve sempre na retaguarda uma pessoa ou um pequeno grupo que sabia
COMO agarrar na visão e torná-la realidade. King tinha um sonho. Mas,
independentemente de quão inspirador um sonho possa ser, um sonho que
não se torna realidade continua a ser apenas um sonho. King sonhou com
muitas das mesmas coisas que inúmeros outros afro-americanos nascidos
num sul anterior aos direitos civis. Falou dos mesmos temas. Viveu as
mesmas atrocidades cometidas por um sistema injusto. Mas foi o seu
imperturbável otimismo e as suas palavras que inspiraram toda uma
população.
King não mudou sozinho a América. A título de exemplo, ele não era um
legislador, mas inspirou a criação de legislação no sentido de todas as
pessoas dos Estados Unidos terem direitos iguais, independentemente da
cor da pele. Não foi King a mudar a América; foi o movimento de milhões
de outros, inspirados por ele, que mudou o rumo da História. Mas como é
que se organizam milhões de pessoas? Esqueça milhões, como é que
organizam centenas ou dezenas de pessoas? A visão e carisma do líder são
suficientes para atrair os inovadores e os primeiros a aderir. Confiando nos
seus instintos e intuição, estas pessoas farão os maiores sacrifícios para que
a visão se torne realidade. A cada sucesso, a cada demonstração tangível de
que a visão pode, efetivamente, tornar-se realidade, a maioria mais prática
começa a interessar-se. O que anteriormente era apenas um sonho torna-se
uma realidade palpável. E quando isso acontece, pode chegar-se a um ponto
de viragem e então as coisas começam realmente a avançar.

Aqueles que sabem PORQUÊ precisam


daqueles que sabem COMO

Parafraseando Thomas Friedman, autor de The World Is Flat [O Mundo é


Plano], os pessimistas costumam ter razão, mas são os otimistas que mudam
o mundo (57). Bill Gates imaginou um mundo em que o computador poderia
ajudar-nos a alcançar o nosso pleno potencial. E isso aconteceu. Agora ele
idealiza um mundo em que a malária não existe. E acontecerá. Os irmãos
Wright imaginaram um mundo onde chegar aos céus fosse tão fácil como
andar de autocarro. E aconteceu. Os indivíduos do tipo PORQUÊ têm o
poder de mudar o rumo de indústrias ou mesmo do mundo… se souberem
COMO o fazer.
O tipo PORQUÊ é um visionário, é aquele que tem uma imaginação
hiperativa. Tende a ser um otimista que acredita que tudo aquilo que
imagina pode tornar-se realidade. O tipo COMO vive mais no “aqui e
agora”. É realista e tem um sentido prático muito claro. O tipo PORQUÊ
está focado em coisas que a maior parte das pessoas não consegue ver,
como o futuro. O tipo COMO está focado em coisas que a maior parte das
pessoas consegue ver e tende a ser melhor na criação de estruturas e
processos e em conseguir que as coisas sejam feitas. Um não é melhor do
que o outro, são apenas formas diferentes de as pessoas naturalmente verem
e sentirem o mundo. Gates é do tipo PORQUÊ. Também os Wright
Brothers o foram. E Steve Jobs. E Herb Kelleher. Mas não o fizeram
sozinhos. Não conseguiam. Precisavam daqueles que sabiam COMO.
“Se não fosse o meu irmão mais velho, teria sido preso várias vezes
devido aos cheques devolvidos”, disse Walt Disney, meio a brincar, numa
palestra em Los Angeles em 1957 (58). “Nunca sabia quanto dinheiro tinha
no banco. Ele manteve-me na linha”. Walt Disney era do tipo PORQUÊ,
um sonhador cujo sonho se tornou realidade graças à ajuda e sensibilidade
do seu irmão mais velho, Roy, que era do tipo COMO.
Walt Disney começou a sua carreira criando banda desenhada para
anúncios, mas rapidamente passou a fazer filmes animados. Estávamos em
1923, Hollywood começava a emergir como o coração da indústria
cinematográfica e Walt queria fazer parte disso. Roy, oito anos mais velho,
trabalhava num banco. Roy espantava-se constantemente com o talento e
imaginação do seu irmão, mas também sabia que Walt era propenso a correr
riscos e a negligenciar os assuntos da família. Como todos os tipos
PORQUÊ, Walt ocupava-se a pensar em como seria o futuro e muitas vezes
esquecia-se que vivia no presente. “Walt Disney sonhava, desenhava e
imaginava, Roy ficou na sombra, a formar um império”, escreveu Bob
Thomas, um biógrafo de Disney. “Financeiro e empresário brilhante, Roy
ajudou a transformar os sonhos de Walt Disney em realidade, construindo a
empresa que carrega o nome do seu irmão”. Foi Roy quem fundou a Buena
Vista Distribution Company, que fez com que os filmes Disney se
tornassem uma parte central da infância americana. Foi Roy quem criou o
negócio de merchandising que transformou as personagens Disney em
nomes familiares. E, como acontece com quase todos os tipos COMO, Roy
nunca quis ser o homem da frente; ele preferiu ficar nos bastidores e focar-
se em COMO construir a visão do seu irmão.
A maior parte das pessoas no mundo é do tipo COMO. A maior parte é
bastante funcional no mundo real e consegue desempenhar as suas tarefas
bastante bem. Alguns podem ser bastante bem-sucedidos e até fazer
milhões de dólares, mas nunca construirão empresas avaliadas em milhares
de milhões de dólares nem mudarão o mundo. Os tipos COMO não
precisam dos tipos PORQUÊ para se saírem bem. Mas os tipos PORQUÊ,
atendendo a toda a sua visão e imaginação, muitas vezes acabam por ser o
lado mais fraco. Se não conseguirem inspirar alguém com a sua visão, e que
possua os conhecimentos necessários para a tornar realidade, a maioria dos
tipos PORQUÊ acaba por se transformar em visionários famintos, em
pessoas que têm todas as respostas mas que não conseguem conquistar
grande coisa sozinhas.
Ainda que muitos deles se vejam como visionários, na realidade os
empreendedores mais bem-sucedidos são do tipo COMO. Pergunte a um
empreendedor do que mais gosta no facto de ser empreendedor e a maior
parte dir-lhe-á que adora construir coisas. O facto de falarem sobre construir
é um sinal claro de que sabem COMO fazer as coisas. Um negócio é uma
estrutura – sistemas e processos que precisam de ser montados. São os tipos
COMO os maiores adeptos da construção desses processos e sistemas. Mas
a maior parte das empresas, independentemente de quão bem construídas
sejam, não se transformam em negócios no valor de milhares de milhões de
dólares nem mudam o rumo das indústrias. Para chegar a esse estatuto, para
alterar o rumo de uma indústria, é necessária uma parceria muito especial e
rara entre alguém que saiba PORQUÊ e alguém que saiba COMO.
Em quase todos os casos de pessoas ou organizações que inspiraram
pessoas e conseguiram grandes feitos, existe esta parceria especial entre
PORQUÊ e COMO. Bill Gates, por exemplo, pode ter sido o visionário a
idealizar um mundo com um PC em cada secretária, mas Paul Allen é que
construiu a empresa. Herb Kelleher foi capaz de personificar e pregar a
causa da liberdade, mas foi Rollin King quem teve a ideia de a aplicar na
Southwest Airlines (59). Steve Jobs foi o evangelista rebelde, mas Steve
Wozniak foi o engenheiro que fez a Apple funcionar (60). Jobs tinha visão,
Woz tinha o material. É a parceria entre uma visão do futuro e o talento para
a concretizar que torna uma organização incrível.
Esta relação de parceria começa por clarificar a diferença entre uma
declaração de visão e uma declaração de missão numa organização. A visão
é a declaração pública da intenção do fundador, o PORQUÊ da sua
existência. É literalmente a visão de um futuro que ainda não existe. A
declaração de missão é uma descrição da rota, os princípios – COMO é que
a empresa pretende criar esse futuro. Quando ambas as coisas são
especificadas de forma clara, o tipo PORQUÊ e o tipo COMO estão ambos
seguros de quais são as suas funções na parceria. Eles trabalham em
conjunto, com clareza do objetivo e um plano para lá chegar. Contudo, para
que funcione, é preciso mais do que um conjunto de aptidões, é necessária
confiança.
Conforme foi cuidadosamente analisado na parte 3, as relações de
confiança são inestimáveis para que nos sintamos seguros. A nossa
capacidade de confiar em pessoas ou organizações permite-nos correr riscos
e sentir apoio nos esforços que levamos a cabo. E talvez a mais confiante
das relações seja entre visionário e construtor, o tipo PORQUÊ e o tipo
COMO. Em organizações passíveis de inspirar, os melhores presidentes
executivos são do tipo PORQUÊ – as pessoas que acordam todos os dias
para liderar uma causa e não apenas para gerir uma empresa. Nestas
organizações, os melhores diretores financeiros e diretores operacionais são
tipos COMO, que têm um desempenho de topo e capacidade para
admitirem que não são visionários, mas que se sentem inspirados pela visão
do líder e sabem como construir a estrutura que lhe consegue dar vida. Os
melhores tipos COMO, por norma, não querem estar na linha da frente a
pregar a visão; preferem trabalhar nos bastidores, a construir sistemas que
transformem a visão em realidade. Para que grandes coisas aconteçam, é
necessário conjugar as competências e os esforços de ambos os lados.
Não é por acaso que estas uniões entre PORQUÊ e COMO provêm
muitas vezes de laços familiares ou de amizades de longa data. Um
crescimento e uma experiência de vida partilhados aumentam a
probabilidade de ambas as partes partilharem o mesmo conjunto de valores
e crenças. No caso da família ou de amigos de infância, o crescimento e as
experiências comuns são praticamente a mesmo coisa. Não quer isso dizer
que não encontrará um parceiro com outra proveniência. Só que o facto de
crescer com alguém, e havendo uma partilha comum de experiências de
vida, aumenta as probabilidades de terem a mesma visão do mundo.
Walt Disney e Roy Disney eram irmãos. Bill Gates e Paul Allen andaram
juntos na secundária em Seattle (61). Herb Kelleher era amigo de longa data
e o advogado de divórcio de Rollin King. Martin Luther King Kr e Ralph
Abernathy pregavam ambos em Birmingham muito antes de o movimento
dos direitos civis ganhar forma. E Steve Jobs e Steve Wozniak eram os
melhores amigos no liceu. E a lista continua.
Gerir ou liderar

Todos os talentosos tipos COMO que atualmente gerem organizações


podem alcançar um sucesso capaz de durar toda a vida, mas passarão as
suas vidas a gerir as suas empresas. Há muitas formas de ser bem-sucedido
e obter lucros. Quaisquer manipulações, sendo que apenas referi algumas
neste livro, funcionam bastante bem. Mesmo a capacidade de criar um
ponto de viragem é possível sem se criar uma mudança duradoura. Chama-
se moda passageira. Mas as organizações de excelência funcionam
exatamente como qualquer movimento social. Inspiram as pessoas a falar
sobre o produto ou ideia, incluem o produto no contexto dos seus estilos de
vida, partilham a ideia ou encontram formas de reforçarem a prosperidade
da organização. As organizações de excelência não só empolgam o espírito
humano como também inspiram as pessoas a participar e a ajudar no
avanço da causa sem precisarem de lhes pagar ou incentivar sob que forma
for. Não são necessários incentivos de reembolso ou descontos. As pessoas
sentem-se impelidas a espalhar a palavra, não apenas porque têm de o fazer,
mas porque o querem fazer. Elas tomam voluntariamente as armas para
espalharem a mensagem que as inspira.

Construir um megafone que funcione

Depois de um processo de seleção de três meses, a BCI escolheu finalmente


uma nova agência de publicidade para a ajudar a desenvolver a campanha
de lançamento da sua nova linha de produtos. A Big Company Incorporated
é uma marca reconhecida, a operar num mercado bastante congestionado.
Na qualidade de fabricante, os seus produtos são vendidos através de uma
força de venda de terceiros, muitas vezes nas prateleiras de grandes
retalhistas, não tendo desta forma controlo direto sobre o processo de
venda. O melhor que pode fazer é tentar influenciar a venda à distância –
por meio de marketing. A BCI é uma boa empresa, com uma forte cultura.
Os funcionários respeitam a direção e, no geral, a empresa faz um bom
trabalho. Mas, ao longo dos anos, a concorrência tornou-se bastante feroz. E
apesar de a BCI ter um bom produto, a um preço competitivo, continua a
ser difícil manter um crescimento forte ano após ano. Este ano, os
administradores da BCI estão particularmente empolgados porque a
empresa irá lançar um novo produto que, acreditam, a fará destacar-se. Para
o promover, a agência da BCI lançou uma grande campanha.
“Da fabricante líder”, diz o novo anúncio, “chega o mais recente e mais
inovador produto que alguma vez viu”. O anúncio continua e fala
seguidamente sobre as novidades e benefícios, fazendo também referência à
“qualidade que já espera da BCI,” algo que os executivos da BCI sentiram
ser necessário incluir. Os executivos da BCI trabalharam bastante para
construir a reputação da empresa e querem potenciá-la. Eles estão muito
entusiasmados com a nova campanha e a contar com o sucesso deste
produto para ajudar a impulsionar as vendas no geral. Sabem que fazem um
bom trabalho e querem que a mensagem seja passada. Precisam que seja
passada em alto e bom som. E com um orçamento de milhões de dólares
para publicitarem o novo produto, pode dizer-se que, nesse aspeto, a
empresa teve êxito.
Mas há um problema.
A BCI e a sua agência fizeram um bom trabalho ao falar do seu novo
produto. O trabalho foi bastante criativo. Conseguiram explicar o que é que
havia de especial e de novo na sua última inovação, e os focus groups
concordaram que este produto era bastante melhor do que o da
concorrência. Os milhões de dólares investidos na divulgação nos meios de
comunicação social garantiram que o seu anúncio chegaria regularmente a
muitas pessoas. O seu alcance e frequência, indicadores normalmente
usados pelas agências para calcularem a quantidade de pessoas abrangidas
pela publicidade, foram bastante bons. Não há dúvida de que a sua
mensagem foi audível. O problema é que não foi clara. Foi tudo sobre O
QUÊ e COMO e nada sobre o PORQUÊ. Apesar de as pessoas terem
compreendido a função do produto, ninguém sabia qual era a crença da
BCI. A boa notícia é que não foi um falhanço completo; os produtos serão
vendidos enquanto o anúncio continuar no ar e as promoções se mantiverem
competitivas. É uma estratégia eficiente, mas uma forma dispendiosa de
fazer dinheiro.
E se Martin Luther King tivesse feito um discurso com um plano de 12
pontos sobre como alcançar os direitos civis na América, um plano mais
abrangente do que qualquer outro sobre o assunto? Ecoando nas colunas de
som, naquele dia de verão em 1963, a sua mensagem teria sido audível. Os
microfones, tal como a publicidade e as relações públicas, são fantásticos
para garantir que uma mensagem é ouvida. Tal como aconteceu com a BCI,
a mensagem de King teria chegado a centenas de pessoas. Mas a sua crença
não teria sido clara.
Conseguir um volume mais alto é relativamente fácil. Dinheiro ou boas
jogadas é quanto basta. O dinheiro pode comprar o posicionamento central
e frontal da mensagem. E as jogadas publicitárias são rapidamente
noticiadas. Mas nenhuma destas sementes planta lealdade. Muitos dos que
agora me estão a ler lembrar-se-ão que certa vez Oprah Winfrey ofereceu
um carro a cada um dos membros da plateia num dos seus programas (62).
Aconteceu há alguns anos, em 2004, e as pessoas ainda hoje falam do
assunto. Mas quantas se lembram do modelo de carro oferecido? É esse o
problema. Foi a Pontiac que doou sete milhões de dólares em carros, 276
automóveis do novo modelo G6 para ser mais exato. E foi a Pontiac que viu
nessa manobra uma forma de comercializar o seu novo carro. Ainda assim,
apesar de a manobra publicitária ter reforçado a imagem da natureza
generosa de Oprah, algo que nos é familiar, poucos se lembrarão que a
Pontiac fazia parte do acontecimento. Pior, aquela jogada em nada
contribuiu para reforçar algum propósito, causa ou crença que a Pontiac
representa. Não fazíamos ideia de qual era o PORQUÊ da Pontiac antes
daquela manobra, por isso é difícil a jogada publicitária surtir mais efeito do
que… conseguir alguma publicidade. Sem um sentido do PORQUÊ, será
apenas isso que irá conseguir.
Para uma mensagem ter um impacto real, para influenciar o
comportamento e semear a lealdade, precisa de mais do que publicidade.
Precisa de publicitar um propósito, causa ou crença maior, capaz de ecoar
nas pessoas que têm valores e crenças similares. Só então é que a
mensagem pode conseguir criar algum sucesso duradouro no mercado de
massas. Para uma manobra publicitária conseguir apelar ao lado esquerdo
da curva da Teoria da Difusão, há que haver clareza no PORQUÊ dessa
manobra, uma clareza que vá além do desejo de se ser notícia. Apesar de,
sem clareza, poderem existir benefícios a curto prazo, ser-se audível terá
apenas a ver, neste caso, com um aumento excessivo do volume de som.
Ou, em linguagem comercial: confusão. E as empresas questionam-se sobre
o porquê de a diferenciação ser um desafio tão grande nos dias de hoje. Já
se apercebeu do tom altíssimo como algumas delas falam?
Em contraste, qual é que teria sido o impacto do discurso de King se não
tivesse microfone nem colunas? A sua visão não teria sido menos clara. As
suas palavras não teriam sido menos inspiradoras. Ele sabia no que
acreditava e falava com paixão e carisma sobre essa crença. Mas apenas as
pessoas com lugar na primeira fila teriam sido inspiradas pelas palavras.
Um líder com uma causa, seja um indivíduo ou uma organização, tem de ter
um megafone com o qual espalhar a sua mensagem. E deve ser clara e
sonora para que funcione. A clareza de propósito, causa ou crença é
importante, mas é igualmente importante que as pessoas o ouçam. Para que
um PORQUÊ tenha força para mover pessoas deve não apenas ser claro,
mas também amplificado, de modo a chegar a pessoas suficientes para fazer
pender a balança a seu favor.
Não é coincidência que a tridimensionalidade do Círculo Dourado seja
um cone. É, na prática, um megafone. Uma organização torna-se,
efetivamente, o palco por meio do qual uma pessoa com um claro
propósito, causa ou crença pode falar para o mundo exterior. Mas, para que
um megafone funcione, a clareza tem de vir primeiro. Sem uma mensagem
clara, o que é que há para amplificar?

Diga-o apenas se acreditar

King usou o seu megafone para juntar multidões na sua busca de justiça
social. Os irmãos Wright usaram o seu megafone para conseguirem o apoio
da comunidade local na construção da tecnologia que poderia mudar o
mundo. Milhares de pessoas ouviram a crença de John F. Kennedy no
serviço à nação e uniram-se para levar o homem à Lua em menos de uma
década. A capacidade de empolgar e inspirar as pessoas para saírem da sua
zona de conforto e contribuírem para algo maior do que elas próprias não é
exclusiva das causas sociais. Qualquer organização é capaz de construir um
megafone capaz de ter um impacto tremendo. Com efeito, esse é um dos
fatores que define uma organização de excelência. As organizações de
excelência não geram apenas lucros; elas encaminham pessoas, mudam o
rumo de indústrias e, por vezes, também as nossas vidas.
Um sentido claro do PORQUÊ estabelece expectativas. Quando não
sabemos o PORQUÊ de uma organização, não sabemos o que esperar, por
isso esperamos o mínimo – preço, qualidade, serviço, funcionalidades –, o
básico. Mas quando temos um sentido do PORQUÊ, esperamos mais. Para
aqueles que não se sentem confortáveis perante um padrão mais elevado,
sugiro que deixem de tentar compreender o vosso PORQUÊ ou de tentar
equilibrar o vosso Círculo Dourado. Padrões mais elevados são difíceis de
manter. Requerem a necessária disciplina para falar constantemente sobre o
PORQUÊ e para lembrar a toda a gente o PORQUÊ de a organização
existir. Requerem que todos os elementos da organização sejam
responsabilizada pelo COMO fazer as coisas – pelos valores e princípios. E
requerem tempo e esforço para garantir que tudo o que diz é consistente
com o seu PORQUÊ. Quem estiver disposto a fazer esse esforço terá
benefícios incríveis.
Richard Branson começou por criar a Virgin Records, tornando-a uma
marca de música avaliada em milhares de milhões de dólares. Depois criou
uma editora discográfica muito bem-sucedida. Mais tarde, uma companhia
aérea que é hoje considerada uma das melhores do mundo. Depois uma
marca de refrigerantes, uma empresa de planeamento de casamentos, uma
seguradora e uma operadora de serviços móveis. E a lista continua.
Paralelamente, a Apple vende-nos computadores, telemóveis, DVRs e
leitores de mp3, e replicou a sua capacidade de inovação uma e outra vez. A
capacidade de algumas empresas não apenas para serem bem-sucedidas mas
para repetirem esse sucesso deve-se aos seguidores leais que comandam, às
multidões que torcem pelo seu sucesso. No mundo dos negócios, dirão que
a Apple é uma marca de lifestyle. Eles subestimam o poder da Apple. A
Gucci é uma marca de lifestyle – a Apple muda o curso da indústria. Seja
qual for a definição, estas escassas empresas não funcionam como entidades
corporativas. Elas existem como movimentos sociais.

Repetir a grandeza
Ron Bruder não é um nome familiar, mas é um grande líder. Em 1985,
parou junto a uma passadeira com as duas filhas, à espera que o sinal
mudasse para poderem atravessar a rua. Uma oportunidade perfeita, pensou
ele, para ensinar às miúdas uma lição valiosa. Apontou para o outro lado da
rua, para o sinal vermelho que dizia “Pare” e perguntou-lhes o que é que
elas pensavam ser o significado daquele sinal. “Quer dizer que temos de
ficar aqui”, responderam elas. “Têm a certeza?”, perguntou retoricamente.
“Como é que sabem que não nos está a dizer para correr?”
Com uma voz pausada e envergando quase sempre um fato feito à medida
quando vai trabalhar, Bruder é a imagem que nos vem à cabeça quando
imaginamos um executivo conservador. Mas não parta do princípio que
sabe como as coisas funcionam com base naquilo que vê. Bruder é tudo
menos um estereótipo. Apesar de gostar dos adornos do sucesso, não é
motivado por eles. Foram sempre subprodutos involuntários do seu
trabalho. Bruder é movido por um sentido claro do PORQUÊ. Ele vê um
mundo em que as pessoas aceitam as vidas que vivem e fazem o que fazem
não porque tenham de o fazer, mas porque nunca ninguém lhes mostrou
uma alternativa. Foi essa a lição que ele ensinou às filhas naquele dia, na
passadeira – há sempre outra perspetiva a considerar. Começar pelo
PORQUÊ permitiu-lhe alcançar grandes feitos. Mas, mais importante ainda,
é a capacidade que tem de partilhar o seu PORQUÊ, através das coisas que
faz, que inspira aqueles que o rodeiam no sentido de conseguirem grandes
feitos por si próprios.
Tal como a maior parte de nós, o caminho que Bruder tem seguido é
fortuito. Mas o PORQUÊ de ele fazer as coisas nunca mudou. Tudo o que
Bruder fez até hoje começa com o seu PORQUÊ, a sua inolvidável crença
de que se pudermos mostrar a alguém um caminho alternativo, pode abrir-
se a possibilidade de esse ser o caminho seguido. Ainda que o trabalho que
ele hoje desenvolve seja passível de mudar o mundo, Bruder não esteve
sempre no ramo da paz mundial. À semelhança de outros líderes
inspiradores, ele mudou o rumo de uma indústria. Mas Ron Bruder não é
um homem de um só feito. Ele conseguiu repetir o sucesso e mudar o curso
de múltiplas indústrias, múltiplas vezes.
Um executivo sénior de um grande conglomerado alimentar que vendia
vegetais, produtos enlatados e carnes, decidiu comprar uma agência de
viagens para o seu sobrinho. Pediu a Bruder, na qualidade de diretor
financeiro de então na empresa, para dar uma vista de olhos às finanças da
agência de viagens antes de finalizar a compra. Percebendo a oportunidade
que outros não percecionaram, Bruder decidiu juntar-se à pequena agência
para ajudar a liderá-la. Ali, percebeu como funcionavam as outras agências
de viagens e escolheu um caminho alternativo. A Greenwell tornou-se a
primeira agência de viagens na costa leste dos EUA a aproveitar as novas
tecnologias e a informatizar totalmente as suas operações. Não só se tornou
uma das mais bem-sucedidas empresas da região como, depois de apenas
um ano, o seu modelo de negócio se tornou um padrão para toda a indústria.
Bruder tinha conseguido, uma vez mais.
Um antigo cliente de Bruder, Sam Rosengarten, trabalhava em negócios
de energias sujas – carvão, petróleo, gás; todas elas indústrias que
contaminavam terras através da sua operação. Pouco se podia fazer
relativamente a esses terrenos degradados. Estavam demasiado poluídos
para ali se desenvolver alguma coisa e a responsabilidade de os limpar era
de tal ordem que os prémios de seguro, por si só, tornavam proibitiva
qualquer tentativa. Mas Bruder não encara os desafios como a maior parte
das pessoas. A maioria evitava investir em terrenos degradados porque só
conseguia ver o custo de os limpar. Em vez disso, Bruder focou-se na
limpeza em si. A sua perspetiva alternativa trouxe a solução perfeita.
Bruder já tinha criado a sua empresa de promoção imobiliária, a
Brookhill, e, com 18 funcionários, estava a sair-se bastante bem.
Percebendo o que tinha de fazer para aproveitar a oportunidade, abordou a
Dames & Moore, uma das maiores empresas de engenharia ambiental do
mundo, e partilhou a sua perspetiva com eles. Adoraram a ideia e formaram
uma parceria para a executar. Com uma empresa de engenharia com 18.000
pessoas a bordo, o risco percecionado foi grandemente minimizado e as
seguradoras disponibilizaram de bom grado um seguro acessível. Já com o
seguro garantido, o Credit Suisse First Boston avançou com o
financiamento que permitiu à Brookhill comprar, sanar, remodelar e vender
propriedades anteriormente contaminadas por quase 200 milhões de
dólares. A Brookhill – assim denominada porque Bruder é proveniente de
Brooklin e, como ele diz, “é um longo caminho a subir para sair de
Brooklin” –, foi uma das pioneiras na indústria da reconstrução de terrenos
degradados. Uma indústria que prospera até hoje. O PORQUÊ de Bruder
não só conduziu a um caminho que era bom para o negócio como, no
processo, ajudou a limpar o ambiente.
Não importa O QUE Ron Bruder faz. As indústrias e os desafios são
fortuitos. O que nunca muda é o PORQUÊ de fazer as coisas. Bruder sabe
que, independentemente de quão boa uma oportunidade possa ser no papel,
independentemente de quão inteligente ele seja, independentemente do seu
historial, ele nunca conseguiria alcançar o que quer que fosse se não
contasse com outros para o ajudar. Ele sabe que o sucesso é um desporto de
equipa. Ele tem o dom de atrair aqueles que acreditam no que ele acredita.
Pessoas talentosas que se sentem atraídas por ele e que só têm uma
pergunta: “Como é que posso ser útil?” Tendo desafiado as perspetivas
convencionais e revolucionado mais do que uma indústria, Bruder propôs-
se agora a um desafio maior: a paz mundial. Ele fundou a Education for
Employment Foundation, o megafone capaz de o ajudar a conseguir
alcançar o seu propósito.
A fundação EFE está a fazer progressos consideráveis no que diz respeito
a ajudar jovens do Médio Oriente a mudarem de forma substancial o curso
das suas vidas e, certamente, da sua região. Tal como ensinou às suas filhas,
naquela passadeira, que existe sempre uma via alternativa, ele traz uma
perspetiva alternativa para os problemas do Médio Oriente. Como todos os
sucessos de Bruder, a fundação EFE irá impulsionar os negócios e, pelo
caminho, poderá realizar um bem enorme. Bruder não gere empresas, ele
lidera movimentos.

Todos os movimentos são pessoais

Tudo começou no 11 de Setembro de 2001. Como muitos de nós, Bruder


virou a sua atenção para o Médio Oriente depois dos ataques terroristas para
se questionar sobre o porquê de algo assim poder acontecer. Ele percebeu
que se algo assim podia acontecer uma vez, então poderia voltar a acontecer
e, pelas suas filhas, queria encontrar uma forma de o evitar.
Ao tentar descortinar o que poderia fazer, fez uma descoberta notável que
ia muito além de proteger as suas filhas ou mesmo de prevenir o terrorismo
nos Estados Unidos. Na América, percebeu, a grande maioria dos jovens
acorda de manhã com a sensação de que existe uma oportunidade para eles
no futuro. Independentemente da situação económica do país, grande parte
dos jovens rapazes e raparigas que crescem nos Estados Unidos tem um
sentimento de otimismo intrínseco que os leva a crer que, se assim o
quiserem, poderão ser alguém – viver o sonho americano. Um rapaz que
cresça em Gaza ou uma rapariga que viva no Iémen não acorda todos os
dias com o mesmo sentimento. Mesmo que tenham esse desejo, não têm o
mesmo otimismo. É demasiado fácil apontar e dizer que a cultura é
diferente. Isso não é motivo. A verdadeira razão é que existe uma evidente
ausência de instituições que consigam dar aos jovens da região um
sentimento de otimismo em relação ao futuro. Uma educação superior na
Jordânia, por exemplo, pode trazer algum estatuto social, mas não prepara
necessariamente um jovem adulto para o que se avizinha. O sistema de
ensino, em casos como este, perpetua um pessimismo cultural sistémico.
Bruder percebeu que os problemas que o Ocidente enfrenta em matéria de
terrorismo têm menos que ver com o que os rapazes e raparigas no Médio
Oriente pensam sobre a América e mais com o que pensam sobre eles
próprios e com a sua própria visão do futuro. Através da fundação EFE
[Education for Employment Foundation – Fundação Educação para o
Emprego], Bruder está a construir programas ao longo do Médio Oriente
para ensinar aos jovens adultos as competências que os ajudarão a sentir
que têm uma oportunidade na vida. Para que sintam que podem ter o
controlo dos seus próprios destinos. Bruder está a usar a Fundação EFE
para partilhar o seu PORQUÊ a uma escala global – para ensinar às pessoas
que há sempre um caminho alternativo àquele em que estão.
A Education for Employment Foundation não é uma instituição de
caridade americana à espera de praticar o bem em terras distantes (63). É um
movimento global. Cada núcleo da EFE funciona de forma independente,
com os habitantes locais a comporem a maioria dos seus conselhos de
administração locais. Os líderes locais assumem a responsabilidade pessoal
de incutir nos jovens esse sentimento de oportunidade, munindo-os com as
competências, o conhecimento e, mais importante, a confiança necessária
para escolherem um caminho alternativo. Mayyada Abu-Jaber está a liderar
o movimento na Jordânia. Mohammad Naja está a disseminar a causa em
Gaza e na Cisjordânia. E Maeen Aleryani está a provar, no Iémen, que uma
causa pode mesmo mudar uma cultura.
No Iémen, as crianças podem contar com nove anos de educação. Trata-
se de uma das taxas mais baixas do mundo. Nos Estados Unidos, as
crianças contam com 16 anos de ensino. Inspirado por Bruder, Aleryani viu
uma fantástica oportunidade de os jovens mudarem as suas perspetivas e
assumirem um controlo maior do seu próprio futuro. Ele decidiu tentar
angariar dinheiro para abrir um núcleo da EFE em Sana, capital do Iémen, e
numa semana conseguiu 50.000 dólares. A rapidez com que conseguiu essa
quantia é bastante boa, mesmo pelos padrões filantrópicos. Mas estamos a
falar do Iémen e o Iémen não tem cultura de filantropia, tornando o seu
feito ainda mais notável. O Iémen é, também, uma das nações mais pobres
da região. Mas quando se diz às pessoas o PORQUÊ de se fazer o que faz,
acontecem coisas notáveis.
Ao longo da região, todas as pessoas envolvidas na EFE acreditam que
podem ajudar a ensinar aos seus irmãos e irmãs e filhos e filhas as
competências que os ajudarão a mudar o caminho em que pensam que
estão. Eles trabalham para ajudar a juventude da região a acreditar que o
futuro é risonho e repleto de oportunidades. E não o fazem por Bruder,
fazem-no por eles mesmos. Essa é a razão pela qual a EFE mudará o
mundo.
No topo do megafone, no ponto do PORQUÊ, o papel de Bruder é
inspirar, dar início ao movimento. Mas quem acredita nele é que realizará a
verdadeira mudança e levará o movimento para a frente. Qualquer pessoa,
independentemente de onde viva, do que faça ou da sua nacionalidade, pode
participar neste movimento. Tem tudo a ver com o sentimento de pertença.
Se acredita que existe um caminho alternativo àquele em que estamos, e
que a única coisa que temos de fazer é apontar para ele, então visite o site
efefoundation.org e junte-se ao movimento. Para mudar o mundo, é
necessário o apoio de todos aqueles que acreditam.
53 “Steve Ballmer, o homem que substituiu Bill Gates como CEO da Microsoft”: “Steve Ballmer
Going Crazy”, 31 de março de 2006, http://www.youtube.com/watch?v=wvsboPUjrGc.
54 “Fundação Bill e Melinda Gates”: http://www.gatesfoundation.org/Pages/home.aspx.
55 “Nascido no Ohio, a 96,5 quilómetros de Dayton, Neil Armstrong cresceu: Nick Greene, “Neil
Armstrong Biography: First Man of the Moon”, About.com,
http://space.about.com/od/astronautbiographies/a/neilarmstrong.htm.
56 “O que Ralph Abernathy deu ao movimento foi algo diferente”: “Abernathy, Ralph David (1926–
1990)”, Martin Luther King, Jr., Research and Education Institute, http://mlk-
kpp01.stanford.edu/index.php/kingpapers/article/abernathy_ralph_david_1926_1990/.
57 “Os pessimistas costumam ter razão”: Thomas Friedman, The World Is Flat: A Brief History of the
21st Century. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 2005.
58 “Se não fosse o meu irmão mais velho”: Bob Thomas, Building a Company: Roy O. Disney and
the Creation of an Entertainment Empire. Nova Iorque: Disney Editions, 1998.
59 “Herb Kelleher foi capaz de personificar e pregar a causa da liberdade”: Kevin Freiberg e Jackie
Freiberg, Nuts! Southwest Airlines’ Crazy Recipe for Business and Personal Success. Nova Iorque:
Broadway, 1998.
60 “Steve Wozniak foi o engenheiro que fez a Apple funcionar”: Steve Wozniak, entrevista pessoal,
novembro de 2008.
61 “Bill Gates e Paul Allen andaram juntos na secundária em Seattle”: Randy Alfred, “April 4, 1975:
Bill Gates, Paul Allen Form a Little Partnership”, Wired, 4 de abril de 1975,
http://www.wired.com/science/discoveries/news/2008/04/dayintech_0404.
62 “certa vez Oprah Winfrey ofereceu um carro: Ann Oldenburg”, “7M car giveaway stuns TV
audience”, USA Today, 13 de setembro de 2004, http://www.usatoday.com/life/people/2004-09-13-
oprah-cars_x.htm.
63 “Education for Employment Foundation”: http://www.efefoundation.org/homepage.html; Lisa
Takeuchi Cullen, “Gainful Employment”, Time, 20 de setembro de 2007,
http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1663851,00.html; Ron Bruder, entrevista pessoal,
fevereiro de 2009.
CAPÍTULO 9

SAIBA PORQUÊ. SAIBA COMO.


E DEPOIS SEGUE-SE O QUÊ?

Eles entraram, numa fila única. Nem uma palavra foi dita. Ninguém fez
contacto visual com ninguém. Todos pareciam o mesmo. De cabeças
rapadas, as roupas cinza e esfarrapadas. De botas empoeiradas. Um a um,
foram enchendo uma grande sala cavernosa, como um hangar de um filme
de ficção científica. A única cor era o cinzento. As paredes eram cinzentas.
Poeira e fumo preenchiam o espaço fazendo com que o ar parecesse
cinzento.
Centenas, talvez até milhares, dessas pessoas-drone sentaram-se em
bancos ordenadamente organizados. Fila após fila, após fila. Um mar de
conformidade cinzenta. Todos assistiram à projeção de uma enorme cabeça
falante na tela que estava à sua frente na sala e que enchia toda a parede.
Este líder aparente recitava dogmas e propaganda, declarando
orgulhosamente que eles tinham tudo sob controlo. Eles tinham alcançado a
perfeição. Eles estavam livres de pragas. Ou assim pensavam.
Deslizando por um dos túneis que dava acesso ao cavernoso hangar, uma
mulher loira solitária. Usava calções de um vermelho vivo e uma t-shirt
branca. Como um farol, a sua aparência e a cor das suas roupas pareciam
brilhar através do ar cinzento. Perseguida pelos seguranças, ela correu com
uma marreta na mão. Isto não iria acabar bem para o status quo.
A 22 de janeiro de 1984, a Apple lançou o seu computador Macintosh
com um anúncio agora famoso, representando uma cena orwelliana de um
regime totalitário que controla uma população, e prometeu que “1984 não
será como 1984”. Mas essa publicidade foi muito mais do que apenas
publicidade. Não se tratava dos recursos e benefícios de um novo produto.
Não se tratava de uma “proposta de valor diferenciadora”. Foi, para todos
os efeitos, um manifesto. Uma ode poética ao PORQUÊ da Apple, a versão
cinematográfica de uma rebelião individual contra o status quo, provocando
uma revolução. E embora os seus produtos tenham mudado e as modas
também, este anúncio é tão relevante hoje como quando surgiu pela
primeira vez, há 25 anos. E essa é a razão de um PORQUÊ nunca mudar. O
QUE você faz pode mudar com o tempo, mas o PORQUÊ de o fazer nunca
muda.
O anúncio é uma das muitas coisas que a empresa fez ou disse ao longo
dos anos para mostrar ou dizer ao mundo exterior aquilo em que acredita.
Toda a publicidade e comunicações da Apple, os seus produtos, parcerias,
embalagens, o design das suas lojas, são Os QUÊs para o PORQUÊ da
Apple, prova de que a empresa desafia ativamente a ideia do status quo de
modo a autonomizar o indivíduo. Já alguma vez se apercebeu que a
publicidade da Apple nunca mostra grupos a apreciarem os seus produtos?
São sempre pessoas. A campanha “Think Different” mostrava pessoas que
pensavam de forma diferente, nunca grupos. Sempre indivíduos. E quando a
Apple nos diz “Pensa Diferente”, não está unicamente a descrever-se. Os
anúncios na imprensa mostravam imagens de Pablo Picasso, Martha
Graham, Jim Henson, Alfred Hitchcock, para citar alguns, com a frase
“Pensa Diferente“ no canto superior direito da página. A Apple não
incorpora o espírito rebelde porque se associa, ela própria, a rebeldes
conhecidos. A empresa escolheu rebeldes conhecidos porque incorpora o
mesmo espírito rebelde. O PORQUÊ veio antes da solução criativa na
publicidade. Nenhum dos anúncios mostrou um grupo. Isto não é por acaso.
Capacitar o espírito individual é o PORQUÊ da existência da Apple. A
Apple sabe o seu PORQUÊ e nós também. Concordando com ela ou não,
sabemos aquilo em que acredita porque nos conta isso mesmo.
Fale com clareza e será claramente compreendido

Uma organização é representada por um cone na visão tridimensional do


Círculo Dourado. Este sistema organizado ergue-se sobre um outro sistema:
o mercado. O mercado é constituído por todos os clientes e potenciais
clientes, a imprensa, os acionistas, a concorrência, fornecedores e todo o
dinheiro. Este sistema é inerentemente caótico e desorganizado. O único
contacto que o sistema organizado possui com o sistema desorganizado está
na base – no nível de O QUÊ. Tudo o que uma organização diz e faz
comunica a visão do líder para o mundo exterior. Todos os produtos e
serviços que a empresa vende, todo o marketing e publicidade, todo o
contacto com o mundo externo, comunicam isso. Se as pessoas não
compram O QUE você faz, compram o PORQUÊ de o fazer, e se todas as
coisas que acontecem no nível de O QUÊ não representam claramente o
PORQUÊ da existência da empresa, a capacidade de inspirar fica
fortemente comprometida.
Quando uma empresa é pequena, isto não constitui qualquer problema
porque o fundador tem suficiente contacto direto com o mundo exterior.
Pode não haver muitos indivíduos confiáveis do tipo COMO e o fundador
opta por tomar a maioria das grandes decisões. O fundador, ou líder, sai e
fala com os clientes, vende o produto e contrata a maior parte dos
funcionários, se não todos. No entanto, à medida que a empresa cresce, são
adicionados sistemas e processos e outras pessoas serão integradas. A causa
personificada por um indivíduo transforma-se lentamente numa organização
estruturada e o cone começa a ganhar forma. À medida que cresce, o papel
do líder muda. Ele deixará de ser a parte mais audível do megafone; ele
tornar-se-á a fonte da mensagem que fluirá através do megafone.
Quando uma empresa é pequena, gira em torno da personalidade do
fundador. Não há debate sobre se a personalidade do fundador é a
personalidade da empresa. Por é que pensamos, então, que as coisas mudam
apenas porque uma empresa é bem-sucedida? Qual a diferença entre Steve
Jobs, o homem, e a Apple, a empresa? Nenhuma. Qual a diferença entre a
personalidade de Sir Richard Branson e a personalidade da Virgin?
Nenhuma. À medida que uma empresa cresce, o trabalho do CEO é
personificar o PORQUÊ. Deixá-lo transparecer. Falar sobre isso. Proclamá-
lo. Ser um símbolo daquilo em que a empresa acredita. Eles são a intenção
e O QUE a empresa diz e faz é a sua voz. Como Martin Luther King e o seu
movimento social, a função do líder deixa de ser fechar todos os negócios;
passa a ser a de inspirar.
À medida que a organização cresce, o líder está cada vez menos presente
fisicamente, cada vez mais longe do QUE a empresa faz, e ainda mais longe
do mercado externo. Adoro perguntar aos presidentes executivos quais são
suas maiores prioridades e, dependendo da dimensão ou da estrutura,
geralmente recebo uma das duas respostas: clientes ou acionistas.
Infelizmente, já não há muitos CEOs de empresas de dimensão razoável
que tenham contacto diário com clientes. E tanto os clientes como os
acionistas existem fora da organização, no mundo caótico do mercado. Tal
como o cone demonstra, o trabalho do CEO, a responsabilidade do líder,
não é concentrar-se no mercado externo – é concentrar-se na camada
diretamente abaixo: o COMO. O líder deve garantir que existem pessoas na
equipa que acreditam no que ele acredita e sabem COMO o construir. Os
indivíduos do tipo COMO são responsáveis por entender o PORQUÊ e
devem ir trabalhar todos os dias com o intuito de desenvolver os sistemas e
contratar as pessoas que sejam responsáveis por dar vida ao PORQUÊ. Os
funcionários são responsáveis por demonstrar o PORQUÊ ao mundo
externo em tudo naquilo que a empresa diz ou faz. O desafio é que o
consigam fazer de forma clara.
Lembre-se da biologia do Círculo Dourado. O PORQUÊ existe na parte
do cérebro que controla os sentimentos e a capacidade de decisão mas não a
linguagem. Os QUÊs existem na parte do cérebro que controla o
pensamento racional e a linguagem. Comparar a biologia do cérebro com a
interpretação tridimensional do Círculo Dourado revela uma visão
profunda.

O líder no topo da organização é a inspiração, o símbolo da razão pela


qual fazemos o que fazemos. Ele representa o cérebro límbico emocional. O
QUE a empresa diz e faz representa o pensamento racional e a linguagem
do neocórtex. Assim como é difícil para as pessoas falarem dos seus
sentimentos, como o facto de alguém tentar explicar a razão pela qual ama
o seu cônjuge, é igualmente difícil para uma organização explicar o seu
PORQUÊ. A parte do cérebro que controla os sentimentos e a parte que
controla a linguagem não é a mesma. Dado que o cone é simplesmente uma
interpretação tridimensional do Círculo Dourado, que está firmemente
fundamentada na biologia da capacidade de decisão humana, a lógica diz
que as organizações de qualquer dimensão se irão esforçar para comunicar
claramente o seu PORQUÊ. Traduzido para termos comerciais, isto
significa que tentar comunicar a sua proposta de valor diferenciador é
realmente difícil.
Sejamos francos: a dificuldade com que tantas empresas se confrontam
para diferenciar ou comunicar o seu verdadeiro valor ao mundo exterior não
é um problema de negócios, é um problema de biologia. E tal como uma
pessoa que se debate para colocar as suas emoções em palavras, confiamos
em metáforas, imagens e analogias na tentativa de transmitirmos a forma
como nos sentimos. À falta de linguagem adequada para partilharmos as
nossas emoções profundas, o nosso propósito, causa ou crença, contamos
histórias. Usamos símbolos. Criamos coisas tangíveis para que aqueles que
acreditam no que acreditamos apontem e digam: “É por isso que me
inspiro”. Se for feito corretamente, é isso que o marketing, a marca e os
produtos e serviços se tornam; um caminho para que as organizações
comuniquem com o mundo exterior. Comunique claramente e será
compreendido.
CAPÍTULO 10

COMUNICAÇÃO NÃO É FALAR, MAS


SIM OUVIR

Martin Luther King Jr., um homem que se tornou um símbolo de todo o


movimento dos direitos civis, optou por proferir o seu famoso discurso “Eu
tenho um sonho” em frente a um outro símbolo: o Lincoln Memorial (64).
Tal como King, Lincoln é um símbolo do valor americano de liberdade para
todos. As grandes sociedades compreendem a importância dos símbolos
como forma de reforçar os seus valores ou cristalizar as suas crenças. Os
ditadores também compreendem demasiado bem a importância dos
símbolos. Mas, nesses casos, os símbolos são habitualmente deles próprios
e não de uma crença mais ampla. Os símbolos ajudam-nos a tornar tangível
o intangível. E a única razão pela qual os símbolos têm significado é porque
os imbuímos de significado. Esse significado reside na nossa mente e não
no símbolo em si. O símbolo apenas emana um poder de excelência quando
o propósito, causa ou crença são claros.
A bandeira, por exemplo, nada mais é do que um símbolo dos valores e
crenças da nossa nação. Seguimos a bandeira na frente de batalha. É algo
que se reveste de um poder significativo. Já alguma vez reparou no
emblema da bandeira americana no braço direito dos soldados? (65) Está
invertida. Não é um erro, é propositado. Um bandeira esvoaçando num
mastro, enquanto um exército se mobilizava para a batalha, pareceria
invertida se vista do lado direito. Se não fosse colocada desta forma no
ombro direito, iria parecer que o soldado estava a bater em retirada.

A bandeira americana está imbuída de tanto significado que houve quem


tentasse aprovar leis que proibissem a sua profanação. Não é o material com
o qual a bandeira é tecida que estes patriotas pretendem proteger. As leis
que eles propõem nada têm a ver com a destruição de propriedade. O seu
objetivo é proteger o significado do símbolo: o PORQUÊ. As leis que
propuseram tentavam proteger o conjunto de valores e crenças intangíveis
através da proteção do símbolo desses valores e crenças. Apesar de essas
leis terem sido declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal,
desencadearam debates controversos e carregados de emoção. Elas
contrapõem o nosso desejo de liberdade de expressão com o nosso desejo
de proteger um símbolo dessa liberdade.
Ronald Reagan, o Grande Comunicador, tinha perfeita consciência do
poder dos símbolos. Em 1982, foi o primeiro presidente a convidar um
“herói” a marcar presença na tribuna da Câmara dos Representantes, no
Capitólio, durante o discurso do Estado da União perante o Congresso, uma
tradição que, desde então, se manteve todos os anos. Reagan, um homem
que exalava otimismo, sabia a importância de simbolizar os valores da
América, em vez de apenas falar sobre eles. O seu convidado, que ficou ao
lado da primeira-dama, era Lenny Skutnik, um funcionário governamental
que, alguns dias antes, tinha mergulhado no gelado rio Potomac para salvar
uma mulher que tinha caído do helicóptero que estava a tentar resgatá-la
depois de um avião da Air Florida se ter despenhado. Reagan estava a tentar
provar que as palavras são ocas, mas que os feitos e os valores são
profundos. Depois de ter contado a história de Skutnik, disse de forma
eloquente: “Não deixem que ninguém vos diga que os tempos áureos da
América já passaram, que o espírito americano foi vencido. Vimo-lo
triunfar demasiadas vezes nas nossas vidas para agora deixarmos de
acreditar nele” (66). Skutnik tornou-se o símbolo de coragem de Reagan.
A maior parte das empresas tem logotipos, mas poucas foram capazes de
os converter em símbolos com significado. Uma vez que a maior parte das
empresas não comunica bem aquilo em que acredita, a maior parte dos
logótipos é desprovida de significado. Na melhor das hipóteses, funcionam
como ícones para identificar uma empresa e os seus produtos. Um símbolo
não pode ter um significado profundo até que saibamos a razão pela qual
existe para além de simplesmente identificar a empresa. Sem a clarividência
do PORQUÊ, um logótipo é apenas um logótipo.
Dizer que um logotipo representa qualidade, serviço, inovação e afins só
reforça o seu estatuto de mero logótipo. Estas qualidades têm a ver com a
empresa e não com a causa. Não se esqueça dos ditadores. Eles
compreendem o poder dos símbolos, só que, na maioria das vezes, são os
símbolos deles. Da mesma forma, muitas empresas agem como ditadoras –
tudo gira à sua volta e apenas interessa o que elas querem. Dizem-nos o que
fazer, o que necessitamos, dizem-nos que têm as respostas, mas não nos
inspiram e não conquistam a nossa lealdade. E, prosseguindo com a
analogia, os ditadores mantêm o seu poder através do medo, da recompensa
e de quaisquer outras manipulações de que se consigam lembrar. As pessoas
seguem os ditadores não porque queiram, mas porque têm de o fazer. Para
as empresas serem percecionadas como grandes líderes e não como
ditadoras, todos os seus símbolos, incluindo os seus logótipos, têm de
significar alguma coisa em que todos possamos acreditar. Algo que todos
possamos apoiar. E isso exige clareza, disciplina e consistência.
Para que um logótipo se transforme num símbolo, as pessoas devem
sentir-se inspiradas a usar esse logótipo para dizerem algo sobre elas
próprias. As marcas de alta costura são o melhor exemplo disto. As pessoas
usam-nas para demonstrar estatuto. Mas muitas dessas marcas são, de certa
forma, genéricas relativamente ao que simbolizam. Há um exemplo mais
profundo: a Harley-Davidson.
Há pessoas que tatuam o símbolo da Harley-Davidson nos seus corpos. É
de loucos. Tatuam o logótipo de uma empresa na sua pele. Algumas nem
sequer têm o produto! Por que motivo é que pessoas racionais tatuariam no
corpo o logótipo de uma empresa? A razão é simples. A Harley é, há anos,
absolutamente clara em relação ao que acredita, é disciplinada em relação a
um conjunto de valores e princípios orientadores e é persistentemente
consistente naquilo que diz e faz, por isso o seu logótipo tornou-se um
símbolo. Já não identifica simplesmente a empresa e os seus produtos,
identifica uma crença.
Na verdade, a maior parte das pessoas que tatua o logótipo da Harley-
Davidson não faz ideia de qual é o preço das ações da Harley nem sabe se
houve alguma reorganização da administração na semana anterior. Aquele
símbolo já não diz respeito à Harley. O logótipo personifica todo um
conjunto de valores – o deles. O símbolo já não tem a ver com a Harley,
tem a ver com eles. Randy Fowler, um antigo fuzileiro americano e agora
diretor-geral de uma concessionária da Harley-Davidson na Califórnia,
exibe com orgulho uma grande tatuagem da Harley no braço esquerdo.
“Simboliza quem sou”, diz. “No essencial, diz que sou americano” (67).
Clientes e empresa são agora um só. O significado da Harley-Davidson tem
valor na vida das pessoas porque, para aquelas que acreditam no PORQUÊ
da Harley, ajuda-as a exprimir o significado das suas próprias vidas.
Devido à clareza, disciplina e consistência da Harley, a maioria sabe o
que aquele símbolo significa, mesmo que não o subscreva. É por isso que,
quando alguém entra num bar com um grande logótipo da Harley no braço,
damos um passo atrás e afastamo-nos. Na realidade, o símbolo tornou-se
tão significativo que 12% das receitas da Harley-Davidson provêm
inteiramente de merchandising. Isso é extraordinário.
Mas não são apenas os logótipos que podem servir como símbolos. Os
símbolos são todas as representações tangíveis de um conjunto claro de
valores e crenças. Um dedo sujo de tinta era, para os iraquianos, um
símbolo de um novo começo. Um autocarro de dois andares em Londres ou
o chapéu de um cowboy são ambos símbolos de culturas nacionais. Mas os
símbolos nacionais são fáceis porque a maior parte das nações tem uma
perceção clara da sua cultura, que foi reforçada e repetida durante gerações.
Não é uma empresa ou organização que decide o que o seu símbolo
significa – é o grupo do lado de fora do megafone, no mercado caótico, que
decide. Se, com base nas coisas que ouvem e vêm, os elementos externos
conseguem relatar, clara e consistentemente, aquilo em que uma
organização acredita, então, e só nesse momento, um símbolo pode começar
a ganhar significado. É o verdadeiro teste à eficácia de um megafone –
quando a clareza perpassa toda a organização e ganha vida em tudo o que
sai dela.
Regressemos ao anúncio “1984” da Apple, de que falámos no início do
capítulo 9. Uma pergunta para aqueles que o viram: faz-vos pensar na
Apple e nos seus produtos ou simplesmente gostam da sensação? Ou a
máxima “Pense diferente” diz-vos alguma coisa?
Se é um cliente Mac, provavelmente adorou este anúncio; até pode ficar
com “pele de galinha” quando o vê – um teste infalível de que o PORQUÊ
está ligado a si de forma visceral ou límbica. Na realidade, este anúncio,
depois de você perceber que era da Apple, poderá ter reforçado a sua
decisão de comprar um Mac, quer pela primeira vez ou pela décima. Este
anúncio, como toda a publicidade da Apple, é uma das coisas que a empresa
fez ou disse que reforça aquilo em que acredita. É totalmente consistente
com a crença clara que sabemos que encarna. E se o anúncio lhe diz alguma
coisa e não for um fã da Apple, a probabilidade é que, ainda assim, goste da
ideia de pensar de forma diferente. A mensagem desse anúncio é uma das
coisas que a Apple faz para contar a sua história. É um dos QUÊs do seu
PORQUÊ. É um símbolo. É por estas razões que alguns anúncios nos fazem
sentir que nos são diretamente dirigidos. O anúncio não está realmente a
falar para si, está a falar para os milhões de pessoas que o viram. Quando
dizemos que algo assim nos é dirigido, o que estamos verdadeiramente a
dizer é que, por entre todo o ruído e desordem, conseguimos ouvir a
mensagem. Consigo ouvir e vou prestar atenção. É disso que uma
mensagem no megafone precisa para ecoar.
Tudo o que sai do megafone é uma forma de uma organização expressar
aquilo em que acredita. Aquilo que uma empresa diz e faz são as formas
através das quais a empresa fala. Demasiadas empresas colocam um peso
desproporcionado nos seus produtos e serviços simplesmente porque essas
são as coisas que trazem dinheiro. Mas há muito mais coisas no megafone
que desempenham um papel idêntico quando se trata de falar com o mundo
exterior. Ainda que os produtos possam estimular as vendas, eles não
conseguem, por si só, criar lealdade. Na realidade, uma empresa pode criar
lealdade entre pessoas que nem sequer são clientes. Falei favoravelmente da
Apple muito antes de comprar um produto da empresa. E falei
depreciativamente de uma determinada marca de PC ainda que tenha
comprado os seus produtos durante anos.
A clareza, disciplina e consistência da Apple – a sua capacidade de criar
um megafone, não uma empresa, que é claro e audível – foi o que lhe deu a
capacidade de conquistar uma tal lealdade. A empresa é acusada de ter uma
legião de seguidores semelhante a uma seita. Os que trabalham na empresa
são, frequentemente, acusados de seguir o “culto de Steve”. Todos estes
elogios ou insultos são sinais de que outros assumiram a causa e a tornaram
sua. Haver especialistas que descrevem os seus produtos e marketing como
um “estilo de vida” reforça o facto de que as pessoas que adoram os
produtos da Apple usam O QUE a Apple faz para demonstrarem a sua
própria identidade. Chamamos-lhe lifestyle marketing porque as pessoas
integraram produtos comerciais no seu estilo de vida. A Apple criou, com
grande eficiência, um megafone perfeitamente claro, potenciou a Teoria da
Difusão e convidou outras pessoas a ajudarem a espalhar a boa nova. Não
para a empresa, mas para elas próprias.
Até as suas promoções e parcerias são uma prova tangível daquilo em que
acreditam. Em 2003 e 2004, a Apple levou a cabo uma promoção para o
iTunes com a Pepsi – a cola classificada como “a escolha da próxima
geração” (68). Fazia sentido que a Apple fizesse um acordo com a Pepsi, a
principal rival da Coca-Cola, o status quo. Tudo o que a Apple faz, tudo o
que os seus responsáveis dizem e fazem, funciona como prova tangível
daquilo em que acredita. A razão pela qual recorro tão extensivamente ao
exemplo da Apple ao longo deste livro prende-se com o facto de ser tão
disciplinada na forma COMO faz as coisas e tão consistente no QUE faz
que, quer se adore ou odeie a Apple, todos temos uma perceção do seu
PORQUÊ. Sabemos aquilo em que acredita.
A maior parte de nós não leu livros sobre a Apple. Não conhecemos
pessoalmente Steve Jobs. Não andámos a percorrer os corredores da sede da
Apple para ficarmos a conhecer a sua cultura. A clareza que temos sobre
aquilo em que a Apple acredita surge de um só lugar: da Apple. As pessoas
não compram O QUE faz, compram o PORQUÊ de o fazer, e a Apple diz e
faz apenas as coisas em que acredita. Se O QUE faz não prova aquilo em
que acredita, então ninguém saberá qual é o seu PORQUÊ e será forçado a
concorrer pelo preço, serviço, qualidade, características e benefícios; a
substância das mercadorias. A Apple tem um megafone bastante audível e é
excecionalmente boa a comunicar a sua história.

O teste do aipo

De forma a melhorar O QUE fazemos e COMO o fazemos, olhamos


constantemente para o que os outros estão a fazer. Assistimos a
conferências, lemos livros, falamos com amigos e colegas para termos os
seus contributos e conselhos e, por vezes, também damos conselhos.
Procuramos compreender as melhores práticas dos outros para nos
ajudarem a guiar-nos a nós próprios. Mas é um pressuposto errado pensar
que aquilo que funciona para uma organização vai funcionar para outra.
Mesmo que as indústrias, dimensão e condições de mercado sejam as
mesmas, a noção de que “se é bom para eles, é bom para nós” simplesmente
não é a correta.
Conheço uma empresa com uma cultura incrível. Quando questionados,
os funcionários dizem adorar que todas as salas de conferências tenham
mesas de ping-pong. Quer isto dizer que se colocasse mesas de ping-pong
em todas as salas de conferências, a sua cultura melhoraria? Claro que não.
Mas este é um exemplo de “boas práticas”. A ideia de que se copiar O QUE
e COMO as coisas são feitas em organizações de elevado desempenho, isso
vai inerentemente resultar para si, simplesmente não está certa. Tal como a
Ferrari e a Honda, o que é bom para uma empresa não o é necessariamente
para outra. Dito de forma simples, as boas práticas nem sempre são boas.
Não se trata apenas das coisas QUE faz e da forma COMO as faz; o mais
importante é que as coisas QUE faz, e a forma COMO as faz, sejam
consistentes com o seu PORQUÊ. Só assim as suas práticas serão
efetivamente melhores. Não há nada de intrinsecamente errado em olhar
para os outros para aprender o que fazem, o desafio é saber que práticas ou
conselhos seguir. Felizmente, há um teste simples que pode fazer para saber
exatamente o QUE é certo para si e a forma COMO o deve fazer. Trata-se
de uma metáfora simples chamada teste do aipo.
Imagine que vai a uma jantar e alguém o aborda e diz: “Sabe o que
precisa na sua organização? M&Ms. Se não tiver M&Ms no seu negócio,
está a desperdiçar dinheiro”.
Outra pessoa interpela-o e diz: “Sabe o que precisa? Leite de arroz. Os
dados demonstram que, atualmente, as pessoas andam a comprar leite de
arroz. Deveria vender leite de arroz no atual contexto económico”.
Enquanto está em frente da taça de ponche, há mais uma pessoa que
oferece o seu sábio conselho. “Bolachas Oreo”, diz-lhe. “Ganhámos
milhões ao introduzir bolachas Oreo na nossa organização. Têm de o fazer”.
Há ainda uma outra pessoa que chega ao pé de si e diz: “Aipo. Tem de
entrar no negócio do aipo”.
Interioriza todos estes ótimos conselhos de todas estas pessoas de alto
gabarito. Algumas trabalham no mesmo setor. Algumas são mais bem-
sucedidas. Algumas deram conselhos semelhantes a outros altamente bem-
sucedidos. Agora, o que faz?
Vai ao supermercado e compra aipo, leite de arroz, Oreos e M&Ms. Passa
imenso tempo no supermercado a percorrer os corredores. Gasta imenso
dinheiro porque compra tudo. Mas poderá, ou não, obter retorno de alguns
destes produtos, ou de todos; não há garantias. Pior, se tiver restrições
orçamentais, terá de reduzir progressivamente as suas escolhas. E, assim
sendo, sobre quais deve recair a sua escolha?
Mas uma coisa é certa: quando está na fila do supermercado com todos
estes produtos nos braços, o seu aipo, leite de arroz, Oreos e M&Ms,
ninguém consegue ver aquilo em que acredita.Aquilo que faz deve ser uma
prova tangível daquilo em que acredita, mas você comprou tudo.
E se soubesse qual é o seu PORQUÊ antes de ir para o supermercado? E
se o seu PORQUÊ for optar apenas por coisas saudáveis? Fazer sempre
aquilo que for melhor para o seu corpo? Terá os mesmos bons conselhos de
todas as mesmas pessoas, mas a diferença é que, da próxima vez que for ao
supermercado, apenas comprará leite de arroz e aipo. São os únicos
produtos que fazem sentido. Não que os outros conselhos não sejam bons,
apenas não são bons para si. O conselho não se encaixa.
Ao filtrar as suas decisões através do seu PORQUÊ, passará menos tempo
no supermercado e gastará menos dinheiro, pelo que também há uma
vantagem em termos de eficiência. Tem a certeza que vai obter retorno de
todos os produtos que comprar. E, mais importante ainda: quando estiver na
fila com os seus produtos nos braços, todos conseguirão ver aquilo em que
acredita. Se apenas tiver aipo e leite de arroz, será para todos evidente
aquilo em que acredita. “Vejo que acredita em cuidar da sua saúde”,
poderão dizer-lhe. “Também penso assim. Tenho uma pergunta para si”.
Parabéns. Acabou de atrair um cliente, um colaborador, um parceiro ou uma
referência porque tomou a decisão certa. O simples facto de garantir que O
QUE faz é uma prova daquilo em que acredita torna mais fácil, para aqueles
que acreditam no mesmo, encontrá-lo. Comunicou com sucesso o seu
PORQUÊ com base naquilo que faz.
Este é um conceito idealista e, no mundo real, esse nível de disciplina
nem sempre é possível. Compreendo que por vezes temos de tomar
decisões de curto prazo para pagar contas ou obter uma vantagem de curto
prazo. Não há problema. O teste do aipo aplica-se na mesma. Se quer uma
fatia de bolo de chocolate, venha ela. A diferença é que quando começa
com o PORQUÊ sabe muito bem que o bolo de chocolate é uma decisão de
curto prazo que não se encaixa nas suas crenças. Não está iludido. Sabe que
apenas o está a fazer pelo pico de açúcar de curto prazo e que vai ter de se
esforçar um bocadinho mais para o expelir do seu sistema. É espantoso o
número de empresas que vejo que encaram uma oportunidade como aquela
que as vai colocar no caminho da glória, para depois acabarem por a
desperdiçar ou por a perderem lentamente ao longo do tempo. Veem o bolo
de chocolate e não conseguem resistir. Começar pelo PORQUÊ ajuda-o não
só a saber qual é o conselho certo que deve seguir, mas também a saber que
decisões o vão desequilibrar. Pode certamente tomar essas decisões em caso
de necessidade, mas não tome demasiadas, caso contrário, com o tempo,
ninguém vai saber aquilo em que acredita.
Mas eis a melhor parte. Assim que eu lhe disse o PORQUÊ, ficou a saber
que iríamos comprar apenas aipo e leite de arroz antes mesmo de ler as
palavras seguintes. Assim que lhe dei o filtro, assim que disse o PORQUÊ,
soube exatamente que decisões tomar antes de eu o dizer.
A isso chama-se escala.
Com um PORQUÊ claramente definido numa organização, todos lá
dentro podem tomar uma decisão de forma tão clara e acertada como o
fundador. Um PORQUÊ fornece o filtro para a tomada de decisão. Todas as
decisões – contratação, parcerias, estratégia, tática – devem passar pelo
teste do aipo.

Quanto mais aipo usar, mais confiança conquistará

Mark Rubin é um bom pai. Passa muito tempo com as suas duas filhas,
Lucy e Sophie. Um certo sábado à tarde, a sua mulher, Claudine, levou
Lucy a casa de uma amiga para brincar e Mark ficou em casa a tomar conta
de Sophie, de cinco anos. Sentindo-se um pouco cansado, Mark queria
apenas um bocadinho de tempo para descansar no sofá e não ter de brincar
às casas na árvore pela nona vez nesse dia. Para manter Sophie ocupada,
optou por usar a televisão como babysitter. Mark tinha à escolha dois DVD,
novinhos em folha. Não tinha visto nenhum, nem tinha ouvido falar deles
nos jornais ou através de amigos com crianças pequenas. Não lhe apetecia
ver os desenhos animados – o plano era deixar Sophie desfrutar do filme
numa sala enquanto via outra coisa, na outra divisão. Um dos DVD era de
uma empresa da qual nunca tinha ouvido falar e o outro era da Disney. Qual
é que Mark colocou no leitor de DVD? Qual é que você poria?
A resposta é tão clara que torna a pergunta quase pateta, mas vamos
analisar os factos só por graça. Ambos os DVD eram de desenhos
animados. Ambos eram apropriados para crianças. Ambos tinham uma série
de boas críticas na embalagem. A única diferença é que confiamos no DVD
da Disney. A Disney não é uma empresa perfeita. Por vezes tem problemas
de gestão e liderança. O preço das suas ações por vezes cai em bolsa. Têm
processos contra eles a toda a hora. Alguns até a colocariam no mesmo
grupo que todas as outras empresas péssimas que trabalham apenas para
satisfazer os investidores em Wall Street. Então, por que razão confiamos
nela?
A Disney opera com uma clara perceção do PORQUÊ – existe para
promover o bem, a pura diversão em família, e tudo aquilo que faz e diz
tem sido, há décadas, uma prova disso mesmo. A razão pela qual confiamos
na Disney é simples: sabemos aquilo em que acreditam. Passaram no teste
do aipo. Ao longo do tempo, têm sido tão consistentes em tudo o que dizem
e fazem que os pais confiam neles o suficiente para exporem os seus filhos
a conteúdos Disney sem os verificarem primeiro. Isto nada tem a ver com
produtos de qualidade. Isto não é racional.
A Southwest Airlines também passou no teste do aipo. A empresa tem
sido tão consistente ao longo do tempo que quase sabemos o que esperar
dela. Por exemplo, a companhia aérea não tem lugares marcados nos seus
voos. É uma das coisas que faz para provar que acredita na liberdade. Faz
sentido. Uma empresa que serve pessoas comuns e valoriza tanto a
igualdade para todos nunca poderia ter uma estrutura de classes. Se a Delta,
a United ou a Continental tentassem fazer o mesmo, isso não faria sentido,
pois os lugares sem marcação não se adequam à sua filosofia.

Transgressão no teste do aipo


Sandálias Birkenstock, t-shirts tingidas, grinaldas de margaridas e uma
carrinha Volkswagen. Todos são símbolos dos ideais hippies de paz e de
amor e de toda a causa vegetariana. Por isso, foi uma surpresa quando, em
2004, a Volkswagen introduziu um modelo de luxo de 70.000 dólares na sua
linha de produção (69). A empresa, famosa por ter colocado uma jarra para
flores frescas no tabliê do seu novo Beetle, lançou o Phaeton numa tentativa
de concorrer com os carros de luxo topo de gama, incluindo o Mercedes-
Benz Class-S e o BMW Série 7. O carro, com um motor V-8 e 335 cavalos
de potência, potenciou algumas das características mais avançadas da
indústria, como um sistema de suspensão de ar comprimido e um controlo
de climatização em quatro níveis. Até incluía nos assentos um sistema de
massagem shiatsu controlado eletronicamente. O carro foi um feito
espantoso. Era muito confortável e era um monstro na estrada, superando o
desempenho de outros carros de luxo já estabelecidos na sua classe. Os
críticos adoraram-no. Mas havia um pequeno problema. Apesar de todos os
factos e números, características e benefícios, e apesar da engenharia alemã
de renome mundial, poucas pessoas o compraram. Simplesmente não fazia
sentido. Pelo que sabíamos, o que a VW fez era inconsistente com aquilo
em que acreditava.
A Volkswagen, que na tradução significa “carro do povo”, passou
gerações a fazer carros para si e para mim. Toda a gente sabia o que a VW
representava – poder para o povo. Deu vida à sua causa em produtos que
tinham tudo a ver com qualidade que a classe média podia pagar. Numa
única precipitação de ingenuidade germânica, a VW foi colocada
totalmente em desequilíbrio. Não foi o mesmo que a Dell apresentar um
leitor mp3 ou a United lançar a companhia aérea low-cost Ted. Nesses
casos, não tínhamos qualquer ideia de quais eram os PORQUÊS dessas
empresas. Quando não temos qualquer conhecimento ou perceção dos seus
PORQUÊS, não conseguimos comprar-lhes produtos que vão além do QUE
fazem. Neste caso, a VW tem um PORQUÊ claro, mas o QUE produziu
estava completamente desalinhado. Falhou o teste do aipo.
A Toyota e a Honda foram mais inteligentes do que a Volkswagen.
Quando decidiram acrescentar modelos de luxo às suas linhas de produção,
criaram marcas novas para o fazer: Lexus e Acura, respetivamente. A
Toyota tinha-se tornado um símbolo de eficiência e acessibilidade para a
população em geral. Construiu o seu negócio com base num conjunto de
carros low-cost. Sabia que o mercado não pagaria mais por um carro de
luxo com o mesmo nome ou com o mesmo logótipo no capô. Apesar de ser
um carro de luxo, o Lexus é mais um QUÊ para o PORQUÊ da Toyota.
Personifica a mesma causa que os carros com a marca Toyota e os valores
da empresa são os mesmos. A única diferença é O QUE está a fazer para
dar vida a essa causa.
A boa notícia é que a VW não voltou a cometer o mesmo erro e o seu
PORQUÊ permanece claro. Mas se uma empresa tentar demasiadas vezes
“aproveitar oportunidades de mercado” inconsistentes com o seu PORQUÊ,
este acabará por se tornar difuso e a sua capacidade de inspirar e conquistar
lealdade vai deteriorar-se.
O que as empresas fazem e dizem tem importância. Muita. É ao nível do
QUÊ que uma causa ganha vida. É a este nível que uma empresa fala com o
mundo exterior e é nesse momento que podemos ficar a saber aquilo em
que acredita.
64 “discurso “Eu tenho um sonho”: “I Have a Dream—Address at March on Washington, August 28,
1963. Washington, D.C.”, MLK Online, http://www.mlkonline.net/dream.html.
65 “emblema da bandeira americana no braço direito dos soldados?”: Brendan I. Koerner, Brendan I.
Koerner, “Soldiers and Their Backward Flags”, Slate, 18 de março de 2003,
http://www.slate.com/id/2080338/.
66 “Não deixem que ninguém vos diga que os tempos áureos da América já passaram”: discurso do
Presidente Ronald Reagan antes de uma sessão conjunta do Congresso sobre o Estado da União, 26
de janeiro, 1982, http://www.c-span.org/executive/transcript.asp?
cat=current_event&code=bush_admin&year=1982.
67 “No essencial, diz que sou americano”: Randy Fowler, diretor-geral de uma concessionária da
Harley Davidson na Califórnia, entrevista pessoal, janeiro de 2009.
68 “Em 2003 e 2004 a Apple levou a cabo uma promoção para o iTunes com a Pepsi”:
http://www.apple208m/pr/library/2003/oct/16pepsi.html.
69 “A Volkswagen introduziu um modelo de luxo de 70.000 dólares na sua linha de produção”:
“2006 Volkswagen Phaeton Review”, Edmonds.com.,
http://www.edmunds.com/volkswagen/phaeton/2006/review.html; “VW analyses Phaeton failure,
reveals new details about next-gen model”, MotorAuthority.com, February 18, 2008,
http://www.motorauthority.com/vw-analyses-phaeton-failure-reveals-new-details-aboutnext-gen-
model.html.
PARTE 5

O MAIOR DESAFIO
É O SUCESSO
CAPÍTULO 11

QUANDO O PORQUÊ
SE TORNA DIFUSO

Recuo de Golias

“Incomoda-me muito do que se passa atualmente nestas empresas


ambiciosas, com presidentes executivos pagos a peso de ouro, que nada
mais fazem senão saquear e proteger os seus próprios interesses. É um dos
principais problemas do mundo empresarial americano, hoje em dia” (70).
Esta é a perceção transmitida pelo fundador de uma das empresas mais
vilipendiadas na história recente.
Criado numa quinta no coração da América, atingiu a maioridade durante
a Grande Depressão. Isto provavelmente explica a sua predisposição para a
frugalidade. Medindo 1,75 metros e pesando apenas 58,9 quilos quando
jogava futebol na secundária, Sam Walton, o fundador da Wal-Mart, cedo
aprendeu o valor do trabalho árduo. Trabalhar arduamente leva à vitória. E,
na qualidade de quarterback [posição mais importante do conjunto
ofensivo] da sua equipa de futebol americano na secundária, ganhou muitas
vezes. Na realidade, chegaram a ser campeões estaduais. Fosse por trabalho
duro, sorte ou simplesmente um otimismo inabalável, Walton habituou-se a
vencer sempre, de tal forma que não conseguia visualizar totalmente o que
significava perder. Simplesmente não o conseguia imaginar. Walton dizia
mesmo que, provavelmente, o facto de estar sempre a pensar em ganhar
tinha, no seu caso, acabado por se transformar numa profecia autocumprida.
Até mesmo durante a Depressão, teve um emprego altamente bem-sucedido
que lhe valia um salário decente para a altura.
Quando Sam Walton morreu, já tinha operado uma transformação na
Wal-Mart, que tinha passado de uma única loja, em Bentonville, no
Arkansas, para um colosso do retalho com vendas anuais de 44.000 milhões
de dólares e 40 milhões de pessoas a fazerem compras nas suas lojas todas
as semanas. Mas é necessário mais do que uma natureza competitiva, uma
forte ética de trabalho e um espírito otimista para criar uma empresa
suficientemente grande para ser equivalente à 23.a maior economia do
mundo.
Walton não foi a primeira pessoa com grandes sonhos a criar um pequeno
negócio. Muitos proprietários de pequenos negócios sonham transformá-los
em grandes empresas. Conheci muitos empreendedores e é extraordinária a
quantidade deles que me diz que o seu objetivo é criar uma empresa no
valor de milhares de milhões de dólares. No entanto, as probabilidades de
isso acontecer são significativamente baixas. Há hoje 27,2 milhões de
empresas registadas nos Estados Unidos e apenas mil conseguem figurar na
lista da Fortune das 1.000 maiores empresas, o que, atualmente, implica ter
receitas anuais de cerca de 1.500 milhões de dólares (71). Isso significa que
menos de 0,004% de todas as empresas conseguem chegar à ilustre lista.
Ter um tal impacto, criar uma empresa com uma dimensão que consegue
influenciar os mercados, exige algo mais.
Sam Walton não inventou o modelo de compras low-cost. O conceito das
“lojas dos 300” existe há décadas e a Kmart e a Target abriram as suas
portas no mesmo ano que a Wal-Mart, em 1962. Os descontos já eram uma
indústria avaliada em dois mil milhões de dólares quando Walton decidiu
criar a sua primeira Wal-Mart. Havia muita concorrência além da Kmart e
da Target, algumas delas muito mais bem financiadas e com localizações
melhores e, aparentemente, com melhores oportunidades de sucesso do que
a Wal-Mart. Sam Walton nem sequer inventou uma forma melhor de fazer
as coisas em relação a todos os outros (72). Admitiu ter “pedido
emprestadas” muitas das suas ideias sobre o negócio a Sol Price, o fundador
da Fed-Mart, uma cadeia de distribuição de baixo preço criada no sul da
Califórnia na década de 1950.
A Wal-Mart também não foi o único estabelecimento de venda a retalho
capaz de oferecer preços baixos. O preço, tal como já demonstrámos, é uma
manipulação altamente eficiente. Mas, por si só, não inspira as pessoas a
torcerem por si e darem-lhe a lealdade incondicional de que necessita para
criar o momento de viragem e atingir proporções maciças. Ser barato não
inspira os colaboradores a darem o seu sangue, suor e lágrimas. A Wal-Mart
não tinha o apanágio dos preços baixos e não foram estes que a tornaram
tão amada e, em última análise, tão bem-sucedida.
Para Sam Walton, havia algo mais, um propósito, causa ou crença mais
profunda que o motivava (73). Mais do que tudo, Walton acreditava nas
pessoas. Acreditava que, se cuidasse das pessoas, as pessoas cuidariam
dele. Quanto mais a Wal-Mart pudesse dar aos seus funcionários, clientes e
comunidade, mais os funcionários, clientes e comunidade poderiam
retribuir à Wal-Mart. “Trabalhamos todos em conjunto: é esse o segredo”,
disse Walton (74).
Tratava-se de um conceito muito mais amplo do que simplesmente
“transferir poupanças”. Para Walton, a inspiração provinha não apenas do
serviço ao cliente, mas do serviço em si. A Wal-Mart foi o QUE Walton
criou para servir os seus semelhantes. Para servir a comunidade, os
funcionários e os clientes. O serviço era uma causa maior.
O problema é que a sua causa não foi claramente transmitida quando ele
morreu. Na era pós-Sam, a Wal-Mart começou lentamente a confundir a
razão pela qual existia – servir as pessoas – com a forma COMO fazia o
negócio – oferecer preços baixos. Trocou a causa inspiradora de servir as
pessoas por uma manipulação. Esqueceu-se do PORQUÊ de Walton e a sua
motivação motora passou a rodar totalmente em torno do “barato”. Em
absoluto contraste com a causa fundadora que a Wal-Mart personificava
originalmente, a eficiência e as margens passaram a ser o mais importante.
“Um computador pode dizer-lhe, até ao cêntimo, o que vendeu, mas nunca
lhe poderá dizer o que poderia ter vendido”, dizia Walton. Há sempre um
preço a pagar pelo dinheiro que se ganha e, tendo em conta a grande
dimensão da Wal-Mart, esse preço não era pago apenas em dólares e
cêntimos. No caso da Wal-Mart, esquecer o PORQUÊ do seu fundador teve
um custo humano muito elevado. Uma ironia, tendo em conta a causa
fundadora da empresa.
A empresa em tempos reconhecida pela forma como tratava os seus
funcionários e clientes tem estado envolvida em constantes escândalos há
quase uma década (75). Quase todos os escândalos dizem respeito à forma
lamentável como trata os seus clientes e funcionários. Por exemplo, em
dezembro de 2008, a Wal-Mart enfrentou 73 ações judiciais coletivas
relacionadas com violações salariais e já pagou centenas de milhões de
dólares em casos antigos, quer por ordem do tribunal quer por acordo entre
as partes. Uma empresa que acreditava no relacionamento simbiótico entre
companhia e comunidade conseguiu abriu um fosso entre ambos em muitas
das comunidades nas quais opera. Houve uma época em que os legisladores
ajudavam a aprovar leis que permitiam à Wal-Mart entrar em novas
comunidades; agora juntam-se para a manter afastada. Um pouco por todo o
país, surgiram esforços para impedir a Wal-Mart de abrir novas lojas. Em
Nova Iorque, por exemplo, os vereadores de Brooklyn uniram forças com
os sindicatos para travar o crescimento da Wal-Mart devido à sua reputação
de levar a cabo práticas laborais injustas.
Numa das violações mais icónicas das crenças do fundador, a Wal-Mart
tem sido incapaz de se rir de si própria ou de aprender com os seus
escândalos. “Celebrem os vossos sucessos”, disse Walton (76). “Encarem os
vossos fracassos com algum sentido de humor. Não se levem tão a sério.
Descontraiam-se e todos à vossa volta também se descontrairão”. Em vez
de admitir que as coisas já não são o que eram, a Wal-Mart fez o contrário.
A forma como a Wal-Mart pensa, age e comunica desde a morte do seu
líder inspirador também não resulta do facto de as suas concorrentes a
terem superado. A Kmart pediu proteção contra credores ao abrigo do
Capítulo 11 da lei de falências, em 2002, e fundiu-se com a Sears três anos
mais tarde. Com cerca de 400.000 milhões de dólares em vendas anuais, a
Wal-Mart ainda consegue ter um volume de negócios anual seis vezes
superior ao da Target (77). Na realidade, olhando para lá do setor do retalho
de descontos, a Wal-Mart ainda é o maior supermercado do mundo e vende
mais DVD, bicicletas e brinquedos do que qualquer outra empresa dos
Estados Unidos. Não é a concorrência externa que está a afetar a empresa.
O maior desafio que a Wal-Mart tem enfrentado nos últimos anos vem dela
própria.
Para a Wal-Mart, aquilo QUE faz e a forma COMO o faz não mudou. E
não tem nada a ver com o facto de a Wal-Mart ser uma “corporação”; já o
era antes de o amor ter começado a desvanecer-se. O que mudou foi o facto
de o seu PORQUÊ se ter tornado difuso. E todos sabemos isso. Uma
empresa em tempos tão amada deixou agora, simplesmente, de ser tão
apreciada. Os sentimentos negativos que temos para com a empresa são
reais, mas a parte do cérebro que é capaz de explicar por que razão é que
nos sentimos assim tem dificuldade em explicar o que mudou. Por isso
racionalizamos e apontamos para as coisas mais tangíveis que conseguimos
ver – dimensão e dinheiro. Se nós, que estamos de fora, deixamos de
perceber o PORQUÊ da Wal-Mart, isso é um sinal visível de que o
PORQUÊ também se tornou difuso dentro da empresa. Se não é claro no
interior da empresa, nunca será claro no exterior. O que é claro é que a Wal-
Mart de hoje não é a Wal-Mart que Sam Walton criou. Então o que é que
aconteceu?
É demasiado fácil dizer que a única coisa que lhe interessa é o resultado
final. Todas as empresas têm por objetivo fazer dinheiro, mas querer ter
sucesso neste propósito não é a razão pela qual as coisas mudaram tão
drasticamente. Isso apenas aponta para um sintoma. Sem compreender,
primeiro, a razão pela qual aconteceu, o padrão repetir-se-á em todas as
empresas que se tornam bem-sucedidas. Não é o destino ou algum tipo de
ciclo económico místico que transforma empresas bem-sucedidas em
Golias impessoais. São as pessoas.

Ser bem-sucedido vs. Sentir-se bem-sucedido

Todos os anos, um grupo de empreendedores com excelente desempenho


reúne-se na Endicott House do MIT [Massachusetts Institute of
Technology], mesmo à saída de Boston (78). Este Encontro de Titãs, como
se autodenominam, não é um encontro empresarial comum. Não é uma
extravagância. Não há golfe, não há spa, nem jantares caros. Todos os anos,
entre 40 a 50 empresários passam quatro dias a ouvir palestras, desde
manhã cedo até noite dentro. Um conjunto variado de oradores é convidado
a apresentar os seus pensamentos e ideias, havendo depois debates liderados
por alguns dos participantes.
Há alguns anos, tive a honra de participar no Encontro de Titãs como
convidado. Estava à espera que fosse mais um grupo de empresários que se
juntam numa tertúlia. Esperava ouvir debates e apresentações sobre a
maximização dos lucros e melhoria de sistemas. Mas aquilo que
testemunhei foi profundamente diferente. Na realidade, foi totalmente o
oposto.
No primeiro dia, alguém perguntou ao grupo quantos tinham alcançado os
seus objetivos financeiros. Cerca de 80% ergueu a mão. Pensei que esse
facto, por si só, já era impressionante. Mas foi a resposta à questão seguinte
que se revelou bastante profunda. Ainda com as mãos no ar, o grupo foi
questionado: “Quantos de vocês se sentem bem-sucedidos?” E 80%
baixaram as suas mãos.
Ali estava uma sala repleta dos mais brilhantes empresários americanos,
muitos deles multimilionários, alguns nem sequer precisando de trabalhar
mais, caso não o desejassem, mas a maior parte ainda não sentia que era
bem-sucedida. Na realidade, muitos disseram ter perdido algo desde que
tinham criado as suas empresas. Tinham saudades dos dias em que não
tinham dinheiro e em que trabalhavam a partir da cave a tentar fazer com
que as coisas funcionassem. Ansiavam pela sensação que costumavam ter.
Estes extraordinários empresários estavam num ponto das suas vidas em
que tinham chegado à conclusão que as suas empresas eram muito mais do
que vender coisas ou fazer dinheiro. Tinham compreendido a profunda
ligação pessoal que existia entre O QUE faziam e o PORQUÊ de o fazerem.
Este grupo de empresários reuniu-se para debater questões relacionadas
com o PORQUÊ e, por vezes, de forma muito intensa.
Ao contrário dos típicos empresários agressivos, os Titãs não estavam ali
para provar o que quer que fosse uns aos outros. Havia um sentimento de
enorme confiança, em vez de uma feroz competição. E, devido a este
sentimento, todos os membros do grupo estavam dispostos a exprimir uma
vulnerabilidade que, provavelmente, raramente deixariam perceber no resto
do ano. Ao longo do evento, todas as pessoas na sala, pelo menos uma vez,
derramaram uma ou outra lágrima.
Não me interessa escrever sobre a ideia de que o dinheiro não compra
felicidade ou, neste caso, a sensação de sucesso. Isto não é profundo, nem é
uma ideia nova. O que me interessa, contudo, é a transição pela qual estes
empreendedores passaram. À medida que as suas empresas cresceram e se
tornaram cada vez mais bem-sucedidos, o que mudou?
É fácil ver o que ganharam ao longo das suas carreiras – podemos
facilmente contabilizar o seu dinheiro, a dimensão dos seus escritórios, o
número de funcionários, o tamanho das suas casas, a quota de mercado e o
número de vezes em que são mencionados na imprensa. Mas as coisas que
perderam são muito mais difíceis de identificar. À medida que o seu sucesso
tangível foi crescendo, algo mais indefinível começou a dissipar-se. Cada
um destes empresários de sucesso sabia o QUE fazia. Sabiam COMO o
faziam. No entanto, muitos deles deixaram de saber o PORQUÊ de o
fazerem.

Realização vs. Sucesso

Para algumas pessoas, há uma ironia no sucesso. Muitas pessoas bem-


sucedidas nem sempre se sentem como tal. Algumas das que atingiram a
fama falam da solidão que a acompanha. Isto porque sucesso e realização
não são a mesma coisa, embora muitas vezes confundamos ambas.
Realização é algo que se atinge ou obtém, como um objetivo. É algo
tangível, claramente definido e mensurável. Em contrapartida, o sucesso é
um sentimento ou um estado de espírito. “Ela sente-se bem-sucedida. Ela é
bem-sucedida”, costumamos dizer, usando o verbo ser para sugerir esse
estado de espírito. Embora possamos facilmente definir um caminho para
atingir um objetivo, torna-se mais difícil definir um caminho para alcançar
esse sentimento intangível de sucesso. No meu vernáculo, a realização
atinge-se quando vamos atrás do QUE queremos e o alcançamos. O sucesso
dá-se quando temos uma noção clara do PORQUÊ de o querermos. O QUE
queremos é motivado por fatores tangíveis, ao passo que o PORQUÊ de o
querermos é motivado por algo mais profundo no cérebro, onde não temos
capacidade de traduzir esses sentimentos em palavras.
O sucesso surge quando acordamos todos os dias tendo em mente essa
busca incessante do PORQUÊ de fazermos O QUE fazemos. As nossas
concretizações, O QUE fazemos, funcionam como marcos para indicar que
estamos no caminho certo. Não se trata de escolher um ou outro –
precisamos de ambos. Um homem sábio disse um dia: “O dinheiro não
pode comprar a felicidade, mas pode comprar um iate grande o suficiente
para você usufruir dela”. Há uma grande verdade nesta afirmação. O iate
representa a realização; é facilmente observável e, com o plano certo,
perfeitamente alcançável. O que vem por arrasto representa esse sentimento
de sucesso difícil de descrever. Obviamente, isto é muito mais difícil de ver
e de atingir. São conceitos distintos, por vezes andam de mãos dadas, outras
não. Mais importante ainda: algumas pessoas na busca de sucesso
simplesmente confundem O QUE alcançaram com o destino final. É por
isso que nunca se sentem satisfeitas, independentemente da dimensão do
seu iate, ou daquilo que alcançam. Frequentemente partimos da falsa
premissa de que basta obtermos mais para nos sentirmos bem-sucedidos.
Mas isso raramente acontece.
Ao longo da construção de uma empresa ou de uma carreira, tornamo-nos
mais confiantes em relação ao QUE fazemos. Tornamo-nos melhores
especialistas na forma COMO o fazemos. A cada nova realização, as
medidas tangíveis de sucesso e o sentimento de progresso intensificam-se.
A vida é boa. Contudo, para a maior parte de nós, algures no caminho
esquecemo-nos do PORQUÊ de termos dado início à caminhada. Algures
no decurso de todas essas realizações dá-se uma derrapagem inevitável. Isto
acontece com os indivíduos, mas também com as organizações. O que os
empreendedores de Endicott enfrentaram enquanto indivíduos foi a mesma
transição por que a Wal-Mart e outras grandes empresas tiveram de passar
ou ainda estão a passar. Atendendo a que a Wal-Mart opera a uma escala tão
grande, o impacto do seu PORQUÊ nebuloso é sentido numa escala maior.
Os funcionários, clientes e comunidade também o irão sentir.
Aqueles que têm capacidade de nunca perder de vista o PORQUÊ,
independente do grau de realização, podem servir de inspiração. Aqueles
que têm capacidade de nunca perder de vista o PORQUÊ e,
simultaneamente, atingir os marcos que mantêm toda a gente focada na
direção certa, são os verdadeiros grandes líderes. Para os grandes líderes, o
Círculo Dourado está no equilíbrio. Procuram o PORQUÊ,
responsabilizam-se pela forma COMO o fazem e o QUE fazem serve como
a prova tangível daquilo em que acreditam. Mas, a maioria de nós,
infelizmente, chega a um ponto em que O QUE está a fazer e o PORQUÊ
de o fazer acabam por se desequilibrar. Chegamos a um ponto em que o
PORQUÊ e o QUÊ não estão alinhados. É a separação do tangível e do
intangível que marca essa divisão.
70 “Incomoda-me muito do que se passa atualmente nestas empresas ambiciosas”: Sam Walton e
John Huey, Sam Walton: Made in America; My Story. Nova Iorque: Bantam, 1992.
71 “Há hoje 27,7 milhões de empresas registadas nos Estados Unidos”: Agência norte-americana das
Pequenas Empresas, gabinete de apoio, http://www.sba.gov/advo/stats/sbfaq.pdf.
72 “Sam Walton nem sequer inventou uma forma melhor de fazer as coisas em relação a todos os
outros”: Bob Ortega, In Sam We Trust: The Untold Story of Sam Walton and How Wal-Mart Is
Devouring the World. Nova Iorque: Kogan Page, 1999.
73 “Para Sam Walton, havia algo mais: Walton e Huey, Sam Walton.
74 “Trabalhamos todos em conjunto; é esse o segredo”:
http://walmartstores.com/CommunityGiving/8508.aspx.
75 “A empresa em tempos reconhecida pela forma como tratava os seus funcionários e clientes tem
estado envolvida em constantes escândalos há quase uma década”: “Wal-Mart Wage and Hour
Settlement”, Wal-Mart Watch, http://action.walmartwatch.com/page/-/Wal-
Mart%20Wage%20and%20Hour%20Settlement.pdf.
76 “Celebrem os vossos sucessos”: Gene N. Landrum, Entrepreneurial Genius: The Power of
Passion. Nova Iorque: Brendan Kelly Publishing Inc., 2004.
77 “a Wal-Mart ainda consegue ter um volume de negócios anual seis vezes superior ao da Target”:
http://walmartstores.com/FactsNews/NewsRoom/8224.aspx;
http://investors.target.com/phoenix.zhtml?c=65828&p=irol-homeProfile.
78 “Todos os anos, um grupo de empreendedores com excelente desempenho reúne-se na Endicott
House do MIT”: http://www.gatheringoftitans.com/.
CAPÍTULO 12

AS DIVISÕES ACONTECEM

A Wal-Mart começou numa escala pequena. Tal como a Microsoft. Tal


como a Apple. Assim como a General Electric e a Ford e praticamente
todas as outras empresas que se tornaram grandes. Não começaram com
aquisições ou cisões, nem aumentaram de escala da noite para o dia. Quase
todas as organizações e empresas começam da mesma forma: com uma
ideia. É irrelevante se uma organização cresce a ponto de se tornar uma
corporação multimilionária como a Wal-Mart ou se fracassa logo nos
primeiros anos: a maioria começa com uma única pessoa, ou um pequeno
grupo de pessoas, com uma ideia. Até os próprios Estados Unidos da
América começaram dessa forma.
De início, as ideias são alimentadas pela paixão – essa emoção
impulsionadora que nos leva a feitos irracionais. Essa paixão leva muita
gente a fazer sacrifícios em prol de uma causa maior. Alguns desistem da
escola ou demitem-se de belos empregos com bons salários e benefícios
para tentarem a sua sorte. Outros não hesitam em trabalhar horas sem fim,
sacrificando por vezes a estabilidade das relações pessoais ou a sua saúde.
Esta paixão é de tal forma intoxicante e empolgante que pode ser
contagiosa. Inspirados pela visão do fundador, muitos dos funcionários
iniciais de uma empresa evidenciam um comportamento clássico de
“primeiros a aderir”. Baseando-se no seu instinto, estes funcionários iniciais
também abandonam bons empregos e aceitam salários mais baixos para se
juntarem a uma organização com 90% de probabilidade estatística de
insucesso. Mas as estatísticas não contam quando reina a paixão e o
otimismo e a energia está ao rubro. Tal como sucede com os primeiros a
aderir, o comportamento dos funcionários iniciais revela mais sobre eles
próprios do que sobre as perspetivas da empresa.
O insucesso de muitas empresas deve-se ao facto de a paixão, por si só,
ser insuficiente. A sobrevivência da paixão depende de uma estrutura. Um
PORQUÊ sem COMOs, uma paixão sem estrutura, tem uma elevada
probabilidade de fracasso. Lembra-se do crescimento explosivo das
empresas tecnológicas [as chamadas dot-com]? Muita paixão, mas pouca
estrutura. Porém, os Titãs de Endicott House não tiveram esse problema.
Sabiam como construir os sistemas e os processos de modo a fazerem
crescer as suas empresas. Estão entre os 10% das pequenas empresas que
resistem aos três primeiros anos de existência. De facto, muitos deles foram
extremamente bem-sucedidos. O seu desafio foi outro. A paixão necessita
de estrutura para sobreviver, mas, para crescer, a estrutura necessita de
paixão.
No Encontro de Titãs deparei-me com uma sala repleta de pessoas com a
paixão necessária para fundarem uma empresa e com o conhecimento
necessário para construírem os sistemas e as estruturas essenciais à sua
sobrevivência e até para serem muito bem-sucedidos. No entanto, por terem
passado tantos anos focados na conversão de uma visão num negócio
viável, muitos começaram a fixar-se no QUE a organização fazia ou na
forma COMO o fazia. Ao analisarem os resultados financeiros ou outros
resultados facilmente mensuráveis, ao focarem-se no COMO alcançarem
esses resultados tangíveis, deixaram de se focar no PORQUÊ de terem
criado a empresa. Foi também o que aconteceu à Wal-Mart. Uma empresa
obcecada em servir a comunidade tornou-se obcecada por atingir os seus
objetivos.
Tal como a Wal-Mart, os empreendedores de Endicott estavam habituados
a pensar, agir e comunicar de dentro para fora do Círculo Dourado – do
PORQUÊ para O QUE faziam. Porém, à medida que o seu sucesso foi
aumentando, o processo inverteu-se. O QUE tomou a dianteira e todos os
seus sistemas e processos passaram a estar orientados para a prossecução de
resultados tangíveis. O motivo da mudança é simples – sofreram uma
divisão e o seu PORQUÊ ficou nublado.
O sucesso é o maior desafio

O derradeiro desafio que qualquer organização terá que enfrentar é... o


sucesso. Enquanto a empresa for pequena, o fundador basear-se-á no seu
instinto para tomar todas as grandes decisões. Do marketing ao produto, da
estratégia à tática, contratar e despedir, as decisões que o fundador tomar
parecer-lhe-ão certas, desde que siga o seu instinto. Contudo, à medida que
a organização vai crescendo, à medida que se vai tornando bem-sucedida,
torna-se fisicamente impossível que todas as grandes decisões sejam
tomadas por uma única pessoa. Torna-se necessário confiar e delegar
grandes decisões noutras pessoas que, por sua vez, serão responsáveis por
recrutar outras pessoas. E assim, à medida que o megafone cresce, a clareza
do PORQUÊ dilui-se, lenta mas inexoravelmente.
Ao passo que as primeiras decisões foram filtradas apenas pelo instinto,
as decisões posteriores são quase exclusivamente baseadas em
fundamentações racionais e dados empíricos. Todas as empresas que sofrem
a divisão deixam de ser inspiradas por uma causa maior. Simplesmente
gerem os sistemas e trabalham para atingir determinados objetivos. Já não
se trata de construir uma catedral. A paixão desapareceu e a inspiração está
nos mínimos. Nesta fase, para muitos dos funcionários, trata-se apenas de
um trabalho. Se este é o ambiente interno, imagine a opinião externa. Não é
de estranhar que as manipulações comecem a dominar não apenas a forma
como a empresa vende os seus produtos mas também a forma como retém
os seus funcionários. Oferecer bónus, promoções e outros benefícios, até
mesmo amedrontar as pessoas, passam a ser as únicas formas de reter o
talento. Nada disto pode ser considerado inspirador.
O diagrama acima retrata a vida de uma organização. A linha superior
representa o crescimento do QUE a organização faz. Para uma empresa,
isso é geralmente mensurado em dinheiro – lucros, receitas, resultado
operacional, cotação da ação ou crescimento da quota de mercado. Mas a
métrica pode ser qualquer coisa, dependendo da atividade da empresa. Se a
empresa resgatar cachorros perdidos, a métrica pode ser o número de
cachorros resgatados com sucesso. É inerentemente simples calcular o
crescimento do QUE uma organização faz. Afinal de contas, os QUEs são
tangíveis e fáceis de mensurar.
A segunda linha representa o PORQUÊ, a clareza do propósito, causa ou
crença de base. O objetivo é assegurar que, à medida que O QUE cresce, a
clareza do PORQUÊ se mantém estreitamente alinhada. Ou seja, à medida
que o volume do megafone aumenta, a mensagem tem de permanecer clara.
O volume do megafone advém apenas do crescimento do QUE. Com o
incremento desta métrica, qualquer empresa se pode tornar numa grande
empresa. Porém, é a capacidade de inspirar, de manter a clareza do
PORQUÊ, que confere a apenas algumas pessoas e organizações a
capacidade de liderar. No momento em que a clareza do PORQUÊ deixar
de ser nítida dá-se a divisão. Nessa altura, as empresas podem até ser
bastante audíveis, mas já não transmitem uma mensagem clara.
Quando as organizações são de pequena dimensão, O QUE fazem e o
PORQUÊ de o fazerem estão estreitamente alinhados. São empresas muito
marcadas pela personalidade do seu fundador, pelo que são facilmente
compreendidas pelos seus primeiros funcionários. A clareza do PORQUÊ é
compreendida em virtude da proximidade da fonte da paixão – de facto, ela
vai fisicamente para o trabalho todos os dias. Na maioria das pequenas
empresas, os funcionários trabalham todos na mesma sala e sociabilizam
uns com outros. O simples facto de se estar fisicamente perto do fundador
carismático transmite a sensação de se fazer parte do desabrochar de algo
especial. Embora haja margem para alguns ganhos de eficiência, para as
pequenas empresas que se sentem confortáveis em permanecer pequenas, a
necessidade de articular o PORQUÊ não é relevante. Para as empresas que
querem passar o teste do autocarro escolar, que querem tornar-se
organizações multimilionárias ou que querem trabalhar numa escala grande
o suficiente para modificar os mercados ou a sociedade, a necessidade de
gerir a divisão é fundamental.
O teste do autocarro escolar é apenas uma metáfora. Se o fundador ou o
líder de uma organização fosse atropelado por um autocarro escolar, a
organização continuaria a prosperar ao mesmo ritmo sem o seu timoneiro?
Muitas organizações dependem de tal forma da força de uma única pessoa
que o seu desaparecimento provocaria uma disrupção significativa. A
questão não está na possibilidade de isso acontecer – todos os fundadores
acabam por falecer ou por sair da empresa –, a questão está no momento em
que tal acontece e na forma de preparar a organização para esse inevitável
desaparecimento. O desafio não é manter o líder, é encontrar uma forma
exequível de eternizar a visão fundacional.
Para passar o teste do autocarro escolar, para que uma organização
continue a inspirar e a liderar para lá do tempo de vida do seu fundador, é
necessário extrair o PORQUÊ do fundador e integrá-lo na cultura da
empresa. Mais importante ainda, é necessário um bom plano para assegurar
a sucessão com o objetivo de encontrar um líder inspirado pela causa
fundacional e pronto para liderar a empresa rumo ao futuro. Tanto os
futuros líderes como os futuros funcionários devem sentir-se inspirados por
algo maior do que o carisma do fundador e devem ver para lá do lucro e da
criação de valor para o acionista.
A Microsoft sofreu uma divisão, mas ainda está a tempo de voltar a
encarreirar. Na Microsoft, há não muito tempo atrás, as pessoas iam
trabalhar todos os dias com o propósito de mudar o mundo. E mudavam
mesmo. O que a Microsoft alcançou, colocar um PC em cada secretária,
mudou radicalmente a nossa forma de vida. Mas depois a empresa ficou
com o PORQUÊ nublado. Atualmente, poucos são os que na empresa são
instruídos para fazer tudo ao seu alcance para ajudar as pessoas a serem
mais produtivas de modo a atingirem o seu potencial máximo. A Microsoft
transformou-se em apenas mais uma empresa de software.
Se visitar a sede da Microsoft em Redmond, Washington, descobrirá que,
apesar de o seu PORQUÊ se ter tornado difuso, não está perdido. Esse
sentido de causa, esse desejo de mudar o mundo outra vez, ainda persiste,
mas tornou-se desfocado, embrulhado entre o COMO e O QUE a empresa
faz. A Microsoft tem a extraordinária oportunidade de clarificar o seu
PORQUÊ e recuperar a inspiração que a trouxe até onde está hoje. Se
falhar, se ficar pela gestão do QUE faz e continuar a ignorar o PORQUÊ de
o fazer, acabará como a America Online, uma empresa há tanto tempo
dividida que o seu PORQUÊ de facto se perdeu. Resta apenas um pequeno
indício do PORQUÊ original.
A America Online (AOL) era inspiradora. Tal como sucede hoje com a
Google, era a empresa onde todos desejam trabalhar. As pessoas
imploravam para se mudar para a Virgínia para trabalharem naquela
empresa fantástica que estava a mudar as regras do negócio. E é verdade
que, tal como todas as empresas inspiradoras, a AOL desencadeou
mudanças que alteraram profundamente a forma como fazemos quase tudo.
Inspiraram uma nação a ligar-se online. A sua causa era clara e as suas
decisões eram guiadas pelo seu PORQUÊ. O seu objetivo era ligar mais
pessoas online, mesmo que as suas decisões em prol desse objetivo
causassem dano ao seu negócio, no curto prazo. Focalizada no seu
PORQUÊ, a AOL distanciou-se da concorrência ao decidir passar de um
preço baseado no número de horas de ligação à Internet para uma tarifa
mensal de acesso ilimitado, uma decisão que gerou tanto tráfego que
mandou abaixo os seus servidores. Considerando o impacto, a decisão não
foi prática nem racional, mas foi a decisão certa para dar alento à sua causa.
O facto de os servidores não terem aguentado o aumento de tráfego apenas
os fez trabalhar mais para compensá-lo, para assegurar que a América
podia, de facto, ligar-se e permanecer online.
Naquela época, ter um endereço eletrónico da AOL era um motivo de
orgulho – prova de que se estava entre os que faziam parte da revolução da
Internet. Hoje em dia, ter ainda um endereço eletrónico da AOL é sinal de
se ter ficado para trás. O facto de o significado de algo tão simples como
@aol.com ter mudado tão drasticamente é uma prova adicional de que a
causa da empresa há muito se perdeu. Na ausência de um claro PORQUÊ, a
dimensão e a dinâmica são já só o que sustenta a AOL. A empresa já não
inspira ninguém, nem os que lá trabalham, nem os que estão de fora. Já não
falamos dela como costumávamos fazer e seguramente que já não sentimos
por ela a mesma coisa. Não a comparamos com a Google ou com o
Facebook, nem com nenhuma das atuais empresas transformadoras desta
indústria. À semelhança de um comboio de mercadorias com os travões
acionados, levará ainda muitos quilómetros até que este comboio se
imobilize por completo. É uma regra básica da física. No melhor cenário, a
dimensão da AOL poderá ajudá-la a perdurar mas, na ausência de um
propósito, uma causa ou uma crença mais impulsionadoras, a empresa é
apenas um conjunto de coisas. Provavelmente, acabará por ser retalhada e
vendida por partes (tecnologia ou clientes), o que será um triste fim se
pensarmos em quão inspiradora a AOL já foi.
Não é coincidência que os empreendedores de sucesso manifestem
saudosismo dos primeiros tempos. Não é por acaso que as grandes
empresas falam de um “regresso às origens”. Referem-se a tempos prévios
à divisão. E têm razão. Necessitam, de facto, de regressar a um tempo em
que O QUE faziam estava perfeitamente alinhado com o PORQUÊ de o
fazerem. Se persistirem num caminho focado no crescimento do QUE
fazem, às custas do PORQUÊ de o fazerem – mais volume, menos clareza
–, a sua capacidade futura de prosperar e inspirar estará, no mínimo,
comprometida. Empresas como a Wal-Mart, a Microsoft, a Starbucks, a The
Gap, a Dell e tantas outras que foram especiais passaram todas por uma
divisão. Se não forem capazes de recapturar o seu PORQUÊ e voltar a
inspirar, interna e externamente, acabarão todas mais parecidas com a AOL
do que com a empresa que em tempos foram.

O que é mensurado pode ser alcançado

No outono do seu primeiro ano de universidade, Christina Harbridge


decidiu procurar emprego a tempo parcial (79). Curiosa com a perspetiva de
trabalhar no negócio das antiguidades, respondeu a um anúncio de jornal
para um emprego com funções administrativas junto de um colecionador
[em inglês, “collector” também pode significar cobrador], em Sacramento.
Contudo, Harbridge rapidamente descobriu que o seu trabalho se resumia a
preencher impressos para um agente de cobranças e, ainda assim, não
estava certa do que isso significava.
O escritório de cobranças consistia numa sala enorme, repleta de postos
telefónicos, cada um deles ocupado por um agente de cobranças fazendo
telefonemas sucessivos para uma lista enorme de pessoas e empresas
endividadas. A disposição da sala implicava uma total ausência de
privacidade – todos ouviam as chamadas dos outros. Harbridge ficou
imediatamente impressionada pela dureza do tom que todos os agentes
usavam no contacto telefónico com os seus interlocutores, a quem tentavam
cobrar as dívidas. “Perseguiam-nos e praticamente os ameaçavam”, disse
ela. “Fariam o que fosse preciso para lhes arrancar informação”.
Harbridge reconheceu que o dono da empresa e os seus agentes de
cobranças eram todos pessoas amáveis e cordiais. Entreajudavam-se,
ouviam os problemas uns dos outros e chegaram a juntar-se para ajudar uma
família de desalojados no Natal. Mas quando estavam ao telefone a cobrar
dívidas, essas mesmas pessoas tornavam-se passivo-agressivas, mal-
educadas e, muitas vezes, maldosas. Não por serem más pessoas, mas
porque eram incentivadas a agir dessa forma.
O seu comportamento importuno fazia todo o sentido. “O que é
mensurado pode ser alcançado”, como dizia o famoso consultor de vendas
Jack Daly. E no mundo da cobrança de dívidas os agentes eram premiados
com base nos montantes recuperados. O que resultou em toda uma indústria
que ameaça, importuna, persegue e provoca. Não demorou muito até que
Harbridge adotasse a mesma atitude quando falava com os devedores.
“Comecei a tratar as pessoas ao telefone da mesma forma que todos na
empresa faziam”, contou ela.
Ao sentir que O QUE estava a fazer era algo que estava totalmente
desalinhado com o seu PORQUÊ, Harbridge decidiu que tinha de haver
uma forma alternativa. “Meti na cabeça que ia criar uma empresa de
cobranças simpática”, disse ela. As pessoas da indústria das cobranças
acharam que Harbridge era ingénua, se não mesmo louca. E talvez fosse.
Em 1993, Harbridge mudou-se para São Francisco e criou a sua própria
empresa de cobranças, a Bridgeport Financial, imbuída da crença de que os
agentes de cobranças teriam mais sucesso tratando as pessoas com respeito
do que importunando-as. Harbridge construiu a sua empresa com base no
seu PORQUÊ – cada um tem a sua história e todos merecem ser ouvidos. A
sua estratégia consistia na tentativa de o agente de cobrança estabelecer
uma relação com o devedor, ao longo de uma conversa telefónica de três
minutos. O objetivo era perceber, ao máximo, quais as circunstâncias
pessoais do devedor. Teria meios para pagar a dívida? Cumpriria o plano de
pagamentos? O motivo do incumprimento tinha sido uma situação de curto
prazo? “Conseguíamos que as pessoas nos dissessem a verdade”, disse ela.
“Claro que tínhamos um departamento de contencioso, mas evitámos ao
máximo recorrer a ele”. Contudo, Harbridge sabia que, independentemente
das suas intenções, se medisse os resultados da mesma forma que os outros,
acabaria por promover o mesmo tipo de comportamento horroroso.
Inventou então uma forma totalmente nova de incentivar os seus
funcionários. Descobriu uma forma de mensurar o PORQUÊ.
Na Bridgeport Financial, os bónus não eram calculados com base no
montante recuperado; eram calculados com base na quantidade de cartões
de agradecimento que os agentes de cobranças enviavam. Isto é mais difícil
do que parece. Enviar um cartão a agradecer a alguém pelo tempo que
passou ao telefone tem os seus requisitos. Primeiro, Harbridge teve de
recrutar pessoas que acreditavam no mesmo que ela. Teve de contratar as
pessoas certas. Se os seus funcionários não acreditassem que toda a gente
merece ser ouvida, não iria resultar. Apenas o recrutamento das pessoas
certas resultaria no envolvimento certo ao telefone, digno do envio de um
cartão de agradecimento, embora o objetivo da chamada fosse a cobrança.
Harbridge media o PORQUÊ da existência da sua empresa, não O QUE ela
fazia, e o resultado foi uma cultura que, acima de tudo, valorizava a
compaixão.
Mas e outros resultados? Que dizer dos seus resultados financeiros,
aqueles que a maioria das empresas procura acima de tudo o resto? A
Bridgeport Financial recuperava 300% acima da média da indústria. Além
disso, a maioria dos devedores (pessoas singulares e empresas) acabavam
por voltar a comprar junto da empresa a quem originalmente tinham ficado
a dever. Este foi um cenário quase sem precedentes na indústria da cobrança
de dívidas.
A empresa de Harbridge foi bem-sucedida, não apenas porque ela sabia o
PORQUÊ de fazer o que fazia, mas porque descobriu uma maneira de
mensurar o PORQUÊ. O crescimento da empresa era audível e a sua causa
era clara. Ela começou pelo PORQUÊ e o resto aconteceu.
Atualmente, a maioria das empresas tem métricas muito claras para
calcular a evolução e o crescimento do QUE fazem – normalmente,
expressam-se em dinheiro. Lamentavelmente, temos muito poucas métricas
para conferir se o PORQUÊ permanece claro. Na última década, Dwayne
Honoré tem gerido a sua própria empresa de construção em Baton Rouge,
Louisiana, um ofício que aprendeu com o seu pai (80). Sendo um líder com
um profundo sentido de propósito, inventou há uns anos um sistema
brilhante para assegurar o reforço dos seus valores na cultura da empresa.
Descobriu como medir algo que, para a maioria das pessoas, se fica pela
teoria: o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Honoré acredita que as
pessoas não devem despender todo o seu tempo no trabalho; pelo contrário,
as pessoas devem trabalhar para poderem despender mais tempo com as
suas famílias.
Todos os funcionários da Honoré Construction picam o ponto: quando
chegam de manhã e quando saem ao final do dia. Mas há um requisito a
cumprir. Têm que entrar entre as 8h e as 8h30 e têm que sair entre as 17h e
as 17h30. Se saírem mais tarde, deixam de ser elegíveis para o pagamento
de bónus. Como os empregados sabem que têm que sair até às 17h30, a
perda de tempo caiu para valores mínimos. A produtividade é elevada e a
rotatividade é baixa. Pense no quanto consegue fazer na véspera de ir de
férias. Agora imagine que todos os dias eram assim. Foi isso que Dwayne
Honoré conseguiu implementar. Uma vez que conseguiu encontrar uma
forma de medir um valor que para ele é importante, esse valor foi adotado
por todos. Mais importante ainda: como as ações de Honoré passaram o
teste do aipo, os outros conseguem perceber claramente aquilo em que ele
acredita.
O dinheiro é uma métrica perfeitamente legítima para os bens vendidos
ou os serviços prestados. Mas não é um cálculo de valor. O simples facto de
alguém ganhar muito dinheiro não significa necessariamente que forneça
muito valor. Da mesma forma, o facto de alguém ganhar pouco dinheiro
não implica que forneça pouco valor. A simples medição do número de
produtos vendidos ou do dinheiro arrecadado não é indicação de valor. O
valor é uma sensação, não é um cálculo. É uma perceção. Pode argumentar-
se que um produto com mais funcionalidades e mais barato tem mais valor.
Mas quem estabelece o padrão de comparação?
O meu tio fabricava raquetes de ténis. As suas raquetes eram produzidas
na mesma fábrica que as raquetes de uma certa marca. Eram feitas do
mesmo material, pela mesma máquina. A única diferença era que as
raquetes do meu tio, ao saírem da linha de produção, não levavam o
logótipo da tal marca conhecida. As raquetes do meu tio eram vendidas a
um preço mais baixo, na mesma grande retalhista, ao lado das raquetes de
marca. Mês após mês, as raquetes de marca vendiam mais do que as
genéricas. Porquê? Porque as pessoas percecionavam mais valor nas
raquetes de marca e, de boa vontade, pagavam um preço de luxo por essa
perceção. Numa escala puramente racional, as raquetes genéricas ofereciam
melhor valor. Mas, uma vez mais, o valor é uma perceção, não um cálculo,
razão pela qual as empresas dão tanta importância ao investimento na sua
marca. No entanto, tal como todos os outros fatores intangíveis que
contribuem para a perceção do valor, uma marca forte começa com um
sentido claro do PORQUÊ.
Se aqueles que estão fora do megafone partilharem do nosso PORQUÊ e
se formos capazes de comunicar claramente essa crença em tudo o que
dizemos e fazemos, então a confiança emerge e o valor é percecionado.
Quando isso acontece, os compradores fiéis serão sempre capazes de
racionalizar o preço de luxo que pagam ou os inconvenientes que sofrem
para terem essa sensação. Para eles, o sacrifício, em tempo e dinheiro,
compensa. Tentarão explicar que a sua sensação de valor advém da
qualidade, ou das características, ou de qualquer outro elemento facilmente
identificável, mas não é verdade. Esses são fatores externos e a sensação
que têm é inteiramente devida a fatores internos. Quando as pessoas são
capazes de indicar uma empresa e articular claramente aquilo em que essa
empresa acredita, e usam termos não relacionados com o preço, qualidade,
serviço ou características, essa é uma prova de que a empresa conseguiu,
com sucesso, ultrapassar a divisão. Quando as pessoas descrevem o valor
que percecionam, de forma visceral e empolgada, usando palavras como
“amor”, é um sinal seguro da existência de um sentido claro do PORQUÊ.

Uma boa sucessão assegura a sobrevivência do PORQUÊ

Houve uma palavra omissa no discurso de despedida de Bill Gates, quando


abandonou oficialmente a Microsoft, em junho de 2008. Uma palavra que
nem se apercebeu que devia constar.
“Voltarei”.
Embora, em 2000, Gates tenha abdicado do seu cargo de CEO na
Microsoft, a favor de Steve Ballmer, para dedicar mais tempo e energia à
Fundação Bill e Melinda Gates, continua a ter um papel e a marcar presença
na sede da Microsoft em Redmond, Washington (81). O seu plano sempre foi
entregar por completo a empresa ao cuidado de outros mas, tal como sucede
com muitos fundadores, Gates esqueceu-se de fazer a única coisa que
garantiria o sucesso do seu plano. Este lapso único pode ter um impacto
devastador na Microsoft e pode obrigá-lo a regressar, no futuro, para reparar
o que construiu.
Bill Gates é especial. Não apenas por causa do seu cérebro ou do seu
estilo de gestão. Embora importantes, ambos os aspetos, por si só, não
chegam para explicar a fórmula de sucesso que construiu uma empresa no
valor de 60 mil milhões de dólares a partir do nada. Tal como todos os
líderes visionários, Bill Gates é especial porque encarna aquilo em que
acredita. Ele é a personificação do PORQUÊ da Microsoft. E, por esse
motivo, funciona como um farol, uma evocação do PORQUÊ de todos irem
diariamente para o trabalho.
Quando, em 1975, Gates fundou a Microsoft com Paul Allen, fê-lo para
defender uma causa maior: dando às pessoas as ferramentas certas e
tornando-as mais produtivas, todas teriam a oportunidade,
independentemente do seu destino, de alcançar o seu real potencial. “Um
PC em cada lar e em cada posto de trabalho”, foi essa a visão de Gates;
extraordinária numa empresa que nem sequer produzia PCs (82). Ele viu o
PC como o grande equalizador. O software mais bem-sucedido da
Microsoft, o Windows, permitiu que qualquer um acedesse a tecnologia
potente. Ferramentas como o Word, o Excel e o PowerPoint deram a todos a
possibilidade de concretizar a promessa da nova tecnologia – tornar-se mais
eficiente e produtivo. Por exemplo, as pequenas empresas podiam
assemelhar-se às grandes empresas e atuar como elas. O software da
Microsoft ajudou Gates a defender a sua causa de dar poder ao “cidadão
comum”.
Que não haja dúvidas: a Microsoft fez mais para mudar o mundo do que a
Apple. Apesar da atração que sentimos pela merecida reputação da Apple
em matéria de inovação e de desafio dos modelos de negócio de mais do
que uma indústria, a Microsoft é que foi a responsável pela promoção do
computador pessoal. Gates colocou um PC em cada posto de trabalho e,
dessa forma, mudou o mundo. Sendo Gates a personificação real do
PORQUÊ da empresa, o “cidadão comum” que concretizou um potencial
extraordinário, o que acontece agora que se foi embora?
O próprio Gates sempre defendeu que recebia uma atenção
“desproporcional” pelo seu papel na Microsoft, muita da qual, claro, devido
à sua excecional fortuna. Tal como todos os líderes inspirados, ele
reconhece que o seu papel é liderar a causa, sendo outros fisicamente
responsáveis por darem vida à causa. Martin Luther King Jr. não teria
conseguido mudar a América se tivesse atravessado a ponte de Selma,
Alabama, acompanhado de apenas cinco proeminentes líderes dos direitos
civis. Para impulsionar a mudança, foi necessário haver milhares de pessoas
a caminharem atrás deles. Gates reconhece a necessidade que as pessoas
têm de provocar uma mudança efetiva, mas esqueceu-se que qualquer
movimento efetivo, seja ele social ou económico, precisa de um líder que
encabece a caminhada, proclamando a visão e lembrando às pessoas o
PORQUÊ de terem aderido à causa. Embora King tivesse que atravessar a
ponte de Selma a caminho de Montgomery, o aspeto mais relevante foi o
significado dessa travessia. Da mesma forma, nos negócios, embora o lucro
e o valor criado para o acionista sejam objetivos válidos e essenciais, não
chegam para inspirar as pessoas no sentido de irem trabalhar todos os dias.
Apesar de a Microsoft ter sofrido a divisão há já alguns anos, passando de
uma empresa que pretendia mudar o mundo para uma empresa que produz
software, a presença de Gates ajudou a Microsoft a não perder de vista o
PORQUÊ da sua existência. Com a saída de Gates, a Microsoft fica sem
sistemas que proclamem e meçam o seu PORQUÊ. Este facto terá um
impacto exponencial ao longo do tempo.
Saídas como a de Gates têm precedentes noutras empresas que tiveram
líderes igualmente visionários. Steve Jobs, a encarnação da demagogia
revolucionária, um homem que também personificou o PORQUÊ da sua
empresa, abandonou a Apple em 1985, após a lendária luta pelo poder
contra John Scully, presidente da Apple, e o conselho de administração da
empresa (83). O impacto da sua saída foi profundo.
Quando originalmente contratado por Jobs, em 1983, Scully era um
executivo competente, com experiência reconhecida (84). Sabia O QUE
fazer e COMO o fazer. Era considerado um dos mais talentosos executivos
de marketing, com uma rápida ascensão na PepsiCo. Na Pepsi, criou o
amplamente bem-sucedido “Pepsi Challenge”, uma campanha publicitária
baseada num teste de degustação que permitiu à Pepsi ultrapassar pela
primeira vez a Coca-Cola. Mas o problema estava no facto de Sculley não
ser adequado para a Apple. Ele geria a empresa como um negócio e não
estava lá para liderar a causa.
Vale a pena analisar como é que alguém tão desadequado como Sculley
foi contratado para a Apple. A resposta é simples – foi manipulado. Sculley
não abordou Jobs pedindo-lhe para integrar a causa da Apple. A forma
como os acontecimentos se desenrolaram já deixava prever o resultado
final. Jobs sabia que precisava de ajuda. Sabia que precisava de alguém
especializado no COMO para escalar a sua visão. Abordou Sculley, um
homem com um sólido currículo, e disse-lhe “Quer passar o resto da sua
vida a vender água com açúcar ou quer mudar o mundo?” (85). Jogando com
o ego, os medos e as aspirações de Sculley, Jobs conseguiu uma
manipulação perfeita. Valeu-lhe a expulsão da sua própria empresa alguns
anos mais tarde.
No rescaldo da saída de Steve Jobs, a Apple prosperou ainda durante
alguns anos, com base nas vendas de Macintosh a empresas e devido a
novos desenvolvimentos de software. Mas não tardou a que a empresa
começasse a vacilar. A Apple já não era o que tinha sido. Tinha passado
pela divisão e ignorou esse facto. O PORQUÊ estava a ficar cada vez mais
desfocado a cada ano. A inspiração tinha desaparecido. Literalmente.
Com um executivo competente como Sculley a gerir o negócio, não havia
ninguém para liderar a causa. Os produtos passaram a ser “menos
revolucionários e mais evolutivos, havendo mesmo quem os classifique de
aborrecidos”, sublinhou a revista Fortune nessa altura (86). Cansado do
método do “cérebro certo” da Apple, Sculley reorganizou a empresa
repetidas vezes, tentando sempre recuperar o que a Apple claramente tinha
perdido. Contratou uma nova equipa executiva para ajudar. Porém,
limitaram-se a tentar gerir a forma COMO a empresa operava, quando o
problema estava no PORQUÊ. Escusado será dizer que a motivação estava
uma lástima. Só quando Jobs regressou, em 1997, é que dentro e fora da
empresa foi relembrado o PORQUÊ da existência da Apple. Retomada a
clareza, a empresa rapidamente recuperou a sua capacidade de inovar, de
pensar de forma diferente e, uma vez mais, de redefinir indústrias. Com
Jobs de novo no leme, regressou a cultura de desafio do status quo e da
capacitação individual. Todas as decisões eram filtradas pelo PORQUÊ e
isso funcionava. Tal como a maioria dos líderes inspiradores, Jobs confiava
mais no seu instinto do que em conselhos externos. Era frequentemente
criticado por não tomar decisões de massificação, como por exemplo
permitir que as pessoas clonassem o Mac. Simplesmente não podia; essas
medidas violariam tudo aquilo que ele acreditava. Chumbavam no teste do
aipo.
Quando a pessoa que personifica o PORQUÊ sai da empresa sem
expressar claramente o PORQUÊ da criação da empresa, impede o seu
sucessor de liderar uma causa. O novo CEO será contratado para gerir a
empresa e focará a sua atenção no crescimento do QUE faz, prestando
pouca atenção ao PORQUÊ de o fazer. Pior ainda, poderá tentar
implementar a sua própria visão sem tomar em consideração a causa que
originalmente inspirou a maioria dos primeiros funcionários. Nestes casos,
o líder poderá estar a contrariar a cultura da empresa em vez de a
desenvolver. O resultado é a desmotivação, as rescisões em massa, o fraco
desempenho e o surgimento, lento mas inequívoco, de uma cultura de
desconfiança, de “cada um por si”.
Aconteceu na Dell. Michael Dell também tinha uma causa quando criou a
sua empresa. Desde o início, focou-se na eficiência como forma de expandir
o acesso aos computadores (87). Lamentavelmente, também ele se esqueceu
de transmitir convenientemente a causa antes de abandonar o cargo de CEO
da Dell Corp., em julho de 2004. Voltou, passados menos de três anos,
quando a empresa começou a evidenciar sinais de debilidade – o serviço a
clientes, por exemplo, desabou.
Michael Dell reconheceu que, não estando presente para manter a energia
focada no motivo fundacional da Dell Corp., a empresa tinha ficado mais
obcecada com O QUE fazia em detrimento do PORQUÊ de o fazer. “A
empresa estava demasiado focada no curto prazo, o equilíbrio entre as
prioridades pendia demasiado a favor da obtenção de resultados de curto
prazo – esse foi o principal motivo”, explicou Dell ao jornal The New York
Times, em setembro de 2007. De facto, a empresa tinha-se tornado de tal
forma disfuncional que alguns gestores se tinham sentido compelidos a
falsificar ganhos, entre 2003 e 2006, de modo a atingir as metas comerciais,
evidência de uma cultura empresarial que exercia uma pressão
desapropriada sobre os gestores no sentido do cumprimento dos objetivos.
Entretanto, a empresa ignorou várias alterações de mercado significativas,
em especial o potencial do mercado de consumo, e perdeu também a sua
hegemonia enquanto fornecedora de componentes. Em 2006, a Hewlett-
Packard suplantou a Dell, tornando-se o maior vendedor mundial de PC. A
Dell tinha passado pela divisão e não conseguiu perceber por que motivo já
não era a empresa que tinha sido.
A Starbucks é outro bom exemplo. Em 2000, Howard Schultz abandonou
o cargo de CEO da Starbucks e, pela primeira vez na sua história, pese
embora os 50 milhões de clientes semanais, a empresa entrou em declínio.
Olhando para a história da Starbucks, vemos que prosperou, não devido
ao café, mas sim pela experiência que oferecia aos clientes (88). Foi Schultz
que introduziu esse PORQUÊ quando chegou à empresa em 1982, dez anos
depois de Gordon Bowder, Jerry Baldwin e Zev Siegl terem começado a
vender grãos de café em Seattle. Nos primeiros anos, tudo se resumia ao
café. Schultz, frustrado pelo facto de os fundadores da Starbucks não serem
capazes de ter uma perspetiva mais ampla, esforçou-se por encaminhar a
empresa numa nova direção, que a transformou na empresa que hoje
conhecemos. Schultz enamorou-se dos bares de café expresso italianos, e
foi a sua visão de criar um espaço agradável, a meio caminho do trabalho
para casa, o “terceiro espaço” como lhe chamou, que permitiu à Starbucks
ser pioneira na criação de uma cultura de cafetaria nos Estados Unidos, até
então apenas existente nos campus universitários.
Esses foram os tempos em que Starbucks significava algo. Refletia e
sublinhava uma crença. E era isso que as pessoas compravam, não o café. E
era inspirador. Porém, tal como tantos outros anteriormente, a Starbucks
sofreu a inevitável divisão. Também ela esqueceu o PORQUÊ da criação da
empresa e começou a focar-se nos resultados e nos produtos. Tempos houve
em que a Starbucks lhe oferecia a possibilidade de beber o seu café numa
chávena de porcelana e comer o seu folhado num prato de loiça. Detalhes
perfeitos que ajudaram a dar vida à crença da empresa, nesse espaço entre o
trabalho e casa. Contudo, a porcelana é mais dispendiosa de manter e a
Starbucks desistiu dela, em favor dos mais eficientes copos de papel.
Embora permita poupar dinheiro, não foi uma decisão isenta de custos:
resultou na erosão da confiança. Nada expressa melhor a ideia de
“Gostamos muito de si, mas pode ir andando” do que um copo de papel. Já
não tinha nada a ver com o “terceiro espaço”. Já só tinha a ver com o café.
O PORQUÊ da empresa estava a ficar desfocado. Felizmente, Schultz, a
encarnação do PORQUÊ, estava lá para recordar às pessoas qual era a causa
maior. Mas, em 2000, Schultz saiu da empresa e a situação piorou.
A Starbucks tinha crescido de pouco mais de 1.000 lojas para 13.000 em
apenas dez anos. Oito anos e dois CEO depois, a empresa estava
perigosamente sobrecarregada quando teve que enfrentar um ataque da
concorrência: da McDonald’s, da Dunkin’Donuts, entre outras. Poucos
meses antes de voltar a assumir o leme, Schultz escreveu ao seu sucessor,
Jim Donald, um memorando que se tornou famoso, no qual implorava a
Donald que “fizesse as alterações necessárias para evocar a herança, a
tradição e a paixão que todos temos pela verdadeira experiência Starbucks”
(89). O desmoronamento da empresa não se devia ao seu rápido crescimento,
mas ao facto de Schultz não ter incutido suficientemente o PORQUÊ na
organização de modo a que esta pudesse gerir o PORQUÊ sem ele. No
início de 2008, Schultz substituiu Donald por um líder mais habilitado para
conduzir a empresa de volta aos tempos pré-divisão: ele próprio (90).
Nenhum destes executivos é considerado um portento da gestão. Por
exemplo, é bem conhecida a paranoia de Steve Jobs e Bill Gates é pouco
sociável. As suas empresas empregam milhares de pessoas e é impossível
que dessem conta de tudo sozinhos. Confiaram nas capacidades, mentais e
de gestão, de equipas de pessoas para os ajudarem a construir os seus
megafones. Confiaram em pessoas que partilhavam a mesma causa. Neste
aspeto não são diferentes dos outros executivos. Porém, o que têm em
comum entre si, e que não acontece com todos os CEO, é o facto de
encarnarem a causa na qual assentaram as suas empresas. A sua presença
física relembra a cada executivo e a todos os empregados o PORQUÊ de
irem trabalhar todos os dias. Posto de forma simples: são uma inspiração.
Ainda assim, tal como Bill Gates, estes líderes inspirados falharam na
articulação adequada das suas causas, em moldes acessíveis na sua
ausência. A incapacidade de traduzirem o movimento em palavras obriga-
os a liderar o movimento. O que acontecerá quando Dell ou Schultz
voltarem a sair? O que acontecerá agora que Jobs faleceu?
Para qualquer empresa, independentemente da sua dimensão, o sucesso é
o grande desafio. À medida que a Microsoft crescia, Gates deixou de falar
naquilo em que acreditava e na forma como ia mudar o mundo e passou a
falar sobre o que a empresa fazia. E a Microsoft mudou. Fundada como a
empresa que acreditava em tornar as pessoas mais produtivas para que
pudessem alcançar o seu pleno potencial, a Microsoft tornou-se numa
empresa que simplesmente produz software. Mudanças aparentemente
subtis como esta afetam os comportamentos. Afetam as decisões. E têm
impacto na forma como a empresa se estrutura para o futuro. Embora a
Microsoft tenha mudado desde a sua fundação, o impacto nunca foi muito
drástico porque Bill Gates estava lá, e ele era a encarnação da causa que
inspirava executivos e funcionários.
A Microsoft é apenas uma das realizações tangíveis de Bill Gates com o
propósito de concretizar a sua causa. A empresa é um dos QUÊs do seu
PORQUÊ. Ele está agora dedicado a outra coisa que também personifica a
sua causa – utilizar a Fundação Gates para ajudar pessoas de todo o mundo
a ultrapassarem obstáculos e terem a oportunidade de alcançar o seu
potencial. A única diferença é que já não o faz através de software. Steve
Ballmer, para todos os efeitos um homem inteligente, não é a encarnação da
visão que Gates tem do mundo. É a figura do executivo poderoso que vê
números, concorrência e mercados. É um homem com um dom para gerir a
linha do QUE a empresa faz. Tal como John Sculley na Apple, Jim Donald
na Starbucks e Kevin Rollins na Dell – todos CEO que substituíram o
fundador ou o executivo visionário –, Ballmer pode ser o homem perfeito
para trabalhar ao lado do visionário, mas será a escolha certa para o
substituir?
Toda a cultura destas empresas foi construída em torno da visão de um
homem. O único plano de sucessão capaz de funcionar é encontrar um CEO
que acredite no movimento e esteja disposto a dar-lhe continuidade, e não
um que queira substituí-lo pela sua própria visão de futuro. Ballmer sabe
mobilizar a empresa, mas será capaz de a inspirar?
Uma sucessão de sucesso implica mais do que recrutar alguém com um
conjunto de capacidades adequadas – implica encontrar alguém em sintonia
com a causa original, aquela na qual se alicerçou a empresa. Os melhores
CEO de segunda e terceira geração não têm por objetivo implementar a sua
própria visão de futuro, agarram no lema original e lideram a empresa ao
longo da geração seguinte. Daí que se chame sucessão e não substituição.
Tem de haver uma continuidade da visão.
Uma das razões para o sucesso da sucessão na Southwest Airlines deve-se
à profunda infusão da causa na cultura da empresa e ao facto de os CEO
que sucederam a Herb Kelleher encarnarem igualmente a causa. Howard
Putnam foi o primeiro presidente a suceder a Kelleher. Embora fosse um
homem de carreira na aviação, não foi o seu currículo que o tornou elegível
para liderar a empresa. Foi o facto de ser compatível. Putnam relata a
entrevista de emprego que teve com Kelleher (91). Putnam recostou-se na
sua cadeira e reparou que Kelleher estava descalço e tinha empurrado os
sapatos para debaixo da secretária. Mais importante ainda: Putnam reparou
que uma das meias de Kelleher estava rota. Foi nessa altura que Putnam
sentiu que era o homem certo para o lugar. Adorou que Kelleher fosse uma
pessoa comum. Também ele tinha as meias rotas.
Embora Putnam sentisse que a Southwest era o lugar certo para si, como
saber se ele era a pessoa certa para a Southwest? Tive oportunidade de
passar metade de um dia com Putnam. A meio da tarde, sugeri fazermos
uma pausa e tomarmos um café na Starbucks. A mera sugestão deixou-o
indignado. “Eu não vou à Starbucks!”, exclamou ele. “Não vou pagar cinco
dólares por um café. E afinal de contas o que raio é um Frappuccino?” Foi
nesse momento que percebi o quão perfeito Putnam era para a Southwest.
Ele era um homem comum. Um tipo Dunkin’Donuts. Era a pessoa certa
para receber o testemunho de Kelleher e seguir em frente. A Southwest era
a sua inspiração. No caso de Howard Putnam, Kelleher contratou alguém
que podia representar a causa, e não reinventá-la.
Tornou-se tão aculturado que hoje é quase automático. O mesmo se
poderia dizer de Colleen Barrett, que se tornou presidente da Southwest em
2001, cerca de 30 anos depois de ter secretariado Kelleher, no seu escritório
de advocacia, em San Antonio (92). Em 2001, a empresa tinha quase 30.000
funcionários e uma frota de 344 aviões. Barrett diz que, na altura em que
assumiu o cargo, a gestão da empresa se tinha tornado um “esforço bastante
coletivo”. Kelleher cessou o envolvimento quotidiano na empresa, mas
deixou uma cultura corporativa tão forte que a sua presença nos corredores
era já dispensável. A pessoa física tinha já sido amplamente substituída
pelos ‘costumes Kelleher’. E foram os costumes que ajudaram a manter
vivo o PORQUÊ. Barrett admite, sem reservas, não ser a executiva mais
inteligente. Em rigor, ela está a subestimar-se. Porém, enquanto líder da
empresa, não lhe cabia ser a mais inteligente. O seu papel era liderar a
causa. Personificar os valores e relembrar a todos o PORQUÊ de ali
estarem.
A boa notícia é que é fácil saber se o sucessor leva o testemunho certo.
Basta proceder ao teste do aipo e verificar se o que a empresa faz e diz tem
nexo. Basta testar se O QUE a empresa faz prova efetivamente o PORQUÊ
da sua fundação. Não sendo possível compreender facilmente o PORQUÊ
da empresa através dos seus produtos, serviços, marketing e declarações
públicas, há uma elevada probabilidade de a empresa também o
desconhecer. Se o conhecesse, também o daria a conhecer ao público.

Quando desaparece o PORQUÊ, fica apenas O QUÊ

A 5 de abril de 1992, cerca das oito da manhã, a Wal-Mart perdeu o seu


PORQUÊ. Nesse dia, Sam Walton, o líder inspirado da Wal-Mart, o homem
que encarnava a causa sobre a qual edificou a maior retalhista mundial,
morreu de cancro da medula óssea, no Medical Science Hospital da
Universidade do Arkansas, em Little Rock. Pouco depois, S. Robeson
Walton, o filho mais velho de Walton, que sucedeu a seu pai no cargo de
presidente da empresa, fez uma declaração pública. “Não se esperam
alterações na direção, controlo ou política da empresa”, disse (93).
Infelizmente para os funcionários, clientes e acionistas da Wal-Mart, não foi
isso que aconteceu.
Sam Walton era a encarnação do homem comum. Embora tenha sido
nomeado o homem mais rico da América pela revista Forbes em 1985,
título que manteve até à sua morte, nunca compreendeu a importância que
os outros atribuíam ao dinheiro. Claro que Walton era competitivo e o
dinheiro é um bom critério para medir o sucesso. Mas não era isso que dava
a Walton, e a todos os que trabalhavam na Wal-Mart, o sentimento de
sucesso. Eram as pessoas. Acima de tudo, Walton valorizava as pessoas.
Ele acreditava que, ao cuidar das pessoas, promovia uma ação recíproca e
tudo o que Walton e a Wal-Mart fizeram provou isso mesmo. Por exemplo,
nos primeiros tempos, Walton insistia em ir trabalhar ao sábado, em
solidariedade para com os seus funcionários que, nas lojas, tinham de
trabalhar ao fim de semana (94). Lembrava-se dos aniversários e até mesmo
que a mãe de um operador de caixa tinha sido submetida a uma cirurgia à
vesícula. Criticava os seus executivos por terem automóveis caros e resistiu
por muito tempo a usar um jato da empresa. Se o americano comum não
tinha essas coisas, então os seus supostos defensores também não deviam
ter.
Sob o comando de Walton, a Wal-Mart nunca teve uma divisão porque
Walton nunca esqueceu as suas origens. “Ainda me custa a crer que seja
notícia o facto de eu cortar o cabelo numa barbearia. Onde haveria eu de
cortar o cabelo?”, perguntava ele (95). “Por que razão conduzo uma carrinha
pick up? Onde havia eu de transportar os meus cães, num Rolls-Royce?”
Com o seu habitual casaco de tweed e boné de camionista, Walton era a
personificação daqueles que almejava servir – o americano comum.
Com uma empresa tão amada pelos seus funcionários, clientes e
comunidades, Walton cometeu um único erro grave. Não deixou a sua causa
descrita de forma tão clara que outros pudessem liderar essa causa após a
sua morte. Não foi totalmente culpa sua. A parte do cérebro que controla o
PORQUÊ não controla a linguagem. Assim, tal como tantos outros, o
melhor que Walton conseguiu articular foi COMO dar vida à sua causa.
Falou sobre a produção de bens de baixo custo de modo a torná-los
acessíveis à classe trabalhadora americana. Falou sobre a construção de
lojas nas comunidades rurais para que o pilar da força produtiva da América
não tivesse que se deslocar aos centros urbanos. Tudo fazia sentido. Todas
as suas decisões passaram no teste do aipo. Mas o PORQUÊ da criação da
empresa ficou por dizer.
Walton esteve envolvido na empresa até quase à sua morte, quando a sua
situação clínica o impediu de continuar a participar. Tal como sucede com
todas as organizações nas quais a presença física dos líderes fundadores
mantém vivo o PORQUÊ, o seu contínuo envolvimento na empresa
recordava a todos o PORQUÊ de aparecerem todos os dias para trabalhar.
Inspirava todos à sua volta. Assim como a Apple se aguentou alguns anos,
após a saída de Steve Jobs, sem evidenciar ruturas significativas, também a
Wal-Mart, durante um curto período, manteve viva a memória de Sam
Walton e o seu PORQUÊ. Contudo, à medida que o PORQUÊ se foi
tornando cada vez menos nítido, a empresa começou a mudar de direção. A
partir daí, passou a existir uma nova motivação na empresa, algo contra o
qual Walton tinha avisado: a busca do dinheiro.
A Costco foi fundada em 1983 pela conjugação do PORQUÊ de Jim
Sinegal com O QUÊ de Jeffrey Brotman. Sinegal aprendeu tudo sobre o
retalho de baixo preço com Sol Price, que Sam Walton também identificava
como seu mentor (96). E, tal como Walton, Sinegal acredita acima de tudo
nas pessoas (97). “Vamos ser uma empresa que tratará todos pelo primeiro
nome”, disse ele numa entrevista ao 20/20, um programa de informação do
canal de televisão ABC. Dando continuidade a uma fórmula seguida por
outros líderes inspiradores, a Costco acreditava na defesa primordial dos
seus funcionários. Historicamente, pagava-lhes 40% acima do que recebiam
aqueles que trabalhavam para o Sam’s Club, um armazém de preços
reduzidos que era propriedade da Wal-Mart. A Costco oferecia ainda
benefícios acima da média, incluindo seguro para mais de 90% dos seus
empregados. Consequentemente, a rotatividade dos funcionários era cinco
vez mais baixa do que a do Sam’s Club.
Tal como todas as empresas construídas com base numa causa, a Costco
confiou que o seu megafone a ajudaria a crescer. Não tem um departamento
de relações públicas e não gasta dinheiro em publicidade. Bastava a Teoria
da Difusão para espalhar a sua mensagem. “Imagine que tem 120.000
embaixadores leais que dizem constantemente coisas boas sobre si”,
gracejou Sinegal, valorizando a confiança e lealdade dos seus funcionários
acima da publicidade e das relações públicas.
Durante anos, os analistas de Wall Street criticaram a estratégia da Costco
em gastar tanto com os seus funcionários em vez de cortar nos custos para
aumentar as margens e favorecer a cotação bolsista (98). Wall Street preferia
que a empresa se focasse no QUE fazia em detrimento do PORQUÊ de o
fazer. Um analista do Deutsche Bank disse à revista Fortune: “a Costco
continua a ser uma empresa que serve melhor os membros do seu clube do
que os seus acionistas”.
Felizmente, Sinegal confia mais no seu instinto do que nos analistas de
Wall Street. “O negócio de Wall Street é fazer dinheiro entre hoje e a
próxima terça-feira”, disse ele na entrevista ao programa 20/20. “O nosso
negócio é a construção de uma organização, uma instituição, que esperamos
que ainda cá esteja daqui a 50 anos. Pagar bons salários e manter as pessoas
a trabalhar connosco é um excelente negócio”.
A espantosa clarividência de tudo isto não se prende apenas com o facto
de Sinegal ser tão inspirador, mas com o facto de quase tudo o que diz ou
faz ser um eco de Sam Walton. A Wal-Mart alcançou a sua enorme
dimensão fazendo exatamente a mesma coisa – focando-se no PORQUÊ e
certificando-se que o comprovava com O QUE fazia. O dinheiro nunca é a
causa, é sempre um resultado. Mas, naquele trágico dia de abril de 1992, a
Wal-Mart deixou de acreditar no seu PORQUÊ.
Depois da morte de Sam Walton, a Wal-Mart foi abalada por escândalos
por maltratar os funcionários e os clientes em prol do valor para o acionista.
O seu PORQUÊ ficou tão desfocado que, mesmo quando faz bem as coisas,
poucos lhe dão o benefício da dúvida. Por exemplo, a empresa está entre as
primeiras grandes empresas a desenvolver uma política ambiental com o
objetivo de reduzir os resíduos e encorajar a reciclagem. Contudo, os
críticos da Wal-Mart tornaram-se tão céticos quanto à motivação da
empresa que a iniciativa foi maioritariamente vista como uma encenação.
“Há vários anos que a Wal-Mart trabalha para melhorar a sua imagem e
reduzir o seu impacto ambiental”, lê-se no artigo publicado na página
eletrónica do The New York Times, a 28 de outubro de 2008 (99). “A Wal-
Mart ainda vive do consumismo, apesar das promessas de redução dos
custos sociais e ambientais da produção local”. Por sua vez, a Costco
anunciou a sua política ambiental depois da Wal-Mart, mas recebeu muito
mais atenção. A diferença está no facto de as pessoas acreditarem na
Costco. Quando as pessoas sabem o PORQUÊ de a empresa fazer O QUE
faz, estão dispostas a reconhecer tudo o que possa comprovar o PORQUÊ.
Quando têm dúvidas quanto ao PORQUÊ, O QUE a empresa faz fica
descontextualizado. E apesar da bondade do que faz e das decisões que
toma, sem a perceção clara do PORQUÊ a empresa continuará a não fazer
sentido.
E o que dizer dos resultados? No início, ainda sob o efeito da memória de
Sam Walton, a cultura da Wal-Mart permaneceu intacta e as ações das duas
empresas tinham valores equiparados, mesmo alguns anos após a morte de
Walton. Mas, com o passar do tempo, a Wal-Mart continuou a gerir o
negócio de uma forma pós-Sam e pós-divisão, ao passo que a Costco
manteve a clareza do seu PORQUÊ, e o valor das ações de ambas tornou-se
muito díspar. Ter investido na Wal-Mart no dia em que Sam Walton faleceu
renderia ao acionista, à data em que este livro foi escrito, um ganho de
300%. Investir na Costco no mesmo dia representaria um lucro de 800%.
A Costco tem a vantagem de a encarnação do seu PORQUÊ, Jim Sinegal,
ainda estar presente. O que ele diz e faz ajuda a reforçar à sua volta aquilo
que a empresa defende. Fiel ao PORQUÊ, Sinegal tem um salário de
430.000 dólares, um valor relativamente baixo, considerando a dimensão e
o sucesso da empresa. Mesmo no auge da Wal-Mart, Sam Walton nunca
teve um salário superior a 350.000 dólares/ano, em linha com aquilo em
que acreditava. David Glass, o CEO que sucedeu a Sam Walton, um homem
que há muito conhecia Walton de perto, citou-o dizendo: “Incomoda-me
muito o que se passa atualmente nestas empresas ambiciosas, com
presidentes executivos pagos a peso de ouro, que nada mais fazem senão
saquear e proteger os seus próprios interesses. É um dos principais
problemas do mundo empresarial americano hoje em dia” (100).
Houve mais três CEO que tentaram dar continuidade ao trabalho de
Walton. Mas, a cada sucessão, a clareza do propósito, da causa e da crença
foi-se tornando cada vez mais difusa. A esperança atual recai sobre Michael
T. Duke, nomeado CEO no início de 2009. O objetivo de Duke é restaurar o
brilho e a clareza do PORQUÊ da Wal-Mart.
E, para o fazer, começou por atribuir a si próprio um salário anual de 5,43
milhões de dólares (101).
79 “No outono do seu primeiro ano de universidade, Christina Harbridge decidiu procurar emprego a
tempo parcial”: Christina Harbridge, entrevista pessoal, novembro de 2008;
http://christinaharbridge.com/blog/
80 “Na última década, Dwayne Honoré tem gerido a sua própria empresa de construção”: Dwayne
Honoré, entrevista pessoal, dezembro de 2008;
http://www.dhonore.com/explore.cfm/ourcompany/owner/.
81 “Embora (…) Gates tenha abdicado do seu cargo de CEO (…)”: “Gates exits Microsoft to focus
on charity work”, serviço noticioso do canal de televisão MSNBC, 27 de junho de 2008,
http://www.msnbc.msn.com/id/25408326/.
82 “Um PC em cada lar e em cada posto de trabalho”:
http://www.microsoft.com/about/companyinformation/ourbusinesses/profile.mspx.
83 “(…) após uma lendária luta pelo poder contra John Scully, presidente da Apple (…)”: Andrew
Pollack, Andrew Pollack, “Apple Computer Entrepreneur’s Rise and Fall”, New York Times, 19 de
setembro de 1985, http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?
res=950DE7DA1739F93AA2575AC0A963948260&scp=3&sq=apple%201985%20jobs%20resigns
&st=cse.
84 “Scully era um executivo competente, com experiência reconhecida”: “Marketing Genius for
Pepsi and Apple: John Sculley III, WG’63”, Wharton Alumni Magazine, Primavera de 2007,
http://www.wharton.upenn.edu/alum_mag/issues/125anniversaryissue/sculley.html.
85 “Quer passar o resto da sua vida a vender água com açúcar ou quer mudar o mundo?”: Triumph of
the Nerds: Transcrições do programa de televisão: Parte III, PBS,
http://www.pbs.org/nerds/part3.html.
86 “Os produtos passaram a ser ‘menos revolucionários e mais evolutivos’”: Brian O’Reilly, “Apple
Computer’s Risky Revolution”, Fortune, 8 de maio de 1989,
http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/1989/05/08/71954/index.htm.
87 “Desde o início, focou-se na eficiência”: Steve Lohr, “Can Michael Dell Refocus His
Namesake?”, New York Times, 9 de setembro de 2007,
http://www.nytimes.com/2007/09/09/technology/09dell.html.
88 “Olhando para a história da Starbucks”:
http://www.starbucks.com/aboutus/Company_Timeline.pdf.
89 “Schultz escreveu ao seu sucessor (…) um memorando que se tornou famoso: “Memorandum
Starbucks”, Wall Street Journal, 24 de fevereiro de 2007,
http://online.wsj.com/public/article/SB117234084129218452-
hpbDoP_cLbOUdcG_0y7qLlQ7Okg_20080224.html?mod=rss_free.
90 “No início de 2008, Schultz substituiu Donald: Burt Helm e Jena McGregor”, “Howard Schultz’s
Grande Challenge”, BusinessWeek, 9 de janeiro de 2008,
http://www.businessweek.com/magazine/content/08_03/b4067000369003.htm?
chan=top+news_top+news+index_businessweek+exclusives.
91 “Putnam relata a entrevista de emprego que teve com Kelleher”: Howard Putnam, entrevista
pessoal, outubro de 2008.
92 “O mesmo se poderia dizer de Colleen Barrett, que se tornou presidente da Southwest em 2001”:
Colleen Barrett, entrevista pessoal, dezembro de 2008.
93 “S. Robeson Walton, o filho mais velho de Walton”:
http://findarticles.com/p/articles/mi_m3092/is_n8_v31/ai_12098902/.
94 “Walton insistia em ir trabalhar ao sábado”: Sam Walton e John Huey, Sam Walton: Made in
America; My Story. Nova Iorque, Bantam, 1992.
95 “Ainda me custa a crer que seja notícia o facto de eu cortar o cabelo numa barbearia”: Idem.
96 “Sinegal aprendeu tudo sobre o retalho de baixo preço com Sol Price”: Matthew Boyle, “Why
Costco is so addictive”, Fortune, 25 de outubro de 2006,
http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2006/10/30/8391725/index.htm.
97 “E, tal como Walton, Sinegal acredita acima de tudo nas pessoas”: Alan B. Goldberg e Bill Ritter,
“Costco CEO Finds Pro-Worker Means Profitability”, ABC News, 2 de agosto de 2006,
http://abcnews.go.com/2020/business/story?
id=1362779.
98 “os analistas de Wall Street criticaram a estratégia da Costco em gastar tanto com os seus
funcionários”: John Helyar, “The Only Company Wal-Mart Fears”, Fortune, 24 de novembro de
2003, http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2003/11/24/353755/index.htm.
99 “Há vários anos que a Wal-Mart trabalha para melhorar a sua imagem e reduzir o seu impacto
ambiental”: Andrew C. Revkin, “Wal-Mart’s New Sustainability Push”, nytimes.com, 23 de outubro
de 2008, http://dotearth.blogs.nytimes.com/tag/wal-mart/.
100 “muito do que se passa atualmente nestas empresas ambiciosas”: Sam Walton e John Huey, Sam
Walton.
101 “E, para o fazer, começou por atribuir a si próprio um salário anual de 5,43 milhões de dólares”:
http://finance.yahoo.com/q/pr?s=WMT.
PARTE 6

DESCOBRIR
O PORQUÊ
CAPÍTULO 13

AS ORIGENS DE UM PORQUÊ

Começou no norte da Califórnia, na época da Guerra do Vietname, onde os


ideais antigovernamentais e o desdém por grandes centros de poder
cavalgavam à rédea solta. Dois jovens rapazes encaravam o poder
governamental e empresarial como o inimigo, não porque fossem grandes,
per se, mas porque esmagavam o espírito dos indivíduos. Imaginaram um
mundo no qual uma pessoa tinha voz. Imaginaram um tempo em que um
indivíduo poderia fazer frente, com sucesso, ao poder instalado, aos velhos
pressupostos e aos pensamentos do status quo, e mudá-los efetivamente.
Até mesmo redirecioná-los. Davam-se com hippies que partilhavam as suas
crenças, mas encontraram uma forma diferente de mudar o mundo que não
implicava manifestações ou fazer alguma coisa ilegal.
Steve Wozniak e Steve Jobs chegaram à idade adulta nesta altura. Não só
o espírito revolucionário estava no auge no norte da Califórnia, como era
também ali que se vivia a revolução dos computadores. E foi nesta
tecnologia que ambos viram a oportunidade de começar a sua própria
revolução. “A Apple deu aos indivíduos o poder de fazerem as mesmas
coisas que qualquer empresa”, recorda Wozniak (102). “Pela primeira vez na
História, uma pessoa podia competir com uma empresa simplesmente
porque tinha a capacidade de usar a tecnologia”. Wozniak criou o Apple I e,
mais tarde, o Apple II, de forma a ser suficientemente simples para que as
pessoas pudessem dominar o poder da tecnologia. Jobs sabia como vendê-
lo. Assim nasceu a Apple Computer. Uma empresa com um objetivo – dar
aos indivíduos o poder de enfrentarem o poder instalado. Capacitar os
sonhadores e os idealistas para desafiarem, com sucesso, o status quo. Mas
a sua causa, o seu PORQUÊ, começou muito antes de a Apple ter nascido.
Em 1971, no dormitório de Wozniak na Universidade da Califórnia, em
Berkeley, os dois Steves criaram algo a que chamaram a Caixa Azul [Blue
Box] (103). O seu pequeno dispositivo pirateava a rede telefónica para dar às
pessoas a possibilidade de não pagarem as tarifas de longa distância. Os
computadores da Apple ainda não existiam, mas Jobs e Woz já estavam a
desafiar um poder do tipo Big Brother, neste caso a Ma Bell, a empresa
norte-americana de telefones que detinha o monopólio do mercado.
Tecnicamente, o que a Caixa Azul fazia era ilegal e, como não tinham
qualquer vontade de desafiar o poder infringindo a lei, Jobs e Woz nunca
usaram, eles próprios, o aparelho. Mas gostaram da ideia de dar a outras
pessoas a capacidade de escapar à necessidade de agir de acordo com as
regras das forças monopolistas, um tema que se viria a repetir muitas outras
vezes no futuro da Apple.
A 1 de abril de 1976 repetiram este padrão. Enfrentaram os gigantes dos
computadores da época, nomeadamente a Big Blue e a IBM. Antes da
Apple, a computação ainda era sinónimo de cartões perfurados que davam
instruções a uma gigantesca mainframe [sistema centralizado] depositada
algures num centro informático. A IBM direcionou a sua tecnologia para as
empresas e não, como a Apple desejava, para ser uma ferramenta com a
qual os indivíduos pudessem competir com as empresas. Com clareza de
objetivos e uma extraordinária disciplina, o sucesso da Apple Computer
pareceu decalcar, quase ponto por ponto, a Teoria da Difusão. No seu
primeiro ano de negócio, a empresa vendeu computadores no valor de um
milhão de dólares àqueles que acreditavam no mesmo que ela. No segundo
ano já tinha faturado dez milhões de dólares. No terceiro ano de atividade
era uma empresa avaliada em 100 milhões de dólares e atingiu o estatuto de
empresa no valor de mil milhões de dólares em apenas seis anos.
Sendo já um nome familiar, em 1984, a Apple lançou o Macintosh, com o
seu famoso anúncio “1984” que foi transmitido durante o Super Bowl (104).
Realizado por Ridley Scott, o famoso realizador de clássicos de culto como
Blade Runner, o anúncio também mudou o rumo da indústria publicitária.
Ao tratar-se do primeiro “anúncio do Super Bowl”, introduziu a tradição
anual dos anúncios do Super Bowl, ao estilo cinematográfico e com
orçamentos gigantescos. Com o Macintosh, a Apple mudou, uma vez mais,
a tradição de como as coisas eram feitas. Desafiou o padrão do DOS da
Microsoft, o sistema operativo padrão utilizado pela maior parte dos
computadores pessoais na altura. O Macintosh foi o primeiro computador
comercializado em massa a utilizar uma interface gráfica do utilizador e um
rato, permitindo às pessoas simplesmente “apontar e clicar” em vez de
introduzirem um código. Ironicamente, foi a Microsoft que levou às massas
o conceito da Apple com o Windows, a versão de Gates da interface gráfica
do utilizador. A capacidade da Apple para desencadear revoluções e a
capacidade da Microsoft de comercialização em massa ilustra perfeitamente
o PORQUÊ de cada empresa e, seguramente, dos seus respetivos
fundadores. Jobs sempre se preocupou com o desafio e Gates sempre teve
como propósito atingir o máximo número de pessoas.
A Apple continuou a desafiar, com outros produtos que seguiram o
mesmo padrão. Exemplos mais recentes incluem o iPod e, de forma mais
significativa, o iTunes. Com estas tecnologias, a Apple desafiou o modelo
de negócio instituído da indústria da música – uma indústria tão distraída a
tentar protege a propriedade intelectual e o seu modelo de negócio
ultrapassado que estava ocupada a processar piratas musicais de 13 anos
enquanto a Apple redefinia o mercado da música online. O padrão repetiu-
se, outra vez, quando a Apple introduziu o iPhone. O status quo impunha
que eram os operadores móveis e não os fabricantes que decidiam as
características e as capacidades dos telefones atuais. A T-Mobile, a Verizon
Wireless e a Sprint, por exemplo, diziam à Motorola, à LG e à Nokia o que
fazer. A Apple mudou tudo isso quando anunciou que, com o iPhone,
estaria a dizer às operadoras o que o telemóvel seria capaz de fazer.
Ironicamente, a empresa que a Apple tinha desafiado décadas antes, com a
sua Caixa Azul, desta vez manifestou um comportamento clássico de
“primeiro a aderir”. A AT&T foi a única operadora a concordar com este
novo modelo e assim se iniciou uma outra revolução.
A aptidão especial da Apple em matéria de inovação surge do seu
PORQUÊ e, exceto nos anos em que Jobs não esteve presente (1985 e
1997), isso nunca mudou desde que a empresa foi fundada. As indústrias
que detêm um modelo de negócio preexistente devem estar prevenidas;
podem ser as próximas. Se a Apple se mantiver fiel ao seu PORQUÊ, as
indústrias da televisão e dos filmes serão, provavelmente, as seguintes.
A capacidade da Apple para fazer o que faz nada tem a ver com um
conhecimento profundo da indústria. Todas as empresas de computadores e
tecnologia têm livre acesso a talentos e recursos e são igualmente
competentes para fabricar todos os produtos que a Apple cria. Essa
capacidade tem a ver com um propósito, causa ou crença que começou
muitos anos antes com dois idealistas em Cupertino, na Califórnia. “Quero
deixar uma marca no universo”, disse Steve Jobs. E foi precisamente isso
que a Apple fez nas indústrias nas quais concorre. A Apple nasceu do
PORQUÊ dos seus fundadores. Não há diferença entre um e outro. A Apple
foi apenas um dos QUÊs para o PORQUÊ de Jobs e Woz. As
personalidades de Jobs e da Apple são exatamente as mesmas. Na realidade,
as personalidades de todos aqueles que são fortemente atraídos pela Apple
são idênticas. Não existe diferença entre um cliente da Apple e um
funcionário da empresa. Um acredita nos PORQUÊs da Apple e opta por
trabalhar para a empresa e o outro acredita nos PORQUÊs da Apple e opta
por comprar os seus produtos. É apenas uma diferença comportamental. Os
seus leais acionistas também não são diferentes. O QUE compram é
diferente, mas a razão pela qual compram e permanecem leais é a mesma.
Os produtos da empresa tornam-se símbolos das suas próprias identidades.
Diz-se que os indefetíveis de fora da empresa fazem parte do culto da
Apple. Diz-se que os indefetíveis de dentro da empresa fazem parte de uma
espécie de culto. Os seus símbolos são diferentes, mas a sua devoção à
causa é a mesma. O facto de usarmos a palavra “culto” implica que
podemos reconhecer que existe uma fé profunda, algo de irracional que é
partilhado por todos os que nela acreditam. E só podemos estar certos. Jobs,
a sua empresa, os seus funcionários e clientes leais, todos eles existem para
superarem limites. Todos gostam de uma boa revolução. E ainda que Jobs já
não esteja ao leme, a sua causa não pode morrer se a Apple quiser continuar
a distinguir-se.
Só porque o PORQUÊ da Apple é tão claro não significa que todas as
pessoas se sintam atraídas por ele. Algumas gostam, outras não. Algumas
adotam-no e outras sentem-se repelidas por ele. Mas há algo que não se
pode negar: significa alguma coisa. A Teoria da Difusão diz que apenas
2,5% da população tem uma mentalidade inovadora – trata-se de um grupo
de pessoas dispostas a confiar na sua intuição e a assumir riscos maiores do
que os outros. Talvez não seja coincidência que o Windows da Microsoft
esteja presente em 96% dos computadores a nível mundial enquanto a
Apple se mantém com cerca de 2,5%. A maior parte das pessoas não quer
desafiar o status quo.
Apesar de os funcionários da Apple lhe dizerem que o sucesso da
empresa assenta nos seus produtos, a verdade é que muitas empresas fazem
produtos de qualidade. E ainda que os trabalhadores da Apple possam
insistir que os seus produtos são melhores, tudo depende do padrão pelo
qual os está a avaliar. Os produtos da Apple são, na realidade, melhores
para aqueles que se identificam com o PORQUÊ da Apple. É a crença da
Apple, que surge em tudo o que pensa, diz ou faz, que faz dela aquilo que é.
É uma empresa tão eficaz que é capaz de identificar claramente os seus
próprios produtos simplesmente fazendo preceder o nome do produto pela
letra “i”. Mas a empresa não detém apenas a letra, detém a palavra “I” (eu).
É uma empresa que defende o espírito criativo a título individual, e os seus
produtos, serviços e marketing simplesmente comprovam isso.

O PORQUÊ surge olhando para o passado

As estimativas conservadoras colocam o rácio em três para um. Mas alguns


historiadores disseram que, por cada membro do exército britânico, havia
seis franceses. Independentemente da estimativa pela qual optamos por
acreditar, as perspetivas para Henrique V, rei de Inglaterra, não eram
famosas. Era finais de outubro de 1415, o exército britânico estava pronto
para a batalha, em Agincourt, na região norte de França, contra as forças
francesas muito mais numerosas. Mas os números eram apenas um dos
problemas de Henrique V.
O exército britânico tinha caminhado mais de 400 quilómetros, durante
quase três semanas, e perdera quase 40% do seu número original devido a
doenças. Os franceses, pelo contrário, estavam mais descansados e mais
animados. Os franceses, com mais treino e mais experientes, também
estavam entusiasmados com a perspetiva de se desforrarem dos ingleses
para compensarem a humilhação de derrotas anteriores. E, para colmatar, os
franceses estavam, de longe, mais bem equipados. Os ingleses tinham
armaduras leves, mas, fosse qual fosse a sua proteção, não se comparava
com o peso muito superior da armadura francesa. Mas todos os que
conhecem a história medieval europeia já sabem qual foi o desfecho da
batalha de Agincourt. Apesar das probabilidades avassaladoras, os ingleses
ganharam.
Os ingleses tinham uma componente tecnológica vital que foi capaz de
confundir os franceses e desencadear uma reação de acontecimentos que
acabou por resultar numa derrota francesa. Os ingleses tinham o arco longo,
uma arma com um alcance extraordinário para a época. A uma longa
distância do campo de batalha, suficientemente longe a ponto de não ser
necessária uma armadura pesada, os ingleses podiam olhar para o fundo do
vale e lançar uma chuva de setas sobre os franceses. Mas tecnologia e
alcance não eram o que dava o poder às setas. Por si só, uma seta é um pau
de madeira frágil com uma ponta afiada e algumas penas. Por si só, uma
seta não pode fazer frente a uma espada ou penetrar uma armadura. O que
permite a uma seta enfrentar armaduras, números, treino e experiência é o
impulso. Aquele pau frágil, quando cruza os céus, só se transforma numa
força quando se desloca rapidamente numa direção. Mas o que é que a
batalha de Agincourt tem a ver com encontrar o seu PORQUÊ?
Antes de ganhar qualquer potência ou obter qualquer impacto, uma seta
tem de se puxada para trás, a 180 graus do alvo. E é também daí que um
PORQUÊ retira o seu poder. O PORQUÊ não resulta de olhar para a frente,
para aquilo que quer atingir, e encontrar uma estratégia apropriada para lá
chegar. Não emerge de uma pesquisa de mercado. Não surge de longas
entrevistas com clientes ou até funcionários. Nasce de olharmos na direção
totalmente contrária àquela em que estamos agora. Encontrar o PORQUÊ é
um processo de descoberta, não de invenção.
Tal como o PORQUÊ da Apple se desenvolveu durante os rebeldes anos
de 1960 e 1970, o PORQUÊ de qualquer outro indivíduo ou organização
surge do passado. Nasce do processo de crescimento e experiência de vida
de um indivíduo ou pequeno grupo. Todas as pessoas têm um PORQUÊ e
todas as organizações também têm um. Não esqueçamos que uma
organização é um dos QUÊs, é uma das coisas tangíveis que um fundador
ou grupo de fundadores fez na sua vida para provar o seu PORQUÊ.
Todas as empresas, organizações ou grupos com capacidade para inspirar
começam com uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas motivadas para
realizarem algo maior do que elas próprias. Ironicamente, conseguir a
clareza do PORQUÊ, não é a parte difícil, mas antes a disciplina de confiar
no próprio instinto, de se manter fiel ao objetivo, causa ou crença.
Permanecer totalmente equilibrado e autêntico é a parte mais difícil. Os
poucos que são capazes de construir um megafone, e não apenas uma
empresa, em torno da sua causa são aqueles que conseguem a capacidade de
inspirar. Ao fazê-lo, dominam um poder de influenciar as pessoas que
poucos podem sequer imaginar. Perceber o PORQUÊ de uma empresa ou
organização, ou compreender o PORQUÊ de qualquer movimento social,
começa sempre com uma coisa: você.

Sou um fracasso

Há alguns meses gravados para sempre na minha memória – setembro a


dezembro de 2005. Foi quando bati no fundo.
Criei a minha empresa em fevereiro de 2002 e isso foi incrivelmente
empolgante. Estava “cheio de pica”, como diria o meu avô. Desde muito
cedo que o meu objetivo era ter o meu próprio negócio. Era o Sonho
Americano e eu estava a vivê-lo. Todo o meu sentimento de autoestima
vinha do facto de o ter conseguido; dei o salto e a sensação foi incrível.
Sempre que alguém me perguntava o que fazia, posava como George
Reeves da antiga série de televisão Super-Homem. Punha as mãos nas
ancas, espetava o queixo, inclinava-me e de cabeça bem erguida dizia: “Sou
empresário”. O que eu fazia era a forma como me definia e a sensação era
boa. Eu não era como o Super-Homem, eu era o Super-Homem.
Como qualquer pessoa que cria uma empresa sabe, esse processo é uma
corrida fantástica. Há uma estatística que paira sobre a nossa cabeça – mais
de 90% de todas as novas empresas vão à falência nos primeiros três anos
de vida. Para qualquer pessoa com um mínimo de espírito competitivo em
si, especialmente para quem se define como empresário ou empresária
(mãos nas ancas, queixo espetado, postura ligeiramente inclinada), estas
probabilidades de fracasso esmagadoras não são intimidantes, apenas
acrescentam lenha à fogueira. A insensatez de pensarmos que fazemos parte
da pequena minoria daqueles que vão conseguir superar os três anos e
desafiar as probabilidades é parte do que faz com que os empreendedores
sejam quem são, motivados pela paixão e completamente irracionais.
Após o primeiro ano, celebrámos. Não tínhamos ido à falência.
Estávamos a bater as probabilidades. Estávamos a viver o sonho. Passaram-
se dois anos. Depois três. Ainda não estou certo de como o fizemos – nunca
implementámos adequadamente quaisquer bons sistemas ou processos.
Mas, que diabo, batemos as probabilidades. Tinha alcançado o meu objetivo
e isso era a única coisa que interessava. Era agora um membro orgulhoso de
um grupo muito pequeno de pessoas que podia dizer, com provas
estatísticas, que era um pequeno empresário americano.
O quarto ano veio a revelar-se muito diferente. A novidade de ser um
empreendedor tinha arrefecido. Já não imitava George Reeves. Quando me
perguntavam o que fazia, agora dizia às pessoas que fazia “posicionamento
e consultoria estratégica”. Era muito menos empolgante e seguramente já
não parecia uma grande corrida. Já não era uma busca apaixonante, era
apenas um negócio. E a realidade é que o negócio não estava muito cor-de-
rosa.
Nunca fomos um grande sucesso. Ganhávamos a vida, mas não muito
mais do que isso. Tínhamos alguns clientes que faziam parte da lista da
Fortune 500 e fizemos um bom trabalho. Eu era absolutamente claro sobre
aquilo que fazíamos. E posso dizer-lhe como nos diferenciávamos – como o
fizemos. Como todas as outras pessoas no jogo, tentava convencer
potenciais clientes sobre como o fazíamos, como éramos melhores, como a
nossa opção era única... e era um trabalho árduo. A verdade é que
superámos as probabilidades devido à minha energia e não devido à
sagacidade do meu negócio, mas não tinha energia suficiente para manter
esta estratégia para o resto da minha vida. Estava suficientemente
consciente para perceber que precisávamos de sistemas e processos
melhores para o negócio se autossustentar.
Estava incrivelmente desmoralizado. Intelectualmente, era capaz de dizer
o que tinha de fazer, simplesmente não o conseguia fazer. Em setembro de
2005 estava o mais perto que alguma vez estive (se é que não estava já) de
entrar em depressão. Toda a minha vida fui uma pessoa bastante feliz e
despreocupada, pelo que estar infeliz já era suficientemente mau. Mas isto
era pior.
A depressão tornou-me paranoico. Estava convencido de que iria à
falência e de que iria ser despejado do meu apartamento. Estava seguro de
que todas as pessoas que tinham trabalhado comigo não gostavam de mim e
que os meus clientes sabiam que eu era uma fraude. Achava que todas as
pessoas que conhecia eram mais inteligentes e melhores do que eu. Toda a
energia que me restava para manter o negócio estava agora a ser desviada
para me suster e fazer de conta que estava bem.
Para as coisas mudarem, sabia que tinha de aprender a estruturar melhor o
negócio antes de tudo ruir. Assisti a conferencias, li livros e pedi conselhos
a amigos bem-sucedidos sobre como o devia fazer. Foram todos bons
conselhos, mas não os conseguia ouvir. Independentemente do que me
diziam, tudo o que conseguia ouvir era que estava a fazer tudo mal. Tentar
resolver o problema não me fez sentir melhor, fez-me sentir pior. Senti-me
mais impotente. Comecei a ter pensamentos desesperados, pensamentos
que, para um empreendedor, são quase piores do que o suicídio: comecei a
pensar em arranjar um emprego. Qualquer coisa. Qualquer coisa que
travasse a sensação de fracasso que tinha durante quase todo o dia.
Lembro-me de, nesse ano, visitar a família do meu futuro cunhado no dia
de Ação de Graças. Sentei-me no sofá da sala da sua mãe, as pessoas
estavam a falar comigo, mas não ouvi uma única palavra. Se me faziam
perguntas, respondia apenas com chavões. Já não desejava
verdadeiramente, ou tinha sequer a capacidade, de conversar. Foi então que
compreendi a verdade. Não obstante as estatísticas, eu era um fracasso.
Tanto durante a licenciatura de Antropologia na universidade como
enquanto estratega no mundo da publicidade e do marketing, sempre fui
curioso sobre a razão pela qual as pessoas fazem as coisas que fazem. No
início da minha carreira comecei a ficar curioso sobre estes mesmos temas
no mundo real – no meu caso, no mundo do marketing empresarial. Há um
velho ditado na indústria que diz que 50% do marketing funciona; o
problema é: quais 50%? Sempre me espantou que tantas empresas
funcionassem com um grau de incerteza tão grande. Como haveria alguém
de querer que o sucesso de algo que custa tanto e com tanta coisa em jogo
pudesse ser definido atirando uma moeda ao ar? Estava convencido de que
se algum tipo marketing funcionava, era possível descobrir porquê.
Todas as empresas de recursos idênticos têm acesso às mesmas agências,
ao mesmo talento e aos mesmos meios de comunicação social; então, por
que razão é que há algum marketing funciona e outro não? Ao trabalhar
numa agência de publicidade, assistia a tudo isto frequentemente. Com
condições relativamente idênticas, a mesma equipa conseguia desenvolver
uma campanha que poderia ser um enorme sucesso num ano, para logo
depois desenvolver algo que no ano seguinte não surtia qualquer efeito. Em
vez de me concentrar nas coisas que não tinham funcionado, optei por me
focar nas coisas que funcionaram para descobrir o que todas tinham em
comum. A boa notícia, para mim, é que não havia muito para estudar.
Como é que a Apple tinha sido capaz de suplantar, com tanta
consistência, a sua concorrência uma e outra vez? O que é que a Harley-
Davidson fez tão bem a ponto de ser capaz de gerar um grupo de fãs tão
leais que chegam a tatuar no corpo o logótipo da empresa? Por que motivo
é que as pessoas gostam tanto da Southwest Airlines – não é uma empresa
assim tão especial... ou é? Numa tentativa de perceber por que motivo é que
estas empresas funcionavam, desenvolvi um conceito simples a que chamei
o Círculo Dourado. Mas a minha pequena teoria ficou enterrada nos
ficheiros do meu computador. Era um pequeno projeto de estimação sem
verdadeira aplicação, apenas algo que considerei interessante.
Só meses mais tarde conheci uma mulher, num evento, que se interessou
pelas minhas perspetivas sobre o marketing. Victoria Duffy Hopper cresceu
numa família de académicos e sempre teve, a vida todo, um fascínio pelo
comportamento humano. Foi a primeira a falar-me sobre o cérebro límbico
e o neocórtex. A minha curiosidade disparou com o que ela me contou,
comecei a ler sobre a biologia do cérebro e foi então que fiz a verdadeira
descoberta.
A biologia do comportamento humano e o Círculo Dourado coexistiam
na perfeição. Enquanto tentava compreender por que motivo havia um
marketing que funcionava e outro que não, tinha tropeçado em algo
profundamente mais vasto. Descobri a razão pela qual as pessoas fazem o
que fazem. Foi então que percebi a verdadeira causa do meu stresse. O
problema não estava em não saber o que fazer, ou como o fazer, o problema
foi ter-me esquecido do PORQUÊ. Passei por aquilo que agora sei ser uma
divisão, e precisava de redescobrir o meu PORQUÊ.
Motivar as pessoas a fazer coisas que as inspiram

Henry Ford disse: “Se pensa que pode ou se pensa que não pode, de
qualquer modo está certo”. Ele era um homem brilhante em termos de
PORQUÊ, tendo transformado a forma como a indústria funciona. Foi um
homem que encarnou todas as características de um grande líder, que
compreendeu a importância da perspetiva. Eu não estava mais burro do que
quando criei a minha empresa – na verdade, muito provavelmente, estava
mais inteligente. O que perdi foi a perspetiva. Sabia o que estava a fazer,
mas esqueci-me do PORQUÊ de o fazer. Há uma diferença entre correr com
todas as suas forças e com os olhos fechados, ou correr com todas as suas
forças e com os olhos abertos. Durante três anos, o meu coração quase
saltava, mas os meus olhos estavam fechados. Tinha paixão e energia, mas
não tinha foco ou direção. Tinha de me lembrar o que motivava a minha
paixão.
Tornei-me obcecado com o conceito do PORQUÊ. Era consumido pela
ideia. Só falava disso. Quando olhei para trás, para o meu crescimento,
descobri um aspeto extraordinário. Fosse entre amigos, na escola ou
profissionalmente, era sempre o eterno otimista. Era aquele que motivava
todos a acreditarem que poderiam fazer tudo o que quisessem. Este padrão é
o meu PORQUÊ. Motivar. Não interessava se o estava a fazer no marketing
ou na consultoria. Não interessava qual o tipo de empresas com que
trabalhava ou em que indústrias. Motivar as pessoas a fazerem as coisas que
as inspiram de modo a que, em conjunto, possamos mudar o mundo. É esse
o rumo ao qual devotei agora toda a minha vida e o meu trabalho. Henry
Ford teria ficado orgulhoso de mim. Depois de meses a pensar que não
podia, agora sabia que podia.
Fiz de cobaia para o conceito. Se a razão pela qual bati no fundo foi
porque o meu Círculo Dourado estava desequilibrado, então tinha de voltar
a equilibrá-lo. Se era importante começar pelo PORQUÊ, então iria
começar pelo PORQUÊ em tudo o que fazia. Não há um único conceito
neste livro que não tenha praticado. Segurava o meu megafone e falava
sobre o PORQUÊ a todos os que quisessem ouvir. Aqueles que faziam parte
do grupo dos primeiros a aderir e que prestaram atenção à minha causa
veem-me como uma ferramenta no seu arsenal para atingirem o seu próprio
PORQUÊ. E apresentaram-me a outros que pensavam poder ser inspirados
por mim. E assim a Teoria da Difusão começou a funcionar.
Apesar de o Círculo Dourado e o conceito do PORQUÊ estarem a
funcionar para mim, queria mostrá-lo a outros. Tinha de tomar uma decisão:
devia tentar patenteá-lo, protegê-lo e usá-lo para fazer muito dinheiro, ou
devia dá-lo? Esta decisão foi o meu primeiro teste do aipo. O meu
PORQUÊ é motivar as pessoas a fazerem coisas que as inspiram e se queria
ser fiel a essa causa só havia uma decisão a tomar – oferecê-lo, falar sobre
ele, partilhá-lo. Nunca haveria um molho secreto, uma fórmula especial da
qual apenas eu conhecia os ingredientes. O objetivo é que todas as pessoas
e organizações estejam conscientes do seu PORQUÊ e que o usem para
melhorar tudo o que fazem. Portanto, é o que estou a fazer, estou a confiar
totalmente no conceito do PORQUÊ e no padrão que naturalmente surge,
que é o Círculo Dourado, para me ajudar a chegar a esse patamar.
A experiência começou a funcionar. Antes de começar com o PORQUÊ,
tinha sido convidado uma única vez na vida para fazer uma apresentação
pública. Agora tenho entre 30 a 40 convites por ano, de todo o tipo de
audiências, em todo o mundo, para falar sobre o Círculo Dourado. Falo
perante plateias de empresários, grandes empresas, empresas sem fins
lucrativos, para políticos e governos. Dei uma palestra no Pentágono para o
chefe de gabinete e o secretário para a Força Aérea. Antes do Círculo
Dourado, nem sequer conhecia ninguém nas Forças Armadas. Antes de
começar com o PORQUÊ, nunca tinha estado na televisão; em menos de
dois anos, comecei a ter convites frequentes para falar na MSNBC.
Trabalhei com membros do Congresso, mas antes de começar pelo
PORQUÊ nunca tido feito qualquer trabalho junto dos meios políticos ou
partidários.
Sou a mesma pessoa. Sei as mesmas coisas que sabia antes. A única
diferença é que agora começo com o PORQUÊ. Tal como Gordon Bethune,
que deu a volta à Continental, com as mesmas pessoas e o mesmo
equipamento, também eu fui capaz de mudar o rumo das coisas com aquilo
que já sabia e fazia.
Não tenho mais contactos do que as outras pessoas. Não tenho mais ética
profissional. Não tenho uma educação da Ivy League e as minhas notas na
universidade era medianas. A parte mais engraçada é que ainda não sei
como criar uma empresa. A única coisa que faço, que a maior parte das
pessoas não faz, é que aprendi a começar pelo PORQUÊ.
102 “A Apple deu aos indivíduos o poder de fazerem as mesmas coisas que qualquer empresa”:
Steve Wozniak, entrevista pessoal, novembro de 2008.
103 “os dois Steves criaram algo a que chamaram a Caixa Azul [Blue Box]”: “Biography: Stephen
Wozniak”, Museu da Apple, http://www.theapplemuseum.com/index.php?id=50.
104 “famoso anúncio “1984” que foi transmitido durante o Super Bowl”:
http://www.youtube.com/watch?v=OYecfV3ubP8.
CAPÍTULO 14

A NOVA CONCORRÊNCIA

Se seguir o seu PORQUÊ, então os outros segui-lo-ão

“Pum!” A arma dispara e a corrida começa. Os corredores arrancam pelo


campo fora. Choveu no dia anterior e o chão ainda está húmido. A
temperatura está baixa. É um dia perfeito para correr. A linha de corredores
rapidamente forma um bloco. Tal como um cardume, juntam-se num só.
Movem-se de forma coesa. O bloco estabelece o ritmo para maximizar a
sua energia para a totalidade da corrida. Tal como em qualquer corrida, num
curto período de tempo os mais fortes começam a destacar-se e os mais
fracos começam a ficar para trás. Mas não Ben Comen (105). Ben ficou para
trás assim que a arma soou. Ben não é o corredor mais rápido da equipa. Na
realidade, é o mais lento. Nunca ganhou uma única corrida desde que está
na equipa de corta-mato da escola secundária de Hanna. Sabe, Ben tem
paralisia cerebral.
A paralisia cerebral, uma patologia muitas vezes provocada por
complicações no parto, afeta os movimentos e o equilíbrio de uma pessoa.
O problema físico dura para o resto da vida. Uma coluna vertebral
deformada provoca uma postura torcida. Os músculos, muitas vezes, estão
atrofiados e os reflexos motores são lentos. A rigidez dos músculos e das
articulações também afeta o equilíbrio. As pessoas que têm paralisia
cerebral frequentemente têm um caminhar instável, os joelhos batem um no
outro e os pés arrastam-se. Para quem vê de fora, parecem desajeitadas. Ou
até mesmo desarticuladas.

O bloco toma cada vez mais a dianteira, enquanto Ben fica cada vez mais
para trás. Ele escorrega na relva molhada e cai de frente, sobre a terra fofa.
Lentamente, levanta-se e continua. E volta a cair. Desta vez dói. Põe-se de
novo em pé e continua a correr. Ben não desiste. O bloco já não se avista e
Ben corre sozinho. É silencioso. Ele consegue ouvir a sua própria
respiração ofegante. Sente-se sozinho. Volta a tropeçar nos próprios pés e
uma vez mais cai. Independentemente da sua força mental, não há forma de
esconder a dor e frustração espelhadas na sua cara. Faz caretas enquanto usa
toda a sua energia para se erguer novamente e continuar a correr. Para Ben,
esta é parte da rotina. Todos os outros terminam a corrida em cerca de 25
minutos. Ben, normalmente, leva mais de 45 minutos.
Quando Ben finalmente acaba por cruzar a linha da meta tem dores e está
exausto. Teve de usar toda a réstia de energia que tinha para o conseguir. O
seu corpo tem hematomas e está ensanguentado. Está coberto de lama. Ben,
de facto, motiva-nos. Mas esta não é uma história sobre como “nos
momentos de fraqueza é que os fortes emergem”. Esta não é uma história
sobre “quando cair, levante-se”. Essas são grandes lições a reter, sem
dúvida, mas não precisamos que Ben Comen nos ensine essas lições. Há
dezenas de outras pessoas para quem podemos olhar para as aprender, como
por exemplo, um atleta olímpico que sofreu uma lesão apenas alguns meses
antes dos jogos, mas que regressa e conquista a medalha. A lição de Ben é
mais profunda.
Algo de extraordinário acontece após cerca de 25 minutos. Quando todos
os outros já acabaram a corrida, voltam para correr juntamente com Ben.
Ben é o único corredor que, quando cai, outra pessoa o ajuda a levantar-se.
Ben é o único atleta que, quando acaba, tem cerca de 100 pessoas atrás de
si.
O que Ben nos ensina é especial. Quando concorremos contra todos os
outros, ninguém nos quer ajudar. Mas quando concorremos contra nós
próprios, todos nos querem ajudar. Os atletas olímpicos não se ajudam entre
si. São adversários. Ben começa todas as corridas com uma noção muito
clara do PORQUÊ de correr. Não está lá para vencer ninguém, senão ele
próprio. Ben nunca se esquece disso. A noção da razão pela qual corre dá-
lhe força para continuar. Para continuar a insistir, a levantar-se. Para
prosseguir. E fazê-lo uma e outra vez. E, sempre que corre, o único tempo
que Ben quer bater é o seu.
Agora pense na forma como fazemos negócios. Estamos sempre a
concorrer contra outra pessoa. Estamos sempre a tentar ser melhores do que
outra pessoa. Ter mais qualidade. Ter um serviço melhor. Estamos
sistematicamente a comparar-nos com outros. E ninguém nos quer ajudar. E
se todos os dias aparecêssemos no trabalho simplesmente para sermos
melhores do que nós próprios? E se o objetivo fosse fazer esta semana um
trabalho melhor do que aquele que fizemos na semana anterior? Fazer
melhor este mês do que no mês passado? Por nenhuma outra razão senão
porque queremos deixar a organização em melhores condições do que
aquelas em que a encontrámos?
Todas as organizações começam pelo PORQUÊ, mas apenas as grandes
mantêm claro o seu PORQUÊ, ano após ano. As que esquecem a razão pela
qual foram criadas aparecem na corrida, todos os dias, para superar alguém,
em vez de se superarem a elas mesmas. O objetivo, para aquelas que
esquecem a razão pela qual participam na corrida, é conseguir a medalha ou
superar outra pessoa.
E se da próxima vez que alguém nos perguntar “qual é o teu adversário?”,
respondêssemos: “Não faço ideia”. E se da próxima vez que alguém nos
pressionar, perguntando “então, o que faz de ti melhor do que a tua
concorrência?”, respondêssemos: “De um modo geral, não somos melhores
do que eles”. E se da próxima vez que alguém perguntar “então por que
razão devo fazer negócio consigo?”, respondêssemos com confiança:
“Porque o trabalho que estamos a fazer agora é melhor do que aquilo que
fazíamos há seis meses. E o trabalho que faremos daqui a seis meses será
melhor do que aquele que fazemos hoje. Porque acordamos todos os dias
com uma noção do PORQUÊ de irmos trabalhar. Vamos para motivar as
pessoas a fazerem coisas que as inspirem. Somos melhores do que a nossa
concorrência? Se acreditar naquilo em que acreditamos e acreditar que as
coisas que fazemos o podem ajudar, então somos melhores. Se não acreditar
no mesmo que nós nem que as coisas que fazemos o podem ajudar, então
não somos melhores. O nosso objetivo é encontrar clientes que acreditam
no mesmo que nós e trabalham em conjunto de modo a que todos possamos
ter sucesso. Procuramos pessoas que nos apoiem inteiramente na busca do
mesmo objetivo. Não estamos interessados em sentar-nos à mesa, frente a
frente, à procura de um acordo melhor. E eis o que estamos a fazer para
promover a nossa causa...” E depois seguem-se os detalhes sobre COMO e
O QUE a sua empresa. Mas, desta vez, começou pelo PORQUÊ.
Imagine se todas as organizações começassem pelo PORQUÊ. As
decisões seriam mais simples. A lealdade seria maior. A confiança seria
uma moeda comum. Se os nossos líderes fossem diligentes em começar
pelo PORQUÊ, reinaria o otimismo e a inovação prosperaria. Tal como este
livro ilustra, há prioridades para este padrão. Independentemente da
dimensão da organização, seja qual for a indústria, seja qual for o produto
ou o serviço, se todos assumirmos alguma responsabilidade em começar
pelo PORQUÊ e motivarmos os outros a fazerem o mesmo, então, em
conjunto, podemos mudar o mundo.
E isso é bastante inspirador.

...

Se este livro o inspirou, então passe-o a alguém que queira inspirar.


105 “Mas não Ben Comen”: Rick Reilly, “Worth the Wait”, Sports Illustrated,
http://sportsillustrated.cnn.com/2003/pr/subs/siexclusive/rick_reilly/10/13/reilly1020/index.html
_the_wait.htm
POSFÁCIO

FAÇA PARTE DESTE


MOVIMENTO, PARTILHE
A SUA VISÃO DO MUNDO

Antes de qualquer pessoa ou organização conseguir dar os passos


necessários para ser um líder, é preciso primeiro concordar com uma
definição daquilo que é um líder. A liderança não tem a ver com poder ou
autoridade. A liderança é, decididamente, mais humana. Ser um líder é algo
que requer unicamente uma coisa: seguidores. Um seguidor é alguém que
se voluntaria a ir até onde você for. Eles escolhem ir, não porque são
obrigados a isso, não por serem incentivados a fazê-lo, não porque são
ameaçados nesse sentido, mas porque querem. A questão que se coloca é a
seguinte: por que motivo é que alguém o seguiria?
Se um indivíduo ou organização deseja assumir a responsabilidade de
liderança – uma responsabilidade que é dada, e não tomada –, então deve
pensar, agir e falar de forma a inspirar as pessoas a seguirem-no. A
liderança tem sempre a ver com pessoas. Ninguém lidera uma empresa.
Uma empresa é uma estrutura jurídica. Podemos gerir uma empresa,
podemos gerir uma organização, mas só podemos liderar pessoas. E isso
exige duas coisas.
Imagine que estamos num passeio de barco, com um grupo de
estrangeiros, e que o barco fica encalhado numa ilha deserta. Como é que
sairemos da ilha? Algumas pessoas estão em pânico, outras começam a
formar pequenos grupos para tentarem descortinar uma maneira de sair da
ilha. Então, subitamente, uma pessoa levanta-se e anuncia: “eu lidero”. Nós
gostamos disso; somos animais sociais e respondemos bem ao facto de
haver líderes.
O nosso novo líder vai para a frente do grupo e pergunta: “ok… quem
tem ideias?”
Uma pessoa levanta a mão e sugere que acendamos uma fogueira para
chamarmos a atenção de algum barco ou avião que ali passe. “Boa ideia”,
diz o nosso líder.
Outra pessoa declara: “devíamos procurar comida, para o caso de
ficarmos aqui retidos durante algum tempo”.
“Também é uma boa ideia”, considera o líder.
“Devíamos construir um abrigo, pois vamos precisar de proteção contra
possíveis intempéries”, atira outra pessoa.
O nosso líder concorda e diz: “Mais uma boa ideia”. E acrescenta: “Ok,
vamos a votos…”
E, nessa altura, alguém do grupo levanta-se e diz: “À medida que nos
aproximávamos de terra, vi alguns mastros e fumo do lado ocidental da
ilha. Talvez seja uma aldeia piscatória. Se conseguirmos lá chegar, podemos
obter ajuda. Mas é preciso percorrer uma mata densa para lá chegar e não
consigo fazer isso sozinho. Por isso, se alguém quiser juntar-se a mim, fico
grato. Se alguém não quiser ir, não se preocupe pois voltaremos para vos vir
buscar quando conseguirmos ajuda”.
A questão é a seguinte: quem é que quereremos seguir? Quereremos
seguir o primeiro ou o segundo indivíduo? Ambos estão confiantes. Ambos
estão decididos a que consigamos sair da ilha. A resposta é tão óbvia que se
trata quase de uma pergunta tonta: queremos seguir o segundo indivíduo.
Lembre-se que mais ninguém viu a aldeia piscatória. Não há fotografias
nem pesquisa. Tudo o que temos é a crença inabalável daquela pessoa de
que há um mundo no futuro e a sua capacidade de comunicar isso de uma
maneira que nos permite imaginá-lo de forma muito clara.
Todos os líderes devem possuir duas coisas: devem ter uma visão do
mundo que não existe e devem ter a capacidade de comunicar essa visão. O
segundo líder poderia simplesmente ter-se levantado, com a mesma visão
da aldeia piscatória, e ter dito “isto não vai funcionar”, para logo de seguida
se afastar do grupo em direção à aldeia. Seria seguramente um visionário;
mas sem a capacidade de comunicar a sua visão, não poderia ser um líder.
Todos nós trabalhamos com pessoas assim – elas circulam com todas as
respostas para todas as perguntas, frustradas com o facto de mais ninguém
“perceber isso”. Ninguém consegue ver o que elas veem. Elas são
visionárias, sem qualquer dúvida, mas não são líderes.
Essas são também as pessoas que têm o dom da palavra, a incrível
capacidade de comunicar. Mas, sem uma visão, são apenas grandes
comunicadoras e não líderes. O segundo líder poderia ter-se levantado e ter
proferido um discurso inflamado sobre a importância de trabalharmos em
conjunto. Ter-nos-íamos sentido maravilhados e empolgados, mas
continuaríamos sem ter a mais pequena ideia de como sair da ilha.
A liderança requer duas coisas: uma visão do mundo que ainda não existe
e a capacidade de comunicar essa visão.
Mas de onde é que vem a visão? É aqui que reside o poder do PORQUÊ.
As nossas visões são o mundo que imaginamos, os resultados tangíveis de
como seria esse mundo se passássemos os dias em busca do nosso
PORQUÊ.
Os líderes não têm todas as grandes ideias; eles dão o suporte necessário a
quem quiser contribuir. Os líderes não alcançam grandes feitos
isoladamente; eles inspiram as pessoas a unirem-se em prol do bem comum.
Os líderes nunca começam por aquilo que é preciso ser feito. Os líderes
começam pelo PORQUÊ de precisarmos de fazer as coisas. Os líderes
inspiram a ação.
AGRADECIMENTOS

Nada me dá mais alegria e felicidade no mundo do que acordar todos os


dias com um claro sentido do PORQUÊ – inspirar pessoas a fazerem as
coisas que as inspiram. É uma coisa simples de se fazer quando se está
rodeado de tantas pessoas fantásticas como as que me inspiram.
Houve inúmeras pessoas que acreditaram em mim e me ajudaram ao
longo dos anos. Gostaria de agradecer a quem me ajudou a construir uma
parte do meu megafone com este livro. Amy Hertz foi a primeira a insistir
em que eu o escrevesse e apresentou-me ao meu incrível agente, Richard
Pine. Richard acredita em fazer o bem no mundo e criou a sua empresa para
criar autores a partir das pessoas que têm uma mensagem positiva para
partilhar. A sua paciência e conselhos foram inestimáveis. A Russ Edelman,
que foi tão afável e me apresentou ao seu editor, Jeffrey Krames, que, por
sua vez, apostou em mim e permitiu que o levasse a fazer coisas de forma
diferente. A Adrian Zackheim, que desafia prontamente as convenções e
que está a liderar a evolução no setor editorial.
Os meus agradecimentos a Mark Rubin, que vê as cores que consigo ver e
em cuja cave comecei a escrever, bem como a Tom e Alicia Rypma, em
cuja casa continuei a escrever, e à Delta Air Lines por ser tão agradável
comigo enquanto eu escrevia a 10.600 metros de altitude. Agradeço
igualmente a Julia Hurley, que se certificou de que tudo corria bem. A toda
a equipa da Portfolio, que trabalhou tão arduamente para dar vida a este
livro. E, sobretudo, a Laurie Flynn, que se dedicou (ela e a sua família) tão
fervorosamente a este projeto para me ajudar a contar esta história.
Tive a enorme honra e privilégio de conhecer algumas pessoas
maravilhosas que me inspiraram de uma forma que é difícil quantificar. Ron
Bruder mudou a forma como vejo o mundo. A brigadeiro-general Lori
Robinson mostrou-me o rosto da humildade de um grande líder. Kim
Harrison, que vive o seu PORQUÊ – apreciar todas as coisas boas que a
rodeiam – e trabalha incansavelmente para mostrar que as boas ideias e as
boas pessoas são valorizadas. Ela mostrou-me o que é e como se sente uma
verdadeira parceria. A todos aqueles que partilharam comigo aquilo que
sabem sobre o que diz respeito a dar vida ao PORQUÊ, estou-vos
imensamente grato pelo vosso tempo e energia: Colleen Barrett, Gordon
Bethune, Ben Comen, Randy Fowler, Christina Harbridge, Dwayne
Honoré, Howard Jeruchimowitz, Guy Kawasaki, Howard Putnam, Acacia
Salatti, Jeff Sumpter, James Tobin, coronel “Cruiser” Wilsbach e Steve
Wozniak.
Muito antes de ter sequer surgido a ideia de um livro, houve muitas
pessoas, entre as quais se contam as que são primeiras a aderir às causas,
que quiseram aprender mais sobre o PORQUÊ e o uso do Círculo Dourado
para as ajudar a construírem as suas organizações. Este grupo de pensadores
de vanguarda estava disposto a acolher uma nova ideia e foi essencial para
me ajudar a perceber muitos dos pormenores e nuances do conceito.
Agradeço a Geoffrey Dzikowski, Jenn Podmore, Paul Guy, Kal Shah,
Victor DeOliveria, Ben Rosner, Christopher Bates, Victor Chan, Ken
Tabachnick, Richard Baltimore, Rick Zimmerman, Russ Natoce, Missy
Shorey, Morris Stemp, Gabe Solomon, Eddie Esses e Elizabeth Hare, que se
apercebeu do valor do PORQUÊ na criação da organização mais valiosa de
todas – a sua família. Um agradecimento também a Fran Biderman-Gross,
que não só foi uma das primeiras a aderir como também foi mais longe e
acolheu o seu PORQUÊ em todos os aspetos da sua vida, incentivando
igualmente os outros a tentarem compreender quais são os seus PORQUÊs.
Obrigado aos congressistas Stephanie Herseth Sandlin, Paul Hodes e
Allyson Schwartz, que tanto me deram e continuam a dar aos outros com
todo o fervor.
Ao longo dos anos, houve também aqueles que me deixaram fazer pausas
para descansar e me ajudaram para que a minha causa seguisse em frente.
Agradeço a Trudi Baldwin, diretora do programa de licenciatura em
Comunicação Estratégica na Universidade de Columbia (um programa
excecional); Jim Berrien, que confiou em mim; o incansável Jack Daly, que
me ensina tanto; Piers Fawkes; Denis Glennon, que puxou por mim; Kevin
Goetz; Tony Gomes; Paul Gumbinner, que me ofereceu uma carreira de
bandeja; Kenneth Hein; Peter Intermaggio, que me ensinou a ser
autoconfiante; Pamela Moffat; Rick Sapio, que continua a fazer bonitas
coisas por mim; Alana Winter e Matt Weiss, por me pedirem para partilhar
as minhas ideias perante uma audiência; e Diederik Werdmolder, que
apostou em mim logo de início.
Estou grato a todas as mentes brilhantes que conheci na Força Aérea dos
EUA [USAF, na sigla original] que arriscam os seus pescoços para
experimentarem coisas diferentes. Eles personificam o PORQUÊ da USAF:
encontrar e viabilizar formas melhores de fazer as coisas. Ao major-general
Erwin Lessel (que me apresentou à organização), major-general William
Chambers, brigadeiro-general Walter Givhan, brigadeiro-general Dash
Jamieson (que nunca deixa de acreditar), major-general Darren McDew,
brigadeiro-general (Sel) Martin Neubauer (que sabe mais do que aquilo que
eu alguma vez saberei), Christy Nolta, brigadeiro-general Janet Therianos e
tenente-coronel DeDe Halfhill (deve-me uma, DeDe).
Sinto-me também imensamente grato por todas as pessoas brilhantes que
conheci e pelas conversas tão genuínas que tive com elas e que inspiraram
tantas das ideias que se converteram no Círculo Dourado e em todas as suas
partes. Agradeço a Kendra Coppey, que me ajudou a sair do buraco, em
finais de 2005, e a Mark Levy, que me indicou a direção certa. Obrigado a
Peter Whybrow, que viu um problema na América e me ajudou a
compreender a neurociência de tudo. A Kirt Gunn, cuja brilhante mente
contadora de histórias inspirou a noção de divisão. E em cada conversa que
tive com Brian Collins consegui ver algo novo. Obrigado a Jorelle Laakso,
que me ensinou a alcançar as coisas em que eu acreditava. A William Ury,
que me mostrou um caminho a seguir, e ao tenente-general David Deptula,
que é provavelmente a pessoa mais inteligente que conheço e me
apresentou uma nova perspetiva para solucionar problemas altamente
complexos.
O meu entendimento do PORQUÊ estaria incompleto sem as conversas,
ajuda e apoio de Nic Askew, Richard Baltimore, Christopher Bennett,
Christine Betts, Ariane de Bonvoisin, Scott Bornstein, Tony Conza, Vimal
Duggal, Douglas Feirstein, Nathan Frankel, JiNan Glasgow, Cameron
Herold, John Hittler, Maurice Kaspy, Kevin Langley, Peter Laughter, Niki
Lemon, Seth Lloyd, Bruce Lowe, Cory Luker, Karl e Agi Mallory, Peter
Martins, Brad Meltzer, Nell Merlino, Ally Miller, Jeff Morgan, Alan Remer,
Pamela e Nick Roditi, Ellen Rohr, Lance Platt, Jeff Rothstein, Brian
Scudamore, Andy Siegel, John Stepleton, Rudy Vidal, bem como das
turmas de 2007 e de 2008 do Encontro de Titãs.
Ao meu falecido avô, Imre Klaber, que me mostrou que tem mais piada
ser ligeiramente excêntrico do que ser completamente normal. Aos meus
pais, Steve e Susan Sinek, que sempre me incentivaram a seguir o som do
meu próprio tambor. E à minha extraordinária, extraordinária irmã Sara, que
gosta que eu tenha a cabeça nas nuvens mas que se certifica de que os meus
pés estão no chão.
Existem alguns livros e autores que, ao longo dos anos, me inspiraram,
me estimularam as ideias e me ofereceram novas perspetivas: as obras de
Ken Blanchard, de Tom Friedman e de Seth Godin, The Starfish and the
Spider de Ori Brafman e Rod Beckstrom, First, Break All the Rules de
Marcus Buckingham, Good to Great de Jim Collins, The 7 Habits of Highly
Effective People de Stephen Covey, The 4-Hour Workweek de Tim Ferriss,
Never Eat Alone de Keith Ferrazzi, E-Myth de Michael Gerber, The
Tipping Point and Outliers de Malcolm Gladwell, Chaos de James Gleick,
Emotional Intelligence de Daniel Goleman, Made to Stick de Chip e Dan
Heath, Who Moved My Cheese? do médico Spencer Johnson, The Monk
and the Riddle de Randy Komisar, The Five Dysfunctions of a Team de
Patrick Lencioni, Freakonomics de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner,
FISH! de Stephen Lundin, Harry Paul, John Christensen e Ken Blanchard,
The Naked Brain de Richard Restack, Authentic Happiness de Martin
Seligman, The Wisdom of Crowds de James Surowiecki, The Black Swan
de Nicholas Taleb, American Mania do médico Peter Whybrow, e o livro
mais importante que todos deveriam ler, que nos ensina que não podemos
controlar as circunstâncias que nos rodeiam, a única coisa que podemos
controlar é a nossa attitude – Man’s Search for Meaning de Viktor Frankl.
Quero deixar um especial agradecimento a todas as pessoas que se
juntaram a mim nesta causa e que trabalham ativamente no sentido de
inspirarem quem os rodeia. Sinto-me grato por todos os e-mails e anotações
que me enviam. Guardo-os como uma lembrança de que são precisas
muitas e muitas pessoas, ombro a ombro, para que as coisas tenham
verdadeiro impacto.
E, por último, obrigado a todas aquelas pessoas que leem este livro e o
recomendam a alguém que acreditam que será por ele inspirado. Obrigado.
Sei que se um número suficiente de nós souber da existência do PORQUÊ e
trabalhar arduamente para começar sempre pelo PORQUÊ em tudo o que
faz, seremos capazes de mudar o mundo – e é isso que faremos.

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