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De que modo Vladimir Putin utiliza algumas das estratégias descritas por Maquiavel

em “O Príncipe”, com o propósito de manter o poder no regime governado por si?

Autores:
Olindina Silva
Tiago Gomes
No âmbito da unidade curricular de Teoria Política I, realiza-se o presente trabalho
escrito, proposto pela respetiva docente. Em primeiro lugar, o tema do mesmo consiste em
fazer uma análise crítica sobre a obra “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel, relacionando a
sua problemática com outros autores e outros temas. Nesse sentido, a realização do trabalho
tem em vista a prossecução de alguns objetivos, nomeadamente a tentativa de resposta à
seguinte questão: De que modo Vladimir Putin utiliza algumas das estratégias descritas por
Maquiavel em “O Príncipe”, com o propósito de manter o poder no regime governado por
si?, bem como a adequação e relação do tema às problemáticas desenvolvidas na referida
unidade curricular.
Não obstante os objetivos referidos, importa realçar, também a prática de uma correta
utilização das regras formais aplicadas ao trabalho científico e a procura de autenticidade no
questionamento, na problematização e na reflexão crítica sobre o tema elegido.
Para a concretização dos fins supramencionados, foi necessário recorrer a várias
fontes bibliográficas, desde livros, websites e artigos, que serão devidamente referidos ao
longo do trabalho.
Como foi mencionado, o objetivo principal deste trabalho científico consiste em
responder à seguinte questão: De que modo Vladimir Putin utiliza algumas das estratégias
descritas por Maquiavel em O Príncipe, com o propósito de manter o poder no regime
governado por si? Nesse sentido, importa, primeiramente abordar as principais ideias e
argumentos defendidos pelo autor, sobre a conservação do poder político. Por isso, na sua
obra “ O Príncipe”, Maquiavel, para além de ensinar de que forma é que os soberanos devem
conservar o poder político, também os ensina a conquistá-lo e a manuseá-lo, sendo que essas
ações devem ser tomadas como as suas prioridades e tudo o resto deve ficar para segundo
plano (Amaral, 2020: 119).
Como tal, segundo o Professor Freitas do Amaral é possível afirmar que o filósofo
“quebra completamente com a tradição do pensamento político que o precedeu, na medida
em que opta pelo realismo político contra o idealismo ético, nunca fala em Deus [...]”(Amaral,
2020:119), ou seja Maquiavel procura separar a política das restantes áreas, sobretudo em
relação à moral, uma vez que considera que não é relevante avaliar a conduta ética dos
soberanos, mas sim as suas capacidades de conquistarem e conservarem o poder político
(Amaral, 2020:121). No que diz respeito a esse fim, Maquiavel enumera algumas
considerações.
Primeiramente, é necessário que um soberano saiba e aprenda a ser cruel, de modo
que possa usar da impiedade sempre que a manutenção do poder seja posta em causa
(Maquiavel, 2015:83). A crueldade do governante pode ser justificada, pelo facto do autor
acreditar que a natureza humana é negativa (Maquiavel, 2015: 84). Deste modo, se os
Homens são hipócritas, egoístas e cruéis, então é justificável que um soberano possa usar da
crueldade para atingir os seus propósitos e, sobretudo para manter o poder político
(Maquiavel, 2015:84).
Para além disso, o filósofo considera que um governante deve ser ao mesmo tempo
temido e amado (Maquiavel, 2015:85). No entanto, reconhece que nem sempre é possível
conciliar essas duas características (Maquiavel, 2015:85). Como tal, para Maquiavel é mais
importante que um líder seja temido do que amado, uma vez que os seres humanos tendem a
ofender primeiro alguém que amam do que alguém que temem, pois o amor é apenas uma
obrigação que consoante os vários interesses pode ser rompido, enquanto que o temor está
sempre presente através do medo provocado por um possível castigo praticado por um
Príncipe temido (Maquiavel, 2015:85). Não obstante as anteriores considerações, um
soberano deve mesmo assim evitar ser odiado pelos seus subordinados, já que pode ser
temido e, ao mesmo tempo, não ser odiado se se abstiver dos bens materiais e imateriais dos
seus cidadãos (Maquiavel, 2015:85). O pensador argumenta que: “os homens esquecem mais
depressa a morte do pai que a perda do património;”(Maquiavel, 2015:85), visto que:

Depois, os motivos para lhes tirar os bens não faltam nunca, e aquele que começa a viver de
rapinas encontra sempre motivos para ocupar o que é dos outros; ao invés, contra o sangue eles
são mais raros e faltam mais depressa (Maquiavel, 2015:85).

Outra regra indispensável para o soberano perpetuar o poder político, segundo


Maquiavel, prende-se com o facto de ele conseguir manter os seus súbditos unidos e fiéis
aplicando um número reduzido de castigos exemplares, direcionados a cidadãos
individualmente, já que acabará por ser mais clemente do que aqueles que, por excesso de
benevolência, deixam alastrar as rebeliões de que resultam mortes ou conflitos, sendo que
essas rebeliões afetam a generalidade dos cidadãos, ao passo que as execuções, ordenadas
apenas afetam um único indivíduo (Maquiavel, 2015:83).
Tendo em conta os aspetos enumerados anteriormente sobre a manutenção do poder
político, por parte de um soberano, defendidos por Maquiavel na sua obra “O Príncipe”,
importa agora responder, efetivamente à pergunta de partida deste trabalho. Nesse sentido,
serão tratadas várias ocorrências praticadas pelo presidente russo que visam a conservação do
seu cargo governativo.
Em primeiro lugar, em agosto de 2020, o advogado Alexey Navalny, conhecido como
o principal opositor de Vladimir Putin foi envenenado sendo, posteriormente transferido para
um hospital na Alemanha para receber cuidados médicos, dada a desconfiança sentida pela
família e pelo facto de as autoridades russas afirmarem que não detetaram vestígios de
qualquer substância nociva no seu corpo. Mais tarde, essa informação foi desmentida, já que
os médicos alemães detetaram, de facto alguns sinais de envenenamento no corpo do ativista,
tendo esta ficado em coma induzido (“Opositor russo Alexei Navalny foi envenenado com
Novichok”, 2020).
Em janeiro de 2021, o opositor decidiu regressar à Rússia, acabando por ser detido e
condenado a três anos e meio de prisão efetiva. Esta decisão leva a aumento das tensões entre
o regime e os apoiantes de Navalny, levando a um reforço policial nos centros de Moscovo e
São Petersburgo (“Navalny condenado a três anos e meio de prisão”, 2021).
Relacionada com esta sequência de acontecimentos está, também o facto de os serviços de
informação russos classificarem o movimento anticorrupção, liderado por Navalny como
extremista e terrorista (“Rede ligada ao movimento anticorrupção de Navalny considerada
extremista e terrorista", 2021). Posteriormente, o Parlamento russo aprovou uma lei que
impede que os membros das organizações consideradas terroristas possam candidatar-se a
eleições do país. Deste modo, os integrantes da estrutura liderada pelo opositor russo e o
próprio não poderão candidatar-se a cargos políticos (Vicente,2021).
Para completar a estratégia de desintegração do movimento em causa, um Tribunal
russo decidiu ilegalizar a Fundação anticorrupção liderada pelo ativista (“Tribunal russo
ilegaliza grupos ligados ao opositor e activista político Navalny”, 2021).
Em todas estas situações, os porta-vozes do regime responderam afirmando, quanto à prisão
de Navalny, que esta se deveu a um incumprimento da liberdade condicional num caso de
fraude.
Para além disso, ainda antes do opositor russo chegar à Rússia e ser detido, Putin
afirmou que no seu país não existe repressão e que o condenado é um criminoso,
argumentado que as detenções de opositores políticos se justificam pela necessidade de
contenção da influência estrangeira (“Putin garante que não há repressão na Rússia e que
Navalny é um criminoso”, 2021).
No entanto, as tentativas de silenciar qualquer tipo de oposição ao regime russo não
ficam por aqui. No 28 de dezembro de 2021, o Tribunal Supremo da Rússia ilegalizou uma
das mais antigas organizações de direitos humanos do país, considerando que a “Sociedade
de Direitos Humanos e Beneficente de Educação Histórica Internacional” violou a
denominada de Lei de agentes estrangeiros (Rodrigues, 2021).
Esta lei foi aprovada em 2012 e estipula que as organizações não governamentais que
recebam financiamentos do estrangeiro se devem registar como tal no Ministério da Justiça e
devem mencionar nas suas publicações esse facto (“Rússia endurece legislação sobre agentes
estrangeiros", 2020: 9º parágrafo). Segundo António Rodrigues:

O encerramento da Memorial International (de seu nome completo Sociedade de Direitos


Humanos e Beneficente de Educação Histórica Internacional) marca um ano em que as
autoridades russas agiram com mão dura contra aqueles que vê como críticos, de uma forma que
não se via desde o tempo da União Soviética. Não se coibindo sequer de atingir uma prestigiada
ONG, reputada e reconhecida que ao longo da sua existência recebeu vários prémios, incluindo o
prémio Sakharov do Parlamento Europeu (Rodrigues, 2021: 4º parágrafo)

Tendo em consideração todas as estratégias utilizadas por Putin, para evitar rebeliões
e se manter no poder, é possível constatar que, efetivamente elas se relacionam com algumas
das ideias defendidas por Maquiavel na sua obra “O Príncipe” e que foram supramencionadas
neste trabalho.
Primeiramente, o líder russo mostra-se cruel e temido, dado que não exitou em usar da
impiedade para evitar perder uma possível eleição com o seu opositor, envenenando-o e,
posteriormente ilegalizando todos os seus movimentos e ações praticadas pelos seus
apoiantes, sob o pretexto de estes serem criminosos e terroristas. Estas decisões são aceites
pela maioria da população russa, já que Putin apenas fez o que tinha de fazer para garantir a
estabilidade da nação e porque, segundo Maquiavel, se os Homens são cruéis (neste caso
sendo Navalny e os seus colaboradores considerados como terroristas e criminosos e sendo
todas as suas organizações ilegalizadas), também o soberano o pode ser.
É, também possível nesta situação evidenciar mais uma ideia defendida pelo filósofo,
na medida em que este considerava que um governante deveria manter os seus cidadãos
unidos e fiéis, através da aplicação de um número reduzido de castigos a cidadãos
individualmente. Tendo em conta esta linha de pensamento e, presumidamente na opinião da
maioria da população russa, as ações praticadas pelo seu presidente são lícitas, uma vez que o
seu objetivo se prende em evitar uma possível insurreição, que pudesse pôr em causa a
segurança do país e daí, também a ilegalização da mais antiga organização de direitos
humanos russa.
Por último e tendo por base as últimas considerações, é possível afirmar que Putin,
embora seja temido não é odiado.
Uma provável explicação para isso, segundo a autora Anna Arutunyan, tem haver com o
facto de a população recorrer diretamente ao seu presidente para pedir ajuda, instruções e
proteção (Arutunyan, 2014: contracapa). Como foi realçado inicialmente, segundo Maquiavel
um governante deve evitar ser odiado, ainda que seja temido, através da renúncia aos bens
materiais e imateriais dos seus cidadãos. Para além disso, é oportuno referir que as principais
teses da Ciência Política consideram que qualquer Estado detém um conjunto de finalidades e
funções, nomeadamente a segurança das pessoas, a paz interna, a satisfação das suas
necessidades, a preservação do seu território, a integração e coesão social da comunidade
humana, entre outros (Fernandes, 2011: 105). Efetivamente, Vladimir Putin não só respeita os
bens da sua população como é o único garante de todos os fins e funções que dizem respeito
ao seu Estado, na ótica da maioria dos russos permitindo, assim, que seja temido mas não
odiado.
Em jeito de conclusão, é admissível considerar que todos os objetivos pretendidos,
com a realização deste trabalho académico foram concretizados. Além disso, foi constatável
que as ideias defendidas por Maquiavel, na sua obra “O Príncipe” possuem aplicação na
política de alguns líderes, particularmente no regime governado pelo presidente russo. Para
além disso, a investigação produzida no presente trabalho permitiu verificar o mediatismo e o
impacto que a política russa tem, sobretudo na União Europeia e no resto do Ocidente, sendo
que as relações entre o país e o outro lado do planeta se têm vindo a deteriorar. Naturalmente
que se formos a analisar todas as ações de Putin do ponto de vista ético, acabámos por avaliá-
las como imorais e desrespeitadoras dos princípios do Estado de Direito Democrático. É de
igual modo importante realçar, o facto de que existe uma vasta e extensa quantidade de
artigos e livros sobre o regime russo, sendo provável que algumas ideias exploradas neste
trabalho possam estar desenvolvidas de forma superficial, de tal modo que seria possível
explicitar profundamente outras estratégias de manutenção do poder político, por parte de
Vladimir Putin e defendidas por Maquiavel.
Bibliografia

Amaral, D.F. (2020). História do Pensamento Político Ocidental. Coimbra: Almedina.

Arutunyan, A. (2014). A Mística de Putin (1ºedição). Lisboa: Quetzal

Fernandes, A.J. (2011). Introdução à Ciência Política, teorias, métodos e temáticas


(3ª edição). Porto: Porto Editora.

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Maquiavel, N.B. (2015). O Príncipe (1ªedição). Lisboa: Bertrand Editora.

Media, M., & Lusa, A. (2021). «Rede ligada ao movimento anticorrupção de


Navalny considerada "extremista e terrorista»; URL:
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/rede-ligada-ao-movimento-anticorrupcao-de-navalny-
considerada-extremista-e-terrorista (data do último acesso: 04/01/2022)

Notícias, D. de. (2021). «Navalny condenado a três anos e meio de prisão»;


URL: https://www.dn.pt/internacional/navalny-diz que-o-seu-julgamento-se-destina-a-
amedrontar-milhoes-13306800.html (data do último acesso: 04/01/2022)

Observador, & Lusa, A. (2020). «Opositor Russo Alexei Navalny foi


envenenado com Novichok, confirma O governo alemão»; URL:
https://observador.pt/2020/09/02/opositor-russo-navalny-foi-envenenado-com-novichok-
confirma-o-governo-alemao/ (data do último acesso: 04/01/2022)

Público, & Reuters. (2021). «Tribunal russo ilegaliza grupos ligados ao


opositor e activista político Navalny.» URL:
https://www.publico.pt/2021/06/10/mundo/noticia/tribunal-russo-ilegaliza-grupos-ligados-
opositor-activista-politico-navalny-1966004 (data do último acesso: 04/01/2022)

Rodrigues, A. (2021). «Supremo russo ilegaliza uma das mais antigas


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https://www.publico.pt/2021/12/28/mundo/noticia/supremo-russo-ilegaliza-antigas-
organizacoes-direitos-humanos-pais-1990132 (data do último acesso: 04/01/2022)

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https://www.rtp.pt/noticias/mundo/russia-endurece-legislacao-sobre-agentes
estrangeiros_n1284802 (data do último acesso: 04/01/2022)
Vicente, D. B. (2021). «Rússia aprova lei que pode proibir candidatos eleitorais
do movimento de Navalny»; URL: https://www.publico.pt/2021/05/18/mundo/noticia/russia-
aprova-lei-proibir-candidatos-eleitorais-movimento-navalny-1963110 (data do último acesso:
04/01/2022)

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