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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAPÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


EDITAL No 51/2022 – PROPESP/PROEXT/UEAP

ANEXO II

PLANO DE CURSO DA ATIVIDADE TEÓRICO-PRÁTICA

TEMPO E LITERATURA:
abstração e distanciamento em Karel Čapek

1. Contextualização / Justificativa:

Primeiros passos em direção ao cronotopo literário čapekiano

O ambiente de discussão literária vem cada vez mais priorizando o acesso à temática do
tempo. Porém, de modos muito distintos entre si. O empreendimento deste minicurso é
o de apresentar e discutir o tempo histórico perante a literatura tcheca da geração de
1905, corporificada na intuição literária de Karel Čapek (1890-1938). Isto porque seu
modo de abordar o tempo está diretamente relacionado à preocupação com a referência
histórica, apartando-se, portanto, de esforços de fantasia alheios a tal. É nesse sentido
que o aluno poderá versar-se em algo desse impulso mimético e de sua inteligibilidade
conceitual, de forma a produzir novas leituras do mundo social e de sua literatura.
As primeiras expressões literárias de Karel Čapek adentram uma
Tchecoslováquia recém-independente, consumida pela vivência da guerra, trazendo
influxos para o redimensionamento da literatura e da paraliteratura (ficção científica,
conto popular, conto fantástico, “romaneto” etc.) elas mesmas, já também largamente
leitoras da família Shelley e Verne. Seus estudos em filosofia na Charles University e na
Universidade de Berlim o aproximaram da visão pragmatista anglo-estadunidense
consagrada na época (William James e John Dewey), enquanto seus graus em filologia
germânica e inglesa na Sorbonne o teriam aproximado do romantismo alemão,
sobretudo o de Schiller. Irmão de Helena e Josef, produziu com este último – por sinal,
exímio pintor reconhecido – algumas parcerias em contos e peças. Embora na juventude
pendesse ao estudo do pragmatismo de James e do vitalismo de Henri Bergson, passou a
demonstrar posicionamento crítico àqueles círculos de pesquisa, mais tarde
abandonando inclusive tais perspectivas filosóficas. Cultivava as simplicidades do
cotidiano, o que se testemunhava no interesse pela jardinagem e a escrita de viagens,
desse modo também atentando para o incontornável mistério da vida. Isto, dentre
outros, o teria orientado a renegar as manifestações realistas e expressionistas na
literatura, as quais para ele produziam um apelo ao além do humano1. Čapek
determinava: “a grandeza e a humanidade de uma obra literária são sinônimas”2. Suas
visões democratas o aproximaram de Thomás G. Masaryk, primeiro presidente da
Tchecoslováquia, tendo produzido uma biografia3 em sua homenagem.
Entendido como partícipe de uma geração que encontrou no romance filosófico
uma forma profícua de expressão da realidade, Karel ombreou escritores da estirpe de
Thomas Mann e Robert Musil, autores estes reconhecidos como pertencentes à “geração
europeia de 1905”, por sua vez, altivamente crítica de uma maneira de conceber a razão,
até certo ponto caudatária dos expedientes pragmatistas. Tornou-se amigo de Mann,
tendo colaborado com ele na resistência antifascista dos anos 1930. Para Ort, “assim
como Musil e Mann, [Čapek] também [fora] persuadido pela insuficiência da razão para
examinar as profundezas da motivação humana”4.

A escrita čapekiana

A escrita čapekiana objetiva, caracteristicamente, perante tais marcas referidas na


geração de 1905, articular discussões filosóficas e sociopolíticas em um posicionamento
categórico em face da função da literatura e, em nível mais singular, do que dela se
pudesse criar ao lado de outras linguagens, ao fim e ao cabo, na esteira do cotidiano
arcano e de seu peso inerente. A maneira de fazê-lo se deve à grafia simples do
complexo, das forças das circunstâncias no nível reconhecido pelo humano, de forma
que mesmo quando o absurdo é detectado, este seja acessado por certas facetas
representáveis. Ivan Klíma, em seu ensaio O moderno apocalipse de Čapek (1996),
remeteria a este sentimento, utilizando-se das próprias palavras do escritor: “[...] a
literatura que não dá importância para a realidade do que ocorre no mundo, ou que é
relutante para reagir tão intensamente quanto ao que a palavra e o pensamento
permitam, não me serve”5.
Para o escritor-filólogo-filósofo tcheco, portanto, não se trataria jamais de
reproduzir os aspectos do conto fantástico, que pode prescindir da verossimilhança, e
ver automaticamente perder a chance do distanciamento ótimo – a desnaturalização
(Verfremdung) de Brecht e Bloch; nem, no mesmo passo, instar-se a produzir,
largamente, a impossibilidade literária, embora a escrita de ensaios filosóficos
constituíssem também seu interesse. O skaz6 figurou um de seus artifícios estilísticos, ao
lado da colagem (collage) documental que viria a ser, em pouco tempo, superutilizada
nas tendências pós-modernistas; indubitavelmente, uma nova forma de construção do
romance, aportando-se uma dinâmica específica do tecido narrativo parabólico,
conjuntamente com a estatuinte fundamental dos cronotopos (espaços-tempos)
almejados. Como momentos referenciados na ficção científica, elencam-se fábricas de
robôs e de absolutos, uma história acerca da construção de uma bomba atômica, além de

1 KUSSI, Peter. Toward the radical center: a Karel Čapek reader. North Haven: Catbird Press, 1990, p. 356.
2 Ibid.
3 Cf. ČAPEK, Karel; HEIM, Michael Henry. Talks with T. G. Masaryk. North Haven: Catbird Press, 1995.
4 ORT, Thomas. Art and life in modernist Prague: Karel Čapek and his generation (1911-1938). New York:

Palgrave Macmillan, 2013, p. 16.


5 KLÍMA, Ivan. “Čapek’s modern apocalypse”, In: ČAPEK, Karel. War with the newts. Evanston: University Press,

1996, p. x.
6 De origem russa, designa ‘dizer’. Recurso largamente marcado na literatura formalista russa, a típica narrativa em

primeira pessoa de forte cariz coloquial e propositadamente limitante quanto ao horizonte intelectual e ao domínio da
linguagem. Tal consagrou-se em Twain, Salinger e outros. Evidência desta aplicação estilística em Čapek é seu
Histórias Apócrifas (1932) [Kniha apokryfu], um grupo de contos, dentre os quais, Aristóteles discute com seu
pupilo, Alexandre Magno.
salamandras que dominam o mundo. A aplicação científica parece ter uma função dupla
em Čapek, mas nenhuma delas parece escapar da experiência da servidão.

Tempo e literatura

Diz-se da literatura de Čapek que pode ser vista como “teoria social da modernidade”7.
A mesma tentativa considerada abstrusa por pensar o lugar da literatura como
entremeada à teoria social lança mão da noção adorniana de “campo de força” para
abordar essa problemática. Na verdade, não seria necessário que houvesse qualquer
identificação ou que tais nessa seara entre produção de conceitos e produção literária
para que o estudo das noções encontradas nos romances pudessem ser aproveitadas ou
lidas na forma de conceitos. O próprio Adorno pensa a teoria estética como
aproximação (leitura) filosófica da peça de literatura. Outra forma então poderia ser
adotada para essa aproximação: a consideração de um determinado aspecto tanto
teórico-social quanto literário exibido tanto nos conceitos de estética e na peça de
literatura, que respondesse à especificidade do tempo histórico moderno. Ou seja, a
teoria da modernidade seria abordada desde a temática do “tempo abstrato”, exclusivo
dela. Nesse sentido, para além de Adorno, o tempo abstrato poderia ser entendido como
recurso para as próprias determinações do texto literário de Čapek, de forma a pensá-lo
simultaneamente como crítica negativa da própria modernidade (algo que ainda estaria
próximo do campo de força adorniano).
É quando Robert Kurz, teórico social do fim do século XX, sensível ao texto
adorniano, leva a outro nível a crítica das artes por meio da noção de distanciamento.
Para este último, o distanciamento é a capacidade de os indivíduos produzirem o tempo
histórico de forma que não estejam totalmente integrados ao sistema. Isto é, os
indivíduos detém alguma margem de manobra perante as forças da dominação social
que os escraviza. Como essa realidade é apenas percebida mais claramente quando da
“temporalização da história” (Koselleck) no século XVIII, é nesse marco que já se torna
possível algo de uma crítica negativa, uma vez que a dominação social torna-se cada
vez mais explícita conceitualmente. No século XIX, Marx desenvolve a primeira crítica
radical da dominação social com base na crítica do tempo abstrato, a mesma temática
recolhida por Čapek com todo o rigor literário capaz de recobrá-lo na forma de
dinâmica histórica – sua literatura de ficção científica pode então ser reclamada como
histórica, mais ou menos como Voltaire, Balzac e Proust podem ser considerados
romances históricos e filosóficos.

Este projeto de minicurso com carga horária de 12 horas, então, recolhe para si a
seguinte organização conteudista:

Dia #1 – Tempo e literatura: conceitos e problemas (4 horas)


i. Apresentação do minicurso;
ii. Desenvolvimento da crítica literária nos termos de uma crítica da modernidade
a. tempo social, ou o cronotopo histórico real (CHR)
b. tempo literário, ou o cronotopo literário (CL)
c. abordagem dos cronotopos em tensão (CHR-CL)
iii. Exposição do novum literário suviniano relativamente a Čapek;

7Cf. HLAVÁČEK, Karel. “A literary piece as a sociological work: the concept of modernity in Karel Čapek’s War
with the Newts”. Adeptus; n.17; 2516, 2021, https://doi.org/10.11649/a.2516.
iv. Exposição do conceito de “distanciamento” em Adorno e Kurz (tensão “forma
social” e “literatura”);
v. A escrita de Karel Čapek e seu acesso ao trabalho da crítica da modernidade:
esboço do cronotopo čapekiano.

Dia #2 – Tempo abstrato no conto e no teatro de Čapek (4 horas)


i. O tempo abstrato em Sistema (1908) [Systém] (conto de ficção científica);
ii. O tempo abstrato em A fábrica de robôs (1920) [Rossumovi univerzální roboti]
(peça de teatro de ficção científica);
iii. O distanciamento em Čapek (parte 1): desvios.

Dia #3 – Tempo abstrato no romance de Čapek (4 horas)


i. O tempo abstrato em A guerra das salamandras (1936) [Válka s mloky]
(romance de ficção científica);
ii. O distanciamento em Čapek (parte 2): desvios.

2. Carga horária: 12h

3. Objetivos: Introduzir o aluno à discussão sobre tempo e literatura, a partir do


conceito de “modernidade”, “forma social”, distanciamento” e “forma literária”. O autor
eleito para a introdução é o escritor expressionista tcheco Karel Čapek. Ao fim da
jornada, o aluno terá tido contato com o conceito de “tempo abstrato” relativo ao motivo
de dinâmica histórica do autor.

4. Equipe executora:

- Profa. Dra. Dilneia Rochana Tavares do Couto (Coordenadora)


- Prof. Dr. Sergio Ricardo Alves de Oliveira (Executor)

5. Cronograma de atividades:

N. Descrição da atividade Data Carga


horária
1 Tempo e literatura: conceitos e problemas 17/10/2022 4h
2 Tempo abstrato no conto e no teatro de Karel Čapek 19/10/2022 4h
3 Tempo abstrato no romance de Karel Čapek 21/10/2022 4h

6. Orçamento:

N. Descrição Quantidade Valor unitário Valor total


1 Apostila 20 R$2,5 R$50
2 Cachê do professor executor 1

LOCAL E DATA: Macapá, 1 de outubro de 2022.

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(ASSINATURA DO COORDENADOR DA PROPOSTA)

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