Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANEXO II
TEMPO E LITERATURA:
abstração e distanciamento em Karel Čapek
1. Contextualização / Justificativa:
O ambiente de discussão literária vem cada vez mais priorizando o acesso à temática do
tempo. Porém, de modos muito distintos entre si. O empreendimento deste minicurso é
o de apresentar e discutir o tempo histórico perante a literatura tcheca da geração de
1905, corporificada na intuição literária de Karel Čapek (1890-1938). Isto porque seu
modo de abordar o tempo está diretamente relacionado à preocupação com a referência
histórica, apartando-se, portanto, de esforços de fantasia alheios a tal. É nesse sentido
que o aluno poderá versar-se em algo desse impulso mimético e de sua inteligibilidade
conceitual, de forma a produzir novas leituras do mundo social e de sua literatura.
As primeiras expressões literárias de Karel Čapek adentram uma
Tchecoslováquia recém-independente, consumida pela vivência da guerra, trazendo
influxos para o redimensionamento da literatura e da paraliteratura (ficção científica,
conto popular, conto fantástico, “romaneto” etc.) elas mesmas, já também largamente
leitoras da família Shelley e Verne. Seus estudos em filosofia na Charles University e na
Universidade de Berlim o aproximaram da visão pragmatista anglo-estadunidense
consagrada na época (William James e John Dewey), enquanto seus graus em filologia
germânica e inglesa na Sorbonne o teriam aproximado do romantismo alemão,
sobretudo o de Schiller. Irmão de Helena e Josef, produziu com este último – por sinal,
exímio pintor reconhecido – algumas parcerias em contos e peças. Embora na juventude
pendesse ao estudo do pragmatismo de James e do vitalismo de Henri Bergson, passou a
demonstrar posicionamento crítico àqueles círculos de pesquisa, mais tarde
abandonando inclusive tais perspectivas filosóficas. Cultivava as simplicidades do
cotidiano, o que se testemunhava no interesse pela jardinagem e a escrita de viagens,
desse modo também atentando para o incontornável mistério da vida. Isto, dentre
outros, o teria orientado a renegar as manifestações realistas e expressionistas na
literatura, as quais para ele produziam um apelo ao além do humano1. Čapek
determinava: “a grandeza e a humanidade de uma obra literária são sinônimas”2. Suas
visões democratas o aproximaram de Thomás G. Masaryk, primeiro presidente da
Tchecoslováquia, tendo produzido uma biografia3 em sua homenagem.
Entendido como partícipe de uma geração que encontrou no romance filosófico
uma forma profícua de expressão da realidade, Karel ombreou escritores da estirpe de
Thomas Mann e Robert Musil, autores estes reconhecidos como pertencentes à “geração
europeia de 1905”, por sua vez, altivamente crítica de uma maneira de conceber a razão,
até certo ponto caudatária dos expedientes pragmatistas. Tornou-se amigo de Mann,
tendo colaborado com ele na resistência antifascista dos anos 1930. Para Ort, “assim
como Musil e Mann, [Čapek] também [fora] persuadido pela insuficiência da razão para
examinar as profundezas da motivação humana”4.
A escrita čapekiana
1 KUSSI, Peter. Toward the radical center: a Karel Čapek reader. North Haven: Catbird Press, 1990, p. 356.
2 Ibid.
3 Cf. ČAPEK, Karel; HEIM, Michael Henry. Talks with T. G. Masaryk. North Haven: Catbird Press, 1995.
4 ORT, Thomas. Art and life in modernist Prague: Karel Čapek and his generation (1911-1938). New York:
1996, p. x.
6 De origem russa, designa ‘dizer’. Recurso largamente marcado na literatura formalista russa, a típica narrativa em
primeira pessoa de forte cariz coloquial e propositadamente limitante quanto ao horizonte intelectual e ao domínio da
linguagem. Tal consagrou-se em Twain, Salinger e outros. Evidência desta aplicação estilística em Čapek é seu
Histórias Apócrifas (1932) [Kniha apokryfu], um grupo de contos, dentre os quais, Aristóteles discute com seu
pupilo, Alexandre Magno.
salamandras que dominam o mundo. A aplicação científica parece ter uma função dupla
em Čapek, mas nenhuma delas parece escapar da experiência da servidão.
Tempo e literatura
Diz-se da literatura de Čapek que pode ser vista como “teoria social da modernidade”7.
A mesma tentativa considerada abstrusa por pensar o lugar da literatura como
entremeada à teoria social lança mão da noção adorniana de “campo de força” para
abordar essa problemática. Na verdade, não seria necessário que houvesse qualquer
identificação ou que tais nessa seara entre produção de conceitos e produção literária
para que o estudo das noções encontradas nos romances pudessem ser aproveitadas ou
lidas na forma de conceitos. O próprio Adorno pensa a teoria estética como
aproximação (leitura) filosófica da peça de literatura. Outra forma então poderia ser
adotada para essa aproximação: a consideração de um determinado aspecto tanto
teórico-social quanto literário exibido tanto nos conceitos de estética e na peça de
literatura, que respondesse à especificidade do tempo histórico moderno. Ou seja, a
teoria da modernidade seria abordada desde a temática do “tempo abstrato”, exclusivo
dela. Nesse sentido, para além de Adorno, o tempo abstrato poderia ser entendido como
recurso para as próprias determinações do texto literário de Čapek, de forma a pensá-lo
simultaneamente como crítica negativa da própria modernidade (algo que ainda estaria
próximo do campo de força adorniano).
É quando Robert Kurz, teórico social do fim do século XX, sensível ao texto
adorniano, leva a outro nível a crítica das artes por meio da noção de distanciamento.
Para este último, o distanciamento é a capacidade de os indivíduos produzirem o tempo
histórico de forma que não estejam totalmente integrados ao sistema. Isto é, os
indivíduos detém alguma margem de manobra perante as forças da dominação social
que os escraviza. Como essa realidade é apenas percebida mais claramente quando da
“temporalização da história” (Koselleck) no século XVIII, é nesse marco que já se torna
possível algo de uma crítica negativa, uma vez que a dominação social torna-se cada
vez mais explícita conceitualmente. No século XIX, Marx desenvolve a primeira crítica
radical da dominação social com base na crítica do tempo abstrato, a mesma temática
recolhida por Čapek com todo o rigor literário capaz de recobrá-lo na forma de
dinâmica histórica – sua literatura de ficção científica pode então ser reclamada como
histórica, mais ou menos como Voltaire, Balzac e Proust podem ser considerados
romances históricos e filosóficos.
Este projeto de minicurso com carga horária de 12 horas, então, recolhe para si a
seguinte organização conteudista:
7Cf. HLAVÁČEK, Karel. “A literary piece as a sociological work: the concept of modernity in Karel Čapek’s War
with the Newts”. Adeptus; n.17; 2516, 2021, https://doi.org/10.11649/a.2516.
iv. Exposição do conceito de “distanciamento” em Adorno e Kurz (tensão “forma
social” e “literatura”);
v. A escrita de Karel Čapek e seu acesso ao trabalho da crítica da modernidade:
esboço do cronotopo čapekiano.
4. Equipe executora:
5. Cronograma de atividades:
6. Orçamento:
________________________________________________________