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“O desejo é o nome da nossa
produtora, é a palavra-chave
do título de um dos meus filmes
e está também presente em
todos os outros.”
Pedro Almodóvar

El deseo – O apaixonante cinema de Pedro Almodóvar


Coutinho, Angélica; Lira Gomes, Breno (orgs.)
2ª. Edição
Julho de 2011
ISBN 978-85-902293-2-2
Produção editorial e revisão: Angélica Coutinho
Capa e projeto gráfico: Guilherme Moura
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia
autorização dos organizadores.
O Ministério da Cultura e o Banco homenagem a este importante diretor
do Brasil apresentam a mostra “El De- do cinema mundial, que se tornou íco-
seo – O apaixonante cinema de Pedro ne pop e renovou o melodrama, além
Almodóvar”, que traz a Brasília o cine- de reforçar o compromisso com a de-
ma instigante do mais popular cineasta mocratização do acesso à cultura e com
espanhol, cuja obra é marcada por uma intercâmbio cultural por meio da discus-
estética particular com o uso de cores são de assuntos relevantes da sociedade
vibrantes. Além disso, o cinema de Almo- contemporânea.
dóvar é caracterizado pela presença de
personagens femininas fortes e pela visão Centro Cultural Banco do Brasil
irreverente ao tratar temas polêmicos.
A programação apresentará todos os
filmes do cineasta espanhol lançados até
2010, os títulos que Almodóvar produ-
ziu em parceria com seu irmão Agustín
pela produtora El Deseo e, também, os
longas-metragens que fazem parte da
lista de preferidos do diretor e que são
referência para o seu trabalho.
Com o intuito de estimular a refle-
xão e permitir ao público contato com
obras universais e atemporais do cinema,
o CCBB realiza periodicamente mostras
audiovisuais abrangentes, acompanhadas
de debates, encontros, cursos e publica-
ções, contribuindo para o acesso do pú-
blico a temas significativos e singulares da
cinematografia nacional e internacional.
Ao realizar a mostra, o CCBB presta
O desejo é o que move a vida de Pe- se é homem, mulher, travesti, jovem, ve- Luci, Bom e outras garotas de montão”, cinema vibrante e revolucionário, mas de
dro Almodóvar, homenageado da mostra lho, masculino ou feminino. Na verdade, tão revolucionário como ‘Labirintos de toda a sétima arte. É a celebração da pai-
El Deseo – O apaixonante cine- por ele, tudo se junta em um mesmo cal- paixões”, ousado como “A lei do dese- xão que Pedro Almodóvar e todos nós
ma de Pedro Almodóvar. O desejo deirão para no fim gerar um turbilhão de jo”, apaixonante como “Mulheres à bei- temos pelo cinema.
é tema recorrente na cinematografia do emoções. ra de um ataque de nervos”, intrigante
cineasta, dá nome à sua produtora e já A mostra El Deseo – O apaixo- como “Matador” e “Carne trêmula” e Breno Lira Gomes e Silvia Oroz
esteve presente no título de um dos seus nante cinema de Pedro Almo- emocionante como “Tudo sobre minha Curadores
mais importantes filmes, “A lei do dese- dóvar vem ao encontro do desejo do mãe”, “Fale com ela”, “Volver” e “Abraços
jo”. Ao realizar a mostra, o Centro Cul- público de ver reunido de uma só vez, partidos”. Serão apresentados também
tural Banco do Brasil tem a oportunidade toda a cinematografia do diretor. Todos alguns filmes que Pedro Almodóvar e seu
de não só homenagear um importante ci- os filmes realizados por ele foram lan- irmão Agustín Almodóvar produziram
neasta em atividade, como abrir espaço çados comercialmente no Brasil. A pos- pela produtora que criaram, a El Deseo.
para a discussão dos múltiplos desejos sibilidade de reuni-los, com certeza, irá Demonstra-se assim o olhar atento de
do ser humano, tão presente no cinema atrair muitos jovens cineastas, escritores, ambos para o cinema realizado na Es-
do diretor espanhol. Almodóvar tornou- jornalistas, artistas, cinéfilos. Além daque- panha e em outros lugares do mundo. A
se pop, chamou de volta a atenção para les que acompanham a carreira de Almo- programação inclui ainda produções que
a produção cinematográfica espanhola e dóvar desde os anos 1980. Assim, o Cen- o cineasta homenageado admira e cita
para a produção underground, renovou o tro Cultural Banco do Brasil oferece ao constantemente em seus filmes, compro-
melodrama e diversos outros gêneros, público uma rara oportunidade de análise vando dessa forma como o simples ato
usou e abusou do kitsch. Com o cineasta e discussão sobre a obra completa de Pe- de assistir a um filme foi importante na
a paixão ficou latente na tela e explodiu dro Almodóvar. Comprovando que esse formação do realizador cinematográfico
fora dela. Mulheres, homens e travestis é um espaço preocupado em promover Pedro Almodóvar. Ter sua obra comple-
convivem, de forma, às vezes, harmonio- eventos de qualidade e reflexão que tem ta exibida no Centro Cultural Banco do
sa. E, em muitos momentos, efervescen- nos grandes artistas e suas realizações o Brasil só prova o olhar atual, dinâmico,
tes. Almodóvar levou para o cinema, de atrativo para um público interessado. sem preconceitos e, por vezes, ousado
forma respeitosa e, ao mesmo tempo, desse importante espaço.
revolucionária, o que hoje se denominou A mostra El Deseo – O apaixo-
nante cinema de Pedro Almo- A mostra El Deseo – O apaixo-
confluência de gêneros. Para ele, não im- nante cinema de Pedro Almodó-
porta se é drama, romance, melodrama, dóvar será uma aula de cinema, de um
começo em estado bruto como em “Pepi, var é uma comemoração não só de um
suspense ou musical. Ele não está nem aí
ÍNDICE

Primeira parte Pepi, Luci, Bom e outras garotas 52 O segredo do feminino Cinderela em Paris 183
Almodóvar: entre a arte e a de montão por Rita Ribeiro 124 Tudo que o céu permite 183
revolução dos costumes Dos labirintos do proibido às Carne trêmula 128 Horas de desespero 184
avenidas do trânsito comum Em diálogo com Buñuel Pacto de sangue 184
Pétalas de celulóide por Bernadette Lyra 54 por Eduardo Peñuela Cañizal 130 Os olhos sem rosto 185
por Ricardo Daehn Labirinto de paixões 58 Tudo sobre minha mãe 134 No silêncio da noite 185
14
Um cinema de autor: Uma sátira depravada aos Desejo e Maternidade Pink Flamingos 186
Pedro Almodóvar costumes por Gabriela Lírio Gurgel Monteiro 136 Os desajustados 186
por Tania Montoro por Mário Abbade 60 Fale com ela 140 Janela indiscreta 187
18
“Olha, estou gozando!” Maus hábitos 64 A arte como reflexo e refúgio A malvada 187
Almodóvar encena a fantasia Transparecer sob as trevas por Kleber Mendonça Filho 142 Coração vagabundo 188
por Antonio Quinet por Carlos Eduardo Pereira 66 5 perguntas para Javier Cámara 145 A tortura do medo 188
20
A sociedade homoafetiva e tudo 5 perguntas para Julieta Serrano 68 Má educação 148
sobre as suas mães Que eu fiz para merecer isto? 72 Reencontro com o espírito Quarta parte
por Sérgio Alexandre Camargo 24 Só dói quando eu rio rebelde Dom Almodóvar de La Mancha
Almodóvar e a televisão por Elianne Ivo Barroso 74 por Luciano Trigo 152
Deus é feito de vidro Matador 78 Volver 156 Dom Almodóvar de La Mancha
por Mauricio Bispo 26 Um pacto de amor e morte Fortaleza feminina por Angélica Coutinho 192
Musas de Almodóvar por Susana Schild 80 por Francisco Russo 160 Santo Gazpacho! 198
por André Sturm A lei do desejo 84 Abraços partidos 164 Cronologia 204
30
Almodovar e Banderas Desejo de ficcionalizar Um olhar cinematográfico Filmografia 208
por Rodrigo Fonseca por Aleques Eiterer 86 por Leonardo Luiz Ferreira 166
34
Universo de Almodóvar de Mulheres à beira de um ataque Programação 214
elementos diversos de nervos 90 Terceira parte
por Carlos Tufvesson 36 Uma declaração de amor Um mundo de referências Agradecimentos 216
A música nos filmes de por Aluizio Abranches 92
Almodóvar Ata-me! 96 O menino Pedro e o cinema Créditos 218
por Guilherme Maia 38 Um jogo de espelhos e por Breno Lira Gomes 172
Patty Diphusa amarrações Almodóvar e os seios de Sarita
O alter-ego de Almodóvar por Angélica Coutinho 98 Montiel
durante os anos 80 5 perguntas para por Silvia Oroz 175
por Mayra Dias Gomes Antonio Banderas 100 Tudo sobre o desejo - O
40
De salto alto 104 apaixonante cinema de
Segunda parte Brincando nos campos do Pedro Almodóvar 179
O cinema do desejo maternal A espinha do diabo 180
por Mariana Baltar 108 A menina santa 180
O cinema do desejo Kika 112 Minha vida sem mim 181
por Luiz Carlos Lacerda, Bigode 46 Um Almodóvar inclassificável A vida secreta das palavras 181
por Flávio Di Cola 116 Sonata de outono 182
A flor do meu segredo 120 Noites de Cabíria 182
Primeira Parte
Almodóvar: entre a arte e a revolução dos costumes
Pétalas de celulóide
por Ricardo Daehn

Sob as asas de um filme de Pedro Al- Augustín Almodóvar). (menos lúgubre, a partir da encenação colorida calças de presas em potencial.
modóvar, o espectador tem a segurança de nunca A autenticidade – “no cinema, tenho de “Tudo sobre a minha mãe”). A carga insólita também abastece o
encontrar pela frente um discurso paternalista. que ser aquilo que sou”, como já disse – é o que Esquadrinhado pelo parâmetro des- comportamento do filho mais novo de Gloria
A princípio, vital, transgressor e encorajador dos enleva a assinatura de um artista regurgitou “o sas  fontes inspiradoras, Pedro Almodóvar corre (Carmen Maura), a protagonista de “Que fiz eu
maus hábitos (“Pepi, Luci, Bom e outras garotas esplendor do caos mais infernal de Madri” (cita- o risco de ter desfigurado o vínculo mais imedia- para merecer isto?” (1984): ainda criança, ele
de montão” e “Labirinto de paixões”), ao sabor do na própria novela dele: Fuego en las entrañas). to com o público que lhe reconhece, na verdade, decreta ser dono (para desfrute impróprio) do
da onda dos anos 80 que o projetou,  o mais res- Expurgado do poder com a morte, em 1975, foi pela extravagância das imagens. Antes do alega- corpo. Num exíguo apartamento, avizinhado de
peitado diretor de cinema espanhol, que já colo- o ditador Francisco Franco quem, ao lado de um do “linchamento” (sentido quando da transição uma espécie de motel mantido por Cristal, a mãe
cou personagem dividindo a humanidade entre aparato religioso, incitou reações extremadas do turbulenta que demarcou a fase de “Kika” e “De acaba por tripudiar sob o machismo do marido
“invejosa e intolerante”, porém, abrandou e ca- cineasta. Basta lembrar do brutal teor anárquico salto alto”), o autor de “Ata-me!” (alvo da cen- Antonio, fatalmente, abatido por uma peça de
minha, sob firmada autocrítica, para uma toada da música Voy a ser mamá (criação de Almodó- sura norte-americana, que desgostou da relação presunto(!). Em “Matador” (1986), o feminismo
serena. Natural, portanto, que na trama de um var & McNamara), na qual ele, sob a promessa excêntrica entre um lunático tipo feito por An- de Almodóvar esbarrava na má vontade de Die-
dos mais recentes trabalhos, “Abraços partidos” de “não abortar”, quer dar luz a Lúcifer e, nesse, tonio Banderas e pela atriz pornô encarnada por go (Nacho Martínez), personagem que ensinava
(2009), o diretor de cinema Mateo (Luis Homar) embutir um “espírito crítico”. Victoria Abril) cravou o estilo liberal, com capaci- ao aluno (Antonio Banderas): “ Elas (as mulhe-
busque – sob a orientação de um Almodóvar sis- Vista em bloco, a obra do diretor dade de enrubescer muitos heterossexuais (sob res) devem ser tratadas como touro: enfrentá-las,
tematicamente atento ao déficit de solidariedade progride do colorido de uma provocação baru- alcunha démodé) de plantão. encurralar-las, sem que saibam. Depois, é fácil”.
entre as pessoas – o retrato da “bondade natu- lhenta à lapidação de estilo único de narração Muito antes de a protagonista de “Mu- Nunca indefesas, as mulheres de Al-
ral” do ser humano. em que a veia literária sobrepuja a construção lheres à beira de um ataque de nervos”, interpre- modóvar são hábeis na dissimulação – alguém es-
O escopo de uma obra qualificada visual – referendando a primazia de “palavras e tada por Carmen Maura, desafiar – sob os risos quece as reações de Paula (Yohana Cobo), quan-
por 18 longas-metragens, mesmo sob o risco das falas”, ele compara “a leitura de um bom livro” a convulsivos do público – a pertinência da música do molestada pelo pai, em “Volver” (2006), ou da
generalizações, aponta para um habitat de acon- uma relação amorosa, na elucidativa publicação Soy infeliz, somada à trilha sonora do filme que mãe dela, representada por uma Penélope Cruz
chego e iniciáticas lições de vida, sob tolerantes de Frédéric Strauss Conversas com Almodóvar. culminou com a indicação ao Oscar, Almodóvar ciosa da dignidade da filha? – e donas de louvá-
mandamentos maternalistas. Acolhido, o especta- Se embutiu, ironicamente, o programa “Vamos ler já era perito em deboches, colocando para cha- veis feitos (na vida real), como um prêmio em
dor dos filmes, porém, terá de se contentar com mais” na trama de Kika (1993), o diretor, no pla- coalhar a carne de muitos de seus atores. Com Cannes de interpretação coletiva para o coeso
indicações e, com as próprias pernas, decifrará no criativo, assumiu a mera evocação (sem pers- decisiva cena em aeroporto, tal qual “Mulheres à elenco da mesma fita. A cumplicidade, que soter-
o universo almodovariano estruturado no livre- pectiva de reproduzir) de autores como Patricia beira...”, “Labirinto de paixões” é uma ciranda se- ra uma imensurável desavença entre mãe (Marisa
arbítrio e no beco que leva a risos ou lágrimas. Highsmith (“Fale com ela” e “Má educação”), xual em que desponta a ninfomaníaca (“desde pe- Paredes,moldada à la Lana Turner) e filha (Victo-
Nascida a fórceps, a capacidade de Almodóvar Jean Cocteau (“Mulheres à beira de um ataque quena”) Sexilia (Cecilia Roth), dada a tratamen- ria Abril), também é força motriz no arremedo
entreter vem de alicerce autônomo: forjado no de nervos” e “A flor do meu segredo”), Ruth to com psicanalista, mas capaz de convidar uma bergmaniano impresso em “De salto alto” (1991).
super-8, ele se preservou das interferências de Rendell (“Kika” e “Carne trêmula”) e aquele tido dezena de rapazes para uma festa sem moças e A abnegação pode vir potente, e de-
produtores (à exceção do enlance fraterno de como seu “diretor espiritual”,Tennessee Williams que, na rua, sem rodeios, observa os volumes das fine complexos tipos maternais,sob a batuta do

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discípulo torto de Luis Buñuel. Prova disso, está (em “Volver”), que tem o câncer anunciado em
na rede de progenitoras suscitadas por “Tudo so- rede nacional.
bre minha mãe” (1999). Em frangalhos, a enlutada Se execra o jornalismo sensacionalista,
Manuela (Cecilia Roth) segue o rastro do cora- que “rouba a dor das pessoas”, o cineasta é capaz
ção do filho, doado depois da morte prematura de gestos atrevidos, como filmar, sob o peso do
dele, aos 17 anos. Pela frente, encontra justo o humor, um estupro controverso em “Kika”. São
passado, no exemplo mais acabado de “família ousadias como depositar muita vida em corpos
multiforme” que o cineasta tanto se apraz de ha- inertes, no apogeu alcançado por “Fale com ela”
ver instituído nas telas. De freira grávida a tipo (2002) que tem por firmamento um jogo intuiti-
machista (que, para assombro geral, ostenta um vo atrelado à formação desprendida das certezas
par de peitos), o filme ganha com personagens acadêmicas e entregue à sensibilidade orgânica.
como Agrado (Antonia San Juan), transexual que Concomitante ao uso de músicas expressivas, às
larga pérolas como “Nada como um Chanel, para saborosas citações de mestres como Rossellini e
sentir-se respeitável” e “sempre pensei que po- Visconti (numa apropriação que supera a mera
deria fazer sucesso no terceiro mundo”. “cumplicidade passiva” junto ao espectador mais
Desatado de tabus escolado) e ao pleno domínio da metalinguagem
Filiado a “excêntricos” e “bizarros” do e do emaranhado de tramas, Pedro Almodóvar
naipe de David Lynch e Arturo Ripstein, Almo- aplica um dom legítimo de coreógrafo absorto
dóvar nunca reclamou pompa. Limitações fran- em registros misteriosos.
ciscanas, porém, não o aquietaram para estrear Afeito ao peso da emoção, o cinema
nas telas com “Pepi, Luci, Bom e outras garotas de Almodóvar pode tangenciar o ressentimento
de montão” (1980). Sob a égide da avacalhação, de quem se fez ateu (motivado pelo escandalo-
o futuro mestre do melodrama trazia, para além so vaivém em torno de padres pedófilos, vistos
das heroínas com capinha de onça e calças leg- em Má educação, de 2004) e avançar por cursos
ging maravilha e do inesquecível concurso de insuspeitos, ao abordar os duros tipos mascu-
“ereções gerais”, a antológica cena em que, a ro- linos presentes em Carne Trêmula (1997) ou a
queira Bom urina no rosto de uma desconhecida, introspecta aura ostentada pela ala dos hombres
para legitimar o prenúncio de uma boa amizade. de “Fale com ela”.
Ciente de que a associação com “o De certeiro mesmo na obra dele está
pop pode se tornar patética”, levado em conta assegurada a presença de, ao menos, um plano
o acúmulo de anos vividos, o agora sessentão que se complete com uma flor. Prova do registro
Pedro Almodóvar trilha inventivo percurso. Ele vital – que pode estar numa singela rosa ou no
refinou as críticas – no filme mais recente, “A cânhamo de escala caseira (num apartamento de
pele que habito” (2011), se esbalda nos possíveis “Pepi, Luci, Bom...”) –, o florido cinema proposto
descaminhos decorrentes de avanços científicos, tem origens na genética materna da zelosa dona
tendo o retorno de Antonio Banderas à histó- Francisca Caballero – uma senhora que, como
ria urdida por terror e vingança – e goza de um conta o diretor, ao receber um ramo de flores no
prestígio inabalável pelo esplendoroso rastro de Dia das Mães, dedicou um poema a um pássaro.
novos sucessos.Tema constante, a crítica aos efei- Boa pista para o segredo de um cinema empre-
tos dos reality shows (vigorosa, desde a existência nhado de astúcia e que desabrocha para propor
de Andrea Caracortada, à frente do programa “O reflexão e suavidade.
pior do dia”, em “Kika”) permeia, por exemplo, Ricardo Daehn integra equipe do jornal Correio Brazi-
a imprópria exposição da personagem Agostina liense há 14 anos. É repórter e crítico de cinema.

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Um cinema de autor:
Pedro Almodóvar
por Tania Montoro

O cinema do premiado diretor espa- correm à fatalidade do destino e às coincidências,


nhol Pedro Almodóvar, inscreve sua autoria na sincronicidades e apela para o inusitado e para
força de seus personagens e no próprio destino ação libertadora de seus personagens sempre
do amor. Seus personagens são, em sua maioria, mergulhados no lado escuro da vida, do sofrimen-
sujeitos no limiar da marginalidade, drogados, tra- to, da morte, da dor. Para colorir estes cenários
vestis, homossexuais; deficientes físicos; mulheres reveste seus personagens de subjetividades na re-
neuróticas, pessoas cunhadas pelo abandono ou construção de suas vidas. Para exercer seu axio-
pela degradação social. O novo é que apesar das ma, o cineasta encontra lugar seguro na tragico-
adversidades, não se acomodam à sua condição média e nos melodramas. Subverte, no entanto,
de vítima. Ao contrário, demonstram, com delei- os gêneros, imprimindo um sentido mais con-
te, a certeza absoluta de suas possibilidades de temporâneo e cosmopolita em que há diálogos
criação e liberdade de escolha. brilhantes, em que heróis e heroínas disputam os
Almodóvar dá voz aos marginais mesmos papéis, em que o exagero convive com do mundo, Madri, e é lá, em plena década de 70, neastas tão diversos quanto John Waters, Pier Pa-
conferindo-lhes protagonismo. Como persona- sutilezas, e o ancestral busca respostas a seus quando o regime político autoritário de mais de olo Pasolini, Cecil B. De Mille, Frank Tashlin, Blake
gens (re) inseridos no sistema cinematográfico problemas na circularidade movediça dos proces- 30 anos no país começa ceder espaço à ordem Edwards, Billy Wilder, Stanley Donen, Visconti,
de produção simbólica, eles podem enunciar a sos de identidade na pós - modernidade. democrática, que ele se junta a outros artistas. Antonioni, Otto Preminger, Lubitsch, Preston
si mesmos, partindo de uma determinada este- O colorido no mundo negro abordado Inspirados por ícones da comunicação de mas- Surges, Mitchell Leisen, Bergman e Alfred Hitch-
tização da marginalidade. Almodóvar deixa que por Almodóvar aparece na exímia fotografia, nos sa, frequentemente citados em seus filmes, no cock, entre outros, Almodóvar construiu sua car-
os sem-tela invadam o cinema confortável, como ricos diálogos recheados de humor e, diante das movimento punk inglês e na Pop Art, Almodóvar reira informado por diversos gêneros cinemato-
que de alguma maneira, sabendo que estes fantas- atrocidades e corrupção, há solidariedade e ami- reconfigura a cinematografia espanhola docu- gráficos: screwball comedies, thrillers, épicos, filmes
mas de luz vão voltar ao mundo físico e recon- zades.A rede de solidariedade que o cineasta esta- mentando a ansiedade da juventude madrilenha do neo-realismo italiano e da nouvelle vague fran-
taminar a vida material de si mesmos. A tela de belece entre a gente marginal não encontra parâ- e de Barcelona por novos estilos de vida que os cesa, películas do expressionismo alemão, filmes
Almodóvar, propositalmente, é fora de esquadro, metros entre a gente de bem nas suas histórias. permitam ser mais autênticos e livres. Informado noir e melodramas.
porque sua vivência como artista e como produ- A generosidade e dedicação ao outro – caracte- por Hollywood e pelo cinema de autor europeu, Tania Montoro é doutora em comunicação audiovisual
tor de símbolos partiu deste ponto de vista.Almo- rística própria da feminilidade – são temas recor- combinando camp, kitsch e a cultura de la pluma, pela Universidade Autônoma de Barcelona e pós- dou-
dóvar filma o espaço fora da tela ou traz para den- rentes em seus filmes (Átame!; Todo sobre mi ma- o diretor parte de uma realidade estigmatizada tora em Cinema pela UFRJ. Professora de Cinema e
tro da tela de cinema o espaço da vida que antes dre; Hable com ella; Carne trémula ) e convertem Televisão da Universidade de Brasília e coordenadora
como marginal para homenagear o mundo das da linha de pesquisa em imagem e som do mestrado e
vivia fora dela. Assim, ele, mesmo sem querer, de- em pilares na construção imaginária de relações artes. Em seus filmes tem trilhas sonoras origi- doutorado da mesma instituição. Foi curadora de mos-
volve ao mundo a potência de marginalidade dos amorosas e de romances possíveis e impossíveis. nais, teatro, balé, espetáculos das touradas, feti- tras de cinema no país, participa de júri de festivais no
submundos que habitam as grandes metrópoles. Pedro Almodóvar migra da Espanha Brasil e exterior e tem livros e capítulos de livros publi-
chismos e pulsões. cados no Brasil e diversos artigos publicados no país e
As autorais narrativas do diretor re- rural para uma das mais importantes metrópoles Assumidamente influenciado por ci- no exterior.

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“Olha, estou gozando!”
Almodóvar encena a fantasia
por Antonio Quinet

Almodóvar, freudianamente nos ensi- Almodóvar faz, ao mesmo tempo, uma crítica justamente Maria, a assassina. homem e mulher, matar e ser morto. Entra tam-
na: a realidade é sexual. Em seus filmes assistimos à prática da tourada na Espanha e revela essa Esse rapaz tem “poderes paranor- bém em jogo a pulsão escópica e a função voyeu-
com frequência a encenação crua e nua, na reali- máquina desejante que é a fantasia erótica. mais”. Ele é aquele que vê, o voyeur do filme, ou rista do espectador. Durante a relação sexual,
dade, da fantasia sexual geralmente inconsciente O ato de gozar é equivalente, no filme, seja, o vidente. Consegue ver o que está acon- Maria pergunta para Diego se ele gostaria de
do sujeito desejante. No thriller “O Matador”, o ao ato de matar. O homem e a mulher serão al- tecendo em outros lugares e diz saber onde es- vê-la morta, ao que ele responde com a mesma
cineasta nos coloca frente a frente com o desejo ternadamente sujeito e objeto. O homem ao con- tão enterrados os cadáveres das moças: no ter- pergunta para ela. Ela toma, então, a iniciativa de
sexual proibido e mortífero enquadrado em um quistar a mulher é o toureiro que doma o touro. reno da residência do professor Diego. matá-lo com o mesmo alfinete com que matava
roteiro fantasmático e preciso. O filme, além do Entretanto, a mulher desejante está no lugar do Ao colocar um personagem vidente os seus homens-touros e, em seguida, dá um tiro
mais, desvela a posição de voyeur do espectador toureiro e transforma o homem no seu objeto em cena, Almodóvar desvela a posição de voyeur na própria boca.
que olha a encenação do desejo do outro através de gozo pessoal e mortal. No filme japonês “Im- do espectador vendo a cena fantasmática de dois Logo após matá-lo, ela busca seu olhar,
do buraco da fechadura: a tela do cinema. pério dos Sentidos”, de Nagisa Oshima, durante personagens cujas fantasias sexuais se asseme- o olhar de um homem que já morreu e que, no
Um homem se masturba assistindo o ato sexual, a mulher castra o homem para go- lham e se complementam – o que é inverossímil, entanto, ainda está aceso em sua função voyeurista
pela TV a trechos de filmes de terror: esfaquea- zar do seu falo. Em “O matador”, a mulher mata pois dificilmente as fantasias sexuais se partilham para satisfazer a fantasia dela de um puro olhar,
mento, esmagamento, decepação de cabeças, o homem e goza com seu falo ainda ereto dentro tão harmonicamente. sem sujeito, vendo-a se matar. Esse olhar equivale
pessoas afogadas. Só mulheres. Ele goza com a dela. Em ambos os filmes, a mulher retém o falo e Henri presentifica a divisão do sujeito: ao próprio olhar da morte representada e dupli-
projeção de sua fantasia na telinha. É Diego, o o conserva para si. ele é o vidente que não quer ver, uma vez que cada pelo eclipse do sol nesse exato momento.
matador, que logo aparece ensinando a técnica Almodóvar nos mostra que toda desmaia quando vê sangue. A divisão de Henri é Segundo La Rochefoucauld, o sol e a morte não
de matar o touro. Corta. Uma mulher seduz um pulsão sexual carrega a pulsão de morte e que o também em relação à morte: fascínio e horror. podem ser olhados de frente e tampouco o olhar,
aprendiz de toureiro em uma arena, leva-o para gozo está para além do princípio do prazer. É a Diego e Maria, por sua vez, não têm divisão sub- objeto da pulsão. É justamente quando o sol se
a casa e tira sua camisa. Corta. Diego mostra fascinação pela morte que promove o encontro jetiva alguma, eles sabem o que querem e vão apaga que a morte aparece com seu olhar fatal.
como se mata o touro. Ela está nua por cima do entre o professor de tourada, que não toureia direto ao assunto: a trepada mortal. Diego e Maria se matam na relação
homem, cavalga-o, tira um alfinete de cabelo pon- mais, e a mulher que age como toureiro pegando Almodóvar nos deixa ver que as duas sexual quando estão prestes a atingir o orgas-
tiagudo. Diego mostra o local exato das costas os homens à unha para gozar e matar. moças foram mortas por Diego e os dois rapa- mo que leva à morte. O âmbito do voyeurismo
do touro onde se deve dar a estocada final. Ela O elo entre eles é Henri, aluno de Die- zes liquidados por Maria. E promove um encon- nos aponta que a fantasia sexual inconsciente é
enfia o alfinete no parceiro e atinge o orgasmo. go, siderado pelo mestre que lhe diz “as mulheres tro dos dois matadores. O toureiro-macho e o mostrada e endereçada a um voyeur que goza do
Essa narrativa do professor-matador, são como touros, você tem de domesticá-las, toureiro-fêmea sabem como gozar com o objeto que vê: o espectador. Assim que mata Diego, Ma-
entrecortada com a da mulher-toureiro com o dobrá-las e atacá-las”. Resultado: Henri estupra touro. Mas quem será o touro? ria agarra seu cabelo, vira seu rosto para o dela
aprendiz-touro, define as duas posições que se a noiva do professor. No dia seguinte, se entrega Na cena final se dá o encontro com a fazendo com que seu olhar cadaverizado se en-
encontram na fantasia sexual inconsciente: o su- à polícia. O comissário está investigando os as- morte que é, ao mesmo tempo, o ápice do filme contre com o dela: “Olha-me como eu morro”.
jeito desejante e seu objeto de gozo. O sujeito é sassinatos de alunos de tourada: dois rapazes e e a realização da fantasia de ambos. Aqui tudo O tiro na boca é o instante do olhar do eclipse
o ativo e o objeto é atraído, dominado e morto duas moças. Henri então se acusa falsamente dos é possível e o direito e o avesso se misturam: solar. Esse apelo ao olhar é também para o públi-
– condição necessária que faz o sujeito gozar. quatro crimes e a advogada que vai defendê-lo é as posições de sujeito e objeto, ativo e passivo, co, cúmplice do gozo da fantasia.

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“Pedro Almodóvar dimensionou o cinema espanhol a
um novo lugar no mundo.
Trazendo com sua visão crítica a comicidade louca de
suas mulheres e de seus homens de carater duvidoso.
E com um colorido exuberante invade a tela
resgatando toda a riqueza de sua cultura em uma
nova leitura que nos encanta com seu estilo único
O filme mostra que o máximo do
e sua assinatura marcante em seus roteiros sur-
prazer é equivalente ao gozo mortífero. “Nunca preendentes onde o antigo é reciclado e o novo se
vi ninguém tão feliz”, diz o comissário de polícia
encerrando o caso. apresenta em nova versão da cruel realidade. Inse-
Da cena do início à cena final de “O rindo a Espanha na modernidade de nossos tempos...”
Matador” vemos a passagem do imaginário (as
atrocidades da televisão) ao real de gozo da fan- Bayard Tonelli
tasia; das imagens da fantasia masturbatória ao
real do gozo mortífero. Almodóvar revela e rasga
a fantasia de desejo sexual que levada à sua satis-
fação total, equivale ao aniquilamento do sujeito.
E mostra que isso faz gozar o espectador. Não
será esse prazer que está presente no frisson do
gozo estético do cinema? E assim, Almodóvar nos
mata de tensão.

Antonio Quinet é psicanalista, doutor em Filosofia e


dramaturgo.

22
A Sociedade Homoafetiva e
tudo sobre suas mães
por Sérgio Alexandre Camargo

Um momento histórico vive a “diver- que deve tutelar as relações humanas, mas cer- ções de trabalho. Sem sorte, na maioria das vezes, não seria possível se, ao longo das últimas déca-
sidade” brasileira, ainda que com certo atraso se tamente não conseguirá impor limites ao Amor. acabam prostituindo-se o que as leva ao uso de das de opressão, visionários como Pedro Almo-
comparado a nossos vizinhos argentinos e uru- O diretor Pedro Almodóvar conseguiu, drogas e uma estreita relação com a violência, dóvar, não tivesse tratado a diversidade de forma
guaios. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 1999, mostrar a cara da diversidade no filme criando um círculo vicioso que as mantém presa transparente, tragicômica e real, colocando à
no dia 5 de maio de 2011, a união homoafetiva, “Tudo sobre minha mãe”, ganhador do Oscar a esta “cidadania de segunda categoria” na qual o análise do espectador uma sociedade homoafeti-
com status de união estável civil à Sociedade Ho- de melhor filme estrangeiro, de forma clara, por Estado não consegue, ou sequer intenta alcançar. va sofrida, carente de cidadania e disposta a lutar
moafetiva brasileira. Na verdade, um pequeno vezes dura, mas amorosa e divertida, com perso- Ainda que de forma clara e bem al- não apenas para exercer sua orientação sexual,
“agrado”, na medida em que nossos vizinhos sul nagens multifacetados, que buscam, cada um a sua truísta, o filme tem um desenrolar curioso, em mas para garantir a evolução de toda sociedade,
americanos já permitiram o casamento para os maneira, a felicidade. que as vicissitudes da vida, progridem de uma que caminha para discussão de mais modernas
homossexuais. Manuela (Cecília Roth) é uma mãe amo- curiosa maneira, que, por fim, acaba levando os gerações de direitos, como a quinta geração que
O Parlamento brasileiro acordou, no rosa, que ao conceber seu lindo filho Estebán personagens à felicidade. A travesti Agrado (An- pretende tutelar a cibernética, mas que não pode
dia 6 de maio, envergonhado diante de décadas (Eloy Azorín), de um romance que teve anos an- tonia San Juan), amiga próxima de Manuela deixa se esquecer da primeira geração de direitos, o
de omissão, deixando recair no judiciário toda tes com uma travesti, Lola (Toni Cantó), esconde a platéia esperançosa, pois mostra que a felici- direito à liberdade que, certamente, é a base es-
responsabilidade em garantir um Estado laico. dele a verdadeira identidade do pai. O rapaz dade, o amor e um tempero latino de humor, trutural às outras gerações de direito.
Todos aqueles que assistiram a votação no STF torna-se cada vez mais curioso e pretende en- podem trazer um resultado diferente a travesti, A diversidade tratada nas obras desse
observaram estarrecidos à sustentação oral do contrar seu pai biológico, mas antes que pudesse que acaba abandonando a prostituição para as- brilhante diretor espanhol contribui, e ainda
advogado do Conselho Nacional de Bispos Bra- conhecê-lo, morre tragicamente, no dia de seu sessorar a atriz de teatro Huma Rojo (Marisa contribuirá, para que aprendamos a respeitar as
sileiros (CNBB), que inicia sua tese de defesa, do aniversário, deixando a bela Manuela desespera- Paredes), simbolizando a possibilidade do exercí- minorias e conviver melhor com as diferenças,
que se mostrou indefensável numa belíssima vo- da. Manu vai ao encontro de Lola para contar-lhe cio de uma cidadania plena, de primeira categoria, estimulando uma sociedade solidária, como pre-
tação por 10x0, contra a equiparação da união toda verdade, como queria Estebán. Esta insti- deixando no ar a possibilidade de Agrado tam- tende nossa Constituição Federal de 1988, em
estável às relações homoafetivas, dizendo que “a gante história mostra a diversidade de maneira bém se tornar uma grande atriz. seu artigo 3º, I, capaz de ser tolerante com seu
diversidade tem quer ter limites”. Acredito que o real, explorando questões de grande relevância, O preconceito já deixou mazelas pro- semelhante, amá-lo independente de suas múlti-
brilhante Pedro Almodóvar diria se ouvisse esta como a dificuldade de empregabilidade das tra- fundas na sociedade, sendo característico à es- plas e, necessariamente livres, orientações de vida,
frase: “Não... Não há limites a diversidade”. vestis espanholas, sua relação com a violência, sência da espécie humana que, ao longo de sua na forma como Manu perdoa Lola, pai de seu Es-
Tratar a homossexualidade como ho- com as drogas, com a beleza e com a moda.Afinal, existência, apenas mudou seu alvo de perseguição, tebán, e lhe apresenta seu outro filho concebido
mossexualismo, como doença, é relegar o princí- a menção a uma “cópia” de um terninho Channel passando pelos hebreus, negros, judeus, homos- com a freira Rosa (Penélope Cruz), mostrando a
pio fundamental da liberdade, a um segundo plano, é divina. sexuais, asiáticos etc. beleza da vida que se recicla e torna-se supor-
pondo em risco a recém e frágil construção ju- De toda sociedade homoafetiva, cer- O reconhecimento das uniões ho- tável com mais outra chance que uma nova vida
rídica do Estado Democrático de Direito, que ne- tamente, as travestis representam a parcela mais moafetivas como estáveis no Brasil, em 2011, nos traz.
cessita consolidar o direito de seus cidadãos de marginalizada do grupo, que acabam exercendo dois anos após ter sua mais bela cidade, o Rio de
exercerem sua orientação política, religiosa, sexu- uma cidadania de segunda categoria, por terem, Janeiro, sido considerada o mais desejado desti- Sérgio Alexandre Camargo é advogado e Assessor
Chefe de Gabinete da Coordenadoria Especial da Di-
al, profissional e afetiva, da forma como melhor na maioria das vezes, a prostituição e, talvez com no turístico gay do mundo é, no mínimo, curioso. versidade Sexual do gabinete do prefeito da cidade do
lhes provier, sem a interferência direta do Estado, sorte, o salão de beleza como suas únicas op- Essa vitória do judiciário brasileiro certamente Rio de Janeiro.

24 25
Almodóvar e a televisão
Deus é feito de vidro
por Mauricio Bispo

Membro-fundador do movimento de imagens que gravou de sua esposa Kika. Com o


contracultura La movida madrileña, que marca avançar das imagens, vemos que Ramón gravou-
o início sua carreira, Pedro Almodóvar tomou as por cima de uma fita que continha o filme “O
como influência diversas manifestações artísticas, cúmplice das sombras”**. Ambos dialogam com
em especial a música pop, os quadrinhos, a tele- a banalização dos sentimentos na vida moderna.
novela e o próprio cinema, e criou uma obra re- Adiante, Ramón assiste a outro trecho do filme,
cheada de referências, inclusive a si mesma. Com- que o faz finalmente desvendar o misterioso sui-
pondo, em suas narrativas, situações baseadas no cídio de sua mãe. Em “Carne trêmula” (1997),
cotidiano do povo espanhol, o diretor questiona há duas sequências televisivas que narram a pas-
o papel da sociedade e sua relação com a cultura, sagem do tempo: a primeira faz a ligação entre
as tradições, a religiosidade e o choque com o o nascimento de Victor e os seus vinte anos. A
avanço tecnológico. É nesse ponto que entra a segunda mostra o que se passou durante os anos
televisão, mídia que passou a exercer enorme em que ele ficou preso, após balear gravemente
influência na população do país. De elemento um policial. Em uma cena de “Volver” (2006), a
cenográfico em “Má educação” (2004) à per- televisão exibe uma reportagem que explica de brando sua linda noite de amor com seu marido, plano de aposentadoria, que critica a previdência
sonagem de destaque no filme “Kika” (1993), a forma didática o fenômeno dos incêndios que se que acabou de forma trágica. Situação que, pelas espanhola.
televisão sempre se fez presente em seus filmes. alastram por conta dos fortes ventos que sopram lentes de Almodóvar, torna-se cômica. Em “Mu- De todos os seus filmes, aquele em
Almodóvar utiliza a televisão algumas na região de La Mancha. Mais adiante, essa infor- lheres à beira de um ataque de nervos” (1988), que a presença da televisão se faz mais potente
vezes como ferramenta narrativa. É o caso de mação servirá para a compreensão da misteriosa Pepa (Carmen Maura), vê a si mesma em um é “Kika”. A inescrupulosa apresentadora do pro-
“Fale com ela” (2002), em que o jornalista Marco morte da mãe de Raimunda (Penélope Cruz). comercial de sabão em pó. Ali, ela faz o papel da grama Lo peor del dia, Andrea Caracortada, car-
(Darío Grandinetti) assiste a um talk-show e teste- A televisão também atua como meio mãe de um serial killer que, para apagar as provas rega, acoplada a um capacete, uma câmera de
munha a apresentadora ser brutalmente invasiva de inserção de respiros narrativos. É assim em de seus crimes, lava suas camisas ensanguentadas vídeo. Como um terceiro olho, ela dirige o olhar
com a entrevistada, a toureira Lydia (Rosario Flo- “Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão” com Ecce Homo. do espectador para a sua própria visão dos fa-
res). É nesta cena em que conhecemos a perso- (1980), quando a história é interrompida por Em certos momentos, o diretor usa tos, afirmando-a absoluta, assim como ocorre na
nagem e ficamos sabendo de seu affair com o uma seqüência de comerciais de calcinha, que a televisão para “alfinetar” o governo, como em televisão. Pedro Almodóvar declarou, à época do
Niño de Valencia, do qual ela saiu emocionalmente reproduzem de forma irônica a estética da publi- “Que fiz eu para merecer isto?” quando Anto- lançamento de “Kika”, que “se Deus existe, Deus
ferida. No início de “Tudo sobre minha mãe” cidade da época. Após, descobrimos que foram nio (Angel de Andres-Lopez) assiste a uma re- é a televisão”, provando ter plena consciência
(1999), o jovem Esteban (Eloy Azorín) assiste a “A criações da publicitária Pepi (Carmen Maura). Em portagem sobre os altos índices de crescimento que, se não pode vencê-la, ao menos sabe utilizá-
malvada”* na televisão, cuja história tem paralelo “Que fiz eu para merecer isto?” (1984), o filme é demográfico na Espanha. Em “Ata-me” (1990), o la a seu favor.
com a de sua mãe. Em “Kika”, o fotógrafo Ramón interrompido e é introduzido um pequeno curta- casal de protagonistas assiste a um comercial de
(Alex Casanovas) mostra para seu padrasto as metragem que mostra uma bela mulher relem- * All about Eve (1950). Dirigido por Joseph L. Mankiewicz.
**The Prowler (1951). Dirigido por Joseph Losey. Maurício Bispo é realizador audiovisual.

26 27
“Paixão, paródia, pop, Pedro Almodóvar. Um dos
maiores diretores de todos os tempos, um autor sem
precedentes. Sem ter estudado cinema , pela escola
da vida, da sensibilidade e da ironia, se tornou uma
marca singular do cinema mundial. Aos 16 anos assisti
Entre tinieblas (Maus hábitos) e fiquei tomado pela
loucura e irreverência daquele distante cineasta. Des-
de então, aguardo ansiosamente por cada novo filme
de um mestre que hoje posso chamar de amigo.”
Andrucha Waddington

“Pedro Almodovar é inventor de um universo cine-


matográfico muito particularmente seu, onde cruza a
velha tradição do folhetim e do melodrama literários
com teatro popular de costumes típico do pós-
guerra europeu. E faz isso com um espírito cinéfilo e
uma ironia distanciada, uma espécie de chanchada
brechtiana que usa o humor transgressivo como uma
arma de revelação da modernidade moral. Neste
sentido, ele talvez seja o cineasta mais moderno em
atividade no mundo de hoje.”
Cacá Diegues
Musas de Almodóvar
por André Sturm

Nove entre dez atrizes de cinema da Além do talento evidente em cada uma, há ain-
atualidade gostariam de ser musas de Pedro Al- da uma sinceridade rara e absoluta que só elas
modóvar ao menos uma vez na vida. transmitem, por mais absurdas que a história ou
Hoje, trabalhar sob a direção desse a situação possam ser. Esse diferencial vem cer-
cultuado cineasta é algo que dá status de estrela a tamente mais da alma das atrizes do que da ex-
qualquer boa atriz que ainda não tenha obtido o traordinária capacidade do diretor. Sabe-se que
merecido reconhecimento. Mas nem sempre foi ele é temperamental e bastante exigente com o
assim. seu elenco e equipe, e que isso já causou verda-
No início dos anos 80, participar de deiros “ataques de nervos” nos bastidores dos
um filme de Almodóvar era fazer parte de um seus filmes. Em consequência disso veio um ou
movimento de contracultura na Espanha, um gri- outro rompimento que o passar do tempo se
to de rebeldia e libertação ao fim da sufocante encarregou de amenizar, possibilitando, inclusive,
era franquista. felizes e rentáveis reaproximações.
E foi em meio a essa onda que acon- É inegável que quando vemos algumas
teceram alguns dos mais preciosos encontros dessas atrizes em trabalhos de outros diretores,
de Almodóvar com aquelas que viriam a ser as podem vir à tona lembranças das suas caracteri-
heroínas dos seus primeiros filmes. Três décadas zações em filmes mais antigos de Almodóvar. Esse
depois, diversas delas fazem parte das páginas resgate da memória, mesmo sendo inevitável, não
das mais respeitáveis enciclopédias de astros significa, de maneira alguma, que elas não con-
e estrelas de cinema, dividindo espaço, de igual sigam se adequar a outras linguagens, outros uni-
para igual, com nomes como Bette Davis, Sophia versos autorais. É apenas uma rápida impressão e
Loren, Liv Ullmann e Catherine Deneuve, entre que nos deixa a sensação de filha que cresceu e
outras de semelhante grandeza. Carmen Maura, saiu de casa.
Marisa Paredes,Victoria Abril e a argentina Cecíl- Há vários casos de parcerias bem su-
ia Roth são apenas alguns exemplos. cedidas de atrizes e atores que construíram car-
A indicação de Penélope Cruz ao Os- reiras com um determinado diretor, em seu país
car de melhor atriz por “Volver” e o prêmio con- natal, e depois se aventuraram em produções in-
junto para todas as atrizes do mesmo filme no ternacionais, até mesmo em Hollywood. Além de
Festival de Cannes, não deixam dúvidas quanto Almodóvar, certamente Ingmar Bergman, Rainer
ao poder dessas adoráveis chicas. Werner Fassbinder e Jean-Luc Godard sejam os
E o que faz com que elas tenham essa melhores exemplos de realizadores que man-
popularidade toda entre críticos e admiradores? tiveram vínculo extenso com um mesmo grupo

31
“Almodóvar é um dos meus diretores preferidos. Um
perfeccionista no que faz.Você sabia que antes do
cinema e teatro, Almodóvar cantava travestido numa
banda de Rock? Seus filmes verdadeiros, carne ferida
sangrando. Passam sentimentos, qualidade tão rara
no cinema atualmente. Quando me lembrro de ‘Tudo
sobre minha mãe’, daquela mãe solteira que perde
o filho e vai em busca do pai, ainda me arrepia! Um
clássico! Outro maravilhoso é ‘Volver’, que trata de
três gerações de mulheres de fibra. Penélope Cruz
está um arraso não se esquecendo que Carmem
de atores. dóvar estão sempre prontas para encarnar tipos
Maura é a verdadeira estrela como atriz me fazendo
Com a sua criatividade inesgotável, e nada convencionais, mas, ao mesmo tempo, hu- lembrar Bette Davis. Outro divino é ‘Mulheres à beira
produzindo um filme após o outro, com curtos
intervalos entre eles, Almodóvar ainda tem mui-
manos e cheios de vida. A forte carga passional
e a dramaticidade à flor da pele, sejam para nos
de um ataque de nervos’, uma atriz que estava
tas histórias para contar. Histórias em que sem- fazer rir ou chorar, são elementos comuns a to- em crise invadida e sufocada pela própria família.
pre haverá espaço para a revelação de novas mu- das. Elas podem ser mães, filhas, loucas, caretas,
sas, jovens atrizes ainda em formação, das quais esposas, amantes, freiras ou perdidas. Não im- Destaque para Carmem Maura e Antônio Banderas.
falaremos mais tarde com o mesmo respeito e
carinho que temos pelas que iniciaram suas car-
porta o que sejam, nem o comportamento que
demonstrem, elas sempre serão amadas e jamais
Mas Carmem Maura é a primeira grande atriz de
reiras com o diretor, numa época em que nem esquecidas. Almodóvar. Aliás, Banderas e Almodóvar produziram
imaginavam o quanto viriam a ser famosas, inter-
pretando intuitivamente, em filmes de baixíssimo
uma dupla absolutamente genial e graças à Deus
orçamento, com a cara, o corpo e a coragem.
André Sturm é Coordenador da Unidade de Fomento
e Difusão de Produção Cultural da Secretaria de Esta-
estão retornando.”
Como elas poderiam sonhar que “Pepi, Luci,
Bom e outras garotas de montão”, “Labirinto de
do da Cultura – SP, fundador da distribuidora Pandora
Filmes, cineasta e produtor. Dirigiu os curtas-metragens Rogéria
paixões”, “Maus hábitos” e “A lei do desejo” se Arrepio, Nem Tudo que é Sonho Desmancha no Ar,
Domingo no Campo e Quem Você Mais Deseja (em
tornariam cult movies décadas mais tarde? parceria com Silvia Rocha Campos), e os longas Sonhos
Desde o início, as mulheres de Almo- Tropicais e Bodas de Papel.

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Almodóvar & Banderas
por Rodrigo Fonseca

Talvez pela intimidade que adquiriu Jonquet e de sua habitável “pele” cinematográfica,
com o Gato de Botas, personagem que dubla na a epidérmica confluência entre Banderas e Almo-
franquia “Shrek”, José Antonio Domínguez Ban- dóvar. Era um intérprete desesperado para es-
deras aprendeu que atores também podem ter capar das tipificações redutoras hollywoodianas
sete vidas. Pelo menos, os bons atores. E a se- à frente de um realizador à caça de um homem
gunda vida esteticamente digna começou a ser viril, capaz de encarnar os pecados da macheza
ensaiada durante o 64° Festival de Cannes, reali- hispânica. Poderia ser como antigamente, mas
zado de 11 a 22 de maio, onde o galã andaluz de não foi, pois Banderas regressou ao abraço de
Málaga reatou o matrimônio mais bem-sucedido seu primeiro grande realizador carregando con-
de sua carreira: o casamento profissional com sigo uma bagagem invejável (embora pouco reco-
Pedro Almodóvar. Lado a lado, eles defenderam nhecida) com mestres da direção.
“La piel que habito”, versão livre do cineasta para Ao afastar-se de Almodóvar, Banderas
“Mygale”, do escritor Thierry Jonquet, no qual passou por Bille August (“A casa dos espíritos”),
o ator trafegou nas franjas do filme de gênero Jonathan Demme (“Filadélfia”), Robert Rodriguez Fora da Espanha, Banderas arriscou- “Ata-me”. Quanto mais longe de Banderas, mais
(incluindo o horror) na pele de um cirurgião (“A balada do pistoleiro”), Neil Jordan (“Entre- se na direção com “Loucos no Alabama” (1999), feminino ficou o cinema de Almodóvar. Mais
plástico cheio das excentricidades – algumas fa- vista com o vampiro”), Richard Donner (“As- casou-se (e segue com ela até hoje) com Melanie próximo da maternidade. Mas ainda está em
tais. Era a primeira vez desde “Ata-me” (1991) sassinos”), Alan Parker (“Evita”), Brian De Palma Griffith, lançou marca de perfume e se estabele- tempo de a testosterona redesenhar o funciona-
que os dois trabalhavam juntos, encerrando um (“Femme fatale”) e Woody Allen (“Você vai co- ceu como latin lover. Só não conseguiu brilhar lismo do microcosmos de Almodóvar, conduzin-
hiato de duas décadas que deixou no pretérito nhecer o homem de seus sonhos”). Nesse péri- como um exemplo de ator de radicalismo em do a fronteiras entre o amor e o ódio capazes de
(perfeito) uma dobradinha de muso e maestro plo, foi acumulando milhagem, oferecendo a seus sua inteligência cênica, ao contrário do que se levar sua filmografia ao apogeu, arrastando Ban-
consagrada no decorrer de cinco longas, roda- parceiros cineastas a habilidade de pôr à prova dava com ele em sua terra natal. Daí ter de usar deras pela mão, feito um garotinho. Garotinho
dos e lançados entre 1981 e 1991. Ponha na lista as certezas indefectíveis do homem em sua con- a segunda de suas sete vidas agora, aos 50 anos, obediente.
pérolas como “Mulheres à beira de um ataque dição de herói ou mesmo de vilão. Fragilidades voltando a compactar com o único diretor capaz
de nervos” (1988) e “A lei do desejo” (1987), ca- brotam das figuras arquitetadas por Banderas a de testar sua ingenuidade para levá-lo à maturi-
pazes de atomizar o arquétipo do macho latino- partir da argamassa sensível que adquiriu com dade como artista. Rodrigo Fonseca é jornalista e produtor editorial, tra-
americano ao qual Banderas foi enquadrado após Almodóvar. Basta lembrar de seu papel em “A Na distância, Almodóvar chegou a balhando desde 2005 como repórter e critico de cine-
ma do jornal O GLOBO. Com passagens pelo Jornal
sua importação por Hollywood, escudado por lei do desejo” para entender sua mecânica. Ali, ensaiar alguns substitutos, vide Liberto Rabal e
do Brasil e pelos periódicos SET e Revista de Cinema,
Armand Assant em “Os reis do mambo” (1992), Banderas era o garotão apaixonado por um dire- Javier Bardem em “Carne trêmula” (1997) e Gael é professor da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu.
cantarolando “Beautiful Maria of my soul” por um tor (Eusebio Poncela) capaz de interromper uma Garcia Bernal em “Má educação” (2004). Mas Publicou os livros “Meu compadre cinema – Sonhos,
com nenhum deles aconteceu a mesma alquimia saudades e sucessos de Nelson Pereira dos Santos” e
amor perdido, desgraçando a esposa Maruschka trepada há tempos sonhada para perguntar, com
“Cinco mais cinco – Os melhores filmes brasileiro em
Detmers. ares de criança: “Desculpa, mas você não tem experimental capaz de reinventar um sujeito com bilheteria e crítica”, em parceria com Carlos Diegues e
Veio pelas veredas da estranheza de nenhuma doença, não, né?”. físico de garanhão num menino como se deu de Luiz Carlos Merten.

34 35
Universo de Almodóvar de
elementos diversos
por Carlos Tufvesson

Quando o assunto é diversidade, as reira de Almodóvar, ele trata do voyeurismo e até


belas obras cinematográficas de Pedro Almo- pinta o feminismo com certa crítica desenvolvida
dóvar são verdadeiros pontos de referência. O de forma astuta. Kika, magistralmente interpre-
tema é constante em seus filmes assim como o tada por Verónica Forqué, é casada com Ramón,
colorido de suas histórias. um fotógrafo. Porém, ela e Nicholas, padrasto de
Foi numa Espanha parada no tempo, Ramón, têm um caso bastante quente. Numa tra-
estática pelo isolamento de um regime que alcan- ma com as cores mais berrantes do cineasta, Kika
çava o ápice do Franquismo (regime político apli- começa a ser perseguida por Juana, sua empre-
cado entre 1939 e 1976, durante a ditadura do gada lésbica, e Andrea Caracortada, ex-namorada
general Francisco Franco), que um jovem cineasta de Ramón e apresentadora de um reality show.
veio do pueblo querendo ser diverso daquilo que A marcante cena do estupro de Kika
o seu futuro reservara para si. Acomodou-se no por Paul Bazzo, um ator pornô irmão Juana é o ora exagerada, ora comedida, sua forma de recla- sociedade, personagens aparentemente estereo-
centro velho da capital, e à noite não conseguia clímax do filme. Para ela, a situação não é agres- mar é original, foge do lugar comum e recorre na tipados, mas complexos, e relações tão comple-
ficar em casa vendo os madrileños moverem- siva e ela não dá a devida importância à violência originalidade e nos elementos de reflexão. xas quanto, afinal, essa é dignamente uma típica
se pelo bairro decadente de Chueca. Havia um que sofre. E sem prazer. Nenhum prazer. Crossdressers, travestis e transexuais película do genial Almodóvar.
charme que despertou em Pedro Almodóvar Sua narrativa leva assinatura própria e são frequentes nos filmes do espanhol.Tino (Car- Foi em Almodóvar que vimos a sexu-
uma inovação. Uma movida. segue um caminho só dele: é não convencional, men Maura) opera-se e torna-se Tina para man- alidade ser verticalizada, desnivelada, explorada
E foi de La Movida que saíram as mais vai contra a linearidade, e bebe na fonte de ele- ter um caso incestuoso com o pai em “A Lei do e exposta. Aproximamo-nos do similar e daqui-
icônicas figuras da cultura pop do final do new mentos bizarros e surreais, personagens esquisi- Desejo”. Em “Tudo sobre minha mãe”, Manuela, lo que considerávamos sempre tão distante.
wave dos anos 80. Comportamentos e tendên- tos e originais. interpretada por Cecilia Roth, vai atrás do pai de Transexuais, perversões, violência - todos tão
cias que seria fácil perceber em Nova Iorque, mas Juana surge aos nossos olhos como seu filho morto e encontra-o transformado em presentes quanto a mistura de cores que colo-
que afloravam o diverso ali no meio da Ibéria. uma mulher solitária que só tinha como família o Lola. No início, Almodóvar usa a figura do travesti riam todos os cenários, sempre. Farto para todos
Alaska deixou de ser um território americano e seu irmão criminoso. Ela é lésbica, e Almodóvar para chocar. Com o tempo, porém, ele explora os tipos de sentidos e sentimentos.
passou a ser alcunha da famosa cantora transexu- coloca fora de questão a possibilidade de ela ser sua característica de simulacro do real. Em um É por todo o prisma de personagens e
al espanhola. Rossy de Palma, a incrédula modelo, homossexual por causa de algum trauma deixado universo de mulheres fortes e homens boçais, os personalidades que vemos ali que não podemos
compôs a estética mais figurativa do exótico. A pelo incesto. Ele também já fora estuprada pelo travestis e transexuais dão a seus filmes a força pensar em palavra mais fiel ao cinema de Pedro
própria homossexualidade de Almodóvar explo- irmão. da ambiguidade. Almodóvar do que somente diverso.
diu através de suas lentes, que colocavam na tela Se for feita uma pesquisa em todas Em seus roteiros, a personagem gay,
as mais profundas problemáticas da boca do lixo as sinopses de Almodóvar, capta-se que em suas lésbica ou travesti tem conflitos reais, emoções
- e como não era uma cena à parte, e sim visceral películas o diretor madrileño transmite uma críti- a flor da pele e, quase sempre, tem sua trama no
Carlos Tufvesson é estilista e coordenador da CEDS –
de toda a sociedade. ca social fortíssima. Por outro lado, para não ficar tema central, como em “Tudo sobre minha mãe”. Coordenadora Especial da Diversidade Sexual da Pre-
Em “Kika”, filme característico da car- maçante e perder a essência de sua dramaturgia Enredos que se entrelaçam, crítica à feitura do Rio de Janeiro.

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A música nos filmes de
Almodóvar
por Guilherme Maia

Em artigo publicado na coletânea Be- cas orquestrais utilizadas anteriormente em ou- a Barcelona em “Tudo sobre minha mãe” (1999). ânimo que emergem da narrativa audiovisual, a
yond the soundtrack: representing music in cinema tros filmes e música instrumental original (em sua Uma visão geral da obra, no entanto, permite música impressiona pela beleza do traço drama-
(GOLDMARK et alli, 2007) Claudia Gorbman maioria composta por Alberto Iglesias), o diretor apostar que os mais fortes compromissos das turgicamente preciso e elegante, assim como
aponta alguns diretores, por ela chamados de mé- manchego reafirma, filme a filme, um compromis- canções são com um sentimentalismo hiperbóli- conserva marcas sutis de distinção que permitem
lomanes, que usam a música como um elemento so com uma arquitetura criativa da trilha sonora co, com a comicidade grotesca, com estratégias ao espectador inferir que ele não está ouvindo a
temático chave e como marca de estilo autoral. e com a originalidade. de impressão de marcas autorais e com o esta- música overscreen de um filme qualquer, mas sim
Para Gorbman, nomes como Spike Lee, Woody O que mais chama a atenção nos fil- belecimento de elos formais e narrativos impor- de un film de Pedro Almodóvar.
Allen, Alain Resnais, Sally Poter, Jim Jarmusch, mes de Almodóvar, acima de tudo, é o modo como tantes como os demais recursos dos filmes. As
Wim Wenders e Aki Kaurismäki seriam repre- ele utiliza as canções. O espectador de Almodó- escolhas de Almodóvar no domínio das canções
sentantes dessa tendência. Embora não apareça var recebe um pacote de canções dominado por são tão peculiares que instigam mesmo a fazer a
entre os eleitos por Gorbman, Almodóvar não músicas românticas latinas de um tempo passado, temerária afirmação de que nenhum outro dire-
só merece fazer parte desse time de mélomanes, cantadas por mulheres que, com interpretação tor usa a canção popular da forma como Almo-
como pode ser considerado um dos melhores saturada de sentimentalidade, choram dores de dóvar o faz.
exemplos de diretores que usam a música como amor de folhetim. Uma perspectiva possível para Já a música pós-produção dos almo-
fios do tecido narrativo e como um modo de ins- a análise desse modo-de-fazer seria classificá-lo dramas (expressão utilizada pelo pesquisador
crever marcas de distinção nas obras. na chave da apropriação irônica do mau-gosto e Paul Julian Smith) pode não ter a mesma im-
Já em seu primeiro longa, “Pepi, Luci, dos clichês de um determinado imaginário sen- portância estrutural que as canções, nem a mes-
Bom y otras chicas del Montón” (1980), é pos- timental, atitude poética própria de um esque- ma potência no que diz respeito à inovação ou
sível flagrar um diretor empenhado em aplicar ma reativado por produções cinematográficas à tarefa de imprimir marcas de autoria. Não se
a música de modo engenhoso e bem-humorado recentes que Ismail Xavier (2003) chamou de pode negar, contudo, que a música overscreen do
quando ouvimos uma marcha andaluz que cos- melodrama pop. De fato, esta é uma ferramenta cinema de Almodóvar, encanta tanto na fase mais
tuma ser executada na Espanha nas celebrações importante da distorção que Almodóvar faz do patchwork e experimental dos primeiros filmes
da Semana Santa, enquanto vemos a personagem melodrama. Ao carregar nas tintas do sentimen- quanto mais tarde, quando estabelece vínculos
Bom, aceitando a sugestão de Pepi, fazer com talismo, Almodóvar adiciona uma graça irônica à com um padrão mais clássico. Na primeira fase,
Luci aquilo que no jargão dos fetiches sexuais é nossa compaixão pelo sofrimento dos persona- intriga o espectador com efeitos inusitados e sur-
conhecido como “ducha dourada”. Ao longo de gens e interdita o pacto melodramático pleno. Há preendentes, muito embora, ao mesmo tempo,
toda a sua filmografia, misturando rock, Béla Bar- importantes exceções, é claro. “Por toda a minha provoque uma sensação de desequilíbrio e hesi-
tók, boleros, dance, rancheras, Stravinsky, mam- vida” e “Cucurrucucu Paloma” em “Fale com ela” tação que sugere um jogo audiovisual mais com-
bo, Miles Davis, canções espanholas, mexicanas, (2002), por exemplo, são aplicadas como estraté- prometido com a transgressão punk do que com
Guilherme Maia é compositor, professor do curso de
italianas, argentinas, chilenas, cubanas, brasileiras, gia de inequívoca e honesta vocação lírica, assim algum modelo de “belo”. Já a partir de “A flor
Cinema e Audiovisual da UFRB e do Programa de
francesas e alemãs, zarzuelas, funk, Shostakovich, como a canção Tajabone leva cem por cento a sé- do meu segredo” (1995), quando passa a ope- Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contem-
canções e músicas instrumentais flamencas, músi- rio a produção da beleza na chegada de Manuela rar mais sinceramente aderida às disposições de porâneas da UFBA

38 39
Patty Diphusa
O alter-ego de Almodóvar
durante os anos 80
por Mayra Dias Gomes

“O mais difícil para uma pessoa como que aconteciam no mesmo circuito em Nova
EU, que tem tantas coisas para dizer, é começar”, York. Mas apesar dos amigos de Pedro o chama-
começa Patty Diphusa, personagem criada por rem de “Andy Warhol espanhol”, Andy nunca se
Pedro Almodóvar durante o esmaecimento dos lembrava de Pedro, e Pedro não sabia falar inglês.
anos 80. “Me chamo PATTY DIPHUSA e sou Para ele, porém, Patty era prima-irmã da legião
desse tipo de mulher que protagoniza a época de garotas descoladas que povoavam os filmes de
em que vive. Minha profissão? Sex symbol inter- Warhol. Ele queria explicar, mas não conseguiu.
nacional, ou estrela pornô internacional, como Patty era uma Factory Girl.
queiram chamar.” Quando encontrou o diretor da revis-
Patty Diphusa era uma personagem ta La Luna em uma festa, foi convidada para ser
ficcional. Criada por Almodóvar em Madri, du- colunista. “Por que você não escreve para nós?
rante os anos 80, e alimentada pela importante O mundo mudou muito nos últimos dias. Nin-
revista underground La Luna, que passou a guém achará estranho que uma rainha do pornô
publicar suas colunas como se fossem da auto- exponha seus pontos de vista numa publicação
ria de uma verdadeira atriz pornô. Narcisista, mensal.” Patty naturalmente aceitou. “EU, como anos 90 relembrando a juventude. Suas memóri- sismo e sua obsessão por narrar cada passo que
destemida, sensual e hilária, Patty ganhou voz e quase todas as mulheres da minha condição, ape- as são contadas com orgulho, mas cansam da dá, sua frivolidade e sua vaidade, suas frustrações
fãs. E fez com que seu criador questionasse se ela sar de nunca ter escrito uma única linha, sempre frivolidade e procuram sentido. “Nas festas, ulti- e sua impulsividade... Patty é o reflexo que vejo
era realmente uma fantasia pop, ou se era vida me senti escritora.” mamente a única coisa que acontece são as fo- no espelho quando escrevo em primeira pes-
real. Ela podia escolher qualquer tópico que tos e para mim isso não basta, sinto muito. Ou soa com a cabeça erguida. É a foto que deleto
“Não posso deixar de me perguntar desejasse para sua coluna, e escolheu o tópico de seja, fujo de festas. E fujo das pessoas que falam da máquina fotográfica quando chego em casa de
em que categoria estará incluído: na de ficção ou qual mais entendia. “O diretor dessa revista me de festas, que desenham festas em suas histórias uma festa lotada de gente ridícula.
de não-ficção?”, questionou Almodóvar no pró- pediu: escreva sobre qualquer coisa da atualidade. em quadrinhos ou que tiram fotos nas festas e Um livro leve e impressionante. Per-
logo do livro1 que publicou a trajetória de Patty E EU pensei: a atualidade é a capacidade de atuar. as publicam como se isso importasse a alguém.” feito para quem quer conhecer a visão do mundo
Diphusa. “Não serei eu a classificá-lo, pois para E EU tenho uma boa dose desta capacidade. EU Naturalmente, para Patty, crescer foi doloroso. que Almodóvar tinha quando badalava por Madri
mim Patty Diphusa participa de dois gêneros.Ago- sou a atualidade. O que estou querendo dizer é Para Almodóvar, significou tornar-se o diretor nos anos 80, antes de tornar-se diretor.
ra que o tempo passou e que nos acomodamos que me convenci imediatamente que o melhor e espanhol mais conhecido do mundo - aquele que
em outra década, Patty se tornou, ao menos para mais interessante era EU MESMA. E achei uma você já conhece.
Mayra Dias Gomes é escritora, colunista, repórter e
mim, muito representativa da década de 1980.”  ótima idéia porque considero um tema não só Eu concordo com Patty. Ela é mesmo a modelo. Lançou seu primeiro romance “Fugalaça” aos
Almodóvar conheceu Andy Warhol atual, mas também original, pois até agora nin- atualidade. E sua história, apesar de se passar há 19 anos, e seu segundo, “Mil e Uma Noites de Silên-
em uma das festas que foram organizadas para guém teve a idéia de falar sobre MIM.” tantos anos, é claramente atemporal. Seu narci- cio”, aos 21. É colunista da MyMag e da Folha de São
Paulo, e repórter da Contigo!. Já colaborou com veículos
ele naquela época, em Madri. Festas regadas Patty era tão absorvida em si mesma 1. “Patty Diphusa” foi publicado no Brasil como Acid Girls, SPIN Earth, MTV, Teen Vogue, Rede TV,
drogas e sexo que, em essência, eram iguais às quanto os anos 70, e tão nostálgica quantos os pela editora Azougue. Viagem e Turismo e Sexy.

40 41
“Através do impacto e da dimensão que o cinema de
Almodóvar representa, nós, ibéricos, podemos ser vistos
no esplendor da nossa audácia existencial, da nossa
loucura criativa e do nosso rigor estético. A alegria e a
dor de sermos o que somos.”
Fernanda Montenegro

“Almodóvar nos faz rir e chorar, tudo ao mesmo


tempo. Ele é um cineasta completo, sua obra é
profundamente latina, ela transborda sensualidade
e humanidade, portanto dialoga diretamente com a
nossa brasilidade.”
Dira Paes
Segunda Parte
O cinema do desejo
O cinema do desejo
Por Luiz Carlos Lacerda, Bigode

Em 1975 morre o Generalíssimo Fran- das elas, também se caracterizam pela repressão a o cinema de Pedro direciona seus refletores, ti- e libertária contamina a narrativa cinematográ-
co, depois de uma guerra civil que matou cerca toda sexualidade fora dos padrões convencionais. rando-os da sombra e, através deles, revelando e fica, experimentando-se cada vez mais. “Má edu-
de um milhão de pessoas (1936/1939), entre eles, De Hitler a Mussolini, de Stalin a Fidel Castro. discutindo as questões da sexualidade e do afeto cação” cruza a história central com uma outra
o poeta Federico Garcia Lorca e de 40 anos de Não é à toa que a produtora que Pe- sob um novo ponto de vista. dentro dela, ao ponto de confundir-se a ficção
uma ditadura fascista que levou ao exílio Picasso, dro funda com seu irmão Augustín é El Deseo A explícita homossexualidade mas- que o filme conta com o filme que se está fil-
Luis Buñuel e a maioria dos grandes artistas es- Filmes, onde realiza sua primeira película exibida culina e feminina de muitos de seus personagens, mando.
panhóis do século XX. comercialmente: “Pepi, Lucy, Bom e outras garo- o voyerismo – agora sobre o nu frontal mascu- Já não há mais um limite entre o “real”
Nos anos que se seguiram, com o fim tas de montão”, de 1980, seguida de “Maus hábi- lino e não mais a visão falocrata e heterossexual e o ficcional, como no poema “Formas alterna-
do autoritarismo, influenciados pelas manifes- tos”, “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, que reduz a mulher ao exclusivo objeto de seu das”, de Murilo Mendes: “Não sei onde a mãe
tações libertárias de maio de 68, em Paris, e da “Labirinto de paixões”, “A lei do desejo”, “Mata- desejo –, freiras lésbicas e drogadas que criam acaba/e onde a filha começa”. Esse mesmo ar-
cultura pop fervilhando na The Factory, de Andy dor” até os dias de hoje. tigres nos conventos – homenagem inconsciente tifício foi usado por Buñuel em “Ensaio de um
Warhol, em Nova Iorque, artistas plásticos, poe- De que tratam seus filmes senão ao dissidente cubano Cabrera Infante, autor de crime” (1955), de sua fase mexicana. Esse filme de
tas, gente de teatro alternativo e jovens cineastas desen(volver) os conceitos estéticos da Movida, “Três tristes tigres”? –, garotos de programa apai- Almodóvar é o primeiro a tratar da pedofilia na
promoveram o que se convencionou chamar de marcados por seu gosto “guajiro” (interiorano), xonados por senhores de paletó e gravata e pais igreja católica no cinema da atualidade – em mais
Movida Madrilenha, cujo auge rolou entre 78 e 81, primo pobre da cultura kitsch cultuada pela tur- de família, travecos montados igualmente pais de uma demonstração de que sua investigação sobre
espalhando-se por outras províncias de Espanha, ma da Factory, pela música popular considerada filhos homens e mulheres livres, donas de seus o desejo “não tem limites, nem nunca terá”!
e de onde também despontaram – cada qual à cafona pela intelectualidade internacional, foto- narizes. Pedro Almodóvar conquistou o mun-
sua maneira – os cineastas Bigas Luna, Fernando novelas vulgares e HQs pornográficas e filmes Não é por acaso que Rossy de Palma, do com seu cinema. Recebido pela crítica no
Trueba e Carlos Saura. como os de Sarita Montiel, melodramas estimu- uma delas, consubstancia essa expressão com inicio com desdém e preconceito, autodidata que
Saído do interior do país – La Mancha/ lados pela forte presença da Censura autoritária suas ventas que nos remetem a muitos retratos confessa ter tido dificuldades para compreender
Calzada de Calatrava – de uma família do prole- que obrigou Buñuel a um exílio voluntário no Mé- de mulheres pintadas por Picasso. Sem trocadilho, a técnica – decupagem, eixo de câmera, con-
tariado rural, à procura de liberdade, Pedro Almo- xico e depois na França, sendo ele também uma as mulheres de seus filmes são, quase todas, mu- tinuidade e o uso das lentes –, povoou o cinema
dóvar, um jovem de 18 anos, inculto, abandona o forte influência sobre a jovem produção cine- lheres de Picasso. contemporâneo com esses personagens da tribo
emprego na Cia. Telefônica e realiza na capital do matográfica espanhola. Em contraponto com essas mulheres, de Lautreamont, Álvaro Retama, Tolouse Lau-
país seus primeiros filmes experimentais em Su- Mas o mais marcante nos seus filmes, ao mesmo tempo fálicas e amorosas, capazes de trec, Lezama Lima, Sade, Jean Genet, Pedro Juan
per8, no contexto que se constituiria essa revo- além de uma fotografia, de uma direção de arte, chorar ou de matar por amor (Carmem Maura; Gutierrez, Hoper e o povo simples e ainda mar-
lução cultural. Desde esses seus experimentos, a de figurinos e de diálogos inspirados nesse mix Marisa Paredes; Ângela Molina), há a fragilidade ginalizado das calçadas do mundo que, involun-
questão da liberdade de expressão e, principal- de cultura pop, vanguardismo e “mau gosto” dos belos homens (Antonio Banderas; Liberto tariamente, através de seus filmes, constroem um
mente, do desejo, já são a marca predominante anárquico – numa Espanha coberta de vestes Rabal) que também amam, choram, ou – inca- novo tempo para a Humanidade. Um tempo no
de sua linguagem anárquica e inquieta. negras e casacos cinzentos, sintomaticamente o pazes de por à prova a realização de seus de- qual todos os desejos caberão no mesmo espaço.
Diga-se, de passagem, que Freud di- mesmo figurino/uniforme usado nas ditaduras do sejos – sequestram a mulher amada num filme
agnosticara ser a neurose humana determinada bloco socialista – é a inclusão dos personagens que, contraditoriamente, fala de delicadeza e de
pela repressão do desejo sexual e a contenção de outsiders, dos michês, dos travestis, dos transe- sadomasoquismo (“Ata-me!”).
suas várias formas de expressão. As ditaduras, to- xuais, dos cafetões e das putas – sobre os quais Essa maneira absolutamente pessoal Luiz Carlos Lacerda é cineasta.

46 47
“Almodóvar, artista maior
Almodóvar é artista maior.Viaja pelos mitos ora
encaixados na contemporaneidade e funde admiravel-
mente a voracidade da carne com as culpas herda-
das. Enlaça o arcaico, o mundo rural, com a geografia
desordenada dos sentimentos urbanos. Domina, como
poucos, o caos dos nossos dias. É o verdugo da
moralidade das sociedades risonhas.”
Nélida Piñon
Pepi, Luci, Bom e outras
garotas de montão

Pepi é uma moça moderna, criativa e


amoral que vive perto da casa de Luci. Luci está
casada com um policial. É uma típica dona de
casa, quarentona, abnegada e submissa. Sob esta
aparência insignificante Luci esconde mais de um
segredo. Bom canta com um grupo pop:“El Bomi-
toni”. É violenta, perversa e muito jovem. Um
acontecimento inesperado (o policial estupra
Pepi em troca de esquecer do cultivo de maco-
nha que ela tem em sua varanda), muda o destino
das três mulheres e do policial. Uma comédia
ácida, cheia de surpresas, que se desenvolve no
seio de uma Madri atual e turbulenta.

53
Dos labirintos do proibido às
avenidas do trânsito comum a legenda) – até o final, com a visita que Pepi e a todas as liberdades e inquietações. É então que
por Bernadette Lyra Bom fazem ao hospital em que a masoquista Luci Almodóvar se aproveita do instante em que os
se refaz (e se compraz) dos ataques de violência labirintos secretos do proibido passam a ser as
de seu marido estuprador, passando pelas loucas avenidas expostas do trânsito comum para mate-
aventuras da trupe de amigos entre ruas do bair- rializar a mais perfeita tradução de Madri, exibin-
ro, becos escuros, concursos de ereção, concer- do-a como o lugar onde algumas estranhas cria-
tos de rock, propaganda de produtos absurdos, turas – tais quais Pepi, Luci, Bom, garotas, garotos
figuras bizarras, surras equivocadas, festas malu- e demais – se amontoam nas margens de rios que

“Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón” estratégia para desestabilizar as comodidades ha-
(1979-80) marca a chegada de Pedro Almodóvar bituais?
ao universo cinematográfico em luxuoso estilo. Não é a toa que, em “Pepi, Luci,
Cravejado de provocações narrativas, espinhado Bom...”, a sexualidade, tradicionalmente cuidada
de agudas ironias, ungido de licenças formais, o com luvas de pelica e, muitas vezes, alçada à con-
filme causa espanto e, imediatamente, provoca a dição de tabu no terreno das representações,
aderência de milhares de espectadores, surpresos extravasa pelo espaço fílmico e se torna a prin-
com a informalidade, com a contundência e com cipal recorrência. Desse modo, a sexualidade em
a displicência do cinema sem lei do realizador. A todos os seus matizes é como um leit motiv que
não ser aquela lei do desejo com que ele próprio transborda da narrativa e se vai auto-encenando,
nomeia a sua produtora, depois. a cada vez em um diversificado diapasão, obser-
“Pepi, Luci, Bom...” é um filme de vi- vando, porém, sempre o mesmo ritual, sempre a
rada. Aparece no instante certo, com aguda e mesma intenção para promover, com astúcia sub-
rara percepção de oportunidade. Surge em um reptícia, o envolvimento dos espectadores. Assim
tempo em que o cinema espanhol está no limiar é que nenhum estranhamento é permitido, ne-
do esgotamento de uma tradição, já beirando a nhum preconceito fica de pé, nenhuma diferença
acomodação e a mesmice. Trata-se de um regis- é obliterada nessa história demolidora em que se
tro ficcional, quase que a performance de um cruzam o sexo, a libido e as paixões de homens
documento idealizado, sobre as andanças e mu- e mulheres heterossexuais, travestis e homosse-
danças promovidas por certos grupos de jovens xuais, tratados da mesma maneira e igualados di-
comprometidos com uma cena artística, cada vez ante das dores e dos amores.
mais pop em sua emergência escandalizante aos Por sua vez, tanto as personagens mas-
olhos de segmentos conservadores da sociedade. culinas quanto as femininas são figuras que per-
Desde a primeira sequência, quando a câmera meiam as instâncias de uma transição histórica cas, além da inusitada inserção de um bolero em escorrem pelos subterrâneos urbanos e que, na
age como substituta do olho de um policial e em que campeavam o inconformismo e a agi- meio à modernidade musical de um grupo, todo luz escura das águas, refletem a perversidade, a
resvala pelas fachadas urbanas em busca do que tação, enquanto as gerações se cruzavam, os cos- o filme é um retrato do mix existencial daquele doçura e a subversão.
capturar, acabando por encontrar o jardinzinho tumes se entrelaçavam e os hábitos passavam por momento. Bernadette Lyra é Doutora em Cinema pela ECA/USP,
de marijuana na janela de Pepi, os espectadores mutações. De fato, desde o início, com o estupro Diante das mudanças, não apenas da com pós-doutorado na Sorbonne. Atualmente é Con-
Espanha, mas também de um planeta em ebu- selheira Científica da Sociedade Brasileira de Estudos de
têm a certeza de que nada nesse filme será con- perpetrado pelo policial – fato que frustra a de-
Cinema (Socine), professora do Mestrado em Comuni-
vencional. Que outra coisa seria aquela tentativa cisão de Pepi de vender sua virgindade por ses- lição, Madri se torna um locus amoenus às avessas,
cação da Universidade Anhembi Morumbi/SP, curadora
de subverter a combinação de som, imagem e senta mil pesetas e, por esse mesmo motivo, a um inferno de delícias secretas, uma cidade de das Mostras Itaú Cultural de Cinema de Bordas. É colu-
movimento, senão uma perversa e bem sucedida deixa sedienta de venganza (conforme esclarece veias abertas a todas as experiências e vivências, nista do jornal A Gazeta, Vitória, ES.

54 55
Labirinto de paixões

“Labirinto de paixões” narra várias


histórias de amor. A maioria com um final feliz e
as outras com um final infeliz, mas aberto a es-
perança. O casal protagonista, ao redor do qual
gira a história e que provoca intensas paixões de
todos os tipos, é formado por Sexília (uma jovem
ninfomaníaca, membro de um violento grupo
musical feminino “As ex” e filha de um brilhante
ginecologista) e Riza Niro, o herdeiro de um der-
rotado imperador árabe, mas interessado pela
cosmética e pelos homens do que pela política
internacional. Como pano de fundo, Madri é a ci-
dade mais evoluída do ocidente, a mais selvagem,
a mais divertida. Há música, violência verbal,
perseguições, obesidade que não se envergonha
de si mesma, remédios para quem tem lábios se-
cos e unhas fracas, futuros cheios de incertezas
e passados cujo impacto é indelével. E acima de
tudo ele, o AMOR e suas dificuldades.

59
Uma sátira depravada aos
costumes exacerbado. Uma promiscuidade festiva que an-
tecedeu ao advento da AIDS.
Percebe-se em Laberinto de pasiones
(título original) um diamante bruto que anos de-
por Mario Abbade
Orgias, incesto e drogas movimentam pois seria burilado em “Mulheres à beira de um
a trama, desmistificando diversos tabus. Almodó- ataque de nervos”, seu primeiro sucesso inter-
var trabalha esses elementos com muita sátira. nacional.
Nem ele escapa da brincadeira, ao surgir em uma
cena vestido com meia arrastão, mini-saia, jaqueta
de couro, brincos e maquiagem pesada, da mesma
forma que os travestis performáticos.
Concebido em 1982, “Labirinto de Tudo registrado por meio de desconfortáveis
paixões” é o terceiro longa-metragem do premi- close-ups da câmera de Almodóvar. Essa dissimu-
ado diretor Pedro Almodóvar. O filme já possuía lação cênica só será descoberta ao longo da pro-
diversas assinaturas visuais (figurinos e cenários jeção.
com cores exuberantes, entre outras) que tor- Esse início incomum é o ponto de par-
nariam Almodóvar, um dos cineastas mais fa- tida na construção de um melodrama divertido
mosos da Espanha. que gira em torno da estrela da música punk Sexi-
O proposital mau gosto das estéticas lia, filha ninfomaníaca de um frígido ginecologista
kitsch (vulgarização da arte e deturpação do tradi- (Fernando Vivanco), famoso por técnicas de in-
cional) e camp (postura afetada, teatral e afemi- seminação artificial. Em paralelo, Riza Niro, filho
nada) surgem em todo seu esplendor, chegando a do imperador de Tirã, se exilou na Espanha para
dar uma aura trash à película. Essas características levar uma vida de libertinagem. Sua madrasta, a
artísticas em prol do dramático, do erótico e do ex-imperatriz, está tratando sua infertilidade com
sentimental. Notam-se influências do cinema re- o pai de Sexilia. Em Madrid, Riza conhece Sadec
alizado por Andy Warhol (pop art), John Waters (Antonio Banderas, em ótima participação), um
(sexualidade) e William Klein (ridiculariedade dos terrorista islâmico gay. Ao mesmo tempo, Queti
padrões). (Marta Fernández Muro), que é regularmente
Temas como a família e seus desejos sodomizada por seu pai, conhece Sexilia e resolve
mais obscuros pululam na tela em ritmo avas- ajudar a punker a encarar seu novo estilo de vida.
salador. O humor, propositalmente extraído de A narrativa avança através de várias
situações exageradas e caricatas, demonstra sua subtramas com diferentes personagens, dando
aptidão de ultrapassar os limites sem causar a impressão de não estarem alinhavados em um
ofensa no público. mesmo roteiro. O próprio título é uma alusão
Já na primeira sequência, Almodóvar a esse conceito. Esse formato é uma espécie de
concede uma ligeira pista que a trama pouco metáfora da situação social que a Espanha se en-
convencional é uma disfarçada história de amor. contrava na época, logo após o final da ditadura
Os protagonistas Sexilia (Cecília Roth) e Riza de Francisco Franco. O povo necessitava exor-
(Imanol Arias) passeiam por uma feira de varie- cizar o autoritarismo com muito sexo descom- Mario Abbade é editor do site Almanaque Virtual (par-
dades a procura de algo. Em um primeiro mo- promissado. ceiro do portal UOL no Rio de Janeiro), membro da
equipe de críticos de cinema do Jornal O Globo e co-
mento, parece que a busca da dupla é sexual, pela O comportamento sugestivamente laborador do Jornal Correio Braziliense, além de exercer
forma que ambos olham fixamente para os jeans depravado simboliza a extrema necessidade de as funções de curador de mostras e ministrar o curso de
apertados dos homens que caminham ao redor. liberdade depois de décadas de autoritarismo extensão sobre a crítica cinematográfica.

60 61
Maus hábitos

Yolanda Bell, uma jovem cantora de


boleros, viciada em drogas, imprudente e ambi-
gua, vê morrer seu namorado Jorge, de uma over-
dose de heroína com estricnina que ela mesma
lhe aplicou. Mantinham uma relação de mútua
aniquilação e de forte dependência. Assustada,
decide desaparecer. Refugia-se no convento das
Redentoras Humilhadas, cuja Madre Superiora
declara sua admiração por Yolanda numa noite
em que foi vê-la cantar no Molino Rojo.
As Redentoras Humilhadas dedicam-
se há anos ao apostolado entre jovens de vida
desregrada. Nos últimos tempos, a comunidade
vive momentos de crise, não conseguem redimir
nenhuma jovem. Yolanda, no entanto, é muito
bem acolhida. Especialmente pela Madre Superio-
ra, uma mistura de São João Bosco e Jean Genet,
cuja fascinação pelo mal faz com que seja com-
panheira e cúmplice de todas as pecadoras que
passaram pelo convento.
Yolanda se deixa envolver pela Su-
periora. Repete com ela o mesmo jogo de au-
todestruição que mantinha com Jorge, jogo em
que a heroína não está ausente…
Os membros da comunidade, cinco
freiras e um capelão, perdidos no deserto do
grande convento, seguem evoluindo sem per-
ceber a estranha autonomia que terão que de-
fender diante da ordem estabelecida pela Madre
Geral, máxima autoridade da Congregação.
Uma festa em homenagem à Superi-
ora, para qual são convidadas freiras de outras
comunidades, acabará convertendo-se em uma
autêntica batalha.

65
Transparecer sob as trevas
por Carlos Eduardo Pereira

Em um plano geral aberto, com uma morre de overdose de heroína com estricnina.
câmera rodando em velocidade reduzida, o que A ordem religiosa abriga assassinas, prostitutas,
confere certo frenesi ao trânsito, vemos a cidade. drogadas, e não é nada convencional.
Apesar de ser um exterior-dia, a urbe está en- Apesar do caráter iconoclasta do
coberta por um lusco-fusco celeste. A abóboda filme, certa absurdidade provocatória está devi-
em semipenumbra paira sobre todos indistin- damente ancorada na filosofia cristã, no que re-
tamente, acobertando os vícios, os desejos, os mete aos ideais de humildade e ao fato de Cristo o cineasta é um especialista do universo feminino, perigosos e ardilosos, apesar de dicotômicos. É
paradoxos pessoais, a vida urbana. Longe de ser ter morrido para salvar a humanidade. A partir somos também levados a pensar a humilhação para a África que vão as missionárias religiosas
uma luz apolínea, que ilumina um mundo organi- da segunda afirmação, a madre interpreta que como fazendo parte deste contexto, tendo em “levar cultura”, catequizar os “selvagens”. E tam-
zado e classificado, sem nuances, onde as coisas Cristo não morreu para salvar os santos, mas vista o papel da mulher nas relações de poder no bém é lá que elas são devoradas por canibais,
são o que aparentam ser, é uma penumbra que sim os pecadores, razão pela qual ela venera as patriarcado e no chauvinismo latino. copulam e podem parir um arremedo de Tarzan.
pressupõe o escuro. Oculto no manto da noite, pecadoras. Por trás de uma fachada de recato No entanto, uma parte desse mundo natural e
tudo pode ocorrer, e é isso o que o filme nos Sob a ótica hiperbólica do Almodovar, religioso e vida humilhada e abnegada, as freiras selvagem também habita o convento, na figura de
mostra. Com essa sequência, na qual vemos os os ideais cristãos de humildade se convertem em cometem toda sorte de atos humanos não muito um tigre. O felino, mimado como um filho é a
créditos iniciais, começa “Maus hábitos”, que humilhação. Lembremos das diferenças entre as nobres, bisbilhotice, disputas de ego, consumo representação dos desejos animalescos ainda não
originalmente se intitula “Entre tinieblas”. Tinieblas, palavras humildade e humilhação. A ordem re- de drogas, tentativas de extorsão etc., onde as satisfeitos das freiras.
em espanhol, significa treva, falta de luz, e tam- ligiosa se chama “Redentoras Humilhadas”, e não palavras de ordem parecem ser a desobediência De uma forma irônica, debochada,
bém, muito sintomático neste caso, as cerimônias humildes. Como humilhadas, ou seja, rebaixadas, e a transgressão. Outro assunto religioso a ser iconoclasta, colorida, cômica, surpreendente,
da Semana Santa feitas longe da claridade do dia. submetidas, vexadas, menosprezadas, as freiras desconstruído pelo diretor é o celibato. Apesar trazendo à tona o que se oculta na escuridão,
“Maus hábitos” é o quarto longa- recebem nomes aviltantes – Irmã Rata de Beco, de não haver cenas de sexo no filme, apenas uma Almodóvar realiza este, que é um dos melhores
metragem da carreira de Pedro Almodóvar e Irmã Víbora, Irmã Perdida, com efeitos cômicos insinuação, o convento é uma girândola de dese- de seus filmes. No plano final vemos duas freiras
traz temas característicos de sua obra, como o na obra. A humilhação também pode nos levar a jos eróticos.A madre se apaixona platonicamente abraçadas, emolduradas pela janela do convento,
universo feminino, o homossexualismo, a icono- outro conceito do cristianismo, o da penitência e pela cantora e o padre e outra freira se enamo- vistas por uma câmera do exterior, que nos faz
clastia, a vida urbana, elementos da cultura pop. da dor.A penitência que elas mais praticam é o je- ram. lembrar representações pictóricas da pintura es-
No filme, os personagens não fazem juz às suas jum, que no filme também se mistura à inapetên- Outro aspecto que deve ser obser- panhola.
personas sociais, são multifacetados e paradoxais, cia provocada pelo consumo de drogas. Com as vado no filme é uma espécie de dicotomia clás-
portanto extremamente humanos em seus sen- fortes tintas que o diretor gosta de se expressar sica entre natureza e cultura. O ambiente do
timentos e suas contradições. Uma cantora da e sua tendência proposital ao exagero, vemos as convento e das pecadoras constitui uma rica e Carlos Eduardo Pereira é pesquisador e programador da
noite, que também já foi professora de ciências gradações extremadas da humildade até a humi- particular cultura urbana, contudo existe outro Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Ja-
naturais (todos parecem ter uma vida dupla ou lhação, e desta para a soberba. Segundo a perso-​ neiro. É também compositor e pianista de filmes mudos.
espaço idílico e longínquo relacionado à natureza
É formado em cinema pela UFF, mestre em música pela
tripla), vai se refugiar no convento das “Reden- nagem da marquesa, nada é mais parecido com a desenfreada – a África, diversas vezes mencio- UFRJ e doutorando em comunicação pela Universidade
toras Humilhadas”, depois que seu namorado soberba, do que o excesso de humildade. Como nado na trama. Ambos os ambientes se mostram Federal Fluminense.

66 67
5 perguntas para
Julieta Serrano

Como foi seu primeiro en- Foi o filme que mais gostou
contro com Pedro Almodóvar? de trabalhar?
No ano de 1976 estávamos em uma Sim, eu gostei muito e o sucesso foi
mesma montagem teatral. Eu fazia um pequeno muito lisonjeiro, mas onde fui mais feliz foi em
papel. Fomos passear e nunca ri tanto: aí começou “Maus hábitos”.
nossa amizade.
Você já trabalhou muito em
Você trabalhou com muitos televisão. Fazer cinema e com Almo-
diretores de teatro e cinema. Qual o dóvar é diferente?
papel de Almodóvar em sua história? Sim. Ele traz uma visão aparentemente
Pedro me deu a oportunidade e as fora de órbita das coisas, mas acredito que seja
chaves para abordar o terreno do humor, porque, absolutamente real. É o que o faz ser tão original.
até então, eu era considerada um atriz dramática,
principalmente.

Para você, como se explica o


grande sucesso mundial de “Mulheres
à beira de um ataque de nervos”?
Acredito que o filme funciona com
precisão, está cheio de humor, mas também toca
o coração do espectador porque, fundamental-
mente, é um filme emocionante.

68
Que fiz eu para
merecer isto?
Gloria trabalha como diarista, não tem farmacêutica se recusa a dar as anfetaminas que
um minuto livre. Sua própria casa já lhe propor- a ajudam a ficar acordada e poder trabalhar 18
ciona ocupação suficiente para todo o dia. Os horas por dia e ela sofre uma forte crise de abs-
quarenta metros quadrados de sua residência, tinência.
divide com seu marido taxista, a sogra, dois filhos Quando chega em casa, o marido or-
bandidos e um lagarto. Não é uma mulher feliz. dena que passe uma camisa porque irá buscar
Como muitas empregadas de casas espanholas a alemã no aeroporto. Pela primeira vez, Gloria
não teve as mesmas oportunidades que Carolina se nega, o marido lhe dá uma bofetada e ela se
de Mônaco. defende com a primeira coisa que encontra: um
Entre seu marido e ela, além de um osso de presunto. Bate com tanta força em sua
abismo de comunicação, paira a sombra de uma cabeça que o mata. A policia nunca chegará a
alemã para quem o marido trabalhou como descobrir. Seus filhos e a avó acabam abandonan-
chofer em Berlim, quinze anos antes, e pela qual do-a para fazer sua vida. Ao fim, está sozinha.
continua apaixonado. Uma das poucas habilidades Pode se dizer que é uma mulher libe-
do taxista é falsificar qualquer letra com per- rada, mas nem isso a faz feliz. Não está acostu-
feição. A alemã sugere por telefone a posibilidade mada a ser livre e a janela de seu quinto andar
de falsificar as memorias de Hitler e avisa de sua parece verdadeiramente tentadora. Mas Gloria é
visita a Madri para discutir o assunto. uma mulher forte e também acabará vencendo a
Gloria não vive um bom momento: a atração do abismo.

73
Só dói quando eu rio
por Elianne Ivo Barroso

O título do filme resume a questão “Maria, Maria” de Milton Nascimento e Fernando


existencial da personagem Glória, interpretado Brandt, Glória “não vive, apenas aguenta”. Entre-
por Carmen Maura. Tudo aponta para uma vida tanto, diferente de Maria, não tem fé na vida. É
sem perspectiva. O trabalho mal remunerado absolutamente descrente.
como faxineira. O marido taxista é rude e vive A história provoca risos. Porém, jamais
atormentado pela lembrança de uma alemã para se ri da personagem principal. A atuação de Car-
quem trabalhou como chofer. Os filhos adoles- men Maura é alheia ao clima patético das cenas.
centes são rebeldes. O mais velho trafica heroína, Os gestos são contidos, o semblante revela pro-
o mais novo escolhe morar com um dentista funda tristeza. Eis o motivo do incômodo: é risí-
pedófilo. A sogra, viciada em doces e em água ga- vel, mas dói, como diriam os humoristas brasilei-
sosa, apresenta um perfil alienado à situação da ros. Por exemplo, após um misto de abstinência
casa. Neste cenário, apenas as vizinhas servem de de anfetamina e ciúmes da rival alemã, a mulher
álibi para aquela mulher. Juani, mãe da pequena briga e mata impiedosamente o marido com uma
Vanessa, e a prostituta Cristal. única tacada de jambón. Há comicidade na situ-
“O que fiz para merecer isto?” é nitida- ação, porém Glória não se deixa contaminar pelo
mente influenciado pelo neo-realismo italiano, humor. uma bota e a parede estampada e quadro pen- repetiam o mesmo roteiro, o mesmo cenário e,
seja na escolha do enredo de denúncia social, na A artificialidade representada pela durado reproduzindo uma falsa pintura. A sobre- quem sabe, os mesmos personagens. Foi prova-
palidez e crueza dos cenários e figurinos ou na estética kitsch é um traço permanente na obra posição destes vários elementos desconserta a velmente premonitória porque explica, em parte,
semelhança do papel de Carmen Maura com os de Almodóvar, em especial pelo uso das cores visão. os impactos da globalização sofridos no mundo
vividos por Anna Magnani e por Sophia Loren. primárias e o destaque para os objetos e figuri- As sequências externas, rodadas em e aponta problemas que já demonstravam o des-
Para Almodóvar, o neorealismo é nos. Porém, em “O que fiz para merecer isto?”, a planos gerais nas vias públicas que margeiam as contentamento e incerteza do futuro.
próximo do melodrama. Se neste último, a ênfase composição visual não promove ao olhar a alegria grandes construções de habitações populares O filme de Almodóvar, a sua maneira,
é no sentimento, no outro, o foco está na consci- dos outros filmes. Muitos planos causam certa da Espanha franquista, provocam outro tipo de é plenamente herdeiro daqueles valores neore-
entização social.Ambos trabalham com a emoção estranheza ao espectador. Propositalmente, há opressão e revelam aqui o diminuto da existência alistas do pós-guerra. Da mesma forma, que é
e a sensibilidade do espectador. Ao representar uma dissonância tanto na estamparia de tecidos e humana. parente distante de tantas outras obras contem-
o universo de Glória, o desafio do diretor foi superfícies assim como na presença de adornos. Trata-se de uma imagem rara nos porâneas que discutem o inchaço das periferias e
construir um filme neste interstício entre o Os enquadramentos e ângulos muito próximos anos 80. Rara porque, naquela época, o cinema os desdobramentos sociais dessas aglomerações
drama e o real, entre o cômico e a comiseração, reforçam a pequenez do espaço em que vivem insistia em mostrar uma Europa asséptica, eco- urbanas.
entre o claustrofóbico e o medo dos grandes es- os personagens. Em um determinado momento, nomicamente desenvolvida e socialmente justa.
paços urbanos. A tônica foi a ambivalência dos a sogra costura sentada no sofá coberto por um No entanto, assim como na periferia de Madrid
Elianne Ivo Barroso é professora adjunta e chefe de De-
sentidos. tecido listrado de azul e rosa, em frente a uma apresentada em “O que fiz para merecer isto?”, partamento de Cinema e Vídeo da Universidade Fede-
A exemplo do que nos diz a canção mesa de centro com flores artificiais dentro de as outras grandes cidades do velho continente ral Fluminense.

74
Matador
Diego Montes, toureiro prematura- que encontrou finalmente alguém que se parece
mente afastado depois que recebeu uma chifrada com ele. Durante esse tempo, a polícia tenta veri-
recebida na arena, dirige uma escola de tauro- ficar as auto-acusações de Ángel. Julia, a psiqui-
maquia. Angel, um de seus alunos, é um rapaz atra que se dedicou a estudar o caso, comunica
estranho que sofre de vertigens e com o autori- ao inspetor de polícia que Ángel entrou numa
tarismo de uma mãe fanática da Opus Dei. Uma fase de transe hipnótico. Sua hipersensibilidade
noite, para provar sua virilidade ao mestre, Ángel permite-lhe, de fato, ouvir e ver todos os homi-
tenta estuprar Eva, noiva do professor, que é tam- cídios que são cometidos na cidade. A tensão
bém sua vizinha. Ángel entrega-se à polícia para torna-se insuportável para Ángel, que fi nalmente
se responsabilizar pela violação, mas, depois de conduz a polícia ao local onde estão enterradas
tê-lo reconhecido como agressor, Eva se recusa duas de suas pretensas vítimas, no jardim de Die-
a apresentar queixa, porque não foi verdadeira- go Montes. Quando María Cardenal vê os dois
mente violada. Ángel, que sente um desejo ter- cadáveres, compreende que Diego ainda mata,
rível de ser punido, declara-se então culpado de que ainda é um matador. Doravante, sabem que
quatro homicídios. A advogada María Cardenal é são feitos um para o outro. Diego rompe o noi-
encarregada de sua defesa. Ela é uma das admira- vado com Eva, que o denuncia ao inspetor. Nesse
doras de Diego Montes e gosta, acima de tudo, dia haverá um eclipse do Sol, e, guiada por Ángel,
de matar seus amantes no momento do orgasmo a polícia chega à casa secreta de María Carde-
com um grande alfi nete de prender cabelos. nal. Mas é tarde demais: no momento exato do
Diego vê María na televisão e começa a segui-la eclipse, quando os policiais, Ángel e Eva chegam
– falam-se pela primeira vez no banheiro de um a seu destino, dois tiros ressoam. María e Diego
cinema onde acabaram de ver o final de Duelo ao se mataram e atingiram assim o êxtase, depois de
sol. Diego convida María para sua casa; ela quer terem feito amor apaixonadamente.
matá-lo, mas ele a impede e compreende então

79
Um pacto de amor e morte
por Susana Schild

Em 1986, Pedro Almodóvar estava a fazê-lo. Em outro lugar da cidade, uma bela
longe de ser uma celebridade internacional. É mulher (Assumpta Serna) atrai um macho para a
pouco provável que fosse uma celebridade na- sua arena – a cama – domina-o e, no momento
cional. No máximo, uma sensação underground, do orgasmo, finca-lhe um objeto perfurante na
com alguns curtas e longas que viravam pelo nuca – a ilustração perfeita da aula de Diego. O
avesso a moral e os bons costumes semeados paralelismo anuncia o encaixe de duas almas que
pelo Generalíssimo Franco, morto 11 anos an- ainda não se conhecem mas que foram, tragica-
tes. Mas entre filmes explicitamente trash como mente, feitas uma para a outro.
“Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão” O encontro ocorre em um cinema. Na
(1980) ou “Labirinto de Paixões” (1982) e a con- tela, Jennifer Jones e Gregory Peck se amam e se de sangue), mas a sua maneira se converteu em me que soma amor, morte, sexo, beleza, sus-
sagração mundial que se seguiram a “A Lei do matam em “Duelo ao Sol”, de Victor King. Sem um matador da suposta moral e dos bons cos- pense e, sempre que possível, humor. Coisas de
Desejo” (1987) e “Mulheres à beira do Ataque de pudor, Almodóvar entrega o destino dos dois tumes de uma sociedade entorpecida por déca- Almodóvar.
Nervos” (1988), Almodóvar realizou “Matador”, futuros amantes. Mas, até o final cinematográfi- das de repressão e conservadorismo. Com um
até hoje um de seus melhores filmes, com vários co, “Matador” embrulhará vidas de personagens estilo rigorosamente autoral, colocou persona-
ingredientes e representantes do seu repertório típicos de sua vasta antologia, carregados de sar- gens até então marginais no centro das tramas –
assumidamente pessoal. casmo, irreverência e um humor tão cortante homossexuais, travestis, drogados, ninfomaníacas,
“Matador” coloca no centro da arena quanto a arma que a advogada Maria carrega na transexuais – sem direito a sursis para profissões
um símbolo caríssimo à cultura do país: a tourada, bolsa de dia para usar à noite. ilibadas como freiras, juízes, devotadas mães de
representada por Diego Montez (Nacho Martí- Entre os personagens estão: Angel família, todos envolvidos em variado repertório
nez), para quem “parar de matar é parar de viver”. (Antonio Banderas, menino ainda), que sonha em de situações eróticas, bizarras e essencialmente
Apesar de ter vivido dias de glória, Diego não ser toureiro, mas não suporta ver sangue (em transgressoras. Sem julgamentos morais.
pode honrar o mote que tanto preza: em um em- “Fale com Ela”, seria a vez da toureira ter fobia Mesmo 25 anos e muitos filmes de-
bate de igual para igual, o touro levou a melhor, de cobra); Eva (Eva Cobo), namorada de Diego, a pois, “Matador” não perdeu o frescor narrativo
incapacitando-o para futuras desforras. essência da personagem melodramática – adora e a contundência. Esplendidamente fotografado
“Matador” começa com o ex-toureiro sofrer por amor – e quanto mais sofre, mais feliz por Angel Luis Fernández, seu parceiro no iní-
exercitando o prazer solitário diante de um filme fica. A mãe de Angel (Julieta Serrano) é a quin- cio de carreira, com interpretações inspiradas e
de terror – há gosto para tudo neste planeta. Em tessência da católica fervorosa que enlouquece notável fluência narrativa, “Matador” permanece
Susana Schild é jornalista, crítica de cinema, roteirista. Es-
seguida, ainda durante os créditos, Almodóvar os filhos. Há também um comissário apaixonado como um dos mais expressivos feitos do diretor. creveu para o “Jornal do Brasil”, “O Estado de São Paulo”
encena um primor de montagem paralela para por Angel, que, por sua vez, tem uma psiquiatra No pacto selado de amor e morte, e foi correspondente  da publicação “Moving Pictures”.
Diego e Maria não querem apenas viver felizes Dirigiu a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do
expor dois personagens que serão unidos pela (Carmen Maura) apaixonada pelo inspetor.
Rio de Janeiro. Roteirista de “Depois daquele baile”, di-
vida e pela morte. Incapaz de matar – a princí- Pelo que se sabe, Almodóvar nunca pi- para sempre. Querem também morrer juntos rigido por Roberto Bomtempo.  Colaboradora do jornal
pio, apenas touros –, Diego ensina jovens alunos sou numa arena (talvez, como Angel, tenha medo – por toda a eternidade. E conseguem neste fil- “O Globo”.

80 81
A lei do desejo

Pablo e Tina são irmãos. Seus pais cipal personagem feminino é inspirado em sua
se separaram quando eram pequenos, do sexo irmã. Quando escreve a Antonio utiliza o nome
masculino. Tina era Tino, quando foi viver com o da personagem: Laura P. Mas não é o que Anto-
pai e mantinha relações sexuais com ele. Mudou nio necessita. Pablo rompe definitivamente com
o sexo e, desse modo, se tornou a mulher do ele. Confessa que continua apaixonado por Juan
pai. Depois de alguns anos o pai a abandona e e que irá vê-lo em um povoado do sul onde vive.
Tina não se interessa por nenhum outro homem. De novo assina a carta como Laura P. A noite,
Odeia-os. antes que Pablo chegue à cidade de Juan, Antonio
Pablo escreve e dirige filmes. Está apai- vai até lá e, sem que ninguém os veja, o mata.
xonado por Juan, um jovem encantador que tam- Quando Pablo chega, a guarda civil descobre o
bém o ama, mas, ao contrário de sua irmã, não cadáver na praia.
sofre. Tenta superar através da criação. O melhor Depois de ser interrogado pela guarda
método de esquecer é desenvolver sobre o papel civil, Pablo volta a Madri. No caminho, as lágri-
tudo o que sua vida tem de insuficiente. Juan viaja mas o impedem de ver uma árvore. Sofre um aci-
para seu povoado de férias e escreve a Pablo uma dente. Recebe uma pancada na cabeça e fica com
carta encantadora, mas carente de paixão. Pablo amnésia. A polícia descobre as cartas de Laura
responde escrevendo ele mesmo a carta que ne- P. (entregues pela mãe de Antônio). Descobrem
cessita receber de Juan, e Juan a reenvia assinada. também que Pablo está escrevendo um roteiro
Faz cerca de vinte anos que Tina mu- sobre um personagem de mesmo nome, que
dou de sexo. Depois de seu pai não teve mais lembra sua irmã Tina. Comprovam que tudo foi
nenhum outro homem. Divide sua vida com uma escrito na máquina de escrever de Pablo que,
modelo que tem uma filha de 10 anos. A modelo protegido por sua amnésia, não esclarece nada.
também se apaixona e viaja.Tina fica com a meni- Todas as suspeitas recaem sobre Laura P. Todos a
na e se comporta como se fosse sua autêntica procuram, mas ninguém a encontra.
mãe. A menina, por sua vez, está apaixonada por Enquanto Pablo continua recuperan-
Pablo. Pablo conhece Antonio, um rapaz andaluz, do-se no hospital, Antônio volta a Madri e seduz
possessivo e contraditório que, em questão de Tina, para sentir-se perto do irmão.Tina não sabe
horas, passa de ter a primeira experiência homos- e acredita nele. Depois de anos, seu coração volta
sexual a converter-se em um amante ameaça- a bater no compasso do desejo.
dor. Ele lê a falsa carta de Juan e acredita que Quando Pablo se recupera, foge do
é autêntica. Discute com Pablo, mas o diretor hospital e se reúne com Tina e Antonio. Depois
não leva a sério. Antonio viaja de férias. Quando desse encontro, nada mais será igual.
se despede de Pablo sugere que ele lhe escreva
com um nome de mulher para que seus pais
não suspeitem de nada. Na ocasião, Pablo está
envolvido com a escrita de um roteiro cujo prin-

85
Desejo de ficcionalizar
por Aleques Eiterer

“A lei do desejo” (1987) é um dos divisores Nessa perfeita junção de melodrama com
de água da carreira de Pedro Almodóvar. A par- thriller, podemos perceber o início de certas se-
tir de “Matador” (1986), seu filme anterior, ele melhanças entre sua obra e a de outro mestre,
abandona parcialmente seus personagens e esté- Alfred Hitchcock. Essas semelhanças se destacam,
tica marginais e inicia um cinema narrativamente sobretudo, no que se refere à utilização da meta-
e tecnicamente mais sofisticado e psicologica- linguagem como recurso narrativo. Podemos ver pondo. Os símbolos fálicos também são comuns reencontra um homem com quem se relacionou
mente mais elaborado. Em um processo tam- semelhanças entre esse filme e dois dos princi- entre os dois filmes: o farol no filme de Almodó- no passado e juntos tentam superar seus trau-
bém iniciado em seu filme anterior, personagens pais clássicos do mestre do suspense: “Um corpo var e a torre no de Hitchcock. Da mesma forma, mas, refazendo suas trajetórias ficcionalmente
da classe média se tornam protagonistas e, pela que cai” (1958) e “Janela indiscreta” (1954). que o personagem de James Stewart, em “Janela em um filme. Da mesma forma, um personagem
primeira vez, encontramos um homossexual A música de abertura já evoca o uni- indiscreta”, só se interessa pelo personagem de reescreve sua história em livro para chantagear
masculino como protagonista. verso de Hitchcock e a primeira cena do filme é Grace Kelly quando ela deixa de ser a mocinha outro. E a narrativa apresenta personagens que se
emblemática dessas camadas de realidades diegé- do filme e se torna personagem ativa da trama passam por outros, mais uma vez, criando diver-
O êxito de sua participação no Festival de
ticas que vão se sobrepondo. Um jovem entra em de assassinato que acontece no prédio em frente, sas camadas. Os dois filmes apresentam outros
Berlim, de 1987, foi a prévia do que seria o estron-
um quarto e é dirigido por uma voz em off que Pablo só se interessa pelo personagem Antonio pontos de ligação, como o abuso sexual por um
doso sucesso de “Mulheres à beira de um ataque
o conduz a desnudar-se e a implorar por sexo. (Antonio Banderas) quando é criada uma cena padre, apenas insinuado, em 1987, na conversa
de nervos” no ano seguinte, filme que lançou
Depois, vemos que é uma cena que está sendo que o coloca no meio de uma típica ficção poli- entre Tina e o Padre e mostrado de forma con-
Almodóvar para o mundo, obtendo sua primeira
dublada por dois atores e que, por fim, revela-se cial. Essa excitação, na qual ficção e realidade se creta no filme de 2004.
indicação ao Oscar de Melhor Filme em Língua
como a cena de um filme de Pablo (Eusébio Pon- misturam, chega ao ápice quando Pablo joga sua Em “A lei do desejo”, Pedro Almodó-
não-Inglesa. O filme também marcou a cria-
cela), que está estreando. máquina de escrever pela janela e ela explode ao var magistralmente ficcionaliza o desejo de per-
ção de sua produtora El Deseo com seu irmão
No filme de Almodóvar, o personagem cair em uma caçamba de lixo. Sua vida não preci- sonagens com um imenso desejo de ficcionalizar.
Agustín Almodóvar e não foi fácil conseguir finan-
Pablo é um cineasta e diretor teatral obcecado sa mais da ficcionalização, pois se tornou tão mais
ciamento, só obtido graças ao esforço do diretor
em ficcionalizar a vida e essa sua característica emocionante do que qualquer possível ficção que
do Instituto Del Cine na época, Fernando Mendéz.
é expressa em vários momentos. Seu namorado ele poderia criar.
Ousado em termos de nudez e de erotização Juan (Miguel Molina) viaja e lhe manda um cartão A própria personagem de Carmen
do corpo masculino, o filme é uma obra rara postal. Não satisfeito, Pablo lhe escreve a carta Maura não deixa de ser uma autocriação ficcio-
em um cinema mundialmente dominado por um que gostaria de receber e lhe envia para que ele nal, se pensarmos que ela é uma transexual que
discurso patriarcal e sexualmente conservador, Aleques Eiterer é formado em Cinema pela Universi-
a assine e a reenvie. faz questão de apagar todas as evidências de seu
dade Federal Fluminense. Como cineasta, realizou “O
onde “a parte mais vulnerável do homem” pra- Da mesma forma, seu próximo roteiro passado, da vida real, como ter queimado todas Livro” (1999), “O Vestido Dourado” (2000), “Verdade
ticamente não existe. Seus personagens movidos é inspirado na vida de sua irmã transexual Tina suas fotos de quando era menino. ou Conseqüência” (2002), “Ausência” (2004), “A De-
pelo desejo são uma resposta à repressão sexual (Carmen Maura). Essa ficcionalização guarda se- Essa obsessão pela ficcionalização re- molição” (2007) e “Abismo”, em finalização. Organiza o
Cineclube LGBT e é também coordenador do Festival
que prevaleceu durante a ditadura franquista e melhanças principalmente com “Um corpo que torna de forma semelhante no subestimado “Má Brasileiro de Cinema Universitário e do Primeiro Plano
da qual Almodóvar sofreu conseqüências diretas. cai” no qual camadas de histórias vão se sobre- educação” (2004), onde um também cineasta - Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades.

86 87
Mulheres à beira de um
ataque de nervos
Pepa e Iván são atores de dublagem. abandonada por Iván, Lucía consumiu sua juven-
Por conta de sua profissão, ele declarou seu amor tude em um hospital psiquiátrico. Um dia, quando
às mulheres mais lindas do cinema e da televisão, via televisão ouviu a voz de Iván dizendo a prota-
o mal é que não foram as únicas. gonista as mesmas frases de amor que lhe havia
Depois de uma relação de anos rom- dito vinte anos atrás. Foi como um medicamento
pe com Pepa, deixa um recado na secretária ele- revulsivo, recuperou a razão e a memória e saiu
trônica pedindo que ela prepare uma maleta com do hospital disposta a recuperar o tempo perdi-
suas coisas. do e fazer Iván pagar aquelas duas décadas de
Pepa não suporta a casa cheia de lem- silêncio e vazio.
branças e a coloca para alugar. Iván não chega, Pepa lhe aconselha que o esqueça,
nem telefona e Pepa tem que lhe dizer que aca- como ela mesma está fazendo “Vou matá-lo, só
ba de saber que está grávida. Enquanto espera, a assim poderei esquecê-lo”, diz Lucía.
casa vai se enchendo de gente através das quais Iván está no aeroporto, a ponto de
descobre um montão de coisas sobre a solidão voar em um avião com sua nova amante. Pepa
e a loucura, também descobre alguns segredos tenta desarmar Lucía e impedir que chegue ao
de Iván. aeroporto, mas Lucía não quer que ninguém se
Chega, por exemplo, Candela, uma interponha entre o canhão de sua pistola e seu
amiga de Pepa que foge da polícia. Candela teve antigo amante. A caminho do aeroporto as duas
um caso com um terrorista xiita que utilizou sua mulheres combatem em violento duelo. A luta
casa de quartel general, sem que ela soubesse. continua dentro do recinto, muito perto de onde
Por ter tido alguns problemas, Pepa não vacila em Iván checa sua bagagem. No último momento,
lhe dar asilo. Pepa consegue desarmar a demente e salvar Iván.
Lucía é outra das visitas e chega em Lucía é detida pela polícia. Roga que
busca de Iván. Vinte anos atrás foram amantes e a levem ao hospital, do qual não pensa em sair
de sua relação nasceu Carlos, detalhe que Pepa jamais.
desconhecia e que descobre casualmente quando Por fim, Pepa e Iván estão frente a fren-
Carlos, já um homem, vem alugar a casa. te. Ele se desfaz em palavras de agradecimento,
Também aparece a polícia em busca em um ataque de generosidade a convida a beber
de Candela, Pepa consegue livrar-se deles, a base algo na cafeteria e reconsiderar sua situação, mas
de desespero e inteligência. Na confusão, Lucía Pepa o rejeita. Já não necessita dele. Não quer
rouba as pistolas dele. Quando fica sozinha com se transformar em um remake da demente Lu-
Pepa, ameaça-a com as armas, obrigando-a a di- cía. Tudo o que pensava em lhe dizer nas últimas
zer-lhe o paradeiro de Iván. Enquanto Pepa deci- horas se resumiram em uma só palavra: ADEUS.
de se vai falar, Lucía conta seu passado:
Depois de Carlos nascer e de ser

91
Uma declaração de amor
por Aluizio Abranches

Uma linda declaração de amor. À Es- gens sempre rodeados de elementos muito colo-
panha, com suas tradições, contradições, cores ridos. Uma explosão de cores que combina com
fortes e vibrantes, com sua loucura. Ao cinema, o tipo de dramaturgia, que parece nascer do úte-
por misturar o melodrama espanhol a referên- ro feminino e para as mulheres se volta. Mulheres
cias de grandes musicais hollywoodianos e comé- estas sempre responsáveis pelo curso da trama,
dias americanas. E, principalmente, às mulheres, muito barrocas em seus comportamentos, e que,
lindas, exageradas, sofridas, ciumentas, inseguras, em reflexo à rígida atitude masculina, revoltam-
apaixonadas e apaixonantes. -se, restando a elas a extravagância.
“Mulheres à beira de um ataque de Almodóvar cria um mosaico de pai-
nervos” é um dos melhores e mais coerentes xão, sofrimento, loucura e poesia, atmosfera
filmes de Pedro Almodóvar. Vai além de simples- condizente com a protagonista Pepa, interpre-
mente retratar costumes superficiais femininos e tada pela brilhante Carmen Maura, uma mulher
nos emociona ao tentar compreender de verdade que conversa com suas plantas enquanto sofre
os bens mais valiosos que habitam o imaginário amargurada à espera de notícias de seu amado
de todas as mulheres: a paixão, a família e o amor. que está partindo. Seu luto substitui o preto pelo
Sempre me impressionou a grande sensibilidade vermelho, como forma de representar a passio-
com que Almodóvar compreende a mulheres. Ele nalidade, impulsividade, na tentativa de expulsar
tem o dom de transformar o doloroso em risível, qualquer tipo de demônio. A composição viva e
o conturbado em fascinante, histórias trágicas em colorida é claramente reflexo da própria cultu-
deliciosos filmes. ra espanhola, mas o abuso da cor vermelha, que
“Não há mulher perigosa sabendo-se obviamente remete a paixão e ao sangue, aqui
tratá-la”, escutamos de um taxista no meio da também reforça a humanidade dos personagens,
história, deixando claro o propósito do filme: já que todos os seres humanos amam e sofrem.
abordar o limiar da sanidade feminina. Através de Vermelho também remete a conforto, ao ventre
situações absurdas e exageradas, o filme nos con- materno, a família, idéias tão presentes no imagi-
duz a um mundo onde mulheres são capazes de nário das mulheres, mesmo daquelas que ainda
tudo ao serem maltratadas pelos homens, sem- não são mães.
pre com a finalidade de amenizar suas paixões, Almodóvar realizou um filme ines-
ciúmes e medos. São histórias de mulheres ar- quecível. Provavelmente um dos mais marcantes
rasadas pelo amor e consumidas pela vulnerabi- de sua carreira e que melhor representa seu cine-
lidade. ma kitsch e atemporal. Uma comédia hilariante,
Aluizio Abranches é diretor dos filmes “Um copo de de um amor incondicional entre dois irmãos. Os temas
Uma estética barroca salta aos olhos apimentada, sofisticada e repleta de personagens
cólera”, baseado na obra de Raduan Nassar, “As três mais recorrentes em seus filmes são a família e o amor,
através de figurinos, maquiagens, objetos e cená- deliciosamente imperfeitos. Marias”, uma tragédia Shakespeareana passada no como um contraponto para um mundo cheio de violên-
rios. O quadro nunca está limpo e os persona- sertão de Pernambuco, e “Do começo ao fim”, história cia, medo e intolerância.

92 93
Ata-me!
Ricki (Antonio Banderas) acaba de como atriz em filmes pornô e de terror. Ricki vai
raptar Marina (Victoria Abril) e diz: “Te raptei ao estúdio onde ela está terminando de filmar
para dar a oportunidade de que me conheça a e a aborda amavelmente, mas Marina não presta
fundo porque tenho certeza que se apaixonará atenção nele. Ricki fica sabendo seu endereço e a
por mim como estou apaixonado por você”. rapta em sua própria casa.
Diante da surpresa da mulher, Ricki A partir desse momento começa para
completa sua declaração de principios: o casal um namoro cheio de novidades, a grande
“Tenho vinte e três anos, cinquenta mil aventura do mútuo descobrimento, os problemas
pesetas e estou sozinho no mundo. Gostaria ser da convivência. Por fim, cenas de um matrimônio
um bom marido para você e um bom pai para ainda que não esteja legalizado por lei nem legi-
seus filhos”. timado pela igreja.
Ricki é orfão desde os três anos, toda Ao contrário de Ricki, Marina não está
sua vida passou em diferentes instituições sociais. só, sua irmã Lola (Loles León) a espera na fes-
Quando aos 23 anos sai de um centro psiquiá- ta do final da filmagem, junto ao Diretor (Paco
trico sozinho, tem a noite e o dia e um projeto Rabal) que também está apaixonado por Marina.
triplo: encontrar uma mulher, formar uma familia Diferente de Ricki, o diretor tem cerca de seten-
e conseguir um trabalho.A normalidade. Mas ape- ta anos e está em uma cadeira de rodas.
sar de sua imaturidade Ricki sabe que a normali- Lola e o Diretor procuram por Marina
dade é um luxo que terá que conquistar à força. durante os três dias que dura o sequestro-namo-
Para realizar sua imitação de ser um ro. Por fim, Lola a encontra, mas já é tarde, Ri-
ser normal começa pelo princípio, quer dizer, a cki não só retirou de circulação o corpo de sua
mulher. Já a conhece: em uma de suas fugas do irmã, mas também roubou seu coração. E como
centro encontrou Marina e fez amor com ela cantam os boleros, é muito difícil viver sem amor,
por dinheiro. Ela não se lembra, mas desde en- quando já o teve diante de seu nariz.
tão Ricki só havia pensado nela. Marina trabalha

97
Um jogo de espelhos e
amarrações
por Angélica Coutinho pelo pescoço e enforcá-lo ao se jogar de uma Mas a fuga é vã. Marina já está apai-
varanda. Já estão presentes os elementos narra- xonada e convence Lola que Ricky pode ser um
tivos e cênicos que antecipam o que virá: a ação bom parceiro. Ambas vão atrás do rapaz que com
do rapto e o fato da corda ser o elemento funda- um carro roubado e sozinho foi em busca da
mental para mantê-la aprisionada, atada. Não é à memória familiar: o lugar onde viveu com seus
toa, afinal, que o sobrenome de Máximo é Espejo pais antes de se tornar órfão. Afinal, ele é uma
– espelho, em espanhol. O jogo que se estabelece boa pessoa, viveu em um sanatório, fugiu, roubou,
é de espelhamento também significado pelo fato sequestrou, mas merece a redenção. Afinal, tudo
“Ata-me!” foi o último filme feito pela trado. E curioso é notar que é justamente assim,
do diretor estar em uma cadeira de rodas. Imobi- o que ele quer é ter uma família – algo que decla-
dupla Almodóvar-Banderas antes de retornarem como menino, que Almodóvar lida com o ator
lizado, ele antecipa a situação que Marina enfren- rou desde o início à Marina. E ela ressurge diante
ao set com a mais recente produção “La piel que Banderas, conforme diz em entrevista do livro
tará em seguida. dele com um jovial e inocente vestido floral para
habito”. E é também aquele cujo personagem é de Frédéric Strauss: “Com Antonio, nunca faço
Podemos também pensar o espelho buscá-lo nas ruínas de sua cidade de infância, de
mais amado pelo seu intérprete. O nome dele é [ess]a consciência intervir, dirijo-o como se ele
como um movimento de duas imagens paralelas seu passado e oferecer sua família para ser a dele.
Ricky, tem 23 anos, 50 mil pesetas e quer casar fosse uma criança. Sei o que ele faz, mas ele nun-
que compartilham de um mesmo tempo. A coin- Mas como Almodóvar nunca perde a chance de
e ter filhos com Marina, uma ex-atriz de filme ca soube o que fazia nos meus filmes, e ninguém
cidência temporal é a base daquilo que chama- nos fazer rir, ele inclui uma cena cômica de Ricky
pornô que está terminando sua participação em poderia interpretar melhor que ele suas perso-
mos montagem paralela no cinema e que é usada devolvendo os pertences que roubou de Lola
um filme B. E é de maneira estranha que Ricky se nagens. Gosto muito de dirigir atores como An-
nos dois momentos cruciais de “Ata-me!”. No que afirma que na família delas não há ladrões.
aproxima da mulher que ama. Ele a sequestra e tonio, absolutamente intuitivos e físicos, naturais
primeiro, quando Ricky é espancado ao tentar Mas Marina lembra-a do pai de ambas ao que
nela desenvolve-se uma espécie de Síndrome de como animais selvagens”.
comprar drogas para Marina.Vemos a mulher em Lola contesta: “Mas basta um!”. E seguem pela
Estocolmo: a vítima apaixona-se pelo seu algoz. Já dirigir Victoria Abril em “Ata-me!”
casa, amarrada à cama, angustiada e ele a correr estrada, os três cantando: “Resistiré para seguir
Logo na primeira sequência do filme, foi uma experiência nova tanto para Almodóvar
pelas ruas e ser alcançado pelos traficantes. O viviendo/e volveré de hierro /para endurecer la
temos o conhecimento de que Ricky é hábil em quanto para a atriz acostumada que estava em
fato de voltar ferido para casa faz com que Mari- piel/y aunque los vientos de la vida soplen fuerte/
consertar coisas, em particular fechaduras, e inventar os personagens: “(...) ela só precisava ser
na fique penalizada e ceda aos apelos românticos como el junco que se dobla/pero siempre sigue
que viveu grande parte de sua vida em uma casa extremamente flexível para apanhar, em pleno
de Ricky. Na cama, ela acaba por recordar que en pie”*. Marina chora. Para ela, Ricky também
psiquiátrica. Parece não ter amarras emocionais, voo, todas as ideias que eu lhe lançava”, declara
realmente já havia transado com ele. O clima do representa a redenção. Ele supera a loucura e ela
pois enquanto a diretora do sanatório sofre e o diretor no mesmo livro. E aqui, podemos fazer
filme muda: eles passam a ser um casal amoroso, o vício em drogas. Vidas espelhadas que se en-
chora com sua partida, ele recebe a decisão do paralelos entre as histórias que vemos no filme.
o que, no entanto, não o desobriga a amarrá-la contram.
juiz de que pode voltar a se integrar a sociedade Se na filmagem, Almodóvar necessitava de uma
quando vai sair para roubar um carro a fim de
com pouca euforia, não se abala com o sofrimen- atriz aberta para exprimir sentimentos à flor da
que fujam. E é ela quem pede: “Ata-me!”.
to da mulher, mas quase que insensivelmente re- pele, no filme, o diretor Máximo Espejo (Fran-
O segundo momento da montagem
solve agradecê-la pelas pesetas que recebe com cisco Rabal) pede à Marina que não tome o anal-
paralela e justamente após a saída dele do apar-
sexo. Aliás, a única moeda que tinha até agora e gésico para a dor de dente porque precisa da ex-
tamento. Lola, irmã de Marina, retorna a casa para
que será fundamental para conquistar Marina. pressão de sofrimento que ela carrega: ou seja,
buscar o rádio do carro que esqueceu quando foi
Livre, Ricky dá partida ao plano. Suas como Almodóvar, ele não quer uma construção,
regar as plantas e descobre a irmã amarrada à cama.
armas: uma caixa de bombom em formato de mas aquilo que surge na cena, à flor da pele – Angélica Coutinho é doutora em Literatura com
E desta vez, mesmo que vacilante, Martina pede á pesquisa na área de narrativa cinematográfica e televisiva.
coração e uma ingenuidade quase infantil. Apre- como já foi dito.
irmã: “Desata-me!”. Segue-se a montagem na qual Atualmente, trabalha como Especialista em Regulação
senta-se à Marina no set, chamando-a pelo nome E a cena que Máximo irá rodar, a úl-
vemos Ricky tentando abrir as portas dos car- Cinematográfica na ANCINE. É autora de “Todas as Lú-
e plantando uma bananeira. Ela apenas sorri, vira tima do filme, é de um homem cujo rosto não é cias do mundo”, sobre adaptação, e de “Malandragem Faci-
ros e as irmãs fugindo pelos telhados dos prédios.
as costas e continua a caminhar em direção ao mostrado e está presente para raptar a protago- nha”.Também adaptou, produziu e dirigiu o curta-metra-
camarim. A cara que ele faz é de um menino frus- nista. Mas ela reage e usa uma corda para laçá-lo * Música de Carlos Toro Montoro e Manuel de La Calva Diego. gem “Frágeis afetos”, do conto de João Gilberto Noll.

98 99
5 perguntas para
Antonio Banderas

Como foi seu primeiro do - a sexualidade, por exemplo - de um ponto


encontro com Almodóvar? de vista muitíssimo mais aberto, mais permissivo,
mais tolerante. Além desses filmes, também fiz
Conheci Pedro Almodóvar no Café com Almodóvar Ata-me e Mulheres à beira de
Gijón, em Madri, no ano de 1980. Ele era amigo de um ataque de nervos.
uns atores com os quais eu trabalhava no Centro
Dramático Nacional. Ele chegou com uma pasta Há um filme que prefira?
vermelha… Lembrarei por toda vida. Na época, Por quê?
eu tinha um bigode e ele me disse: “Você tem “Ata-me!”. Porque de alguma forma,
uma cara muito romântica, deveria fazer cinema”. meu personagem em Ata-me! era uma espécie
Assim foi o primeiro encontro. de união de outros quatro personagens que havia
feito anteriormente. Em Ata-me! todos os per-
Quando você olha para trás, sonagens vieram se reunir. E porque, apesar de
como vê a influência dos primeiros propor uma situação de extrema violência, meu
filmes que fez com Almodóvar - “La- personagem em Ata-me! tem uma doçura rara.
birinto de paixões”, “Matador” e “A Há algo nele que provocava a identificação dos
lei do desejo - em sua vida artística?  espectadores em suas prórpias misérias. Tinha
O papel desses filmes foi abrir uma uma dualidade estranha. E também porque todo
nova porta não somente no cinema nacional, mas o filme propunha uma reflexão moral interes-
no cinema mundial: entender a narrativa de um sante.
ponto de vista diferente, baseado nos sentimen-
tos em estado puro, cru. Esta foi a contribuição Fazer filmes com Almodóvar Depois de “Ata-me!”, você fi- humano, o poder, a paixão. Mais sólido e com
de Pedro Almodóvar ao mundo do cinema: uma ajudou em seu trabalho em Holly- cou 20 anos sem trabalhar com Almo- uma exigência de economia total sobre o ator. E
linguagem muito própria, muito pessoal. E para o wood? Como? dóvar. Agora, você fez com ele “La piel trabalhar nesses terrenos não é nada fácil. É com-
cinema espanhol, acredito que significou um novo Muitíssimo! Almodóvar era adorado que habito”. Como é voltar ao set plexo trabalhar sobre uma solicitação de que um
caminho de desenvolvimento para muitos jovens nos Estados Unidos por todo mundo profissional com Pedro? olhar ou um movimento de mão tenha um signifi-
diretores que não tinham oportunidades. Sobre (mais do que pelo grande público), pelos profis- Foi muito difícil, mas fantástico e in- cado enorme. É totalmente diferente do mundo
a influência em minha vida artística: a mim, pes- sionais do cinema que eram os que poderiam me teressantíssimo. Voltei ao universo único e mara- de Woody Allen, onde se pode mover as mãos
soalmente, me livrou de muitos complexos, por proporcionar trabalho. Para mim, foi uma carta vilhoso de Pedro, mas para minha surpresa, en- como quiser e até gaguejar é permitido. Pedro
exemplo, ao interpretar personagens homossex- de apresentação incrível! Abriu-me as portas in- contrei com um Almodóvar mais minimalista ou está em outra onda.
uais. Para mim, foi uma ruptura mental própria, a ternacionais. menos barroco na forma. Muito mais profundos
aceitação de formas de vida, de entender o mun- nos conteúdos, em suas reflexões sobre o ser

100 101
De salto alto
Becky del Páramo é uma famosa can- Uma noite, Manuel morre assassinado
tora pop do final dos anos sessenta, com dois em seu chalé. Naquela tarde, três mulheres tive-
casamentos e alguns amantes a mais. Do seu ram contato com ele: com uma fez amor (Isa-
primero casamento tem uma filha (Rebeca) que bel, locutora de telejornal que divide o programa
abandona com o pai para se dedicar por inteiro com Rebeca), com outra manteve uma conversa
a sua carreira fora da Espanha. Rebeca cresce ob- muito tensa (Becky, que havia voltado ao braços
cecada pela ausência materna. de Manuel, foi romper com ele quando desco-
Quinze anos depois, Becky volta a briu que tinha outra amante) e a terceira a en-
Madri, vem atuar e aprovieta para acertar algu- controu morto (Rebeca, sua legitima esposa). O
mas contas pendentes, especialmente em relação juiz Domínguez se ocupa da instrução do caso.
a filha. Rebeca vai rece bê-la no aeroporto, adora Através de sua investigação, Rebeca descobre
sua mãe, mas isso não a impede de odiá-la tam- que sua madre havia voltado com Manuel, o qual
bém. O reencontro não é fácil para nenhuma das acreditava existir um abismo intransponível entre
duas. É impossível aceitar com naturalidade 15 as duas.
anos de silêncio. A investigação se centra nas duas mu-
Na sua adolescência Rebeca tentou lheres. No mesmo dia do enterro de Manuel, Re-
imitar sua mãe em tudo, sem nenhum sucesso, beca chega ao estudio onde trabalha, diante da
exceto com Manuel, um diretor de uma cadeia surpresa de seus companheiros. O trabalho, diz,
privada de televisão, antigo amante de sua madre. servirá de distração. Em pleno telejornal, quando
Rebeca o encontra e se casa com ele, sem nunca acaba de dar a notícia do enterro de seu marido,
dizer que ela é filha de Becky del Páramo, ainda tomada por uma inesperada catarse, Rebeca con-
que ele naturalmente acabe percebendo. Rebeca fessa diante das câmaras, ao vivo, que foi ela a au-
trabalha na rede de TV de seu marido como locu- tora do crime.
tora de telejornal. Do estúdio de televisão é condu-
Na noite de sua chegada, Becky jan- zida diretamente ao tribunal onde espera o juiz
ta com os dois. Juntos vão ver um imitador de Domínguez. Apesar da evidência, ou justamente
Becky, o transformista Femme Letal. O marido alertado por ela, o juiz não acredita nela, acha que
se queixa de que a melhor amiga de sua mulher a confissão de Rebeca é uma estratégia para pro-
seja um travestí. Rebeca explica a sua madre que teger alguém. Mas Rebeca continua se acusando
quando sentía saudades, ia ver seu imitador. diante do juiz, a quem não resta outra opção a
Becky não demora a descobrir que não ser enviá-la à cadeia. Rebeca não deixa de
o casamento de sua filha é um absoluto fracaso. estranhar o interesse do juiz em defendê-la.
Manuel tenta reavivar seu velho amor, mas Becky Sua primeira noite na prisão coincide
não cede (Esquece que eu sou a mãe de sua con a estreia de Becky del Páramo no teatro
mulher?, ela diz) Manuel explica que pensa em María Guerrero. Depois de agradecer a saudação
se divorciar de Rebeca, ainda que ela finja não entusiasta dos espectadores madrileños, Becky
perceber. dedica a primeira canção a sua filha (“Não im-

105
porta o que tenha feito, como qualquer mãe, meu piensa en mí. Cuando quieras quitarme la vida, no la dormitório que divide com outras trinta reclusas. nuel seguirá sendo um mistério e esse mistério
coração está destroçado, com vossa permissão, quiero, para nada me sirve sin ti”). Nessa primeira Isoladas, cada uma com sua dor, nenhu- as unirá para sempre.
gostaria de dedicar a ela minha primeira canção”). noite, as duas mulheres se desfazem em lágrimas. ma das duas mulheres quer ver a la otra. O juiz
Através do rádio de uma companheira, Becky, em cima do palco, diante de centenas de Domínguez provoca um encontro entre ambas...
Rebeca escuta a canção que sua mãe lhe dedica espectadores admirados, rodeada de flores, e Depois de muitas vicisitudes, mãe e filha conse-
(“Piensa en mí cuando sufras, cuando llores también Rebeca sobre a suja almofada de sua cama, no guem liquidar suas contas... Mas a morte de Ma-
Brincando nos campos do ex-amante de Becky e atual marido de Rebeca,
e Femme Letal/Juez Domínguez/Hugo, transfor-
para nada me sirve sin ti”. A música é narradora de
um momento de reconciliação entre mãe e filha,

maternal mista imitador de Becky que, na verdade, é um


policial que está a fazer uma investigação. Manuel
mas também entre modelos do feminino (esposa,
amante, mãe, profissional, mulher). Uma recon-
por Mariana Baltar representa para Rebeca a instância de dominação cialiação que se dá pelas lágrimas partilhadas à
e repressão. No meio do filme, seu assassinado distância.
detona um salto no enredo que leva à prisão de No fundo, mais que trazer à tona uma
Rebeca. suposta pulsão incestuosa entre as duas, o filme
Já Letal/Hugo representa a excitação encena o drama do reconhecimento e do espelha-
de um desejo antigo de amor, espelhado na pari- mento e, mais especificamente, o reconheci-
dade entre o personagem de Miguel Bosé e a mento de si. É importante notar como ao longo
Parte da paixão despertada pelos tos expressivamente marcantes e pesados (e que
personagem de Marisa Paredes. Mas também a do filme, várias pistas de paridade entre Becky
filmes de Pedro Almodóvar – ao menos em mim incorporam, na verdade, gritam, símbolos de uma
explosão de velhos padrões e definições do que e Rebeca se articulam, tomando pelo centro da
– dá-se pela própria paixão que vejos nas suas religiosidade e tradição atravessadas pela exal-
é o masculino, o feminino, a maternidade e o de- narrativa, o desenvolvimento da auto-imagem da
películas por uma matriz cultural que é afeita a tação do consumo pós-moderno). Se de fato nos
sejo propriamente dito. personagem de Victória Abril. O final coroa uma
exacerbações (o excesso narrativo e estético últimos filmes tal flerte cai um pouco de tom
No filme, como habitualmente em nova maternidade, talvez fora das velhas prisões
que venho tentando definir em várias das minhas (embora não concorde totalmente, alguns che-
Almodóvar, o imperativo emocional tem seu (do casamento, do ressentimento), gestada no
recentes pesquisas) e também a explosões emo- gam a falar de certa desmelodramatização), isso
ponto culminante nas performances de canções. melodrama e ainda na valorização, embora por
cionais. Seus filmes parecem não ter vergonha não significa que não esteja lá.
Um legado inquestionável da matriz do melodra- caminhos tortuosos, do ato de sacrificio como
de abraçar esse imaginário popular que cotidi- Em “De salto alto” (1991), essas
ma latino, sobretudo o mexicano. No momento signo do amor maternal.
anamente nos forma, em especial, a nós latino- reapropriações se vinculam diretamente a um
crucial da narrativa, Rebeca, da prisão, escuta no
americanos, fazendo-o, contudo, deslizar da mo- importante subgênero do melodrama, o ma-
rádio a performance emocionada de sua mãe do
ral tradicional a que ele está associado (burguesa, ternal. No jogo proposto por “De salto alto”, a Mariana Baltar é professora da graduação em Estudos
bolero de Agustin Lara, Piensa em mi. Becky dedi- de Mídia/UFF e do PPGCom/UFF. Doutora em Análise
patriarcal, heteronormativa). problemática relação mãe e filha espelha, através
ca a música a sua filha e põe-se a cantar (na ver- da Imagem e do Som pelo Programa de Pós-graduação
É nesse sentido que sua obra vai li- de um imperativo emocional, como define Paul em Comunicação/UFF, com passagem pela New York
dade a voz é da cantora pop Luz Casal): “Piensa
dar com um manancial de reapropriações do Julian Smith, modelos de feminino que vão se re- University onde desenvolveu parte das pesquisas para
en mí cuando sufras, cuando llores también piensa a tese “Realidade Lacrimosa – diálogos entre o universo
melodramático. A particularidade do diálogo de construindo no contexto pós-moderno.
en mí. Cuando quieras quitarme la vida, no la quiero, do documentário e a imaginação melodramática.
Almodovar com o melodrama mereceu, de al- A sinopse “oficial” do filme, que cons-
guns críticos como o cubano Cabrera Infante, o ta no site da produtora El Deseo, nos conta que
neologismo de “Almodramas”, conforme lembra “Becky del Páramo é uma famosa cantora (...)
o professor inglês Paul Julian Smith, em seu livro com dois casamentos e muitos amantes. De seu
Desire Unlimited – The Cinema of Pedro Almodóvar. primeiro casamento tem uma filha (Rebeca) a
Sobretudo nos primeiros filmes, desde quem abandona com o pai para dedicar-se por
“Pepi, Luci e Bom e outras garotas de montão” completo a sua carreira fora da Espanha. Rebeca
(1980) até “A Flor do meu segredo” (1995),Almo- cresce obcecada pela ausência da mãe. Quinze
dóvar flerta amplamente com uma miscelânea anos depois, Becky volta a Madrid para uma apre-
de gêneros organizados em torno de uma visu- sentação e também para acertar algumas contas,
alidade indiscutivelmente excessiva de uma esté- especialmente em relação à filha. (...) O reencon-
tica pop e kitsch: o uso intenso de cores fortes tro não é fácil para nenhuma das duas. É impos-
(vermelho, verde, amarelo); a predominância de sível naturalizar quinze anos de silêncio”.
figurinos com muitos acessórios (que são um No filme, dois homens relacionados a
somatório de elementos desconexos os quais ambas, mãe e filha, têm um papel especialmente
não seguem os padrões da moda); uma direção importante no projeto de revisão do melodrama
de arte que opta por carregar o plano de obje- maternal impetrado por “De salto alto”. Manuel,

108
Kika
(Se algo define Kika é a imposibilidade ta sua atração natural.
de falar sobre ela em 3 páginas) Depois de dois anos de ausência,Nicho-
las volta a Madri, sem dinheiro, disposto a dividir
Kika é uma maquiadora com um com Ramón a herança que sua mãe deixou.
otimismo à prova de catástrofes. Vive com um Apesar de sua excelente disposição
fotógrafo, Ramón, muito fechado, especializado para viver, libre de preconceitos, Kika tem pro-
em roupa íntima feminina, e artista plástico. Sua blemas sexuais com seu parceiro, Ramón. Nicho-
obra está baseada na manipulação de fotografías, las preenche, às vezes, esse vazio. Mudou-se para
grandes “collages” que sempre tem como tema um andar acima de onde vivem Kika e Ramón.
o corpo feminino em suas manifestações mais Este desconhece a relação de Kika e Nicholas, e
sensuais. Kika também não conhece certos segredos de
Kika e Ramón se amam, mas não se Ramón; por exemplo, que antes de viver com
entendem. Como muitos homens, Ramón fala ela havia abandonado espetacularmente Andrea
muito pouco, vive obcecado pelo suicídio de sua Caracortada, a feroz repórter e que Andrea ju-
mãe, para quem dedicou um móvel (quase um rou ódio eterno. Fruto daquela relação, Andrea
altar) onde guarda suas lembranças. conserva uma cicatriz que cruza uma das boche-
Kika tem una amiga cabeleleira que a chas e que ela acentua com maquiagem (como
trai sempre que tem oportunidade. Também tem se fosse carne viva) quando apresenta seu pro-
uma inimiga, Andrea “Caracortada”, diretora- grama de televisão. Como se ao feri-la, Ramón
repórter de um peculiar reality show chamado houvesse dado seu sobrenome (esta é a versão
“O pior do dia”. O programa exibe com exclu- de Andrea, mas, na verdade, ela mesma fez a cica-
sividade as imagens mais arrepiantes ocorridas na triz, começou a corta o rosto para impedir que
cidade, sem nenhum limite moral, ideológico ou Ramón a abandonasse).
estético. Andrea sempre está nos lugares onde Kika e Ramón têm uma empregada,
ocorrem os fatos mais sensacionalistas. Para con- Juana, morena e bigoduda ao estilo siciliano, apai-
seguir, colabora oportunamente com uma dupla xonada secretamente por usa patroa. Juana tem
de policiais que suborna e que vendem todo tipo um irmão secreto que nunca menciona porque
de informação. está preso. Pablo, o irmão de Juana, usava o
No pequeno círculo que rodeia Kika pseudônimo de Paul Bazzo, quando trabalhava
até quase asfixiá-la, também há um americano: como ator pornô. Também foi boxeador. O me-
Nicholas Pierce. Padrastro de Ramón, escri- lhor e o pior que se pode dizer dele é que é um
tor boêmio e errante, divide com seu enteado animal. Cumpre pena por vários delitos contra a
a herança de uma casa de campo (Casa Youkali) saúde pública e privada.
que a mãe morta deixou para ambos. Nicholas é As autoridades penitenciárias conce-
um sedutor nato, entra e sai da vida das pessoas dem permissão de um dia, para que Paul possa
como entra e sai do país, deixando para trás uma cumprir uma promessa à Virgem de seu povoado
esteira de preocupação e mistério, o que aumen- natal. Na ceremônia ancestral e bárbara (Los
113
Picaos, ainda vigente na Espanha) os penitentes O que até o momento havia sido uma
vão mascarados e ferem uns aos outros as costas comédia de vaudeville muda de gênero para se
nuas (única parte de seus corpos descobertos) converter em uma história de ciúmes, vingança,
com um feixe de fibras de linho que provoca traumas infantis não resolvidos, assassinatos em
abundantes feridas. Aproveitando a confusão da série, problemas conjugais etc. Tudo com a tele-
procissão e com a máscara máscara ocultando visão como testemunho depredador que acaba
sua identidade, não é difícil para Paul fugir. sendo vítima da própria voracidade.
A primeira coisa que faz é ir a casa E Kika? Kika é inexpugnável. Depois
de sua irmã, quer dizer a de Kika, já que Juana de sofrer incalculáveis atribulações acabará liber-
trabalha como interna. Juana o recrimina por sua tando-se dos que estão a sua volta e ainda con-
fuga (“Onde vai estar melhor apoiado do que tinua viva, coisa que não acontece com alguns dos
na cadeia?”, reclama. “Sim, mas na cadeia não há outros personagens.
tias”, explica Paul. “Mas há bichas, não?” afirma a
perspicaz Juana. “Sim, mas não é o mesmo”, diz
Paul, que em assuntos de sexo possui uma grande
intuição.
Juana, que também tem um enorme
sentido prático, decide escondê-lo na casa de
uma prima, depois de sugerir a Paul que roube
algumas câmaras de Ramón. Para que ninguém
descubra que ela o ajudou, Paul (seguindo seu
conselho) a deixa desmaiada, amordaçada e amar-
rada a uma cadeira na cozinha. Mas Paul não se
conforma em roubar as câmaras, descobre Kika
dormindo em seu quarto e não pode resistir à
tentação de violá-la repetidas vezes.
Mas não é o pior, comparado ao que
ocorrerá depois. No momento da violação,
um voyeur está vendo a cena e chama a polícia.
Também, por coincidencia, Nicholas Pierce, que
vive um andar mais acima de Kika, está fazendo
a mudança de alguns móveis, que no interior es-
conde un segredo atroz. Quando chega a polícia à
casa de Kika, Paul aproveita a mudança para fugir.
Imediatamente, aparece Andrea para entrevistar
Kika. Violentamente, Kika manda-a sair sua casa
e decide com todas as suas energías a esque-
cer a violação. “Ao final”, como explica, à noite,
a um atônito Ramón “isso acontece cem vezes
por mês e hoje foi o meu dia”. Mas seu otimismo
sofre um duro golpe quando, à noite, o programa
“O pior do dia” exibe com todo luxo as imagens
da violação de Kika.

114
Um Almodóvar inclassificável
por Flávio Di Cola

O triunfo após triunfo, desde a tem- amor como decorrência das mais cruas e realis-
porada 1986-1987 – quando “A lei do desejo” tas incertezas sobre a viabilidade desse mesmo
e “Mulheres a beira de um ataque de nervos” sentimento.
explodiram espetacularmente em todas as telas Sob o ponto de vista formal, “Kika”
do mundo – levou Almodóvar a um impasse, em exibe o habitual carrossel estilístico de Almodó-
1993, ano de produção de “Kika”. Como conti- var: seu hollywoodismo descabelado e citações
nuar navegando nesse caldo suculento de intu- anárquicas de gêneros e códigos de velhos clás-
ição e sensibilidade absolutamente autoral, sem sicos do melodrama, do western e do filme noir.
se repetir e sem que o almodovarismo decaísse Neste caso, um emocionante tributo é prestado
em almodovarices? A posição especial conferida a um dos diretores mais amados por Almodóvar nenhum outro diretor arrebatou tão profunda- madrilenha, impiedosamente satirizada no reality
por Almodóvar a “Kika” nessa cinematografia, – Joseph Losey – através da inserção de alguns mente a estima do público mundial através do show “O pior do dia”, comandado pela inacredi-
muitas vezes acusada de excessivamente autor- fragmentos do seu clássico, de 1951, The prowler mais puro artificialismo na representação como tável Andrea Caracortada/Victoria Abril.
referente, foi justamente a de filmar de “modo (“O cúmplice das sombras”). Já Alfred Hitchcock forma de se desnudar o âmago do real. Em “Kika”, Almodóvar ousou romper
diferente”, exacerbando a sua já reconhecida es- e Bernard Herrmann são referências constantes, Mas onde reside especificamente a a prisão melodramática que seus personagens
truturação dramática por colagens que não ces- onipresentes e estruturais em toda a filmografia originalidade de “Kika” na filmografia do cineasta femininos normalmente impunham aos filmes
sam de se sobrepor, formando intrincados que- almodovariana, pois eles foram os mestres abso- espanhol se nele encontramos todos os excessos anteriores. Desta vez, ele deixou a cidade que
bra-cabeças e labirintos de acontecimentos que lutos na arte de arrancar da assistência o mais figurativistas e todas as saturações estilísticas do ama falar sobre o seu próprio mal-estar, sobre a
evoluem em um ritmo vertiginoso, que armam absoluto e religioso envolvimento com a tela. universo de Almodóvar? Talvez a resposta possa dureza de se viver em labirintos onde “a comuni-
e desarmam uma profusão de micro-episódios. E é esse tipo de envolvimento que ser dada em dois planos. No primeiro, encontra- cação entre todos os diferentes elementos se faz
O próprio Almodóvar admitiu: “É um filme difícil Almodóvar considera o maior dos favores que o mos o papel contraditoriamente central e perifé- por meio de portas, janelas e andares de prédio”,
de comparar com qualquer outro, ainda que se público pode conceder a um filme, um favor que rico da protagonista que dá título ao filme, pois num redemoinho de vidas ocultas, de histórias
possa, evidentemente, reconhecer-me nele”. lhe tem sido generosamente entregue – filme Kika, ao mesmo tempo em que está no centro de simuladas, e de jogos de segredos e mentiras. De
De fato, em “Kika” estão todas as in- após filme – através de uma relação de reconheci- uma espécie de ciranda de personagens bizarros, fato, um Almodóvar inclassificável.
confundíveis marcas e liturgias do universo do mento imediato dos seus traços autorais em que não dinamiza o filme e nunca faz a história avan-
cineasta. Lá está mais um projeto cinematográ- não podem faltar os cenários brilhantes, colori- çar. Que diferença em relação à heroína paradig-
fico que revela o seu desejo avassalador de ser dos e descaradamente artificiais, o mundo urbano mática da galeria almodovariana – a Pepa/Car-
querido e amado pelo público. Também não fal- transformado em espaço do ridículo, do surreal, men Maura de “Mulheres à beira de um ataque de
tam alguns dos principais princípios fabuladores da vulgaridade publicitária e da subcultura pop, nervos”! Mas é no segundo plano que encontra-
dos seus filmes anteriores que colocam o sexo além – é claro – do império do vermelho como mos o verdadeiro personagem-motriz do filme: a
como componente simplificador da psicologia cor radiográfica da alma espanhola. Tudo embala- cidade de Madri. Kika – sempre terna, inocente,
dos personagens, o romantismo grotesco e de- do pelas músicas e canções das mais ecléticas e Flávio Di Cola é publicitário e jornalista, mestre em
espontânea e pronta para o que der e vier – é,
Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, professor dos
sesperado como o caminho seguro para a queda despretensiosas origens como prolongamento da na verdade, a encruzilhada pacífica e passiva onde cursos de Comunicação Social, Cinema e Moda da Uni-
e a fragmentação da existência, e as provas de própria escrita do roteiro. Desde Federico Fellini, se encontram e se chocam uma violenta fauna versidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.

116 117
A flor do meu segredo

Um casal de médicos tenta fazer uma Paco, seu marido. Na primeira noite, ele mesmo
mãe entender que seu filho morreu em um aci- teve que lhe tirar as botas porque as apertavam e
dente de moto, mesmo que não pareça (seu pei- ela sozinha não conseguia.
to se move como se respirassse) porque seus Mas Paco não está. Esta é a razão por-
órgãos estão sendo oxigenados por máquinas. que Leo desmorona, simplesmente porque lhe
Mas seu filho está morto. Não é fácil explicar apertam umas botas. Seu marido está em Bruxe-
a morte cerebral, especialmente quando a mãe las. Nos meses anteriores a sua partida, o casal
está disposta a apegar-se a qualquer esperança vivia uma de suas maiores crises. Paco é militar,
por absurda que seja. Ao final desta desconcer- um estrategista profissional, que participa de uma
tante sequência se revela que a situação não é Missão de Paz para Bósnia. Pertence às forças
real, se trata de um ensaio, uma dramatização, a internacionais da OTAN, e solicitou voluntaria-
representação de um caso típico que enfrentam mente este destino.
diariamente os mesmos médicos que se fazem de A primeira sequência do fime, a ficção
atores. Esta representação faz parte de um semi- que interpretam os médicos e uma mãe (a que
nário organizado pelo Plano Nacional de Doação faz a mãe é uma enfermeira da equipe de Betty)
de Órgãos, para ensinar aos médicos o modo que se nega a entender a morte de seu filho, é
mais humano e mais claro de comunicar a trágica uma metáfora muito precisa do momento que
notícia da morte súbita ao parente da vítima. De- atravessa Leo. O amor de Paco está morto, mas
pois pedirão a doação de alguns de seus órgãos ela o defende cegamente e se agarra a qualquer
e para isso é necessário que o parente tenha en- esperança, por absurda que seja. Ninguém lhe ex-
tendido e aceitado a morte do ser querido. plica a evidência de um modo adequado, nem seu
Estes cursos são dirigidos por Betty, marido, nem sua amiga Betty, especialista em dar
uma famosa psicóloga. más noticias, que além de psicóloga é a amante
Na pausa para comer, Betty recebe a secreta de Paco.
inesperada visita de sua amiga Leo Macías. Bet- Em uma pasta cheia de recortes, que
ty fica surpresa (e chateada) com o surgimento Leo tem em sua mesa, sobresai um com a notícia
de sua amiga. Quando Leo explica a razão (“Vim da morte de Kurt Cobain. O título destaca uma
para que me ajude a tirar as botas. Me apertam e frase dita na última entrevista do músico: “Sofro
sozinha não podia”) a surpresa de Betty se con- além da conta”, dizem que disse.
verte em estupor. Também Leo sofre além da conta. Jun-
“Chamei minha asistente, mas não a to à pasta há sempre um copo grande de uísque.
encontrei”, diz Leo, quase chorando, “hoje é seu É que Leo também bebe além da conta.
dia livre... e não sabía a quem procurar. Não estou O adiamento da solução para seus
louca, Betty. Estou só”. problemas conjugais (poderia se dizer que Paco
Antes do colapso de Leo, Betty a aju- foi para Bruxelas deixando-a com a palavra na
da a tirar as botas e colocar umas mais folgadas. boca) provoca em Leo uma fragilidade e uma
Leo comenta que as botas foram um presente de incerteza que invade todos os aspectos de sua
121
vida. Começando pelo trabalho. Leo se sente tão Paco telefona de Bruxelas para anun-
fraca que é incapaz de mentir. Ainda que seja um ciar sua visita. Conseguiu um dia de folga. Diante
segredo, só conhecido por seu marido, sua amiga da perspectiva de voltar a ver seu marido, todos
íntima Betty e sua editora, Leo Macías é uma es- os problemas desaparecem.
critora de “romance rosa” que se oculta por trás Mas se equivoca, a partir desse mo-
do pseudônimo de Amanda Gris, uma das rainhas mento começa o autêntico calvário de Leo... Uma
do gênero sentimental. Obrigada por contrato aventura que a colocará à beira da morte...
(milionário) a entregar três romances por ano,
Leo há meses não o cumpre. Em vez de romance
rosa, sai um negro, segundo ela mesma confessa.
Para preencher este vazio, a Editorial Fascinación,
que publica as obras de Amanda Gris, edita sua
primeira Antologia e ameaça a escritora com um
processo e divulgar sua identidade, até este mo-
mento cuidadosamente escondida.
Leo passa os dias recortando notícias
dos jornais, lendo compulsivamente, e esperando
o telefonema de seu marido.
Betty a anima para que saia de casa e
ocupe seu tempo.
Leo decide buscar trabalho. Betty a
aconselha que tenha uma entrevista com seu
amigo Angel, redator-chefe das páginas culturais
do El País.
Leo vai vê-lo. Angel é um tipo simpá-
tico, bebedor, cinéfilo e fã de Amanda Gris. Não
suspeita que a mulher que tem a sua frente e que
vem pedir para colaborar em seu suplemento é
precisamente sua autora favorita. Para começar,
Angel propõe que escreva um artigo sobre a
Antologia de Amanda Gris. Leo se nega, diz que
odeia esse tipo de literatura e essa autora em
especial. Sai muito deprimida da entrevista. Mas
depois decide suicidar-se artísticamente e escre-
ve uma demolidora crítica de sua obra utilizando
outro pseudônimo.

122
O segredo do feminino tempo, poética de Almodóvar possibilita a todas
as mulheres que um dia passaram por isso, que
tristeza e nos ângulos que intensificam a dor da
protagonista. A música do cubano Ignácio Jacinto
por Rita Ribeiro se reconheçam. E percebam o seu próprio valor. Villa Fernández, conhecido como Bola de Nieve,
O talento de Pedro Almodóvar faz associada a citações de clássicos como “Casa-
com que as mulheres que transitam em tramas blanca”, nos convidam a aprofundar nessa dor, e
paralelas como sua mãe e a empregada de Leo, assim como uma personagem de Madame Gris,
Blanca (Manuela Vargas) desabrochem ao longo sobrevivermos. E a descobrir também, que as
da narrativa, revelando-se, como no caso desta, grandes dores devem ser vivenciadas, pois so-
uma fiel amiga e magnífica bailarina de flamenco, mente a partir dessa vivência achamos nosso
a dança da sedução e da força feminina. Con- rumo e deixamos nossa alma sentir, percebendo
traponto interessante entre as duas: Leo que que o badalo está dentro de nós.
aparentemente é bem sucedida sucumbe e a
Uma vaca sem badalo pode encontrar Gris. Seu casamento não tem volta, ela descobre
subserviente Blanca brilha no palco. Ainda assim,
o rumo de casa? A vida de Leo poderia ser um a traição da amiga. E não consegue mais honrar
Blanca não a abandona.
conto de fadas como os diversos romances açu- os compromissos com sua editora.
O segredo de “A flor do meu se-
carados que ela escreve sob o pseudônimo de Contrastando com o ambiente à sua
gredo” é apresentar um Almodóvar que caminha
Amanda Gris que lhe rendem fortuna, garantindo volta, as roupas de Leo são coloridas, como se ela
para a maturidade e entende em profundidade
seu anonimato. Assim como a autora, Leo es- quisesse roubar um pouco dessa cor e colocá-la
os dramas que permeiam o cotidiano. A sensibi- Rita Ribeiro é publicitária, pesquisadora na área de cul-
conde a dor de um casamento em ruínas. Seu em sua vida sem sentido. A fragilidade da autora
lidade aflora na fotografia de Afonso Beato, que turas urbanas, professora do Programa de Pós-Gradu-
marido, um militar em missão no estrangeiro, se revela em detalhes mínimos, como no fato de ação em Design da Universidade do Estado de Minas
contrapõe o colorido das roupas de Leo à sua
evita sua companhia a todo custo. Sua melhor não conseguir tirar as botas que lhe foram dadas Gerais.
amiga é amante de seu marido. Sua mãe vive em pelo amado.
constante atrito com a irmã, que sofre com o No auge de sua crise, ela é amparada
marido alcoolatra. Até esse momento, podería- por Angel, um anjo típico de um romance açu-
mos esperar uma comédia debochada de Almo- carado, que a ajuda e vai descobrindo a mulher
dóvar, com os contornos da histeria feminina fantástica que se esconde sob a frágil Leo. Nesse
exacerbados, como em seus filmes mais antigos. período, a autora se refugia no interior com sua
No entanto, “A flor do meu segredo”, mãe que lhe explica por uma metáfora sua situ-
de 1995, marca uma virada na obra do diretor. ação: ela estava “como uma vaca sem badalo, sem
Quem desabrocha é um autor sensível que desnu- rumo, sem orientação.” Almodóvar mostra com
da a história de uma mulher e de outras ao seu uma sensibilidade ímpar, o que é uma mulher
redor que vivem em meio a paixões e às limi- na crise da meia-idade que tem de recomeçar e
tações impostas pela condição feminina. construir novos caminhos. A personagem de Leo,
Aos poucos vamos sendo apresen- vivida intensamente por Marisa Paredes, con-
tados ao inferno de Leo, que sucumbe a uma segue transmitir todo o desespero de ver ruir
paixão que não mais existe e em crise em seu um mundo em que não se acredita, mas mesmo
trabalho. Como descrever um universo cor-de- assim, tenta-se agarrar a ele, pois o medo do
rosa quando tudo que se vê é cinza? desconhecido é ainda maior. A trajetória do de-
O mundo de fantasia construído por clínio de Leo, perdida na bebida, na recusa em
Leo vai ruindo: ela não consegue se reconhecer aceitar seu talento, na dependência de um marido
no trabalho de Amanda Gris e busca escrever que não a amava e de uma amiga interesseira faz
“literatura séria”. É quando conhece o editor do com que a personagem volte a suas origens e se
jornal para o qual pretende escrever, Angel, que permita o reconhecimento de quem ela de fato
lhe propõe seu primeiro desafio: criticar Amanda é, e de seu valor. A abordagem dura e, ao mesmo

124
Carne trêmula

Uma noite de 1990, três homens e


três armas encontram-se na entrada da casa do
consul italiano em Madri. Na casa está sozinha
Elena, sua filha, esperando ansiosa a chegada de
um traficante.
Os três homens são: Victor Plaza, (um
adolescente imaturo e marginal) e uma dupla de
policiais, David (25 anos) e Sancho (40). A tele-
visão exibe “Ensaio de um crime”, de Luis Buñuel.
Em outro bairro madrilenho, Clara, a mulher de
Sancho, rega as plantas de sua varanda, inconsci-
ente, mas não alheia ao drama que está acon-
tecendo na entrada da casa do consul.
Entre os três homens inicia-se uma
violenta discussão. Há muita confusão e uma das
pistolas dispara. A bala alcança David em plena
coluna vertebral.
Dois anos mais tarde, nas Paraolimpía-
das de Barcelona 92, sobre uma cadeira de ro-
das, o mesmo David faz uma cesta com a qual
a seleção espanhola consegue uma medalha de
bronze de basquete. Entre os espectadores está
Elena (afastada das drogas e da vida desregrada)
transformada em esposa do policial paraplégico.
Um canal de televisão transmite a partida, Victor
vê no aparelho da cadeia, rodeado de presos que
jogam uma partida de ludo ou dominó. É assim
que fica sabendo que Elena e David se casaram.
Faz quinhentos anos que Colombo
descobriu a América e dois que Victor está na
cadeia. No entanto, faltam mais quatro anos nos
quais estuda psicologia, teologia e carpintaria.
Um preso búlgaro ensina Victor a falar búlgaro.
Também acaba tornando-se fã da leitura da Biblia.
Além de cumprir a pena, o importante de estudar
é ter a mente ocupada e, assim, evitar a loucura.

129
Em diálogo com Buñuel
por Eduardo Peñuela Cañizal

Almodóvar é o cineasta do almodrama


e da sua escrita. Seus filmes se vinculam a esse
gênero e à maneira cinematográfica de escrever
de outro cineasta singular: Luis Buñuel.
“Carne Trêmula” (1997), apesar de
seus muitos valores políticos e poéticos, não é
uma das suas melhores fitas. Entretanto, é uma
profunda homenagem poética ao diretor de “A
bela da tarde” (1967). Em um processo de es-
crituração, entendido este termo como a mani-
festação das estreitas relações do corpo com a
escrita, Almodóvar representa nesta obra a me-
táfora instigante e intrigante do que viria a ser
a força do desejo. Essa metáfora, também e tão
bem explorada por Buñuel em seu “Ensaio de um
Crime” (1955). Tanto é assim que, de maneira
anagramática, invertendo os valores ou a con-
figuração das imagens, Almodóvar, numa das se-
qüências mais tensas de “Carne Trêmula”, cons-
trói, ao citar em abismo a passagem da morte da
senhorinha que cuida de Archibaldito em “Ensaio
de um Crime”, o itinerário metafórico de uma
bala perdida. Bala essa que parece buscar com
seus efeitos não já a morte da personagem, mas
os recintos mais íntimos do animal humano onde,
voraz, fervilha a necessidade do outro.
Em razão desse tipo de recurso – Eduardo Peñuela Cañizal é professor titular aposentado
da Universidade de São Paulo, titular da Universidade
repetido na trilha sonora numa alusão sutil a “Um
Paulista, onde coordena o Curso de Mestrado em Co-
Cão Andaluz”, não é, em que pese o sucesso de municação, vice-presidente da International Association
público, uma obra de fácil leitura. Ao contrário: é for Visual Semiotics e professor credenciado no pro-
grama de Pós-Graduação em Comunicação e Educação
um texto fílmico que se esconde e deixa inqui-
da Universidade Autônoma de Barcelona. É organizador
etos aos amantes do cinema de poesia. do livro “Urdiduras de Sigilos: Ensaios Sobre o Cinema
de Almodóvar”.

130
Tudo sobre minha mãe

Um ditado grego diz que só as mu-


lheres que lavaram seus olhos com lágrimas po-
dem ver com claridade. O  ditado não funciona
com Manuela. Na noite em que um carro atrope-
lou seu filho Esteban, Manuela chorou até ficar
totalmente seca. E longe de ver com claridade,
o presente e o futuro se confundem na mesma
escuridão.
Nessa mesma noite, enquanto espera
no hospital, lê as últimas linhas que seu filho es-
creveu em um caderno do qual nunca se separa.
“Esta manhã procurei no quarto da mina mãe até
encontrar um monte de fotos. Em todas faltava
a metade. Meu pai, suponho. Tenho a impressão
de que a minha vida falta esse mesmo pedaço.
Quero conhecê-lo, não me importa quem seja,
nem como se comportou com mamãe. Ninguém
pode me tirar esse direito...”
“Seu pai morreu antes de você nas-
cer” foi o máximo que Manuela chegou a dizer.
Em memória de seu filho, Manuela abandona
Madri e vai para Barcelona buscar o pai. Quer
lhe contar que as últimas palavras que seu filho
escreveu eram dirigidas a ele, ainda que não o co-
nhecesse. Mas antes deve dizer ao pai que quando
ela o abandonou há 18 anos estava grávida e que
tiveram um filho e que este filho acaba de morrer.
Também dirá que seu nome era Este-
ban, como ele, seu pai biológico antes de asumir
o nome Lola. Lola, a Pionera.
Manuela vai para Barcelona em busca
de Lola, o pai de seu filho. A busca de um homem
com este nome não pode ser simples. E na ver-
dade, não é.

135
Desejo e Maternidade a própria mãe que, na dor de perder o marido, se
vê diante do impasse de doar ou não seus órgãos.
menagem ao pai que antes de ser Lola, também
se chamava Esteban. Manuela vivencia a materni-
por Gabriela Lírio Gurgel Monteiro
Enfermeira, Manuela trabalha com pacientes que, dade duas vezes: no nascimento de Esteban, filho
dado a gravidade dos casos, são possíveis doa- de Rosa e Lola, a vida oferece a ela uma segunda
dores de órgãos. A situação se repete dupla- oportunidade.
mente: Manuela representa uma mulher diante do “Tudo sobre minha mãe” traz ainda, na
impasse a que assiste todos os dias no seu cotidia- figura de Agrado, uma cena emblemática do cine-
no e que,ironicamente,revisita ao perder o próprio ma de Almodóvar. Ao listar as transformações
filho e ter de decidir rapidamente pela doação. sofridas em seu corpo, como a colocação de pró-
No aniversário de Esteban, Manuela teses no rosto, nos peitos e na bunda, o travesti
o acompanha ao teatro. Juntos assistem à peça afirma que “Uma pessoa é tanto mais autêntica
“Tudo sobre minha mãe” (1999), de daquilo que não pode ser controlado. Tragédias “Um bonde chamado desejo”. Ao chegar, Estebán quanto mais se parece com aquilo que ela sem-
Pedro Almodóvar, é um filme sobre o desejo e cotidianas deflagram crises que impulsionam as quase é atropelado. Na saída, após Manuela reve- pre sonhou para si mesma”. Para além de uma
a maternidade, homenagem do diretor à própria personagens a se deslocarem. Em “Tudo sobre lar que já atuou como atriz na mesma peça e pro- discussão de gênero, o discurso de Agrado re-
mãe, a quem dedica o filme. Uma mulher se apai- minha mãe”, a tragédia de perder um filho faz meter revelar ao filho quem é seu pai, Esteban é flete o desejo de transformação do corpo femi-
xona por um homem que se transforma em um com que Manuela (Cecilia Roth) reencontre um atropelado ao correr para pedir um autógrafo a nino, tão recorrente na contemporaneidade.
travesti; um travesti descreve com precisão cirúr- amor do passado no desejo de reencontrar a si Huma Rojas (Marisa Paredes/Blanche Dubois). A
gica todas as transformações que passou para mesma, sua própria história. A personagem viaja repetição é, portanto, mola propulsora da nar- Gabriela Lírio Gurgel Monteiro é Professora Adjunta
rativa. Nela, os espelhamentos ocorrem e novos de Direção Teatral na Escola de Comunicação da UFRJ.
modificar seu corpo (afinal, o que é uma mulher?, de Madri a Barcelona, refazendo inversamente o
Possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo)
o que quer uma mulher?”); uma freira engravida percurso realizado 18 anos antes, quando grávida sentidos são suscitados. Na busca por Lola, tra- pela (1995), Mestrado em Letras (1999), Doutorado
de um travesti; uma grande atriz se apaixona pela de seu filho, Esteban (Eloy Azorín), fugia. Desta vesti e pai de Esteban, Manuela encontra Rosa em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
coadjuvante. Uma sucessão de encontros e des- vez, Manuela busca o paradeiro de Lola (Toni (Penélope Cruz), irmã de caridade que, grávida de Janeiro (2004) e Doutorado sanduíche - Université
Paris III- Sorbonne-Nouvelle (2002).  Pesquisadora do
encontros, inspirado em “Tudo sobre Eva”, com Cantó), pai de Esteban, na tentativa de realizar o de Lola, contrai HIV e morre no parto. Manuela
CNPq, desenvolve atualmente a pesquisa “A teatrali-
Bette Davis, filme que foi traduzido, para o es- desejo do filho morto, o de encontrar o pai que cuida de Rosa durante a gravidez e, depois, do dade cinematográfica e o uso de novos dispositivos na
panhol e para o português, com o título de “A nunca conheceu e nem sequer soube quem era. filho que também é batizado Esteban, em ho- produção de imagens” (bolsas PIBIC/PIBIAC/FAPERJ).
malvada”. O roteiro, repleto de referências do já
Ganhador do Oscar de melhor filme citado “Tudo sobre Eva”, de Mankiewski, passan-
estrangeiro em 2000 e de uma série de outros do a “Um bonde chamado desejo”, de Tenessee
prêmios1, “Tudo sobre minha mãe” inaugura uma Williams, “Noite de estréia” de John Cassavettes
nova etapa do cinema de Almódovar ao criar e a literatura de Capote, apresenta uma série de
personagens movidos pelo desejo e pelo poten- acontecimentos que se espelham. Não é à toa
cial de regeneração, revelados através de nar- que, logo nas primeiras sequências do filme, Este-
rativas que funcionam como trajetórias de uma ban escreve com uma caneta na lente da câmera,
cartografia, em que, segundo Sennett, “homens gesto que traduz a opção pela via da metanarra-
e mulheres podem transformar-se, no curso de tiva escolhida por Almodóvar. Na sua escrita, so-
uma vida, em estrangeiros para si próprios”. São mos convidados a espectadores de nossa própria
histórias, fragmentos de vida que, ao se conec- ficção, inscrevendo-nos na dupla proposição do
tarem, criam uma espécie de combustão que diretor. Através do movimento de repetição e
potencializa o desejo, encaminhando os persona- de deslocamento de vivências das personagens,
gens a situações-limite. O sentimento de ser es- o diretor inscreve possíveis rotas de fuga na car-
trangeiro para si mesmo vem do reconhecimento tografia/roteiro de “Tudo sobre minha mãe”. A
*Globo de Ouro (2000), Palma de Ouro de melhor diretor em autoria aqui é revelada justamente nos espelha-
Cannes(2000), Prémio Cesar (2000), entre outros. mentos: Esteban é roterista de um enredo sobre

136
Fale com ela

A cortina de rosas em cor salmão e


grandes franjas douradas que cobre o palco se
abre para ver um espetáculo de Pina Bausch,
“Café Müller”. Entre os espectadores, dois ho-
mens estão sentados juntos por acaso, não se
conhecem. São Benigno (um jovem enfermeiro)
e Marco (um escritor de quarenta e poucos
anos). No palco, completamente cheio de cadei-
ras e mesas de madeira, duas mulheres com os
olhos fechados e os braços estendidos se movem
ao compasso de “The Fairy Queen”, de Henry
Purcell. A peça provoca tal emoção que Marco
começa a chorar. Benigno pode ver o brilho das
lágrimas de seu casual companheiro na escuridão.
Gostaria de lhe dizer que ele também se emo-
ciona com o espetáculo, mas não se atreve.
Meses mais tarde, os dois homens vol-
tam a se encontrar na Clínica “El Bosque”, uma
clínica privada onde Benigno trabalha. Lydia, a
namorada de Marco, toureira profissional, foi feri-
da e está em coma. Benigno justamente se ocupa
do cuidado de outra mulher em coma, Alicia, uma
jovem estudante de balé. Quando Marco passa
perto da porta do quarto de Alicia, Benigno não
hesita em abordá-lo... É o início de uma intensa
amizade...Tão linear quanto uma montanha-russa.
Durante o tempo suspenso entre as
paredes da clínica, a vida dos quatro personagens
flui em todas as direções, passado, presente e
futuro, arrastando os quatro a um destino ines-
perado.

141
A arte como reflexo e refúgio
por Kleber Mendonça Filho

Para os que acompanham a trajetória poder que a arte tem sobre os que sentem. Fica
do diretor Pedro Almodóvar, um ponto claro de a sensação de que essa idéia foi apenas ensaiada
atração para a sua obra é o seu interesse pelos no seu filme anterior, “Tudo sobre minha mãe”
mecanismos da arte inserida nos seus filmes, (1999), quando sentíamos a carga emocional que
incidindo sobre seus personagens. Um filme de uma montagem de “Um bonde chamado desejo”
Buñuel passando numa TV ligada no canto em trazia para uma das personagens. Em “Fale com
“Carne trêmula”, a presença do cinema em “Má ela”, a arte é não apenas reflexo, mas também
educação”, personagens que começam a cantar refúgio e uma alavanca para sentimentos e ações.
alegremente dentro de um carro ao final de “Ata- Não há muito sentido em tentar apre-
me!”. Em “Fale com ela” (Espanha/França, 2002), sentar uma sinopse de “Fale com ela”. Qualquer
esse convite para que a arte agregue à sua nar- tentativa de narrar a trama poderia resultar numa
rativa encontra um espaço emocional e irracional espécie de leitura romântica de uma ocorrência
dos mais fortes na sua obra. policial.
De fato, caso o espectador sintonize A graça e a beleza dessa relação hu-
a onda do filme, “Fale com ela” pode provocar o mana que, colocada grotescamente sem pingos
tipo de torpor que geralmente associamos à boa nos “i”s, envolve camas de hospital e estupro,
arte. Tal sensação pode ser creditada à arte do deve ser creditada à solidez do amor de Benigno
cinema como um todo, da sua forma e elegância (Javier Cámara) por Alicia (Leonor Watling) e à
de ritmo, à música, aos atores no espaço da tela delicadeza e interesse que Almodóvar imprime
e à própria história contada. O filme associa-se na tela a esse amor. Nesse sentido, “Fale com ela”
generosamente a outras artes para nos lembrar tem algo de “Ata-me!” (1990), onde um homem
que as pessoas poderão sempre refugiar-se da amarrava uma mulher numa cama e esperava que
tristeza e da saudade na expressão artística, en- ela se apaixonasse por ele. E ela se apaixonou.
contrando reflexos claros dos seus sentimentos. Almodóvar nos mostrava que esse amor rude
Ou seja, é o retrato do próprio espectador que, chegava de maneira lógica e sentida, com enorme
por ventura, poderá sentir-se atraído pela simples tesão.
lembrança do filme, ou mesmo pela necessidade Há um outro amor em “Fale com ela”:
de vê-lo mais de uma vez. o de Marco (Dario Grandinetti) por Lydia (Rosa-
Abrindo “Fale com ela” com uma co- rio Flores). Marco é o homem que chora na aber-
reografia da alemã Pina Bausch, vemos, em um tura com a movimentação de Bausch no palco.
plano de reação, o rosto banhado de lágrimas Na hora, Marco não sabia, mas sua emoção era
de um homem. Almodóvar, sem nenhum inte- observada discretamente por Benigno, que narra,
resse em ser lacônico, apresenta de imediato o por sua vez emocionado, o que viu para Alicia.

142
Narra não apenas os detalhes da coreografia
de Bausch, mas também o efeito que a arte de
zer parte da mulher que ama, física e literalmente.
“Fale com ela” é resultado emocio- 5 perguntas para
Bausch teve sobre seu vizinho de poltrona, Mar-
co. Lendo tudo isso pode parecer desconexo, mas
nante de uma sofisticação notável por parte do
seu autor, que filma não apenas do seu próprio
Javier Cámara
Almodóvar sabe montar seus jogos de olhares. olhar inconfundível, mas ainda o reprocessa via
Meses depois, os homens se co- rica herança cultural do chamado “cinema de
nhecem por causa das suas mulheres. Eles con- lágrimas”, tão caro à cultura latina. Lembrem
versam sobre suas experiências de amar em um ainda que não existem melodramas tão profun-
jogo de palavras que, embora ouvidas e com- dos como esse, sensíveis no toque e na clara ex-
preendidas, não parecem aproveitadas, nem por posição de suas verdades sugeridas sobre essa
um, nem pelo outro. Ironicamente, refletem entre vida sempre imprevisível.
si a relação que cada um tem de (não)comuni- Estamos aqui em claro território
cação com Alicia e Lydia. As duas encontram-se Romântico, no sentido literário do termo. Per-
Você começou no teatro, já havia
em estados suspensos, os homens tentando com- sonagens não são exatamente práticos nessa
feito cinema e deixou um programa
pensar com suas energias próprias o que falta história de amores. É gente que se enterra cada
de TV para trabalhar pela primeira vez
nessas mulheres. vez mais em paixões que os levarão à tristeza, à
com Almodóvar em “Fale com ela”.
Benigno e Marco, no entanto, dão ou- saudade e a barreiras emocionais de difícil trans-
Como isso aconteceu?
vido às artes. Almodóvar pontua seu filme com posição. Eu estava na televisão fazendo uma série que
a arte de Caetano Veloso, Elis Regina e Tom Jo- Como alguns devem saber, não há sen- ocupava todo meu tempo e não podia fazer ou-
bim embalando a arte de Lydia, uma respeitada satez em boa parte dos que amam e Almodóvar tros trabalhos. Quando Pedro me chamou, tive
toureira, aqui dissecada pelo olhar de Marco em investiga com olhar meio atordoante e incrível que deixar tudo. Ele simplesmente de disse: “Es-
imagens que celebram cores, botões e corte, ine- respeito e compaixão esse tipo de insensatez. pero que goste do roteiro”. Apenas isso. Quando
gavelmente, espanhol. Nesse segmento de ima- cheguei em casa e li “Fale com ela”, percebi o
gens, Almodóvar carrega nas tintas de um olhar presente que ganhava.
latino e sentimental, mas parece fazer isso com O que significou em sua vida artís-
tanta vontade que o efeito é expressivo. tica esse primeiro filme?
A partir de um determinado momen-
to, o espectador talvez sentirá que tudo parece Muito. Muitíssimo. Cresci como ator. Pedro
funcionar em dobro no filme, de Alicia e Lydia ajuda muito os atores no set. Ele precisa de
vestidas em rituais que celebram o corpo, às atores livres em todos os sentidos.
duas tomando sol, ou a postura dos dois homens Quantos anos depois de “Fale com
perante ambas e a relação deles com o amor. ela”, você voltou a trabalhar com
mundos novos. Necessidade de escrever e con-
Do lado de Benigno, seu amor por Ali- Almodóvar em “Má educação”. Aí já
tar. Necessidade de colocar em imagens seu uni-
cia avança numa nova e trágica direção, depois era um personagem muito diferente.
verso pessoal. Ele não pode deixar de dirigir e
de ser chacoalhado mais uma vez pela arte, e Como foi a experiência?
essa arte é o cinema. Ele sai perturbado de uma estar em criação constante. Precisa que o ator, a
Kleber Mendonça Filho é jornalista e crítico de cinema, Ainda melhor, tive muito liberdade para com- equipe inteira esteja cem por cento no trabalho.
sessão de “El Amante Minguante”, um falso filme tendo escrito para o Jornal do Commercio, Folha de S. por minha personagem Paca. Gosto muito desta Diverte-se e sofre igualmente.
mudo brilhantemente filmado num pastiche de Paulo e seu próprio site, o CinemaScópio. É programador
personagem e foi uma filmagem bem difícil, mas
preto e branco por Almodóvar, aqui claramente do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do Janela
que me pareceu rápida.
Há alguma possibilidade de vol-
Internacional de Cinema do Recife. Como cineasta e
no seu dia de Luis Buñuel. Estrelado por Paz Vega
roteirista, seus filmes são “A Menina do Algodão” (2003), tarem juntos ao set? No que você tra-
(de “Lúcia e o Sexo”) e Fele Martínez (de “Os “Vinil Verde” (2004), “Eletrodoméstica” (2005), “Noite de Quais são as qualidades do Almo- balha hoje?
Amantes do Círculo Polar”), o curta perturba Sexta, Manhã de Sábado” (2006), “Crítico” (2008) e “Re- dóvar-diretor?
cife Frio” (2009) Trabalha, atualmente, na montagem do Claro! Eu estou sempre disposto a trabalhar
Benigno por mostrar um homem que passa a fa-
seu primeiro longa-metragem, “O Som ao Redor”. Paixão. Muito trabalho. Necessidade de criar com ele. E agora estou trabalhando na televisão.

144 145
Má educação

Madri 1980. Enrique Goded, um jovem rique se tornou um frustrado e precoce pai de
diretor de 27 anos, que apesar de sua juventude família provinciano e Ignacio se transformou em
já dirigiu três filmes de sucesso, procura uma Zahara, um travesti viciado em drogas que imita
história para seu quarto filme entre as páginas Sara Montiel e é membro de uma companhia de
dos jornais (um evento chama muito sua atenção teatro de revista, de quinta categoria. O argu-
e recorta a noticia do jornal: “Em um zoológico mento é relatado do ponto de vista de Zahara,
de Taiwan, na hora de maior público, uma mu- que na noite atua no cassino da cidade onde está
lher se joga em um tanque cheio de crocodilos. o colégio no qual estudaram Enrique e ele. O en-
Enquanto os crocodilos a devoram, a mulher se contro dos três personagens, na ficção, termina
abraça a um deles sem emitir um só gemido.”) tragicamente.
A campainha da porta toca, o visitante Enrique Goded lê o argumento com
é um atraente rapaz de barba que diz ser seu muito interesse. Emociona-se com a primeira
companheiro de colégio Ignacio Rodríguez. En- parte, relativa a sua infância, sua história de amor
rique lembra-se perfeitamente de seu amigo de com Ignacio, interrompida pelo Padre Manolo
colegio, mas não reconhece nenhum de seus que, apaixonado por Ignacio, expulsa Enrique do
traços no joven visitante. Mas também fazem 16 colégio para não competir com ele. A segunda
anos que não se veem. Embora Enrique ainda não parte, a visita de Ignacio ao colégio, transformado
saiba, tem diante de si, sorrindo e segurando sua em Zahara, é intrigante e desconcertante, mas
mão, a história de seu próximo filme. também lhe interessa.
Na época do colégio Ignacio tinha vo- Decide adaptar o argumento de “A
cação literária, pouco a pouco foi abandonando-a visita” e fazer o filme. Quando informa a Igna-
pela de ator. Mesmo assim, traz consigo um argu- cio Rodríguez, cujo nome artístico atual é Án-
mento intitulado “A visita”. Entrega-o a Enrique gel Andrade (pede que o amigo o chame sem-
para ver se interessa. O argumento se inspira pre assim), ele explode de alegria. Só impõe uma
na infância de ambos no colégio, seus problemas condição, trabalhar no filme como ator. Enrique
com os padres, em especial com o Padre Diretor, não se importa, mas quando Ignacio (Ángel) pede
a repressão, o futebol, a hipocrisia, a deformação para interpretar o protagonista, ou seja, o tra-
do espirito, os assédios, as missas em latim can- vesti Zahara, Enrique diz que o personagem não
tadas por Ignacio, solista do coro etc. Paralela- combina com ele (por outra lado não entende o
mente também narra uma descoberta essencial pedido). Ele é muito masculino, está muito forte,
para os dois meninos, o cinema: Sara Montiel, é físicamente o oposto de um personagem como
Hércules, Desayuno con diamantes, Moon river, Zahara. Ignacio (Ángel) insiste, pede que confie
Johnny Guitar, etc. nele, Enrique responde que é muito difícil confiar
A imaginação de Ignacio-autor faz com nele... e acabam discutindo violentamente. Ignacio
que os três personagens se encontrem (no ar- (Ángel) se despede dizendo que se ele não inter-
gumento) anos depois, quando são adultos. En- pretar Zahara, não haverá filme.

149
Durante os dias que se seguem a dis- isso. O falso Ignacio pede desculpas pela violenta panheiro de colégio. Não importa o preço que velho que a última vez que o viu, no dia em que
cussão, Enrique não consegue tirar da cabeça o discussão da última vez que se viram e oferece os tenha que pagar pela aventura. o expulsou do colégio. Agora é Enrique quem
misterioso visitante. Investiga, afinal, essa é uma direitos de “A visita” para o cinema, sem impor Passam muitos meses de preparação, o expulsa de seu camarim. Mas o Sr. Berenguer
das tarefas do narrador, indagar ao fundo seus nenhuma condição. Não fala nada sobre Ignacio, chega o primeiro dia de filmagem de “A visita”, permanece imóvel e pergunta: “Não quer saber
personagens para entendê-los melhor e narrá-los nem menciona sua mentira em nenhum momen- e também chega o último. Enrique penetra com como morreu Ignacio e quem o matou?”. Não
melhor. Enrique descobre que o atraente rapaz to. Só pede para fazer um teste para o papel de frequência em Ángel Andrade, mas só fisica- gostaria de conhecer a identidade de Ángel An-
que veio pedir trabalho não é Ignacio Rodríguez, Zahara (Enrique ouve atônito). Como se pode mente, não consegue descobrir nada sobre a drade, o ator de seu filme?
senão um impostor que teve acesso ao autên- comprovar já mudou físicamente e começou a morte de Ignacio e o mistério de Ángel continua E Enrique “quer saber”. Impulsionado
tico Ignacio. Também descobre que o autêntico trabalhar em um local de travestis para aprender intacto. Mas no último dia alguém visita o set e se pela mesma suicida curiosidade que o levou a
Ignacio morreu três anos antes, pouco depois de pluma y mariconeo, além disso, tem aulas particu- esconde atrás da equipe para ver sem ser visto. trabalhar com Ángel Andrade, sabendo que era
escrever “A visita”. lares com Sandra, um travesti especializado em Quando Enrique volta a seu camarim, um impostor, Enrique permite que Padre Manolo
O choque da descoberta aumenta Sara Montiel. para buscar suas coisas, surpreende o misterioso conte a verdadeira história de Ignacio-adulto e
quando, poucos dias depois, Ángel Andrade (o Enrique faz o teste, dá o papel a Ángel desconhecido mexendo nas fotos da filmagem. enquanto escuta se sente como a mulher que se
falso Ignacio) volta a visitá-lo. Ele fez a barba e e o converte em seu amante. Quer conhecer as O visitante se faz chamar pelo seu primeiro so- jogou ao tanque de crocodilos e se abraçou a
emagreceu um pouco. Enrique acredita que ele razões do impostor e até onde levará sua menti- brenome, Sr. Berenguer, mas Enrique reconhece eles enquanto a comiam.
veio pedir desculpas e explicar tudo, mas não é ra e quer saber como Ignacio morreu, seu com- Padre Manolo, vestido à paisana e 17 anos mais
Reencontro com o espírito
rebelde
por Luciano Trigo

Olhando-se retrospectivamente sua já adultos – e se deparam com a possibilidade


trajetória, de Pedro Almodóvar pode-se dizer (ou a necessidade) de um ajuste de contas com
que amadureceu a cada novo filme. Por outro o passado.
lado, pode-se dizer também que, sobretudo após “Má educação” é o filme menos en-
o sucesso internacional de “Mulheres à beira de graçado, mais adulto e mais intimista do diretor
um ataque de nervos”, o diretor espanhol pas- espanhol. Ele toca em questões que vão muito
sou a fazer concessões que tornaram seu cinema além da crítica à hipocrisia da Igreja na Espanha
mais palatável ao grande público – mas o distan- franquista – que ajudou a moldar a identidade
ciavam cada vez mais da radicalidade iconoclasta dos protagonistas, “mal” educados porque, adul-
de seus primeiros trabalhos. tos, encontraram um mundo com valores bem
Por isso mesmo, quando foi lançado diferentes daqueles que lhes  ensinaram no colé-
em 2004, “Má educação” surpreendeu e desa- gio católico – valores associados ao medo e à
pontou muitos fãs do Almodóvar versão light, já culpa.
que o filme marcou o reencontro do cineasta Não se trata, contudo, de uma crítica
com o espírito rebelde de “Matador“ e “A lei do óbvia e barata a padres pervertidos e repressores,
desejo”. Aqui, ele mergulha nos próprios fantas- nem tampouco de um elogio festivo à sexuali-
mas sem se preocupar com as expectativas do dade clandestina, mas sim de um questionamento
público e da crítica, o que explica a recepção fria sobre os laços que prendem os homens ao seu
ao filme após a calorosa acolhida internacional a passado. Almodóvar faz o espectador refletir so-
“Fale com ela”. bre o modo como os nossos desejos e os papéis
Almodóvar trabalhou durante dez sociais que assumimos são determinados (ou
anos no roteiro de “Má educação”, que se con- não) por imperativos afetivos e psicológicos liga-
verteu numa verdadeira obsessão. Economizando dos a experiências de formação. (Aliás, o próprio em diferentes momentos de suas vidas. Com o o papel libertador da criação artística. Por tudo
no humor como tempero do melodrama e nas diretor negou ter feito um filme anticlerical: sua refinamento plástico e a direção de atores im- isso, “Má educação” é um filme que pode não
referências à cultura pop, ele fez uma espécie atração quase fetichista por elementos da liturgia pecável de sempre, com destaque para a convin- fazer rir, mas seguramente faz pensar.
de autobiografia da alma, ainda que negue ter católica é evidente: imagens de santos e virgens cente e corajosa interpretação de García Bernal,
aproveitado episódios de sua vida na história. Os povoam quase todos os seus filmes). Almodóvar parte desse sentimento para brincar
Luciano Trigo é jornalista e escritor, além de Especia-
protagonistas são dois jovens, Enrique (Féle Mar- Não é à toa que a palavra “pasión” com a relação entre realidade e representação, lista em Regulação na ANCINE – Agência Nacional do
tinez) e Ignacio (Gael García Bernal), que, na in- cresce até ocupar a tela inteira no final de “Má com a fragilidade das aparências, com o sexo Cinema.  Foi crítico de cinema no Jornal do Brasil e no
fância, compartilham uma traumática experiência educação”. Almodóvar fez um filme sobre a como instrumento de poder, com a ação trans- Globo, entre outros veículos de comunicação, e dirigiu
um curta-metragem em 2005, ‘Valentina vai á praia’. Es-
num colégio jesuíta, envolvendo um padre pedófi- paixão, que independe do contexto de repressão formadora do tempo, com a busca da identidade creve um blog sobre cinema e literatura, “Máquina de
lo. Separados por 16 anos, eles se reencontram ou liberdade em que se movem os personagens, num mundo em transformação e, por fim, com Escrever”.

152 153
Volver

Madri. Dias de hoje. Raimunda é uma no velório, escuta rumores de que sua mãe (que
jovem mãe, empreendedora e muito atraente, morreu em um incêndio com seu pai) voltou de
com um marido desempregado e uma filha em outro mundo para cuidar nos últimos anos de
plena adolescência. A economia familiar é muito sua Tia Paula, que estava doente. As vizinhas falam
precária, por isso Raimunda tem vários trabalhos. com naturalidade do “fantasma” da mãe.
É uma mulher muito forte, uma lutadora nata, mas Quando Sole volta a Madri, depois de
também muito frágil emocionalmente. Desde sua estacionar, escuta uns ruídos vindos da mala do
infância guarda em silêncio um terrível segredo. carro. Uma voz pede que abra a mala e a deixe
Sua irmã Sole é um pouco mais velha. sair que é sua mãe. Sole, a princípio, fica assustada.
Tímida e receosa, ganha a vida com um serviço As pancadas na mala deixam de fazer ruído. Sole
de cabeleireira clandestino. Seu marido a aban- abre e ali encontra, rodeada de bolsas, o fantasma
donou, partindo com uma cliente. Desde então, de sua mãe. Não se atreve nem a olhar, mas quan-
vive só. do consegue vencer o medo percebe que o fan-
Paula é a tia das mulheres, vive em um tasma é igual a sua mãe quando era viva, exceto
povoado de La Mancha onde nasceu toda a famí- pelos cabelos agora quase brancos e despentea-
lia. Um povoado varrido pelo vento leste, causa dos e pela pele mais pálida.
direta do elevado índice de loucura que se regis- Sobe com a mãe para casa e pergunta
tra no lugar. Esse maldito vento é o responsável até quando pensa ficar. “enquanto Deus quiser”,
pelos múltiplos incêndios que assolam a região a responde o fantasma. Diante da enormidade da
cada verão. Em um dos incêndios morreram os resposta, Sole não tem outra opção senão con-
pais de Sole e Raimunda. viver com o fantasma materno e integrá-lo ao
Um domingo de primavera, Sole cha- trabalho no salão de cabeleireiro. Para as primei-
ma Raimunda para dizer que Agustina (uma vizi- ras clientes a apresenta como uma mendiga
nha do povoado) lhe comunicou por telefone russa que encontrou na rua. Deu-lhe casa por
que sua Tia Paula morreu. Raimunda adorava sua caridade. Quando há clientes, a mãe não fala, só
tia, mas não pode ir ao enterro porque momen- lava cabelos e sorri. Sole não se atreve a confes-
tos antes de receber a ligação de sua irmã, quan- sar a sua irmã a situação que vive. Por seu lado,
do voltava de um de seus trabalhos, encontrou o Raimunda só comenta que Paco, seu marido, as
marido morto na cozinha, com uma faca cravada deixou e que pressente que não voltará. Na ver-
no peito. Sua filha confessa que o matou porque dade, está tratando de se livrar do cadáver, mas
o pai, bêbado, lhe assediou insistentemente. O não encontra o momento porque apareceu um
mais importante para Raimunda é salvar sua filha. trabalho que economicamente a compensa, além
No entanto, não sabe como e não pode acom- de proporcionar uma possível solução para o seu
panhar Sole ao enterro de sua tia em La Mancha. problema... (o que fazer com o cadáver).
A contragosto, Sole vai sozinha ao O insustentável se torna o cotidiano.
povoado. Entre as mulheres que a acompanham Cada qual por seu lado, as duas irmãs empreen-

157
dem um voo para frente, sobrevivendo a situ-
ações muito tensas, melodramáticas, cômicas e
também muito emocionantes. Ambas as solucio-
nam na base da audácia e da mentira sem o
menor limite. “Volver” é uma história de sobre-
vivência.Todos os personagens lutam para sobre-
viver, inclusive o fantasma da avó.
A avó fantasma diz a Sole que quer
ver sua filha Raimunda e sua neta. Deve falar com
Raimunda porque essa conversa é a razão pela
qual voltou de outro mundo... E essa urgência so-
brenatural está relacionada com o segredo que
Raimunda esconde desde menina. Mas isto não
conta a Sole. Mas Raimunda tem uma personali-
dade muito forte, não é tão maleável como Sole
e não crê em fantasmas, nem mesmo quando en-
contra sua mãe escondida debaixo da cama na
casa de Sole...
Tudo isso é apenas o princípio de uma
história complexa e simples, emocionante e atroz
que afeta as mulheres da família de Raimunda,
suas vizinhas e alguns homens.

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Fortaleza feminina
por Francisco Russo

Desde “Mulheres à beira de um ataque da vai ao encontro da mãe no ponto de ônibus,


de nervos” (1988), o filme que o lançou ao es- aguardando seu retorno do trabalho.
trelato internacional, Pedro Almodóvar ficou O súbito assassinato é motivo sufi-
conhecido pela sensibilidade ao abordar temas ciente para desespero. De repente, o núcleo fa-
femininos. É comum ver as mulheres assumindo miliar é destruído: o pai está morto, a filha é uma
posições de destaque na trama de seus filmes, de assassina e houve uma tentativa de estupro. Ao
forma a refletir aflições e sentimentos próximos invés de entrar em pânico, Raimunda assume o
ao seu universo. Após duas incursões masculinas, papel de mãe. Ela precisa proteger Paula, inde-
“Fale com ela” (2002) e “Má educação” (2004), pendente do que aconteça. “Se alguém perguntar,
Almodóvar retorna ao seu tema predileto em eu matei Paco”, logo afirma à filha. A fortaleza
“Volver” (2006). vem à tona no sentido de esconder o inevitável
Liderado por uma vibrante Penélope choque sofrido e ser prática, fazer o que precisa
Cruz, o elenco conta ainda com Lola Dueñas, ser feito. O foco é tamanho que, ao atender a
Blanca Portillo, Yohana Cobo e Chus Lampreave. porta para um vizinho e ser flagrada com um
Marca também o retorno da parceria com Car- pouco de sangue no pescoço, rebate com um
men Maura, presente em outros oito filmes do simples “É coisa de mulheres”. Uma fala deliciosa A possibilidade do sobrenatural é trata- no mesmo local onde está seu marido morto, de
diretor, mas que não trabalhava com ele já há 18 inserida por Almodóvar, que representa bem a da por Almodóvar com pés no chão: Irene con- forma que a necessária volta por cima exija lidar
anos. No filme todas compõem mulheres fortes e compreensão do universo feminino e suas par- versa, é vista e toca outras pessoas normalmente, com os podres do passado. Assim também será
decididas, que passam por maus momentos sem ticularidades. sem o uso de qualquer efeito, visual ou sonoro. com Irene, só que em um contexto bem mais
jamais baixar a cabeça para choramingar pelos “Volver” tem ainda uma segunda tra- Ela está entre as demais mulheres da trama e profundo e íntimo.
cantos. São verdadeiras fortalezas, no sentido ma de igual importância, relacionada à morte de participa de seu cotidiano, naturalmente. Um ar- “Volver” é um filme sensível, que trata
de suportar o sofrimento e dar a volta por cima, Irene (Carmen Maura), mãe de Raimunda e Sole tifício melhor compreendido com o desfecho do de questões dolorosas para o universo feminino
sempre à sua maneira. O melhor exemplo vem de (Lola Dueñas). Considerada morta em um incên- longa-metragem, mas que funciona muito bem ao e ressalta sua força. Seja para resolver os proble-
Raimunda, personagem que rendeu a Penélope dio ocorrido há 13 anos, ela tem sido vista no conduzir a dúvida existente. mas que surgem ou para seguir em frente, diante
Cruz sua primeira indicação ao Oscar. povoado onde vive sua irmã Paula (Chus Lam-   Além de sua ótica feminina, que dos traumas que a vida provoca. Destaque para
Raimunda guarda consigo um se- preave). É o fantasma que cuida dela, por muitos trata com carinho e atenção cada personagem, a belíssima cena em que Penélope Cruz canta
gredo referente à filha, Paula (Yohana Cobo), de considerada esclerosada. Quando Paula enfim Almodóvar brilha na condução do roteiro. As ce- a música título “Volver”, de Carlos Gardel e Al-
14 anos. As duas vivem com Paco (Antonio de la morre, Irene reaparece para Sole e vai consigo nas da morte de Paco seguem o melhor estilo Al- fredo La Pera. A voz na verdade é de Estrella
Torre), o único personagem masculino de alguma até o apartamento em que vive. Sua presença fred Hitchcock, usando a trilha sonora e imagens Morente, mas a interpretação da atriz fez jus à
relevância, que aos poucos vê na adolescente um traça uma linha tênue entre a crença e a reali- visualmente belas, como a absorção do sangue indicação ao Oscar.
novo alvo para saciar seu apetite sexual. Um dia, dade, realçada por comentários sobre o vento do pelo papel toalha, para compor o clima de tensão
Francisco Russo é criador, editor de conteúdo e crítico
bêbado, ele resolve atacá-la. Paula reage e acaba povoado e o fato de que, na família, as mulheres que o momento exige. O diretor ainda abusa do do site AdoroCinema.com e especialista em cinema do
matando-o, com o facão da cozinha. Em segui- sempre viveram mais que os homens. humor negro  ao colocar Raimunda trabalhando Frugar.com.

160 161
Abraços partidos

Um homem escreve, vive e ama na frutar a vida, a base da ironia e de uma amné-
escuridão. Quatorze anos antes sofreu um bru- sia autoinduzida. Apagou de sua biografia toda
tal acidente de carro na ilha de Lanzarote. No sombra de sua primeira identidade, Mateo Blanco.
acidente não só perdeu a vista, também perdeu Uma noite Diego sofre um acidente
Lena, a mulher de sua vida. e Harry se encarrega dele (sua mãe Judit está
Este homem usa dois nomes, Harry fora de Madri e decidem não contar nada para
Caine, lúdico pseudônimo com o qual assina não assustá-la). Nas primeiras noites de conva-
seus trabalhos literários, argumentos e roteiros, lescência, Diego pergunta pela época em que era
e Mateo Blanco, seu nome real, com o que vive Mateo Blanco, depois de um momento de espan-
e assina os filmes que dirige. Depois do acidente, to Harry não consegue negar e conta a Diego o
Mateo Blanco passa a usar apenas o pseudônimo, que aconteceu 14 anos antes com a intenção de
Harry Caine. Se não pode dirigir filmes, decide distraí-lo, como um pai conta uma história a seu
sobreviver com a ideia de que Mateo Blanco filho pequeno para que durma.
morreu em Lanzarote junto a sua amada Lena. A história de Mateo, Lena, Judit e Er-
Atualmente, Harry Caine vive graças nesto Martel é uma história de amour fou, domi-
aos roteiros que escreve e a ajuda de sua antiga nada pela fatalidade, ciúmes, abuso de poder,
e fiel diretora de produção, Judit García, e de traição e complexo de culpa. Uma história emo-
Diego, o filho dela, secretário, datilógrafo e guia. cionante e terrível cuja imagem mais expressiva
Desde que decidiu viver e contar é a foto de dois amantes abraçados, rasgada em
histórias, Harry é um cego ativo e atraente que de- mil pedaços.
senvolveu todos seus outros sentidos para des-

165
Um olhar cinematográfico
por Leonardo Luiz Ferreira

O 17º longa-metragem da carreira de quando se referem a essa nova fase, é na cons-


Pedro Almodóvar é uma ode ao olhar, tanto o trução de uma linguagem poética que Pedro, aos
que se captura através da lente cinematográfica poucos, arrebata o espectador. E “Abraços par-
quanto o que se escapa ao olho humano. É sin- tidos” é um reflexo direto desse trabalho, que
tomático nesse sentido que “Abraços partidos” parece, em princípio, buscar distância e manter as
se inicie com uma filmagem sendo observada por emoções sob controle para desembocar em uma
trás da câmera, enquadrando algo que parece não torrente, como a primeira cena de sexo entre
importar para a trama do filme e, logo em se- Mateo (Lluís Homar) e Penélope Cruz (Lena).
guida, ter uma transição de cenas para um plano- Ainda que as aspirações artísticas re-
detalhe de um olho. Por mais que a narração em quintadas estejam presentes em diversos planos
off assuma a perspectiva individual da ação, é por no filme, o melodrama resguarda o cerne nas
intermédio do olhar do cinema que Almodóvar relações interpessoais dos personagens. Uma
pretende guiar o espectador em meio a uma jor- fala como: “Ela não morreu em seus braços, foi
nada ambígua entre ver e sentir. A partir dessa com um beijo em sua boca”, está mais próxima
premissa, inúmeras foram as comparações com de Douglas Sirk (“Palavras ao vento”) do que de
“Um corpo que cai”, clássico de Alfred Hitch- cineastas que prezam pela austeridade dos senti-
cock, que reflete sobre a natureza humana tanto mentos, casos de Robert Bresson (“Pickpocket”)
quanto a essência do cinema: o significado por e Ingmar Bergman (“O sétimo selo”). É nessa li-
trás da imagem parte do subconsciente de cada nha tênue entre revelar e esconder que “Abraços
um. Ou seja, a obra só se completa e tem sentido partidos” se equilibra para dispor, lado a lado, o
em comunhão com o olhar de quem a assiste. amor obsessivo de um marido com a alegria de em uma passagem se elencam nomes de diversos se parte e uma metade se perde: “cryin´nobody
O cineasta Almodóvar dos anos 00 viver sem se preocupar com o amanhã. diretores com seus filmes dispostos na videoteca knows, nobody knows, body knows/how I loved
revela um cuidado meticuloso com a realização O filme explicita um maior número de pessoal do personagem principal, entre eles Fede- the man, as I teared of his clothes”. A música e a
cinematográfica: dos movimentos de câmera referências e citações do que o restante da filmo- rico Fellini (“Oito e meio”) e Nicholas Ray (“Ju- estrada como testemunhas de um amor que su-
estilosos passando pela utilização da paleta de grafia do diretor. Afinal nada melhor do que uma ventude transviada”). Mas é na autorreferência plica para que seu último beijo esteja no quadro a
cores em uma linha bem diferente dos anos 80, história sobre bastidores de cinema para que as que Almodóvar foca mais, no qual o discurso do quadro, e assim durar para sempre na eternidade
até os roteiros escritos com esmero sem ne- influências e homenagens sejam realizadas. O lon- roteirista Mateo perpassa a visão de mundo do da imagem do cinema...
nhum espaço para o improviso. Nesse período, ga dentro do longa se intitula “Chicas y Maletas” próprio cineasta, com uma declaração de princí-
ele funde o talento já presente desde o debut e remete à “Mulheres à beira de um ataque de pios no desfecho: “os filmes têm quer ser termi- Leonardo Luiz Ferreira é jornalista, crítico de cinema e
com a qualidade de encenação que o coloca no nervos”, com participações de parte do elenco, nados, ainda que às cegas”. cineasta. Membro da Associação de Críticos de Cinema
do Rio de Janeiro (ACCRJ). Atualmente, escreve sobre
panteão dos realizadores com obras mais con- como a marcante Rossy de Palma; a obra-prima A canção “Werewolf”, de Cat Power,
cinema no portal Almanaque Virtual e no site www.
sistentes em toda a carreira. Mas diferente da “Viagem à Itália”, de Roberto Rosselini, aparece dá o tom melancólico da despedida do casal um criticos.com.br. Dirigiu junto com Gustavo Beck, o seu
frieza e do cálculo que alguns podem apregoar na televisão em um momento-chave da trama; pouco antes do acidente de carro onde o abraço primeiro longa, “Chantal Akerman, de cá”.

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Terceira Parte
Um mundo de referências
O menino Pedro e o cinema
por Breno Lira Gomes

Era uma vez um menino, seu nome era Almodóvar é um apaixonado pelo cine-
Pedro e morava no interior da Espanha. Tinha ma. E essa paixão (algo tão marcante em seus
como passatempo preferido, nos dias livres no filmes) está presente em toda a sua cinemato-
internato de padres onde estudava, ir para o grafia. Assistir a um filme de Pedro Almodóvar é
cinema da cidade e assistir os filmes em cartaz. um verdadeiro show de referências. Na verdade,
Aquele menino assistia tudo que era programado ele mesmo diz que não é “um diretor cinéfilo,
na velha sala de exibição. Melodramas, filmes de que cita outros autores” em seus filmes. No
terror e suspense, nouvelle vague, neorealismo livro “Conversas com Almodóvar”, do jornalista
italiano. O pequeno Pedro não via distinção, con- francês Frédéric Strauss, Almodóvar revela que
sumia todos os filmes com uma avidez pouco quando integra um trecho de filme nos seus tra-
usual para a sua idade. Já crescido, o menino balhos, não está prestando homenagem, mas sim, Deseo, Almodóvar vai rumo a uma direção que suas histórias, o próprio circo cinematográfico.
agora um jovem rapaz, parte para Madri, e ali roubando algo que considera bom, e que inte- aos poucos irá colocá-lo não só como um dos A metalinguagem, recurso bastante usado por
descobre um novo mundo, em todos os sentidos. grará a história que está narrando. “Converto o principais diretores de cinema da Espanha, mas Almodóvar, é presente e marcante em seu cine-
Aquele universo cinza e árido da infância ficara cinema que vi na minha própria experiência, que também um forte produtor de audiovisual. Os ma. Vira e mexe os bastidores de uma filmagem
para trás, e era substituído por uma explosão se transforma automaticamente na experiência filmes realizados pela El Deseo vão ao encontro servem de cenário para suas histórias. A figura do
de cores e luzes de uma efervescente Madri. E de minhas personagens.” Em praticamente todos de seus desejos e gosto pessoal. Ele mesmo diz diretor, do cineasta, é um personagem que mui-
era na Cinemateca da capital espanhola, ainda os seus trabalhos, Almodóvar insere no roteiro que não pega qualquer projeto e que também tas vezes reflete aquele que realmente está por
sob o fantasma do General Franco, que o jovem algo de filmes que gosta e admira. Seja a exibição não é celeiro para revelar novos cineastas. Almo- trás das câmeras, comandando todo um grupo
Pedro pôde conferir clássicos hollywoodianos, mera e simplesmente de trechos da produção dóvar só encara aquilo que tem qualidade, que de pessoas. Em filmes como “A lei do desejo”,
cinematografias de países distantes e produções em questão, como pode ser também o uso da acredita ser bom de ser produzido, que tenha “Ata-me!”, “Má educação” e “Abraços partidos”,
de mestres europeus. Passava o dia assistindo os trilha sonora, só que levada para outro contexto. uma ótima história para ser contada ao grande o set de filmagem está lá. Todos os elementos
filmes programados. Conhecendo, aprendendo. Ele também não hesita em recriar planos e en- público. E por conta disso, a quantidade de títulos desse cenário (refletores, câmeras, estúdios) se
Aos poucos começou a se aventurar no mágico quadramentos de filmes que lhe causaram furor não é o forte da El Deseo, mas sim a qualidade fazem presentes. Inclusive os figurantes (técnicos,
mundo do cinema. Com um estilo debochado, no passado. Mestres como Hitchcock, Douglas de seus trabalhos. A lista de diretores produzidos dublês, maquiadores) e os protagonistas (cineas-
começou com filmetes em Super 8 até chegar Sirk, Billy Wilder, Antonioni, Nicholas Ray, Berg- por Almodóvar não chega a ser extensa, mas com tas em fim de carreira, diretores iniciantes, atrizes
ao seu primeiro longa-metragem lançado comer- man e Fellini são sempre citados em seus filmes. certeza tem força: Lucrécia Martel, Guillermo del voluptuosas, atores ambiciosos). Com o tempo, o
cialmente nos cinemas, “Pepi, Luci, Bom e outras Comprovando assim a forte influência deles em Toro, Alex de la Iglesia, Isabel Coixet, Paul Leduc, próprio Pedro Almodóvar passou a ser referên-
garotas de montão”. Já se passaram mais de trinta sua formação como cineasta. entre outros. cia para ele mesmo. Quando utiliza o recurso do
anos desde então, e o jovem Pedro, hoje reconhe- Esse olhar apurado de Almodóvar, O cinema está presente na vida do filme dentro do filme, ele já passa a citar suas
cido como Mestre Pedro Almodóvar, inspira mi- também vale para projetos em que ele acredita homem Pedro 24 horas por dia, 7 dias por se- próprias criações. Ou melhor, passa a roubar de
lhares de jovens pelo mundo, que como ele, bus- e aposta. Ao conquistar a “liberdade” e fundar mana, 12 meses no ano. Esse amor pelo cinema si mesmo aquilo que fez de melhor no cinema, e
cam no cinema uma forma de se expressar. ao lado do seu irmão Agustín, a produtora El é expresso, muitas vezes, quando insere em recria com um novo contexto.
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Almodóvar e os seios
de Sarita Montiel
por Silvia Oroz

Quando Almodóvar tinha uns oito amores complicados e percursos sinuosos.


anos deve ter visto o sucesso estrondoso de “El Outra coisa que deve ter chamado
ultimo cuple”, de Juan de Orduna e com Sarita a atenção da criança Almodóvar são os mara-
Montiel. Ninguém acreditava na produção de vilhosos seios de Sara Montiel, que iniciaram a
conteúdo folhetinesco e choroso. Os distribui- modernização do melodrama espanhol. Ver a
dores pensaram que não era um filme idôneo estrela com um generoso decote, nunca visto
para uma boa acolhida do público. Depois de antigamente, deve ter aguçado os sentidos de
tentar distribuição em diversos lugares, a CIFESA Almodóvar. Além do mais, em tecnicolor!!! Es-
– Compañia Industrial del Filme Español – topou, tava começando uma lenta transformação dos
quem sabe devido a sucessos anteriores de seu costumes espanhóis e, portanto, do melodrama
diretor. Estes dados são importantes para en- e do cinema desse país. Os seios fartos da diva
tender que o gosto popular e os outros gostos foram a ponta do iceberg que vai estourar, em
não batem. O filme estreou sem nenhuma con- mais ou menos, 1980, quando o “desbunde” es-
vicção e foi o público, espontaneamente, que o panhol, morto o Generalíssimo Franco, inunda
transformou em uma “obra mestra da bilheteria”. o país com novos ares de liberdade anarquista,
O filme ficou em cartaz 325 dias, quase um ano franqueza, independência. E sobre tudo com li-
e se transformou em um fenômeno do cinema cença para tudo o que foi proibido durante os
espanhol. O sucesso abrangeu também o público anos de chumbo do regime franquista.
latino americano e a comunidade hispânica nos Imagino que depois do “El ultimo cu-
Estados Unidos. Sara Montiel converteu-se de ple”, veio a fase de Douglas Sirk, Nicholas Ray,
um dia para outro na estrela do cinema espanhol. William Wayler... Os beijos, as separações, as
Certamente, Almodóvar foi ao cinema. Ele conta mortes, a sexualidade que todos esses diretores
que era assíduo espectador, alem de ter conside- revelam, foram a fonte onde Almodóvar bebeu
rado a Montiel como uma de suas grandes di- seu cinema. Mais ele fez uma coisa que estava li-
vas. Quando ouviu o seguinte da boca da estrela, gada a seu tempo. Ele hibridizou o melodrama.
deve ter vibrado sem saber o porquê: “Todos los Ele o transformou em um estilo impuro, como o
amores empiezan siendo um capricho.Y ojala termi- espírito dos tempos exige. O melodrama “almo-
naran siendo uma aventura.” Uma obra prima do dovariano” é uma fusão de estilos musicais, “mise-
kitsch melodramático que deve ter semeado al- en-scène” diferentes que convivem pacificamente
guma coisa no diretor. Assim como a história de e constituem uma obra contemporânea. Nesse

175
“Em meus filmes falo de todas as coisas que fazem
parte de minha experiência e da minha vida, e o cine-
ma faz parte da minha vida e da minha experiência.
Sou, como já disse, um espectador muito ativo. O
cinema não é somente um refúgio, mas também um
espelho no qual se projeta seu futuro. A sala de
cinema é o refúgio dos solitários e dos assassinos.”
Pedro Almodóvar

sentido, podemos dizer que o melodrama de com sentido de atualidade? Pois não há nada mais
Almodóvar é posto autônomo na perspectiva do contemporâneo que a falta de barreiras genéri-
uso de estéticas contaminadas por outros univer- cas, sexuais, amorosas...
sos. Suas histórias se misturam, se corrompem, se E a narrativa cinematográfica de Almo-
contaminam, se viciam. E sua estética acompanha dóvar, quiçá, começa em um cinema de cidade
a narração com uma impureza total. Há algum pequena onde, com sua mãe, assistia extasiado
elemento mais impuro, que o kisth que cerca toda aos seios de Sarita Montiel que o convidavam
sua obra? Ou a mistura de gêneros sem pudor e para alguma coisa pecaminosa.

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Tudo sobre o desejo – O apaixonante
cinema de Pedro Almodóvar
All about desire – The passionate cinema of Pedro Almodovar

2001, Reino Unido. Duração: 50 minutos


De Nick Cory Wright

Documentário produzido para televisão com um olhar raro sobre a carreira do diretor
Pedro Almodóvar e especialmente sobre os seus primeiros trabalhos. Narrado por Stephen Frears, o
documentário tem depoimentos de Antonio Banderas, Carmen Maura, Penélope Cruz, Rossy de Palma,
Victoria Abril, Woody Allen entre outros.

179
A espinha do diabo Minha vida sem mim
El Espinazo del Diablo My Life Without Me / Mi vida sin mí

2001, Espanha. Duração: 1h46


De Guillermo del Toro

Aos 12 anos de idade, durante a Guerra Civil Espanhola, Carlos é abandonado no decadente orfanato
de Santa Lúcia, que é dirigido pela aleijada Carmen e pelo misterioso professor Casares. Além de ser
2003, Canadá/Espanha.
recebido com hostilidade e violência pelas outras crianças e pelo cruel funcionário Jacinto, as escuras
Duração: 1h46
dependências da nova casa representam horror e mistério para o garoto. Até que ele recebe a visita
De Isabel Coixet
do fantasma de Santi, um menino que foi brutalmente assassinado na instituição que implora alívio para
seu tormento e, mais tarde, alerta para a iminência de uma desgraça. Por fim, o espírito pede a Carlos
Tendo apenas 23 anos, Ann é mãe de duas garotinhas, Penny e Patsy, e é casada com Don, que constrói
que execute uma terrível vingança.
piscinas. Ela trabalha todas as noites na limpeza de uma universidade, onde nunca terá condições de
estudar, e mora com sua família em um trailer, que fica no quintal da casa da sua mãe. Ann mantém uma
distância obrigatória do pai, pois ele há dez anos está na prisão. Após passar mal, Ann descobre que tem
câncer nos ovários. A doença alcançou o estômago e logo estará chegando ao fígado, assim ela terá no
máximo três meses de vida. Sem contar a ninguém seu problema e dizendo que está com anemia, Ann
faz uma lista de tudo que sempre quis realizar, mas nunca teve tempo ou oportunidade. Ela começa
uma trajetória em busca de seus sonhos, desejos e fantasias, mas imaginando como será a vida sem ela.

A menina santa A vida secreta das palavras


La Niña Santa La Vida Secreta de las Palabras

2005, Espanha. Duração: 1h55


De Isabel Coixet

Produzido pela El Deseo, empresa de Pedro Almodóvar, “A Vida Secreta das Palavras” conta a história
de Hanna, uma mulher solitária e com um passado misterioso. Funcionária exemplar, ela é obrigada a
tirar férias. Sem ter o que fazer e nem para onde ir, Hanna é voluntária para cuidar de Josef, um homem
2004, Argentina/França/Itália.
que ficou temporariamente cego depois de uma explosão numa plataforma de petróleo. Uma estranha
Duração: 1h44
intimidade surge entre eles. É uma ligação cheia de segredos, verdades, mentiras, condescendência e
De Lucrecia Martel
dor, da qual nenhum deles irá sair ileso e a qual irá mudar a vida de ambos para sempre.
Amália e Josefina têm 16 anos e moram na cidade de La Ciénaga, na Argentina. Josefina pertence a
uma família conservadora, enquanto a mãe de Amália, Helena, é divorciada e dirige um hotel. Certo dia,
após um ensaio de coral, as duas garotas se reúnem na igreja local para conversar sobre fé, vocação e
segredos sentimentais. Pouco depois Amália conhece o doutor Jano, que participa de uma conferência
médica no hotel de sua família. O encontro leva a jovem a descobrir sua verdadeira vocação: salvar os
homens do pecado.
180 181
Sonata de outono Cinderela em Paris
Höstsonaten Funny Face

1957, Estados Unidos. Duração: 1h43


De  Stanley Donen

Um famoso fotógrafo de modas, Dick Avery, trabalha para a Quality Magazine, uma conceitu-
ada revista feminina. Dick cumpre as determinações da editora da revista, Maggie Prescott, que não está
satisfeita com os últimos resultados e tenta encontrar um “novo rosto”. Dick o acha em Jo Stockton,
uma balconista de uma livraria no Greenwich Village onde um ensaio fotográfico ocorrera recente-
1978, França/Alemanha/Suécia. mente. Após certa resistência, Maggie aceita Jo como a modelo que irá à Paris para fotografar e ser o
Duração: 1h32 símbolo da Quality. Jo só concorda, pois lá poderá conhecer Emile Flostre, um intelectual cujas idéias
De Ingmar Bergman ela idolatra. Entretanto, ao chegarem em Paris as coisas não correm como o planejado.

Charlotte Andergast, uma bem sucedida pianista de concerto, acaba de perder Leonardo, o homem
com quem vivia há muitos anos. A sua morte abate-a, deixando-a num estado de solidão e perturbação.
A filha Eva, que está casada há alguns anos com um clérigo e vive numa pequena cidade da Noruega,
pede à mãe para a visitar. Durante alguns dias, as duas mulheres confrontam-se. Umas vezes sentem
repulsa pela outra, outras vezes procuram a sua companhia. Mas o encontro será crucial para o futuro
de ambas. O que está em causa na sua relação é obrigatoriamente o amor: a presença e a ausência
do amor, o desejo do amor, as mentiras do amor, o amor deformado, e o amor como a nossa única
esperança para sobreviver. 
Tudo que o céu permite
All That Heaven Allows
Noites de Cabíria
Le notti di Cabiria

1957, Estados Unidos/Itália. Duração: 1h50


De Federico Fellini

Cabíria é uma prostituta que leva uma vida simples em sua casa de um quarto nos arredores de Roma
na era pós-guerra.  Ingênua, ela sonha com o amor perfeito e acredita na bondade das pessoas. Um
dia, Cabíria conhece Oscar, um contador, que lhe declara amor com tanta veemência que ela não pode
recusar seus avanços.  Ele passa a cortejá-la de tal forma que ela se convence do seu verdadeiro amor.  1955, Estados Unidos.
A ingênua Cabíria abre seu coração, contando-lhe todo o seu passado, depois do que ele lhe propõe Duração: 1h30
casamento.  Ela, então, vende tudo o que tem, inclusive sua casa, fecha sua conta bancária e pega um De Douglas Sirk 
ônibus para se encontrar com Oscar.  Os dois caminham através de um bosque, onde Oscar se trans-
forma num outro homem, que a enganou apenas com o intuito de roubar tudo o que ela tinha.  Ao sair, Cary Scott é uma respeitável viúva da alta classe média, que se sente frustrada, mas reencontra o amor
sozinha, do bosque, ela caminha por uma estrada, completamente desolada e arruinada.  Entretanto, ao se apaixonar por Ron Kirby, seu jardineiro. Apesar de ser 15 anos mais velha e ter um casal de filhos
quando um grupo de alegres adolescentes, a caminho de um festival, a encontram, vê-se um sorriso de já crescidos, ela decide assumir esta paixão. Entretanto, Cary encontra preconceito em vários de seus
esperança iluminar seu rosto, pois, acima de tudo, ela é uma eterna otimista.  amigos íntimos e até mesmo nos filhos, que não aceitam que a mãe tenha tal relação.

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Horas de desespero Os olhos sem rosto
Desperate Hours Les Yeux sans Visage

1990, Estados Unidos. Duração: 1h52


De  Michael Cimino

Michael Bosworth é um criminoso psicopata que está sendo julgado. Ele seduz Nancy Breyers, sua
advogada, que o ajuda a escapar, mas enquanto fogem ela fica para traz. Ele decide esperar por ela, as-
sim decide se esconder na casa do Cornells. Mas os Cornells tem seus próprios problemas, pois Tim
Cornell e Nora Cornell estão se separando. Há ainda um agente do FBI que esta usando a advogada
para leva-lo até Bosworth.
1960, França/Itália.
Duração: 1h27
De  Georges Franju

Um famoso cirurgião, após desfigurar a filha num acidente de carro, lança-se no desenvolvimento de
uma nova forma de transplante facial a partir de uma doadora viva, fato que o levava a matar suas
pacientes para roubar-lhe os rostos. A técnica funcionou na sua assistente, mas o corpo da filha rejeita
sucessivamente os novos rostos implantados, causando uma série infindável de crimes que logo chama
a atenção da polícia, dando início às investigações.

Pacto de sangue No silêncio da noite


Double Indemnity In a Lonely Place

1950, Estados Unidos. Duração: 1h33


De Nicholas Ray

Dixon é um roteirista insatisfeito com as engrenagens da indústria e que, após alguns filmes de sucesso,
entra num hiato criativo. Uma jovem aspirante a escritora o acompanha até sua casa, onde fica algumas
horas e depois vai embora. Na manhã seguinte ela é encontrada morta, e Dixon é o maior suspeito,
porém, sua vizinha pode lhe dar um álibi, que viu a jovem sair de casa só. Eles começam a namorar
logo após, mas o detetive não está convencido, e continua a investigar. Os sucessivos ataques de raiva e
frustração de Dixon pelo seu roteiro não acabado e sua maquiada agressividade começam a fazer com
1944, Estados Unidos.
que a mulher também passe a ter dúvidas dele.
Duração: 1h48
De Billy Wilder

Walter Neff, um vendedor de seguros, é seduzido e induzido por Phyllis Dietrickson, uma sedutora
e manipuladora mulher, a matar seu marido, mas de uma forma que pareça acidente para a polícia e
também em condições específicas, que façam o seguro ser pago em dobro. No caso, 100 mil dólares.

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Pink Flamingos Janela Indiscreta
Pink Flamingos Rear Window

1954, Estados Unidos. Duração: 1h54


De Alfred Hitchcock
1972, Estados Unidos. Duração: 1h52
De  John Waters Em Greenwich Village, Nova Iorque, o fotógrafo profissional L.B. Jeffries está confinado em seu aparta-
mento por ter quebrado a perna enquanto trabalhava. Como não tem muitas opções de lazer, vasculha
Divine, musa drag queen e atriz preferida de John Waters, é a estrela deste clássico do cinema under- a vida dos seus vizinhos com uma lente teleobjetiva, quando vê alguns acontecimentos que o fazem
ground americano. Ela e sua família excêntrica desfrutam o prazer de serem as pessoas mais perversas suspeitar que um homem matou sua mulher e escondeu o corpo. Com a ajuda de sua noiva Lisa, Jeff
do mundo, estilo que a Divine se orgulha em manter. Isso gera competição e ciúmes envolvendo um vai tentar provar que está certo. Jeff é um repórter incapacitado de exercer sua profissão temporari-
casal não menos estranho, que fará de tudo para tirá-la do seu caminho. Repleto de atos bizarros como amente, por causa de uma perna quebrada. Como ele é muito ativo, suas fotos sempre foram de situ-
manter em cativeiro jovens moças e estuprá-las, para engravidá-las e vender as crianças para casais de ações perigosas ao extremo, Jeff precisa urgentemente de algo para ocupar o seu tempo livre. Espiando
lésbicas, este filme está cheio de situações constrangedoras e escandalosas, mas se tornou um marco através da janela de seu apartamento a vida dos vizinhos, ele passa a desconfiar que um homem matou
na carreira do diretor John Waters, colocando-o em destaque no cenário de cinema independente. sua mulher e escondeu o corpo. Com a ajuda de sua noiva Lisa, Jeff vai, a todo custo, tentar provar que
Sua cena final escatológica lhe conferiu o status de “cult movie”, bem como sua trilha sonora muito está certo em um divertido e voyerístico filme do ‘Mestre do Suspense’.
cultuada pelas performances de: The Centurions, The Trashmen, Patti Page e Little Richard.

Os desajustados
The Misfits

1960, Estados Unidos. Duração: 2h05 A malvada


De  John Huston All About Eve
A história inicia em Reno, Nevada quando as amigas Roslyn Taber e Isabelle Steers encontram num
bar, os cowboys de meia-idade Gay Langland e Guido. Roslyn é recém-divorciada e está deprimida,
mas acaba atraída por Gay e vai morar com ele numa casa afastada, de propriedade de Guido. Este 1950, Estados Unidos.
fica amigo de Isabelle. Os dois casais vão para um rodeio, onde Gay encontra o seu amigo peão Perce Duração: 2h18
Howland, que está completamente sem dinheiro. Guido conta à Gay que ao sobrevoar a região sel- De  Joseph L. Mankiewicz
vagem com seu aeroplano, ele avistara cerca de quinze cavalos selvagens Mustang. Gay se entusiasma
e convida Perce para ir com ele e Guido caçarem os cavalos. Roslyn vai junto com os cáubois, mas se Na noite de entrega do prêmio Sarah Siddons, todas as atenções se voltam para Eve Harrington. Utili-
desespera quando lhe contam que os cavalos capturados serão vendidos para abatedouros para ser- zando o flashback, a vida de Eve revelada, desde quando conheceu e foi contratada como secretária de
virem de alimento para cães. Margo Channing, uma grande estrela da Broadway, até ela mesma alcançar o estrelato. Eve Harrington
quer se tornar atriz. Para atingir seu objetivo, ela consegue um emprego como auxiliar de Margo Chan-
ning, uma veterana estrela de sucesso na Broadway. Isso lhe possibilita conhecer as pessoas do meio e,
aos poucos, dar seus passos em direção à fama. Passos que incluem mentir, trair e derrubar pessoas que
nela confiaram. O filme teve 14 indicações ao Oscar e venceu seis, incluindo Melhor Filme, em 1950.
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Coração vagabundo

2008, Brasil. Duração: 1h11


De Fernando Grostein Andrade

“Coração Vagabundo” registra a turnê A Foreign Sound, de Caetano Veloso, por São Paulo, Estados
Unidos e Japão. Além das imagens das apresentações, o diretor Fernando Andrade deixa o músico livre
para dissertar sobre a saída de sua cidade natal, o sucesso no exterior, a relação com Almodóvar e a
iminente separação de Paula Lavigne.

A tortura do medo
Peeping Tom

1960, Reino Unido. Duração: 1h41


De Michael Powell

Controversa meditação sobre a violência e voyeurismo, que efetivamente destruiu a carreira da Micha-
el Powell no lançamento, mas, hoje uma obra-prima indiscutível. Karl H. Boehm interpreta Mark, um
fotógrafo obcecado em capturar o medo no rosto das pessoas. Para isso, comete crimes e filma suas
vítimas. Essa estranha necessidade surgiu por culpa de seu pai, um psiquiatra que o sujeitava quando
criança a terríveis experiências, registrando suas reações em pequenos filmes caseiros. A imprensa bri-
tânica se manteve hostil e cruel a Powell e o seu sócio Pressburger, classificando-os como patológicos.
O tempo provou a antevisão do diretor com relação ao cinema, quando surgiram grandes sucessos
como Rear Window (1954) e Vertigo (1958) de Hitchcock, com marcas registradas da exploração dos
links entre voyeurismo, violência e desejo sexual masculino. Powell interpreta o pai psicótico nas se-
qüências em flashback, e seu filho Colomba, faz Mark quando criança.

188
Quarta Parte
Dom Almodóvar de La Mancha
Dom Almodóvar de La Mancha*
por Angélica Coutinho

O romance moderno espanhol foi fun- Vieja, na Extremadura. chão de terra batida. As primeiras cores vieram to, “moldando-o com uma tenacidade muito re-
dado pelas mãos de Miguel de Cervantes e por Os moinhos de vento ficavam para do catálogo do grande magazine espanhol El ligiosa”. No entanto, ele tinha a impressão de que,
sua maior criação: el engenioso hidalgo Alonso trás, mas o menino Pedro, na época com oito Corte Inglés através do qual a mãe a as irmãs na verdade, merecia o inferno por ver “Clamor
Quijano. Conhecido mundialmente como Dom anos, jamais esqueceria a identidade “manchega” faziam encomendas para casa. Naquelas páginas, do sexo”, de Elia Kazan, ou Gata em teto de zinco
Quixote, ele partiu de La Mancha montado em que chegou a considerar um fardo. Em uma en- com belas fotos dos artigos à venda, ele desper- quente, de Richard Brooks e aceitava, resignado,
Rocinante, ao lado do fiel escudeiro Sancho trevista em 1986, declarou: “Lá, a vida tinha em tou para a estética e a literatura. Aos nove anos, o castigo.
Pança, para lutar contra moinhos de vento e in- sentido menor. Uma região onde as pessoas não começou a encomendar livros, os best-sellers Mas a resignação e os sentimentos
justiças. As fantasias dos romances de cavalaria trabalhavam por prazer. Se você tinha dinheiro, que estavam disponíveis, sem qualquer referên- descobertos na sala escura não foram os únicos
embalavam seus sonhos. não o usava para curtir a vida, mas para comprar cia ou recomendação. Sua incursão pelo cinema elementos que povoaram a vida de Almodóvar
La Mancha geraria outro filho ilustre. mais e mais terras. A austeridade era horrível”. também começou assim: aos dez anos mesma entre os 10 e os 12 anos. Foi o período em que
Também “Caballero” pelo sobrenome materno, Mas a vida não era melhor em Orel- época em que foi enviado ao Colégio de Padres também, ele perdeu a fé e testemunhou o abu-
ele nasceu Pedro. Terceiro filho do caixeiro-via- lana de La Vieja. A vizinhança era pobre, a família Salesianos, em Cáceres. Naquela época – e não so sexual na escola de padres. Em entrevista à
jante Antonio e de Francesca, conhecida como Almodóvar vivia em situação precária e a região só na Espanha –, a vida religiosa era uma alterna- Núria Vidal, para o livro El cine de Pedro Almo-
Paca, o menino veio ao mundo em Calzada de era tão sem cores como em La Mancha. Mas foi tiva para os filhos de famílias pobres ascenderem dóvar, de 1989, ele afirmou: “Era um fonte de
Calatrava em data incerta, como é próprio das ali, pelas mãos de sua mãe, que Pedro aprendeu socialmente. E os Almodóvar foram convencidos sofrimento porque você deve descobrir o sexo
fantasias: algumas fontes afirmam 25 de setembro as primeiras lições sobre a importância da fanta- que o pequeno Pedro poderia se tornar padre. naturalmente, não brutalmente. Por dois ou três
de 1949, outras assinalam o ano de 1951 ou até sia na vida das pessoas. Francesca Caballero abriu Afinal, na aldeia onde vivera até então, anos, eu não podia ser deixado sozinho, por puro
mesmo, 1952. um negócio de leitura e escrita de cartas para a oportunidade de ver filmes era rara, mas em medo”.
Na casa dos Almodóvar, já havia duas complementar o salário do marido. Ao menino Cáceres havia sala de cinema, na rua de seu colé- Havia medo, tédio e também solidão.
meninas – Antonia e Maria Jesus. O outro rapaz Pedro cabia escrever e a mãe ler, sempre enchen- gio. Na tela se misturavam a comédia americana Pedro não encontrava, entre seus colegas de
do grupo chegaria alguns anos depois – Agustín. do de fantasias “as frestas das cartas” para alegrar da época – Blake Edwards, Billy Wilder – com a Liceu, a possibilidade de troca de ideias. Aos 10
A família estava estabelecida na região porque o os ouvintes, como descreve Almodóvar no texto Nouvelle Vague francesa – Truffaut, Godard – e anos, ao conversar com os colegas sobre a forte
patriarca Antonio vinha de uma longa tradição “O último sonho de minha mãe”: “Essas improvi- o neo-realismo italiano – Visconti, Antonioni. impressão que o filme A fonte da donzela, de
familiar de caixeiros-viajantes que transporta- sações continham para mim uma grande lição. Es- “Quando vi A aventura fiquei perturbado, e disse Ingmar Bergman, deixara nele, foi olhado com
vam vinho de Calzada para El Centenillo, uma tabeleciam a diferença entre ficção e realidade; para mim mesmo: ‘Meu Deus, esse filme fala de estranhamento. Era preciso ser paciente porque
pequena cidade da Andaluzia, a 50 quilômetros. mostravam como a realidade necessita da ficção mim’, o que era muito extravagante, porque eu como disse: “Até encontrar o universo ao qual
No entanto, ele viria a ser também último repre- para ser mais completa, agradável, mais fácil de não sabia o que era a burguesia, eu era uma cri- pertencia, foi preciso esperar alguns anos”. E eles
sentante da linhagem. O surgimento de estradas viver”. ança. Mas o filme falava do tédio, e isso eu sabia só chegaram ao final dos anos 1960, quando já
e veículos automotores na década de 60, fez com Naquele momento, a realidade de muito bem o que era, nas profundezas da minha formado avisou à família que partiria para Madri
que os Almodóvar se mudassem para Orellana La Pedro ainda era sem energia elétrica e com um província”, afirma Almodóvar em entrevista a onde sua irmã Maria Jesus vivia com o marido,
*Este texto foi escrito a partir da leitura do livro “Conversas com Almodóvar”, de Frédéric Strauss, publicado pela editora Zahar, e Frédéric Strauss. Ao mesmo tempo, segundo o membro da Guarda Civil.
do livro “Pedro Almodóvar”, da série Masters of cinema, escrito por Thomas Sotinel para editora Cahiers du Cinema. cineasta, os padres tentavam formar o seu espíri- A capital foi a porta para novas des-

192 193
cobertas. A literatura latino-americana, em 1968, por conta própria – já que Franco havia fechado Erecciones generales, um roteiro em quadrinhos montón. A ditadura havia acabado com a morte
vivia seu grande sucesso – e Pedro lia o que caia a escola de cinema em 1971 – nas telas por onde que Pedro havia escrito para a revista El Víbora, de Francisco Franco em 1975. Pedro já tinha a
em suas mãos. A Cinemateca de Madri estava passavam filmes experimentais, na amizade com da qual participava seu amigo desenhista Mariscal. companhia do irmão Augustín em Madri desde
repleta de clássicos até então desconhecidos – artistas plásticos de Barcelona e no underground Uma fotonovela que ele define como muito punk, 1972. A Movida Madrileña já era um fenômeno
e Pedro ia todos os dias ver os filmes. Havia a madrileño onde encontrou o grupo de teatro muito agressiva, muito obscena e muito cômica artístico e social capitaneado por desenhistas
ditadura franquista, mas também existia uma Los Goliardos, dirigido por Félix Rotaeta. Pedro que Carmen sugeriu transformar em roteiro para como Javier Mariscal, grupos teatrais como Los
vida clandestina na qual Pedro se sentia perfeita- colaborou na direção e fez pequenos papéis em o cinema e Pedro quis filmar em Super 8. Goliardos de Félix Rotaeta e Carmen Maura e
mente à vontade. Ele viajou para Paris e Londres, peças como As mãos sujas, de Sartre, e A casa de Ele já havia rodado um longa-metragem cineastas como Pedro Almodóvar. Não havia mais
deixou o cabelo crescer e trabalhou como figu- Bernarda Alba, de Lorca. A experiência foi funda- no formato – Folle... Folle... Fólleme Tim! – mas aquela sensação de solidão e isolamento da infân-
rante em um filme que precisava de vários hip- mental para as performances que realizava por todos na companhia de teatro achavam que era cia: Pedro agora tinha interlocutores e escrevia a
pies. Mas ainda não era o suficiente e, em 1969, ocasião da exibição de seus curtas-metragens hora de investir em um filme em 16mm. Carmen história de sua vida através dos filmes que passou
depois do serviço militar na Força Aérea, Pedro junto ao amigo Fabio de Miguel, cujo nome artís- e Félix começaram uma campanha entre amigos a realizar deixando definitivamente a La Man-
arrumou um emprego na Companhia Telefônica. tico era Fanny McNamara, e com quem formou e conseguiram reunir meio milhão de pesetas. cha de sua infância para trás. E mesmo quando
Pode parecer um tanto tradicional, mas foi mais uma dupla que gravou vários discos no início dos De posse do pequeno orçamento e com uma retornou a sua aldeia, Pedro a recriou nas telas
um processo de aprendizagem: “Na Telefônica, anos 80. equipe de novatos, Pedro filmou ao longo de um com uma palheta de cores totalmente diversa,
minha presença era por si mesma escandalosa: Mas o fundamental em sua relação ano e meio, já que tudo dependia do tempo e do olhando-a com melancolia e humor: “Desde mui-
tinha cabelos compridos e não me vestia como com Los Goliardos foi o encontro com a atriz dinheiro disponível, e criou um método próprio: to pequeno, tudo o que me rodeava na minha
os outros. Tinha realmente uma vida dupla. Das Carmen Maura. Uma relação que, segundo Pedro, “O modo pelo qual fomos obrigados a filmar me aldeia era uma espécie de lista de todas as coi-
nove às cinco fazia trabalho administrativo, e à poderia ter resultado em uma história melo- deu imediatamente uma grande experiência em sas que eu não queria fazer na minha vida, coisas
noite era completamente diferente. Esses anos dramática, ideal para uma comédia norte-ameri- relação aos códigos de narração cinematográ- contra as quais lutaria no futuro”.
foram muito importantes, porque foi na Telefôni- cana dos anos 30, como descreve: “Carmen era fica; em tais condições, a questão do efeito de Lutou como seu conterrâneo Qui-
ca que colhi informações muito concretas sobre a estrela e eu o meritório, o último a chegar à continuidade, por exemplo, já não é de todo um xote. Compartilharam a fantasia como arma. E
a pequena burguesia urbana espanhola, que nunca companhia, que trabalha por quase nada e tem problema. A falta de meios dá uma liberdade de assim como outro “caballero”, Pedro Almodóvar
teria podido observar tão bem em nenhum outro de dar provas de que já é capaz de desempenhar criação que se consegue em geral com muita di- inscreveu na história da cultura mundial um capí-
lugar. Essa descoberta marcou meu cinema, pois um papel como verdadeiro profissional. Ficáva- ficuldade, e por vezes não se consegue de modo tulo inovador vindo de La Mancha, a terra dos
até então eu só conhecia a classe pobre e rural mos assim em extremos opostos na companhia, algum, numa produção normal. Pepi, Luci, Bom é moinhos de vento.
da sociedade”. E lá, Pedro trabalhou por 12 anos mas Carmen estava muito fascinada por mim e um filme repleto de defeitos; quando um filme
– ele só saiu do emprego depois do lançamento passávamos muito tempo juntos em seu cama- tem apenas um ou dois defeitos ele é só um filme
de “Labirinto de paixões”. rim. Olhava-a enquanto se preparava para o espe- imperfeito, ao passo que quando esses defeitos
Nos primeiros anos em Madri, Pedro táculo, numa cerimônia que continuava a me fas- atingem uma grande profusão isso se torna um
dedicou-se à escrita até descobrir o Super 8. cinar muito nas atrizes. Enquanto se penteava e estilo”.
Comprou uma câmera e sua narrativa passou a maquiava, eu lhe contava as histórias que escrevia Erecciones generales já havia se trans-
ter outros elementos. Elementos que descobriu – e escrevia muitas”. Uma delas era a fotonovela formado em Pepi, Luci, Bom y otras chicas del
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Santo gazpacho! Gazpacho
Ingredientes:
8 pimentões vermelhos
5 pimentões verdes
No auge da loucura da trama de “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, um simples 8 tomates
item da culinária espanhola faz toda a diferença no filme de Pedro Almodóvar. O gazpacho nunca foi 1 cebola
visto (ou tomado) da mesma forma desde então. Uma sopa fria feita com tomates, o gazpacho turbina- 1 pepino
do de Pepa, personagem de Carmen Maura, causou furor mundo afora. Azeite q.b
Sal
A gastronomia está muito presente no cinema de Almodóvar, seja através de um gazpacho Modo de preparo:
servido com soníferos, seja uma mãe batalhadora, que encara o fogão de um restaurante para conse- Abrir pimentões, retirar parte branca e sementes. Cortar tomates, retirar olho do tomate. Descascar e
guir uma vida melhor, como foi visto em “Volver”. Há um momento em “Tudo sobre minha mãe” que retirar o meio do pepino. Bater tudo na thermomix até estar bem triturado, passar pelo chinoix.
as bravas mulheres da trama se reúnem diante da mesa de jantar para falar de suas vidas. E isso se faz
presente também em “A flor do meu segredo”, quando a personagem de Marisa Paredes encontra sua
mãe e irmã.

Com indicações do restaurante La Plancha, especializado na cozinha espanhola e em frutos


do mar, selecionamos alguns pratos típicos do país de Almodóvar, já degustados pelos seus personagens
ou que fazem parte de sua vida, por ser a comida típica da região de La Mancha. Por isso, curta não só
os filmes de Pedro Almodóvar nos cinemas, mas também saboreie a maravilhosa culinária espanhola.

198
Camarão ajillo Paella valenciana
Ingredientes: temperá-los com sal; Ingredientes:
1kg de camarão ferro VM Aquecer o azeite e deixar em cocção o alho, com 370g de camarão ferro VM
150g de alho (grande) o cuidado de não deixá-lo dourar; 250g de lula
150g de azeite de oliva Acrescentar os camarões, colocando-os sobre o 250g de polvo pré-cozido
120ml de vinho branco seco alho; 250g de mexilhão cozido
qb pimenta calabresa Acrescentar a pimenta calabresa, tampar e deixar 250g de filé de peixe
qb sal em cocção em fogo brando até que o camarão 1200g de lagosta
esteja rosado; 250g de camarão Pitu
Modo de preparo Acrescentar o vinho branco e tampar a panela 150g de filé de frango
Higienizar o alho e os camarões; novamente, deixar em cocção em fogo alto por 150g de lombo de porco
10ml de azeite de oliva
Cortar o alho em lâminas finas; 30 segundos.
40g de alho
Limpar os camarões, deixando apenas o rabo e Servir com fatias de pão sacadura.
25g de pimentão verde
15g de pimentão vermelho
160g de tomate se, e o pimentão vermelho em tiras de 1 cm de
6g de sal espessura para decoração;
110g de cebola Higienizar e cortar o alho émincer (lâminas finas);
1 folha de louro Higienizar e picar a salsa;
6g de páprica doce Higienizar e cortar o tomate brunoise.
2g de páprica picante
6g de tempero Knorr Procedimentos de preparação do fundo da
400 ml de caldo de peixe paella:
6g de açafrão espanhol Em uma paelheira, aquecer o azeite e dourar o
450g de arroz alho e o louro;
10g de salsa Refogar a cebola, os pimentões e o tomate;
130g de ervilha Adicionar o sal, o tempero knorr, a páprica doce
e picante.
Modo de preparo: Adicionar o filé de frango e o lombo de porco, e
Higienizar os camarões ferro e limpá-los total- deixar em cocção por 10 minutos;
mente, reservando 8 unidades com casca, cabeça Adicionar, a lula, e deixar em cocção por 2 minu-
e rabo para decoração; tos;
Deixar os camarões pitu inteiros, reservando-os Adicionar o filé de peixe, o mexilhão, o camarão,
para decoração; o polvo, a lagosta;
Higienizar as lagosta, retirá-las da casca, limpá-las e Adicionar o arroz, o açafrão e o caldo de peixe,
cortá-las em 2 ou 3 pedaços, reservando 2 unida- distribuir os ingredientes uniformemente na pane-
des com casca, cortada ao meio para decoração; la, decorar, alternando, os camarões pitu,
Higienizar e cortar as lulas e o polvo em rodelas; os camarões ferro, as 4 metades da lagosta com
Higienizar e cortar o filé de peixe, o filé de frango casca e a ervilha, tampar e deixar em cocção em
e o lombo de porco em cubos pequenos; fogo brando por 30 a 35 minutos;
Higienizar e cortar a cebola em brunoise (qua- Finalizar a decoração com os pimentões verme-
dradinhos pequenos); lhos cortados em tiras, e a salsa picada.
Higienizar e cortar o pimentão verde em brunoi- Servir imediatamente.
201
Cronologia 1986
Em março, Matador estreia em Madri.
lhões de pesetas. Kika é lançado em outubro. No dia
seguinte, sai crítica negativa no El País.

1987 1994
Em abril, a ameaça de uma classificação
Em fevereiro, A lei do desejo faz suces-
NC17 – semelhante a classificação X – para Kika,
so no 37º. Festival de Cinema de Berlim. Em julho,
nos Estados Unidos, faz Almodóvar enviar uma carta
uma praça de Calzada de Calatrava é batizada com
para a imprensa americana na qual se diz “insultado”
1951 de transformá-la em uma fotonovela. Em novembro, o nome de “Pedro Almodóvar” e o filme O que fiz
o Decreto Real 3.071 termina com a censura a filmes por essa forma de censura. Em novembro, dois meses
Em 25 de setembro, nasce Pedro Almo- eu parra merecer isto? é exibido no evento. Em no-
iniciada por Franco. antes de iniciar as filmagens de A flor do meu segre-
dóvar em Calzada de Calatrava, La Mancha. Fontes vembro, Mulheres à beira de um ataque de nervos é
do, Ana Belén, que seria a protagonista, é substituída
anteriores a 1990 – a biografia de Boquerini e o di- 1978 filmado em Madri.
por Marisa Paredes.
cionário Cine Español publicado em 1989 pelo Minis- Filma Folle… Folle… Fólleme Tim!, um lon- 1989
1995
tério da Cultura – indica a data de 1949. ga-metragem em Super 8 e Salomé, seu primeiro Em fevereiro, Mulheres á beira de um
Filmagens de A flor do meu segredo em
1960 filme em 16mm com atores profissionais. ataque de nervos recebe dezesseis indicações para o
Madri entre fevereiro e abril. Em setembro, o filme é
A família de Almodóvar, que havia deixa- 1979 Goya. O filme ganha cinco prêmios e é indicado para
apresentado no Festival de San Sebastián, primeiro
do La Mancha e ido para Extremadura, manda Pedro o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Em junho, termina de filmar Erecciones, para a imprensa, depois para um público de três mil
para o Colégio de Padres Salesianos, em Cáceres. agora com o título Pepi, Luci,Bom e outras garotas de 1990 pessoas que o ovacionam.Três dias depois, o filme es-
1967 montão. Em outubro, o filme estreia em dois cinemas Em janeiro, primeira exibição de Ata-me! treia em Madri. Em dezembro, A flor do meu segredo
de Madri, depois de ser apresentado em San Sebas- no cinema Fuencarral, em Madri, na presença do tem um público de 920 mil espectadores na Espanha
Pedro parte para Madri. Os primeiros cine-
tian, em setembro. Ministro da Cultura Jorge Semprún e outras autori- e alcança 500 milhões de pesetas em receitas.
mas experimentais e de arte abrem na capital.
1969 1981 dades. Em fevereiro, o filme é apresentado em Berlim 1996
onde é muito bem recebido. Em abril, a Miramax,
Los Alphaville, templo do cinema de Em julho, Almodóvar e mais 88 diretores
Ele consegue um emprego administrativo a distribuidora americana de Ata-me! começa uma
Madri, anuncia que irá coproduzir o segundo longa- espanhóis reagem ao discurso do Ministro da Cultura,
na Telefônica, no qual ficará por mais de 10 anos. campanha contra a classificação do filme como X,
metragem de Almodóvar, Labirinto de Paixões. um membro do recém eleito governo de Aznar. O
1970 categoria de filmes pornôs. Em novembro, Antonio
1982 Banderas anuncia que não quer ser o protagonista
ministro afirma que “os últimos 13 anos – período
Ele encontra o grupo de teatro under- do governo de Felipe Gonzalés – foram os piores
Em setembro, Labirinto de paixões é exi- de De salto alto e vai para Hollywood. O início das
ground Los Goliardos e conhece o diretor Félix Ro- na história do cinema espanhol. Em agosto, relança-
bido no Festival de San Sebastian. Em outubro, quan- filmagens é adiado.
taete, que será seu ator e produtor, e uma das atrizes mento de verão do filme Maus hábitos.
do o partido Socialista ganha as eleições, Pilar Miró 1991
Carmen Maura.
é designada “Diretora-Geral do Cinema” e inicia um 1997
1971 sistema estatal de apoio à produção cinematográfica.
Em fevereiro, Almodóvar anuncia que
Começam as filmagens de Carne trêmula
Fechamento da escola pública de cinema substituiu Banderas por Miguel Bosé. Em outubro, De
1983 salto alto estreia na Espanha.
em janeiro. Três semanas depois, Liberto Rabal subs-
que só reabrirá depois da morte de Franco. titui Jorge Sanz no papel de Victor. Carne trêmula é
Em setembro, Maus hábitos, exibido fora 1992
1972 de competição em Veneza, é recebido entusiastica- lançado em outubro na Espanha. No mesmo mês,
Agustín Almodóvar, chamado de Tinín, Pela primeira vez, El Deseo produz um tem premiére do filme no Festival de Nova Iorque.
mente pelo público. Em dezembro, Almodóvar faz um
junta-se a Pedro em Madri. filme não dirigido por Almodóvar: é Acción mutante, 1998
concerto de Ano Novo no Rock-Ola, um lugar de
de Alex de la Iglesia. Em agosto, Almodóvar assina a
1974 destaque da Movida, com Fanny McNamara e Alaska. Em setembro, começam as filmagens de
petição a favor do Tratado de Maastricht, apoiado
Pedro filma o primeiro curta-metragem 1984 pelo Ministro da Cultura da França, Jack Lang.
Tudo sobre a minha mãe com um orçamento de 700
em Super 8. Em outubro, O que fiz eu para merecer milhões de pesetas.
1993
1977 isto? estreia em Madri e tem uma premiére em Nova 1999
Em março, De salto alto ganha o César
Iorque. Premiére de Tudo sobre a minha mãe em
Eleições gerais na Espanha. Almodóvar de melhor filme estrangeiro. Em maio, Começam as
começa a escrever Erecciones generales com a ideia Barcelona em abril. No mês seguinte, pela primeira
filmagens de Kika com um orçamento de 700 mi-
vez, um filme de Almodóvar é apresentado em uma

204 205
competição no Festival de Cannes e Almodóvar ga- 2006
nha o prêmio de melhor diretor. Em setembro, morre
Volver estréia na Espanha, depois de uma
Francesca Caballero, mãe de Almodóvar.
pré-estreia em Puertollano, em La Mancha. Em abril,
2000 a Cinemateca francesa realiza uma mostra dos filmes
Tudo sobre a minha mãe ganha sete Go- de Almodóvar. Volver é exibido em Cannes. O júri,
yas. Em fevereiro, ganha o César de melhor filme es- presidido por Wong Kar-Wai, dá a Volver os prêmios
trangeiro. Mesmo prêmio ganho no Oscar, no mês de melhor roteiro e de interpretação feminina para
seguinte. Depois de fazer vários testes com jovens todo o elenco de mulheres, incluindo Carmem Maura Quer saber tudo sobre minha mãe?
atores para o papel de drag em Má educação, Pe- e Penélope Cruz. Em outubro, Almodóvar ganha o
dro acaba abandonando temporariamente o projeto prêmio de artes Príncipe de Astúrias. Então fale com ela, antes que os abraços sejam partidos
para preparar Fale com ela. Em setembro, participa 2007
de manifestações contra ações terroristas do ETA,
Em Janeiro, Volver ganha cinco Goyas. Por um ataque de nervos, que kikam prá lá, que kikam pra cá
grupo separatista basco.
2008 Almodóvar da alma voraz, das cores e sentimentos que explodem
2001
Em fevereiro, Almodóvar anuncia que
Em junho, começa a filmar Fale com ela
no Théâtre de La Ville, em Paris, com as sequências
comprou os direitos da autobiografia Decídme cómo que faz gritar Pepi, Luci , Bom de salto alto e bom som
es um árbol, do poeta comunista Marcos Ana, que
de dança coreografadas por Pina Bausch. Em julho, as
sequências de tourada provocam protestos de mani-
viveu por 20 anos nas prisões de Franco. Em uma Áta-me! Áta-me! Matador!
coletiva de imprensa, em maio, Almodóvar informa o
festantes contra a prática.
início das filmagens de Abraços partidos em Madri e Deixe trêmula minha carne, num labirinto de paixão
2002 e Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Almodóvar anuncia
Em fevereiro, em artigo no El País, Almo- a celebração da ficção e beija Lluís Homar na boca. onde escondo a flor do meu segredo, a lei do meu desejo
dóvar anuncia que a pós-produção de Fale com ela Termina em setembro a mais longa filmagem da car-
se encerrou. No mês seguinte, o filme é lançado na reira de Almodóvar. meus maus hábitos, minha má educação
Espanha. 2009
2003
Espalha a Espanha para todo o mundo
Em fevereiro, o Canal Plus, da Espanha,
Em fevereiro, Almodóvar participa de exibe La Concejala antropófaga, curta-metragem Espelha a Espanha com diferente beleza
protestos contra a intervenção americana no Iraque. feito no set de Abraços partidos. Em março, o filme
Em março, ganha o Oscar de melhor roteiro original é lançado na Espanha e, em maio, apresentado na O ser humano sendo profundo
para Fale com ela, mas é ignorado pelo Goya. Em competição do Festival de Cannes. Em agosto, Almo-
junho, começa a filmar Má educação. dóvar entra em um debate com o Vaticano sobre o Se é Almodóvar,Volver com certeza
2004 conceito de família e adverte ao Papa: “Vá para rua

Má educação é lançado na Espanha. Em


e veja: a família pode ser de pais separados, cross- Igor Cotrim
dressers e transexuais.”
maio, o filme abre o 58º. Festival de Cannes, mas fora
de competição. 2010
2005 Filma La piel que habito, voltando ao set
com Antonio Banderas depois de 20 anos.
Pedro e Agustín Almodóvar se retiram da
Academia Espanhola de Cinema por não concordar 2011
com a votação dos prêmios. Ele retorna dois anos La piel que habito é exibido em Cannes.
depois com a mudança no sistema. Em julho, começa No Brasil, é realizada a Mostra El deseo – O apaixo-
a filmar Volver que Almodóvar descreve como “um nante cinema de Pedro Almodóvar.
filme parecido com Indiana Jones, só que é sobre
aventuras domésticas”.

206
Filmografia Maus hábitos
(Entre tinieblas), 1983
Verónica Forqué (jornalista), Jaime Chávarri (padre),
Agustín Almodóvar (policial). Produção: Andrés Vicente
Gómez, Cia. Iberoamericana de TV, S.A. Duração: 1h36.
Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Ángel
Luis Fernández. Som: Martin Müller, Armin Fausten. Mon-
tagem: José Salcedo. Cenários: Pín Morales, Roman Aran- A lei do desejo
go. Canções: “Salí porque salí”, “Dime”, “Encadenados”, (La ley del deseo), 1986
Curtas-metragens Longas-metragens cantadas por Sol Pilas. Elenco: Cristina S. Pascual (Yolan-
Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Án-
da), Julieta Serrano (madre superiora), Marisa Paredes
Dos putas o historia de amor que termina in boda, Foda... Foda... Foda-me, Tim gel Luis Fernández. Som: James Willis. Montagem: José
(Irmã Sórdida), Carmen Maura (Irmã Perdida), Chus
1974 (Folle... Folle... Fólleme Tim!), 1978 Salcedo. Cenários: Javier Fernández. Música: Tango, de
Lampreave (Irmã Rata de Esgoto), Lina Canalejas (Irmã
Super 8, 10’ Stravinsky, Sinfonia no 10, de Chostakovitch. Canções: “Lo
Roteiro: Pedro Almodóvar. Elenco: Carmen Maura. Du- Víbora), Mari Carrillo (a marquesa), Eva Siva (Antonia).
dudo”, cantada por Los Panchos, “Ne me quitte pas”,
La caída de Sodoma, 1974 ração: 1h30m Produção: Tesauro S.A. e Luis Calvo. Duração: 1h55.
cantada por Maísa Matarazzo, “Guardo che luna”, can-
Super 8, 10’ tada por Fred Bongusto, “Dejame recordar”, cantada por
Film político, 1974 Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão, Que fiz eu para merecer isto? Bola de Nieve, “Susan Get Down” e “Santanasa”, canta-
(¿Qué es hecho yo para merecer esto?), 1984 das por Pedro Almodóvar e McNamara. Elenco: Eusebio
Super 8, 4’ (Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón), 1980
Poncela (Pablo Quintero), Carmen Maura (Tina Quin-
Blancor, 1975 16mm, 1h20m Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Ángel tero), Antonio Banderas (Antonio Benítez), Miguel Mo-
Luis Fernández. Som: Bernardo Menz. Montagem: José lina (Juan), Bibi Andersen (mãe de Ada), Manuela Velasco
Super 8, 5’ Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Paco Fe-
Salcedo. Cenários: Pín Morales, Roman Arango Guarda- (Ada), Fernando Guillén (inspetor), Nacho Martínez
Homenaje, 1975 menía. Som: Miguel Polo. Montagem: Pepe Salcedo. Elen-
roupa: Cecilia Roth. Música: Bernardo Bonezzi. Canções: (médico), Helga Liné (mãe de Antonio), Germán Cobos
co: Carmen Maura (Pepi), Olvido Gara “Alaska” (Bom),
Super 8, 10’ “La bien pagá”, cantada por Miguel Molina, “Nur nicht (padre), Agustín Almodóvar (advogado). Produção: El
Eva Siva (Luci), Félix Rotaeta (policial), Kiti Manver (can-
aus Liebe weinen”, cantada por Zara Leander. Elenco: Deseo S.A. e Lauren Films S.A. Duração: 1h40.
El sueño o la Estrella, 1975 tora), Julieta Serrano (atriz), Concha Gregori (Charito),
Carmen Maura (Gloria), Ángel de Andrés López (An-
Super 8, 12’ Cecilia Roth (apresentadora). Produção: Pepón Coromi-
tonio), Chus Lampreave (a avó), Verónica Forqué (Cris-
nas, para Figaro Films. Duração: 1h20.
Muerte en la carretera, 1976 tal), Kiti Manver (Juani), Juan Martínez (Toni), Gonzalo Mulheres à beira de um ataque de nervos
Suárez (Lucas), Amparo Soler Leal (Patricia), Jaime Chá- (Mujeres al borde de um ataque de nervios), 1987
Super 8, 8’
Labirinto de paixões varri (o cliente de Cristal que faz um strip-tease), Katia
Sea caritativo, 1976 Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: José
Loritz (Ingrid Müller), Francisca Caballero (uma paciente
(Laberinto de paisones), 1982 Luis Alcaine. Som: Guilles Ortion. Montagem: José Sal-
Super 8, 5’ no dentista), Agustín Almodóvar (um caixa do banco).
35mm, 1h40m cedo. Cenários: Félix Murcia. Música: Bernardo Bone-
Produção: Tesauro S.A. Duração: 1h42.
Trailer para “¿Quién teme a Virgínia Woolf?”, 1976 zzi. Canções: “Soy infeliz”, cantada por Lola Beltrán, “Puro
Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Ángel
Super 8 teatro”, cantada por La Lupe. Elenco: Carmen Maura
Luis Fernández. Som: Martin Müller. Montagem: José Sal-
Matador (Pepa), Fernando Guillén (Ivan), Julieta Serrano (Lucía),
Las tres ventajas de ponte, 1977 cedo. Cenários: Pedro Almodóvar, com a participação
(Matador), 1985-86 Antonio Banderas (Carlos), María Barranco (Candela),
Super 8 dos pintores e artistas plásticos Ouka Lele, Guillermo
Rossy de Palma (Marisa), Kiti Manver (Paulina), Loles León
Pérez Villata, Costus, Pablo P. Mínguez, Javier P. Grueso, Direção: Pedro Almodóvar. Idéia original: Pedro Almo-
Sexo va, sexo viene, 1977 (Cristina), Chus Lampreave (porteira), Guillermo Mon-
Carlos Berlanga, Fabio de Miguel. Canções: “Suck it to dóvar. Roteiro: Pedro Almodóvar, com a colaboração tesinos (motorista de táxi), Francisca Caballero (locu-
Super 8, 17’ Me” e “Gran canga”, de Pedro Almodóvar. Elenco: Ce- de Jesús Ferrero. Fotografia: Ángel Luis Fernández. Som: tora de TV), Agustín Almodóvar (empregado da agência
Salomé, 1978 cilia Roth (Sexilia), Imanol Arias (Riza Niro), Helga Liné Bernard Orthion, Tino Azores. Montagem: José Sal- imobiliária). Produção: El Deseo S.A. Duração: 1h35.
(Toraya), Marta Fernández Muro (Queti), Fernando Vi- cedo. Cenários: Roman Arango, José Morales, Joseph
16mm, 12’
vanco (médico), Fanny McNamara (Fabio), Antonio Ban- Rosell. Música: Bernado Bonezzi. Canção: “Espérame en
Trailer para “Amantes de lo prohibido”, 1985 deras (Sadec), Ángel Alcázar (Eusebio), Cristina Sánchez el cielo, corazón”, cantada por Mina. Elenco: Assumpta Ata-me!
35mm, 20’ Pascual (amiga de Eusebio), Agustín Almodóvar (Has- Serna (María Cardenal), Antonio Banderas (Ángel), Na- (¡Ata-me!), 1989
san). Produção: Alphaville. Duração: 1h40. cho Martínez (Diego), Eva Cobo (Eva), Julieta Serrano
La concelaja antropófoga, 2008 Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: José Luis
(Berta), Chus Lampreave (Pilar), Carmen Maura (Julia),
35mm, 7’ Alcaine. Som: Goldstein e Steinberg, S.A. Montagem: José
Eusebio Poncela (comissário), Bibi Andersen (florista),

208 209
Salcedo. Cenários: Ferrán Sánchez. Música: Ennio Mor- Peter Coyote (Nicholas), Alex Casanovas (Ramón), Cruz (Rosa), Antonia San Juan (Agrado), Rosa María Volver
ricone. Canções: “Resistire”, de Carlos Toro Montoro e Rossy de Palma (Juana), Santiago Lajusticia (Paul Bazzo), Sardá (mãe de Rosa). Produção: Renn Productions, El (Volver), 2006
Manuel de la Calva Diego, “Canción del alma”, de Los Anabel Alonso (Amparo), Bibi Andersen (a bela desco- Deseo S.A., France 2, Canal +. Duração: 1h40.
nhecida), Charo López (mãe de Ramón), Francisca Ca- Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Produtor-executivo:
Coyotes, cantada por Loles León, “Celos”, de Jacob
ballero (doña Paquita), Agustín Almodóvar (um dos op- Agustín Almodóvar. Produtora: Esther García. Música:
Gade, Santanasa, de F. de Miguel, P. Almodóvar e B. Bone-
zzi. Elenco: Victoria Abril (Marina), Antonio Banderas erários que vêm consertar a porta do apartamento de Fale com ela Alberto Iglesias. Canção: “Volver”, cantada por Estrella
Kika). Produção: El Deseo S.A. e Ciby 2000. Duração: (Hable con Ella), 2002 Morente. Montagem: José Salcedo. Diretor de fotografi
(Ricki), Francisco Rabal (Máximo Espejo, o cineasta),
1h52. a: José Luis Alcaine. Diretor artístico: Salvador Parra. De-
Loles León (Lola), Julieta Serrano (Alma), María Barranco Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Produtor executivo: senho de créditos: Juan Gatti. Elenco: Penélope Cruz
(Berta), Rossy de Palma (rapariga da scooter), Lola Car- Agustín Almodóvar. Diretora de produção: Esther García. (Raimunda), Carmen Maura (avó Irene), Lola Dueñes
dona (diretora do hospital), Francisca Caballero (mãe de Fotografia: Javier Aguirresarobe. Montagem: José Sal-
A flor do meu segredo (Sole), Blanca Portillo (Agustina), Yohana Cobo (Paula),
Marina), Agustín Almodóvar (farmacêutico). Produção: El cedo. Música: Alberto Iglesias. Diretor artístico: Antxón
(La flor de mi secreto), 1995 Chus Lampreave (Tia Paula), Antonio de La Torre (Paco),
Deseo S.A. Duração: 1h41. Gómez. Produtor associado: Michel Ruben. Maquiagem: Carlos Blanco (Emilio), Maria Isabel Díaz (Regina). Du-
Roteiro e argumento: Pedro Almodóvar. Fotografia: Af- Karmele Soler. Penteados: Francisco Rodríguez. Figuri- ração: 2h01
fonso Beato. Som: Bernardo Menz. Montagem: José Sal- nos: Sonia Grande. Som: Miguel Rejas. Mixagem: José
De salto alto
cedo. Cenários: Wolfgang Burmann, Miguel López Pele- A. Bermúdez. Coreografia: Pina Bausch, Masurca Fogo
(Tacones lejanos), 1991 grin. Música: Alberto Iglesias. Canções: “Ay amor”, de Ig- e Café Müller. Elenco: Javier Cámara (Benigno), Darío Abraços partidos
Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Alfredo nacio Jacinto Billa, “Tonada de lula llena”, de Simon Díaz, Grandinetti (Marco), Leonor Watling (Alicia), Rosario (Los abrazos rotos), 2009
Mayo. Som: Jean Paul Mugel. Montagem: José Salcedo. cantada por Caetano Veloso, “En el ultimo trago”, de José Flores (Lydia), Mariola Fuentes (Rosa), Geraldine Cha-
Alfredo Jiménez Sandoval. Elenco: Marisa Paredes (Leo), Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Rodrigo
Cenários: Pierre-Louis Thevenet. Música: Ryuichi Saka- plin (Katerina Bilova) e com Pina Bausch, Malou Airau-
Juan Echanove (Ángel), Imanol Arias (Paco), Carmen Prieto. Som: Manuel Rejas. Montagem: José Salcedo. Elen-
moto; “Solea” e “Saeta”, interpretadas por Miles Davis, do, Caetano Veloso, Roberto Álvarez, Elena Anaya, Lola
Elías (Betty), Rossy de Palma (Rosa), Chus Lampreave (a co: Penélope Cruz (Lena), Lluís Homar (Mateo Blanco/
“Beyond my Control” e “A Final Request”, Dueñas, Adolfo Fernández, Chus Lampreave, Loles León,
mãe de Leo), Joaquín Cortes (Antonio), Manuela Vargas Harry Caine), Blanca Portillo (Judit), José Luís Gómez
interpretadas por Georges Fenton. Canções: “Piensa en Fele Martínez, Helio Pedregal, José Sancho, Paz Vega. Du-
(Blanca). Produção: El Deseo S.A. e Ciby 2000. Duração: (Ernesto Martel), Ruben Ochandiano (Ray X), Tamar
mi” e “Un año de amor”, cantadas por Luz Casal, “Peca- ração: 1h52.
1h42. Novas (Diego), Ángela Molina (mãe de Lena), Chus
dora”, cantada por Los Hermanos Rosario. Elenco: Vic- Lampreave (gerente), Rossy de Palma (Julieta). Produção:
toria Abril (Rebeca), Marisa Paredes (Becky del Páramo), Má educação Agustín Almodóvar por El Deseo. Duração: 2h09.
Miguel Bosé (o juiz/Hugo/Letal), Pedro Diez del Cor- Carne trêmula
ral (Alberto), Feodor Atkine (Manuel), Bibi Andersen (La mala educación), 2004
(Carne trêmula), 1997 Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Produtor: Agustín
(Chon), Miriam Díaz Aroca (Isabel), Nacho Martínez
(Juan), Cristina Marcos (Paula), Ana Lizaran (Margarita), Roteiro e direção: Pedro Almodóvar, em colaboração Almodóvar. Produtora executiva: Esther García. Dire-
Rocío Muñoz (Rebeca em criança), Mairata O’Wisiedo com Ray Lóriga e Jorge Guerricaechevaria. Baseado no tor de fotografia: José Luis Alcaine A.E.C. Montagem:
(a mãe do juiz). Produção: El Deseo S.A. e Ciby 2000. romance de Ruth Rendell. Fotografia: Affonso Beato. José Salcedo.Música: Alberto Iglesias. Diretor artístico:
Duração: 1h53. Som: Bernardo Menz. Montagem: José Salcedo. Música: Antxón Gómez. Engenheiro de som: Miguel Rejas. Mixa-
Alberto Iglesias. Elenco: Javier Bardem (David), Franc- gem: José Antonio Bermúdez. Segundo operador de
esca Neri (Elena), Liberto Rabal (Victor), Ángela Molina câmara: Joaquín Manchado. Maquiagem: Ana Lozano.
Kika (Clara), José Sancho (Sancho), Penélope Cruz (Isabel), Penteados: Pepe Juez. Figurinos: Paco Delgado, com a
(Kika), 1993 Pilar Bardem (dona Centro), Alex Angulo (o motorista). colaboração especial de Jean-Paul Gaultier. Elenco: Gael
Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Alfredo Produção: Ciby 2000, El Deseo, France 3 Cinema. Du- García Bernal (Ángel/ Juan/Sahara), Fele Martínez (En-
Mayo. Som: Jean Paul Mugel. Montagem: José Salcedo. ração: 1h39. rique Goded), Javier Cámara (Paquito), Daniel Jiménez
Cenários: Javier Fernández, Alain Bainee. Música: Danse Cacho (padre Manolo), Lluís Homar (senhor Berenguer),
espagnole no 5, de Enrique Granados Campina, Conci- Francisco Boira (Ignacio), Francisco Maestre (padre José),
Tudo sobre a minha mãe
erto para bongo, de Pérez Prado, Fragments de Suite pour Juan Fernández (Martín), Ignacio Pérez (Ignacio em cri-
(Todo sobre mi madre), 1999 ança), Raúl García Forneiro (Enrique em criança), Petra
Psychose, de Bernard Herrmann, Youkali Tango Habanera,
de Kurt Weill “La comparsita”, de Matos Rodríguez. Can- Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Fotografia: Af- Martínez (mãe de Ignacio), Sandra (Nancy Doll), Ro-
ções: “Se nos rompió el amor”, cantada por Fernanda fonso Beato. Som: Miguel Rejas. Montagem:José Salcedo. berto Hoyas (barman galego). Duração: 1h45.
e Bernarda, “Luz de luna”, cantada por Chavela Vargas. Música: Alberto Iglesias. Elenco: Cecilia Roth (Manuela),
Elenco: Verónica Forqué (Kika), Victoria Abril (Andrea), Marisa Paredes (Huma), Candela Peña (Nina), Penélope

210 211
Programação
26 de julho 5 de agosto CONVERSAS SOBRE PEDRO ALMODÓVAR
16h Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão 10h Volver
17h40 Tudo sobre o desejo - O apaixonante cinema 15h Sonata de outono*
de Pedro Almodóvar*
17h Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão
18h50 Labirinto de paixões Pedro Almodóvar, o diretor A estética kitsch e a diversidade sexual
18h50 De salto alto
20h50 Maus hábitos 3 de agosto - 20h nos filmes de Pedro Almodóvar
21h Que fiz eu para merecer isto?
27 de julho 6 de agosto Debate com o cineasta Aluizio Abranches e o 11 de agosto – 19h30
15h Que fiz eu para merecer isto?
14h Abraços partidos
curador Breno Lira Gomes Debate com o cineasta Luiz Carlos Lacerda/Bi-
17h Cinderela em Paris*
16h30 Pacto de sangue* Mediação: Ricardo Daehn, jornalista e cítico de gode e a curadora Silvia Oroz
19h10 Matador cinema Mediação: Felipe Areda, pesquisador
18h30 Fale com ela
21h A lei do desejo
20h50 Kika
28 de julho 7 de agosto
14h30 Mulheres à beira de um ataque de nervos*
15h Labirinto de paixões
16h30 Tudo que o céu permite*
17h Os olhos sem rosto*
18h50 Ata-me!
18h50 Que fiz eu para merecer isto?
20h50 De salto alto
20h50 Má educação
29 de julho 9 de agosto
10h Kika
15h Mulheres à beira de um ataque de nervos*
15h A espinha do diabo*
17h A tortura do medo*
17h A flor do meu segredo
19h10 Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão
19h Carne trêmula
20h50 A flor do meu segredo
21h Tudo sobre minha mãe 10 de agosto
30 de julho 15h Carne trêmula
14h Fale com ela
17h Horas de desespero*
16h20 Os desajustados*
19h10 Matador
18h40 Má educação
21h Ata-me!
20h40 Volver 11 de agosto
31 de julho 15h A malvada*
14h40 Abraços partidos
17h45 A lei do desejo
17h20 Coração vagabundo*
19h30 Debate: A estética kitsch e a diversidade sexual nos
18h50 Labirinto de paixões filmes de Pedro Almodóvar
20h50 Maus hábitos 12 de agosto
2 de agosto 10h Tudo sobre o desejo - O apaixonante cinema de
14h30 Pink flamingos* Pedro Almodóvar*
17h Noites de Cabíria* 14h10 De salto alto
19h10 Ata-me! 16h20 A vida secreta das palavras*
21h10 Carne trêmula 18h30 Maus hábitos
3 de agosto 20h40 Abraços partidos
15h20 No silêncio da noite* 13 de agosto
17h10 Matador 14h30 Má educação
19h Tudo sobre o desejo - O apaixonante cinema de 16h30 Janela indiscreta*
Pedro Almodóvar* 18h40 Kika
20h Debate: Pedro Almodóvar, o diretor 20h50 Fale com ela
4 de agosto 14 de agosto
15h10 A lei do desejo 14h30 A flor do meu segredo
17h10 A menina santa* 16h30 Minha vida sem mim*
19h10 Mulheres à beira de um ataque de nervos* 18h40 Volver
21h Tudo sobre minha mãe 21h Tudo sobre minha mãe
* Exibições em DVD
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Agradecimentos

Adailton Medeiros Cadu Pereira Fernanda Montenegro Larissa Levy Marta Simón Rubia Mazzini
Adelaide Oliveira Caio Meira Fernanda Zacchi Laura Friche Mônica Alves Sâmara Santana
Agathe Mauruc Camila Marques Fernando Brito Laurence Berbon Mônica Flores Santilha Sousa
Aída Ferreira Camille Calcagno Fréderic Strauss Leandro Pardí Monique Rodrigues Sérgio Cardia
Alberto Flaksman Camille Lebon Frederico Machado Leonardo Barros Nathan Ethur Sérgio Camargo
Alexandre Costa e equipe Carlos Dimuro Gabriel Bortolini Léo Mendes Nélida Piñon Sidnei Pereira
(Cult Vídeo) Carlos Henrique Vasconcelos Getúlio Dantas, Junior e Leonardo Miranda Noemí Oliva García-Baquero Sol Pereira
Alessandra Duboc Carolina Merat equipe (Restaurante La Leonardo Nascimento Paula Pascual Leon Steve Solot
Alexandre Lino Catharina Attema Plancha) Liliam Hargreaves Paulo Almeida Suellen Félix
Alexandre Sivolella Catherine Faudry Gisella Cardoso Liliana Niespial Paulo Roberto Terezinha Guedes
Aleques Eiterer Cátia Castilho Gilson Cataldo Linda Araújo Philippe Chevassu Tetê Mattos
Alicia Macías Cavi Borges Gregory Baltz Lorelei Simil Schneider Priscila Adachi Thiago Salles
Almerita Sousa César Silva Guaraci Carvalho Luana Paternoster Priscila Barbosa Tiago Gomes
Altamiro Lira Gomes Christina Moreira Guilherme Augusto Oliveira Lúcia Melo Priscila Correa Urion Castilho
André Tavares Christina Zuardi Guilherme Tristão Lúcia Rios Delphim Priscilla Bonifácio Vagner Andrezo
Andrucha Waddington Claudia Belem Helena Peregrino Lúcia Teixeira Priscila Moherdaui Valéria Luna
Ana Florença Cristiane Vicente Hernani Heffner Lucinha Araújo Raphael Jessouroun Valéria Ramos
Ana Luiza Azevedo Claudia Colins Igor Cotrim Luiz Eduardo Sousa Renata Brito Vanessa Esteves
Antonio Martínez Claudia Ferraz Gori Isabella Martins Luiz Moura Renata Donec Vanessa Moraes
Arcadio Martinez Claudia Oliveira Isabela Santiago Marcella Fazzio Renata Garcia Vânia Santana
Arelle Faria Cristiano Terto Isabelle Cabral Marcelo Mendes Renato Damião Vera Bonafe
Arndt Roskens Daniela Mignani Jadir Ferreira Marcelo Nogueira Ricardo Azevedo e equipe Victor Tamm
Aydano André Motta Daniel Dreifuss Joaquim Delphim Márcio Reis (Royal Tulip Brasília Alvorada) Victor Vidal
Bárbara Peiró Aso Dira Paes Jorge Velloso Marcos Carmo Roberto Martins Vivia Vieira
Bayard Tonelli Eidil Fonseca José Ferreira Gomes Marcos Silva Roberto Pereira da Costa Wallace Rocha
Beatriz Rondon Elias Oliveira Juliana Kegler Mário Abbade Robson Oliveira Wanderson Guedes
Bete Bullara Fabrício Longo Juliana Tolentino Maria José Ribeiro Lira Rodolfo Lima Zezé Motta
Brigitte Veyne Fátima Borghoff Júlio César Martins Mariana Sobreira Rogéria
Cacá de Carvalho Felícia Krumholz Júlio Lellis Margarida Maria Lira Gomes Rogério Pereira
Cacá Diegues Felipe Trotta Kaká Couto Mark Truesdale Ronaldo Silva

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Créditos
PATROCÍNIO WEBDESIGNER E EDITOR DO SITE OFICIAL
Ministério da Cultura e Banco do Brasil E REDES SOCIAIS
REALIZAÇÃO Maurício Borges
Centro Cultural Banco do Brasil VINHETA
EMPRESA PRODUTORA Fernanda Teixeira
Buendía Filmes ASSESSORIA DE IMPRENSA
APOIO Cristiano Bastos - Capital Comunicação
Cavídeo REGISTRO VIDEOGRÁFICO/MAKING OF
Cult Vídeo Studio Art Fotografia
Hotel Golden Tulip DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL GRÁFICO
La Plancha Cabral
COORDENAÇÃO GERAL IMPRESSÃO CATÁLOGO
Breno Lira Gomes Gráfica Stamppa
CURADORIA LEGENDAGEM ELETRÔNICA
Breno Lira Gomes 4 Estações
Silvia Oroz DESPACHANTE ADUANEIRO
PRODUÇÃO EXECUTIVA Chinter Consultoria Aduaneira
Fernanda Teixeira TRANSPORTE DE CÓPIAS
Yves Moura Romar Express
PRODUÇÃO
www.buendiafilmes.com/mostraeldeseo
Carla Barbosa
Twitter: @mostraeldeseo
Thais Sobreira
Facebook: Mostra El Deseo
ASSISTÊNCIA DE CURADORIA
Gabriel Bortolini Entrada franca
PRODUÇÃO BRASÍLIA Verifique a classificação indicativa por filme
Ana Arruda Neiva (Sétima Audiovisual) CCBB Brasília
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO BRASÍLIA SCES, Trecho 2, Conjunto 22 – Brasília/DF
Manu Santos Informações: (61)3108-7600
MONITORIA facebook.com/ccbb.brasilia – bb.com.br/cultura
Deborah Vilarino twitter.com/ccbb_df
COORDENAÇÃO EDITORIAL E Ônibus gratuito. Verifique horários e locais de As sinopses dos filmes foram escritas por Pedro Almodóvar e cedidas pela produtora El
PRODUÇÃO DO CATÁLOGO saída. Deseo, a exceção de “Matador”, que foi gentilmente cedida pela Editora Zahar.
Angélica Coutinho SAC 0800 729 0722 As citações de Pedro Almodóvar foram extraídas do livro “Conversas com Almodóvar”
PROJETO GRÁFICO Ouvidoria BB 0800 729 5678 de Frédéric Strauss publicado no Brasil pela Editora Zahar.
Guilherme Lopes Moura As entrevistas foram realizadas por e-mail por Angélica Coutinho.
Deficiente Auditivo ou de Fala 0800 729 0088
TRADUÇÃO, REVISÃO E
EDIÇÃO DE TEXTOS
Angélica Coutinho

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“A vitalidade das minhas cores
é uma forma de lutar contra a
austeridade de minhas origens.”
Pedro Almodóvar
ISBN 978-85-902293-2-2

Realização

Ministério da
Cultura

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