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Universidade do Minho

Instituto de Educação

Elias Santiago de Assis

Elias Santiago de Assis Euclidiana Plana através de histórias em


quadrinhos: Possibilidades,limitações
Exposição axiomática da Geometria
Exposição axiomática da Geometria
Euclidiana Plana através de histórias em
quadrinhos: Possibilidades,limitações

e desafios
e desafios

UMinho|2016

setembro de 2016
Universidade do Minho
Instituto de Educação

Elias Santiago de Assis

Exposição axiomática da Geometria


Euclidiana Plana através de histórias em
quadrinhos: Possibilidades,limitações
e desafios

Tese de Doutoramento em Ciências da Educação


Especialidade em Educação Matemática

Trabalho realizado sob a orientação da


Doutora Maria Helena Martinho

setembro de 2016
DECLARAÇÃO

Elias Santiago de Assis

Endereço eletrônico: elyassantiago@gmail.com

Título da tese: Exposição axiomática da Geometria Euclidiana Plana através de histórias


em quadrinhos: Possibilidades, limitações e desafios

Orientadora: Professora Doutora Maria Helena Martinho

Ano de conclusão: 2016

Designação do doutoramento: Doutorado em Ciências da Educação, Especialidade de


Educação Matemática

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE PARA EFEITOS


DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO,
QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 30 de setembro de 2016

Assinatura: _____________________________________________________________

ii
DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração da presente tese. Confirmo


que em todo o trabalho conducente à sua elaboração não recorri à prática de plágio ou
qualquer forma de falsificação dos resultados.
Ademais, declaro que tomei conhecimento integral do Código de Conduta Ética
da Universidade do Minho.

Universidade do Minho, 30 de setembro de 2016.

Nome completo: Elias Santiago de Assis

Assinatura: _____________________________________________________________

iii
iv
Com muito carinho
Para o meu irmão, Eliseu Santiago de Assis,
e meu pai, Joselito Bispo de Assis
que partiram deixando muitas saudades.

v
vi
Agradecimentos

Agradeço a Deus pelo dom da vida e por ter me presenteado com uma família
tão linda. Sem a crença em uma força divina seria mais difícil superar as dificuldades
que se impuseram ao longo da realização da pesquisa. A semente de fé plantada em meu
coração, sobretudo por meio da minha mãe, permitiu-me superar com olhos
esperançosos as adversidades encontradas.
Agradeço a minha família por todo afeto devotado a mim. À minha mãe, Dona
Rosa, por não ter medido esforços para me oportunizar uma educação de qualidade.
Sem a sua ajuda certamente eu não conseguiria chegar até aqui. Agradeço à minha irmã,
Verinha, pela sua alegria e aos meus sobrinhos Iago e João Lucas por me
proporcionaram a descoberta de sentimentos paternais. Agradeço a Ricardo pelo seu
companheirismo e doçura. E, com o coração apertado de saudades, agradeço ao meu
amado irmão, Eliseu, e ao meu pai, Joselito, com os quais vivi momentos de muitas
felicidades.
Estendo os meus agradecimentos à minha orientadora, a professora Maria
Helena Martinho, pela paciência e pelos votos de confiança. Sem os seus cuidados e
atenção a realização deste trabalho estaria inevitavelmente comprometida. Reitero o
meu respeito e admiração pela sua atuação profissional e pela forma dócil como
coduziu as orientações.
De modo especial, agradeço as professoras Custódia e Rosineide Mubarak que
acreditaram neste meu sonho de concluir o doutoramento em Ciências da Educação pela
Universidade do Minho. Às duas cultivo uma enorme graditão. Estendo esse
agradecimento a todos os professores que passaram pela minha vida por terem me
mostrado a paixão pela docência.
Adradeço aos amigos que enchem a minha vida de alegria e que, em todos os
momentos, vibram com a minha felicidade. Em particular, agradeço a Plínio, Andrei,
Jair, Sandrinha, Bel, Adilma, Orlando, Carol, Nanda, Sueli, Tiana, Lutiano, Rominho,
Glauber, Airan, Naldão, Valdete, Van, Andrety, padre Ademilton, Irmã Zezé, Dinho,
Sivinha, Kátia, Vanessa, Xandy, Luciana, doutora Suzana, Joi, Ísis, Beth, Mário,
Sandrão, Marizete, Beth, Naldão, Alvinho e as minhas alunas Juliana e Joanice, aos
meus amigos da paróquia, aos meus colegas do doutoramento e a tantos outros que
tornaram mais doce essa caminhada.
vii
viii
EXPOSIÇÃO AXIOMÁTICA DA GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA ATRAVÉS
DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES, LIMITAÇÕES E
DESAFIOS
Elias Santiago de Assis
Doutoramento em Ciências da Educação — Especialidade em Educação Matemática

Resumo

Nesta pesquisa analisa-se o impacto da utilização de histórias em quadrinhos


(HQs) na aprendizagem da Geometria Euclidiana Plana numa perspectiva axiomática.
Esta análise foca-se em dois aspectos diferentes. O primeiro aspecto diz respeito aos
processos de aprendizagem da Geometria dedutiva. Refere-se às especificidades que
cerceiam a compreensão e a elaboração de provas matemáticas a partir de uma estrutura
axiomática pré-estabelecida. O segundo aspecto contempla o potencial das HQs
enquanto recurso didático ao serviço do processo de ensino e de aprendizagem de
Geometria. Nesta perspectiva, procura-se identificar os contributos da utilização das
HQs em sala de aula, sobretudo no tratamento de conteúdos matemáticos.
A metodologia adotada neste estudo está circunscrita pelo paradigma qualitativo
de investigação. Trata-se de um estudo de caso realizado em uma turma do curso de
Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Ao longo de dezesseis encontros, de duas horas cada, foram aplicadas sete HQs que
versam sobre conteúdos de Geometria Plana, concebidas pelo investigador. Através da
atuação como professor-investigador, o pesquisador buscou identificar, por meio de
interações com os estudantes, elementos necessários à composição de HQs para fins
educacionais, os fatores que se apresentaram como entraves à aprendizagem e as
possíveis alternativas para contorná-los. Em tempo, acompanhou o desenvolvimento do
raciocínio geométrico e da linguagem matemática adotados pelos estudantes. Os dados
foram recolhidos através do diário de bordo do investigador bem como por meio de
questionários, entrevistas, gravações de áudio e atividades propostas.
Os resultados obtidos indicam que as HQs voltadas para o tratamento axiomático
em Geometria ajudam a desenvolver o raciocínio dedutivo dos estudantes assim como
compreender as provas matemáticas nos seus papéis adicionais de verificação,
exploração e explicação. Ademais, permitem tanto a apresentação de episódios da
ix
história da Matemática quanto a exposição dos conteúdos matemáticos propriamente
ditos. Por outro lado, o formalismo da linguagem matemática mostrou-se dificilmente
compatível com o coloquialismo típico da literatura quadrinísitca. Além disso, o
excesso de conteúdos matemáticos em uma mesma HQ e a sobrevalorização do
tratamento dedutivo em detrimento do indutivo tornaram, em alguns casos, a leitura
cansativa e menos interessante. Consequentemente, o êxito da articulação entre a
literatura quadrinísitca e a abordagem axiomática em Geometria perpassa pela
adequação entre as linguagens empregadas e o casamento entre a indução e a dedução
na apropriação dos conteúdos geométricos.

Palavras-chave: Aprendizagem de Geometria; Geometria formal-dedutiva; Histórias em


Quadrinhos.

x
AXIOMATIC EXPOSITION OF EUCLIDEAN PLANE GEOMETRY THROUGH
COMIC STRIPS: POSSIBILITIES, LIMITATIONS AND CHALENGES
Elias Santiago de Assis
Doctorate in Educational Sciences — Specialty: Mathematics Education

Abstract

This thesis aims to analyze the impact of using comic strips for teaching
Euclidean Plane Geometry from an axiomatic perspective. This analysis focus on two
different aspects. The one deals with the deductive Geometry learning processes. It
concerns issues underlying comprehension and elaboration of mathematical proofs from
a pre-established axiomatic structure. The second aspect refers to the potential of
comics as a didactical resource in the process of teaching and learning Geometry.
Within this perspective, the contribution of using comic strips in classroom is identified,
particularly in which concerns the treatment of mathematical contents.
The methodology adopted is circumscribed to the qualitative paradigm of
investigation. It consists of a case study undertaken in a classroom of the License
Course in Mathematics in the Federal University of the Bahia Recôncavo (UFRB).
Along sixteen meetings, of two hours each, seven comic strips dealing with Plane
Geometry contents, designed by the researcher, were used. Acting as the classroom-
teaching instructor, the researcher tried to identify from the interaction with the students
the most relevant elements in the process of creating a comic strip for educational
purposes, the factors possibly constraining the learning process, and the possible
alternatives to overcome them. Accordingly, the students’ development of geometric
thinking and of the mathematical language was tracked. Elicitation was undertaken
through the diary data collection method, as well as by means of questionnaires,
interviews, audio recordings, and different sorts of activities proposed.
Results indicate that comic strips especially designed for the axiomatic treatment
of Geometry help students to develop their deductive reasoning as well as to understand
mathematical proofs in their additional roles of verification, exploration and
explanation. In addition, comics serve not only for the exposition of mathematical
contents but also to enable the presentation of the history of Mathematics. In contrast,
xi
the formalism of mathematical language is hardly compatible with the typical
colloquialism of the comic strips style. Moreover, the excessive amount of
mathematical content in one strip, as well as the emphasis on deductive over inductive
reasoning, may result in some cases, in a tiresome and less interesting reading.
Consequently, the successful articulation of strip comics with the axiomatic approach to
Geometry, requires adjustment of the languages employed and the coupling of induction
and deduction for a suitable appropriation of the geometric contents.

Keywords: Geometry Learning; Formal-deductive Geometry; Comic strips.

xii
Sumário

Agradecimentos .......................................................................................................... vii


Resumo ........................................................................................................................ ix
Abstract ....................................................................................................................... xi
Lista de Figuras.......................................................................................................... xxi
Lista de Tabelas ...................................................................................................... xxvii
Lista de Gráficos ...................................................................................................... xxix

Capítulo 1
Introdução ..................................................................................................................... 1
1.1 A questão e os objetivos da investigação.............................................................. 2
1.2 Contexto do estudo .............................................................................................. 4
1.3 Abordagem metodológica .................................................................................... 6
1.4 Estrutura .............................................................................................................. 7

Capítulo 2
Panorama Histórico do Ensino de Geometria: Do Âmbito Geral ao Contexto
Brasileiro.........................................................................................................................13
2.1 A geometria ao longo dos séculos: Recortes históricos....................................... 15
2.2 O ensino de Geometria: Recortes históricos ....................................................... 19
2.3 O ensino de Geometria no Brasil ....................................................................... 26
2.4 A Geometria plana nos livros didáticos: O contexto brasileiro ........................... 31

Capítulo 3
Ensino e Aprendizagem de Geometria: Do Abandono ao Resgate dos Conteúdos no
Contexto da Sala de Aula ............................................................................................ 37
3.1 As teorias de aprendizagem de Geometria.......................................................... 39
3.1.1 Processos cognitivos segundo Barth............................................................ 40
3.1.2 Processos cognitivos segundo Duval ........................................................... 42
3.1.3 Processos cognitivos segundo Martin, Carter, Forster, Kader e Kepner ....... 43
3.1.4 Processos cognitivos segundo o casal Van Hiele ......................................... 43
3.1.5 Cruzamento entre as teorias de aprendizagem ............................................. 46
3.2 As definições em Geometria .............................................................................. 48
xiii
3.2.1 Definições lexicais e definições estipuladas ................................................ 49
3.2.2 Definições matemáticas: Uma construção humana ...................................... 50
3.2.3 Elementos necessários a uma definição matemática .................................... 51
3.2.4 Definições hierárquicas e definições particionais ........................................ 52
3.2.5 Definições descritivas e definições construtivas .......................................... 53
3.3 Argumentação e prova em Geometria ............................................................... 54
3.4 O papel das provas matemáticas ....................................................................... 58
3.5 Raciocínio e demonstrações matemáticas ........................................................... 61
3.5.1 Níveis de raciocínio matemático segundo Balacheff ................................... 62
3.5.2 Níveis de raciocínio matemático segundo Harel e Sowder .......................... 62
3.5.3 Níveis de raciocínio matemático segundo Recio e Godino .......................... 63
3.6 Representações e linguagem em Geometria ....................................................... 64
3.6.1 Representações icônicas ............................................................................. 65
3.6.2 Representações simbólicas .......................................................................... 67
3.6.3 Representações verbais ............................................................................... 69
3.7 Dificuldades na aprendizagem de Geometria ..................................................... 72
3.8 Ensino de Geometria ......................................................................................... 75
3.8.1 Ensino primário .......................................................................................... 76
3.8.2 Ensino ginasial ........................................................................................... 77
3.8.3 Ensino médio .............................................................................................. 77
3.8.4 Da experimentação à abstração ................................................................... 78

Capítulo 4
As Histórias em Quadrinhos e o Ensino de Matemática ............................................... 81
4.1 A democratização do ensino no Brasil ............................................................... 83
4.2 As HQs na educação: Alguns recortes históricos................................................ 85
4.2.1 Controvérsia com as HQs em contextos escolares ....................................... 86
4.2.2 Contributos das HQs para a educação ......................................................... 88
4.2.3 As HQs nos documentos oficiais do Ministério da Educação ...................... 89
4.3 A utilização de HQs no ensino de Matemática ................................................... 91
4.3.1 HQs em sala de aula: Como utilizá-las? ...................................................... 92
4.3.2 Articulação entre as linguagens icônica e verbal ......................................... 93
4.3.3 Que HQs utilizar? ....................................................................................... 93
4.4 HQs que abordam temas matemáticos............................................................... 95
xiv
4.4.1 Chico Bento em O segredo ........................................................................ 96
4.4.2 História da Matemática e a Turma da Mônica ............................................. 97
4.4.3 As aventuras de Anselmo Curioso .............................................................. 99
4.4.4 Pra que serve a Geometria? ....................................................................... 100
4.4.5 Logicomix ................................................................................................ 101
4.4.6 Guia Mangá de Matemática ...................................................................... 102
4.4.7 Coleção Beast Academy Guide ................................................................. 103
4.5 Tirinhas sobre a Matemática e as suas provocações ......................................... 104
4.5.1 Álgebra em cartoons ................................................................................ 107
4.5.2 Adição em Zn através de cartoons ............................................................. 108
4.5.3 Paralelismo em cartoons ........................................................................... 109
4.5.4 Grandezas proporcionais em cartoons....................................................... 110
4.5.5 Conjuntos numéricos em cartoons ............................................................ 111
4.5.6 Matemática financeira em cartoons .......................................................... 112
4.5.7 Onde encontrar e como utilizar os cartoons .............................................. 112
4.6 A criação das histórias ..................................................................................... 113
4.6.1 Narrativas sobre o cotidiano...................................................................... 115
4.6.2 Narrativas ficcionais ................................................................................. 115
4.6.3 A criação dos desenhos: Um problema para alguns alunos ........................ 117
4.6.3 Onde fazer as histórias em quadrinhos? .................................................... 118
4.7 Por que não utilizar HQs em ambientes escolares?........................................... 121

Capítulo 5
Delineamento metodológico da pesquisa ................................................................... 125
5.1 O paradigma qualitativo de investigação .......................................................... 127
5.2 A pesquisa qualitativa em educação matemática .............................................. 130
5.3 O estudo de caso .............................................................................................. 131
5.4 O desenho da investigação ............................................................................... 134
5.5 Recolha de dados ............................................................................................. 140
5.6 Métodos de análise de dados ............................................................................ 149
5.7 A qualidade científica da investigação ............................................................. 152

Capítulo 6
Histórias em quadrinhos utilizadas na investigação ................................................... 155
xv
6.1 A Matemática por meio de narrativas literárias ................................................ 156
6.2 A história da Geometria e a HQ1 ...................................................................... 157
6.3 A Geometria nas HQ2 e HQ7 ............................................................................ 163
6.4 A Geometria nas HQ3 e HQ6 ............................................................................ 171
6.5 A Geometria na HQ4 ........................................................................................ 179
6.6 A Geometria na HQ5 ........................................................................................ 183

Capítulo 7
Apresentação dos Resultados .................................................................................... 189
7.1 A Geometria na educação básica...................................................................... 191
7.1.1 Assuntos estudados................................................................................... 193
7.1.4 As justificações matemáticas .................................................................... 195
7.1.5 Dificuldades com demonstrações matemáticas: O papel da formação prévia
.......................................................................................................................... 197
7.2 A escolha pela Licenciatura em Matemática .................................................... 198
7.3 As histórias em quadrinhos: Relações prévias .................................................. 200
7.3.1 Interesse pelas HQs .................................................................................. 200
7.3.2 HQs sobre conteúdos matemáticos............................................................ 201
7.3.3 HQs sobre a história da Matemática .......................................................... 202
7.4 Aplicação da HQ1 ............................................................................................ 204
7.4.1 Primeiro encontro: Iniciação à Geometria axiomática ............................... 204
7.4.2 Leitura e discussões .................................................................................. 206
7.4.3 Atividades propostas................................................................................. 208
7.4.4 Triangulação dos dados ............................................................................ 209
7.5 Aplicação da HQ2 ........................................................................................... 210
7.5.1 Secção PPPRSL........................................................................................ 211
7.5.2 As definições na HQ ................................................................................. 212
7.5.3 Tópicos compreendidos ............................................................................ 216
7.5.4 Dificuldades encontradas .......................................................................... 218
7.5.5 Atividades propostas................................................................................. 221
7.5.6 Triangulação dos dados ............................................................................ 222
7.6 Aplicação da HQ3 ............................................................................................ 223
7.6.1 Primeira parte da leitura ............................................................................ 224
7.6.2 Segunda parte da leitura ............................................................................ 225
xvi
7.6.3 Terceira parte da leitura ............................................................................ 226
7.6.4 Quarta parte da leitura .............................................................................. 227
7.6.5 Dificuldades com as demonstrações .......................................................... 228
7.6.6 Aprendizagem a partir da HQ: Relato de estudantes .................................. 229
7.6.7 Como falar destes assuntos? ..................................................................... 230
7.6.8 Secção PPPRSL........................................................................................ 231
7.6.9 Atividades propostas................................................................................. 232
7.6.10 Triangulação dos dados........................................................................... 240
7.7 Aplicação da HQ4 ............................................................................................ 241
7.7.1 Primeira parte da leitura ............................................................................ 242
7.7.2 Secção PPPRSL........................................................................................ 245
7.7.3 Segunda parte da leitura ............................................................................ 246
7.7.4 Alterações na HQ ..................................................................................... 248
7.7.5 Atividades propostas................................................................................. 253
7.7.6 Triangulação dos dados ............................................................................ 264
7.8 Aplicação da HQ5 ............................................................................................ 265
7.8.1 Primeira parte da leitura ............................................................................ 266
7.8.2 Seção PPPRSL ......................................................................................... 270
7.8.3 Segunda parte da leitura........................................................................... 271
7.8.4 Alterações na HQ .................................................................................... 273
7.8.5 Atividades propostas................................................................................. 276
7.8.6 Triangulação dos dados ............................................................................ 285
7.9 Aplicação da HQ6 ............................................................................................ 286
7.9.1 Primeira parte da leitura ............................................................................ 286
7.9.2 Secção PPPRSL: Primeira parte................................................................ 290
7.9.3 Segunda parte da leitura ............................................................................ 291
7.9.4 Secção PPPRSL: Segunda parte................................................................ 292
7.9.6 Secção PPPRSL: Terceira parte ................................................................ 295
7.9.7 Atividades propostas................................................................................. 299
7.9.8 Alterações necessárias à HQ6 .................................................................... 305
7.9.9 Triangulação dos dados ............................................................................ 310
7.10 Aplicação da HQ7 .......................................................................................... 311
7.10.1 Primeira parte da leitura .......................................................................... 312
7.10.2 Secção PPPRSL...................................................................................... 315
xvii
7.10.3 Segunda parte da leitura .......................................................................... 317
7.10.4 Identificação com o texto ........................................................................ 318
7.10.5 Atividades propostas ............................................................................... 319
7.10.6 Triangulação dos dados........................................................................... 328

Capítulo 8
Discussão dos Resultados.......................................................................................... 331
8.1 A leitura das HQs ............................................................................................ 332
8.1.1 Elementos atrativos................................................................................... 334
8.1.2 Potencialidades educativas ........................................................................ 341
8.1.3 Construção das narrativas ......................................................................... 348
8.1.4 Linguagem quadrinística e linguagem matemática .................................... 354
8.1.5 O comportamento dos estudantes .............................................................. 368
8.1.6 A metodologia utilizada ............................................................................ 371
8.2 A aprendizagem de Geometria a partir da leitura das HQs ............................... 374
8.2.1 Os entraves à aprendizagem ...................................................................... 376
8.2.2 O papel da formação prévia ...................................................................... 379
8.2.3 As definições apresentadas pelos estudantes ............................................. 383
8.2.4 O raciocínio geométrico dos estudantes .................................................... 386
8.2.5 A linguagem matemática .......................................................................... 392
8.2.6 A importância das demonstrações ............................................................. 401

Capítulo 9
Conclusões................................................................................................................ 405
9.1 Síntese do estudo ............................................................................................. 405
9.2 Conclusões do estudo ...................................................................................... 409
9.2.1 Objetivos da pesquisa ............................................................................... 409
9.2.2 Questão de investigação ............................................................................ 414
9.3 Relevância do trabalho .................................................................................... 417
9.4 Limitações do estudo ....................................................................................... 422
9.5 Sugestões para futuras investigações................................................................ 424

Referências Bibliográficas ........................................................................................ 427

xviii
Apêndice 1
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................................... 443
Apêndice 2
HQ1: Dona Geometria em: Euclides e Os seus Elementos ......................................... 445
Apêndice 3
HQ2: Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos ............................................. 455
Apêndice 4
HQ3: Dona Geometria em: A corrida pelo saber ........................................................ 469
Apêndice 5
HQ4: Dona Geometria em: Subindo mais uma degrau ............................................... 481
Apêndice 6
HQ5: Dona Geometria em: Os congru Entes .............................................................. 489
Apêndice 7
HQ6: Dona Geometria em: A estagiária ..................................................................... 499
Apêndice 8
HQ7: Dona Geometria em: A turma boa de bola ........................................................ 515
Apêndice 9
Questionário de Diagnóstico - QD............................................................................. 527
Apêndice 10
Questionário de investigação - Q1 ............................................................................. 531
Apêndice 11
Questionário de investigação - Q2 ............................................................................. 535
Apêndice 12
Questionário de investigação - Q3 ............................................................................. 539
Apêndice 13
Roteiro da Primeira Sessão de Entrevistas - E1 .......................................................... 543
Apêndice 14
Roteiro da Segunda Sessão de Entrevista - E2............................................................ 545
Apêndice 15
Critério de Credibilidade ........................................................................................... 547

xix
xx
Lista de Figuras

Figura 3.1. Processos de aprendizagem em geometria ................................................. 47


Figura 3.2. Representação mais usual de paralelogramo .............................................. 49
Figura 3.3. Representações icônicas de ângulos obtusos .............................................. 66

Figura 4.1. Chico Bento realizando a operação de divisão entre números naturais ....... 96
Figura 4.2. A matemática para finalidades práticas ...................................................... 97
5

Figura 4.3. Curva minimizante entre Nova Iorque e Madrid ........................................ 99


6

Figura 4.4. Descoberta do diâmetro da Terra por meio de HQ ................................... 100


7

Figura 4.5. Primeira aparição do matemático Bertrand Russell em Logicomix ........... 101
8

Figura 4.6. Aplicação do cálculo diferencial através de mangás ................................. 102


9

Figura 4.7. Definição de ângulo em Best Academy Guide ......................................... 103


10

Figura 4.8. Introdução à álgebra através de tirinhas ................................................... 107


11

Figura 4.9. Adição em clock 6-system ........................................................................ 109


12

Figura 4.10. A noção de paralelismo ao aprender a dirigir ......................................... 110


13

Figura 4.11. Tiras de O Menino Maluquinho de Ziraldo ............................................ 111


14

Figura 4.12. Tiras de Hagar, o horrível, de Chris Browne ......................................... 111


15

Figura 4.13. Tiras de Na Prancha Bamba retiradas do jornal O Globo, 1996 ............. 112
16

Figura 6.1. Dona Geometria se apresentando ao leitor ............................................... 159


17

Figura 6.2. Hilbert iniciando a sua obra Fundamentos da Geometria ......................... 161
19

Figura 6.3. Atividades propostas ao final da HQ1....................................................... 162


20

Figura 6.4. Primeira tirinha da HQ Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos 163
21

Figura 6.5. Secção PPPRSL na HQ2 ......................................................................... 164


22

Figura 6.6. Apresentação do conceito de convexidade na HQ2 ................................... 165


23

Figura 6.7. Primeira atividade proposta no final da HQ2 ............................................ 166


24

Figura 6.8. Segunda atividade proposta no final da HQ2 ............................................ 166


25

Figura 6.9. Axiomas sobre o cálculo de área .............................................................. 168


26

Figura 6.10. PPPRSL na HQ7 .................................................................................... 168


27

Figura 6.11. Justificação intuitiva da expressão para a área da região limitada por uma
28

circunferência ........................................................................................................... 169


Figura 6.12. Jogo entre o ECB e o ECV..................................................................... 170
29

Figura 6.13. Apresentação do ponto médio de um segmento ...................................... 172


30

xxi
Figura 6.14. Refletindo sobre a leitura na HQ3 ........................................................... 173
31

Figura 6.15. Atividades propostas na HQ3 ................................................................. 173


32

Figura 6.16. Teorema do ângulo externo na secção PPPRSL ..................................... 175


33

Figura 6.17. Caça-palavras presente na HQ6 .............................................................. 175


34

Figura 6.18. Segunda secção PPPRSL da HQ6 ........................................................... 176


35

Figura 6.19. A desigualdade triangular na HQ6 .......................................................... 177


36

Figura 6.20. Terceira parte da secção PPPRSL na HQ6 .............................................. 178


37

Figura 6.21. Atividades propostas na HQ6 ................................................................. 178


38

Figura 6.22. Refletindo sobre a leitura na HQ4 ........................................................... 180


39

Figura 6.23. Tirinha extraída do livro IMPACT mathematics contendo ângulos OPV 181
40

Figura 6.24. Cálculo do perímetro de um quadrilátero ............................................... 182


41

Figura 6.25. Atividades propostas na HQ4 ................................................................. 182


43

Figura 6.26. Relações entre mediana, altura e bissetriz relativas à base de um triângulo
44

isósceles .................................................................................................................... 185


Figura 6.27. Refletindo sobre a leitura na HQ5 ........................................................... 185
45

Figura 6.28. Atividades propostas na HQ5 ................................................................. 186


46

Figura 7.1. Distribuição dos trinta e dois participantes ao longo dos componentes
47

curriculares em que estudaram Geometria na educação básica ................................... 192


Figura 7.2. Excerto das respostas dos alunos A2, A3, A4 e A5 acerca dos assuntos de
48

geometria que mais gostaram de estudar na escola básica .......................................... 194


Figura 7.3. Excertos de relatos dos alunos A12, A10 e A2, os quais acreditam ter
49

facilidade em aprender Matemática ........................................................................... 198


Figura 7.4. Excertos de relatos dos alunos A13, A14 e A11 os quais ingressaram no curso
50

de Licenciatura em Matemática visando migrar para outro curso ............................... 199


Figura 7.5. Influência dos professores de Matemática da educação básica na escolha dos
51

alunos A7 e A8 pela Licenciatura em Matemática ...................................................... 200


Figura 7.6. Importância que os alunos A15, A6, A16 e A12 concebem às HQs voltadas
52

para a exposição de conteúdos de Matemática ........................................................... 202


Figura 7.7. Valor atribuído pelos alunos A17, A6, A11 e A18 à História da Matemática 203
53

Figura 7.8. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A3 e A12 às atividades
54

propostas ao final da HQ1 .......................................................................................... 209


Figura 7.9. Triangulação dos dados recolhidos acerca da HQ1 ................................... 210
55

xxii
Figura 7.10. Excerto de respostas apresentadas pelos alunos A4 e A21 (à direita) e A3 e
56

A15 (à esquerda) à secção PPPRSL na HQ2 ................................................................ 211


Figura 7.11. Falha na definição de triângulo .............................................................. 213
57

Figura 7.12. Assuntos que impuseram dificuldades aos alunos A16, A25 e A13 quanto à
58

compreensão da HQ2 ................................................................................................. 219


Figura 7.13. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A14 e A15 à 1ª questão
59

proposta no final da HQ2 ........................................................................................... 221


Figura 7.14. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A1 e A4 à 2ª questão proposta
60

no final da HQ2 ......................................................................................................... 222


Figura 7.15. Triangulação dos dados relacionados à HQ2 ........................................... 223
61

Figura 7.16. Excerto das soluções apresentadas por duas duplas à secção PPPRSL em
62

HQ3 .......................................................................................................................... 232


Figura 7.17. Excerto das respostas dos alunos A12 e A27, e A15 e A28 ao primeiro item da
63

primeira proposta ao final da HQ3 ............................................................................. 233


Figura 7.18. Solução apresentada pelos alunos A3 e A29 ao item (a) da 1a questão
64

proposta ao final da HQ3 ........................................................................................... 234


Figura 7.19. Solução apresenta pelos alunos A1 e A2 ao item (a) da 1 a questão proposta
65

ao final da HQ3 ......................................................................................................... 234


Figura 7.20. Excerto da solução apresentada pelos alunos A25 e A31 aos dois últimos
66

itens da primeira questão proposta ao final da HQ3.................................................... 235


Figura 7.21. Excerto da solução apresentada pelos alunos A12 e A23, A3 e A29, A24 e A30,
67

A18 e A26, e A4 e A31 ao terceiro item da primeira questão proposta ao final da HQ3 .. 236
Figura 7.22. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A15 e A28, e A11 e A23 ao
68

terceiro item da primeira questão proposta ao final da HQ3 ....................................... 237


Figura 7.23. Triangulação dos dados relacionados à HQ3 ........................................... 241
69

Figura 7.24. Ferramentas simbólicas adotadas na HQ4 para representar os ângulos .... 242
70

Figura 7.25. Axioma sobre medida de ângulos na HQ4 .............................................. 244


71

Figura 7.26. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A22 e A31 à secção PPPRSL
72

da HQ4 ...................................................................................................................... 245


Figura 7.27. Unicidade da perpendicular a uma reta passando por um de seus pontos 247
73

Figura 7.28. Excerto dos comentários de alunos A11, A10, A8 e A27 acerca da importância
74

da inserção de mais exercícios às HQs ...................................................................... 249


Figura 7.30. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A11 e A20, A3 e A15, A7 e
76

A17 à primeira questão proposta ao final da HQ4 ....................................................... 254


xxiii
Figura 7.29. Estudantes respondendo à primeira atividade proposta ao final da HQ4 .. 254
75

Figura 7.31. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A4 e A13, A12 e A27 à
77

primeira questão proposta ao final da HQ4 ................................................................ 255


Figura 7.32. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A22 e A31 à segunda questão
78

proposta ao final da HQ4 ........................................................................................... 257


Figura 7.33. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A7 e A17, A16 e A18, A12 e
79

A27 à segunda questão proposta ao final da HQ4 ........................................................ 257


Figura 7.34. Triangulação dos dados relacionados à HQ4 ........................................... 264
80

Figura 7.35. Excerto da demonstração do caso de congruência ALA ......................... 267


81

Figura 7.36. Sinalizações deixadas pelos alunos A16 e A18 na questão proposta em
82

PPPRSL na HQ5 ....................................................................................................... 270


Figura 7.37. Relações entre mediana, altura e bissetriz relativas à base de um triângulo
83

isósceles .................................................................................................................... 271


Figura 7.38. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A29 e A31 à primeira
84

questão proposta ao final da HQ5 .............................................................................. 276


Figura 7.39. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A10 e A19 à primeira questão
85

proposta ao final da HQ5 ........................................................................................... 278


Figura 7.40. Excerto da metade inicial da resposta apresentada pelos alunos A16 e A18 à
86

primeira questão proposta ao final da HQ5 ................................................................ 279


Figura 7.41. Excerto de uma parte da resposta apresentada pelos alunos A15 e A27 à
87

primeira questão proposta ao final da HQ5 ................................................................ 280


Figura 7.42. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A24 e A25 à segunda questão
88

proposta ao final da HQ5 ........................................................................................... 280


Figura 7.43. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A3 e A12 à segunda questão
89

proposta ao final da HQ5 ........................................................................................... 281


Figura 7.44. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A15 e A27 à segunda questão
90

proposta ao final da HQ5 ........................................................................................... 281


Figura 7.45. Triangulação dos dados relacionados à HQ5 ........................................... 285
91

Figura 7.46. Tirinha com erro na medida de algum dos ângulos relacionados ao
92

triângulo ABC........................................................................................................... 287


Figura 7.47. Representações imagéticas e simbólicas atribuídas pelos estudantes A7, A24,
93

A26 e A27 ao TAE ...................................................................................................... 289


Figura 7.48. Prova da unicidade da perpendicular a uma reta baixada a partir de um
94

ponto fora dela .......................................................................................................... 291


xxiv
Figura 7.49. Representações imagéticas elaboradas pelos alunos A9 e A25 sobre as
95

relações entre as medidas dos lados e dos ângulos de um triângulo ........................... 292
Figura 7.50. Resolução apresentada pelos alunos A10 e A30 à atividade proposta na
96

segunda secção de PPPRSL na HQ6 .......................................................................... 293


Figura 7.51. Resolução apresentada pelos alunos A5 e A28 à atividade proposta na
97

segunda secção de PPPRSL na HQ6 .......................................................................... 293


Figura 7.52. Representações elaboradas pelos alunos A4 e A13 para a desigualdade
98

triangular .................................................................................................................. 295


Figura 7.53. Solução apresentada pelos alunos A8 e A30 à terceira ............................. 296
99

Figura 7.54. Solução apresentada pelos alunos A5 e A25 à terceira ............................. 297
100

Figura 7.55. Solução apresentada pelos alunos A3 e A12 à terceira atividade proposta na
101

secção PPPRSL na HQ6 ............................................................................................ 297


Figura 7.56. Solução apresentada pelos alunos A3 e A23 ao primeiro item da primeira
102

questão proposta ao final da HQ6 .............................................................................. 299


Figura 7.57. Solução apresentada pelos alunos A15 e A27 ao segundo item da primeira
103

questão proposta ao final da HQ6 .............................................................................. 300


Figura 7.58. Solução apresentada pelos alunos A10 e A28 ao terceiro item da primeira
104

questão proposta ao final da HQ6 .............................................................................. 301


Figura 7.59. Solução apresentada pelos alunos A24 e A30 ao terceiro item da primeira
105

questão proposta ao final da HQ6 .............................................................................. 302


Figura 7.60. Definição atribuída pelos alunos A19 e A25 à mediana de um triângulo ABC
106

relativa ao lado AB ................................................................................................... 303


Figura 7.61. Representação atribuída pelos alunos A9 e A10 à mediana de um triângulo
107

ABC relativa ao lado AB .......................................................................................... 304


Figura 7.62. Triangulação dos dados relacionados à HQ6 ........................................... 310
108

Figura 7.63. Área da região plana limitada por um paralelogramo ............................. 313
109

Figura 7.64. Excerto da demonstração da fórmula da área da região plana limitada por
110

um paralelogramo ..................................................................................................... 314


Figura 7.65. Atividades propostas ao final da HQ7 ..................................................... 320
111

Figura 7.66. Solução proposta pelos alunos A12 e A29 ao primeiro item da questão
112

proposta ao final da HQ7 ........................................................................................... 321


Figura 7.67. Solução proposta pelos alunos A11 e A20 ao segundo item da questão
113

proposta ao final da HQ7 ........................................................................................... 322

xxv
Figura 7.68. Solução proposta pelos alunos A12 e A29 ao terceiro item da questão
114

proposta ao final da HQ7 ........................................................................................... 324


Figura 7.69. Triangulação dos dados relacionados à HQ7 ........................................... 328
115

Figura 8.1. Relações entre o ordenamento de três pontos e as suas coordenadas ......... 337
116

Figura 8.2. Referência aos poliedros de Platão na HQ1 .............................................. 344


117

Figura 8.3. Quadrinhos com excesso de texto nos balões ........................................... 355
118

xxvi
Lista de Tabelas

Tabela 3.1: Tipos de definições ................................................................................... 53


Tabela 3.2: Níveis de justificações em Matemática/Geometria .................................... 64
Tabela 3.3: Tipos de representações de um triângulo ................................................... 65

Tabela 4.1: Contributos dos cartoons para a educação ............................................... 105


Tabela 4.2: Editores de HQs ...................................................................................... 119
5

Tabela 5.1: Relação dos conteúdos presentes nas HQs ............................................... 136
6

Tabela 5.2: Descrição sumarizada dos encontros ....................................................... 145


7

Tabela 5.3: Relação entre os objetivos da pesquisa e os instrumentos utilizados para


8

alcançá-los ................................................................................................................ 148


Tabela 5.4: Categorias de análise utilizadas na pesquisa ............................................ 151
9

Tabela 8.1: Quantidade de soluções sem problemas no uso da linguagem matemática 399
10

xxvii
xxviii
Lista de Gráficos

Gráfico 7.1. Relação entre os assuntos de geometria e o número de estudantes que os


1

viram na escolaridade básica ..................................................................................... 193


Gráfico 7.2. Fatores que leva(ra)m os estudantes a lerem HQs ................................... 201
2

Gráfico 7.3. Assuntos apontados pelos estudantes como inteligíveis através da HQ2 .. 217
3

Gráfico 7.4. Assuntos apontados pelos estudantes como menos inteligíveis através da
4

HQ2 .......................................................................................................................... 218


Gráfico 7.5. Elementos que dificultaram a compreensão dos conteúdos presentes na HQ2
5

................................................................................................................................. 220
Gráfico 7.6. Tipo de raciocínio geométrico verificado nas respostas dos estudantes às
6

atividades propostas na HQ3 ...................................................................................... 238


Gráfico 7.7. Tipo de raciocínio geométrico dos estudantes verificado nas respostas às
7

atividades propostas na HQ4 ...................................................................................... 258


Gráfico 7.8. Tipo de raciocínio geométrico verificado nas respostas dos estudantes às
8

atividades propostas na HQ5 ...................................................................................... 282


Gráfico 7.9. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas dos estudantes às
9

duas últimas partes da secção PPPRSL...................................................................... 298


Gráfico 7.10. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas dos estudantes
10

aos itens da primeira questão proposta ao final da HQ6 ............................................. 302


Gráfico 7.11. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas atribuídas pelos
11

dos estudantes às atividades propostas ao final da HQ7.............................................. 325

Gráfico 8.1. Percentual de respostas com os raciocínio deduivo, semidedutivo e não


12

dedutivo .................................................................................................................... 389


Gráfico 8.2. Percentual de respostas sem problemas quanto ao uso da linguagem
13

matemática ................................................................................................................ 400

xxix
xxx
Capítulo 1

Introdução

O presente trabalho destina-se ao estudo dos impactos da utilização de histórias


em quadrinhos (HQs) no processo de ensino e aprendizagem de Geometria. O abandono
destinado aos estudos em Geometria no âmbito escolar, a partir da segunda metade do
século passado (Pavanello, 1993), demanda ainda, nos presentes dias, a requalificação e
ampliação dos materiais didáticos à disposição dos professores e dos alunos. Dentre tais
materiais se insere a banda desenhada. Neste sentido, faz-se necessário levar a cabo
pesquisas voltadas para o diálogo entre as HQs e a aprendizagem de Geometria.
Se, por um lado, é possível observar algumas iniciativas voltadas para a
retomada dos estudos em Geometria em sala de aula, a exemplo da melhor distribuição
dos conteúdos geométricos nos livros didáticos (Colares, 2012) por outro lado, a
abordagem dedutiva continua sendo negligenciada (Andrade & Nacarato, 2005). Os
problemas na aprendizagem de Geometria são naturalmente agravados mediante a
complexidade imposta pelo tratamento axiomático. O ensino de provas matemáticas
"parece ser uma falha em quase todos os países", destacam Hershkowitz et al. (2002, p.
675).
É plausível considerar que, ao se fazer valer da dimensão motivacional da
literatura em quadrinhos, assinalada por Cho e Lawrence (2012), a exposição da
Geometria axiomática consiga atrair a atenção dos estudantes. A conexão entre a
aprendizagem de Geometria e a banda desenhada é defendida por autores como L.
Santos (2014) e L. Silva (2010). Em nenhum desses trabalhos, porém, o tratamento
geométrico aparece sob o prisma do método dedutivo. A inserção dos axiomas,
teoremas e demonstrações em Geometria nas narrativas em quadrinhos não costuma ser
contemplada nas investigações. A análise dos benefícios e dos problemas desta inserção
constitui o cerne desta pesquisa.
A seguir são apresentados a questão de investigação e os objetivos. Em seguida,
o tema de pesquisa é enquadrado no contexto das investigações sobre a aprendizagem
de Geometria. Em ato contínuo é descrito, de forma sucinta, o desenho metodológico
desta investigação. Por fim, ocorre a apresentação da estrutura deste trabalho.

1
1.1 A questão e os objetivos da investigação

O reconhecimento do valor educacional das HQs nos documentos oficiais do


Ministério da Educação, no Brasil, é relativamente novo (Vergueiro, 2006). Data do
final do século passado por ocasião da referência, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, à utilização da banda desenhada nas aulas de Língua Portuguesa (Brasil,
1997b) e Artes (Brasil, 1997a; Brasil, 1998a). Não há referências ao uso das HQs nas
aulas de Matemática.
Em 2006, o Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), instituído com a
finalidade de fomentar a leitura nas escolas públicas, no Brasil, passou a contemplar a
literatura em quadrinhos em seu acervo (Bahia, 2012). Mais uma vez, o ensino de
Matemática ficou de fora. As HQs selecionadas pelo programa destinam-se à
apresentação de episódios da história do país ou de clássicos da literatura (Setubal &
Rebouças, 2015).
Mediante o interesse dos estudantes pela leitura de HQs é plausível considerar a
sua utilização nas aulas de Matemática, assinala Toh (2009). De acordo com Cho e
Lawrence (2012), além de fomentar a predisposição à aprendizagem, a banda desenhada
ajuda a desenvolver a comunicação verbal, a criatividade e o pensamento crítico dos
estudantes. A despeito destes contributos, o potencial educacional das HQs ainda é
desconhecido por muitos educadores, pontua A. Smith (2006).
No Brasil, o número de pesquisas destinadas à utilização das HQs no tratamento
de temas matemáticos é relativamente pequeno. Os trabalhos de Anchieta (2011),
Balladares (2014), L. Santos (2014), L. Silva (2010), N. Santos (2011) e Patrocínio
(2012) fazem parte desta estatística. Tratam-se de pesquisas empíricas (melhor descritas
no quarto capítulo deste trabalho) desenvolvidas no âmbito da educação básica. De
modo geral, os resultados obtidos apontam para a viabilidade do uso da banda
desenhada nas aulas de Matemática.
O pesquisador não encontrou na literatura a que teve acesso trabalhos voltados
para o emprego da banda desenhada, no ensino de Geometria, no nível superior.
Segundo Vergueiro (2006), a banda desenhada pode ser utilizada "como uma forma
lúdica para tratamento de um tema árido" (p. 26) o que torna plausível a reflexão acerca
da exposição da Geometria Plana na perspectiva axiomática sob a forma de literatura
em quadrinhos.

2
Segundo Duval (1993), as representações em Geometria fazem uso de três tipos
de linguagens: verbal, icônica e simbólica. Os dois primeiros códigos linguísticos são
comumente empregados nas histórias em quadrinhos. A interação entre texto e imagem
torna a leitura mais prazerosa (Rezende, 2009) e amplia a compreensão dos conceitos
expostos nas HQs (Vergueiro, 2006). Tal interação aponta para a presença de vantagens
na articulação entre as HQs e a Geometria. Por outro lado, as representações simbólicas
empregadas nos estudos geométricos, sobretudo naqueles realizados sob o viés
axiomático, não fazem parte da dinâmica da construção de uma HQ. Representam um
impasse na aproximação entre a banda desenhada e a Geometria. Da mesma forma, a
articulação entre o formalismo da linguagem matemática (Florenço, 2014) e a
informalidade da linguagem nos quadrinhos (Lovetro, 2011) se impõe como um desafio
no que tange o diálogo entre o tratamento axiomático em Geometria e as HQs. Os
elementos aqui postos suscitam a existência de possíveis vantagens e desvantagens na
utilização da literatura em quadrinhos na abordagem de Geometria de forma lógica e
dedutiva. A identificação de tais elementos constitui a essência desse trabalho, o qual
pretende responder à seguinte questão de investigação:

Quais são as vantagens, as limitações e os desafios da utilização de


histórias em quadrinhos no processo de aprendizagem da Geometria
euclidiana plana numa perspectiva axiomática?

Para dar conta da questão acima, a qual pode ser desmembrada em três questões
(vantagens, limitações e desafios), optou-se pela demarcação de um conjunto de oito
objetivos de natureza mais específica listados a seguir. O objetivo geral, por sua vez, se
confunde com a própria questão de investigação: Identificar os contributos e as
fragilidades que a exposição axiomática da Geometria Euclidiana Plana através da
banda desenhada oferece à formação dos estudantes.
Objetivos específicos:

1. Elencar os elementos que os estudantes julgam necessários à


composição de HQs destinadas à exposição da Geometria Plana em um
formato axiomático.

2. Identificar os contributos das HQs para o processo de aprendizagem da


Geometria Euclidiana formal-dedutiva.

3
3. Perceber o tipo de raciocino geométrico desenvolvido pelos estudantes
a partir da leitura de HQs voltadas para a exposição da Geometria Plana
numa perspectiva axiomática.

4. Identificar os tipos de linguagens adotadas pelos discentes nas


justificações matemáticas.

5. Perceber a forma como os discentes apresentam algumas definições


matemáticas.

6. Identificar os problemas inerentes à apresentação da Geometria


Euclidiana Plana axiomática através de HQs: Identificar tais fragilidades
mediante a composição das HQs e a formação prévia dos estudantes.

7. Apontar alternativas frente aos desafios impostos pela exposição da


Geometria Euclidiana, em um viés axiomático, por meio da banda
desenhada.

8. Perceber a importância que os discentes atribuem às demonstrações


matemáticas e como veem a sua inserção em HQs para fins educacionais.

A próxima secção destina-se ao enquadramento da utilização da banda


desenhada no contexto dos estudos em torno da aprendizagem em Geometria.

1.2 Contexto do estudo

A partir da última década do século passado intensificaram-se, no Brasil, as


discussões acerca do resgate do ensino de Geometria (Andrade & Nacarato, 2005). Até
à década de 60 daquele século, o tratamento axiomático era contemplado no âmbito da
educação básica. O Movimento da Matemática Moderna instituído à época e a Lei
Federal 5.692/71 que "dava às escolas liberdade na escolha de seus programas de
ensino, o que possibilitava aos professores de Matemática o abandono do ensino de
Geometria ou seu adiamento para o final do ano letivo" (Caldatto & Pavanello, 2015)
resultaram na redução do espaço atribuído à Geometria em sala de aula.
No que tange ao tratamento axiomático a situação ainda é mais preocupante.
Conforme assinalam Andrade e Nacarato (2005), raramente se vê a abordagem dedutiva
em sala de aula. Por um lado, é plausível considerar que a apresentação da Geometria
numa perspectiva axiomática deve levar em consideração o desenvolvimento cognitivo

4
dos estudantes. Desta forma, o rigor presente nas demonstrações matemáticas
apresentadas a estudantes universitários deve diferir daquele que a aparece nas provas
adotadas na educação básica (Reid & Knipping, 2010). Por outro lado, a validação dos
resultados matemáticos não é suficientemente contemplada por meio da experimentação
e do raciocínio indutivo. A despeito do valor da intuição e da exemplificação no
processo de aprendizagem em Geometria, não se deve abdicar do tratamento rigoroso-
dedutivo (Mammana & Villani, 1998; Villiers, 2010).
O Ministério da Educação, no Brasil, por meio dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) para o ensino de Matemática defende a introdução de demonstrações
matemáticas na educação básica (Brasil, 1998b). Os PCNs propõem que o tratamento
dedutivo seja articulado a verificações de natureza empírica. Segundo Clements (2003),
a utilização de materiais manipuláveis também deve ser considerada na exposição dos
conteúdos geométricos. Battista (2009) defende a utilização de softwares educativos. As
HQs, por sua vez, ainda não têm sido amplamente reconhecidas como instrumento de
apoio aos professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem de Geometria.
No contexto da educação básica, apesar do número de trabalhos na área ainda
ser diminuto, é possível encontrar pesquisas que estabelecem a conexão entre as HQs e
o tratamento de temas geométricos. L. Santos (2014) defende a utilização da banda
desenhada na exposição de episódios da história da Matemática. L. Silva (2010) advoga
pelo uso das HQs na apresentação de temas como o Teorema de Tales. O trabalho desta
última autora goza da particularidade de contemplar o ensino de Geometria para
estudantes não videntes. Porém, no que concerne o uso das HQs para o tratamento
geométrico de forma axiomática a situação ainda é mais delicada: Não foram
identificados trabalhos que estabelecem tal diálogo.
Com a retirada da abordagem axiomática da educação básica cabe ao ensino
superior a tarefa de dar conta da exposição nesta perspectiva. Em um primeiro
momento, o nível de complexidade dado aos conteúdos matemáticos no âmbito do
ensino universitário parece incongruente com o entretenimento e ludicidade típicos das
HQs. Mas não o é conforme revelam os trabalhos de Doxiadis e Paradimitriou (2013),
Kojima e Co (2010) e Takahashi, Inoque e Co (2012). Estes autores publicaram, em
forma de literatura em quadrinhos, obras destinadas à apresentação de temas ligados à
Lógica, ao Cálculo Diferencial e Integral e à Álgebra Linear. No que concerne à
Geometria, é possível citar o texto paradidático Pra que serve a Matemática?
Geometria, de Imenes, Jakubo e Lellis (2004) e a obra As aventuras de Anselmo
5
Curioso: Os mistérios da Geometria de Petit (1982). No primeiro trabalho, são
contempladas algumas aplicações da Geometria. No segundo, é estabelecida uma
introdução aos modelos geométricos que diferem do euclidiano: Geometria Hiperbólica
e Geometria Esférica. A despeito da contribuição destas obras para o ensino e
aprendizagem de Geometria, não foram encontradas nelas abordagens de natureza
axiomática.
É necessário, portanto, abrir caminhos para a construção de um debate acerca da
utilização de histórias em quadrinhos no tratamento de temas de Geometria numa
perspectiva axiomática. Neste trabalho algumas trilhas são iniciadas.

1.3 Abordagem metodológica

Nesta pesquisa optou-se pelo paradigma qualitativo de investigação. Trata-se de


um estudo de caso realizado em uma turma de estudantes do curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Bahia, Brasil.
A escolha pelo paradigma qualitativo decorre da "complexidade das situações
educativas e [d]o fato delas serem vividas por atores humanos com uma multiplicidade
de intenções" (Ponte, 1994, p. 11) exigindo do investigador uma atuação em
profundidade junto aos sujeitos observados. Segundo Goldenberg (2004), os
investigadores qualitativos envolvem-se com os participantes de tal que forma a
conseguir enxergar os fenômenos pela ótica destes sujeitos.
O caso estudado é constituído por estudantes que ingressaram no curso de
Licenciatura em Matemática da UFRB no ano em que ocorreu a atuação do pesquisador
em lócus, a saber, o ano de 2014. Segundo Mazzotti e Gewandsznajder (1999), as
"condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos" (p. 162)
ajudam na escolha de um campo em detrimento de outros. De fato, o pesquisador,
enquanto docente da UFRB, agregou o seu interesse em desenvolver pesquisas acerca
do ensino de Geometria na universidade à facilidade de acesso aos participantes.
Participou da pesquisa um total de trinta e dois alunos com idades variando, à
época, entre dezessete e trinta e cinco anos, incluindo esses valores. São estudantes cuja
educação básica se deu em cidades do Recôncavo Baiano ou próximas a esta região. Por
educação básica ou escolaridade básica entende-se, neste trabalho, toda a formação
escolar do indivíduo que precede a sua entrada na universidade. No Brasil, tal formação
escolar costuma ser dividia em dois estágios, nomeadamente, ensino fundamental e
6
ensino médio. O ensino fundamental diz respeito aos nove primeiros anos da
escolaridade que sucedem a pré-escola. Os seus quatro últimos anos, em alguns
momentos, serão designados ginásio ou ensino ginasial. O ensino médio contempla os
três últimos anos que antecedem o ingresso do estudante no nível superior.
Através da atuação como pesquisador-participante, o investigador aplicou um
conjunto de sete HQs voltadas para a apresentação de conteúdos de Geometria Plana,
sob o viés axiomático. As HQs foram lidas pelos participantes, em duplas. As leituras
foram mediadas pela realização de discussões coletivas acerca dos conteúdos expostos
nas revistas. Foram realizados dezesseis encontros de duas horas cada perfazendo um
total de trinta e duas horas.
As HQs foram confeccionadas pelo próprio investigador. Tal fato foi omitido
aos participantes, a princípio, para que as críticas ao material pudessem ser apresentadas
de forma mais espontânea. Ao longo das HQs foi contemplada uma série de conteúdos
de Geometria Euclidiana Plana tais como o a existência e unicidade do ponto médio de
um segmento, os casos de congruência de triângulos, o teorema do ângulo externo, a
desigualdade triangular, dentre outros. A exposição teórica adotada baseou-se no
trabalho de Barbosa (2006). As HQs foram confeccionadas em um site destinado à
confecção de literaturas em quadrinhos, a saber, www.toondoo.com.
Ao longo das HQs foram propostas algumas atividades. As respostas
apresentadas pelos estudantes fazem parte dos dados analisados nesta pesquisa. Além
disso, lançou-se mãos de outros instrumentos de recolha de dados como questionários e
entrevistas. As categorias de análise foram instituídas a partir dos objetivos da pesquisa,
O capítulo quinto destina-se ao aprofundamento destas questões.

1.4 Estrutura

Este trabalho encontra-se estruturado em nove capítulos sendo este o primeiro.


Três capítulos estão voltados para a apresentação da fundamentação teórica da pesquisa.
Dois capítulos contemplam os materiais e métodos adotados na investigação. Os dois
capítulos seguintes dizem respeito à parte empírica: Análise e discussão dos dados. Por
fim, são realizadas as considerações finais.

O segundo capítulo destina-se à apresentação, de forma resumida, da evolução


da Geometria e dos seus impactos nos ambientes escolares. Este tema vai-se afunilando,

7
ao longo do capítulo, até a realização de uma leitura circunscrita ao contexto brasileiro.
O abandono do ensino de Geometria no Brasil, a partir da segunda metade do século
passado, é retratado no texto. Em seguida é lançado um olhar para o contexto atual com
o intuito de assinalar as diferenças entre o papel que o ensino de Geometria ocupa
atualmente no currículo e aquele ocupado no século anterior. As últimas páginas do
capítulo são voltadas para a análise dos livros didáticos publicados no Brasil. Diante do
forte papel desempenhado pelos livros nos ambientes escolares, analisá-los favorece o
entendimento do tipo de concepção de ensino apregoado pelos órgãos oficiais que
regulamentam as práticas educativas.

No terceiro capítulo são apresentadas algumas teorias que versam acerca da


aprendizagem em Geometria. Tais teorias tentam descrever os estágios relativos ao
desenvolvimento do pensamento geométrico dos estudantes. O papel da indução e da
dedução no processo formativo é contemplado. Há um espaço destinado às definições
matemáticas. Os tipos de definições propostos por alguns autores são mencionados no
texto: Lexicais ou estipuladas (Edwards & Ward, 2008); hierárquicas ou particionais
(Villiers, Govender & Patterson, 2009); descritivas ou construtivas (Villiers, 1998). As
definições são apresentadas como invenções humanas e não como descobertas.
Em seguida, o texto apresenta uma discussão acerca das diferenças entre
argumentação, demonstração e prova em Matemática. As visões de diversos autores são
evocadas. Os tipos de representações em Geometria são referenciados no texto. Em
tempo é aberto um espaço para a importância e os limites das representações imagéticas
na aquisição do conhecimento. As ferramentas simbólicas e a linguagem oral também
possuem um espaço a elas reservado. Por fim são apontadas algumas dificuldades dos
estudantes no processo de aprendizagem de Geometria bem como aparecem algumas
sugestões de metodologias de ensino voltadas para a melhoria da aprendizagem dos
estudantes.

O quarto capítulo trata do papel educacional das histórias em quadrinhos. Antes


de adentrar o contexto educacional, o texto remete-se ao surgimento e ao
desenvolvimento das HQs enquanto mídia voltada para o entretenimento. Os primeiros
diálogos das HQs com a educação são referenciados. Em tempo é apresentado o
lançamento do livro Sedução dos Inocentes de Fredric Wertham, na segunda metade do
século passado, com o intuito de retirar as HQs de circulação. Tal situação passou a ser
ressignificada nas últimas décadas do século passado.

8
O texto apresenta os contributos das HQs à educação de um modo geral e, em
seguida, dispõe de uma análise circunscrita ao ensino de Matemática. A forma como os
documentos oficiais do Ministério da Educação, no Brasil, se reportam ao uso da banda
desenhada também é apresentada. No capítulo há ainda uma discussão sobre a
construção das HQs. Alguns softwares destinados a esse fim são apresentados. Há
também a descrição de algumas HQs que podem ser utilizadas nas aulas de Matemática.
Tais HQs abordam conteúdos de todos os níveis de escolaridade.

O quinto capítulo dedica-se à metodologia do estudo. O paradigma qualitativo


foi aquele empregado na investigação. Este capítulo apresenta os motivos que justificam
a opção por este paradigma. A pesquisa se deu por meio de um estudo de caso. As
etapas da investigação são referenciadas ao longo do texto. Em tempo, são descritos os
participantes da pesquisa, o número de encontros realizados, o lócus da investigação.
Os instrumentos de recolha de dados são apontados. Optou-se pela triangulação
dos dados e, para tal, utilizou-se questionários, entrevistas, atividades, diário de bordo e
registros fotográficos. Cada instrumento é descrito com detalhes. Todos eles aparecem
no apêndice da tese. Por fim são apresentadas as categorias de análise. Tais categorias
são retomadas no capítulo oitavo, após a apresentação dos dados num contexto de
discussão.

O sexto capítulo destina-se à descrição, resumida, das HQs utilizadas na


investigação. Trata-se de um conjunto de sete HQs confeccionadas pelo investigador,
através do site www.toondoo.com, com o intuito de abarcar parte substancial dos
conteúdos de Geometria Plana. A primeira HQ apresenta alguns recortes históricos
acerca de Os Elementos de Euclides. Há uma descrição da composição de cada capítulo
desta obra euclidiana. Por fim, são feitas breves descrições sobre o aprimoramento dado
aos estudos em Geometria pelo matemático David Hilbert.
A segunda HQ apresenta os axiomas de incidência e ordem. A terceira HQ
destina-se à apresentação dos axiomas de medição de segmentos. A quarta HQ é
destinada ao estudo dos ângulos. A quinta HQ apresenta os casos de congruência de
triângulos. A sexta HQ apresenta o Teorema do Ângulo Externo e a Desigualdade
Triangular. A sétima HQ trata do cálculo de área de regiões limitadas por figuras planas.
Ao longo do capítulo são apresentadas as atividades propostas em cada banda
desenhada. É descrita a secção Parando um pouco para refletir sobre a leitura,

9
PPPRSL, que consiste em uma atividade de múltipla escolha que versa sobre os
conteúdos das HQs.

No sétimo capítulo são apresentados os dados coletados na investigação. As


informações são apresentadas de modo a preservar a ordem cronológica dos fatos. Os
dados são expostos, sequencialmente, da aplicação da primeira HQ até a aplicação da
última HQ. Parte substancial das informações foi extraída do diário de bordo do
pesquisador. Há também os dados obtidos por meio das respostas dos estudantes às
atividades propostas. Tais respostas permitiram a identificação do tipo de raciocínio
geométrico dos estudantes. Conforme já mencionado neste texto, lançou-se mão
também de questionários e entrevistas.
Ao longo do texto são destacados os elogios, as críticas e as sugestões dos
estudantes quanto às HQs. Tais informações são retomadas no capítulo seguinte tendo
em vista a elaboração das respostas para a questão de investigação, no último capítulo
da tese.

No oitavo capítulo ocorre o cruzamento entre as informações obtidas ao longo


da aplicação das HQs. Tais informações são confrontadas com a literatura no sentido de
refutá-la ou corroborá-la. O texto está dividido em dois grandes blocos. O primeiro
destina-se à análise das HQs enquanto ferramentas didáticas. O segundo centra-se na
aprendizagem dos estudantes no que tange a Geometria Plana Axiomática.
A partir dos dados coletados são identificados os elementos necessários às HQs
para atrair a atenção dos estudantes. Em seguida, são apontados os benefícios que a
banda desenhada dispõe à esfera educacional. Há também um espaço reservado para a
reflexão acerca dos tipos de linguagens adotados nas HQs: Verbal, icônica e simbólica.
O comportamento dos estudantes e a metodologia utilizada também são analisados.
A segunda metade do capítulo destina-se à aprendizagem em Geometria. A
discussão é feita a partir dos seguintes elementos: A formação prévia dos discentes, os
entraves à aprendizagem, as definições matemáticas apresentadas pelos estudantes, o
tipo de raciocínio geométrico utilizado, a linguagem empregada. Por fim, é aberto um
espaço para a análise do valor destinado, pelos estudantes, às demonstrações
matemáticas.

No nono capítulo é feita uma síntese do trabalho. As reflexões ali postas


assentam-se no conjunto de dados dispostos no capítulo sétimo, nas discussões
desenvolvidas no capítulo oitavo e na fundamentação teórica disponibilizada nos
10
primeiros capítulos. Em seguida, a questão de investigação e os objetivos apresentados
no capítulo da introdução são retomados. À luz da discussão realizada no capítulo
oitavo são oferecidas algumas respostas. As implicações deste trabalho para a grande
área de pesquisa, a saber, a Educação Matemática, são identificadas. Em seguida são
apresentadas as limitações do estudo e, por fim, são fornecidas propostas de futuras
investigações.

11
12
Capítulo 2

Panorama Histórico do Ensino de Geometria: Do Âmbito Geral ao Contexto


Brasileiro

A Geometria é uma área da Matemática que, historicamente, buscou incorporar


as provas matemáticas ao seu processo de ensino e aprendizagem. Frequentemente os
estudantes tinham contato com as demonstrações matemática através de procedimentos
formais. Contudo, por questões cuja gênese situava-se fora do ambiente escolar  como
o Movimento da Matemática Moderna descrito com mais detalhes ao longo desse texto
 o tratamento dedutivo e rigoroso dado à Geometria foi caindo em desuso. Hansen
(1998) menciona que a educação em Geometria oferecida às massas, em um grande
número de países, encontra-se desprovida de abordagens axiomáticas. A demanda
imposta pelos estudantes em aprender conteúdos que possam ser associados às suas
experiências prévias torna a entrada, em sala de aula, dos axiomas, definições e
teoremas uma tarefa bastante complexa. A ênfase pautou-se mais no produto do que no
processo. Tornou-se mais importante aplicar os teoremas do que compreender as suas
demonstrações. Ao invés de se buscar equilibrar essa balança, os currículos adotados na
educação básica  pelo menos o “currículo oculto”, ou seja, aquele que não aparece nos
documentos oficiais, mas se impõe na sala de aula  não abriram muito espaço para a
abordagem da Geometria numa perspectiva axiomática. O deslocamento deste tipo de
abordagem para o ensino superior é, em parte, compreensível tendo em vista o
desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Contudo, a abordagem presente na educação
básica não precisa se eximir da obrigação de justificar os resultados de Geometria.
Algumas demonstrações mais simples (como a soma das medidas dos ângulos internos
de um triângulo, o Teorema de Pitágoras, as relações métricas no triângulo retângulo,
dentre outros) podem perfeitamente compor o quadro de provas já apresentadas na
escolaridade básica.
As fases atravessadas pelo ensino de Geometria, no que concerne ao território
brasileiro, são sumarizadas por Lorenzato (1995) como: O período do formalismo
(raciocínio lógico-dedutivo), a algebrização e o “empirismo inoperante” (p. 3). Para
Hansen (1998), numa leitura globalizada, e Lorenzato (1995), numa análise local, os

13
professores recém-formados têm recebido uma frágil formação em Geometria, seja
durante a escolaridade básica seja em sua formação universitária. Conseqüentemente, o
ensino de Geometria que oferecem aos seus alunos apresenta, inevitavelmente, muitas
limitações.
Neste capítulo são apresentados alguns registros históricos inerentes ao ensino
de Geometria, sobretudo àqueles relacionados com o ensino numa perspectiva
axiomática. Inicialmente é feita uma sumarização acerca do desenvolvimento da própria
Geometria ao longo da história da humanidade. A geometria prática dos egípcios
antigos, a geometria formal e dedutiva dos gregos e a geometria algebrizada dos últimos
séculos são retratadas. Inevitavelmente, o olhar dos matemáticos sobre a Geometria foi
refletido nos ambientes escolares. As modificações curriculares passaram a sinalizar as
concepções de Geometria vigentes em cada período histórico. A forma como Os
Elementos de Euclides deveriam ser trabalhados na sala de aula (ou ainda, se deveriam
ser trabalhados) tornou-se uma equação com solução difícil de ser encontrada. Ao invés
de se procurar uma solução equilibrada, os matemáticos ou professores de matemática
instituíram correntes antagônicas. Para alguns, o ensino deveria assentar-se no
tratamento formal à moda euclidiana. Para outros, a intuição e a experimentação eram
suficientes para assegurar uma aprendizagem sólida. Ambas as abordagens, sobretudo a
primeira, foram desaparecendo da sala de aula à medida que a Geometria se tornou
desprestigiada nos ambientes escolares a partir da segunda metade do século passado
(Jones & Rodd, 2001). Os novos tempos apontam para uma mudança nesse cenário.
Desde os anos 1990, no Brasil, a comunidade matemática passou a se debruçar sobre a
questão do resgate e requalificação do ensino de Geometria. Esse fato pode ser
constatado a partir dos trabalhos publicados nos Encontros Nacionais de Educação
Matemática (Andrade & Nacarato, 2005). Ainda assim, destacam os últimos autores, "a
Geometria ainda está bastante ausente das salas de aulas, principalmente na Educação
Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental" (p. 15).
Alguns elementos históricos concernentes ao ensino de Geometria no Brasil
também são levantados neste capítulo. A ênfase assenta-se, porém, nos fatos registrados
a partir do Movimento da Matemática Moderna (MMM), em 1960. O MMM foi um
divisor de águas no ensino de Geometria. Aliado à frágil formação dos professores e à
composição dos livros didáticos ele tornou a Geometria cada vez mais ausente nas salas
de aula brasileiras (Berti, 2005). Os livros publicados à época refletiam a nova
tendência de apresentar a geometria à luz da teoria de conjuntos.
14
Os manuais lançados no Brasil desde a segunda metade do século passado até a
primeira década do século XXI também são referenciados neste trabalho. Os livros
didáticos tendem a dialogar com o ideário pedagógico emergente em cada época.
Reciprocamente, muitos professores têm o livro didático como diretriz da sua prática
pedagógica. Portanto, considerá-los é inevitável.

2.1 A geometria ao longo dos séculos: Recortes históricos

A Geometria, desde o seu surgimento, esteve ligada aos problemas do cotidiano.


A necessidade de demarcar as terras após as inundações provocadas pelas cheias do Rio
Nilo levou os povos egípcios da Antiguidade a se debruçarem sobre questões
relacionadas com o cálculo da área e do perímetro das terras (Boyer, 1996). A geometria
estava relacionada à agrimensura ou à construção de artefatos religiosos ou culturais
(Jones, 2002). O conhecimento matemático provinha, naquela altura, de situações
concretas. Conforme assinala Eves (1994), “indução, ensaio, erro e procedimentos
empíricos eram os instrumentos de descoberta” (p. 3).
A abstração parece ter aparecido com os gregos que passaram a compor as
demonstrações matemáticas e a se preocupar com as questões de representação. Por
volta dos anos 600 a. C., a civilização grega deu início a tentativa de “compreender o
mundo através de argumentos racionais” (Bankov, 2013, p. 159) e a partir daí a
atividade intelectual passou a ser mais reconhecida. Com a publicação da obra Os
Elementos de Euclides, por volta dos anos 300 a. C., o tratamento teórico e formal dado
aos conteúdos geométricos passou a ser mais valorizado em detrimento das aplicações
de seus resultados, pelo menos no seio da comunidade matemática. Essa concepção que
privilegia a exposição teórica da Geometria e subvaloriza as dimensões intuitivas e
experimentais associadas a ela perpassou dois mil anos contados a partir da época de
Euclides. Nesta perspectiva, o conhecimento da verdade provém do raciocínio e da
abstração e, portanto, não é necessário estar relacionando com as atividades
experimentais e com a observação. Os Elementos de Euclides constitui a obra
matemática que mais influenciou o pensamento científico (Jones, 2002). Desde a
publicação da sua primeira edição, em 1482, é possível que mais de mil edições já
tenham sido publicadas, assinala o último autor.

15
Entre os célebres matemáticos que antecederam Euclides e deixaram relevantes
contribuições na área de Geometria destacam-se Tales de Mileto e Pitágoras de Samos1.
O primeiro, considerado por alguns estudiosos o primeiro matemático da história da
humanidade (no sentido estrito da palavra), era um exímio conhecedor das propriedades
envolvendo triângulos semelhantes (Mlodinow, 2004). Viveu por volta dos anos 600 a.
C. O segundo é responsável pela criação de uma irmandade, os pitagóricos, que
desenvolvia estudos em Matemática, Filosofia e Ciências Naturais. Acredita-se que os
pitagóricos tenham desenvolvido demonstrações matemáticas dotadas de rigor
superando em qualidade àquelas desenvolvidas por Tales. O próprio resultado
conhecido como Teorema de Pitágoras é, provavelmente, frutos dos estudos dos
pitagóricos.
As provas formais em Geometria foram instituídas a partir do método ou sistema
axiomático. Para originá-lo era necessário partir de elementos matemáticos não
definíveis: Os chamados conceitos primitivos. De posse dos conceitos primitivos são
elencados alguns resultados autoevidentes e, portanto, não demonstráveis que servem
para provar as proposições e os teoremas: São os chamados axiomas. De acordo com
Stone (1971), os conceitos primitivos (ponto, reta e plano), “por um lado são
suficientemente simples a tal ponto de não serem definíveis. Por outro, são
demasiadamente complexos à medida que tentam traduzir/caracterizar de forma abstrata
a realidade física” (p. 92). Segundo J. Smith (2000), os “conceitos primitivos, os
axiomas e as definições constituem o modelo [axiomático]”(p. 26). A partir deles
desenvolve-se a teoria.
O método axiomático não é uma criação de Euclides. Segundo J. Smith (2000),
por volta de 330 a. C., na obra Posterior Analytic, Aristóteles descrevia esse método
como um conjunto de definições precisas utilizado em um modelo matemático seguido
de provas rigorosas dos teoremas inerentes a essa estrutura.
Acredita-se que Euclides tenha escrito os seus Elementos sessenta anos após
Aristóteles ter escrito Posterior analytics (J. Smith, 2000). A obra euclidiana
revolucionou o pensamento científico durante dois milênios. Passou por inúmeras
traduções e revisões ao longo dos anos. Os conteúdos dos seus primeiros livros

1
É provável que Pitágoras tenha vivido de 586 a. C. a 500 a. C. (Garbi, 2006).

16
constituem parte substancial dos temas tratados em Geometria nas escolas, com
diferenças relativas à linguagem e ao enfoque.
As civilizações antigas situadas no Egito, Mesopotâmia e China, dentre outras,
encaravam a Geometria como uma Ciência destinada à descrição do universo físico e à
resolução dos problemas nele existentes. Não se sabe, porém, se Euclides comungava
dessas mesmas idéias ou se devotava à Geometria  com seus postulados, definições e
teoremas  o compromisso exclusivo com a realização e desenvolvimento do
pensamento intelectual. Essas questões de naturezas filosóficas e epistemológicas são
apresentadas por Malkevitch (1998). Segundo esse autor, outros matemáticos ou físicos,
além de Euclides, estabeleceram, de uma forma ou de outra, conexões entre os seus
estudos em Geometria e o universo real, tais como Pitágoras, Tales, Arquimedes,
Galileu, Newton, Bolyai, Lobachevsky e Einstein.
Os Elementos de Euclides representam um marco no desenvolvimento do
pensamento científico. Essa obra atendia de forma satisfatória aos padrões de
formalismo e rigor da época em que foi escrita. Esses “padrões” variam de acordo com
a cultura, a formação e o período histórico dos atores envolvidos. Com o passar dos
anos, algumas fragilidades do trabalho de Euclides passaram a ser identificadas:
Algumas definições estão imprecisas e aparecem objetos que não foram anteriormente
definidos (J. Smith, 2000). De acordo como Garnica (1996), havia nessa obra de
Euclides “resultados” não axiomatizados e tampouco justificados. Contudo, pontua o
autor, esse fato não retira o brilho de Os Elementos tendo em vista que a aceitação de
um resultado não constitui um“mero seguir cego das regras impostas pela proposta
formal”(p. 37) mas surge da negociação de significados, inerentes ao resultado,
utilizados pelos estudiosos do assunto. O próprio entendimento sobre o “rigor
matemático” não é atemporal o que, segundo o último autor, explica a inconformidade
dos matemáticos que sucederam Euclides acerca daquilo que consideram como
fragilidades da sua obra. Versões aprimoradas do sistema axiomático implementado por
Euclides foram desenvolvidas por David Hilbert em 1899 e por George David Birkhoff,
em 1932, dentre outras obras publicadas nos séculos anteriores.
Apesar das falhas existentes na obra de Euclides e não obstante o aparecimento
das geometrias projetiva, analítica e descritiva nos séculos XV, XVII e XVIII,
respectivamente, o modelo euclidiano de Geometria representou uma “verdade
absoluta” até o século XIX da era Cristã por ocasião do surgimento das chamadas

17
Geometrias Não Euclidianas. Segundo Mammana e Villani (1998), a partir daí a
supremacia da Geometria de Euclides foi abalada. Com o aparecimento da Geometria
Hiperbólica a comunidade matemática entrou em contato com outros modelos de
Geometria tão consistentes e válidos quanto o de Euclides. No final daquele século,
David Hilbert publicou a obra Fundamentos de Geometria pondo fim às lacunas que
havia na célebre obra do matemático de Alexandria. Da mesma forma que Euclides,
David Hilbert não utilizou os números reais em seus axiomas, embora tivesse feito uso
do sistema cartesiano nos quais estavam presentes os números reais. Segundo J. Smith
(2000), Hilbert utilizou, quando necessário, algumas regras e manipulações algébricas.
Ainda segundo este autor, a abordagem presente em Fundamentos de Geometria
revelou-se bastante árdua para a maioria dos estudantes iniciantes. Eves (1994), porém,
vai de encontro às declarações de Smith ao não considerar tão complexo o tratamento
dado por Hilbert em sua obra. Segundo ele, o trabalho de Hilbert “pode ser lido, em
grande parte, por qualquer aluno inteligente do curso colegial” (p. 26).
Ainda no século XIX, a Álgebra se desenvolveu de forma mais contundente. Ao
contrário dos anos anteriores, a partir daí, é a “álgebra que fornece modelos firmes para
a Geometria” (Mammana & Villani, 1998, p. 3). Consequentemente, “há um grande
ganho em generalidade com um grande distanciamento da intuição geométrica” (idem,
p. 3). No século XX, as ferramentas algébricas como os espaços vetoriais, por exemplo,
passam a auxiliar o estudo de objetos geométricos. De acordo com Stone (1971), a
inserção da álgebra na exposição axiomática da Geometria torna os conteúdos
geométricos mais compreensíveis e, em sua visão, a resolução de determinados
problemas geométricos por meio de uma abordagem algébrica facilita o trabalho
empreendido, fato “já é conhecido desde a época de Descartes” (p. 92).
A despeito da utilização do sistema de coordenadas não ter a sua origem em
René Descartes, os trabalhos desse matemático possibilitaram o avanço da associação
entre os elementos algébricos e geométricos: “Toda curva construída mecanicamente
possui uma equação que a representa” (Kinard & Kozulin, 2008, p. 23). De acordo com
Eves (1994), “a tarefa de estabelecer um teorema em geometria é transferida
engenhosamente para a de estabelecer um teorema correspondente em álgebra” (p. 16).
No que diz respeito ao contexto escolar, French (2004) considera que o tratamento dado
à geometria geralmente se inicia de forma experimental e, em alguns casos, avança para
uma abordagem à moda euclidiana e só a partir daí, acredita o autor, se iniciam os
estudos de forma analítico-algébrica. É possível que este autor esteja se referindo à
18
forma como as orientações curriculares de grande parte dos países propõem a
apresentação das abordagens experimental, dedutiva e analítica atribuídas à geometria.
O que ocorre na prática, em muitos casos, corresponde ao abandono da abordagem
dedutiva. Esse fato pode ser compreendido à luz de um processo histórico que a relegou
no currículo escolar e, em virtude, de problemas na formação de professores conforme
será visto ainda neste trabalho.
Não obstante o reconhecimento dos contributos da álgebra na resolução de
problemas geométricos, o movimento contrário também é observado. De acordo com
Eves (1994), ainda no século XX, diversos matemáticos perceberam que

além de a linguagem da geometria frequentemente ser muito mais simples e


elegante do que a linguagem da álgebra e da análise, às vezes é possível levar a
cabo linhas de raciocínio rigorosas em termos geométricos sem traduzi-las para a
álgebra e a análise. (p. 28).

Em alguns casos, a álgebra realmente torna a Geometria mais inteligível.


Certamente, o movimento inverso também pode ser identificado. Entretanto, o
tratamento algébrico, embora importante, não contempla todas as especificidades da
Geometria. Ele deve ser adotado, mas não de forma única.

2.2 O ensino de Geometria: Recortes históricos

O ensino de Geometria pode ser conduzido à luz do tratamento formal dedutivo


ou priorizando a abordagem prático-intuitiva. Embora essas duas perspectivas de ensino
não sejam excludentes, as suas gêneses remontam a obras distintas: Os livros publicados
por Euclides e por Heron de Alexandria nos séculos IV a. C. e I d. C., respectivamente
(Barbin & Menghini, 2014). O debate em torno da mediação entre essas duas
abordagens tem se tornado recorrente. Obter o ponto de equilíbrio entre esses dois tipos
de tratamento é o grande desafio do professor.
Durante a Idade Média, o ensino de Geometria era ofertado aos alunos
universitários. Compunha o Quadrivium juntamente com a aritmética, a astronomia e a
música (Gauthier & Tardif, 2010). Centrava-se nos quatro primeiros livros da obra
magna de Euclides. Nem todas as provas dos teoremas eram estudadas. A partir do
século XI, a Geometria passou a receber, no âmbito educacional, um tratamento mais
prático e experimental. No entanto, assinalam Barbin e Menghini (2014), no início da
Idade Moderna, muitos matemáticos passaram a criticar a abordagem de Geometria

19
isenta do tratamento formal-dedutivo. Ao mesmo tempo, mostravam-se insatisfeitos
com a organização de Os Elementos de Euclides quanto ao princípio, a lógica e a ordem
das demonstrações. Surgem novas versões de Os Elementos.
O estudo da Geometria à moda euclidiana continuou restrito ao ensino superior
onde eram utilizados, pelo menos, os cinco primeiros livros de Os Elementos. Ao nível
secundário da escolaridade eram devotados os estudos mais elementares. De acordo
com Barbin e Menghini (2014), os primeiros registros da entrada da Geometria nas
escolas, nos moldes mais formais, datam de 1599 através de um programa de estudos
denominado Ratio Studiorum, típico dos colégios católicos. Desde então foi necessário
pelo menos um século para que a abordagem axiomática em Geometria adentrasse a
escola básica de forma mais significativa. À época do Ratio Studiorum, “somente
proposições do primeiro livro eram suplementadas por exercícios práticos” (idem, p.
475). Segundo Jones (2002), a utilização da própria obra de Euclides nos ambientes
escolares impunha problemas de aprendizagem. Segundo este autor, a obra Os
Elementos era uma compilação dos conhecimentos matemáticos da época de Euclides e
não um programa de ensino. Segundo Barbin e Menghini (2014), o ensino de Geometria
 não necessariamente numa moldura axiomática  passou a integrar o curso básico das
escolas secundárias, na maior parte dos países europeus, somente no século XVIII.
Nesse período continuavam sendo publicadas novas versões de Os Elementos.
Na segunda metade do século XIX, as opiniões acerca da utilização dos
Elementos de Euclides no ambiente escolar se dividiam. Países como a Itália defendiam
o seu uso nos ginásios e liceus por julgar as novas versões publicadas inadequadas pela
ausência de cuidados com o rigor matemático. A Inglaterra mantinha posição contrária.
Os Estados Unidos da América passaram a adotar a obra euclidiana nas escolas
secundárias. Era utilizada como forma de admissão ao ensino superior, destacam Barbin
e Menghini (2014). Nesse mesmo período, as transformações geométricas isométricas
(translações, rotações e reflexões) passaram a ser adotadas no tratamento de alguns
assuntos de Geometria, como o conceito de congruência, por exemplo.
Nos primeiros anos do século XX, o alemão Felix Klein propôs uma
reformulação no ensino de Geometria. A geometria deveria ser ensinada quando os
estudantes completassem onze anos de idade. Deveria centrar-se na observação dos
objetos do dia a dia dos alunos. Essa metodologia deveria ser seguida até os discentes
completarem treze anos. Nessa fase, já poderiam estudar os conceitos básicos dos
objetos geométricos. Instrumentos como régua e compasso deveriam ser utilizados. Na
20
faixa etária de 13 a 17 anos, o estudo teórico das propriedades inerentes aos conceitos
geométricos deveria ser realizado. De acordo com Souza (2010), na concepção de
Klein, o ensino “deve[ria] partir de conceitos elementares até chegar a conceitos mais
complexos, sempre relacionando esse estudo ao cotidiano do aluno”. (p. 6). O
matemático alemão propunha a utilização de transformações geométricas durante o
tratamento dos conteúdos de Geometria a qual deveria ser “precedida de um sistema de
axiomas que conservam a congruência de triângulos da Geometria de Euclides como
fundamentais para o desenvolvimento posterior do estudo da Geometria” (M. Silva,
2008b, p. 693). Além disso, Klein defendia a unificação das três áreas da matemática no
âmbito da educação básica: A aritmética, a álgebra e a geometria. As suas idéias
dividiam opiniões. Para alguns matemáticos, Klein estava ajudando a requalificar o
ensino de matemática. Para outros, os seus trabalhos pecavam pela falta de rigor
matemático.
Em 1957, um evento exterior à comunidade matemática foi um dos grandes
responsáveis pelas alterações no currículo de Geometria em diversos países: O
lançamento do foguete Sputinik, pela União Soviética (Jones, 2002; Jones & Rodd,
2001). Este fato deixou o governo norte-americano preocupado com o descompasso
tecnológico do país com relação aos russos. A frustração de não ter conseguido o
pioneirismo no lançamento do foguete levou o governo estadunidense a adotar medidas
para requalificar o ensino de Matemática. Surgem, então, naquele país, as reformas nos
currículos escolares de Matemática e Ciência. Um empreendimento chamado School
Mathematics Study Group, abreviadamente SMSG, tratou da implementação de um
novo currículo de Matemática básica nos Estados Unidos da América. Nasce o
Movimento da Matemática Moderna (MMM) o qual não se resumiu a um movimento
isolado e restrito àquele país. O MMM mexeu na concepção do ensino de Matemática
em diversas nações, tanto da América – inclusive, o Brasil - quanto da Europa. A teoria
dos conjuntos, a álgebra e a teoria dos números ganharam bastante formalismo na
educação básica. Passaram a ocupar parte substancial dos livros didáticos. A Geometria
também sofreu mudanças. Deveria ser apresentada de forma experimental, explorando
ao máximo a intuição dos alunos; e num segundo momento, a axiomatização deveria ser
inserida. Entretanto, como os conteúdos de Geometria apareciam geralmente no final
dos livros e a parte destinada à álgebra e à aritmética era bastante extensa, os conteúdos
geométricos dificilmente eram trabalhados. Segundo Jones (2002), a partir do MMM, “a
quantidade de geometria ensinada à moda euclidiana tornou-se muito menor” (p. 128).
21
No que concerne ao Brasil, pontuam Pavanello (1989), Nacarato (2002), Crescenti
(2005) e Soares (2009), a frágil formação em Geometria de muitos professores de
Matemática somou-se a esses fatores tornando tornando cada vez mais raro o ensino
dessa área da Matemática nas escolas públicas. Quatro décadas após o surgimento do
MMM, Nacarato (2002) assinala que “a ausência da geometria na escolarização formal
vem formando gerações de profissionais, principalmente professores, que desconhecem
os fundamentos desse campo da matemática pouco discutidos no âmbito da prática
pedagógica” (p. 85).
À época do MMM e tendo em vista a reformulação do ensino de Matemática nas
escolas dos Estados Unidos da América, o SMSG passou a defender a abordagem de
Geometria apresentada por Birkhoff, em 1932, em sua obra Basic Geometry. Birkhoff
fez uso de um sistema axiomático envolvendo os números reais. De acordo com J.
Smith (2000), essa abordagem passou a enfrentar resistências a partir dos anos 1990.
Inicia-se uma nova reformulação no currículo.
Além dos Estados Unidos da América, a França também se destacou como um
dos países que mais se envolveu nos debates em torno das mudanças curriculares em
Matemática durante a década de 60 do século passado. De acordo com Laborde (1998),
a reforma de 1960 implementada no país defendia, dentre outras questões, uma maior
compreensão dos conteúdos geométricos por parte dos alunos, muitas vezes não
atingida através da “abordagem estritamente erudita” (p. 214). Desta forma, o currículo
propunha a exposição axiomática através de um sistema axiomático mínimo e associado
à teoria de conjuntos. Defendia a associação entre a Geometria e a Álgebra e o estudo
de questões associadas à prática.
Na Itália, a Geometria também perdeu espaço no currículo de Matemática à
época da eclosão do MMM. Conforme assinala Galuzzi (1998), o ensino de Geometria
deveria ocorrer através de abordagens menos formais. As transformações geométricas e
a métrica integraram a exposição dos conteúdos geométricos. Os livros publicados na
época traziam consigo abordagens que buscavam atender às mudanças propostas pelo
MMM. A coleção escrita pelo professor universitário G. Podi, por exemplo, apresenta
os números reais antes de qualquer abordagem dos conteúdos geométricos. Desta forma
são introduzidos os axiomas de medição de segmentos e alguns conceitos referentes à
circunferência. Contudo, a leitura dos livros de Podi era árdua e nem sempre inteligível
para os estudantes. Seguindo uma abordagem menos formal destacavam-se os livros
escritos, em conjunto, pelos italianos Vinicio Villani, um professor universitário, e
22
Bruno Spotorno, um professor da educação básica. Na obra desses autores, a álgebra e a
geometria estavam freqüentemente relacionadas. As noções geométricas ora eram
desenvolvidas de forma informal, ora apareciam de modo mais rigoroso. As proposições
de natureza mais elementar e cujas declarações são facilmente aceitas pela intuição
eram expostas sem as suas provas (Galuzzi, 1998). Os seus resultados eram utilizados
para provar outros resultados geométricos de natureza mais complexa.
Em Portugal, o professor José Sebastião e Silva foi um dos grandes responsáveis
pela propagação dos ideais defendidos pelo MMM. A análise feita por M. Silva (2008b)
acerca do material didático elaborado por esse professor nos anos 60 do século passado
apresenta os tons nos quais esse movimento se apresentou em terras lusitanas. A
geometria, tratada de forma mais substancial no terceiro ano do ensino secundário,
passou a ser introduzida a partir do estudo de vetores. Eram trabalhadas transformações
geométricas como translação, isometria, rotação e reflexões. Do estudo das
transformações era extraído o conceito de congruência: “A igualdade entre duas figuras
é assegurada pela existência de transformações geométricas que as sobreponham”
(idem, p. 695). Ao propor para o ensino de geometria, no âmbito da escolaridade básica,
temas comumente trabalhados no ensino superior  em componentes curriculares como
Geometria Analítica e Álgebra Linear  Sebastião e Silva tornou bastante densa a
exposição dos conteúdos geométricos.
Na década seguinte, passou a ser adotada em Portugal uma coleção de livros
didáticos escrita por Antônio de Almeida Costa e Alfredo Osório dos Anjos, com
participação de Antônio Augusto Lopes. A geometria centrava-se, como na obra de
Sebastião e Silva, nas transformações geométricas. A partir daí, assinalam Matos e Silva
(2011), a geometria tornou-se uma “matéria omitida pelos professores e gradualmente
afastada para o final do ano letivo, deixando antever a maior falta de preparo dos
profissionais para ensinar esta nova geometria” (p. 192). Nos presentes dias, as
orientações curriculares propõem a abordagem de provas matemáticas no ensino
secundário por meio de situações-problema (Bixirão, Breda & Godino, 2011). Ainda
segundo os últimos autores, a resolução de problemas é valorosa pelas conexões que
estabelece com os seguintes elementos: Elaboração de estratégias, argumentações,
demonstração, linguagem matemática, análise e ajuste nos resultados, construção de
conceitos.
O MMM é considerado um dos grandes responsáveis pelo desaparecimento da
abordagem axiomática dos conteúdos geométricos durante a educação básica. Até os
23
anos 60 do século passado, pontua Jones (2002), o ensino de geometria se dava nos
moldes euclidianos com seus teoremas e demonstrações. A partir daí, a densa exposição
lógico-dedutiva presente na obra Os Elementos de Euclides foi deixada de lado em
detrimento da utilização de uma exposição mais intuitiva e experimental dos conteúdos.
Segundo Crescenti (2005), “o rigor das demonstrações geométricas praticamente foi
abolido, mas a preocupação excessiva com a linguagem da teoria dos conjuntos acabou
por comprometer ainda mais o ensino dessa área, acarretando sua supressão ou o
empobrecimento do conteúdo” (p. 37).
O número de axiomas necessários para se estabelecer uma abordagem dedutiva,
sublinham Martin et al. (2009), é mais um elemento que torna compreensível as
resistências que passaram a ser impostas à exposição “à moda euclidiana”. São pelo
menos 20 axiomas a partir da reformulação desenvolvida por David Hilbert em sua obra
Fundamentos da Geometria (Hilbert, 2003).
O ensino de Geometria ofertado no final do século passado, na escolaridade
básica, destaca Hansen (1998), baseava-se na classificação dos polígonos, na utilização
de fórmulas para cálculo de áreas de regiões limitadas por algumas figuras planas.
Havia poucas construções geométricas e pequenas menções às transformações
geométricas, destaca o autor. A entrada da geometria dedutiva na formação dos
estudantes durante a escolaridade básica passou a residir em casos pontuais. Na
Bulgária, por exemplo, nesse nível de escolaridade, a geometria recebe, em sala de aula,
o tratamento axiomático. Entretanto, assinala Bankov (2013), levando-se em
consideração os desafios da abordagem formal-dedutiva não se utiliza neste país um
conjunto mínimo de axiomas. Alguns fatos demonstráveis são apresentados como se
fossem postulados. Segundo este autor, nos anos finais do século passado a “Bulgária
era conhecida como um país com forte ênfase no ensino de argumentações e provas
formais em geometria” (idem, p. 161). Não obstante a preocupação com o rigor no
ensino de Geometria, os exames nacionais de Matemática realizados no país nem
sempre apontam para uma aprendizagem satisfatória (Bankov, 2013). Se, por um lado, a
abordagem axiomática passou a cair em desuso em grande parte dos países, por outro,
as poucas tentativas existentes deparam-se com os problemas de aprendizagem dos
alunos como se pode perceber no caso da Bulgária.
A despeito de considerar a Geometria um terreno fértil para o estudo das provas
em Matemática, Otten, Gilbertson, Males e Clark (2014) assinalam que os estudos já
realizados apontam para a insuficiência de resultados satisfatórios no âmbito da sala de
24
aula2. As ferramentas didáticas utilizadas, a metodologia empregada e o próprio
currículo precisam ser continuamente revistos. Essas considerações deixam mais
acirradas as tensões entre “ensinar”, “não ensinar” ou “o que ensinar” em um viés
axiomático. Em países como Estados Unidos da América, Canadá, Taiwan e Japão, as
provas em geometria aparecem de forma substancial somente em uma das séries da
escola secundária (Otten et al., 2014). A concentração da abordagem axiomática em
uma única série ajuda a acentuar os problemas. Fato semelhante ocorria no Brasil
durante as décadas que precederam o MMM quando a Geometria à moda euclidiana se
resumia ao terceiro ano do curso ginasial. As justificações e a abordagem dedutiva
precisam atravessar, gradativamente, parte substancial do currículo. Jones (2002)
recomenda que os estudantes sejam estimulados a apresentar as justificativas para as
atividades que lhes são propostas em toda a sua formação escolar. Desta forma, o
contato com as provas matemática tende a ser menos conflituoso.
A abertura de espaços para a compreensão dos conteúdos geométricos por meio
de explorações manipulativas, privilegiando atividades de natureza prática, pelo menos
na fase inicial da aprendizagem, remonta às últimas duas décadas do século passado.
Naturalmente, cada período histórico se encarregou de injetar as suas influências sobre
o currículo utilizado nas escolas. Embora o ensino de Geometria tivesse ao longo da
história um papel de prestígio e destaque nas instituições de ensino 3  desde o
Quadrivium (Gauthier & Tardif, 2010) até o Renascimento, segundo Mammana e
Villani (1998)  o século XX foi aquele que assistiu a maior desvalorização no ensino
de Geometria, em muitos países. Os países que ainda reservam um espaço de destaque
para a Geometria geralmente o fazem mais pela tradição do que pelo entendimento da
sua contribuição na formação dos estudantes. Obviamente, não ensinar, ensinar e o que
ensinar em Geometria remete a escolhas que dependem da visão dos órgãos
regulamentadores do sistema educacional responsáveis pela instituição do currículo em
cada país.

2
Desta vez não apenas na Bulgária, como ocorre no trabalho de Bankov (2013), mas numa leitura mais
globalizada.
3
Na Antiguidade Clássica, os estudos em Geometria também gozavam de certo prestígio. À época, na
entrada da Academia de Platão havia os dizeres: “Não deixe entrar quem não for versado em geometria”
(Roque, 2012, 99).

25
O século XXI também assiste ao hiato entre a geometria dedutiva e aquela
apresentada nas escolas. Esta última, embora mais freqüente que a primeira no chão da
escola, ainda goza de uma posição desprivilegiada nos currículos escolares se
comparada à aritmética e à álgebra (Jones, 2002). Entretanto, os avanços tecnológicos
próprios da virada do século têm favorecido o ensino de geometria, seja numa
perspectiva axiomática ou não. A utilização de softwares educacionais tem contribuído
para a elaboração de conjecturas e para a verificação de muitos resultados apresentados
sob a forma de teoremas de geometria. Além dos recursos computacionais, Neubrand
(1998b) destaca a importância de os conteúdos de Geometria serem abordados de forma
associada às situações práticas nas quais os mesmos podem ser utilizados. A
modelagem e a resolução de problemas também configuram tendências no ensino e na
aprendizagem de Geometria, destaca o autor.

2.3 O ensino de Geometria no Brasil

Ao longo dos dois primeiros séculos que sucederam à chegada dos portugueses
ao Brasil, as práticas pedagógicas no país eram atribuições dos jesuítas da Companhia
de Jesus (Berti, 2005; Matos & Silva, 2011; Saviani, 2007). Pouco espaço era destinado
aos estudos em matemática. Ensinavam-se apenas as operações envolvendo números
naturais. Não há registros sobre o ensino de Geometria (Caldatto & Pavanello, 2015). A
partir de 1759, quando os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal, “abre-se
espaço para a circulação das idéias pedagógicas inspiradas no laicismo que caracterizou
a visão iluminista”, pontua Saviani (2007, p. 15). A chegada de membros da nobreza
portuguesa no Brasil Colônia implicou na reestruturação do modelo educacional
vigente. O tipo de educação dada aos índios  centrada língua portuguesa, catecismo e
aritmética (D’Ambrosio, 1999)  era insuficiente para a formação dos filhos dos
colonos. Além de gramática, latim e aritmética, passaram a ser ensinadas a álgebra e a
geometria. A partir de 1803 surgem as primeiras obras didáticas nacionais (Valente,
1999, citado por Caldatto & Pavanello, 2015). Na obra de Francisco Vilela Barbosa,
Elementos de Geometria, são utilizados termos como axiomas, teorema e corolário. O
ensino de Geometria, porém, restringia-se aos colégios militares. A princípio coube
apenas aos filhos dos nobres. Aos primeiros habitantes da terra, os índios, não foi
apresentado, pelo menos de forma didática, esse tipo de conhecimento.

26
Quando o Brasil deixou de ser colônia portuguesa, o retrato educacional também
foi alterado. De acordo com Gomes (2013), a “Constituição de 1824, que prevaleceu
durante todo o período imperial, afirmava a gratuidade da instrução primária para todos
os brasileiros” (p. 15). Tratava-se de uma educação inicial baseada no aprender a ler,
escrever e fazer contas. Noções gerais de geometria eram ensinadas somente aos
estudantes do sexo masculino, pontua a autora. Esses dados expressam a segregação que
havia no processo educacional relegando às mulheres um menor acesso ao
conhecimento. Em tempo, apontam para a existência, à época, de uma sociedade
machista e patriarcal.
À época do Império estabelece-se o ensino secundário e cursos superiores em
direito, medicina e engenharia. Antes, quando o Brasil era colônia portuguesa, os cursos
superiores eram cursados, em sua maioria, na Universidade de Coimbra. Para preparar
os candidatos para o ensino superior foram criadas as “Aulas Avulsas” (Caldatto &
Pavanello, 2015). Havia também os colégios religiosos, as escolas e os professores
particulares.
Em 1837 foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II. Apesar de
priorizar os componentes curriculares de natureza literária e humanística, nesse colégio
também eram ensinados os três grandes ramos da matemática escolar: Aritmética,
álgebra e geometria (Gomes, 2013). Os alunos eram homens pertencentes a famílias
abastadas. Nos finais do século XIX e início do século XX, pontuam Caldatto e
Pavanello (2015), o ensino secundário, não apenas no Colégio Pedro II como nas
demais instituições escolares, consistia na preparação para o ensino superior.
Se à época do Império o ensino das literaturas e humanidades sobressaía-se à
matemática, no início da República, por volta de 1889, ocorre o contrário. Segundo
Gomes (2013), por trás das mudanças encontravam-se as idéias positivistas do francês
Auguste Comte. A Geometria  além da Aritmética, Álgebra e Trigonometria 
compunha o conjunto de componentes curriculares exigido nas provas de ingresso ao
ensino superior. Na primeira metade do século XX esses três ramos da matemática
passam a ser reunidos em um único componente curricular: Matemática. Essa mudança
deve-se em grande parte ao professor Euclides Roxo do Colégio Pedro II inspirado nas
idéias do alemão Felix Klein. Com o curso ginasial constituído por quatro anos, a partir
de 1942, o ensino de Geometria passa a ser ofertado através de abordagens intuitivas
nos dois primeiros anos e numa perspectiva mais formal e dedutiva nos dois últimos
(Matos & Silva, 2011; Pavanello, 1993; Souza, 2010). Como os primeiros cursos
27
universitários destinados à formação de professores de Matemática, no país, surgiram
apenas nos anos 30 do mesmo século, na Universidade de São Paulo e na Universidade
do Rio de Janeiro, não era difícil entender o porquê de grande parte dos professores da
educação básica serem engenheiros civis ou militares, conforme pontua Pavanello
(1993). De fato, de acordo com D' Ambrósio (1999), à época

A primeira leva de matemáticos era formada por estudantes de engenharia. A


ideia de se fazer um curso que conduzia a uma profissão socialmente bem
reconhecida, como a engenharia, justamente com um outro curso oferecendo
opções de uma profissão ainda vazia, isto é, Matemática, servia apenas para
aprofundar os conhecimentos matemáticos dos engenheiros. Possibilitava
também algo, profissionalmente ainda muito vago, que era a Licenciatura.
Afinal, quem quisesse lecionar Matemática podia fazê-lo sendo Engenheiro. (p,
19)

O autor retrata o desprestígio atribuído à atividade docente. Ainda segundo ele, o


diploma de Licenciatura em Matemática só passou a ser exigido como condição
necessária para o exercício da docência nos ensinos fundamental e médio (à época
conhecidos como ginasial e colegial) somente a partir dos anos 50 daquele século.
Nesse período, já havia cursos de licenciatura em Matemática em algumas
universidades brasileiras. Ainda assim, a substituição, em sala de aula, dos profissionais
liberais como engenheiros por professores licenciados em Matemática demandou algum
tempo.
No Brasil, o MMM, desencadeado no início dos anos 60, surgiu mais no sentido
de reproduzir as reformas efetivadas em outros países do que como uma resposta
madura aos debates internos realizados por professores dedicados à melhoria do ensino
de Matemática. O que ocorreu no país foi uma “assimilação, de maneira acrítica, das
tendências mundiais” (Berti, 2005, p. 617) daquela época. Ao contrário das reformas
educacionais instituídas anteriormente, a Matemática Moderna “não foi implementada
por nenhum decreto, o que não impediu que ela fosse amplamente divulgada em todo o
território nacional” (idem, p. 628).
Antes da consolidação do MMM, o ensino de Matemática no país “seguia uma
programação tradicional, onde a ênfase era dada, entre outros tópicos, aos cálculos
complexos (...) às identidades trigonométricas (...) às demonstrações de teoremas
matemáticos, a problemas de longos enunciados e longas resoluções” (Motejunas, 1995,
p. 161). Depois do MMM, o país assiste ao desaparecimento da abordagem dedutiva em
Geometria, na sala de aula. Conforme relata Lorenzato (1995), a “proposta da

28
Matemática Moderna de algebrizar a Geometria não vingou no Brasil, mas conseguiu
eliminar o modelo anterior, criando assim uma lacuna nas nossas práticas pedagógicas,
que perdura até hoje” (p. 4). O geômetra brasileiro Manfredo Perdigão do Carmo
endossa tais assertivas quando no prefácio da obra de Barbosa (2006) escreve:

No Brasil, há anos atrás, houve um abandono do ensino de Geometria à maneira


de Euclides. Na prática, o que se passava era que o assunto era relegado para o
fim do curso, e quase sempre não era ensinado. Isto devia-se em parte às
dificuldades próprias do assunto e em parte a uma certa influência da então
chamada, “matemática moderna” que, embora utilizando a axiomática em outros
tópicos, propugnava a eliminação da Geometria de Euclides no ensino básico.
(p. iv)

Embora nos presentes dias todo cidadão brasileiro tenha o seu direito à educação
pública assistido, no âmbito da escolaridade básica, até a segunda metade do século
passado a realidade era bastante diferente. O período de consolidação do MMM no país
ocorreu concomitantemente com a fase de democratização do ensino fundamental para
crianças e adolescentes de até 14 anos de idade, por meio da Lei 5 692, de 11 de agosto
de 1971. A abertura das escolas públicas às massas ocorreu no período em que o ensino
de Geometria começou a ser desprestigiado se comparado à Aritmética e Álgebra. A Lei
5 692 foi estendida aos estudantes que apresentavam alguma defasagem na relação
idade-série a partir da Lei 8 069 de 13 de julho de 1990. E, finalmente, com a Lei 9 394,
de 20 de dezembro de 1996, o Estado tornou-se, pela Constituição, o responsável pela
“universalização do Ensino Médio gratuito” (Collares, 2012, p. 13).
A partir da década de 80 ocorre o surgimento de variadas linhas pesquisas
voltadas para o ensino de matemática tais como a etnomatemática, a modelagem
matemática, a resolução de problemas e formação de professores, destacam Fiorentini e
Lorenzato (2007). Ainda segundo esses autores, as pesquisas, em cursos de pós-
graduação, destinadas ao ensino de geometria começaram a ganhar corpo a partir da
década seguinte. Os encontros e congressos destinados ao ensino de matemática passam
a apresentar um razoável número de trabalhos referentes ao ensino de geometria os
quais contemplam o uso de materiais manipuláveis, a importância das justificações
matemáticas, os tipos de raciocínio geométrico dos estudantes, a utilização de ambientes
computacionais e a formação de professores (Déchen & Carneiro, 2007).
De acordo com Pavanello e Andrade (2002), parte dos problemas enfrentados no
ensino de Geometria, no contexto brasileiro, deve-se à frágil formação que os
professores de matemática têm recebido. Segundo os autores, o número de componentes

29
curriculares voltados para a apresentação dos conteúdos de geometria, nos cursos de
Licenciatura em Matemática, é insuficiente. Se por um lado na educação básica a
abordagem desses conteúdos destina-se às questões práticas; por outro, na universidade,
a ênfase assenta-se na abordagem teórica. Falta a articulação entre esses dois domínios.
Dessa forma, os assuntos que “devem ser abordados na prática profissional (educação
básica) não são abordados, ou essa abordagem é muito superficial.” (Ferreira, 2008, p.
43). Por conseguinte, os professores deixam de abordar a Geometria em sala de aula,
pois não se sentem suficientemente preparados para explicar aos alunos alguns de seus
conteúdos, pontua Lorenzato (1995). Fenômeno semelhante já era observado desde anos
70 do século passado, assinala Pavanello (1993).
As reflexões e os debates realizados por educadores matemáticos a partir da
última década do século passado têm apontando para uma tentativa plausível de resgatar
o ensino de Geometria nas escolas brasileiras (Andrade & Nacarato, 2005). A própria
distribuição dos conteúdos geométricos nos livros didáticos – anteriormente
concentrada no final e agora apresentada ao longo dos livros  representa o desejo de
mudanças. Entretanto a “repaginação” do ensino não deve se limitar ao papel do livro
didático: “para ajudar os alunos a se apropriarem dos conteúdos geométricos, os
professores precisam despertar neles o interesse por aprender, usando diferentes
metodologias”, sublinha Crescenti (2005, p. 56). Nessa perspectiva, assinalam Monteiro
e Pompeu (2001), o ensino de Matemática, e em particular o de Geometria, deve levar
em consideração o contexto social, cultural e econômico em que os estudantes estão
inseridos.
A despeito dos sinais de mudança, Costa e Silva (2014) pontuam que muitos
professores ainda reservam somente o final do ano letivo para a abordagem de temas de
geometria em sala de aula. E, segundo Andrade e Nacarato (2005), o raciocínio
dedutivo raramente é contemplado. O tratamento ainda baseia-se, exclusivamente, nos
aspectos empíricos. Muitos estudantes têm concluído a educação básica sem saber que
os teoremas matemáticas são resultados passíveis de demonstração. Pesquisas
desenvolvidas por autores como Domingos e Fonseca (2003) e Gravina (2001) também
corroboram a insuficiência de abordagens de natureza dedutiva no âmbito da educação
básica. Esses autores atribuem essa realidade, em parte, à precária formação de muitos
professores.
Os cursos de Licenciatura em Matemática têm sido palcos privilegiados para a
aproximação entre os estudantes e a geometria dedutiva. Por outro lado, há pesquisas
30
que apontam para a insuficiência do número de atividades de cunho dedutivo no âmbito
da educação básica (Dias, 2009). Esse mesmo autor advoga pela introdução de
demonstrações matemática desde a escolaridade básica. A princípio por meio de
justificações lógicas (e não necessariamente dedutivas) e, pouco a pouco, por meio de
raciocínios lógico-dedutivos.

2.4 A Geometria plana nos livros didáticos: O contexto brasileiro

A partir dos livros didáticos é possível vislumbrar a concepção de ensino e


aprendizagem de Geometria vigente em cada época. No que tange a abordagem
axiomática, a citação a seguir, extraída da obra de Ary Quintella, dá indícios de que este
tipo de abordagem estava presente na educação básica nos anos 60 do século passado.

Geometria dedutiva é a parte da matemática que estuda as propriedades das


figuras e as relações que guardam entre si, partindo de um certo número de
noções e propriedades, chamadas primárias ou primitivas, por meio de um
encadeamento lógico de raciocínios rigorosos denominados demonstração.
(Quintella, 1960, p. 69)

A citação acima foi extraída da obra de Quintella (1960) destinada ao ensino de


matemática nas turmas da terceira série ginasial, no Brasil. Em seguida, o autor define
conceitos como postulado, teorema, corolário, hipótese, tese e demonstração. Na
sequência inicia o tratamento da Geometria numa perspectiva axiomática. As
ilustrações, quando aparecem, restringem-se às demonstrações das proposições
presentes no livro. A abordagem preza pelo rigor e formalismo e aproxima-se
substancialmente daquela que, nos presentes dias, costuma ser trabalhada nos cursos de
Licenciatura em Matemática. Se os estudantes dos cursos de Licenciatura em
Matemática já apresentam algumas dificuldades no tratamento dedutivo em Geometria,
não é difícil imaginar os problemas que enfrentavam os estudantes da terceira série
ginasial quando confrontados com o mesmo tratamento. Se, por um lado, o contato dos
estudantes com a geometria formal-dedutiva não deve ocorrer apenas no ensino superior
(Dias, 2009), por outro, a sua inserção na educação básica deve ser modelada a partir do
nível de maturidade dos alunos. Nessa direção Griffiths (1998), ao apontar que os
professores universitários do Reino Unido defendem a inserção da abordagem
axiomática mesmo antes da entrada dos alunos na universidade, questiona a viabilidade

31
de oferecer a estudantes de tão pouca idade a mesma geometria formal e rigorosa com
que lidavam os adultos mais intelectuais da Grécia Antiga.
No Brasil, os primeiros livros de matemática escritos sob a influência do MMM
foram publicados nos anos 70 do século passado tendo o professor Osvaldo Sangiorgi
como um dos principais autores (M. Silva, 2008a). Apesar de dialogar com o uso de
elementos intuitivos no tratamento da Geometria, na obra Sangriori ainda era possível
encontrar algumas demonstrações matemáticas. Em 1964, quando o MMM estava
atravessando um processo de inicialização no Brasil, a sua influência ainda não era
perceptível na obra de Sangiorgi. Naquela altura, a Geometria dedutiva era trabalhada
na terceira série ginasial como também ocorria na obra de Ary Quintella. No prefácio do
livro de Geometria, Osvaldo Sangiorgi informa ao leitor as diferenças entre a
abordagem de Geometria do curso primário e do curso ginasial: No primeiro, a
Geometria era apresentada de forma intuitiva e experimental; no segundo, as
propriedades dos objetos geométricos são estudadas por meio da dedução formal e do
raciocínio lógico. A abordagem presente no livro de Sangiorgi fazia uso dos axiomas
instituídos na reformulação apresentada por David Hilbert, destaca M. Silva (idem).
Alguns anos depois, com a consolidação do MMM, ocorrem algumas mudanças
na obra de Sangiorgi. A terceira série do ensino ginasial continuava sendo aquela em
que a Geometria se mostrava mais presente. Desta vez, Sangiorgi informa aos leitores
que não será mais necessário “memorizar” as demonstrações matemáticas como ocorria
nas edições anteriores. No prefácio na sua obra, direciona-se ao seu leitor dizendo-lhe:
"Agora, não será mais necessário que você decore enfadonhos teoremas e mais
teoremas, contra o que, erradamente, alguns colegas mais adiantados costumavam
'previni-lo'" (Sangiorgi, 1966, citado por M. Silva, 2008a, p. 6). Em seu texto, Sangiorgi
deixa "escapar" o entendimento de que na faixa etária dos estudantes aos quais se
destinava o seu livro, a compreensão dos teoremas e de suas demonstrações era
substituída pela memorização. Mas, se era desta forma que o autor enxergava a
aprendizagem da geometria dedutiva no âmbito da escolaridade básica, por que tardou a
propor alterações na metodologia e na forma de apresentação desses conteúdos? Estaria
o autor mais preocupado com a tradição do que com a aprendizagem dos alunos? São
questionamentos cujas respostas fogem aos limites deste texto, mas que, ao mesmo
tempo, revelam as nuances e complexidades que envolviam (e ainda envolvem) o
ensino de Geometria. O fato é que a partir dessa nova concepção de abordagem de
geometria, o foco da obra sangiorgiana começou a se deslocar das concepções teóricas
32
para as suas aplicações. A axiomatização de Hilbert passou a ser substituída pelo
modelo axiomático de Birkhoff.
Além de Sangiorgi, o professor Benedito Castrucci também publicou um livro
inspirado nas mudanças propostas pelo MMM. Nos finais dos anos 60, ele lançou o
livro Geometria curso moderno. De acordo com M. Silva (2008a), os “teoremas, antes
enunciados e demonstrados em linguagem natural, na versão moderna da Geometria,
incorpora a simbologia utilizada na teoria dos Conjuntos” (p. 692).
Collares (2012) analisou algumas coleções de livros didáticos lançadas no Brasil
a partir da segunda metade do século passado. Nas edições publicadas na década de 70,
a autora notou a predominância dos conteúdos de Geometria somente na terceira série
ginasial onde, alguns autores, apresentavam os conceitos de axioma, teorema,
demonstração e corolário. Não obstante a apresentação desses conceitos a exposição de
provas formais sob o cunho axiomático raramente apareciam. Situações semelhantes
foram observadas nos livros lançados na década seguinte. Entretanto, desta vez, a
álgebra e aritmética, juntas, passaram a assumir quase a metade das páginas dos livros
da terceira série do curso ginasial4. Em alguns casos, encontravam-se algumas
demonstrações de teoremas. As ilustrações tornaram-se mais frequentes.
Na década de 90, ocorreram algumas mudanças significativas. Os conteúdos de
geometria passaram a ser distribuídos ao longo dos livros e não mais no final. Os livros
didáticos passaram recorrer, ou pelo menos a fazer referência, ao uso de dobraduras,
recortes, atividades envolvendo palitos e o tangram. Em algumas edições foi possível
encontrar pequenos relatos de episódios da História da Matemática. Ao contrário dos
livros publicados nos anos 70 e 80, desta vez, os textos são bastante ilustrados e
coloridos. Os conteúdos de geometria são contemplados nos livros das quatro séries do
ginasial (com predomínio no volume da terceira série) e as demonstrações dos teoremas
desaparecem completamente. Segundo Lorenzato (1995), não era raro encontrar nesses
livros um “conjunto de definições, propriedades, nomes e fórmulas, desligado de
quaisquer aplicações ou explicações de natureza histórica ou lógica” (p. 4).
A abordagem presente nas obras lançadas na primeira década do século XX não
difere substancialmente daquelas publicadas nos anos 90, exceto pelos avanços quanto
às questões referentes à interdisciplinaridade. Por exemplo, durante a abordagem do

4
Na década anterior, o espaço destinado à Aritmética e Álgebra nos livros da terceira série ginasial era
menor.

33
sistema cartesiano, presente em um dos livros voltados para a sétima série, há uma
articulação entre esse conteúdo e as coordenadas geográficas (longitude, latitude)
comumente estudadas em Geografia. Esse assunto ainda possibilita, segundo Martin et.
al (2009) a aproximação entre a Geometria e a Álgebra o que constitui a base da
Geometria Analítica. Ao fazer referências às edições lançadas nos anos 2000, Martins
(2012) assinala que:
Os livros didáticos vêm incorporando uma nova forma de substituir a validação
formal de um conteúdo. Recorrem, com freqüência à manipulação de materiais,
recortes, instrumentos de medida, o que não se pode caracterizar como
contribuição para o desenvolvimento da capacidade de argumentar e, muito
menos de provar algum fato matemático. (p. 31)

Se, por um lado, os livros didáticos se tornaram mais atrativos à medida que
foram acrescentadas mais cores e imagens à sua diagramação  além de dobraduras,
recortes, colagens e a utilização do tangram  por outro, foram perdendo em rigor
axiomático. De fato, a maior parte dos estudantes tem concluído a escolaridade básica
sem saber o significado de expressões como axiomas, proposições, corolários,
demonstração. É verdade que não saber tais significados não traduz necessariamente
falta de rigor. A questão é que, em sua maioria, estes estudantes passam a acreditar que
a ocorrência de determinado resultado em alguns exemplos é suficiente para assegurar a
sua generalidade. Não são estimulados a raciocinar dedutivamente e, portanto,
privilegiam somente o raciocínio indutivo.
A noção de prova matemática, em sala de aula, passou por modificações ao
longo dos anos. De acordo com Nasser e Tinoco (2001, citados por Ferreira, 2008), os
livros passaram a inserir atividades de análise, argumentação e validação dos resultados
atendendo às orientações do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)5. Martins
(2012) analisou a abordagem de argumentações e provas de três conteúdos geométricos
em 10 coleções aprovadas no Brasil pelo PNLD para o ano de 2011. Os assuntos
observados foram: A congruência entre ângulos correspondentes em retas paralelas
cortadas por uma transversal; a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo;
e a abordagem euclidiana do Teorema do Ângulo Externo. Em sua pesquisa, a autora

5
O PNLD é um programa instituído pelo Ministério da Educação, no Brasil, cujo objetivo é auxiliar o
trabalho pedagógico dos docentes através da distribuição de livros didáticos a estudantes da educação
básica.

34
tentou verificar de que forma os autores dos livros didáticos analisados justificam os
resultados enunciados pelos teoremas da geometria euclidiana.
No que diz respeito à abordagem do conteúdo congruência entre ângulos
correspondentes em retas paralelas cortadas por uma transversal, as coleções
observadas buscaram validar esse resultado utilizando os seguintes recursos: Utilização
do transferidor; uso de exemplos numéricos, por meio da translação de uma das
paralelas sobrepondo-a a outra com o auxílio de um par de esquadros; ou, até mesmo,
enunciando a congruência sem justificação alguma. Em todos os casos não houve
apresentação de uma demonstração formal-dedutiva. As abordagens se basearam “em
conhecimentos práticos, valendo-se dos recursos de ação, exemplos, desenhos,
medições e observação de figuras” (Martins, 2012, p. 73). Não obstante a importância
do emprego de atividades exploratórias no processo de aprendizagem dos estudantes,
Douek (2009), menciona que a realização destas atividades deve dialogar com a
elaboração das provas e, portanto, não devem ser confundidas com as mesmas.
Quanto à demonstração da soma das medidas dos ângulos internos de um
triângulo, somente uma obra se encarregou da apresentação da demonstração formal.
As demais recorreram à utilização de dobraduras, recortes ou à medição em alguns
exemplos através do transferidor. Já a versão Euclidiana do Teorema do Ângulo
6
Externo foi apresentada, em todos os casos analisados, por meio de demonstrações
formais as quais se mostraram relativamente simples e facilmente inteligíveis por meio
da utilização da soma das medidas dos ângulos internos do triângulo. Esses resultados
revelam a tentativa de inserir as demonstrações matemáticas somente para aqueles
resultados cujas demonstrações decorrem quase que imediatamente – e, portanto, com
pouco esforço – de outros resultados já verificados. De fato, uma vez assegurado o valor
da soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo, conclui-se facilmente que a
medida de um ângulo externo deste polígono corresponde à soma das medidas dos
ângulos internos que não lhe são adjacentes. Para isso, basta utilizar o fato de que o
ângulo externo e o ângulo interno a ele adjacente são suplementares.

6
O Teorema do Ângulo Externo assegura que, em qualquer triângulo, a medida de qualquer ângulo
externo é sempre maior que as medidas dos ângulos internos a ele não adjacentes. A partir do Axioma
das Paralelas conclui-se que a medida desse ângulo corresponde à soma das medidas dos ângulos internos
que não lhe são adjacentes. Esse último resultado é referido no texto como Versão Euclidiana do
Teorema do Ângulo Externo.

35
Com relação aos livros analisados pela última autora, Martins e Mandarino
(2013) destacam que as provas formais e as atividades de verificações se alternam, com
predominância das segundas. Segundo as autoras, as primeiras, quando aparecem, estão
compatíveis com a faixa de idade dos alunos a que se destinam. Quanto às atividades
propostas aos alunos, “os exercícios são muitas vezes repetitivos e, por vezes,
conduzem os alunos a atividades de reprodução de pensamentos elaborados por outros,
em vez de se ocuparem no processo de construção do seu próprio conhecimento” (p.
112).
No que concerne aos livros didáticos de matemática em termos globais, e não
mais restritos ao Brasil, Otten, Males e Gilbertson (2014) pontuam a existência de
“esforços” em torno da inserção das provas matemáticas. Segundo esses autores, essa
tendência provém do reconhecimento da importância das provas matemáticas na
formação dos estudantes. A análise das obras lançadas no Brasil, porém, apontam para
uma predominância de verificações experimentais em detrimento das provas formais.
Nesses casos  não somente no Brasil (Martins e Mandarino, 2013), mas também em
países como Estados Unidos da América e Japão (Otten, Males & Gilbertson, 2014) 
os autores dos livros didáticos nem sempre deixam claro para os leitores a distinção
entre verificação e demonstração. O raciocínio indutivo prevalece sobre o dedutivo.
No próximo capítulo a discussão acerca do ensino de Geometria é alargada a
partir da apresentação de algumas teorias de aprendizagem relacionando-as sempre que
possível com a argumentação, justificação e as provas em Geometria. As formas de
representação e as definições que aparecem nos estudos geométricos também são
referenciadas no texto. Por fim, algumas dificuldades encontradas pelos discentes são
apontadas e sempre que possível são propostas algumas alternativas com o intuito de
contorná-las.

36
Capítulo 3

Ensino e Aprendizagem de Geometria: Do Abandono ao Resgate dos Conteúdos no


Contexto da Sala de Aula

O ensino de Matemática oferecido nas escolas precisa preparar os estudantes


para lidar com situações matemáticas do quotidiano, para atuar no mercado de trabalho
ou para prover o desenvolvimento da ciência e tecnologia, destacam Martin et al.
(2009). Hansen (1998) corrobora tais assertivas e aponta outras demandas, desta vez
relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem de Geometria. Para este autor, a
abstração, a generalização e a elaboração de provas matemáticas também devem estar
presentes na formação dos estudantes. Esses atores devem ter os raciocínios indutivo e
dedutivo estimulados. De acordo com Jones (2002), a “geometria é uma rica fonte de
oportunidades para desenvolver as noções de prova” (p. 125). Segundo Kaleff (1994), o
desenvolvimento da capacidade de argumentação matemática e a criação de conexões
com outras áreas do conhecimento representam algumas funções do ensino e da
aprendizagem de Geometria. Conforme aponta Bankov (2013), além do
desenvolvimento da argumentação, o ensino de geometria deve possibilitar ao estudante
a resolução de problemas práticos e torná-los capazes de descrever os objetos
geométricos. Tais competências devem ser estimuladas em todo o currículo, o qual
ainda se mostra incapaz de suprir a essas demandas (Duval, 1998). French (2004)
comunga das mesmas ideias dos autores anteriores quando relacionadas ao
desenvolvimento do raciocínio do estudante e, além disso, acrescenta a expansão da
visão espacial dos discentes e a capacidade que a geometria tem de estimular, desafiar e
levar informações a esses atores.
O desenvolvimento do raciocínio matemático, também indicado por Duval
(1998) como um dos contributos dos estudos em Geometria, ocorre à medida que o
estudante estabelece conexões entre o novo saber e àqueles que já lhe eram familiares
atribuindo-lhes significados práticos ou teóricos. De acordo com Kilpatrick, Swafford e
Findell (2001), sem estas conexões a compreensão dos novos assuntos torna-se árdua
fazendo com que os alunos os esqueçam rapidamente. Atribuir sentidos aos assuntos
que se aprende minimiza a presença da memorização ao mesmo tempo em que abre
espaço para uma aprendizagem mais sólida e profícua.
37
Não obstante as múltiplas funções do ensino de Geometria (desenvolvimento do
raciocínio lógico, conexões com outros domínios do saber e da própria matemática,
elaboração de conjecturas, dentre outras), diversos são os desafios enfrentados pelos
discentes e docentes no “chão da escola”. Os alunos tendem a priorizar o raciocínio
indutivo (Weber, 2001) e, algumas vezes, estabelecem conclusões equivocadas.
Atribuem às representações imagéticas mais informações do que aquelas presentes nos
enunciados dos problemas. Confundem Geometria com Desenho Geométrico. Aos
segundos foi oferecida uma formação universitária em que se depararam com poucos
componentes que dialogam com a Geometria. Sentem-se inseguros para tratar de certos
assuntos (Pavanello, 1993). Prendem-se às abordagens propostas pelo livro didático e,
portanto, não experimentam novas alternativas metodológicas. Essas características não
contemplam a todos os alunos e professores. Entretanto, aqueles que as satisfazem
carecem de acompanhamentos, atenção e requalificação em seu processo formativo.
Essa situação aponta para a necessidade de compreender as nuances do processo de
ensino e aprendizagem de Geometria. As suas especificidades, as dificuldades
encontradas por discentes e docentes e algumas possíveis alternativas para contorná-las
constituem as pautas emergentes no que tange à formação em Geometria.
Na perspectiva de compreender as peculiaridades da aprendizagem de
Geometria, neste capítulo são retratadas as teorias de aprendizagem propostas por Barth
(1987), Duval (1998), Martin et al. (2009) e pelo casal Van Hiele (Battista, 2009). Em
seguida, são estudadas as definições em geometria. Tais definições são classificadas por
Edward e Ward (2008) como estipuladas tendo em vista que surgem para promover o
desenvolvimento dos conceitos matemáticas (não se tratam de definições que surgem
naturalmente a partir da experiência diária). Para isso, as definições matemáticas devem,
segundo os autores, atender aos critérios de hierarquia, existência, equivalência e
ajustamento os quais serão descritos com mais detalhes ao longo deste capítulo.
Algumas reflexões sobre argumentações e provas em geometria também são
levantadas no texto. As justificativas apresentadas pelos alunos como a prova de um
teorema nem sempre tem esse mesmo significado para o docente. Da mesma forma, as
argumentações aceites como prova em uma classe do ensino básico podem ser rejeitadas
por alunos universitários. Tais fatos suscitam algumas indagações: Uma prova
matemática varia de acordo com o contexto ou deve ser a mesma em qualquer lugar e
tempo? Qual a diferença entre argumentação e demonstração? A primeira auxilia ou

38
atrapalha a obtenção da segunda? As considerações de diversos autores acerca dessas
questões são apresentadas neste capítulo.
Algumas reflexões sobre representações e linguagem em geometria também são
contempladas ao longo deste texto. Os tipos de representações para um conceito
geométrico, a partir da classificação de Duval (1993), são descritos.
Por fim, são elencadas algumas dificuldades apresentadas pelos alunos no
processo de aprendizagem de geometria. Elas variam de acordo com o contexto, com a
idade, com as experiências prévias dos estudantes e em decorrência dos estímulos aos
quais foram submetidos. Alguns caminhos são propostos com o intuito de minimizar
tais dificuldades de aprendizagem.

3.1 As teorias de aprendizagem de Geometria

Tanto em Geometria quanto nas outras áreas da Matemática, nos primeiros anos
da escolaridade nem sempre o estudante é capaz de identificar os atributos essenciais de
determinado conceito. Não é raro, nesses casos, perceber que a sua atenção está mais
voltada para elementos periféricos que muitas vezes não são característicos de todos os
exemplos existentes relacionados ao conceito. É o caso, por exemplo, de estudantes que
se deparam com um polígono apresentado nos livros ou pelo professor sempre de uma
mesma cor. Eles podem ser induzidos a concluir que aquela cor estará presente em todas
as representações possíveis para o polígono. E mais que isso: Podem se desviar dos
elementos que, de fato, caracterizam o polígono (como a existência de quatro ângulos
retos, no caso do retângulo). Exemplos como esses são apontados por Barth (1987) que
identifica algumas subtilezas que compreendem o processo de ensino e aprendizagem
das quais o professor não pode se furtar de observar.
Aprender um conceito significa identificar e reter os atributos que lhes são
pertinentes e perceber de que forma eles se relacionam. Quanto maior é o número de
atributos mais sofisticado se torna o conceito e, reciprocamente, “quanto mais complexo
é um conceito, mais inter-relações devem ser efetuadas e mais difícil ele se torna de
alcançar” (Barth, 1987, p. 35). No caso do retângulo, definido como um quadrilátero7

7
Por quadrilátero entende-se todo polígono que possui quatro e somente quatro lado. Os polígonos são
linhas poligonais fechadas cujos lados se intersectam somente nas extremidades. Ademais, dois
(quaisquer) de seus lados com mesma extremidade pertencem a retas distintas (Barbosa, 2006). A região
plana limitada pela linha poligonal não está incluída.

39
que possui quatro ângulos retos (Barbosa, 2006) é possível identificar dois atributos:
Ser um quadrilátero e possuir ângulos que medem noventa graus. A sua cor, o perímetro
ou a área da região plana por ele limitada são irrelevantes na apresentação do conceito.
A seguir será estabelecida uma discussão acerca dos processos cognitivos
relacionados à aprendizagem de Geometria a partir da visão de Barth (1987), Duval
(1998), Martin et al. (2009) e o casal Van Hiele (Battista, 2009).

3.1.1 Processos cognitivos segundo Barth

Segundo Barth (1987), alguns processos são ativados durante a compreensão de


um conceito: A percepção, a comparação, a inferência, a verificação da inferência, e,
por fim, a repetição dos dois últimos processos.
A percepção se dá em três estágios: Sensorial, icônico e modo simbólico. No
primeiro estágio predominam os estímulos sensoriais e motores. A aprendizagem se dá
através da manipulação, da ação. Com o passar do tempo, a manipulação pode ser
deixada de lado desde que o estudante esteja em contato com imagens que o auxiliem a
compreender o conceito estudado (fase icônica). Nessa fase a criança torna-se capaz de
distinguir um quadrado de um retângulo sem, contudo, formular raciocínios sofisticados
para essa distinção.
A partir do momento em que as palavras e os mais variados códigos passam a
ser utilizados para “perceber” o conceito, inicia-se o terceiro estágio da percepção: O
modo simbólico. Nessa fase, o aprendiz deve ser estimulado a descrever aquilo que vê
passando a usar mais as palavras e menos a ação e imagens.
Os estágios da percepção indicados podem se complementar. Uma figura por si
só pode não se revelar conectada a um determinado problema. É preciso agregar
elementos discursivos ao visual. Por exemplo, a declaração “seja ABCD um
paralelogramo...” (Duval, 1998, p. 40) estabelece a conexão entre determinada figura e
o problema em questão. Nesta fase são convocados, pelo menos, os dois últimos
estágios da percepção presentes na classificação de Barth (1987): Modo icônico e modo
simbólico.
Segundo Barth (1987), a compreensão de um conceito perpassa também pelo
processo de comparação. Além de distinguir os exemplos dos contra-exemplos, o
aprendiz torna-se apto a identificar as diferenças e as semelhanças entre dois conceitos
distintos. A princípio, as crianças devem ser levadas a estabelecer comparações que
40
envolvem um único atributo. Por exemplo, para identificar se determinado quadrilátero
é um paralelogramo basta observar se os seus lados opostos são paralelos. Com o
tempo, comparações que envolvem mais de um atributo lhes devem ser apresentadas: A
comparação entre o quadrado e o retângulo, por exemplo, implica na análise de dois
atributos: Um referente aos ângulos internos e outro referente aos lados.
A percepção e a comparação podem levar o aprendiz à criação de conjecturas
entendida por Villiers (2010) como o resultado da observância de tendências ou padrões
impulsionando o estudante a formular generalizações. De acordo com Harel e Sowder
(1998) uma conjectura “é uma observação feita por uma pessoa que tem dúvidas sobre
sua verdade” (p. 241). Mas, obviamente, uma conjectura consiste numa proposição
acerca de um fato que o indivíduo que a elabora julga ser verdadeira. Otten, Males e
Gilbertson (2014b) definem conjectura como uma “reivindicação” cuja validade é
desconhecida em determinado contexto, mas que goza de evidências a seu favor.
Durante a sua elaboração, destaca Clements (2003), o maior número possível de
exemplos é testado na perspectiva de reforçar ou refutar aquilo que, futuramente, se
pretende provar. Em congruência com este último autor, Otten, Males e Gilbertson
(2014b) apontam que as conjecturas provêm do raciocínio indutivo. É, portanto,
precedida pela identificação de um comportamento padrão em vários objetos
observados.
A inferência e a sua verificação, mencionadas por Barth (1987), pertencem a
estágios posteriores. Segundo a autora, “a inferência permite, portanto, ultrapassar a
informação dada no início e chegar a uma conclusão nova. É o primeiro passo em
direção à descoberta” (p. 116). Ou ainda, “inferir compreende a capacidade de
reconhecer a relação causa-efeito, se... então.” (p. 117).
Uma inferência é dita indutiva quando se baseia em um número limitado de
exemplos através da análise de casos particulares. É o caso das afirmações: “O
quadrado, o losango e o retângulo admitem ângulos opostos congruentes” e “o
quadrado, o losango e o retângulo são paralelogramos” que podem conduzir o estudante
a inferir indutivamente que “os paralelogramos possuem ângulos opostos congruentes”.
Segundo Reid e Knipping (2010), a inferência indutiva (ou argumento indutivo, como
esses autores preferem utilizar) apoia-se em probabilidades que apontam para a
ocorrência (ou não) de determinado resultado: “a conclusão de um argumento forte
indutivamente é simplesmente mais provável de ser verdadeira que falsa” (p. 279). Em

41
outras palavras, os argumentos indutivos “não nos dão certeza, mas podem nos dar altos
níveis de probabilidades” (p. 279) à medida que o número de casos estudados aumenta.
Por outro lado, uma inferência será dita dedutiva quando a conclusão é obtida a
partir de um fato conhecido como verdadeiro à luz de um raciocínio lógico. Por
exemplo, sabendo-se que “todo quadrado é um retângulo” e que “o quadrilátero ABCD
é um quadrado”, infere-se de forma dedutiva que “ABCD é um retângulo”.

3.1.2 Processos cognitivos segundo Duval

Segundo Duval (1998), a aprendizagem de Geometria compreende três


processos cognitivos os quais podem ser realizados separadamente: A visualização, a
construção e o raciocínio. A fase da visualização contempla a percepção sensorial e a
percepção icônica apontadas por Bath (1987).
De acordo com Duval (1998), a visualização diz respeito às representações
imagéticas inerentes ao conceito estudado. São ferramentas de natureza intuitiva que
muitas vezes auxiliam o aprendiz tanto nesta etapa inicial de aprendizagem quanto
futuramente, durante a obtenção de provas matemáticas.
J. Smith (2000) defende a utilização de desenhos e imagens na resolução de
problemas em Geometria os quais podem “orientar o raciocínio geométrico” (p. 25) do
estudante. Duval (1998), entretanto, chama a atenção para o fato de que “em alguns
casos a visualização pode ser enganadora ou impossível” (p. 38).
As representações imagéticas utilizadas no estudo de um problema são
constituídas por elementos menores que se relacionam para formar a figura como um
todo. É o caso dos segmentos de reta que aparecem na representação de um
paralelogramo, assinala Duval (1998). Segundo este autor, a visualização requer “pelo
menos uma de três mudanças a respeito do que está sendo visto: Mudança na dimensão,
mudança na figura, mudança na ancoragem” (p. 43). A primeira, além de ser a mais
simples, é a mais utilizada nas provas matemáticas. Para estudar um objeto de
“dimensão n”, em que n é um número inteiro positivo, é preferível analisar as suas
partes (“dimensão n - 1”). Por exemplo, ao estudar um paralelogramo (dimensão 2),
estuda-se os elementos que o constituem: Segmentos de reta (dimensão 1) e pontos
(dimensão 0). Os dois últimos tipos de mudança requeridos na visualização de um
objeto (figura e ancoragem) são menos relevantes nos estudos em Geometria e, por isso,
não serão tratados neste texto.
42
Quando os estudantes começam a criar conjecturas dá-se início à fase da
construção. Trata-se, segundo Duval (1998), de um período de elaboração de
configurações que funcionam como modelos para o conceito em estudo. Nesta etapa
podem ser usadas a régua, o compasso ou softwares disponíveis.
A aprendizagem de um conceito e de suas propriedades, a criação de conjecturas
a seu respeito, o estabelecimento de proposições e teoremas que o envolve seguidos de
suas demonstrações matemáticas ou até mesmo a refutação de considerações acerca do
conceito demandam o desenvolvimento do raciocínio matemático. Este último é
definido por Duval (1998) como “qualquer processo que nos permite obter nova
informação de informações dadas” (p. 45). Segundo este autor, a construção de um
raciocínio em Geometria demanda a utilização da estrutura axiomática disponível.
Entretanto, ele alerta para a necessidade de “usar somente teoremas, axiomas ou
definições que dão um passo em direção à conclusão” (p. 47). Ou seja, não se deve
utilizar resultados supérfluos ou que não se relacionam com o objeto estudado.

3.1.3 Processos cognitivos segundo Martin, Carter, Forster, Kader e Kepner

O raciocínio, de acordo com Martin et al. (2009), pode se manifestar de


diferentes formas a depender dos estímulos que foram apresentados ao estudante ou do
seu nível de amadurecimento cognitivo. Tais autores categorizam o raciocínio em
empírico, pré-formal ou formal.
O nível empírico compreende a realização de experimentos relacionados ao
conceito os quais não constituem provas ou demonstrações de proposição alguma.
O nível pré-formal é composto por argumentações intuitivas e indutivas.
Constitui o ponto de partida para a construção de um raciocínio mais sofisticado e
abstrato.
O nível formal é constituído por argumentações formais e rigorosas a partir da
sistematização de resultados já conhecidos como verdadeiros ou por meio de inferências
estatísticas.

3.1.4 Processos cognitivos segundo o casal Van Hiele

No que tange o desenvolvimento e a aprendizagem em Geometria, os níveis de


pensamento são relatados de forma mais detalhada pelo casal Pierre Van Hiele e Dina
43
Van Hiele que classificaram o pensamento geométrico em cinco níveis: O visual-
holístico, o descritivo-analítico, o relacional-inferencial, o formal-dedutivo e o nível de
rigor. Os dois primeiros têm caráter empírico e são efetivados por meio da criação de
conjecturas através de explorações que envolvem certo número de casos. O terceiro
assenta-se em explorações mais indutivas e parciais dos argumentos. Os dois últimos
baseiam-se no formalismo a partir da utilização lógica de proposições já demonstradas.
Segundo Mayberry (1983), a teoria desenvolvida pelos Van Hiele defende a
idéia de que tais níveis obedecem a uma seqüência predeterminada de modo que para
atingir o “nível do rigor” é necessário ter passado, necessariamente, por todos os outros.
Para o casal, “os níveis são seqüenciais e hierárquicos” (Battista, 2009, p. 91) e o
pensamento geométrico do estudante não está necessariamente ligado à sua idade
cronológica (Walle, 2009, citado por Costa & Silva, 2014). Entretanto, segundo
Battista (2009), não há uma unanimidade entre os pesquisadores referente ao
engessamento proposto pelos Van Hiele quanto à sequencialidade obrigatória dos
níveis:

Alguns pesquisadores têm argumentado que devido às diferentes experiências e


instruções, os estudantes podem ter diferentes níveis de Van Hiele para
diferentes tópicos em geometria (exemplo, quadriláteros e triângulos versus
movimentos geométricos) e que os tipos de pensamento que caracterizam
diferentes níveis podem ser desenvolvidos simultaneamente mas em diferentes
taxas (Battista, 2009, p. 92)

O entendimento dos níveis de Van Hiele como estágios disjuntos do pensamento


geométrico é criticado por Pegg e Davey; Gutiérrez, Jaime e Fortuny; Lehrer, Jenkins
et. al (1998; 1991; 1998, citados por Clements, 2003). Para esses autores, um aprendiz
pode apresentar, simultaneamente, características de pelo menos dois níveis sem que
tenha necessariamente esgotado todas as competências típicas de cada um deles.
Entretanto, mesmo nesses casos, os autores acreditam na existência de um nível de
pensamento predominante.
Os estudantes que estão no primeiro nível de Van Hiele, o Visual-Holístico,
baseiam-se na aparência global dos objetos geométricos, sendo incapazes de perceber as
propriedades específicas (Walle, 2009, citado por Costa & Silva, 2014). Nesse nível,
eles são capazes de considerar que um quadrado não é um retângulo, pois acreditam que
o último não pode admitir os quatro lados de mesmo comprimento (Battista, 2009). Para
estes estudantes, os quadrados dispõem sempre de lados nas posições horizontais e
verticais. Não concebem outras possibilidades. Segundo Clements (2003), o
44
desenvolvimento nesse nível pode ser potencializado pela exploração de materiais
manipuláveis e por meio de atividades envolvendo dobraduras.
Um estágio anterior ao primeiro nível de Van Hiele, ou concomitante a ele,
aparece na teoria de aprendizagem de Geometria apontada por Piaget e Inhelder (1967,
citados por Clements, 2003). Para esses autores, a representação do espaço elaborada
pelas crianças, na fase inicial da formação escolar, provém da manipulação de objetos
presentes no ambiente em que estão inseridas. A compreensão se dá mais pela ação do
que pela observação. Nesse estágio, os estudantes constroem relações topológicas como
as noções de curva aberta, curva fechada, conexidade, continuidade, dentre outras. São
conceitos formulados longe do formalismo matemático. Após essa etapa, as crianças se
tornam aptas para assimilar conceitos geométricos como ângulos, paralelismo,
distância, dentre outros. Essas noções geométricas são tratadas de forma intuitiva,
através de materiais manipuláveis e por meio de desenhos. O estudo das propriedades
dos objetos geométricos não ocorre. Os estudantes são levados simplesmente a nomear
esses objetos.
No segundo nível de Van Hiele, o Descritivo-analítico, os estudantes já
conseguem perceber, ainda que informalmente, algumas propriedades das formas
geométricas. Não as vê somente como um “todo”. As propriedades dos objetos, de
acordo com Clements (2003) são identificadas de forma experimental, por meio de
medições e observações. Porém, os estudantes não conseguem fazer conexões entre as
propriedades: Não percebem que algumas propriedades provêm de outras já conhecidas.
Autores como Clements e Battista (1992) e Senk (1985) destacam que quase quarenta
por cento dos estudantes, nos Estados Unidos da América, finalizam a High School
abaixo do nível 2 de Van Hiele.
Quando as conexões entre as propriedades geométricas de determinado objeto
geométrico já são estabelecidas pelos estudantes, significa que estes atingiram o terceiro
nível de Van Hiele: O relacional-inferencial. Os aprendizes, segundo Burger e
Shaughnessy (1986), “ordenam de forma lógica as propriedades do conceito, formam
definições abstratas, e podem estabelecer distinções entre a necessidade e a suficiência
de um conjunto de propriedades em determinado conceito” (p. 31). Ao atingir esse
nível, os discentes são capazes de perceber que determinadas propriedades decorrem de
outras e que são satisfeitas por uma classe de objetos com determinadas características
em comum e não apenas por um objeto em particular (Walle, 2009, citado por Costa &
Silva, 2014). Segundo Clements (2003), nesse estágio, os estudantes deduzem
45
facilmente que a soma das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero convexo é
igual a 360o decompondo-o em dois triângulos a partir de uma de suas diagonais.
Entretanto, não são capazes de adotar um sistema hierárquico de classificação das
formas: “podem resistir ainda à noção que um quadrado é um retângulo” (Battista,
2009, p. 94) apesar de compreenderem a argumentação lógica para este fato. Aceitam
esta noção, geralmente, quando estão no final deste nível.
Quando atingem o quarto nível, o Formal-Dedutivo, os estudantes já estão aptos
para compreender e elaborar provas geométricas formais. Sobrepõem o raciocínio
lógico e dedutivo à intuição (Walle, 2009, citado por Costa & Silva, 2014). Eles
conseguem perceber as diferenças entre os termos indefinidos, os axiomas, as definições
e os teoremas (Battista, 2009; Burger & Shaughnessy, 1986).
No último nível, o do Rigor, os aprendizes conseguem entender e analisar
sistemas axiomáticos alternativos. Segundo Walle (2009, p. 443, citado por Costa &
Silva, 2014, p. 5), desta vez“os objetos de atenção são os próprios sistemas
axiomáticos, não apenas as deduções dentro de um sistema”. Neste nível estão
presentes os matemáticos profissionais e alguns poucos estudantes universitários.
Segundo Clements (2003), ao longo dos dois primeiros níveis de pensamento
geométrico apontados pelo casal Van Hiele, os estudantes concluem que dois triângulos
são congruentes quando possuem o mesmo bordo. No terceiro nível, eles costumam
associar a congruência de triângulos à ideia de sobreposição. E, por fim, nos últimos
dois níveis os discentes deduzem a congruência entre dois triângulos a partir da
congruência entre os pares de ângulos e lados correspondentes.
Não é raro encontrar estudantes recém-chegados à universidade cujo nível de
raciocínio geométrico não se enquadra em quaisquer dos dois últimos de Van Hiele.
Battista (2009) assinala que, numa pesquisa realizada nos Estados Unidos, verificou-se
que apenas 30 por cento dos estudantes que finalizam a High School alcançam um nível
satisfatório de escrita de provas em geometria.

3.1.5 Cruzamento entre as teorias de aprendizagem

Até aqui foram expostos alguns modelos que visam descrever as etapas inerentes
ao processo de aprendizagem de Geometria. Cada etapa de um modelo admite um
estágio correspondente em outro. Dessa forma, instituem-se pontes que permitem o

46
trânsito entre as classificações. Como já mencionado neste texto, por exemplo, os dois
primeiros estágios da percepção apontada por Barth (1987) correspondem à fase de
visualização na classificação de Duval (1998). Conforme se pode perceber na Figura
3.1, durante essa fase o nível de pensamento geométrico dos estudantes é do tipo visual-
holístico à luz da classificação de Van Hiele (Battista, 2009). Nesse estágio, partindo da
categorização de Martin et al. (2009), o raciocínio do estudante pertence ao nível
empírico.

Figura 3.1. Processos de aprendizagem em geometria

As duas primeiras colunas da Figura 3.1 dialogam com as fases de


aprendizagem em geometria. As duas últimas dizem respeito ao tipo de raciocínio
empregado em cada uma dessas fases. Em qualquer caso, trata-se de arranjos didáticos
que visam categorizar o processo de aprendizagem à luz das competências cognitivas
dos discentes. Por essa razão, e para primar pela simplicidade deste texto, tais
categorizações serão referenciadas aqui como processos de aprendizagem em
geometria.

47
3.2 As definições em Geometria

As definições em Matemática devem conter as características mínimas do


conceito definido a partir das quais é possível deduzir as suas propriedades. De acordo
com Rêgo, Rêgo e Vieira (2012), o conceito é sempre mais amplo que a sua definição.
Com efeito, a título de exemplo, um simples olhar sobre a definição de triângulo
retângulo corrobora essa afirmação. De fato, ela garante apenas que um triângulo será
dito triângulo retângulo quando, e somente quando, possuir um ângulo reto (Quintella,
1960). Não faz referência às relações entre as medidas de seus lados e tampouco
apresenta tais triângulos como os únicos inscritos em uma semicircunferência (Barbosa,
2006). Da mesma forma, a definição do paralelogramo não deixa explícita uma série de
características desse tipo de quadrilátero: A congruência entre os lados opostos, a
congruência entre os ângulos opostos, o fato de as diagonais se interceptarem no ponto
médio de ambas, etc. A definição diz apenas que um quadrilátero é um paralelogramo
se, e somente se, possui lados opostos paralelos (Barbosa, 2006). As propriedades
provêm da definição.
Além de serem concisas, as definições matemáticas geralmente são apresentadas
através de termos técnicos muitas vezes inerentes à própria linguagem da Matemática.
Segundo Edwards & Ward (2008), elas diferem das definições que costumam aparecer
na linguagem do dia a dia. Para elucidar tais considerações, os autores apresentam a
definição de limite que costuma aparecer em dicionários e a definição matemática desse
conceito quando atrelada a alguma função ou sequência numérica. Embora se
assemelhem quanto ao significado, pois ambas assentam-se na ideia de aproximação,
diferenciam-se substancialmente quanto à apresentação. Ainda assim, ou seja, a
despeito das especificidades das definições matemáticas, os autores afirmam que elas
“são de fundamental importância na estrutura axiomática que caracteriza a
matemática”(idem, p. 223). Com efeito, os sistemas axiomáticos nascem de axiomas
e definições a partir dos quais surgem os primeiros teoremas. Sem compreender as
definições não se compreende a moldura axiomática desenvolvida.

48
3.2.1 Definições lexicais e definições estipuladas

As definições comumente utilizadas no dia a dia, geralmente baseadas em


exemplos e decorrentes de um conjunto de evidências, são designadas por Edwards &
Ward (2008) como definições extraídas ou lexicais. Têm sempre valor lógico verdade.
As definições criteriosamente apresentadas por especialistas, geralmente utilizadas em
estudos científicos e que se prestam ao desenvolvimento de conceitos ou surgimento de
novos conceitos são denominadas pelos autores como definições estipuladas. Nesse
grupo se inserem as definições matemáticas. Estas últimas, destacam os autores, não
dependem do contexto e, portanto, podem ser declaradas pelo autor. Por exemplo, retas
paralelas são, por definição, retas coplanares que não se interceptam, seja na geometria
euclidiana ou fora dela (Barbosa, 2006; Barbosa, 2008).
De acordo com Edwards e Ward (2008), muitos estudantes universitários
costumam “memorizar” as definições matemáticas. Entretanto, saber enunciar de cor
determinada definição não corresponde a um passaporte para uma aprendizagem
profícua. É uma condição necessária, mas não suficiente, pontuam os autores. Segundo
Villiers, Govender e Patterson (2009), a prática da memorização de definições
matemáticas, mesmo sem necessariamente compreendê-las, decorre das especificidades
desse tipo de definições. Como já pontuado neste texto, trata-se de definições que, de
modo geral, não fazem parte do cotidiano dos discentes. A título de exemplo, os últimos
autores relatam que alguns estudantes são capazes de reproduzir fidedignamente a
definição de um paralelogramo, mas nem sempre conseguem perceber que os
retângulos, os quadrados e os losangos são exemplos desse tipo de quadrilátero. Isso
ocorre muitas vezes devido à figura que comumente lhes é apresentada ao lado da
definição. Uma dessas representações aparece na Figura 3.2.

Figura 3.2. Representação mais usual de paralelogramo

49
Conforme assinalado pelos últimos autores, a despeito de até conseguirem
reproduzir a definição de paralelogramo, o que fica fortemente registrado na mente dos
discentes é a representação icônica que lhes é apresentada (Villiers, Govender &
Patterson, 2009). Geralmente as representações apresentadas aos estudantes contêm
paralelogramos em que pelo menos um par de lados opostos estão dispostos na posição
horizontal como na Figura 3.2. A partir daí, quando estão diante de paralelogramos
cujos lados não atendem a essa condição muitos estudantes não conseguem enxergá-los
como tais.

3.2.2 Definições matemáticas: Uma construção humana

Com o intuito de evitar as memorizações desprovidas de aprendizagem e


privilegiando a participação ativa dos alunos, Villiers (1998) defende a utilização de
uma metodologia de ensino que privilegie a construção de definições pelos próprios
estudantes. Nesta perspectiva, o sistema dedutivo não deve ser apresentado de forma
completa, sem dar aos estudantes a oportunidade de participar da sua construção. A
despeito do seu valor, a proposta apresentada neste parágrafo não foi contemplada nesta
pesquisa durante o contato entre o pesquisador e os sujeitos-participantes.
Os professores, em suas aulas, precisam alertar os alunos para o fato de um
mesmo objeto poder ser definido de formas diferentes. A definição adotada depende da
escolha feita pelo autor do livro utilizado ou pelo próprio docente em sala de aula. Por
exemplo, alguns autores podem optar por definir a mediatriz de um segmento como “a
reta perpendicular ao segmento passando pelo seu ponto médio” (Barbosa, 2006, p.
135). Outros podem dizer que se trata do “lugar geométrico dos pontos [do plano]
eqüidistantes das extremidades do segmento” (Pessôa, Santos & Silva, 2000). Qualquer
que seja o caso, os alunos precisam compreender que as definições “não são
descobertas, mas invenções humanas” (Villiers, Govender & Patterson, 2009, p. 191).
As duas definições indicadas para a mediatriz de um segmento remetem ao
mesmo objeto matemático. Entretanto, há casos em que definições diferentes incluem
ou excluem objetos diferentes. É o caso das definições de trapézio coletadas por Rêgo,
Rêgo e Vieira (2012) em quatro livros didáticos publicados no Brasil8: “Trapézio é um

8
As definições aparecem em livros didáticos publicados no Brasil em 1982, 2000, 2004 e 2001,
respectivamente.

50
quadrilátero que tem ao menos um par de lados paralelos”, “um trapézio é um
quadrilátero em que dois lados são paralelos”, “os trapézios são quadriláteros que têm
apenas dois lados opostos paralelos”, “quadrilátero que tem um par de lados paralelos”
(p. 29). Somente a terceira definição não insere os paralelogramos no conjunto dos
trapézios. Nas demais, todo paralelogramo é um trapézio. A recíproca, porém, não é
satisfeita.
Ao confrontar definições dadas por diferentes autores é importante verificar se
as mesmas referem-se ao mesmo objeto geométrico. Em alguns casos, como visto no
parágrafo anterior, pode haver inclusão ou exclusão de determinados entes matemáticos.
Um dos conceitos indispensáveis ao estudo dos polígonos, a saber, os ângulos, também
pode ser acometido pela existência de definições distintas que convergem para
conjuntos distintos de pontos. Uma das definições remete-se a esse conceito como a
figura geométrica formada por duas semirretas de mesma origem (Barbosa, 2006;
Dante, 2007a). Contudo, autores como Giovanni, Castrucci e Giovani (2007) referem-se
aos ângulos regiões convexas do plano determinadas por duas semirretas de mesma
origem. A primeira definição lança o olhar sobre os pontos das semirretas. A segunda
atenta-se à região convexa compreendida entre as semirretas. No primeiro caso, a noção
de convexidade é dispensada, exceto quando se desejar fazer referência à medida do
ângulo.

3.2.3 Elementos necessários a uma definição matemática

Segundo Dormolen e Zaslavsky (2003), as definições devem contemplar os


critérios de hierarquia, existência, equivalência e ajustamento. De acordo com o
primeiro critério, de hierarquia, um conceito constitui um caso particular de um
conceito mais geral (por exemplo, o quadrado é um quadrilátero). O segundo deve
garantir a existência de pelo menos um exemplo do conceito que está sendo definido; O
terceiro critério assegura que duas ou mais definições de um mesmo conceito devem ser
equivalentes. É o caso das definições dadas à mediatriz de um segmento em um dos
parágrafos anteriores. Já o critério de ajustamento deve garantir que as definições façam
parte (encaixam-se) de (em) um sistema dedutivo. De acordo com os autores, as
definições matemáticas devem, obrigatoriamente, atender a esses quatro critérios. Há
também critérios desejáveis (não necessariamente obrigatórios) tais como: Minimização
– apresentar o menor número de propriedades/características necessárias para a
51
construção do conceito; elegância – menor número de palavras ou símbolos;
degeneração – permitir casos degenerados.

3.2.4 Definições hierárquicas e definições particionais

Segundo Villiers, Govender e Patterson (2009), as definições matemáticas


podem ser classificadas em dois tipos: Definição hierárquica ou definição particional.
A definição hierárquica envolve “a inclusão de mais conceitos particulares
como subconjuntos do conceito mais geral” (p. 191). Por exemplo, definindo-se um
retângulo como um quadrilátero que possui quatro ângulos retos (Barbosa, 2006) faz-
se uso de uma definição hierárquica a partir da qual é possível concluir que todo
quadrado é um retângulo.
Nas definições particionais os conceitos apresentados são disjuntos de quaisquer
outros. Nesse caso, os quadrados não podem ser considerados retângulos tendo em vista
que esses últimos passam a ser definidos como quadriláteros que possuem quatro
ângulos retos e cujos lados não são todos congruentes (Euclides em Os Elementos). De
acordo com Villiers (1998), “as definições particionais são longas desde que têm que
incluir propriedades adicionais para garantir a exclusão de casos especiais” (p. 6).
Naturalmente as definições hierárquicas são mais concisas que as particionais e,
portanto, mais utilizadas pela comunidade matemática. Conforme assinalam Villiers
(1994), as definições hierárquicas simplificam o sistema dedutivo e a obtenção de mais
propriedades. Entretanto, numa perspectiva histórica, nem sempre as definições
hierárquicas foram as mais adotadas. O matemático Euclides em Os Elementos não
considerava os triângulos eqüiláteros como casos particulares de triângulos isósceles.
Além disso, ele dividiu os quadriláteros em cinco categorias disjuntas: (i) quadrado
(lados congruentes e ângulos retos); (ii) retangular (não eqüilátero, porém ângulos
retos); losango (lados congruentes, mas ângulos não retos); (iv) rombóide (lados e
ângulos opostos congruentes, contudo os quatro lados e os quatro ângulos não
congruentes); (v) trapezóide (os demais quadriláteros). Atualmente ainda é possível
encontrar definições para triângulos isósceles e triângulos equiláteros dadas numa
perspectiva particional como se pode ver na obra de Giovanni, Castrucci e Giovani
(2007) em que os primeiros são definidos como triângulos que possuem dois, e somente
dois, lados de mesma medida.

52
3.2.5 Definições descritivas e definições construtivas

Quanto ao seu posicionamento durante a apresentação do conceito, as definições


podem ser denominadas descritivas ou construtivas (Villiers, 1998). As primeiras são
apresentadas a posteriori quando o conceito e suas propriedades já são conhecidos.
Reúnem o menor número possível de propriedades do conceito a partir das quais todas
as demais podem ser deduzidas. Ou seja, atendem ao critério de minimização assinalado
por Dormolen e Zaslavsky (2003). Já as definições construtivas são dadas a priori e
partem da alteração da definição de algum conceito conhecido (ampliando-o,
restringindo-o ou modificando-o em alguns aspectos). Têm como finalidade a
construção de um novo conhecimento ao passo que as definições descritivas visam
sistematizar o conhecimento já existente (Villiers, 1998). Por exemplo, a definição de
superfícies no espaço tridimensional, embora não seja trivial, revela-se como descritiva.
Ela faz uso de aplicações diferenciáveis, invertíveis, com inversa contínua e diferencial
injetiva (Carmo, 2005a). Antes de acessarem-na os estudantes, de modo geral, já
tiveram contato com alguns exemplos de superfícies como o paraboloide de revolução,
por exemplo, dentre outras. Uma ampliação deste conceito é obtida por meio das
chamadas Variedades Riemannianas (Carmo, 2005b). Desta vez, os estudos não
continuam restritos ao espaço tridimensional, antes se alargam para espaços n-
dimensionais, com n inteiro positivo. Ganha-se em abstração e perde-se em apelo
geométrico. Nesse caso, lança-se mão de definições construtivas. A Tabela 3.1 relaciona
os tipos de definições apresentados pelos autores mencionados ao longo desta secção.

Tabela 3.1

Tipos de definições

Tipos de definições segundo


Edwards e Ward Villiers, Govender e Patterson Villiers
(2008) (2009) (1998)

Lexicais

Hierárquicas Descritivas
Construtivas
Estipuladas
Descritivas
Particionais Construtivas

53
De acordo com a Tabela 3.1, as definições hierárquicas e particionais (Villiers,
Govender & Patterson, 2009) e as definições descritivas e construtivas (Villiers, 1998)
configuram exemplos de definições estipuladas (Edwards & Ward, 2008) tendo em
vista que estas últimas abarcam as definições matemáticas. Como as definições
hierárquicas ou particionais podem ser dadas tanto a priori como a posterior cada uma
delas pode ser do tipo descritiva ou construtiva conforme mostra a tabela.
De acordo com Villiers (1998), para que os estudantes consigam compreender as
definições formais, descritivas ou construtivas, é necessário que se encontrem, pelo
menos, no nível 3 da classificação de Van Hiele onde já é possível estabelecer relações
entre as propriedades dos objetos.

3.3 Argumentação e prova em Geometria

A argumentação pode ser vista como a “arte” do convencimento no sentido de


tornar aceite, por uma pessoa ou um grupo, uma assertiva que a princípio era
considerada questionável. Para isso é necessário fazer uso de justificativas plausíveis,
relacionadas com o objeto da argumentação, as quais recebem o nome de argumentos.
Segundo Otten, Males e Gilbertson (2014b), os argumentos constituem “uma série de
razões destinadas a apoiar a veracidade ou falsidade de uma reivindicação” (p. 110).
Essa concepção de argumentação aproxima-se das idéias do filósofo Chaïm Perelman.
Nesta perspectiva, os argumentos nem sempre serão universais ou atemporais: Os
argumentos usados para convencer determinado grupo podem não apresentar efeito
algum sobre outra comunidade (Perelman, 1993). De acordo com Perelman e Olbrecht-
Tyteca (1969, citados por Krummheuer, 1995) a argumentação está mais ligada à arte
do convencimento do que às conclusões lógicas. Nesta perspectiva, a argumentação não
implica, necessariamente, a utilização de elementos da lógica formal como ocorre nas
provas matemáticas. Gil (2012) destaca que, na concepção de Perelman, “o objetivo
argumentativo não é a abordagem de uma verdade pré-determinada, mas a de uma
abordagem que pretende influenciar um auditório” (p. 150).
Dependendo do contexto, o uso de cálculos, histórias de vida, exemplos ou
contraexemplos e até mesmo representações icônicas podem ser considerados
argumentos em prol (ou contra) determinada afirmação. Escolher quais argumentos
utilizar e a ordem em que irá apresentá-los constituem procedimentos que fazem parte
54
do processo de elaboração da argumentação. Eles – os argumentos – devem estar
conectados de forma inteligível e lógica (Douek, 1999) de tal forma que a apresentação
sucessiva desses elementos torne cada vez mais irrefutável a assertiva discutida. Apesar
de haver, entre matemáticos, quem considere apenas como argumentações válidas
aquelas apresentadas sob a forma de provas ou demonstrações matemáticas como
referem Reid & Knipping (2010), o conceito de argumentação não se restringe à prova
lógico-dedutiva de teoremas: A solução de um problema por meio da resolução de uma
equação algébrica que o representa também configura uma argumentação matemática
(Benegas, 1998).
Tendo em conta esta ambiguidade, autores como Duval (1999) e Balacheff
(1999) defendem a existência de uma ruptura entre argumentação e demonstração. A
primeira se faz valer da linguagem corrente, ainda que formal. Varia de acordo com o
contexto. Seu objetivo assenta-se no convencimento. A segunda, porém, tem uma
estrutura específica. Faz uso de uma cadeia axiomática com linguagem “técnica-
matemática”. É aceitável em qualquer época e lugar. Seu compromisso transcende o
assentimento: Busca estabelecer a verdade. Krummheuer (1995) e Pedemonte (2002),
por outro lado, compreendem as demonstrações como casos particulares de
argumentações. Em sua concepção, estas últimas não precisam se revestir sempre de
uma estrutura axiomática que as fundamente: O raciocínio não precisa ser dedutivo;
deve ser lógico. Segundo Krummheuer (1995), a argumentação é um fenômeno social e,
portanto, implica na presença de mais de um sujeito, em que pelo menos um dos
envolvidos tenta convencer os demais acerca de determinada assertiva. A prova
matemática, entretanto, não precisa de um interlocutor para ser concretizada.
Conforme exposto acima, enquanto Krummheuer (1995) e Pedemonte (2007)
acreditam que a argumentação favorece a aprendizagem da prova matemática,
Ballacheff (1999) defende uma opinião contrária. Para o último autor, “a argumentação
é um processo social aberto, e a demonstração obedece a regras predefinidas” (Martins,
2012, p. 26). Selden e Selden (2013) afirmam que, em alguns casos, argumentos
informais podem ser convertidos à produção de uma prova formal aceitável
matematicamente. Advertem, entretanto, que não se trata de uma tarefa fácil de realizar.
De acordo com Jones e Rodd (2001), uma “prova matemática é mais especificamente
estruturada que uma explanação geral” (p. 98). Eis, na concepção balacheffiana, o
obstáculo epistemológico à aprendizagem da prova matemática.

55
Segundo Duval (1990), em consonância com Perelman (1993), a argumentação
destina-se ao assentimento o qual pode ser obtido sem recorrer às deduções lógicas. As
demonstrações, porém, estão estritamente ligadas a essas últimas. As argumentações
utilizadas nas demonstrações matemáticas são denominadas pelo primeiro autor como
argumentações heurísticas. Nesse caso, a escolha e a ordenação dos argumentos não
dependem da platéia a que se destina. Provêm do próprio problema. Caso contrário, o
tipo de argumentação utilizado é designado pelo nome de argumentação retórica
(Duval, 1999).
Conforme pontua Garbi (2010), uma prova em matemática consiste em um
“processo pelo qual, partindo exclusivamente de definições, conceitos primitivos e
postulados, evidencia-se a veracidade da afirmação por meio de uma sequência de
conclusões (inferências) lógicas” (p. 33). De acordo com Krummheuer (1995), quando
as conclusões são obtidas das premissas por meio da lógica dedutivo-formal, como
ocorre nas provas matemáticas, a argumentação é dita analítica. Em casos em que o
encadeamento lógico-formal não possibilita resolver o problema, como na formação
escolar de crianças, a argumentação é dita substancial. De fato, as “crianças geralmente
não agem em um sistema matemático axiomático: O conhecimento matemático de
crianças em escolas de nível primário está distante do nível teórico e as suas afirmações
matemáticas trazem o significado de ações experimentadas através de objetos
matemáticos reais” (Krummheuer, 1995, p. 237).
Não obstante o reconhecimento de que “os significados dos termos
demonstração e prova estão ligados a uma idéia comum, à descrição de argumentos com
vistas a justificar ou validar uma proposição” (Martins, 2012, p. 24), Balacheff (2008)
sublinha a existência de distinções entre eles. As provas são argumentações que atestam
a veracidade de uma sentença a partir de uma sequência lógica de regras e normas
validadas em determinada comunidade. Dependem do conteúdo e do contexto: “a
comprovação de uma verdade não pode ser realizada da mesma forma no dia a dia, no
direito, na política, na filosofia, na medicina, na física ou na matemática” (Ballachef,
2008, idem, p. 25). As provas em Matemática, porém, segundo Reid e Knipping (2010)
não devem limitar-se ao crivo de determinado grupo, aos seus valores culturais ou ao
período histórico em que foram construídas: Devem ser universais e atemporais. A estas
últimas Balacheff atribui o nome de demonstrações matemáticas (provas irrefutáveis
em qualquer contexto e que se prestam à explicitação da veracidade de conteúdos
matemáticos). Nesta concepção, as demonstrações matemáticas são provas que
56
satisfazem a algumas condições: “alguns enunciados são considerados verdadeiros
(axiomas), outros são deduzidos destes ou de outros anteriormente demonstrados a
partir de regras de dedução tomadas em um conjunto de regras lógicas” (Almouloud,
Silva & Fusco, 2012, p. 24).
De acordo com Garnica (1996), muitos matemáticos ou professores de
matemática utilizam os termos prova e demonstração como sinônimos. Para estes
atores, a palavra prova já significa prova rigorosa, isto é, sustentada num aporte
axiomático-formal-dedutivo.
Harel e Sowder (1998) assinalam que as provas matemáticas podem diferir de
um período histórico para outro podendo variar, inclusive, entre contemporâneos, de
acordo com as suas raízes históricas e a partir de sua formação cultural. Segundo Recio
e Godino (2001), “é interessante considerar não apenas um, mas vários conceitos de
prova, dependendo do ponto de vista subjetivo e epistemológico, quando estamos
interessados nos problemas psicológicos e didáticos envolvidos nos processos de
validação de proposições matemáticas.” (p. 95). Por exemplo, de acordo com Hanna e
Barbeau (2002), os povos que desenvolveram estudos em matemática antes dos gregos,
como os egípcios, validavam os resultados a partir da observação. Já os babilônios
antigos estavam mais preocupados com a resolução dos problemas que os acometiam.
Para eles, a resolução era uma prova em si mesma. Os gregos, por outro lado, primavam
pelo rigor e formalismo nas demonstrações. A partir deles, as assertivas matemáticas
passaram a ser consideradas válidas somente após serem demonstradas à luz da
estrutura axiomática da qual fazem parte. Os argumentos diferentes dos formais-
lógicos-dedutivos passaram a servir somente para reforçar as conjecturas. Para a
comunidade matemática européia dos séculos XVI, XVII e XVIII, as provas
matemáticas não eram dotadas pelo formalismo completo e detalhado defendido pelos
gregos. Os dois séculos seguintes assistiram a uma concepção de prova mais semelhante
ao modelo instituído na Grécia Antiga. Nos moldes dessa última concepção de prova,
pontuam Selden e Selden (2013), a elaboração de uma prova matemática exige o uso da
lógica (em alguns casos, a utilização dos quantificadores); a utilização das definições
formais; o conhecimento de exemplos, contra-exemplos e não exemplos; a compreensão
acerca dos conceitos e os teoremas envolvidos; a utilização de representações
apropriadas. De acordo com Recio e Godino (2001), “é interessante considerar não
apenas um, mas vários conceitos de prova, dependendo do ponto de vista subjetivo e

57
epistemológico, quando estamos interessados nos problemas psicológicos e didáticos
envolvidos nos processos de validação de proposições matemáticas.” (p. 95).
Entre os métodos empregados na construção de uma prova matemática
destacam-se o método direto e o método da redução ao absurdo. No primeiro,
“partindo-se das premissas e dos axiomas, evidencia-se a veracidade da proposição por
meio de uma sequência direta de inferências” (Garbi, 2010, p. 36). No segundo método,
também conhecido como prova por contradição, supõe-se que a tese é inválida. Em
seguida, “pelo método direto infere-se alguma proposição impossível ou absurda.
Assim, a falsidade da proposição original, admitida apenas para fins de argumentação,
não é sustentável. Se a proposição não pode ser falsa, considera-se provado que ela é
verdadeira.” (idem, p. 37). As proposições por redução ao absurdo são muito utilizadas
em Geometria durante a prova da unicidade de determinados objetos geométricos.
Antes, porém, pelo método direto, costuma-se provar a existência de tais objetos.

3.4 O papel das provas matemáticas

Se a escrita de uma prova em Geometria já representou um fim em si mesma,


hoje é preciso enxergá-la também a partir das competências que potencializa no
decorrer de sua construção. Segundo Stylianides (2009) o processo de construção de
uma prova implica no desenvolvimento dos seguintes elementos: Observações
empíricas, criação de conjecturas, justificações, refinamento das idéias e considerações,
explanações. De acordo com Hanna (2000), uma prova não é simplesmente uma
“derivação sintática” de uma sequência de axiomas e de resultados já provados. É um
caminho que leva ao conhecimento e à compreensão matemática. Segundo essa autora,
as competências convocadas durante o processo de elaboração de uma prova são
extremamente importantes para a formação intelectual dos estudantes: A sistematização
do pensamento; a explicação da validade de determinado resultado; a verificação
daquilo que se mostrou ou do que se pretende mostrar. Villiers (2010) reforça tais
valores da prova que, segundo ele, “não tem somente a função de verificação, mas
também as importantes funções de explanação, descoberta, comunicação,
sistematização e desafio intelectual” (p. 219).
Yackel e Hanna (2003) caracterizam uma “boa prova” como “aquela que
também nos ajuda a entender o significado daquilo que foi provado: Perceber não
apenas que o resultado é verdadeiro, mas porque o é” (p. 228). Trata-se da
58
demonstração como explicação. Por outro lado, quando, ao debruçar-se sobre
determinado problema, chega-se a novos resultados demonstrando-os está-se diante de
uma demonstração por descoberta. Por exemplo, o surgimento da geometria
hiperbólica, destaca Dias (2009), se deu através de um processo de descoberta quando
se tentava “teoremizar” o axioma das Paralelas. French (2004) pontua que o
“processo de encontrar uma prova [matemática] pode levar à descoberta de novos
resultados, certamente em um nível mais alto, o que tem sido a principal motivação para
o desenvolvimento de novas ideias matemáticas”(p. 8). A função de comunicação da
demonstração é legitimada quando a mesma é exposta à comunidade acadêmica que a
apreciará podendo validá-la ou não. Durante a sua apresentação e a sua elaboração, o
matemático, professor ou estudante é impelido a organizar o pensamento de modo a
apresentar os argumentos de forma lógica e coerente. Neste momento sobressai o
potencial sistematizador promovido pela demonstração matemática. Todo esse processo
de obtenção da demonstração se revela, muitas vezes, como uma meta a ser cumprida
por algum desses atores. Provoca-lhes uma satisfação pessoal. Neste caso, sobressai o
desafio intelectual impelido pelas demonstrações matemáticas, pontua Dias (2009).
Ampliando a apresentação das potencialidades evocadas pelas provas matemáticas,
Almouloud, Silva e Fusco (2012) apontam que “uma demonstração tem valor não só
porque comprova um resultado, mas também porque pode apresentar novos métodos,
ferramentas, estratégias e conceitos que têm uma aplicabilidade mais ampla em
matemática e aponta novas direções matemáticas” (p. 26).
Knuth (2002) advoga pela construção das provas matemáticas em sala de aula as
quais, segundo ele, permitem ao aprendiz avaliar e validar o seu próprio raciocínio e de
seus colegas, além de divulgar conexões e idéias inerentes a estruturas matemáticas
básicas. Contudo, Bixirão, Breda & Godino (2011) pontuam que, pelo menos no âmbito
da educação básica, as provas matemáticas  quando são utilizadas  aparecem mais
com função de verificação do que exploração e explicação. Hanna (2000) destaca,
porém, que esta última função da prova é imprescindível na formação matemática dos
estudantes. De acordo com essa autora, mais do que “provar”, as provas matemáticas
devem “explicar”. As provas por indução, por exemplo, prestam-se ao papel de
“provar” o resultado ali exposto. Como exemplo de prova que “explica”, a autora
indicou o raciocínio utilizado por Gauss ao calcular a soma dos 100 primeiros números
inteiros positivos. Ao perceber que ao somar o primeiro ao último número o resultado

59
obtido é 101, o que se repete somando-se o segundo ao antepenúltimo, o terceiro ao
anteantepenúltimo e assim sucessivamente, Gauss chegou ao resultado procurado. Esse
raciocínio se estende naturalmente à prova, geralmente feita por indução, do fato de ser
a soma dos n primeiros números naturais é igual à metade do produto de n por n + 1.
Durante a validação de determinado resultado matemático é importante abordar
o maior número de provas possíveis. Desta forma, é possível ampliar as perspectivas de
análise, estabelecer conexões, analogias e, desta forma, destaca Villiers (2010), “o
entendimento fica mais rico” (p. 219). Battista (2009), Hansen (1998) e Jones (2002)
também defendem a utilização de diferentes abordagens, seja na construção de provas
matemáticas seja na resolução de problemas. De acordo com Usiskin (1987, citado por
Harel & Sowder, 1998) o insucesso no ensino das provas matemáticas ocorre porque os
docentes não se interessam por questões relacionadas aos tipos de provas possíveis para
determinada proposição e tampouco por questões que assinalam o “quando” e o
“porquê” de tais provas terem sido elaboradas e como elas foram construídas. A falta de
compreensão acerca de um teorema pode levar o estudante a aplicá-lo de forma
equivocada, assinala Weber (2001). Tão importante quanto saber demonstrar um
teorema é compreender o significado do seu enunciado e vislumbrar situações nas quais
o mesmo pode ser aplicado.
Diante do número de potencialidades inerente ao desenvolvimento e
apresentação de provas, Otte (2003, citado por Dias, 2009) afirma que as demonstrações
matemáticas são mais ricas pelo processo do que pelo produto. Não obstante a
importância das demonstrações matemáticas na formação dos estudantes, esse autor
crítica a forma como muitas delas vêm sendo apresentadas nos livros didáticos: De
forma pronta, acabada e irreflexiva. Não levam os alunos a refletirem sobre as
dificuldades e as motivações encontradas pelos matemáticos que se debruçaram sobre a
prova desses resultados. Nem sempre mencionam a importância da observação e das
inferências indutivas nesse processo. É como se as demonstrações matemáticas caíssem
do céu ao invés de serem fruto do esforço e do trabalho de muito homens.
Em 2000, o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) passou a
defender, de forma mais acentuada, a utilização de provas matemáticas em todas as
áreas da matemática escolar (Hanna, 2000). De acordo com o NCTM, os alunos,
durante a escolaridade básica, devem ser estimulados a fazer conjecturas, indicar contra
exemplos e apresentar justificativas lógicas na resolução de questões. Desta forma,
quando se tornarem estudantes universitários serão capazes de “construir provas formais
60
para sentenças matemáticas, incluindo provas indiretas e demonstrações por indução”
(Harel & Sowder, 1998, p. 235). No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) para o ensino de Matemática no curso ginasial (Brasil, 1998b) também fazem
referência às demonstrações matemáticas. Destacam os processos de indução e de
dedução em Matemática como indispensáveis na formação dos estudantes. Ambos os
processos podem potencializar nos discentes a “capacidade de resolver problemas, de
formular e testar hipóteses, de induzir, de generalizar e de inferir dentro de determinada
lógica” (Brasil, 1998b, p. 26). Os PCNs sugerem a incorporação de objetos
manipulativos que tornem as demonstrações mais inteligíveis para os alunos. Pais
(2000) também defende a construção de uma relação dialógica entre a experimentação e
a abstração.

3.5 Raciocínio e demonstrações matemáticas

O tipo de raciocínio empregado nas demonstrações matemáticas é designado por


Duval (1991) como raciocínio dedutivo. Entretanto, nem sempre as “provas”
apresentadas pelos discentes são construídas segundo uma perspectiva dedutiva. O nível
das justificações dos estudantes varia acordo com o desenvolvimento cognitivo destes
atores.
Apesar do raciocínio indutivo não conseguir dar conta das demonstrações
matemáticas, alguns estudantes optam por utilizá-lo em detrimento do raciocínio
dedutivo. O raciocínio indutivo (ou raciocínio argumentativo segundo Duval, 1991),
porém, serve mais à criação de conjecturas do que à construção de uma demonstração
matemática (Otten, Males & Gilbertson, 2014b).
Piaget (1987, citado por Clements, 2003) descreve alguns níveis de raciocínio
dos estudantes. Para ele os estudantes começam com um pensamento pouco reflexivo,
nem sempre sistematizado e, em alguns casos, ilógico. Nesse estágio, os discentes não
conseguem conectar as informações coletadas tendo em vista a construção de uma
prova. Em um nível posterior, eles começam a desenvolver o pensamento de uma forma
mais lógica, embora fundamentada em dados experimentais. Por fim, tornam-se capazes
de operacionalizar o raciocínio de forma dedutiva e consciente.
A seguir são apresentados os níveis de raciocínio em provas matemáticas a partir
das classificações propostas por Balacheff (1988), Harel e Sowder (1998), Recio e
Godino (2001).
61
3.5.1 Níveis de raciocínio matemático segundo Balacheff

Balacheff (1988) faz uma análise mais detalhada se comparada à de Piaget. Ele
considera a existência de quatro níveis de raciocínio no processo de formulação de
demonstrações matemáticas por parte dos discentes: Empirismo ingênuo, experiência
crucial, exemplo genérico e experiência mental.
O primeiro nível, o empirismo ingênuo, consiste na validação de determinado
resultado através de alguns exemplos. Além de ser um método insuficiente pode levar o
estudante a elaborar falsas conjecturas. Logo em seguida, aparece a experiência crucial
onde exemplos mais elaborados são empregados durante a validação do resultado.
Apesar de conter uma maior sofisticação com relação ao nível anterior, a sua abordagem
ainda é insuficiente para validar a assertiva analisada. Ambos os casos recorrem
exclusivamente ao uso do raciocínio indutivo. Segundo Reid e Knipping (2010), as
justificações de natureza indutiva podem ser facilmente contestáveis quando a amostra
não é suficientemente grande. Na verdade, mesmo com amostras “representativas” a
enumeração indutiva está passível de erro. É o caso de se considerar, por exemplo, que
todos os números naturais primos são ímpares.
O terceiro nível, na classificação de Balacheff, o exemplo genérico, “trata-se de
um processo de validação de uma propriedade, após a manipulação de alguns exemplos
de modo a deixá-los com uma característica que representa uma classe de objetos”
(Balacheff, 1988). É a porta de entrada para o raciocínio dedutivo. O último nível,
experiência mental, compreende o método dedutivo propriamente dito.
As provas construídas nos três primeiros níveis (empirismo ingênuo, experiência
crucial e exemplo genérico) são denominadas por Balacheff (1988) como provas
pragmáticas, aquelas desenvolvidas no nível da experiência mental são referidas por
este autor como provas conceituais.

3.5.2 Níveis de raciocínio matemático segundo Harel e Sowder

Harel e Sowder (1998) também buscaram categorizar os tipos de provas


comumente aceites ou elaboradas pelos estudantes. As categorias foram denominadas
pelos autores como “esquemas de prova”. Inicialmente eles destacam o esquema
intitulado convicção externa. Neste caso, os estudantes consideram válidas as provas
62
simplesmente por estarem presentes no livro didático ou de serem expostas pelo
professor ou ainda por fazerem uso de certas notações. Os alunos, nesse caso, recorrem
mais a memorização do que a compreensão. Outro esquema existente é o esquema
empírico. Está relacionado às experiências sensoriais e a análise de casos particulares
seguidos de generalização. Assemelha-se ao empirisme naif de Balacheff. Além da
utilização do raciocínio indutivo, o esquema empírico também por fazer uso de figuras
as quais, se não utilizadas de forma apropriada, pode conduzir os estudantes a
conclusões equivocadas. O último esquema é conhecido como dedutivo. É uma versão
análoga do expérience mentale balacheffiano.

3.5.3 Níveis de raciocínio matemático segundo Recio e Godino

Recio e Godino (2001) instituíram três esquemas de prova: Empírico-indutivo,


dedutivo-informal e formal-dedutivo. O primeiro baseia-se na validação de uma
proposição por meio de exemplos. Assemelha-se ao esquema empírico da classificação
de Harel e Sowder (1998). O segundo esquema destacado por Recio e Godino
compreende o uso, durante a construção da prova, de proposições ou teoremas de forma
parcialmente correta. Recorre-se à lógica informal. É comum o emprego de analogias ou
a utilização de gráficos. Situa-se entre os esquemas empíricos e dedutivos apontados por
Harel e Sowder. Este último, ou seja, o esquema dedutivo da classificação de Harel e
Sowder (1998), corresponde ao esquema formal-dedutivo de Recio e Godino (idem).
Nele é empregado o raciocínio dedutivo. Segundo estes últimos autores, à medida que
os problemas propostos aos alunos tornam-se mais complexos, o número de esquemas é
ampliado. Destacam ainda que é possível ocorrer, em uma mesma prova apresentada
por um estudante, a ocorrência de dois ou mais esquemas de prova. Da mesma forma,
autores como Pegg e Davey (1998, citados por Clements, 2003) acreditam na
possibilidade de haver mais de um nível de Van Hiele nas respostas apresentadas por
um mesmo estudante às atividades que lhe são propostas.
Os diferentes níveis de raciocínio apontados por Piaget (1987), Balacheff
(1988), Harel e Sowder (1998) e Recio e Godino (2001) aparecem correlacionados na
Tabela 3.2.

63
Tabela 3.2

Níveis de justificações em Matemática/Geometria

Piaget Balacheff Harel e Sowder Recio e Godino


(1987) (1988) (1998) (2001)

Pensamento Empirisme
pouco naif Esquema
reflexivo empírico-
Expérience indutivo
Pensamento cruciale Provas Esquema
lógico- pragmáticas empírico
experimental Exemple Esquema
générique dedutivo-
informal

Pensamento Expérience Provas Esquema Esquema


lógico- mentale intelectuais dedutivo formal-
dedutivo dedutivo
Convicção
externa

Na penúltima linha da Tabela 3.2 aparecem todos os esquemas de prova


desenvolvidos de forma dedutiva. Nas linhas que a precedem ocorrem os esquemas
indutivos ou semidedutivos. Na última linha, em virtude da sua particularidade, aparece
o esquema de convicção externa apontado por Harel e Sowder (1998). Por não se tratar
necessariamente de um esquema indutivo ou dedutivo, ele foi inserido de forma
relativamente deslocada dos demais.

3.6 Representações e linguagem em Geometria

O processo de compreensão de um conceito geométrico perpassa pela


elaboração de uma representação para o mesmo (Duval, 1993). Segundo o último autor,
o conceito é sempre mais amplo que as suas representações as quais podem ser
encontradas em, pelo menos, três formas distintas: Icônica, simbólica e linguagem
materna. Nesta categorização, as representações algébricas pertencem ao conjunto das
representações simbólicas. É necessário transitar entre as diferentes representações
tendo em vista uma compreensão mais ampla acerca do conceito. Tais formas de
representação compõem a linguagem matemática. Tal linguagem é dotada de
formalismo e rigor alheios às experiências diárias dos estudantes, destaca Florenço

64
(2014). Segundo este autor, não se trata de "uma língua comum, se comparada à que os
alunos utilizam fora do contexto escolar" (p. 30). Ademais, ao contrário da língua
corrente, a linguagem matemática não tem oralidade própria. Destina-se
prioritariamente à escrita (Constantino, 2000).
A Tabela 3.3 expõe as formas de representação icônica, simbólica e verbal no
que tange a um triângulo com vértices nos pontos A, B e C.

Tabela 3.3

Tipos de representações de um triângulo

Representação icônica Representação simbólica Representação verbal

B Conjunto formado por três


ABC
pontos não colineares A, B
e C e pelos três segmentos
A C de reta determinados por
eles.

A primeira representação que aparece na Tabela 3.3, da esquerda para a direita,


consiste na utilização de uma imagem/desenho para representar um triângulo com
vértices nos pontos A, B e C. Esse tipo de representação nem sempre se faz presente em
outras áreas da Matemática como a Álgebra, por exemplo. A segunda representação, a
simbólica, pode sofrer variações de um autor para outro em um sentido a ser explanado
ainda neste texto. O uso de símbolos para designar objetos nem sempre é frequente em
outras Ciências como o é na Matemática. A terceira representação disposta na Tabela
3.2 consiste na definição de triângulo. As representações verbais são comumente
encontradas em qualquer área do conhecimento.

3.6.1 Representações icônicas

As imagens ajudam os estudantes a compreenderem os conceitos. E,


reciprocamente, os conceitos os auxiliam na compreensão das imagens. Contudo, há
dificuldades inerentes ao uso de diagramas (esquemas/desenhos/representações
gráficas): “se um teorema é originalmente ilustrado por uma figura de um triângulo
acutângulo, os estudantes podem acreditar que ele não se aplica, ou podem não pensar
em aplicá-lo, em triângulos obtusângulos”, pontua Battista (2009, p. 94).

65
Clements (2003) alerta os educadores quanto aos possíveis problemas advindos
das representações imagéticas internas (representações mentais) elaboradas pelos
estudantes. De acordo com o autor, tais imagens concebidas pelos discentes podem
limitar a compreensão desses atores acerca do objeto em estudo. É o caso dos alunos
que só concebem os ângulos obtusos como àqueles cuja medida é superior a 90 o graus,
mas que possui sempre um dos lados disposto na posição horizontal. Em virtude desses
equívocos é importante que a abordagem dos conteúdos geométricos seja realizada por
meio da utilização de variadas representações imagética como sugere a Figura 3.3.

Figura 3.3. Representações icônicas de ângulos obtusos

A utilização de imagens/figuras/desenhos durante a resolução de um problema


ou na demonstração de um teorema é importante e pode ser feita. É preciso, porém,
satisfazer a todas as hipóteses. As informações fornecidas no próprio problema são mais
completas do que as figuras a elas associadas. Entretanto, em alguns casos, “os alunos
lêem o enunciado, constroem a figura e em seguida se concentram na figura sem voltar
ao enunciado” adverte Duval (1998). As hipóteses são mais importantes que as figuras.
Os estudantes precisam ser advertidos a esse respeito.

66
3.6.2 Representações simbólicas

A utilização de símbolos é um dos elementos que diferencia a linguagem


matemática da linguagem corrente. Ocasionalmente, o uso das ferramentas simbólicas,
tão necessário à Matemática, encarrega-se de dificultar a compreensão matemática dos
estudantes, assinala Florenço (2014), sobretudo nos textos em que aparece um número
excessivo de símbolos (Zuchi, 2004).
Apesar de considerar que o uso de sinais e símbolos em Matemática pode ser
arbitrário (desde que esteja suficientemente claro qual é o objeto ou operação
matemática a que se referem), Kinard e Kozulin (2008) reconhecem que muitas dessas
representações provêm de um consenso entre os membros da comunidade matemática.
Afinal, uma mesma mensagem, em termos matemáticos, precisa ser igualmente
compreendida em qualquer parte do mundo. Daí, a importância de, em determinados
casos, unificar a notação a ser utilizada.
Esses mesmos autores preferem o termo ferramentas simbólicas à expressão
notação. Justificam essa escolha assinalando que a última expressão fornece uma idéia
de passividade quanto a forma de representar determinado objeto ou operação. Quando
as ferramentas simbólicas são completamente apropriadas e internalizadas pelos
estudantes como “ferramentas matemáticas específicas”, estes atores adquirem e
internalizam as relações entre os seus componentes (isto é, entre a forma de se
representar determinado objeto e o próprio objeto). Nessa direção, Kinard e Kozulin
(idem) sugerem, dentro de uma mesma sala de aula, a criação dos símbolos pelos
próprios aprendizes para que eles vivenciem “uma experiência matemática genuína” (p.
109). Mesmo assim é importante que os estudantes sejam apresentados à(s)
ferramenta(s) simbólica(s) que comumente representam o objeto estudado e que
atribuam importância ao uso de símbolos numa comunidade alargada.

Ferramentas simbólicas qualitativas e quantitativas

Os símbolos e códigos empregados nos estudos de Geometria são denominados


por Kinard e Kozulin (2008) como ferramentas simbólicas qualitativas. Neste caso
estão incluídas as representações para o conceito de retas paralelas, retas
perpendiculares, segmentos de retas, dentre outros. As representações para o conceito de

67
equivalência (se, e somente se) também estão aí incluídas. As operações matemáticas e
as relações de quantidade são classificadas como ferramentas simbólicas quantitativas.

Pictogramas, ideogramas e símbolos da álgebra elementar

Cajori (1993) divide as ferramentas simbólicas usadas em Geometria em três


categorias: Os pictogramas, ideogramas e símbolos da álgebra elementar. Os
pictogramas são ferramentas simbólicas que se assemelham às representações icônicas
de determinado conceito. Por exemplo, , e  são pictogramas do triângulo, do
retângulo e do círculo, respectivamente. Os ideogramas são símbolos utilizados para
representar um conceito, uma ideia ou um objeto matemático sem necessariamente
assemelhar-se à sua representação imagética. Por exemplo, o símbolo  é um ideograma
geralmente utilizado para designar a congruência entre objetos matemáticos. Os
símbolos da álgebra elementar são, muitas vezes, utilizados para designar alguma
operação matemática. O autor apresentar como exemplos os seguintes símbolos: - e + .

Variedade de ferramentas simbólicas

Não obstante a universalidade de algumas formas de representação em


Geometria como, por exemplo, o uso da ferramenta simbólica “” para designar o
perpendicularismo entre retas ou “” para representar o número irracional obtido pela
divisão entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência, ainda é possível
encontrar algumas variações de um autor para outro, no que diz respeito a outros
conceitos. Alguns preferem, por exemplo, recorrer à representação AB para referir-se
ao segmento de reta de extremidades nos pontos A e B. Para se reportar ao seu
comprimento utilizam AB (É o caso de Barbosa (2006)). Outros autores, como
Bonjorno, Azenha Bonjorno e Olivares (2006) adotam o sentido contrário. É possível
ainda encontrar uma mesma ferramenta simbólica com acúmulo de significados. Na
obra de Quintella (1960), por exemplo, a representação AB é utilizada tanto para
designar o segmento de reta com extremidades nos pontos A e B quanto o seu
comprimento. Alguns autores de livros didáticos adotam a representação AOB para
designar o ângulo de vértices no ponto O em que uma das semi retas que o constitui
passa pelo ponto A e a outra pelo ponto B. Outros autores preferem utilizar AÔB como

68
ferramenta simbólica. Variações também se podem encontrar nas representações das
medidas do ângulo. A utilização de letras do alfabeto para designar objetos
matemáticos parece ter surgido na Grécia Antiga, destaca Zuchi (2004), por meio do
matemático Hipócrates de Quios (460-380 a. C.).
A escolha de um livro didático implica no uso de grande parte das ferramentas
simbólicas ali presentes, exceto, quando em comum acordo com a turma, o professor
opta por modificar algumas delas. Qualquer que seja o caso, é importante que o docente
advirta os seus alunos quanto a presença de representações diferentes em obras de
outros autores.

3.6.3 Representações verbais

Durante a construção de textos ligados à Matemática os estudantes costumam


adotar a linguagem comum, verbal, em detrimento da linguagem simbólica (D’Amore,
2007). Nestes casos, destaca o autor, os objetos matemáticos costumam ser descritos
palavra por palavra. Há referências temporais (por exemplo, faz-se menção ao primeiro,
segundo ou terceiro triângulo construído) e adjetivam-se os objetos (o triângulo
pequeno, grande, à esquerda, à direita). A adjetivação é empregada na linguagem
natural em sentido amplo e, em certo sentido relativo. Na linguagem matemática essa
utilização peca em rigor. A relatividade do ser “grande” ou “pequeno” não se
alinha com o formalismo da linguagem matemática. Ademais, pontua Lorensatti (2009),
na linguagem matemática algumas“palavras tomam significados distintos daqueles
utilizados no cotidiano” (p. 91) e a título de exemplo, refere-se à expressão “reduzir a
um mesmo denominador” (idem) onde o verbo “reduzir”está sendo empregado com
sentido de “converter”, assinala a autora.
A despeito de a linguagem matemática fazer uso da linguagem materna, há
distinções entre elas: A primeira é natural e a segunda, construída (Florenço, 2014). A
linguagem matemática restringiu-se à materna em seu estágio inicial (fase retórica da
linguagem matemática) quando as “palavras eram utilizadas para representar as
incógnitas”(Florenço, 2014, p. 30). Utilizava-se a linguagem corrente. Não se
utilizavam ferramentas simbólicas. Estas últimas começaram a ser adotadas a partir dos
egípcios antigos, destaca o último autor. A introdução dos símbolos na linguagem
matemática foi precedida por um estágio intermediário (fase sincopada) quando a
69
linguagem começa a ser abreviada (Moura & Sousa, 2005). A partir daí a utilização das
ferramentas simbólicas passou ganhar forças (fase simbólica) permitindo “maior
complexidade ao raciocínio humano”(Florenço, 2014).
Apesar das limitações da utilização exclusiva da linguagem materna, não se
pode negar a sua relevância na formação dos estudantes no que tange à Geometria. Ao
longo da trajetória escolar, o estudante vai agregando novas expressões ao seu
vocabulário pessoal tornando a sua forma de comunicar gradativamente mais elaborada.
Os textos apresentados aos alunos ao longo do curso ginasial já caracterizam essa
mudança. Dante (2007a), por exemplo, em uma obra voltada para alunos do sexto ano,
apresenta a circunferência por meio de vários exemplos sem, contudo, defini-la em
momento algum. No livro dedicado aos alunos da série seguinte, o mesmo autor retoma
a esse conceito definindo-o: “Uma circunferência é formada por todos os pontos de um
plano cuja distância a um ponto dado (centro) é sempre a mesma” (Dante, 2007b, p.
218). Aos poucos o autor caminha da intuição à formalização.
Não obstante o avanço da linguagem empregada nos livros didáticos durante o
percurso escolar dos discentes, as atividades que lhes são propostas muitas vezes se
resumem a realização de cálculos. O problema reside na ausência de justificativas nas
resoluções apresentadas pelos estudantes. Os alunos não são estimulados a expressar as
suas idéias. Não explicitam os fundamentos que alicerçaram a resolução do problema.
Tendem a memorizar os procedimentos que devem ser adotados e passam a realizá-los
de forma automatizada. Por conseguinte, não lhes é dada uma oportunidade de avançar
em termos de linguagem embora já tenham adquirido, com a leitura dos textos
didáticos, um vocabulário mais variado. De acordo com Zuchi (2004), os estudantes
devem ser estimulados a comunicar-se verbalmente (de forma oral e escrita), sobretudo
no que tange à explicitação do raciocínio matemático que estão empregando. Contudo,
com essa habilidade em processo de atrofiamento  por não ser estimulada  o contato
com a Geometria Axiomática (a qual exige um uso constante da linguagem formal)
tende a ser escassa.
Os estudantes ao elaboraram algumas demonstrações matemáticas como a
congruência entre os ângulos opostos pelo vértice9 ou a soma das medidas dos ângulos
internos de um triângulo esbarram-se, desde o início, na apresentação dos objetos

9
Em Portugal é mais comum se referir a esses ângulos como ângulos verticalmente opostos.

70
matemáticos que ali aparecem. No primeiro caso, é necessário começar a demonstração
referindo-se a duas retas quaisquer, digamos r e s e, a partir delas, estudar as medidas
dos ângulos opostos pelo vértice. No segundo, deve-se iniciar com a apresentação de
um triângulo qualquer do qual se pretende estudar a soma das medidas dos ângulos
internos. Essa fase inicial, muitas vezes é omitida pelos estudantes os quais não se
preocupam com a apresentação dos “personagens da história”. Daí em diante, os
problemas se somam: Erros de ortografia, problemas de concordância nominal ou
verbal, ausência de coerência lógica na argumentação, uso da própria tese como se fosse
hipótese, falta de referência aos resultados já validados em sala de aula, dentre outros.
Não obstante aos registros encontrados nos livros didáticos, a linguagem
utilizada nos estudos em Geometria, e, sobretudo nas construções de demonstrações,
não deve ser engessada e formatada à moda dos autores clássicos. Há espaço para a
pessoalidade daquele que se dispõe a construí-la. Contudo, deve-se evitar o linguajar
coloquial, próprios das conversas entre amigos. Existe uma nomenclatura particular,
própria da Matemática, que não deve ser negligenciada. Por outro lado, a sua utilização
é livre desde que não fira o encadeamento lógico decorrente da estrutura axiomática
disponível. A criatividade, a imaginação, a experiência e o domínio da teoria estudada
são algumas peças necessárias para a construção do quebra-cabeça. A primeira peça
utilizada em sua construção pode, obviamente, variar de um jogador para outro.
Kinard e Kozulin (2008) definem a linguagem matemática como “o uso
integrado de símbolos, fórmulas, ferramentas mentais especificamente matemáticas, e
definições verbais e termos envolvendo proposições lógicas, precisão e regras
precisamente definidas na articulação de atividades matemáticas” (p. 117). Segundo
esses autores, essa linguagem serve tanto para a perpetuação do conhecimento
matemático quanto para a estruturação e entendimento das expressões matemáticas. Ela
é responsável por estabelecer a mediação entre o pensamento matemático e o
entendimento conceitual.
Até mesmo autores mais experientes cometem deslizes quanto à linguagem. Um
exemplo clássico pode ser encontrado em alguns enunciados para o Teorema de
Pitágoras: “Em todo triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos
quadrados dos catetos” (Garbi, 2010, p. 28). Sendo hipotenusa e cateto os nomes
atribuídos aos lados de um triângulo retângulo (não ao comprimento dos lados), é mais
coerente dizer: “Em todo triângulo o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à
soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos” (Barbosa, 2006, p. 114). Este
71
último autor também já cometeu certos abusos no uso da linguagem. Apesar de definir a
altura relativa a um lado de um triângulo como sendo o segmento perpendicular a este
lado baixado a partir do vértice oposto, Barbosa (2006) refere-se à área da região plana
limitada por um triângulo como “a metade do produto do comprimento de qualquer de
seus lados pela altura relativa a este lado” (p. 178). De acordo com a definição
apresentada, a altura relativa a um lado qualquer de um triângulo é um segmento de
reta, portanto, o autor deveria se referir à sua medida.
Ao estabelecer a conexão entre a linguagem verbal e a linguagem simbólica
alguns autores, como Stewart (2010), cometem certos deslizes. Ao se referir ao
“círculo x2 + y2 = 1”(p. 506) ou à “parábola y = x2”(p. 507) , o autor confundiu o
objeto matemático (no caso, os dois lugares geométricos) com as equações que os
representam. O correto seria dizer “o círculo de equação x2 + y2 = 1”e a “parábola
de equação y = x2”.

3.7 Dificuldades na aprendizagem de Geometria

Abordagens descontextualizadas, o tipo de linguagem adotada em alguns livros


didáticos, o não reconhecimento da utilidade dos assuntos, dentre outros fatores, são
elementos que dificultam a aprendizagem de Geometria. A dificuldade com
interpretações dos enunciados das questões é outro fator que potencializa o insucesso
dos alunos. Há também os equívocos identificados através das conexões que os
discentes estabelecem entre o componente curricular Desenho Geométrico e a
Geometria. Para alguns estudantes, a Geometria se limita às construções geométricas
realizadas por meio de instrumentos como régua e compasso. O problema aqui não está
na associação entre a Geometria e o Desenho Geométrico. Quando bem trabalhados,
ambos os componentes curriculares podem complementar-se mutuamente (Kushima,
Pirkel & Steenbock, 2010). O desserviço à aprendizagem de geometria reside na adoção
de passos sequenciais na construção de determinados objetos geométrico sem as devidas
justificativas à luz das propriedades geométricas desses objetos. De acordo com os
últimos autores, "o passo-a-passo de uma construção geométrica desligado da
fundamentação teórica não permite verificar o porquê da construção" (p. 102) e, desta
forma o aluno "fixa-se, apenas, no como fazer, valorizando a memorização dos

72
processos" (p. 102). Nesse caso, a aprendizagem de Desenho Geométrico ocorre
superficialmente e não dialoga com a aprendizagem de Geometria.
Outra dificuldade comumente enfrentada pelos discentes está relacionada ao
entrelaçamento entre álgebra e geometria. É o caso dos alunos que compreendem que a
soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 o, entretanto, não
conseguem resolver as equações que permitem determinar as medidas de cada ângulo.
Essas limitações são facilmente transferidas para o estudo da Geometria numa
perspectiva axiomática.
No que tange o tratamento axiomático, em Geometria, estabelecer distinções
entre as hipóteses e a tese em um teorema é uma das dificuldades apresentadas pelos
alunos (Almouloud, Silva & Fusco, 2012). Segundo Jones (2002), a utilização, nas
provas, de conceitos que acabaram de aprender configura outra dificuldade enfrentada
pelos alunos. De acordo Jones e Rodd (2001) e Selden e Selden (2013) os alunos têm
resistência em provar os resultados que lhes parecem óbvios e triviais. Além disso, os
estudantes tendem a considerar explanações, geralmente informais, como provas
matemáticas. Em algumas situações, confundem as propriedades de um conceito
matemático com a sua definição. Querem demonstrar uma proposição através de
exemplos (Bieda, 2010) ou à luz de evidências experimentais (French, 2004).
Em alguns casos, o problema está na exteriorização do pensamento. Alguns
discentes têm as idéias coerentes e sabem conectar as premissas tendo em vista a
obtenção da tese. Entretanto, demonstram limitações para transpor as suas idéias para o
papel. A linguagem cotidiana e natural do pensamento vai de encontro à formalidade
dos textos matemáticos. A utilização de expressões inadequadas nas justificativas
matemáticas, em alguns momentos inerentes à linguagem coloquial, é pontuada por
Dreyfus (1999) como um dos problemas enfrentados pelos alunos. O uso inadequado
que os alunos fazem da linguagem durante a construção de demonstrações matemáticas
também é apontado por Cury (1988, citado por Garnica, 1996).
A concepção que alguns estudantes têm acerca da matemática limitando-a a uma
série de cálculos intermináveis é outro obstáculo à aprendizagem de geometria. Nesse
sentido, Jones (2002) destaca que “aprender a construir provas requer que os estudantes
façam a difícil transição de uma visão computacional da matemática para uma visão que
concebe a matemática como um campo de estruturas intrinsecamente relacionados” (p.
132).

73
Segundo Hershkowitz et al. (2002), “o ensino de prova matemática parece ser
uma falha em quase todos os países” (p. 675) e, de acordo com Stone (1971), “não há
assunto mais difícil para aprender ou para ensinar do que a geometria axiomática” (p.
91). Mesmo datando da década de 70 do século passado, a declaração de Stone continua
válida no (pós)-alvorecer do século XXI: “Por décadas os estudantes têm apresentado
dificuldades em escrever provas [matemáticas]” (Otten et al., 2014, p. 53). Essas
dificuldades atravessam toda a formação escolar, seja na escolaridade básica seja no
ensino superior (Dreyfus, 1999). Um estudo desenvolvido por Hearly e Hoyles (1998),
na Inglaterra, assinala que as considerações de Hershkowitz et al. (idem) já se
mostravam presentes nesse país desde os anos finais do século passado. Os estudantes
ingleses apresentaram, nos estudos realizados, um melhor rendimento em álgebra do
que em geometria. Confundiam os argumentos empíricos e dedutivos e, geralmente,
preferiam os primeiros aos segundos. De fato, destaca Weber (2001), de modo geral,
não é raro encontrar estudantes que tentam demonstrar teoremas a partir da análise de
casos particulares, ou seja, recorrendo somente ao raciocínio indutivo. Segundo Dreyfus
(1999), “a tarefa de justificação [de suas respostas] é extremamente difícil mesmo para
os alunos razoavelmente proficientes que foram aceitos em uma universidade e que
apresentam alguma compreensão [sobre o assunto]” (p. 93).
A ausência da compreensão dos estudantes acerca da importância das provas
matemáticas é assinala por Jones (2002) como um dos fatores que provoca o insucesso
da sua aprendizagem. Estes estudantes, pontua o autor, “são incapazes de distinguir as
diferentes formas de raciocínio matemático como explicação, argumento, verificação e
comprovação” (p. 131). Nos primeiros anos do curso universitário, destaca Dreyfus
(1999), é comum encontrar estudantes cujas justificativas para as questões que lhe são
propostas não são substanciais. Acreditam que suas respostas são concisas quando na
verdade falta-lhe robustez teórica. Há ainda os casos de alunos cujas respostas são
redundantes. Esse tipo de resposta mistura tanto informações inerentes ao problema
quanto informações desnecessárias.
Nos Estados Unidos da América, o tratamento axiomático em Geometria,
quando ocorre na educação básica, resume-se a High School. Nas fases anteriores da
escolaridade os conteúdos são trabalhados de forma mais intuitiva. Embora essa
estruturação pedagógica aproxime-se dos modelos de pensamento geométrico apontados
pelos Van Hiele, a formação dos estudantes norte-americanos continua apresentando
fragilidades. Segundo Clements (2003), os “estudantes nos Estados Unidos não estão
74
preparados para aprender conteúdos geométricos sofisticados” (p. 151). De acordo com
Chazan (1993), mesmo diante de provas formais alguns estudantes da High School, nos
Estados Unidos, ainda procuram contraexemplos para refutar as proposições
demonstradas. Isso ocorre porque esses estudantes não foram capazes de compreender o
raciocínio lógico empregado na prova. Em outros casos, os estudantes são incapazes de
questionar os procedimentos adotados na demonstração de determinado resultado. Não
necessariamente porque os tenham compreendido. Mas porque se trata de provas
apresentadas no livro didático o que, para eles, é inquestionável (trata-se da convicção
externa apontada por Harel e Sowder (1998)). Esses discentes não foram conduzidos a
uma prática saudável de contestação e reflexão. Um estudo feito por Usiskin (1987,
citado por Harel & Sowder, 1998) em 99 escolas da educação básica dos Estados
Unidos revelou que, até os anos finais da década de 80 do século passado, a maioria dos
estudantes não conseguia desenvolver demonstrações simples envolvendo congruência
de triângulos.

3.8 Ensino de Geometria

O pensamento geométrico intuitivo representa um bom ponto de partida para a


formação inicial dos estudantes em Geometria (Stone, 1971). A abordagem axiomática
deve ser introduzida aos poucos. O último autor defende a introdução gradativa das
provas geométricas simples à medida que as dimensões intuitivas são estimuladas.
Propõe que os estudantes sejam orientados a formular proposições geométricas a partir
de realidades percebidas por eles em seu mundo físico. Segundo Jones (2002), as
“abordagens de ensino tendem a concentrar-se na verificação e desvalorizar ou omitir
exploração e explicação” (p. 132) o que torna o estudo das provas um processo mais
árduo. De acordo com este autor os “alunos devem ser encorajados a utilizar as
descrições, demonstrações e justificativas, a fim de desenvolver as habilidades de
raciocínio e a confiança necessária para apoiar o desenvolvimento de uma capacidade
de seguir e construir provas geométricas” (p. 133).
Autores como Ponte, Boavida, Graça e Abrantes (1997) assinalam a importância
da construção de raciocínios formais e dedutivos na formação matemática dos sujeitos.
Mas, em igual medida, não deixam de considerar que a associação entre os conteúdos
escolares e as experiências diárias dos aprendizes pode tornar a aprendizagem mais
profícua: “A abstração, a axiomatização e a generalização, três tipos de atividades
75
incluídas na designada Matemática pura, tem-se revelado tão vitais para a Matemática
como a construção de modelos inteligíveis de fenômenos naturais complexos, e
aparentemente impenetráveis” (p. 20).
A utilização do “concreto” para melhor compreender o “abstrato” é uma das
alternativas apontadas por Clements (2003) na perspectiva de viabilizar os estudos em
Geometria. Nesta direção, os laboratórios de ensino de Matemática, através de seus
materiais manipuláveis, representam uma ferramenta valiosa no processo de ensino e
aprendizagem. Contudo, pontua o autor, a utilização desses materiais só promove o
desenvolvimento intelectual dos estudantes se for seguida de reflexões acerca do seu
uso: Não se trata de uma mera observação e manipulação de objetivos desprovidas de
análises. De fato, quando utilizados de forma inadequada, os materiais manipuláveis em
nada contribuem para a aprendizagem dos alunos (Nacarato, 2005). As imagens e
desenhos também podem ser úteis durante o processo de aprendizagem. No entanto, é
preciso ter cuidado para que tais representações, ao invés de auxiliar os estudantes
durante o processo de abstração não os limitem conduzindo-os a concepções
particulares sobre o objeto estudado.

3.8.1 Ensino primário

No tratamento com alunos mais novos, em geral pertencentes ao ensino


fundamental 110, Malkevitch (1998) aponta, por exemplo, a utilização de azulejos
quadrangulares para que os alunos possam explorar, mediados pelo professor, os tipos
de formas possíveis obtidas a partir deles. Propõe o cálculo, através do transferidor, da
soma das medidas dos ângulos internos em triângulos no plano. E, em seguida, sugere a
extensão dessa análise para triângulos em esferas acompanhada da comparação entre os
resultados obtidos. De acordo com Stone (1971), neste estágio da formação escolar, os
conceitos de comprimento, área e volume já devem ser explorados. No Brasil, os PCNs
sugerem que nessa fase da escolaridade a aprendizagem em Geometria se estabeleça por
meio de três componentes: A visualização, a experimentação e a observação (Brasil,
1997c). Ao se referir ao ensino de Geometria adequado para a educação de crianças,
Lorenzato (1995) acredita ser “preciso oferecer situações onde elas visualizem,

10
Neste texto, as expressões ensino primário ou ensino fundamental 1 (comumente utilizadas no Brasil)
são usadas para designar os cinco primeiros anos de escolaridade (excluindo-se o pré-escolar).

76
comparem e desenhem formas: É o momento do dobrar, recortar, moldar, deformar,
montar, fazer sombras, decompor, esticar... para, em seguida, relatar e desenhar.” (p. 8).
A utilização de materiais concretos constitui, portanto, uma metodologia de ensino
recomendável na fase inicial da formação escolar.

3.8.2 Ensino ginasial

Para os alunos do ensino fundamental 211, Malkevitch (1998) propõe a


construção das mais variadas superfícies fora do papel, tais como o cubo, o cone, a faixa
de Moebius. A partir daí, sugere a investigação da noção de reta (geodésicas)12 e
comprimento de arco de curvas nessas superfícies. Nesta fase da escolaridade, sugere
Stone (1971), deve-se utilizar a régua e o compasso durante a aprendizagem dos
conteúdos geométricos. Além disso, este autor considera necessário explorar com mais
profundidade os níveis intuitivos e descritivos acerca dos conceitos geométricos e
introduzir aos poucos algumas noções de lógica matemática. Os PCNs, no Brasil,
propõem a introdução às demonstrações matemáticas sem, contudo, abrir mão das
verificações empíricas. Lorenzato (1995) defende a utilização de um vocabulário mais
formal tendo em vista o “domínio das definições e propriedades” (p. 10).

3.8.3 Ensino médio

Nos dois primeiros anos do ensino médio13, Stone (1971) acredita ser possível
introduzir a geometria axiomática em sala de aula. Os estudos axiomáticos devem,
obviamente, diferir um do outro em “ritmo, em profundidade (...) embora todos eles
devam ser conduzidos por uma abordagem comum [axiomática]” (Stone, 1971, p. 100).

11
Neste texto, as expressões ensino ginasial ou ensino fundamental 2 (comumente utilizadas no Brasil)
são usadas para designar o período compreendido entre o sexto e o nono ano de escolaridade, incluindo-
os.
12
No plano, a menor distância entre dois pontos é obtida a partir do segmento de reta que os une. Em
outros espaços, não necessariamente planos, as curvas que gozam dessa propriedade minimizante são as
chamadas curvas geodésicas (Carmo, 2005a). As retas são, em particular, tipos de geodésicas.
13
Neste texto, a ensino médio (comumente utilizadas no Brasil) é usada para designar o décimo, o décimo
primeiro e o décimo segundo anos de escolaridade. Trata-se dos anos que antecedem a entrada na
universidade.

77
A geometria, não necessariamente axiomática, deve perpassar todo o processo de
formação escolar, defende o autor. Segundo Reid e Knipping (2010), durante a
educação básica, a validação de um teorema não precisa, necessariamente, partir de uma
dedução formal. Basta, porém, obedecer a alguma lógica compreendida e bem aceite
pela comunidade envolvida. São as denominadas pseudo-provas. De acordo com esses
autores, as pseudo-provas constituem “as provas” presentes na maior parte dos livros
de Matemática da educação básica. Nesta perspectiva, as “provas” utilizadas na
educação básica nem sempre serão consideradas “provas” no ensino superior. Conforme
assinalam Harel e Sowder (1998), “o que deve ser considerado como evidente numa
aula de Geometria euclidiana em uma turma de ensino médio é comumente insuficiente
para os alunos universitários que estudam geometria numa perspectiva axiomática” (p.
243). No primeiro caso são levados em consideração os critérios aceites na comunidade
onde estão sendo estudadas, isto é, na classe da educação básica. No segundo caso,
porém, as provas matemáticas são construídas para serem aceites em qualquer
comunidade. Em ambos os casos, enfatizam Reid e Knipping (2010), deve-se fazer uso
de argumentações dedutivas.
Malkevitch (1998) propõe o estudo dos poliedros regulares. Sugere a utilização
de varetas (tipo palitos de churrasco, canudos) e bolas (de isopor, por exemplo). Com
isso, pretende estimular a investigação das relações possíveis entre as faces, as arestas e
os vértices (fórmula de Euler que, por sinal, é independente do fato do poliedro ser ou
não regular, pontua o autor).

3.8.4 Da experimentação à abstração

Inspirados nos níveis de pensamento geométricos de Van Hiele, Shaughnessy e


Burger (1985, citados por Harel & Sowder, 1998) defendem que o ensino de Geometria
se deve iniciar através de elementos mais intuitivos e sem o tratamento axiomático
formal. Sugerem que após um ano e meio se comece a introduzir atividades que
estimulem o desenvolvimento de inferências e deduções evitando ainda a escrita
rigorosa de provas matemáticas. Os professores devem, aos poucos, levar os alunos a
aprimoraram as suas justificativas matemáticas sem impor métodos rígidos de prova
muitas vezes incompatíveis com as experiências prévias dos estudantes. Estes últimos,
pontuam os autores, precisam ser levados a compreender que os teoremas e as suas

78
provas resultam da atividade humana e que, portanto, eles são elementos importantes
nesse processo.
Villiers (2010) valoriza a experimentação e a intuição no processo de
aprendizagem matemática. Entretanto sublinha os perigos das abordagens pautadas
somente nessas dimensões. Segundo este autor, a intuição, em alguns casos, se
encarrega de conduzir os aprendizes à obtenção de resultados não generalizáveis e,
portanto, equivocados. Como exemplo ele cita a crença na diferenciabilidade de funções
contínuas que só foi contestada no século XIX pelo matemático Weierstrass. Em
virtude dessas armadilhas, o autor sublinha a importância das provas matemáticas e se
mostra preocupado com a retirada das mesmas nos níveis de escolaridade básicos. A
articulação entre a experimentação e o emprego do raciocínio formal-dedutivo constitui,
portanto, um dos grandes desafios durante a abordagem das demonstrações matemáticas
em sala de aula, destaca Villiers (2010): “Nossas certezas matemáticas não se assentam
exclusivamente no método lógico dedutivo ou na experimentação mas em uma saudável
combinação de ambos” (p. 216). Mammana e Villani (1998) também defendem a
articulação entre a experimentação e a abordagem formal destacando, porém, que o
tratamento rigoroso-dedutivo se revela inviável se não for precedido pela exploração de
elementos mais simples e intuitivos. Defendem, ainda, a inserção da álgebra como
elemento favorável à compreensão dos conteúdos geométricos.
Segundo Hershkowitz (1998) a importância do raciocínio dedutivo no
desenvolvimento intelectual dos discentes não inviabiliza o aparecimento de outras
abordagens no sentido de favorecer a compreensão dos estudantes acerca dos objetos
geométricos. Dentre tais abordagens, a autora indica a introdução de materiais
manipuláveis, o uso de softwares e o estudo associado ao contexto. Todavia, a tendência
em expor os conteúdos de forma demasiadamente contextualizada deve ser analisada
cuidadosamente, destaca Neubrand (1998a). Segundo este autor, é preciso estabelecer
uma conexão plausível entre a teoria que se pretende trabalhar e a “questão”
contextualizada proposta.
Uma das alternativas apontadas por Battista (2009) e Bixirão, Breda & Godino
(2011) na perspectiva de melhorar a formação dos alunos em Geometria também reside
na utilização de software interativo nas aulas de Geometria, como, por exemplo, o
Cabri. Clements (2003) endossa tais assertivas apontando que o software matemático
pode ser utilizado para a criação de conjecturas, para a verificação de determinados
resultados e para a exploração de determinado objeto geométrico. Viabiliza a construção
79
de variadas configurações para o mesmo conceito quanto ao tamanho, posição, rotação,
translação, etc. Além disso, o uso de software alimenta o lado motivacional da
aprendizagem tendo em vista que os estudantes estão cada vez mais utilizando o
computador para a realização de variadas tarefas.
Segundo Kinard e Kozulin (2008), os alunos devem ser orientados como
aprender matemática, como estimular o raciocínio lógico, como adquirir habilidades
matemáticas ao invés da simples aplicação de fórmulas e reprodução de procedimentos
automatizados. Durante a aplicação de uma atividade, em sala de aula, os alunos devem
ser conduzidos a planejar os processos de resolução, a refletir sobre as suas estratégias e
a fazer uma auto avaliação. Os professores devem preferir a investigação do “como” e
do “por quê” ao estudo de “o quê”. E, portanto, precisam ajudar os seus alunos a
refletirem dessa forma. Mais valoroso que a resposta de uma tarefa é pensar em formas
de obtê-la e o porquê de determinados caminhos serem mais viáveis que outros. Além
dessas questões, os autores destacam a necessidade de suprir os alunos com os pré-
requisitos necessários para a compreensão de determinado conceito no sentido de
fornecer-lhes as bases para avançar nos estudos.
Para que as alternativas apontadas possam apresentar resultados frutíferos é
necessário, e não suficiente, que o docente tenha domínio dos conteúdos de geometria
que se dispõe a ensinar (Pavanello & Andrade, 2002). Para esses autores, a correlação
entre a Geometria e outros domínios da Matemática ou outras áreas do conhecimento
devem estar presentes, sempre que possível. Quanto às ferramentas de apoio ao
professor no processo de ensino  e aos alunos no processo de aprendizagem  além do
uso de livros didáticos, Lorenzato (1995) sugere a utilização de vídeos, de coleções
paradidáticas e de softwares educacionais. Além de Lorenzato (idem), autores como
Rêgo, Rêgo e Vieira (2012) também defendem a utilização de materiais manipuláveis
no ensino de Geometria. Nenhum destes autores menciona, pelo menos de forma direta,
a utilização de histórias em quadrinhos no processo de ensino e aprendizagem de
geometria. A partir de agora, as discussões levantadas neste trabalho dialogarão com
essas questões: É possível que a literatura quadrinística ajude a ampliar o leque de
ferramentas didáticas que prestam serviço ao ensino e a aprendizagem de Geometria?
Que história em quadrinhos utilizar? Como? Onde? Quando? Tais indagações foram
balizadoras para a construção do próximo capítulo.

80
Capítulo 4

As Histórias em Quadrinhos e o Ensino de Matemática

No Brasil, os debates em torno do ensino de Matemática tornaram-se cada vez


mais frequentes entre os educadores matemáticos a partir da década de 80 do século
passado quando se iniciaram as discussões em torno da Educação Matemática (Berti,
2005). Compreender as dificuldades enfrentadas pelos alunos e apontar alternativas para
superá-las passaram a compor as pautas das reuniões e encontros de docentes. Outros
elementos, tais como a capacitação dos professores, a introdução de tecnologias da
informação no ambiente escolar, a construção de laboratórios de ensino tornaram-se
também emergentes na discussão (Andrade & Nacarato, 2005; Dechen & Carneiro,
2007).
Essas reflexões não se referem apenas à perspectiva de diminuir os índices de
reprovação em Matemática, seja na educação básica ou no ensino superior. O ensino ─
e consequentemente a aprendizagem ─ de Matemática precisa ser mais atraente e
estabelecer uma interface entre os conhecimentos acadêmicos e as demandas sociais,
culturais e econômicas da comunidade na qual os estudantes estão inseridos (Luccas &
Batista, 2008; Vasconcelos, 2008). Apontar conexões entre a Matemática escolar e o dia
a dia dos discentes configura uma necessidade recorrente nos espaços escolares e na
própria universidade. Minimizar a distância entre o que se aprende na escola e o
universo dos atores aos quais se destina o trabalho docente é uma demanda do novo
século da qual não é mais possível se desviar.
Essas transformações da sociedade têm exigido dos professores um constante
aprimoramento e reavaliação de suas práticas. A ampliação das metodologias de
trabalho se apresenta como imprescindível no exercício docente. As ferramentas
didáticas que se revelam promissoras em algumas turmas podem não exercer a mesma
influência sobre outras. É necessário, portanto, ampliar o leque de possibilidades de
modo a atender as inquietações impostas pelo terreno da sala de aula. Aulas expositivas
por meio de quadro e giz ou através de slides do Power Point podem ser intercaladas
com a utilização de software educacional (Battista, 2009) e de materiais manipuláveis
(Rêgo, Rêgo & Vieira, 2012). Livros paradidáticos, realização de seminários, análise de

81
filmes e implantação de fóruns de discussões em ambientes virtuais de aprendizagem
também podem compor o armário dos recursos didáticos.
Nessa mesma estante podem ser colocadas as histórias em quadrinhos
abreviadamente conhecidas como HQs. Vistas inicialmente como uma literatura lúdica,
as HQs podem agregar outros valores aos momentos de entretenimento: São capazes de
levar informações de natureza cultural e científica aos ambientes escolares (Francis
Pelton & Pelton, 2009). Elas representam mais um recurso didático à disposição dos
docentes na medida em que ajudam a contribuir com a instrução dos discentes de uma
forma divertida e prazerosa. Essas idéias também são comungadas por Wright e
Sherman (2006), segundo os quais existem pesquisas que comprovam a aceitação da
literatura em quadrinhos por parte das crianças e adolescentes em idade escolar. De
acordo com Cho e Lawrence (2012), a utilização de histórias em quadrinhos em sala de
aula promove “o desenvolvimento de comunicações verbais e habilidades de escrita,
construindo persistência e criatividade na resolução de problemas e reforçando o
pensamento crítico.” (p. 1). O desenvolvimento do raciocínio crítico dos estudantes por
meio da leitura de HQs também é destacado por Marianthi, Boloudakis e Retalis (2007).
Destaca-se ainda, na leitura de HQs, a conexão entre informação e entretenimento.
Segundo Santos e Vergueiro (2012), a utilização de “atividades práticas a partir das
histórias [em quadrinhos] torna as aulas mais dinâmicas e o aprendizado mais
prazeroso” (p. 93). Entretanto, advertem Rezende e Silvério (2012), as HQs com fins
educacionais não podem ser reduzidas a literatura destinadas ao humor e à diversão.
Para além desses fatores, tratam-se de quadrinhos que divulgam “conteúdos
informativos e que propiciam difusão cultural das sociedades”(p. 260). Os contributos
aqui levantados quanto à utilização das HQs para propósitos educacionais já dão conta
de introduzir um debate sobre a articulação entre a literatura em quadrinhos e o processo
de ensino e aprendizagem de Matemática. Reflexões dessa natureza norteiam o
desenvolvimento deste capítulo.
Na próxima secção é feita uma breve descrição do processo de democratização
do ensino no Brasil e do papel do construtivismo na abertura dos espaços escolares a
novas ferramentas didáticas como jogos educativos e materiais manipuláveis. Nesse
mesmo contexto pode ser vislumbrada a entrada das HQs nas escolas. Em seguida, são
relatados os primeiros indícios de HQs criadas com finalidades educacionais. Em

82
tempo, há referências às menções feitas pelos documentos oficiais do Ministério da
Educação, do Brasil, acerca da inclusão da banda desenhada na sala de aula.
Neste capítulo são levantadas algumas reflexões de natureza metodológica e
referentes aos objetivos da aplicação da banda desenhada nas aulas de matemática são
levantadas. São listadas algumas HQs autorais ou comerciais que dialogam com o
ensino de Matemática. Discute-se a importância da utilização de tirinhas em discussões
realizadas em sala de aula no que tange o ensino e aprendizagem de Matemática. Por
fim, são apontados alguns sites da internet voltados para a confecção de HQ são
também mencionados.

4.1 A democratização do ensino no Brasil

A entrada da banda desenhada  como as histórias em quadrinhos costumam ser


designadas em Portugal14 (Cirne, 1974)  nos espaços escolares brasileiros é um
reflexo dos anos noventa do século passado. Faz parte de um conjunto de
acontecimentos de dimensões mais amplas que fizeram do século XX um farol a
iluminar algumas questões educacionais no Brasil. Conforme mencionado no segundo
capítulo deste trabalho, na década de 30 daquele século surgiram os dois primeiros
cursos de Licenciatura em Matemática do país: Um deles na Universidade de São Paulo
e o outro na Universidade do Rio de Janeiro. De forma paulatina, os professores foram
se preocupando com o arranjo didático das suas atividades de ensino. A abertura dos
espaços escolares a outras ferramentas didáticas  para além do livro didático  e a
ressignificação do papel do professor são características da educação escolar do século
XXI cuja gênese pode ser encontrada no século precedente.
Pavanello (1993) ao se referir aos professores de Matemática existentes no país
nos anos anteriores ao aparecimento dos cursos de formação de professores de
Matemática os caracteriza como “(...) quase sempre autodidatas ou oriundos das
profissões liberais. Uns poucos são engenheiros civis ou militares” (p. 8). Àquela
altura questões vinculadas à didática de ensino de Matemática provinham de iniciativas
pessoais desses professores e não de um processo coletivo de debates e reflexões.

14
Nos Estados Unidos, na França, na Itália e na Espanha, as histórias em quadrinhos são denominadas,
respectivamente, comics, bandes dessinées, fumetti e historieta. As HQs criadas no Japão são conhecidas
como mangás.

83
Durante o século XX ocorre no Brasil, ainda que de forma tardia, a expansão da
escola pública. Inicialmente institui-se a gratuidade do ensino primário e, somente, na
segunda metade do século assiste-se a ampliação da rede pública de ensino a qual, de
acordo com Pavanello (1993), passa a abarcar o ensino secundário. Enquanto isso, do
outro lado do Atlântico, em países como Prússia, Áustria, Alemanha e França, a
educação já havia se tornado dever do Estado desde o final do século XVIII (Cambi,
1999).
Com o crescimento da escolarização pública, os professores passaram a se
debruçar sobre a construção de um desenho metodológico de ensino que pudesse
contemplar a um número maior de estudantes. A Psicologia foi convidada a prestar
serviços à educação e o surgimento das escolas comportamentalistas, cognitivistas e
construtivistas assinala esse fato (Sprinthall  Sprinthall, 1993). Tais empreendimentos
estavam circunscritos num contexto mais amplo que o brasileiro e passaram a exercer
influências nos modelos educacionais concebidos em vários países. Os seus contributos
foram, paulatinamente, incorporados em algumas escolas brasileiras.
Ao enxergar os alunos como protagonistas na sala de aula  como propõe a
Escola Construtivista  os professores puderam observar a forma como os discentes
gostam de estudar e, portanto, de aprender. Perceberam que a criança dedica maior
interesse e atenção aos assuntos cuja explanação aparece acompanhada de elementos
lúdicos. A partir daí, a utilização de jogos, a realização de brincadeiras e a leitura de
histórias em quadrinhos foram ganhando espaço na sala de aula. Diante do valor que as
histórias em quadrinhos podem agregar à sala de aula, enquanto ferramenta de apoio ao
trabalho docente, Toh (2009) levanta o seguinte questionamento: “Como muitos
estudantes costumam se divertir com a leitura de histórias em quadrinhos, por que não
utilizá-las no ensino de Matemática?” (p. 231).
Aplicar a banda desenhada nas aulas de Matemática, ou de qualquer outro
componente curricular, perpassa pela compreensão do valor didático dessa mídia.
Descrevê-la como uma ferramenta exclusivamente lúdica ─ no que diz respeito à
aprendizagem ─ significa minimizar o seu potencial educacional reduzindo-a à
condição de literatura periférica e, às vezes, descartável. Preconceitos da mesma
natureza a banda desenhada enfrentou por ocasião do seu aparecimento. O próprio
reconhecimento das histórias em quadrinhos enquanto expressão artística tardou a
acontecer. O italiano Ricciotto Canudo em seu Manifesto das Sete Artes, publicado em

84
1923, não as reconhecia como manifestação cultural (Covaleski, 2012). Neste
documento estavam inseridas as seguintes artes: Música, dança, pintura, escultura,
arquitetura, poesia e cinema. Somente no final da década de 70 do mesmo século, as
histórias em quadrinhos passaram a compor o seleto conjunto das atividades humanas
reconhecidas oficialmente como expressões artísticas e culturais. A partir de então
passaram a ser conhecidas como a Nona Arte (Upson & Hall, 2013; Vergueiro, 2005)
uma vez que coube à fotografia o título de oitava arte. O reconhecimento do valor
educacional das HQs, pelo menos no Brasil, só veio ocorrer duas décadas depois.

4.2 As HQs na educação: Alguns recortes históricos

Embora as histórias em quadrinhos ─ da forma como são concebidas atualmente


─ provenham do século passado, a apresentação de fatos e histórias por meio da Nona
Arte é uma herança mais antiga. De acordo com Lovetro (2011) e Vergueiro (2006),
registros da arte seqüencial já estavam presentes no período Neolítico por meio de
representações deixadas pelos homens em cavernas. Tais representações visavam
assinalar a existência de animais perigosos ou simplesmente pontuar resultados obtidos
com a caça. Entretanto, a Nona Arte precisou de cinco séculos após a invenção da
imprensa para ser implantada e se constituir como uma mídia comunicativa de alto
alcance (Lovetro, 2011).
Um dos primeiros registros de histórias em quadrinhos que se tem conhecimento
data, segundo Santos e Silva (2011) do “ano de 1895 com as histórias do personagem
‘Yellow Kid’ (...), criado pelo norte-americano Richard F. Outcault para o suplemento
dominical do Jornal New York World de Joseph Pulitzer” (p. 21). Através dessas
histórias, Outcault fazia críticas de cunho social por meio do personagem-título que
vivia na periferia da cidade de Nova York. É possível, porém, que o pioneirismo na
criação de HQs no sentido concebido nos presentes dias tenha ocorrido no Brasil.
Segundo Lovetro (2011), em 1869, o italiano radicado no Brasil, Angelo Agostini, criou
As aventuras de Nhô Quim e, aproximadamente quarenta anos depois, publicou a revista
em quadrinhos Tico-Tico. Esta última destaca-se por "ser a primeira revista que trazia,
além dos quadrinhos, várias atividades para crianças como joguinhos e 'recorte e monte'.
Já era uma linguagem para utilização dentro das escolas" (idem, p. 12).
As histórias em quadrinhos do início do século XX eram predominantemente
humorísticas e nelas destacava-se a presença de personagens criados em formato
85
caricatural. O caráter inicialmente cômico das HQs fez com que, nos Estados Unidos, o
nome Comics fosse empregado para designá-las, como ainda o é nos presentes dias. As
tiras15 do personagem Yellow Kid, por exemplo, satirizavam, com humor, as condições
de vida da população de baixa renda dos EUA. A aceitação do público foi imediata
transformando a exibição desses quadrinhos em um compromisso diário do Jornal New
York World e não mais em um suplemento exclusivamente dominical (Santos  Silva,
2011).
Com o tempo, as HQs avançaram para além das tiras em jornais e os gêneros se
diversificaram. Além de roteiros pautados em situações engraçadas, passaram a ser
criadas as histórias de aventura, suspense e ficção, dentre outros gêneros. Os episódios
da esfera política e militar também impuseram os seus tons sobre algumas HQs: Foram
utilizadas na instrução de tropas norte americanas durante a Segunda Guerra Mundial e
para propagar a ideologia política de Mao Tsé-Tung, na China, conforme pontua
Vergueiro (2006).
As primeiras HQs que versam sobre conteúdos escolares foram publicadas por
volta dos anos quarenta do século passado, nos EUA (Santos & Silva, 2011; Vergueiro,
2006). Àquela altura já eram encontradas algumas revistas em quadrinhos destinadas
apresentação de fatos históricos e à propagação da cultura do país. Na França,
conforme assinala Vergueiro (2006), a entrada das HQs nos ambientes escolares tornou-
se visível por volta dos anos de 1970 com a publicação de L´Histoire de France em
bandes dessinées (A história da França em banda desenhada). Do final do século XIX,
quando surgiram as primeiras tiras em quadrinhos (de caráter inicialmente cômico e
comercial), até a entrada da banda desenhada na esfera educativa, alguns preconceitos
precisaram ser rompidos.

4.2.1 Controvérsia com as HQs em contextos escolares

Não obstante a existência de algumas bandas desenhadas nos EUA com fins
educacionais, os anos cinqüenta do século XX assistiram, nesse país e em vários outros,
a uma guerra contra as HQs. Esses acontecimentos retardaram ainda mais a
consolidação das HQs como instrumentos de apoio ao professor. A essa altura, o

15
Chamamos de tiras o conjunto formado por três ou quatro quadrinhos utilizados para narrar alguma
história.

86
psiquiatra alemão radicado nos EUA, Fredric Wertham, publicou o livro Seduction of
the innocent (em português, Sedução do inocente) no qual apontava as histórias em
quadrinhos como um instrumento de alienação e de incitação à violência (Luyten,
2011a; Santos & Silva, 2011; Vergueiro, 2006). Essa publicação contaminou o
desenvolvimento da banda desenhada e corroborou a aversão de pais e professores à sua
entrada nas escolas. Nessa obra, Wertham assegurava que as HQs podiam oferecer
alterações nocivas ao comportamento de crianças e adolescentes como se a leitura de
histórias de terror, aventura e guerra pudesse deixar, necessariamente, os jovens
agressivos e alienados. Com isso, as revistas publicadas nos Estados Unidos foram
submetidas à censura fazendo com que alguns textos fossem redigidos mais de uma vez
até que pudessem ser publicados. Esse engessamento do poder criativo dos cartunistas
invadiu outros países sendo diluído quase duas décadas depois. No que concerne à
esfera educacional, Yang (2003, citado por Francis Pelton & Pelton, 2009) sublinha que
a retomada das HQs como ferramenta didático-educativa só veio a ocorrer de forma
substancial, nos EUA, a partir da década de 90 do século passado.
Ainda na segunda metade do século XX, muitos pais e mestres não acreditavam
na possibilidade de associar a aprendizagem de conteúdos mais rígidos e com certo
nível de abstração a literaturas cuja origem está relacionada à indústria do
entretenimento. Questionavam a viabilidade da associação da linguagem técnica de
certos conteúdos escolares com os códigos de comunicação que regem os textos das
HQs. Contudo, destaca Vergueiro (2006), esta questão aponta para a defesa da
utilização de HQs para fins educacionais e não o contrário. Segundo este autor, através
das HQs as “informações são absorvidas na própria linguagem dos estudantes, muitas
vezes dispensando demoradas e tediosas explicações por parte dos professores”(p. 22).
Luyten (2011a) reforça tais assertivas ao dizer que “as HQs ‘falam’ com eles [os
estudantes] de uma forma que entendem e, melhor que isto, se identificam”(p. 6).
Lovetro (2011) vai mais além ao se reportar à apresentação textual dos quadrinhos
como a linguagem do século. Essa caracterização decorre da sua coloquialidade e
capacidade de síntese as quais, segundo o autor, aproximam-se da linguagem
empregada em redes sociais como, por exemplo, o twitter.
Acontecimentos de natureza política, como a ditadura militar que se estendeu no
Brasil de 1964 a 1988, contribuíram com o engessamento das histórias em quadrinhos
que circulavam no país (Luyten, 2011a; Vergueiro, 2006). Como ocorrera na imprensa e

87
na indústria musical, as produções literárias deveriam ser desprovidas de qualquer
mensagem que fosse de encontro às aspirações do governo. De acordo com Santos e
Silva (2011), as HQs só conseguiram se reafirmar como literatura acessível e não
prejudicial à formação dos jovens no início dos anos 70. Nesse período, as revistas
genuinamente brasileiras começaram a ganhar visibilidade no país. Destinavam-se
prioritariamente ao público infantil, destacando-se, em particular, as histórias da Turma
da Mônica16, "o maior sucesso editorial das HQs brasileiras" (Santos  Silva, 2011, p.
26), de autoria de Maurício de Sousa. Nesse período, assinala Andraus (2006), as
vendas de HQs "em bancas brasileiras eram profusas, tanto os títulos estrangeiros, como
os nacionais" (p. 203). A partir dos anos 90 do século passado, destaca Luyten (2011b),
houve a publicação de HQs, não necessariamente de Maurício de Sousa, com conteúdos
diversos não atendendo somente às necessidades do público infantil. As HQs estavam
avançando em complexidade e profundidade.

4.2.2 Contributos das HQs para a educação

Uma série de fatores justifica a inserção das HQs no processo educativo de


crianças, jovens e adultos. Segundo Vergueiro (2006), as "histórias em quadrinhos
aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua
curiosidade e desafiando o seu senso crítico" (p. 21) e, ainda segundo esse autor, elas
ampliam o vocabulário dos discentes e podem ser utilizadas no tratamento de quaisquer
temas. O caráter motivacional das HQs, quando usadas no contexto escolar, também é
assinalado por Rezende e Silvério (2012) e Luyten (2011a). Para as primeiras autoras, a
linguagem não verbal utilizada nas HQs atrai a atenção do leitor ao mesmo tempo que
agrega significados às narrativas.
Para além das questões motivacionais, a última autora, assim como Lovetro
(2011), atribui ainda às HQs o mérito de fomentar o estímulo e incentivo à leitura. O
domínio da linguagem oral e escrita provém, dentre outras coisas, do ato de ler. É claro
que as HQs não podem ser entendidas como o único manancial literário a disposição
dos alunos. Mas, através delas, algumas barreiras podem ser diluídas e outros textos
inseridos no acervo bibliográfico dos estudantes. Não se trata de restringir, mas de

16
De acordo com Lovetro (2011), as histórias da Turma da Mônica surgiram, no Brasil, nos anos 60 do
século passado.

88
ampliar os tipos de literatura ao alcance dos discentes. Anchieta (2011) destaca que
além de prestar um serviço ao ensino de Matemática, as histórias em quadrinhos
colaboram com o processo de letramento dos alunos.
As HQs também ajudam a desenvolver, nos leitores, a capacidade de
interpretação de textos. De acordo com Upson e Hall (2013), a leitura desse tipo de
mídia força os leitores a preencherem as lacunas existentes entre os quadrinhos,
completando as informações que não foram ditas de forma explícita no texto.
Segundo Morrison, Bryan e Chilcoat (2002) as HQs favorecem a inserção de
elementos da cultura popular na formação escolar dos estudantes; tornam esses atores
mais críticos; além de propiciar a articulação entre os conteúdos escolares e as
experiências sócio-culturais dos estudantes.
A despeito de todos os contributos das HQs ao processo educativo dos
estudantes, no Brasil, até a década de 1980, a utilização da banda desenhada em sala de
aula não era sequer cogitada ou, se ocorria, não era amplamente divulgada. De acordo
com Andraus (2006), "com a pouca penetração das histórias em quadrinhos no sistema
educacional, ainda com o agravante de elas terem sido consideradas perniciosas à
educação, restava às crianças, principalmente, lê-las como prazer descompromissado"
(p. 204). Somente na última década do século XX, com a democratização política do
país, ocorre também uma abertura dos espaços escolares para a entrada de outras mídias
educativas. Nesse contexto, as histórias em quadrinhos passam a ser apontadas como
uma literatura relevante na formação dos estudantes.

4.2.3 As HQs nos documentos oficiais do Ministério da Educação

A referência favorável à utilização das HQs nas escolas, em documentos oficiais


do Ministério da Educação, é relativamente nova quando comparada ao surgimento das
primeiras histórias em quadrinhos genuinamente brasileiras. Somente em 1996, com a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), foram lançadas, formalmente, as
sementes que estimulavam a utilização das HQs nos ambientes escolares (Santos 
Silva, 2011). Embora a LDB de 96 não faça menção explícita ao uso das HQs em sala
de aula, em artigo 3º, inciso III, defende-se o “pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas” (Brasil, 1996, p. 1) nas práticas docentes. É a fresta que faltava para que
as histórias em quadrinhos pudessem compor as estantes escolares. Os Parâmetros

89
Curriculares Nacionais (PCNs)17 e o Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE)
instituídos algum tempo depois também consentem, de forma mais direta, o manuseio
da Nona Arte enquanto recurso didático.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais

Os PCNs destacam a importância da leitura de textos em formas de tiras e HQs


(Brasil, 1997b). Apontam a literatura quadrinística como fonte de letramento e auxílio
na compreensão e análise da linguagem verbal o que também é corroborado por
Vergueiro (2006). De acordo com Bari e Vergueiro (2009), os PCNs descrevem a banda
desenhada como gênero textual de estimável valor literário e a pontua como uma
manifestação artística e cultural. Tais referências endossam as sugestões para o ensino
de Língua Portuguesa (Brasil, 1997b) e Artes (Brasil, 1997a; Brasil, 1998a), mas
desaparecem nos textos voltados para o ensino de Matemática.

O Programa Nacional da Biblioteca Escolar

O Programa Nacional da Biblioteca Escolar, criado em 1997, representa uma


tentativa salutar do Ministério da Educação em promover o estímulo à leitura. Consiste
na compra de diversos gêneros textuais os quais são, posteriormente, distribuídos nas
escolas cadastradas no programa. Em 2006, nove anos após a criação do PNBE, a Nova
Arte foi incluída na relação dos gêneros literários que o programa levou às escolas
públicas brasileiras (Bahia, 2012). De acordo com Bari e Vergueiro (2009), de 2006 a
2009 a quantidade de HQs selecionadas anualmente variou entre 4% e 7% do total de
títulos que compuseram o programa com crescimento percentual seguido de
decrescimento de um ano para o outro. A mesma oscilação foi verificada nos três anos
seguintes nos quais os números variaram entre 2,7% e 8%, segundo Yamaguti (2014),
com pontos percentuais de máximo e mínimo atingidos em 2011 e 2012,
respectivamente.

17
Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem em uma série de orientações/sugestões apontadas
pelo Ministério da Educação quanto ao ensino das mais diversas unidades curriculares que compõem a
Educação Básica.

90
Segundo Bahia (2012), a não linearidade na quantidade de HQs selecionadas
decorre da ausência, no PNBE, de "uma agenda específica de incentivo às HQs. Os
critérios de adoção de um título são pautados por suas qualidades artísticas, não pelo seu
gênero" (p. 347). Consequentemente, pondera o autor, "os livros de histórias em
quadrinhos concorrem em pé de igualdade com muitos outros gêneros numa competição
acirrada para a composição do acervo final" (p. 347).
De acordo com Setubal e Rebouças (2015), 29 das 360 obras selecionadas pelo
PNBE de 2013 são HQs, o que corresponde a aproximadamente 8% do total. Dentre as
HQs selecionadas, quase 70% delas correspondem a adaptações de obras literárias de
escritores como Machado de Assis, Guimarães Rosa e até mesmo William Shakespeare,
destacam as autoras. Com efeito, ao longo desses anos, as HQs selecionadas tratam-se
de adaptações de clássicos da literatura, em geral brasileira (Bari & Vergueiro, 2009;
Setubal & Rebouças, 2015; Yagamuti, 2014), além de ficções, romances ou histórias
ligadas ao folclore (Setubal & Rebouças, 2015) ou à mitologia (Vergueiro, 2008, citado
por Bahia, 2012). Alguns trabalhos de cartunistas renomados no país, como Maurício de
Sousa e Ziraldo, também costumam ser contemplados. Nenhum dos títulos escolhidos
contempla, pelo menos de forma direta, conteúdos ligados ao ensino de Matemática. A
despeito dos avanços quanto à entrada das HQs no ambiente escolar, o reconhecimento
do seu potencial como instrumento de formação e transmissão de conhecimentos
matemáticos parece ainda um projeto embrionário.

4.3 A utilização de HQs no ensino de Matemática

No que tange o ensino de Matemática, a utilização das histórias em quadrinhos


ainda se reflete em iniciativas pontuais. De acordo com Santos e Vergueiro (2012), “a
relação entre quadrinhos e educação nem sempre foi amigável, passando por momentos
de grande hostilidade e outros de tímida cumplicidade, quando alguns professores mais
ousados se atreveram a utilizá-los em sala de aula” (p. 82). Embora as ideias desses
autores não estejam circunscritas, pelo menos de forma restrita, ao ensino de
matemática, tais considerações são compatíveis com o que ocorre no chão da escola
durante o processo de ensino e aprendizagem dessa Ciência.
A utilização das HQs nas aulas de Língua Portuguesa, História e Artes não traz
consigo o mesmo estranhamento que a introdução da banda desenhada provoca nas
aulas de Matemática. Nesse último caso, os professores se deparam com algumas
91
inquietações de natureza metodológica ou relacionadas à escolha dos conteúdos. Alguns
questionamentos emergem naturalmente: Como inserir as HQs nas aulas de
Matemática? Que revistas utilizar? Quais assuntos explorar? Onde encontrar tais
revistas? É possível construí-las? A que se destinam? São muitas as interrogações! O
trabalho organizado por Rama e Vergueiro (2006) dedica alguns de seus capítulos à
utilização de HQs nas aulas de Geografia e dos componentes curriculares mencionados
no início deste parágrafo, mas não faz menção alguma ao ensino de Matemática.
Situações análogas podem ser observadas nos PCNs. Propõem a utilização de HQs no
ensino de Língua Portuguesa e Artes, mas não se posicionam quanto ao uso desse tipo
de mídia nas aulas de Matemática.

4.3.1 HQs em sala de aula: Como utilizá-las?

Ao utilizar HQs nas aulas de Matemática o docente precisa saber se a banda


desenhada será aplicada para introduzir determinado assunto ou para aprofundar algum
conteúdo já explorado. Ambas as alternativas são apontadas por Vergueiro (2006) ao se
referir à utilização das HQs em sala de aula, qualquer que seja a área de conhecimento.
As duas propostas são válidas e a escolha entre uma ou outra depende de elementos
como o conteúdo propriamente dito, as fontes de estudo disponíveis, o público alvo e
etc.
Caso o professor encontre alguma HQ cujo conteúdo esteja relacionado com o
tema da aula, a própria abordagem presente na HQ poderá lhe auxiliar na construção
dos objetivos e da metodologia. Se a abordagem for introdutória e destinada apenas às
dimensões motivacionais, a revista poderá ser utilizada como ponto de partida para a
explanação dos conteúdos. Por outro lado, se os objetos matemáticos existentes na
história exigirem algum conhecimento prévio, as revistas devem ser utilizadas na
metade ou na fase final do processo onde se pressupõe que alguns conceitos já foram
explorados através de outras fontes de estudos. Tais potencialidades das HQs ─
enquanto recurso didático ─ são pontuadas por Vergueiro (2006), segundo o qual a
banda desenhada pode ser utilizada “para ilustrar uma ideia, como uma forma lúdica
para tratamento de um tema árido ou como contraposição ao enfoque dado por outro
meio de comunicação” (p. 26). De acordo com Francis Pelton e Pelton (2009), além de
serem usadas para introduzir um assunto, as HQs podem complementar outras
atividades de aprendizagem, fornecer informações e etc.
92
4.3.2 Articulação entre as linguagens icônica e verbal

As histórias em quadrinhos elaboradas com fins educacionais trazem consigo


algumas especificidades: Elas utilizam a linguagem icônica para apresentar conteúdos
escolares e acadêmicos. Por ser inevitável a utilização de desenhos ou imagens no
ensino de Geometria, a interface entre os dois tipos de linguagens que a banda
desenhada utiliza ─ a icônica e a textual ─ tende a favorecer a exposição e discussão de
conceitos geométricos. A linguagem icônica encarrega-se da representação visual dos
entes geométricos. À segunda linguagem pertence a tarefa de explicitar as propriedades
e as relações entre tais elementos. Por meio das conversas entre os personagens das
histórias, através dos balões de diálogo, é possível inserir os axiomas, as definições e os
teoremas da Geometria Plana.
Vergueiro (2006) destaca que a articulação entre texto e imagem, presente nas
HQs, “amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos
códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir”(p. 22). Segundo Luyten
(2011a), nos quadrinhos “as imagens apoiam o texto e dão aos alunos pistas
contextuais para o significado da palavra”(p. 4). As ilustrações ajudam a elucidar o
texto e vice-versa, pontua A. Smith (2006). De acordo com Rezende (2009), esses dois
códigos de linguagem  textual e icônico  tornam a leitura mais prazerosa e promovem
a interação entre os autores das HQs e os seus leitores. Complementando tais ideias,
Afrilyasanti e Basthomi (2011) assinalam que os estudantes precisam estar em contato
com múltiplas linguagens tendo em vista a apropriação de uma formação mais ampla e
as especificidades do novo século.

4.3.3 Que HQs utilizar?

Segundo Upson e Hall (2013), os quadrinhos usados para fins educacionais


podem ser obras cujo conteúdo deve ser adaptado (HQs comerciais) ou ainda podem ser
HQs criadas pelos próprios estudantes. Kessler (2009) acrescenta a possibilidade de as
HQs serem elaboradas pelo docente em parceria com uma equipe de colaboradores que
poderão auxiliar-lhe na edição gráfica e com sugestões para elaboração do roteiro da
história.

93
É possível também utilizar, em sala de aula, HQs já prontas retirando-lhes a
parte textual para que os alunos a complete (Rosa, Pazuch & Silva, 2012; Santos &
Vergueiro, 2012). O contexto e os objetivos que o docente pretende alcançar poderão
dizer-lhe qual é a melhor alternativa. Esse fio faz parte de uma rede constituída também
por outros elementos como a concepção da história, a construção do enredo, a escolha
dos personagens, a seleção dos cenários e etc. Além disso, deve-se escolher a mídia que
será utilizada para esse fim: Algum site, software ou simplesmente, o desenho a mão
livre.
Francis Pelton e Pelton (2009), Kessler (2009), Pereira (2010) e Marianthi
Marianthi, Boloudakis e Retalis (2007) sugerem que as HQs sejam confeccionadas
pelos próprios estudantes. Podem ser construídas antes ou depois da exposição dos
conteúdos em sala de aula.
Quando construídas antes da exposição dos conteúdos, as HQs permitem ao
professor identificar os conhecimentos prévios dos alunos (Pereira, 2010). Quando
confeccionadas após a explanação dos assuntos em sala, as HQs podem ser usadas para
retratar alguma situação-problema e as suas possíveis. Através dessas histórias, os
discentes podem fornecer ao professor um feedback acerca dos assuntos abordados. O
resultado poderá ser uma obra menos engessada à medida que apresenta os conteúdos
matemáticos a partir da visão dos estudantes. Segundo Francis Pelton e Pelton (2009), a
criação de HQs pelos estudantes permite-lhes compartilhar os conhecimentos adquiridos
com os seus pares e com o professor à medida que apresentam a forma como
assimilaram o conteúdo. Além disso, desenvolve-lhes a capacidade de síntese textual
(Luyten, 2011a), tornando-os mais ativos e envolvidos com a própria aprendizagem.
O processo de construção das HQs pode promover diversão e desafios à
aprendizagem, destaca Pereira (2010). Ao tornar o estudante o autor da própria HQ,
pontuam Francis Pelton e Pelton (2009), potencializa-se a motivação à aprendizagem ao
mesmo tempo em que ocorre o desenvolvimento da literacia e da criatividade do aluno.
Possivelmente alguns ajustes deverão ser feitos nas histórias, mediados pelo professor.
O resultado final deve, porém, preservar a subjetividade, a criatividade e outras
características pessoais dos alunos-autores.

94
4.4 HQs que abordam temas matemáticos

Como já foi dito neste texto, a aceitação da Nona Arte como recurso auxiliar a
atividade docente também se deu de forma lenta. O preconceito e o modelo de ensino
grafado exclusivamente no livro didático retardaram a inclusão das HQs na sala de aula.
Em muitas unidades escolares ainda não há iniciativa alguma nessa direção. Segundo A.
Smith (2006), o potencial educacional das HQs ainda é ignorado por muitos educadores.
No que se refere ao ensino de Matemática, as iniciativas adotadas pelos professores
envolvendo a utilização de histórias em quadrinhos parecem ínfimas. Se as mesmas
existem não têm sido amplamente divulgadas à comunidade acadêmica durante os
congressos e eventos da área. Os registros de dissertações e teses elaboradas em
programas de Pós-Graduação em Educação Matemática, no Brasil, apontam essa
insuficiência. Ao fazer um levantamento desses trabalhos ─ disponíveis nas bases de
dados on-line dos quarenta e quatro programas de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ensino de Matemática18 ─ é possível encontrar apenas cinco dissertações de Mestrado
que versam sobre o assunto. Os trabalhos de Anchieta (2011), Balladares (2014), L.
Silva (2010), Patrocínio (2012) e L. Santos (2014) fazem parte dessa estatística. Há
também referências à utilização da banda desenhada no ensino de Matemática nas
produções acadêmicas desenvolvidas em programas de Pós Graduação em Educação
existentes no país. A investigação relatada por N. Santos (2011) em sua dissertação de
mestrado configura um desses exemplos.
Os documentos oficiais do Ministério da Educação, no Brasil, consentem a
utilização de HQs em sala de aula, mas não a relaciona ao ensino de matemática. O
PNBE não contempla HQs que apresentam conteúdos matemáticos. A ausência de
histórias em quadrinhos no acervo do PNBE destinadas ao ensino e aprendizagem de

18
A relação com os nomes de todos os programas de Pós Graduação em Educação Matemática existentes
no Brasil pode ser encontrada na página da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), a saber: http://conteudoweb.capes.gov.br (último acesso em 28 de setembro de 2015).
Dos quarenta e quatro cursos, dois não disponibilizaram em rede aberta, até o último acesso, seus bancos
de dissertações e teses: O programa de Pós Graduação em Educação Matemática da Universidade
Bandeirantes (UNIBAN) e o programa de Pós Graduação em Matemática e Ensino de Física da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Não foi possível verificar a ocorrência de trabalhos
elaborados por alunos desses programas que versam sobre o uso de HQs no ensino de Matemática.

95
Matemática faz emergir algumas questões: Esses títulos existem?19 Há cartunistas ou
autores de livros didáticos cuja obra assinala, em algum momento, a mediação entre a
Nona Arte e a Matemática? Se essa literatura existe por que não é utilizada nos
ambientes escolares? As duas primeiras questões apresentam resposta positiva conforme
será visto a seguir. A terceira questão será retomada ao final desta secção.

4.4.1 Chico Bento em O segredo

Na revista em quadrinhos de número 392, do personagem Chico Bento (Sousa,


2002), um dos maiores cartunistas brasileiro, retrata as operações entre números
naturais de uma forma leve e divertida através da história intitulada O segredo. Essa
história se passa em um estabelecimento comercial no qual o protagonista utiliza as
operações matemáticas elementares para cobrar aos clientes o valor das mercadorias por
eles adquiridas e, em seguida, devolver-lhes o “troco” que lhes cabe. Pode ser utilizada
em classes do ensino fundamental para introduzir operações entre os elementos do
conjunto dos números inteiros. A Figura 4.1 apresenta um recorte da história.

Figura 4.1. Chico Bento realizando a operação de divisão entre números naturais
Fonte. "O segredo" de M. Sousa, 2002, Chico Bento, n. 392, p.25

Na situação apresentada na Figura 4.1, o protagonista Chico Bento informa a


uma cliente a quantidade de balas que ela terá ao dispor de um total de R$ 1,00
sabendo-se que cada bala custa R$ 0,50. A HQ pode ser utilizada na abordagem da
operação de divisão entre números naturais. Ao utilizá-la, porém, o professor deve
advertir os alunos quanto ao tipo de linguagem utilizada pelos personagens da história.
Com efeito, Sousa (2002) utiliza, de forma proposital, vocábulos típicos de algumas

19
Como já foi comentado neste texto, tais HQs podem ser confeccionadas por professores ou alunos. A
questão que se coloca refere-se à existência de HQs comerciais voltadas para a aprendizagem de
Matemática.

96
localidades afastadas dos grandes centros com o desejo de construir um texto permeado
por elementos regionais (por exemplo, as palavras "pru que", "cum", "rear" e "intonci"
são utilizadas para significar, nessa ordem, "por que", "com", "real20"e "então"). A
linguagem informal sobressai e, em alguns momentos, as normas da gramática são
deixadas de lado. Segundo Vergueiro (2006), "as histórias em quadrinhos são escritas
em linguagem de fácil entendimento, com muitas expressões que fazem parte do
cotidiano dos leitores" (p. 22). Pode ocorrer a presença de gírias ou de expressões
próprias do coloquialismo da linguagem oral. Nesses casos, ao mediar as discussões
junto aos seus alunos, cabe ao professor fazer um contraponto entre a linguagem
cotidiana, frequentemente utilizadas nas HQs, e a linguagem compatível com a
gramática normativa.

4.4.2 História da Matemática e a Turma da Mônica

A revista da Turma da Mônica intitulada Saiba mais sobre a história da


matemática também pode ser utilizada nas aulas de Matemática. Nessa obra, Sousa
(2011) apresenta aos seus leitores a matemática com finalidades práticas desenvolvida
por civilizações antigas a exemplos dos babilônios e egípcios (Figura 4.2) e a
matemática formal-dedutiva dos gregos antigos. Cita Euclides de Alexandria e as suas
contribuições para a matemática.

Figura 54.2. A matemática para finalidades práticas


Fonte. "A história da Matemática: parte 1" de M. Sousa, 2002, Saiba mais! Turma da Mônica, n.
45, p.9

De forma simples a HQ, brevemente retratada na Figura 4.2, encarrega-se de


mostrar ao leitor que a concepção de Matemática variou, ao longo da história, de um
povo para outro. Cada civilização agregou saberes aos conhecimentos transmitidos

20
A moeda adotada no Brasil chama-se Real.
97
pelos seus predecessores. Os temas presentes na HQ podem ser facilmente
compreendidos pelos estudantes do ensino fundamental e médio.
L. Santos (2014) defende a ideia de se utilizar as HQs como ferramentas
didáticas para a exposição de episódios da história da Matemática, sobretudo aqueles
vinculados ao desenvolvimento da Geometria. Ao constatar que nas seis escolas que
visitou ─ todas na região central da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul ─ os
professores, em sua maioria, não conseguiam ministrar nem cinqüenta por cento dos
conteúdos de Geometria previamente indicados pelos PCNs, o autor propôs a utilização
das HQs como ferramenta didática adicional ao trabalho docente. Para ele, a banda
desenhada agrega motivação e ludicidade à aprendizagem e possui aderência no que
compete à explanação de fatos da história da Geometria. Embora não façam referência a
utilização das HQs para tratamento de temas da história da Matemática, Cho e
Lawrence (2012) também destacam o caráter motivacional da utilização da literatura
quadrinística em sala de aula.
A história da Geometria reúne elementos suficientemente interessantes que
poderiam ─ e podem ─ ser contados por meio da Arte Sequencial. A elaboração da obra
Os Elementos de Euclides (Eves, 2008), a sua estrutura axiomática, a escolha dos
postulados, os assuntos que competem a cada um dos seus treze livros e etc.
possibilitam a construção de um enredo capaz de mexer com a curiosidade dos alunos
quanto às origens da Geometria que se vê na escola. Em particular, a polêmica
provocada pelo Axioma das Paralelas representa também o fio condutor de uma história
envolvente que desencadeou no surgimento das chamadas Geometrias Não Euclidianas
(Barbosa, 2008). Constituem episódios históricos cuja apresentação em forma de HQs
parece viável e cativante. Experiências dessa natureza foram desenvolvidas por Ribeiro,
Santos e Ferreira (2012) em uma turma do ensino médio no município de Terra Boa, no
Paraná. Por meio de uma HQ elaborada por esses autores21 ocorreu a apresentação de
alguns fatos relacionados ao surgimento da Geometria Hiperbólica22. As entrevistas
realizadas com os alunos após a aplicação das HQs revelaram que os discentes aprovam

21
A história em quadrinhos foi produzida na homepage Bitstrip for School, versão Trial, disponível
através do endereço www.bitstripsforschools.com.
22
O quinto axioma de Euclides, conhecido também como o Axioma das Paralelas, assegura que por um
ponto fora de uma reta passa uma única paralela à reta dada. A Geometria obtida a partir dos quatro
primeiros axiomas e da negação do quinto a qual garante a existência de pelos menos duas retas paralelas
a uma reta dada passando por um ponto fora dela recebe o nome de Geometria Hiperbólica.

98
metodologias de ensino que associam textos e imagens. Estas últimas, segundo
Afrilyasanti e Basthomi (2011), ajudam os alunos a compreenderem melhor o contexto
em que se passa a história retratada na HQ. Além disso, destacam esses autores, as
imagens tendem a ficar registradas na memória de quem as vê.

4.4.3 As aventuras de Anselmo Curioso

A Geometria Esférica é palco de importantes investigações em Matemática e


alguns de seus resultados podem ser apresentados em forma de HQs. Por meio da obra
As aventuras de Anselmo Curioso: Os mistérios da Geometria, Petit (1982) recorre à
linguagem quadrinística para mostrar aos leitores que a noção de reta enquanto
“curva”que minimiza distâncias também é preservada sobre a superfície esférica.
Tais curvas minimizantes, denominadas geodésicas, apresentam-se sobre a esfera sob a
forma de grandes círculos, isto é, de círculos (ou circunferências) obtidos pela
interseção entre a esfera e qualquer plano que contém o seu centro. A Figura 4.3,
extraída da obra, apresenta um companheiros de aventura de Anselmo, um pássaro,
tecendo comentários sobre o arco da esfera que mínima a distância entre as cidades de
Nova Iorque e Madrid.

Figura64.3. Curva minimizante entre Nova Iorque e Madrid


Fonte. "Os mistérios da Geometria" de J. P. Petit, 1982, As aventuras de Anselmo Curioso, p.23

Conforme relatado na Figura 4.3, a despeito da existência de um círculo paralelo


ao Equador ligando as cidades estadunidenses e espanholas o mesmo não constitui uma
curva geodésica. A partir daí, Petit (1982) inicia uma discussão sobre a soma das
medidas dos ângulos internos em triângulos esféricos e, mais à frente, estabelece a
99
mesma discussão em espaços hiperbólicos. Essa obra se revelou como pioneira no
diálogo entre as HQs e a Matemática ao ser publicada numa época em que as primeiras
ainda estavam engatinhando em direção aos espaços escolares. Trata-se de um material
rico em informações matemáticas e que, além dos conteúdos mencionados, contempla
os conceitos de curvatura, imersão, conjunto aberto, conjunto fechado, dentre outros.
Pode ser utilizado em turmas de Licenciatura ou Bacharelado em Matemática.

4.4.4 Pra que serve a Geometria?

O texto paradidático Pra que serve a Matemática?Geometria23 constitui outra


iniciativa interessante de inclusão da Nona Arte no ensino de Matemática. Nessa obra,
Imenes, Jakubo e Lellis (2004), utilizam algumas tirinhas para abordar o uso da
Geometria nas artes e na indústria publicitária. Os autores descrevem também o
procedimento adotado pelo matemático grego Erastóstenes para estimar o diâmetro da
Terra, no século III antes de Cristo. Para isso, este matemático fez uso da distância entre
duas cidades do Egito, Assuã e Alexandria as quais são relatadas na Figura 4.4 extraída
da narrativa.

Figura74.4. Descoberta do diâmetro da Terra por meio de HQ


Fonte. Pra que serve a Matemática?Geometria de Imenes, Jakubo e Lelis, 2004, p.24

23
Além da publicação voltada para a aprendizagem de geometria, a coleção Pra que serve a Matemática?
contém volumes que versam sobre outros temas: Frações e Números Decimais; Álgebra; Equações do 2º
grau; Semelhança de triângulos; Proporções; Números Negativos; e Estatística. São trabalhos bem
ilustrados que dialogam com a arte quadrinhística.

100
Para calcular o raio da Terra, Erastóstenes utilizou o instante em que o sol
ficava a pino em Assuã (o momento em que as pessoas não viam as suas próprias
sombras) o que não ocorria, simultaneamente, em Alexandria conforme revela a Figura
4.4. Além disso, Erastóstenes utilizou o fato de serem paralelos os raios solares
conforme se pode ver em outros trechos da história. Assim como o raciocínio utilizado
por esse matemático, as demais narrativas presentes na HQ intercalam textos e imagens
através de personagens que dialogam com o leitor por meio de balões, em um processo
semelhante ao utilizado nas narrativas em quadrinhos.

4.4.5 Logicomix

Em 2009, Doxiadis e Paradimitriou (2013) publicaram uma revista em


quadrinhos intitulada Logicomix na qual apresentam recortes importantes da história da
Lógica Matemática. Os autores se utilizam de elementos biográficos do filósofo e
matemático inglês Bertrand Russel para tratar de Proposições Lógicas e da Teoria dos
Conjuntos. A Figura 4.5 traz os momentos iniciais da narrativa.

Figura 84.5. Primeira aparição do matemático Bertrand Russell em Logicomix


Fonte. Logicomix de Doxiadis e Paradimitriou, 2013, p.16

A narrativa, cujo excerto aparece na Figura 4.5, inicia-se sob os tons sombrios
da Segunda Guerra Mundial. À época o matemático Bertrand Russel começa a aparecer
na história e destaca-se pelos contributos deixados à lógica proposicional. Outros
matemáticos também importantes como George Boole, Georg Cantor, Henri Poincaré e
David Hilbert são mencionados na HQ. A Nona Arte empresta a sua beleza para

101
apresentar aos leitores a importância que a arrumação sistemática do pensamento, a
consistência lógica, o Princípio da Não Contradição e os processos de demonstrações
matemáticas têm na vida dos amantes dessa Ciência. Mais que lições sobre os
fundamentos da Lógica Matemática, Logicomix oferece um passeio pela história da
Matemática presente na primeira metade do século XX.

4.4.6 Guia Mangá de Matemática

Conceitos matemáticos como funções, limites, derivadas e integrais também


podem ser apresentados e discutidos em formato quadrinhístico. Em seu Guia Mangá de
Cálculo Diferencial e Integral, Kojima, Togami e Co (2010) oportunizam uma
introdução a esses elementos através de um texto com linguagem acessível tanto a
estudantes de cursos de graduação quanto aqueles que ainda cursam a educação básica.
Destaca-se nesse trabalho a forma simples e direta com a qual os autores apresentam a
definição de função. Expõem alguns exemplos desse conceito relacionado-o a economia
e outros referentes a elementos da Física como temperatura, velocidade e etc. Em
seguida, introduz os conceitos de limites, derivadas e integrais buscando atribuir-lhes
significados práticos. A Figura 4.6 apresenta uma tirinha extraída da HQ.

Figura94.6. Aplicação do cálculo diferencial através de mangás


Fonte. Guia Mangá de Cálculo Diferencial e Integral de Kojima, Togami e Co, 2005, p.199

A partir da Figura 4.6 é possível perceber que a abordagem da HQ não se


restringiu às funções reais de uma variável real. Há um estudo de funções de duas
variáveis e das condições de existência de pontos de máximo ou mínimo. O Guia
Mangá de Cálculo Diferencial e Integral foi originalmente produzido no Japão em
2005. Neste país, cerca de quarenta por cento dos textos impressos são dados em

102
formato de HQs (Upson & Hall, 2013)24. Também em formato de mangá, Takahashi,
Inoue e Co (2012) apresentam alguns conceitos da álgebra linear como matrizes,
vetores, espaço vetorial, dimensão, transformação linear por meio do Guia Mangá
Álgebra Linear. Apesar dos trabalhos de Kojima, Togami e Co (2010), Takahashi,
Inoue e Co (2012) e Doxiadis e Paradimitriou (2013) serem mais viáveis em turmas do
ensino superior, em particular nos cursos de Licenciatura em Matemática, o “uso de
quadrinhos na formação do futuro professor de matemática ainda é embrionário”
(Pereira, 2010, p. 8), pelo menos no contexto brasileiro.

4.4.7 Coleção Beast Academy Guide

Os alunos do ensino fundamental I também são contemplados por literaturas em


quadrinhos destinadas à aprendizagem de Matemática. Alguns conteúdos estudados em
Geometria tais como segmento de reta, semirreta e ângulos são apresentados por
Batterson (2013) em Beast Academy Guide 4A por meio de seus personagens
“monstros”. Outros conteúdos como paralelismo e perpendicularismo entre retas
também são contemplados. A Figura 4.7 apresenta a forma como os personagens da
história apresentam o conceito ângulos25. O texto está escrito em inglês.

Figura 4.7. Definição de ângulo em Best Academy Guide


10

24
Segundo Luyten (2011), porém, esse número atinge a marca de 25% das publicações japonesas.
25
Os textos presentes na figura 4.8 estão traduzidos abaixo de acordo com a ordem em que aparecem na
tirinha, isto é, da esquerda para a direita. Os personagens estão denotados por P1 e P2. O autor tenta fazer
um trocadilho com os significados da palavra right usada tanto para se referir ao ângulo reto (ângulo
“correto”) quanto para expressar o fato de estar correta determinada ideia.

P1: Qual é a definição matemática de ângulo?


P2: Dois raios (segmentos de reta) que partem de um mesmo ponto fazem um ângulo?
P1: Eu lembro agora! Um ângulo correto faz um “L” perfeito.
P2: Está correto.
P1: É exatamente isso o que eu disse.
P2: Eu quero dizer, isto está correto.
103
Fonte. "R & G Definition" de J. Batterson, 2013, Beast Academy Guide 4A, p.17

Na história retratada na Figura 4.7, um dos personagens relembra o outro a


definição de ângulo. Este último vai mais além: Além de recordar o conceito faz
referência a um tipo particular de ângulos: Os ângulos retos. Ao dizer que estes ângulos
“fazem um ‘L’perfeito”, o autor recorre a uma analogia entre o objeto
matemático e uma das letras do alfabeto com o intuito de tornar o primeiro mais
inteligível aos alunos. Essa obra faz parte de um conjunto mais amplo de livros
publicados pelo mesmo autor, destinados à formação matemática de alunos da 3ª e da 4ª
série. Em toda a coleção Beast Academy (em Português, Academia das feras), os
conteúdos matemáticos ─ multiplicação e divisão; as frações; sistemas de medidas;
iniciação às equações; quadriláteros; cálculo de áreas de figuras planas; iniciação ao
princípio fundamental da contagem e etc. ─ são apresentados, em forma de HQs,
através das aventuras vividas pelos monstrinhos protagonistas.

4.5 Tirinhas sobre a Matemática e as suas provocações

Não é raro encontrar a linguagem quadrinística em jornais, páginas da internet e


até mesmo em exames de admissão de certas universidades, no Brasil. Não se trata aqui
de longas HQs. Desta vez, a história é contada através de poucos quadrinhos. Tratam-se
das tirinhas.
Do ponto de vista educacional, as tirinhas herdam os contributos das HQs e ao
mesmo tempo imprimem uma maior capacidade de síntese à mensagem. Podem ser
utilizadas durante a abordagem, de forma pontual, de determinado assunto.
A utilização dos cartoons26 (cartões, em inglês) na formação dos estudantes,
como via de entretenimento e propagação de conhecimentos científicos é assinalada por
Trnova, Trna & Vacek (2013). A Tabela 4.1 apresenta algumas finalidades educativas
dos cartoons e o nome de autores que comungam dessas ideias.

26
A palavra inglesa cartoon ganhou um neologismo no Brasil, cartum, em 1964, na revista Pererê de
Ziraldo (Rabaça & Barbosa, 1987, citados por Silveira, 2002). Segundo Andraus (2006), cartoon é o
"suporte onde eram feitos os desenhos ingênuos e descompromissados de humor, para serem inseridos
nos jornais em seus primórdios" (p. 188).

104
Tabela 4.1

Contributos dos cartoons para a educação

Finalidades educativas dos cartoons Autores citados por


Trnova, Trna e Vacek (2013)
Desenvolvimento da leitura Demetrulias (1982)
Ampliação do vocabulário estudantil Goldstein (1986)
Resolução de problemas Jones (1987)
Formulação de ideias Fren (1988)
Motivação à aprendizagem Heintzmann (1989)
Aquisição de conhecimentos científicos Guttierrez (1992)

Todos os contributos dos cartoons à formação pessoal e escolar dos estudantes


apontados na Tabela 4.1 já foram listados por outros autores, desta vez relacionados às
HQs de um modo geral: Cho e Lawrence (2012), Francis Pelton e Pelton (2009),
Marianthi, Boulodakis e Retalis (2007) e Vergueiro (2006). Estes autores e as suas
concepções acerca das HQs enquanto ferramenta educacional foram referenciados ao
longo deste capítulo.
Frequentemente é possível encontrar tirinhas em livros de Língua Portuguesa
utilizados no Brasil ou em exames de admissão para cursos universitários. Elas também
são utilizadas para fazer denúncia social ou para chamar a atenção sobre deslizes
cometidos por políticos corruptos. No que diz respeito às aulas de Matemática, Costa et
al. (2013) enumeram alguns fatores que justificam a utilização de cartoons: O fascínio
que a conexão entre as linguagens verbal e visual provoca nos estudantes; a possível
articulação entre as várias áreas do conhecimento; o desenvolvimento do raciocínio
lógico por meio do preenchimento das lacunas existentes na leitura; o fácil acesso a esse
material e o seu baixo custo; o interesse e a curiosidade dos discentes por essa mídia
comunicativa. Segundo Trnova, Trna e Vacek (2013), grande parte da aceitabilidade dos
cartoons junto aos jovens deve-se ao seu forte apelo visual. As pesquisas acerca da
utilização da literatura quadrinística no ambiente escolar têm mostrado que “os
estudantes adquirem os conceitos abstratos de melhor forma através de cartoons e HQs
do que por meio de livros didáticos” (Trnova, Trna & Vacek, 2013, p. 239).
Após analisar 160 cartoons que dialogam com o processo de ensino e
aprendizagem de matemática (extraídos de jornais, revistas ou páginas da internet),
Silveira (2002) identificou a predominância de três tipos de abordagens: Alguns
105
cartoons apresentam a matemática como uma Ciência extremamente complexa e quase
inacessível; outros abordam questões de gênero transmitindo a ideia de que a
matemática é Ciência estudada majoritariamente por homens; e ainda há aqueles que
apresentam as avaliações em matemática como o pior momento na vida dos alunos.
Esses temas são tratados de forma bastante humorada e envolvente. A linguagem
utilizada nos cartuns é “narrativa, humorística, criativa, sintética, fragmentada,
exclusivamente visual” (Silveira, 2002, p. 18).
Muitos cartunistas profissionais produzem charges envolvendo assuntos
relacionados à Matemática: Bob Thaves, Dan Piraro, Dave Coverly, Greg Evans, Hilary
Price, Jerry Van Amerogen, Jim Borgman, Mike Twohy e Steve Kelley dentre outros.
Esse fato pode ser comprovado por meio da quantidade de trabalhos disponibilizados na
página http://www.thecomicstrips.com/subject/The-Math-Comic-Strips.php27 (último
acesso em 28 de junho de 2016). Nesse ambiente podem ser encontradas tirinhas
relacionadas à Geometria, Álgebra, Porcentagens, Equações, Frações e etc. Os cartoons
disponibilizados no site são representações do universo da Matemática de forma
humorada e que atendem aos mais variados públicos. Na secção destinada aos trabalhos
vinculados à Geometria há referências a Euclides de Alexandria (que pode ser utilizada
para introduzir o modelo de Geometria que se vê nas escolas); ao matemático Pitágoras
e ao teorema que recebe o seu nome (que permite uma discussão sobre a escola
pitagórica e os seus aspectos filosóficos); distância entre pontos (referenciada de forma
engraçada por meio da colisão entre dois carros); a faixa de Moebius (cartoon bastante
criativo que permite a exploração dessa superfície não orientável); retas paralelas (por
meio da representação de dois automóveis que ao saírem da posição de paralelismo
poderão se chocar) e etc. As ilustrações quando bem analisadas e exploradas podem
resultar em boas discussões envolvendo os conteúdos matemáticos enumerados.
A seguir são apresentados alguns cartoons e charges que podem ser utilizados
nas aulas de Matemática.

27
Trabalhos de outros autores podem ser encontrados nas seguintes páginas:

http://www.csun.edu/~hcmth014/comicfiles/allcomics.html

http://w3.impa.br/~jgomes/comics/comics.html

http://www.lukesurl.com/tags/mathematics

Todos com último acesso em 3 de maio de 2015.

106
4.5.1 Álgebra em cartoons

Toh (2009) defende a utilização de cartoons28 no ensino de Álgebra e a aponta


como elemento motivador na aprendizagem dos alunos. De acordo com esse autor, o
uso de tiras nas aulas pode tornar o ensino de Álgebra mais interessante em detrimento
da abordagem restrita aos textos e livros clássicos. O relato de alguns professores ajuda
a validar tais proposições segundo os quais “através do uso da banda desenhada para
introduzir a álgebra, os estudantes mostraram-se menos resistentes à sua aprendizagem.”
(Toh, 2009, p. 235). A Figura 4.8, extraída de Toh (2009), traz algumas tirinhas
indicadas por esse autor para introduzir a álgebra escolar aos estudantes.

Figura 4.8. Introdução à álgebra através de tirinhas


11

Fonte. "Use of cartoons and comics to teach algebra in mathematics classroom" de T. L. Toh,
2009, Mathematics Of Prime Importance: MAV Yearbook, p.234

Na tirinha retradada na Figura 4.8, dois comerciantes vendem determinadas


quantidades de fruta29. Certo dia, um deles (o que aparece sempre à esquerda) resolve
vender três dessas frutas por $1. O seu concorrente, com o intuito de obter mais clientes,
atribui esse mesmo valor a um total de quatro frutas. Para tornar-se mais competitivo, o
primeiro resolve igualar-se ao segundo. Este último, reduz a sua própria margem de
lucro com o objetivo de vender mais mercadorias que o rival: Passa a vender cinco
frutas por $1. E o processo se repete. Nessa hora as representações algébricas começam

28
Na última secção deste capítulo é ampliada a discussão acerca da utilização de cartoons no processo de
aprendizagem matemática.
29
A linguagem verbal adotada na tirinha faz uso da língua inglesa. A palavra for e a expressão I give
more significam, respectivamente, em português, “por” e “Eu dou mais”.

107
a tornar-se necessárias como se pode ver nos dois últimos quadrinhos. É uma boa
oportunidade de introduzir o tratamento algébrico à luz de episódios do cotidiano.

4.5.2 Adição em Zn através de cartoons

A coleção de livros didáticos IMPACT Mathematics publicada nos Estados


Unidos na primeira década deste século também utiliza em alguns momentos a
linguagem quadrinística para retratar grandes blocos de conteúdos matemáticos:
Números e operações, álgebra, geometria, probabilidade (Cho, 2012). Em uma das
atividades propostas em um dos livros da coleção, os autores introduzem a noção de
adição em outros sistemas numéricos diferentes dos números reais, denominados no
texto como clocks systems (em Português, sistemas-horas). O primeiro sistema
apresentado, o clock-12 system, baseia-se na forma como os relógios estão estruturados:
divide-se uma circunferência em 12 arcos de mesmo tamanho de tal forma que a
Passagem do maior ponteiro do relógio por um desses arcos corresponde a passagem de
cinco minutos no tempo. O processo “zera”, isto é, inicia-se uma nova hora quando tal
ponteiro percorre toda a circunferência. Dessa forma, se o ponteiro passa por quatro
desses arcos (o que corresponde a um total de vinte minutos) e depois por mais oito (ou
seja, 40 minutos), então percorre os 12 arcos completando o ciclo de uma hora. A partir
daí, tem-se, por exemplo, 4 + 8 = 0 (o processo é “zerado”, dando início a uma nova
contagem de minutos). É dessa forma que “funciona” a operação de adição neste
sistema30. Em seguida, o texto introduz o clock-6 system. Dessa vez, o relógio é
dividido em 6 partes (arcos) que representam um total de dez minutos cada conforme
mostra a Figura 4.9 extraída de McGraw-Hill (2009)31.

30
O clock-6 system pode ser entendido como o conjunto Z6, isto é, grupo dos inteiros módulo 6 (Garcia
& Lequian, 2003). Analogamente, o clock-12 system corresponde ao grupo dos inteiros módulo 12.
31
Os textos presentes na figura 4.9i podem ser traduzidos da seguinte forma, de acordo com a ordem em
que aparecem na tirinha:
“Para resolver x + 4 = 1 no sistema clock , eu devo adicionar o inverso de 4 em ambos os lados para
eliminar o 4”.
“Como o inverso de 4 é 2, eu adicionarei 2 em ambos os lados”.
“Desde que 4 + 2 = 0 no sistema 6-clock, então x = 3”.

108
Figura 4.9. Adição em clock 6-system
12

Fonte. Impact mathematics: Algebra and more de Education Development Center, 2005, p.222

A situação retratada na Figura 4.9 consiste na resolução da equação x + 4 = 1 no


sistema clock-6. De modo análogo ao que ocorre com as equações no universo dos
números reais, deve-se adicionar o inverso aditivo de 4 em ambos os lados da igualdade
para por fim obter-se o valor de x. Tal inverso é igual a 2 visto que no sistema dado 4 +
2 = 0 (ou seja, quarenta minutos sucedidos de vinte minutos corresponde a uma hora
completa). Por meio da linguagem quadrinísitca expõe-se a resolução de uma equação
cujo conjunto universo faz parte do dia a dia escolar dos estudantes. Mais tarde quando
esses atores iniciarem os estudos na Teoria de Grupos, em Álgebra32, as operações
dessa natureza tornar-se-ão mais corriqueiras por meio dos conjuntos dos números
inteiros módulo n, com n inteiro positivo maior que 1 (Garcia & Lequian, 2013). Além
da adição em clock-systems, a exposição de outros conteúdos presentes no livro
(funções linear, quadrática, exponencial, radiciação, equações e inequações,
transformações geométrica) também faz uso de cartoons.

4.5.3 Paralelismo em cartoons

A Figura 4.10, extraída de http://www.thecomicstrips.com/subject/The-Math-


Comic-Strips.php (último acesso em 28 de junho de 2016), apresenta uma tirinha
assinada pelos cartunistas Bob Thaves e Tom Thaves onde a noção de paralelismo é
retratada.

32
Caso optem, na universidade, pelos cursos de Licenciatura ou Bacharelado em Matemática.

109
Figura 4.10. A noção de paralelismo ao aprender a dirigir
13

Fonte. Site http://www.thecomicstrips.com/subject/The-Math-Comic-Strips.php


(último acesso em 28 de junho de 2016)

Na Figura 4.10 um dos personagens está aprendendo a dirigir e o outro é o


professor da autoescola. Este último diz ao primeiro que estacionar um carro
paralelamente a outro é "apenas uma questão de geometria". O aprendiz, porém,
surpreende o professor revelando-lhe a possibilidade de colidir com em algo, podendo
ser inclusive o carro ao seu lado. Desta forma, os cartunistas provocam algumas
inquietações nos apreciadores do seu trabalho: Será que o aprendiz está apresentando
apenas uma dificuldade natural de todo motorista iniciante ou ele não compreendeu
muito bem as orientações do professor da autoescola por não dominar geometria?
Ademais, trata-se de uma boa oportunidade de recordar aos fãs de Thaves o significado
do paralelismo entre retas.

4.5.4 Grandezas proporcionais em cartoons

O desenhista e escritor brasileiro Ziraldo Alves Pinto, mais conhecido como


Ziraldo, também faz uso da Nona Arte para passear pelos domínios da Matemática. Na
Figura 4.11, o cartunista utiliza o seu mais célebre personagem, O menino maluquinho,
para tratar das Grandezas Proporcionais. Com apenas três quadrinhos e com a leveza
que lhe é peculiar, o autor consegue explicar o que são grandezas inversamente
proporcionais.

110
Figura 4.11. Tiras de O Menino Maluquinho de Ziraldo
14

Fonte. Site http://www.revista.vestibular.uerj.br/questao/questao-objetiva.php?seq_questao=666


(último acesso em 28 de junho de 2016)

Como se pode perceber através da Figura 4.11, com apenas três quadrinhos e
com a leveza que lhe é peculiar, Ziraldo consegue explicar o que são grandezas
inversamente proporcionais.

4.5.5 Conjuntos numéricos em cartoons

A obra do cartunista norte americano Chris Browne também dialoga com a


Matemática em alguns momentos. Em um de seus trabalhos, publicados no Jornal O
Globo, é possível encontrar referência ao uso da Matemática. As tirinhas do personagem
Hagar, o terrível, presentes na Figura 4.12, permitem algumas discussões interessantes.

Figura 4.12. Tiras de Hagar, o horrível, de Chris Browne


15

Fonte. Site http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=27843


(último acesso em 28 de junho de 2016)

Ao pedir que seu companheiro Eddie Sortudo conte até dez, Hagar
provavelmente imaginou que ele o fizesse dentro do universo dos números naturais.

111
Mas, por outras razões ─ que competem à interpretação do leitor ─ ele resolveu
trabalhar em outro subconjunto dos números reais.

4.5.6 Matemática financeira em cartoons

O cálculo de percentagens configura outro conteúdo matemático presente nos


cartoons. Na tirinhas de Na Prancha Bamba, de autoria de Chip Dunham, publicadas no
Jornal O Globo (Figura 4.13) ocorre essa associação. Na história há um erro no cálculo
da gorjeta destinada aos funcionários de determinado restaurante.

Figura 4.13. Tiras de Na Prancha Bamba retiradas do jornal O Globo, 1996


16

A tirinha retratada na Figura 4.13 pode ser utilizada pelo professor de


Matemática em sala de aula na perspectiva de levar os alunos a encontrarem a solução
correta para o problema.

4.5.7 Onde encontrar e como utilizar os cartoons

Os professores de Matemática atentos às tirinhas publicadas em jornais, ou


àquelas que aparecem em exames vestibulares ou que estão presentes em sites e blog
especializados em histórias em quadrinhos poderão encontrar diversos elementos para
trabalhar em sala. Por trás do humor que as tirinhas ou os cartoons contêm, há sempre
um objeto específico a ser discutido. Identificá-lo e interpretá-lo pode ser uma
interessante tarefa proposta pelos professores aos seus alunos. Desta forma, os
conteúdos matemáticos podem penetrar no universo dos estudantes de forma lúdica
proporcionando-lhes diversão ao mesmo tempo em que aprendem (Afrilyasanti &
Basthomi, 2011; Beluco, 2000; Costa, Duarte, Cavalcanti, Almeida & Filha, 2013).

112
Quanto à metodologia empregada no que tange à utilização dos cartoons nos
ambientes escolares, algumas alternativas se revelam promissoras: A análise e a
discussão, em sala de aula (Beluco, 2000; Costa et. al., 2013) ou a confecção dos
cartoon pelos próprios discentes (Costa et. al., 2013; Trnova, Trna & Vacek, 2013). No
primeiro caso, sublinha Beluco (2000), o docente deve levar os alunos a explorarem ao
máximo as informações existentes nos cartoons ao invés de encará-los como um
simples passatempo. Ao utilizar esse tipo de mídia é importante concebê-lo como uma
fonte de discussão, reflexão e aprendizagem. A princípio, recomenda o autor, deve-se
contextualizar a história apresentada. Em seguida, explorar a matemática ali presente e,
por fim, inferir sobre o problema ou situação expostos. No segundo caso, apontam
Trnova, Trna e Vacek (2013), os estudantes deverão “estudar as informações
necessárias ao criar textos inserido-os em ‘balões de fala’ e devem formular declarações
curta e significativa e cientificamente corretas” (p. 239). Ao criaram os seus próprios
cartoons, os discentes podem ser estimulados a representar uma aplicação do conteúdo
trabalhado numa situação da vida real, pontuam os autores.

4.6 A criação das histórias

A criação de HQs educacionais exige motivação e vontade de arriscar. Todo


indivíduo pode desenvolver a sua criatividade e esta, segundo Price (2006), pode-se
relacionar com qualquer área do conhecimento (inclusive com a Matemática). Para isso
é preciso que algumas condições sejam ofertadas ao sujeito: Oportunidade, estimulação
e conhecimento daquilo que se pretende expor. O medo de elaborar um roteiro simples
ou até mesmo infantil poderá impedir o desabrochar de histórias ricas em imaginação e
recheadas de objetos matemáticos. É preciso deixar as ideias fluírem e estar aberto para
realizar alterações no roteiro inicial sempre que necessário.
A confecção de uma HQ potencializa a racionalidade e a criatividade do
indivíduo (E. Santos, 2011). A dimensão racional diz respeito à sequência lógica da
história, o encadeamento das idéias, o desenvolvimento do roteiro, a demarcação dos
objetivos e a compreensão daquilo que se pretende contar. Para abordar a soma das
medidas dos ângulos internos de um triângulo, por exemplo, é preciso fazer
anteriormente alguma exposição sobre paralelismo entre retas. Da mesma forma, para
mostrar que todo triângulo admite pelo menos dois ângulos agudos é necessário que o
leitor tenha conhecimentos prévios sobre o Teorema do Ângulo Externo. A dimensão
113
criativa passeia pelo universo das artes, comporta elementos subjetivos e implica no
acabamento visual e estético da obra. Fornece à história um caráter mais sério ou mais
leve conforme o desejo do autor. Essas duas dimensões são pontuadas por E. Santos
(2011), segundo o qual:

Um professor – na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio,


no ensino superior e mesmo nos cursos de pós-graduação – tendo presente as
especificidades dos alunos com os quais trabalha, pode se utilizar da linguagem
dos quadrinhos para ajudá-los a reconhecerem e desenvolverem estes dois
aspectos da razão humana: a razão sensível e a razão simbólica. (p. 129)

O produto final é fruto das experiências sensoriais, da imaginação ou das


histórias já ouvidas e coletadas pelo professor-autor (ou aluno-autor). A compreensão
que o autor da HQ ─ seja ele o docente, o discente ou algum colaborador externo ─
detém sobre o assunto e as conexões que estabelece entre esse e o mundo ao seu redor
são perceptíveis de alguma forma em seu trabalho. Não se trata de um algoritmo
executado da mesma forma por qualquer operador. Talvez muitos professores de
Matemática adotem os mesmos passos para demonstrar o Teorema de Pitágoras em sala
de aula: Apresentam os casos de semelhança de triângulos; explicitam as relações
métricas entre os lados do triângulo retângulo, as projeções dos catetos e a altura
relativa à hipotenusa; e por fim provam o Teorema de Pitágoras (o que também é
possível ser feito após o estudo de áreas das figuras planas). Entretanto, para apresentar
o mesmo assunto através de uma HQ, cada professor o fará de uma forma diferente a
partir de uma história que lhe seja peculiar, que provenha de outras leituras ou de
associações que estabeleça entre o Teorema de Pitágoras e outros contextos não
escolares. Os pré-requisitos conceituais continuam os mesmos e provavelmente, a maior
parte dos professores os mantenha. O que irá diferir um trabalho do outro será a história
criada, o elemento pessoal que brota de maneira diferente em cada pessoa.
Desde o seu nascimento, as HQs tem agregado comicidade aos seus textos.
Contudo, apesar de muitos textos em formato de literatura quadrinística serem
construídos numa perspectiva cômica, A. Smith (2006) sublinha que a literatura
quadrinística não precisa necessariamente apresentar uma mensagem de forma
engraçada. Conceber as HQs como fonte de humor significa limitar o potencial
comunicativo dessa mídia (Keongh & Naylor, 1999).
No que diz respeito ao diálogo entre os personagens, deve-se priorizar frases
curtas e objetivas. Segundo Luyten (2011b), deve-se evitar "quadrinhos com excesso de

114
texto nos balões dificultando a leitura e, consequentemente, a assimilação do conteúdo"
(p. 25). Segundo a autora, a linguagem coloquial é aquela comumente utilizada.

4.6.1 Narrativas sobre o cotidiano

No ensino de Matemática pode-se considerar na elaboração do roteiro das HQs


algumas situações do cotidiano dos alunos. A Geometria desde o seu nascimento
revelou-se como uma Ciência notadamente aplicada à vida das pessoas (Boyer, 1996) e,
portanto, a inspiração para a elaboração das histórias pode emergir do dia a dia do autor.
A simples observação de um campo de futebol já aponta uma série de elementos de
Geometria Plana. O mesmo é possível dizer a respeito das construções arquitetônicas
das grandes cidades (nesse caso, a Geometria Espacial também pode ser contemplada).
Com relação às outras áreas da Matemática, pode-se pensar nas atividades
desenvolvidas nos ambientes comerciais dos centros urbanos ou nas feiras nas cidades
do interior como cenário favorável para o estudo dos números racionais, para o cálculo
de juros e porcentagens, por exemplo.
O diálogo entre as HQs destinadas à aprendizagem de Matemática e o cotidiano
dos discentes aparece nos estudos desenvolvidos por Balladares (2014). Em sua
pesquisa de mestrado, a autora propôs a um grupo de estudantes do nono ano do ensino
fundamental de uma escola pública da cidade de Pelotas que confeccionassem histórias
em quadrinhos tendo os contos do livro O homem que calculava, de Malba Tahan33,
como fonte inspiradora. As histórias desenvolvidas pelos discentes relacionavam a
matemática com pescaria e venda de peixes, camarões e outros frutos do mar. O fato
dos participantes residirem em uma colônia de pescadores parece explicar o enredo das
HQs.

4.6.2 Narrativas ficcionais

As HQs com fins educacionais também podem ser construídas numa perspectiva
mais fictícia por meio de histórias que envolvem super-heróis, duendes, bruxas e etc. É
o caso de uma HQ confeccionada por discentes do curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Federal da Bahia ingressantes em 2012: Geo Rangers na

33
Malba Tahan é um pseudônimo do matemático brasileiro Júlio César de Melo e Sousa.

115
pirâmide euclidiana (Assis & Araújo, 2015). Nessa HQ, os Geo-Rangers são os super-
heróis que corrigem os equívocos presentes em livros de geometria plana euclidiana. De
acordo com Assis e Araújo (2015), “construir essa história levou os estudantes a
compreender a sequência lógica que fundamenta os resultados matemáticos ali
contemplados”(p. 4). As HQs produzidas por outros alunos, na pesquisa desenvolvida
por Assis e Araújo (2015), também seguiram uma perspectiva ficcional.
Conforme exposto, na elaboração de uma HQ com fins educacionais o autor
pode-se apropriar de alguma realidade que tem conhecimento ou criar situações fictícias
para oxigenar a história. Ainda que a sua Nona Arte seja acolhida em diversos
ambientes educacionais ─ escolas rurais, colégios dos grandes centros urbanos, escolas
de comunidades indígenas e etc. ─ ela será aproveitada com maior intensidade em
alguns contextos em detrimento de outros. Os seus personagens, o enredo e os cenários
podem se relacionar de forma mais adequada com a realidade cultural de uma parte do
país que de outra. Essas questões reforçam a necessidade de, em alguns casos, os
docentes criarem as suas próprias narrativas. Uma reflexão a respeito do tipo de história
que se entrelaça com a cultura da comunidade do entorno é um bom ponto de partida.
Em alguns casos, pode-se chegar a conclusão de que os alunos preferem aprender certos
conteúdos escolares por meio de enredos extremamente fictícios e sem relação alguma
com a realidade social na qual se inserem. Em outros, a tônica da história pode advir da
cultura cotidiana (a linguagem da comunidade, os seus valores, seus costumes, o
folclore e etc.). Nessa abordagem, a gênese da história pode estar nas músicas que os
alunos ouvem, nos esportes que praticam, nos programas de televisão que assistem, no
bairro onde moram, na academia que freqüentam, ou seja, em realidades que circundam
o dia a dia deles. Santos e Silva (2011) interpelam a comunidade escolar a redigir as
suas próprias histórias, seus próprios textos acadêmicos:

(...) crianças, professores/as e alunos/as precisam criar novas narrativas, que


considerem nossa complexidade, nossa subjetividade, nossas capacidades
imaginativa e intuitiva, e nossa necessidade de sentido. Que história estamos
construindo? Qual queremos construir? Que novas narrativas nos ajudarão a
construí-las. (p. 15)

Para aqueles que se aventuram e se debruçam sobre o processo de confecção de


HQs para fins educacionais alguns aspectos se revelam dignos de reflexão. O respeito
pelo outro e pelas diferenças entre os indivíduos deve ser preservado nas narrativas. Não
se trata de instituir um mecanismo de controle e censura semelhantes àqueles impostos

116
às HQs comerciais na segunda metade do século passado, no Brasil e em outros países
como os Estados Unidos da América (Vergueiro, 2006). Trata-se apenas de banir toda
forma de discriminação. Nesse sentido, questões de interesses pessoais – religião,
política, orientação sexual ─ precisam ser cuidadosamente ponderadas. Embora não
exista neutralidade na obra de qualquer pessoa ─ inclusive, professor, aluno, pais e etc.
─ a banda desenhada para fins didáticos deve prestar um serviço à propagação do
conhecimento escolar-acadêmico-científico e não favorecer à divulgação de ideologias
políticas, raciais, religiosas ou de qualquer outra natureza (a menos que seja no intuito
de promover o respeito à diversidade).

4.6.3 A criação dos desenhos: Um problema para alguns alunos

Alguns estudantes podem se mostrar resistentes à tarefa da confecção de HQ em


virtude da construção dos desenhos. Muitos alunos não querem desenhar. Têm vergonha
de seus próprios desenhos e intimidam-se. As investigações realizadas por Anchieta
(2011) e N. Santos (2011) corroboram tais assertivas.
Anchieta (2011) elaborou uma HQ envolvendo o conceito de Mínimo Múltiplo
Comum a qual foi lida por alunos de três turmas do sexto ano de uma escola municipal
de São Luís, no Maranhão. Em seguida, houve discussão acerca do seu conteúdo. A
etapa seguinte consistiu na confecção de uma HQ, pelos alunos, versando sobre o
conteúdo critérios de divisibilidade. Os alunos sentiram dificuldades. Os problemas
residiram mais no ato de desenhar do que no conteúdo matemático propriamente dito
(Anchieta, 2011).
N. Santos (2011), em sua pesquisa de mestrado, trabalhou com alunos do sexto
ano de uma escola particular da cidade do Rio de Janeiro. Desta vez foi permitido ao
aluno escolher o conteúdo matemático que deveria retratar em sua HQ. Mas o entrave
foi o mesmo: Os alunos se julgavam inaptos a desenhar 34. Levando em consideração as
dificuldades impostas pela criação de desenhos pelos próprios alunos, N. Santos (2011)
lhes propôs que as HQs fossem produzidas na homepage
www.maquinadefazerquadrinhos disponível à época. Nesse sítio eram disponibilizados
os personagens da Turma da Mônica, cenários e objetos. Cabia ao usuário reunir esses

34
Esse problema pode ser contornado através da utilização de softwares ou sites destinados à confecção
de HQs como será visto em outra secção deste capítulo.

117
elementos para dar vida à sua própria história. Houve HQs sobre decomposição de
números naturais em fatores primos e sobre perímetro de figuras planas, dentre outros
assuntos. Segundo o autor, a criação das HQs proporcionou a diminuição da resistência
dos discentes à Matemática. Pontua também que as HQs reduzem as barreiras entre os
estudantes e a prática da leitura. Segundo o autor "as imagens falam" (p. 46) e a sua
presença maciça nas HQs torna essa mídia mais atraente que os livros didáticos, pelo
menos para as crianças.
A dificuldade com a criação de desenhos pode ser contorna através da utilização
de sites ou softwares destinados à confecção de HQs como será visto a seguir.

4.6.3 Onde fazer as histórias em quadrinhos?

O docente ou discente interessado em produzir HQs para tratar de temas


matemáticos, mas que se esbarram nas dificuldades com a criação, à mão, dos desenhos
não há mais com o que se preocupar. Já existem ambientes virtuais dedicados à
confecção de HQs. Cabe ao usuário escolher a ferramenta que melhor lhe convém.
Franco (2011) apresenta alguns exemplos acompanhados de seus respectivos endereços
eletrônicos35: Hagáquê, Stripcreator, Stripgenerator e Toondoo. O autor também
menciona o Blender, um “software gratuito e de código aberto para criação de
imagens 3D”(p. 116). Através de pesquisas realizadas na internet é possível encontrar
outros mecanismos de construção de histórias em quadrinhos a exemplo do Bitstrips e
do Goanimate. A inoperância com desenhos manuais deixou de ser o grande problema.
A Tabela 4.2 apresenta os endereços eletrônicos nos quais os editores de HQs
mencionados podem ser encontrados36. Nos parágrafos que a sucedem são descritos,
com um pouco mais de detalhes, três dessas mídias: O Goanimate, o HagáQuê e o
Toondoo.

35
Os sites ou softwares mencionados não limitam à criação de HQs destinadas à aprendizagem de
Matemática. Antes, em particular, podem também ser adotados para esse fim.
36
Todos os endereços eletrônicos mencionados têm como último acesso, no que diz respeito à produção
deste texto, o dia 02 de maio de 2016.

118
Tabela 4.2
5

Editores de HQs

Editor Endereço eletrônico


Bitstips https://www.bitstrips.com
Goanimate https://goanimate.com

HagáQuê http://www.nied.unicamp.br/?q=content/hagaque
Stripcreator http://www.stripcreator.com

Stripgenerator http://www.stripgeneretor.com
Toondoo http://www.toondoo.com

A seguir são descritos, com um pouco mais de detalhes, três mídias citadas na
Tabela 4.2: O Goanimate, o HagáQuê e o Toondoo. O uso dos outros editores presentes
na mesma tabela pode ser feito a partir de tutoriais disponibilizados em páginas da
internet.

Goanimate

O Goanimate permite ao usuário inserir áudio às histórias e funciona quase


como um desenho animado. Possui uma galeria com cenários, personagens e objetos
que possibilitam a formação imagética da HQ. Foi a mídia utilizada por Patrocínio
(2012) ao utilizar a Nona Arte para tratar das operações envolvendo Números Naturais
em um grupo de estudantes do 5º, 6º e 8º ano de uma escola da zona leste da região
metropolitana de São Paulo. O seu trabalhou dedicou-se a elaboração das histórias em
quadrinhos pelos alunos, embora ele também tivesse confeccionado uma HQ para
explicar-lhes o processo. O autor destacou, ao fim da experiência, que os docentes
dispostos a investir nessa metodologia devem motivar e estimular constantemente os
seus alunos. Caso contrário, eles podem se mostrar aptos a desistir. Nesse caso, os
problemas não se relacionam com a construção dos desenhos como em trabalhos
anteriores. Podem resultar, porém, da criação do roteiro das histórias. É uma etapa
delicada que exige criatividade. É importante que o docente tenha em mente algumas
idéias iniciais para o enredo das histórias. Assim, poderá ajudar os seus alunos a tirar as
suas histórias da inércia. Ao final da sua pesquisa, o autor destacou o aumento da

119
motivação dos alunos em parte impulsionado pelas ferramentas do próprio Goanimate
que possibilitam dar movimentação e atribuir sons aos seus personagens.

HagáQuê

No ano de 2001, Sílvia Amélia Bim, na ocasião mestranda em Ciências da


Computação pela Universidade de Campinas, Unicamp, desenvolveu em sua dissertação
de mestrado ─ com a ajuda da sua orientadora, Heloísa Vieira da Rocha, e de Eduardo
Hideki Tanaka ─ um software destinado à confecção de histórias em quadrinhos para
fins educacionais (Franco, 2011). Esse software, chamado HagáQuê, foi concebido de
tal modo que pudesse ser utilizado por crianças e por pessoas com pouca habilidade no
manuseio de computadores. Trata-se de um software gratuito, de fácil manipulação e
acessível àqueles que se aventuram a operá-lo. Possui um banco de dados com cenários,
personagens e alguns objetos que podem ser utilizados na composição das histórias.
Uma das suas fragilidades consiste na impossibilidade de alterar as expressões faciais
dos personagens. Com recursos mais sofisticados que o HagáQuê, destaca-se o editor
de histórias em quadrinhos conhecido como TooDoo. Os dois representam ferramentas
gratuitas utilizadas para a confecção de HQs. O primeiro é um software e o segundo, um
site.

Toondoo

O Toondoo sobressai-se ao HagáQuê por possuir uma biblioteca mais ampla. O


número de personagens, acessórios e cenários é bastante satisfatório: 470 planos de
fundos divididos em paisagens naturais, imagens do espaço sideral, cômodos de casas,
espaços escolares, bibliotecas, ruas, quadras esportivas e alguns pontos turísticos
internacionalmente conhecidos (a ponte Golden Gate nos Estados Unidos da América;
as pirâmides do Egito; as muralhas da China; a Torre Eiffel; a Torre de Pisa, dentre
outros); 490 personagens masculinos, 281 femininos e 264 crianças (na verdade em
cada montante desses há personagens iguais que reaparecem em posições diferentes),
além das representações de animais e personagens caricatos; 1227 imagens diversas
distribuídas entre representações de datas comemorativas, frutas, vegetais e outros
alimentos diversos; objetos pertencentes ao interior de casas, clubes, escolas e etc.;
logomarcas, objetos esportivos e outras formas de modo geral. Esse editor de HQs ainda
120
possibilita ao usuário modificar as expressões faciais de diversos personagens. Eles
podem ser representados com semblantes de tristeza, alegria, preocupação ou euforia,
conforme o caso. Há também a possibilidade de importar figuras de outros ambientes de
acordo com a necessidade do usuário.
Para acessar o Toondoo, como a maioria dos sites de mesma finalidade, é
necessário abrir uma conta, cadastrando-se em sua respectiva página. Nesses ambientes,
não é raro ocorrer o surgimento de versões aprimoradas dos recursos destinados à
confecção da banda desenhada. Segundo Franco (2011), “o número de ferramentas
computacionais para a criação de HQs aumenta a cada dia na internet. Com uma busca
simples o professor encontrará muitos outros softwares gratuitos que poderão auxiliar
seus alunos.” (p. 116).
A escolha da mídia a utilizar depende do autor das HQs. Ele deve levar em
consideração a compatibilidade entre os personagens e os cenários que lhe são
oferecidos e as idéias que povoam o seu pensamento. Se o seu traçado criativo almeja
personagens mais engraçados e caricatos a escolha pode ser uma. Se ele busca
elementos mais próximos da realidade, a seleção já é outra. A história a ser contada dá o
tom e o ajuda a escolher o ambiente computacional. As poucas variações gestuais e
faciais dos personagens do HagáQuê podem ser convertidas em belas histórias ao passo
que as múltiplas possibilidades do ToonDoo não impossibilitam a criação de um roteiro
frágil e pouco contagiante. Mais importante que a ferramenta escolhida é a criatividade
e a ousadia do criador da história. Por exemplo, a abordagem do cálculo de áreas de
figuras planas por meio de uma narrativa que se passa em uma quadra poliesportiva
parece mais instigante que a sua exposição através de uma história que se passa
exclusivamente numa sala de aula. Embora o conhecimento específico do assunto
constitua uma condição necessária para a criação do roteiro, ele não é suficiente para
garantir o sucesso da história. O autor necessita de inspiração, sensibilidade e
criatividade. Os seus sentidos precisam se conectar com o mundo e, no caso dos
professores de Matemática, é necessário enxergar a Matemática que está ao seu redor e
no seu dia a dia de seus alunos.

4.7 Por que não utilizar HQs em ambientes escolares?

Com a constatação da existência de HQs dedicadas ao ensino de Matemática, a


pergunta feita neste capítulo ─ “Se essa literatura existe por que não é utilizada nos
121
ambientes escolares?” ─ passa a ter sentido e admite algumas respostas. A presença de
textos em formato de HQ versando sobre tópicos da Matemática ─ ainda que em
quantidades pequenas ─ aliada ao “consentimento” dado pelo Ministério da Educação
brasileiro quanto à entrada da banda desenhada na sala de aula parecem incongruentes
com o número de relatos que se tem conhecimento. Alguns elementos parecem justificar
esse descompasso. Um deles é a dificuldade que alguns professores têm em mudar a
metodologia de ensino. Há, entretanto, aqueles docentes abertos às novas metodologias
(jogos, materiais manipuláveis, laboratório de informática), mas entre elas não incluem
as HQs. Talvez porque não saibam como utilizá-las, ou por julgarem esse tipo de
literatura um instrumento exclusivamente lúdico. Há ainda aqueles que nem sequer
pensaram a respeito.
Não se pode desconsiderar também a hipótese de que a aplicação de histórias em
quadrinhos em sala pode implicar no aumento do trabalho docente em virtude das horas
dedicadas ao planejamento das ações e à seleção ou confecção das HQs. A análise
segundo essa perspectiva ajuda a justificar a rejeição de alguns professores quanto ao
trabalho envolvendo a literatura quadrinhística. Por não se tratar de um simples
passatempo, a utilização da banda desenhada nas atividades escolares exigirá do
professor a delimitação dos objetivos da atividade, os ajustes na metodologia e a
avaliação dos resultados. Implicará na compreensão da linguagem da banda desenhada,
do seu poder de alcance e de suas limitações. Se a esses fatores ainda for adicionada a
existência de alunos com necessidades especiais, a entrada da banda desenhada no seio
escolar parece impossível. Mas não o é. O estimável trabalho de L. Silva (2010) revela
que a Nona Arte pode ser concebida para a aprendizagem de estudantes que possuem
algum tipo de deficiência visual. Com a ajuda de dois jovens, um cego e outro vidente,
a autora trabalhou na confecção de uma história em quadrinhos em alto relevo e com
textos escritos em Braille. A história se passa entre dois personagens e tem como
objetivo apresentar o Teorema de Tales. Esse trabalho provém da pesquisa de mestrado
de L. Silva (2010) e pontua o quanto pode ser valoroso, para o ensino de Matemática, o
trabalho envolvendo histórias em quadrinhos.
A leitura das HQs não constitui um fim em si mesma. Daí, a necessidade do
docente intervir durante ─ quando perceber a necessidade ─ e, principalmente, após o
contato dos alunos com as histórias. Alguns questionamentos constituem o ponto de
partida do debate mediado pelo professor: De que se trata a história? Quem são os
personagens envolvidos? Quando e onde se passa a história? O que você aprendeu?
122
Você discorda de alguma abordagem? Como você retrataria esse mesmo assunto? É
possível aplicar o conteúdo apresentado em seu dia a dia? Como? E a partir daí, dá-se
como iniciadas as discussões!
A despeito de, em alguns momentos, contemplarem tópicos de geometria, as
HQs e os cartoons mencionados neste capítulo não o fazem em um viés axiomático.
Será possível fazê-lo? Ou seja, é viável utilizar a literatura em quadrinhos para
apresentar as definições, os teoremas e as demonstrações em Geometria? Quais as
vantagens e os limites desse tipo de abordagem? Essas são algumas das questões que
moveram a condução deste trabalho. Para dar conta delas, foi realizado um estudo de
caso envolvendo estudantes de um curso de Licenciatura em Matemática aos quais
foram aplicadas setes HQs que expunham alguns conteúdos de geometria euclidiana
plana a partir da lógica dedutiva. O próximo capítulo destina-se à apresentação destes
participantes e à metodologia adotada ao longo da investigação.

123
124
Capítulo 5

Delineamento metodológico da pesquisa

A investigação descrita ao longo deste trabalho visa identificar os contributos


e as fragilidades que a exposição da Geometria Euclidiana Plana através da banda
desenhada oferece à formação dos estudantes. Diferente do que ocorre em alguns
trabalhos que dialogam com a Geometria por meio da linguagem quadrinística  como
aqueles desenvolvidos por Batterson (2013), Imenes, Jakubo e Lellis (2004), Petit
(1980) e Sousa (2011)  desta vez a literatura em quadrinhos presta-se à apresentação
dos conteúdos geométricos a partir de uma perspectiva axiomática. Diante da ausência
de HQs que trazem esse tipo de abordagem, coube ao investigador confeccioná-las. O
ambiente virtual utilizado para esse fim e os conteúdos que compuseram as HQs serão
descritos com mais detalhes ainda neste capítulo. Tais HQs voltam-se, prioritariamente,
para a aprendizagem de Geometria de estudantes universitários, mais especificamente
aqueles matriculados em cursos de Licenciatura ou Bacharelado em Matemática. Este
fato se justifica pelo abandono do ensino de Geometria através do tratamento formal-
dedutivo no âmbito da escolaridade básica (Barbosa, 2006; Crescenti, 2005; Jones,
2002) o que faz com que as HQs produzidas ainda não tenham aderência ao que ocorre,
atualmente, no chão da escola.
A investigação contou com a presença de uma turma de estudantes do curso de
Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
Bahia, Brasil, os quais atuaram como os sujeitos (participantes) da investigação. A estes
estudantes, alunos do primeiro ano do curso à época, foram aplicadas sete HQs em
dezesseis encontros realizados na própria universidade durante o segundo semestre do
ano de 2014. O desejo de realizar pesquisas que dialogam com os espaços acadêmicos
em que convive levou o pesquisador a escolher os seus próprios alunos como sujeitos de
investigação. A anuência da direção do campus da UFRB onde a pesquisa foi
desenvolvida se constituiu enquanto outro elemento motivador. Esses critérios de
seleção apresentam-se em conformidade com as idéias de Mazzotti e Gewandsznajder
(1999), segundo os quais:

Ao contrário do que ocorre com as pesquisas tradicionais, a escolha do campo


onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes é proposital, isto é, o
125
pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo e também
das condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos.
(p. 162)

Participou da pesquisa um total de 32 estudantes, 26 do gênero masculino e 6 do


feminino. Suas idades variavam, à época, entre dezessete e trinta e cinco anos incluindo
esses valores. Metade desses atores é oriunda de cidades do Recôncavo Baiano ou
circunvizinhas ao município de Amargosa (onde está situado o campus universitário
onde ocorreu a investigação) tais como Conceição do Almeida, Elísio Medrado,
Governador Mangabeira, Laje, Mutuípe, Santa Terezinha, Santo Antônio de Jesus. Um
quarto dos participantes é originário de outras cidades do interior da Bahia. Apenas seis
estudantes são amargosenses e dois são soteropolitanos37. Oriundos de famílias
humildes ou de classe média-baixa, apenas sete estudantes tinham, à época, pai e mãe
com escolaridade básica concluída. Deste número, apenas três possuíam pai ou mãe
com formação universitária. Aproximadamente dois terços dos participantes são filhos
da escola pública no sentido de terem cursado toda a educação básica em escolas da
rede municipal ou estadual de ensino. Dos demais, apenas um estudou integralmente em
uma escola privada. Os outros tiveram formação escolar alternada entre a escola pública
e a escola particular.
O fato dos estudantes estarem ingressando na universidade foi primordial para
que os mesmos fossem escolhidos como sujeitos da investigação. Eles estavam tendo os
primeiros contatos com a abordagem axiomática em Geometria o que lhes permitia
fazer uma análise mais honesta das HQs quando lhes era solicitado. Com efeito, caso os
estudantes já tivessem estudado, numa perspectiva axiomática, os conteúdos presentes
nas HQs estariam mais propícios a compreendê-los tornando difícil identificar os reais
contributos advindos da banda desenhada.
Para proceder com a investigação, o professor e pesquisador (esses dois termos
serão utilizados a partir de agora como sinônimos) observou, acompanhou e escutou os
participantes na medida em aplicava as HQs em sala de aula. Ao final de cada aplicação
foram aplicadas algumas atividades inerentes aos conteúdos ali expostos. A descrição
pormenorizada de tais atividades e da composição das HQs caberá ao próximo capítulo.

37
Amargosense e soteropolitano são palavras usadas para designar as pessoas que nascem,
respectivamente, nas cidades de Amargosa ou Salvador.

126
Aqui serão apresentados os demais instrumentos de recolha de dados como
questionários, entrevistas, diário de bordo além de gravações de áudio.
A dinâmica da intervenção junto à turma será detalhada mais à frente, neste
capítulo. Centrou-se, resumidamente, na aplicação das HQs, em duplas, seguida de
discussão coletiva acerca dos seus conteúdos. Somente após essa etapa, eram entregues
aos participantes as atividades mencionadas no parágrafo anterior. As atividades eram
devolvidas ao investigador que as utilizou para identificar o tipo de raciocínio
geométrico dos estudantes após a leitura da banda desenhada.
A pesquisa desenvolveu-se a partir do paradigma qualitativo de investigação
tendo o estudo de caso como modelo metodológico. Os elementos que justificam essa
escolha são apresentados nas próximas três seções deste capítulo. Em seguida, são
apresentados o delineamento da investigação, os instrumentos de recolha de dados, o
método adotado para analisá-los e, por fim, são desenvolvidos alguns comentários
acerca da qualidade científica da investigação.

5.1 O paradigma qualitativo de investigação

O processo de aprendizagem é um movimento complexo que além das


dimensões cognitivas perpassa por sentimentos, emoções, sonhos e medos.
Compreender esse processo sob uma perspectiva estritamente racional e objetiva,
levando em consideração somente os aspectos visíveis e que dizem respeito ao
comportamento dos aprendizes, seria desconsiderar as motivações e as dimensões
emocionais que atravessam a experiência da aprendizagem. O contexto cultural e sócio-
econômico dos atores envolvidos também injeta influências sobre as suas experiências
educacionais. Por conseguinte, a tradução dos fenômenos que ocorrem nas salas de
aulas, unicamente, por meio de índices numéricos parece não descrever com
profundidade os fatores que os acarretam. Ao se debruçar sobre a questão da utilização
de histórias em quadrinhos no ensino de Geometria, o pesquisador não pretendeu fazê-la
de forma generalizada, podendo incorrer no erro de estabelecer uma discussão
superficial (o que não significa dizer que generalidade é sinônimo de superficialidade).
Antes, fez a escolha pelo estudo em maior profundidade (ainda que para isso fosse
necessário abrir mão de um elevado número de participantes) tendo em vista a
compreensão dos eventos que perpassam a sala de aula de uma forma mais holística.
Não obstante o reconhecimento de que os resultados numéricos também são importantes
127
durante a interpretação de acontecimentos educativos, são os elementos de matriz
subjetiva e processual que se pretende alcançar, descrever e explicar com este trabalho.
Portanto, neste trabalho, optou-se aqui pela perspectiva qualitativa da investigação
compreendendo que os resultados obtidos dizem respeito a um grupo particular o que
não lhe atribui descrédito tendo em vista que “o fato de uma pesquisa se propor à
compreensão de uma realidade específica, idiográfica, cujos significados são vinculados
a um dado contexto, não a exime de contribuir para a produção do conhecimento”
(Mazzotti & Gewandsznajder, 1999, p. 151).
A complexidade da própria formação humana torna as generalizações e o
engessamento do modo como os indivíduos aprendem uma tarefa inviável. A escolha
pelo paradigma qualitativo de investigação apresenta-se, pois, em conformidade com as
idéias de Goldenberg (2004), que ao caracterizá-lo aponta que:

A quantidade é, então, substituída pela intensidade, pela imersão profunda –


através da observação participante por um longo período de tempo, das
entrevistas em profundidade, da análise de diferentes fontes que possam ser
cruzadas – que atinge níveis de compreensão que não podem ser alcançados
através de uma pesquisa quantitativa. O pesquisador qualitativo buscará casos
exemplares que possam ser reveladores da cultura em que estão inseridos. O
número de pessoas é menos importante do que a teimosia em enxergar a questão
sob várias perspectivas. (p. 50)

Coutinho (2013) aponta algumas restrições à utilização do paradigma


quantitativo (ou positivista) nas pesquisas em Ciências Sociais e Humanas. Ao
apresentar a questão: “Será mesmo possível quantificar, generalizar e prever os
fenômenos sociais em geral e educativo em particular?” (p. 14), a autora se refere às
especificidades que a pesquisa em educação impõe às quais, nem sempre, o paradigma
positivista consegue dar conta. Ao se referir à utilização do paradigma positivista nas
pesquisas em educação, Ponte (1994) destaca que “a complexidade das situações
educativas e o fato delas serem vividas por atores humanos com uma multiplicidade de
intenções e significados tem-se mostrado um terreno pouco propício a essa abordagem”
(p. 11). Ao descrever os investigadores qualitativos como aqueles que “assumem que a
realidade é continuamente construída em situações locais”; “envolvem-se pessoalmente
com os participantes da investigação, ao ponto de partilharem perspectivas e de
assumirem atenção pelas atitudes”; “estudam os significados que os indivíduos criam e
outros fenômenos internos”, Gall, Gall e Borg (1996) parecem revelar aspectos da

128
investigação qualitativa que favorecem a compreensão da dinâmica vivida pelos sujeitos
investigados.
Estudar os acontecimentos que emergem no interior das salas de aulas, muitas
vezes, requer o estreitamento das relações entre o investigador e os demais
participantes, sejam estes últimos os alunos, professores, pais, diretores e etc. Tentar
compreender a forma como os participantes enxergam a realidade ao seu redor é uma
tarefa constante do pesquisador qualitativo. Essas considerações dialogam com o as
idéias de Chizzoti (2003), segundo o qual “o termo qualitativo implica uma partilha
densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse
convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção
sensível” (p. 221). A proximidade entre o investigador e os seus objetos de estudo é, de
fato, uma condição necessária para a realização de uma pesquisa qualitativa, pontua
Goldenberg (2004). Segundo esta autora, “como a realidade social só aparece sob a
forma como os indivíduos vêem este mundo, o meio mais adequado para captar a
realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através ‘dos olhos dos
pesquisados’” (p. 27).
O paradigma hermenêutico38 não se apoia exclusivamente na busca de
regularidades, embora os padrões também possam ser identificados e explorados ao
longo da pesquisa. Caso existam, os padrões favorecem a construção da teoria por meio
do investigador que a formula a partir dos dados que emergem da própria investigação.
As singularidades também merecem destaque e a elas também se destinam os olhares
dos pesquisadores qualitativos. Conforme assinala Coutinho (2013), “numa
investigação qualitativa não se aceita a uniformização dos comportamentos, mas a
riqueza da diversidade individual” (p. 29). E para além da identificação dos
comportamentos e elementos observáveis sobre os participantes, este tipo de paradigma
de pesquisa “trata-se de investigar idéias, de descobrir significados nas ações
individuais e nas interações sociais a partir da perspectiva dos atores intervenientes no
processo” (p. 28). Ao optar, nesta pesquisa, pelo paradigma qualitativo o investigador
buscou aproximar-se dos participantes tentando estabelecer de confiança e de constante
interação.

38
O paradigma qualitativo também é conhecido como hermenêutico, naturalista ou construtivista.

129
5.2 A pesquisa qualitativa em educação matemática

Ao contrário dos chamados “matemáticos puros,” os educadores matemáticos


não se debruçam prioritariamente sobre a questão de provar os teoremas em aberto ou
sobre a elaboração de novas conjecturas matemáticas. Antes eles se ocupam de questões
voltadas para o ensino e a aprendizagem dos conteúdos matemáticos já existentes,
apontando alternativas que possibilitem tornar a aprendizagem dos estudantes mais
significativa à medida que lançam o olhar sobre as relações entre os conteúdos escolares
e o dia a dia dos discentes. Discutem o currículo, a formação de professores e a
utilização de novas ferramentas didáticas para além do quadro e giz, além de outras
questões de natureza pedagógica. Muitas de suas pesquisas resultam de trabalhos de
campo, ocorrendo in lócus, nas escolas ou universidades, junto aos docentes e discentes.
Desta forma buscam acompanhar as tensões, os conflitos e, igualmente, os avanços que
brotam nas unidades escolares. Enquanto os medidores de qualidade educacional,
nacionais ou internacionais, como a Prova Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) e o Programme for International Student Assessment (Pisa)39, dentre outros,
revelam que os alunos de determinada localidade (cidade, estado, país) têm atingindo
(ou não) os padrões mínimos de formação escolar (incluindo os seus conhecimentos em
Matemática) compatível com seu grau de escolaridade, a pesquisa in lócus vai atrás das
origens dos problemas na perspectiva de apontar algumas possíveis soluções.
Ouvir os alunos e os professores, conhecer a infraestrutura da escola, identificar
os materiais de apoio ao professor, conhecer a metodologia de ensino utilizada pelos
docentes, perceber as motivações que os impulsionam e etc., fazem parte da atividade
do investigador interessado em construir uma análise pormenorizada do que ocorre nas
escolas. Desta forma, em particular, os fenômenos que acometem o ensino de

39
A Prova Brasil é uma avaliação instituída pelo Ministério de Educação brasileiro desde 2005 tendo
como objetivo avaliar a qualidade do ensino de Língua Portuguesa e Matemática ofertado nas escolas
públicas da rede básica de ensino.

O ENEM, embora possua algumas das finalidades presentes na Prova Brasil, distingue-se desta última por
contemplar todas as grandes áreas do conhecimento da educação básica além de ser aplicado tanto aos
estudantes das escolas públicas quanto das escolas particulares. Foi instituído em 1999 e onze anos depois
passou a ser adotado como instrumento de seleção dos candidatos ao ensino superior em diversas
universidades brasileiras. Atualmente esta última parece ser a sua principal finalidade.

O Pisa é um programa internacional de avaliação dos estudantes aplicado em diversos países, inclusive no
Brasil. Tem como finalidade aferir a qualidade da educação básica obrigatória ofertada nos países
participantes.

130
Matemática podem ser elucidados e o investigador poderá, numa atitude conjunta com
os indivíduos observados, considerar alternativas que possam tornar a Matemática mais
inteligível. Essa concepção de investigação dialoga com o paradigma qualitativo e está
cada vez mais presente entre os educadores matemáticos.
No Brasil, destaca Borba (2004), tem-se assistido a um crescimento das
pesquisas em educação matemática assentadas numa matriz qualitativa. Um
levantamento que este autor fez das pesquisas produzidas nesta área, no país, aponta
para a existência de elementos que as aproximam da investigação qualitativa como a
não neutralidade do investigador, o construção da teoria a partir da experiência em
campo à luz dos referenciais teóricos adotados pelo investigador e a busca de
compreender a realidade sob a ótica dos sujeitos observados. Em Portugal também há
um predominância das investigações qualitativas nas pesquisas em Educação
Matemática. Segundo Ponte (2008), os trabalhos produzidos pelas três grandes linhas de
pesquisa dessa região de inquérito – ensino e aprendizagem de Matemática, estudos
acadêmicos e formação de professores – refletem a predominância epistemológica e
metodológica do paradigma hermenêutico.

5.3 O estudo de caso

Dentre os modelos metodológicos que compreendem as pesquisas qualitativas


em educação, optou-se nesse trabalho pelo chamado Estudo de Caso. Embora a
designação Estudo de Caso tenha suas origens nas pesquisas da área médica, conforme
pontua Goldenberg (2004), este método de investigação ganhou bastante popularidade
nas Ciências Humanas e Sociais (Coutinho, 2013) e representa nos dias de hoje a
abordagem de investigação qualitativa mais utilizada nas pesquisas em educação (Gall,
Gall & Borg 1996). Segundo Ponte (1994), o estudo de caso é utilizado quando se
pretende compreender, da forma mais aprofundada possível, as ações, razões e
motivações que orientam a conduta de um determinado objeto de investigação com
relação ao fenômeno de interesse do investigador. Aqui, o interesse do pesquisador em
analisar os impactos da utilização de histórias em quadrinhos na aprendizagem de
Geometria Plana Axiomática de forma detalhada, holística e em profundidade, no
contexto natural da sala de aula justifica a escolha feita pelo estudo de caso como
metodologia de pesquisa.

131
Um caso pode ser uma pessoa, um grupo, uma instituição ou até mesmo
acontecimentos, atitudes ou incidentes (Coutinho, 2013). Cabe, porém, estabelecer uma
distinção entre um caso e um fenômeno. De acordo com Gall et al. (1996), o primeiro é
utilizado para melhor compreender o segundo. Em outras palavras, um fenômeno é
constituído por uma multiplicidade de fatores e o caso representa uma desses fatores.
Nesta pesquisa, a aprendizagem de Geometria por meio de HQs é o fenômeno de
interesse. O caso estudado é constituído por uma turma de alunos do 1º ano do curso de
Licenciatura em Matemática da UFRB, ingressantes no ano de 2014.
Na UFRB anualmente são ofertadas cinquenta vagas para a entrada de novos
alunos no curso de Licenciatura em Matemática. Este curso é oferecido na cidade de
Amargosa, situada a 240 km de Salvador, a capital do estado da Bahia. Geralmente
essas vagas são preenchidas por estudantes que residem na própria cidade de Amargosa
ou nos municípios adjacentes. Em alguns casos, a Licenciatura em Matemática não
representa o real curso de interesse dos estudantes que têm chegado ao campus de
Amargosa. Não é raro perceber que alguns deles fazem essa escolha por não haver outro
curso no campus que lhes desperte maior interesse. Outro fator que precisa ser
ponderado refere-se ao processo de seleção à universidade. No Brasil, grande parte das
universidades públicas, entre elas a UFRB, adotou a nota do ENEM como critério de
seleção. O Ministério da Educação implantou o Sistema de Seleção Unificada,
conhecido como SISU, que permite aos estudantes, após a divulgação da sua nota no
ENEM, identificar o curso (e a universidade) que poderá cursar em virtude do conceito
numérico alcançado na prova. Desta forma tem sido comum a presença de estudantes no
curso de Licenciatura em Matemática da UFRB que fizeram essa opção mais inclinados
pela nota que obtiveram no ENEM do que por uma vontade genuína de se graduar em
Matemática. Os reflexos desse tipo de escolha se revelam através do índice de evasão
presentes no curso. Inevitavelmente, compreender o comportamento dos discentes que
compõem o caso deste estudo perpassa pelo entendimento e pela identificação dos
elementos motivacionais que fizeram com que esses alunos optassem pelo curso de
Licenciatura em Matemática.
A formação matemática prévia dos discentes que compõem o caso estudado
exerce um papel fundamental sobre a análise dos dados coletados na investigação. A
relação desses estudantes com a Geometria Axiomática na universidade também pode
ser compreendida a partir do tipo de contato que tiveram com as justificações em
geometria durante a escolaridade básica. A apresentação e explanação do componente
132
curricular Geometria Plana por meio de histórias em quadrinhos pode ser favorecido
(ou desprestigiado) dependendo do papel que as HQs exerceram ao longo da vida dos
estudantes. O hábito de ler e o interesse pela formalização em Matemática também
podem influenciar na aplicação dos instrumentos (HQs) bem como a própria estrutura
das histórias.
As origens familiares dos estudantes observados, o nível sócio econômico de
cada um deles, a faixa etária, o tempo que dispõem para os estudos, a necessidade que
eles têm (ou não) de trabalhar, as atividades de lazer que gostam de desenvolver e etc.
ajudam a constituir as características peculiares do grupo investigado acentuando as
restrições impostas às possíveis generalizações da pesquisa. As vantagens da utilização
de HQs na aprendizagem de Geometria, investigadas nesta pesquisa, possivelmente
poderão não ser obtidas por ocasião da utilização dessa ferramenta em outros grupos,
sobretudo àqueles com características bem distintas do grupo aqui investigado.
Conforme destaca Stake (1995) que “não se estuda um caso para compreender outros
casos, mas para compreender o caso” (p. 4). Entretanto, as fragilidades apresentadas
pelas HQs enquanto instrumento de apoio à aprendizagem constituirão os norteadores
de reformas na banda desenhada e de aprimoramento dos elementos identificados nela
como fatores desfavoráveis à aprendizagem. De fato, ao identificar os problemas que
permearam a aplicação das HQs o investigador, ou qualquer outra pessoa que tenha
acesso aos dados apresentados, buscará contorná-los antes de trabalhar novamente com
HQs em sala de aula.
Os estudos de caso não se constituem enquanto metodologia de investigação de
cunho experimental como comumente ocorre nas pesquisas realizadas nas Ciências
Exatas e da Natureza. Ao apresentar as descrições que alguns autores atribuem às
pesquisas qualitativas das quais os estudos de casos fazem parte, Chizzoti (2003)
destaca que este tipo de pesquisa ocorre no “local físico e social onde os dados são
coletados em diferenciação aos locais que exercitam o controle, como laboratórios” (p.
223). Esse mesmo pensamento é reforçado por Gall et al. (1996), ao destacarem que os
pesquisadores qualitativos investigam os fenômenos de seu interesse no contexto onde
são desenvolvidos naturalmente na perspectiva de conferir e compreender os
significados que os participantes lhes atribuem. Os estudos de caso são empregados
quando o investigador fica impossibilitado de manipular as variáveis envolvidas e
quando as relações de causa e efeito, caso existam, não são facilmente identificadas sem
a pesquisa em campo (Coutinho, 2013). Em consonância com as ideias levantadas, o
133
pesquisador acredita que a melhor forma de compreender os eventos que se passam na
sala de aula consiste na sua inserção nesse ambiente, aproximando-se dos sujeitos
investigados, conhecendo as suas histórias, os seus sonhos, seus esforços e reais
interesses.

5.4 O desenho da investigação

Ao longo das pesquisas que desenvolveu acerca da existência de HQs voltadas


para o ensino de Matemática, o pesquisador não encontrou qualquer banda desenhada
que trouxesse consigo uma exposição dos conteúdos geométricos numa perspectiva
axiomática. Diante disso, dispôs-se a confeccionar tais instrumentos para que pudessem
ser aplicados durante a investigação. Foram confeccionadas sete histórias em
quadrinhos as quais contemplam os seguintes conteúdos de Geometria: Os conceitos
primitivos, os axiomas de incidência, segmento de reta, semirreta, semiplano, ponto
médio de um segmento, axiomas sobre medição de ângulos, bissetriz, ângulos
complementares, ângulos suplementares, ângulos opostos pelo vértice, retas
perpendiculares, congruência de triângulos, classificação dos triângulos quanto às
medidas de seus lados e de seus ângulos, os triângulos isósceles, o triângulo retângulo, a
desigualdade triangular, o teorema do ângulo externo, o axiomas das paralelas, os casos
de congruência de triângulos retângulos, cálculo de área de figuras planas. Esses
conteúdos estão expostos por meio de definições, proposições, teoremas e as suas
respectivas demonstrações. As HQs foram produzidas no período de junho de 2013 a
julho de 2014 por meio do site www.toondoo.com.
Enquanto docente da turma escolhida como objeto da investigação, o
pesquisador poderia aplicar as HQs em sala de aula, como ferramentas didáticas, entre
outras disponíveis para o ensino de Geometria, sem que isso se configurasse como uma
pesquisa propriamente dita. Para que a pesquisa pudesse ser desenvolvida e a análise
dos impactos desses instrumentos na formação matemática dos discentes pudesse ser
publicada tornou-se imprescindível, por questões éticas inclusive, o consentimento dos
participantes. Nesse sentido, em seu primeiro contato com os alunos, o investigador,
procedeu com a apresentação do componente curricular e dos propósitos da pesquisa
que pretendia desenvolver.
O proponente e executor da investigação constituiu-se ora enquanto professor
ora enquanto investigador. As suas condutas diferenciaram-se dependendo do papel que
134
prioritariamente necessitava assumir. Enquanto pesquisador esteve interessado na
opinião dos alunos acerca das HQs empregadas. Buscou perceber em que medida eles
assimilaram os conteúdos matemáticos nelas presentes e tentou identificar o método de
aplicação da banda desenhada que melhor contribuiu para a aprendizagem dos
discentes. A coleta das opiniões dos alunos a respeito das HQs e a resolução, por parte
dos alunos, de algumas atividades que lhes foram propostas objetivaram identificar os
assuntos compreendidos pelos estudantes a partir da leitura dessa mídia. Representaram
fatores ligados mais ao trabalho do investigador do que às atribuições de professor. Para
isso, naturalmente, foi necessário obter a aceitação dos alunos no que condiz à
colaboração com a pesquisa. No que diz respeito ao seu papel de docente, o pesquisador
apontou outras referências bibliográficas, complementou as questões propostas nas HQs
com outros exercícios, tirou as dúvidas conceituais dos alunos, agendou e aplicou
avaliações quantitativas ao longo do componente curricular. A atuação enquanto
professor ocorria nos encontros que sucediam a aplicação e discussão das HQs.
Tendo em vista o registro documentado do aceite dos alunos no que concerne à
participação na pesquisa foi-lhes entregue um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE)40, elaborado pelo investigador. Este documento foi lido e assinado
por todos os participantes. Antes, porém, o pesquisador apresentou aos alunos mais
detalhes sobre o desenvolvimento da pesquisa. Assegurou-lhes o anonimato em
qualquer relatório decorrente da investigação. Pediu-lhes que ficassem à vontade para
expressar suas opiniões (aprovações, críticas, sugestões) quanto à abordagem utilizada
nas HQs para a exposição da Geometria Plana Euclidiana num viés axiomático.
Em suas reflexões anteriores a recolha dos dados, o pesquisador considerou a
possibilidade de inibir o aparecimento de críticas às HQs caso os alunos soubessem que
ele assinava a autoria das revistas. Não que julgasse o material que produziu isento de
melhorias. Apenas ponderou que, ao assumir também o papel de professor da turma,
esta função (em decorrência dos significados que os alunos atribuem à figura do
professor) poderia desfavorecer a espontaneidade e o surgimento das verdadeiras
opiniões dos discentes no que concerne aos aspectos negativos das HQs. Diante dessas
possibilidades, o pesquisador informou aos alunos que o autor das HQs era o professor
Jarbas Fernandes, também pertencente à UFRB, porém, lotado no campus de Cruz das
Almas, a 60 km da cidade de Amargosa. Antes, porém, houve uma conversa entre o

40
O TCLE pode ser encontrado no Apêndice 1 deste trabalho.

135
pesquisador e o professor Jarbas na qual o primeiro apresentou ao segundo os
propósitos da investigação pedindo-lhe autorização para usar o seu nome como autor
das HQs. A partir do consentimento do professor Jarbas, ele foi considerado, pelos
estudantes, o autor das HQs até o término da pesquisa quando o investigador apresentou
os devidos esclarecimentos à turma.
A partir da agora a primeira HQ aplicada nesta investigação será denotada por
HQ1, a segunda por HQ2 e assim, sucessivamente, até a sétima HQ que será denotada
por HQ7. A cópia de cada HQ encontra-se disponível nos Apêndices41 de 2 a 8 de tal
forma que cada HQi pode ser encontrada no Apêndice i + 1, com i variando de 1 a 7. Os
conteúdos abordados em cada HQ aparecem sumarizados na Tabela 5.1. No próximo
capítulo cada HQ será descrita com mais detalhes.

Tabela 5.1
6

Relação dos conteúdos presentes nas HQs

HQ Conteúdos
HQ1 Os Elementos de Euclides
HQ2 Axiomas de incidência e de ordem. Segmento de reta, semirreta e
semiplano.
HQ3 Axiomas de medição de segmentos. Ponto médio de um segmento.
HQ4 Axiomas de medição de ângulos. Classificação de ângulos. Retas
perpendiculares.
HQ5 Congruência de triângulos. Propriedades de triângulos isósceles.
Bissetriz, mediana e altura relativa a um triângulo.
HQ6 Teorema do ângulo externo. Desigualdade triangular.
HQ7 Cálculo de área de regiões limitadas por figuras planas.

Entre as aplicações da HQ6 e da HQ7 houve um intervalo no qual o pesquisador,


desta vez atuando exclusivamente como professor, trabalhou os conteúdos de geometria
plana que não aparecem na Tabela 5.1 ou que não decorrem deles de forma imediata. O
hiato entre a aplicação das duas HQs deveu-se ao interesse do investigador em
apresentar, na forma de literatura em quadrinhos, um assunto frequentemente visto

41
Entende-se por Apêndice todo material utilizado nesta investigação cuja autoria se deve ao próprio
investigador.

136
durante a educação básica como o cálculo de área de regiões planas (Hansen, 1998),
pelo menos até o final do século passado.
Vergueiro e Rama (2006) apontam três alternativas no que diz respeito à
utilização de HQs em sala: “Introduzir um tema que será depois desenvolvido por
outros meios”, “apresentar um conceito já estudado” ou “gerar uma discussão a respeito
de um assunto, para ilustrar uma ideia” (p. 26). Na investigação foi adotada a primeira
metodologia, contudo, numa perspectiva mais ampla: Não apenas introduzir, mas
apresentar com profundidade parte substancial dos assuntos. Outras fontes de estudo
foram inseridas, a exemplo do trabalho de Barbosa (2006), por ocasião da sobreposição
do professor ao investigador. Somente a aplicação da HQ1 percorreu o sentido inverso:
Ela foi utilizada para reforçar alguns tópicos já discutidos em sala. Esta HQ buscou
explicar aos alunos o que são os axiomas, as proposições, os teoremas, os corolários e
os conceitos primitivos na Geometria Plana, ao mesmo tempo em que tratou do
surgimento da obra Os Elementos de Euclides. Todos esses conceitos foram sinalizados
pelo professor-investigador, em sala de aula, durante o primeiro encontro com a turma.
A primeira HQ permitiu a revisão desses conceitos que constituem o ponto de partida
para o desenvolvimento dos estudos em Geometria Plana Euclidiana.
A escolha pela utilização das HQs como o primeiro instrumento de apresentação
dos conceitos estudados deveu-se aos seguintes fatores:

1. Se as HQs fossem aplicadas após a explanação dos conteúdos por meio de


outras referências bibiográficas, os discentes certamente teriam mais dificuldades em
identificar as limitações da HQs tendo em vista que já teriam estudado os assuntos nelas
expostos a partir de outros instrumentos. Talvez julgassem a exposição das HQs
adequada sem perceber que na verdade compreenderam os temas em outra referência
bibliográfica e não, necessariamente, pela leitura da banda desenhada. Tomando as HQs
como primeira fonte de leitura, parece ser mais fácil identificar que abordagens nelas
presentes não favoreceram a compreensão dos estudantes. Caso optasse por estabelecer
uma comparação entre a aprendizagem de Geometria Plana em uma turma onde foram
utilizadas histórias em quadrinhos com outra turma que não sofreu essa intervenção, o
investigador poderia utilizar a banda desenhada na primeira turma após a explanação do
conteúdo por meio de outras referenciais bibliográficas mais usuais. Contudo, não quis
dar esse tratamento por entender que os grupos de controle estão, em geral, em
condições desfavorecidas com relação ao grupo investigado. De fato, aos primeiros não

137
são dadas as mesmas oportunidades oferecidas aos segundos a começar pelo empenho
do investigador.

2. As HQs são constituídas por muitas imagens o que pode tornar mais agradável
o primeiro contato dos alunos com assuntos densos como os conteúdos de geometria à
luz de um tratamento axiomático.
3. A escolha pela exposição dos conteúdos a partir das HQs também perceber se
as mesmas motivaram os alunos a estudarem os assuntos ali presentes ou se não houve
alterações nesse sentido.

As discussões acerca dos conteúdos de cada HQ, incluindo a realização de


atividades, foram desenvolvidas em, pelo menos, dois encontros42 (com exceção da
primeira HQ para a qual um único encontro foi suficiente). A HQ de número 6, por
conter um maior número de proposições e teoremas, demandou quatro encontros para
que fosse completamente explorada.
A aplicação das HQs ocorreu durante as aulas do componente curricular
Geometria Plana e Espacial, em encontros de duas horas de duração, as quartas, quintas
ou sextas-feiras, conforme o caso. Houve dezesseis encontros com essa finalidade,
perfazendo um total de 32 horas. Com relação à aplicação de uma mesma HQ, em um
dos encontros os discentes realizavam a leitura da história seguida de discussão com os
colegas e o investigador. Mesmo durante a realização das leituras, o pesquisador se
mostrou disponível para diluir as dúvidas dos estudantes concernentes aos tópicos
matemáticos abordados. No encontro seguinte, os discentes eram convidados a resolver
uma atividade proposta referente à HQ lida no encontro anterior. O investigador
esclarecia as dúvidas pontuais dos participantes quanto à realização da atividade, mas
não lhes indicava os passos para a sua resolução. Desta forma, pôde perceber de que
forma os alunos se apropriavam do conteúdo da HQ durante a resolução da atividade.
Tanto a leitura da HQ no primeiro encontro quanto à resolução das atividades (cujas
soluções constavam sempre na HQ seguinte) no encontro seguinte foi realizada em
duplas. Ao trabalhar em pares, os estudantes ajudavam-se mutuamente a partir da troca
de ideias e informações.
Antes de passar à aplicação de uma nova HQ, o pesquisador (desta vez
exercendo mais a função de professor) realizava outras atividades junto à turma,

42
Os termos encontro e aula serão utilizados como sinônimo neste texto.

138
incluindo a resolução de exercícios extraídos de outras fontes bibliográficas. Nesses
momentos, ampliava as reflexões em sala a partir das exposições teóricas presentes em
livros didáticos, por exemplo.
A leitura das três primeiras HQs ocorreu no Laboratório de Informática do
Centro de Formação de Professores, do campus da UFRB em Amargosa. Os vinte e dois
computadores disponíveis e em perfeito estado, foram distribuídos entre os presentes.
Em cada computador, foram disponibilizadas as HQs através de slides do Power Point.
No mesmo dia, à noite, o pesquisador enviou aos estudantes, por e-mail, uma cópia da
HQ aplicada naquele dia. Orientou-lhes a refazer a leitura em casa. No encontro
seguinte, desta vez em sala de aula, entregou a cada dupla uma atividade sobre o
conteúdo da HQ aplicada no encontro anterior. Por meio de um aparelho multimídia, o
Data-Show, as imagens da HQ foram projetadas em uma das paredes da sala. Desta
forma, os participantes puderam consultar a HQ toda vez que sentiam a necessidade ao
longo da resolução da atividade. As demais quatro HQs foram aplicadas em sala de aula
em formato impresso.
No sentido de estimular a reflexão dos participantes no decorrer da leitura, foi
inserida em cada história, antes do seu término, uma atividade em uma secção intitulada
Parando um pouco para refletir sobre a leitura que será referida de agora em diante
como PPPRS. Trata-se de questões simples, em formato de múltipla escola, que versam
sobre os temas abordados na primeira metade da HQ. Esta secção foi criada com o
intuito de não permitir que as dúvidas dos alunos se estendessem até o final da leitura.
Os participantes só podiam avançar na leitura caso resolvessem corretamente a
atividade. Caso assinalassem uma resposta incorreta, deveriam reler a HQ desde o início
para depois tentar refazer a atividade. Em todos os momentos, o pesquisador se colocou
à disposição dos estudantes para esclarecer-lhes as dúvidas referentes à teoria exposta.
Somente a HQ1 não apresentou a secção PPPRSL. Esta distinção entre a HQ1 e as outras
seis HQs se deveu ao fato da primeira tratar, de forma breve, da composição da obra Os
Elementos de Euclides o que dificilmente inviabilizaria a continuidade da leitura. As
dúvidas poderiam ser sanadas convocando o investigador ou ao final através das
discussões coletivas. Por outro lado, nas demais HQs, a falta de entendimento acerca de
um teorema, por exemplo, poderia comprometer fortemente a compreensão dos
resultados que o sucedem. Era necessário, de fato, pausar a leitura para resgatar os
conteúdos apresentados.

139
Além das questões presentes na secção PPPRSL, houve algumas atividades
propostas ao final de cada HQ. As resoluções de ambas as atividades foram recolhidas
pelo investigador para ajudá-lo a identificar os avanços e as falhas na aprendizagem dos
estudantes a partir das leituras. Ele buscou também, por meio das respostas apresentadas
pelos discentes, identificar o tipo de raciocínio geométrico que esses atores estavam
empregando. Na resolução da atividade proposta em PPPRSL não foi exigida aos
estudantes a apresentação das justificativas por escrito. Consistiu simplesmente numa
questão de múltipla escolha. Entretanto, durante a resolução das atividades ao final das
HQs foi requerida, aos participantes, a justificação dos procedimentos adotados (à luz
da teoria estudada). Eles tinham que utilizar os axiomas, proposições e teoremas vistos
na HQ. Desta forma, os estudantes foram iniciados no processo de axiomatização e
elaboração de demonstrações matemáticas. O pesquisador explicou-lhes que a resolução
das atividades estava vinculada aos propósitos da pesquisa e, portanto, não se tratava de
questões passíveis de uma nota conceitual vinculada ao componente curricular que
estavam cursando. Enquanto professor da turma, porém, reservou, como já fora
assinalado, outro momento – a aula seguinte – para discutir a resolução de questões
extraídas de outras fontes bibliográficas e, até mesmo, as questões propostas nas HQs já
aplicadas.

5.5 Recolha de dados

A recolha de dados em pesquisas qualitativas através de um único tipo de


instrumento pode projetar sobre ele o peso de angariar as informações necessárias à
pesquisa em sua totalidade, sem considerar as suas possíveis falhas. Ao buscar os dados
por meio de variadas ferramentas, cria-se a possibilidade de complementação dos
elementos obtidos por um instrumento a partir das informações coletadas por outro.
Além disso, os mesmos aspectos poderão ser analisados em várias perspectivas tendo
em vista as especificidades de cada instrumento de coleta de dados. De acordo com
Mazzotti e Gewandsznajder (1999), “as pesquisas qualitativas são carateristicamente
multimetodológicas, isto é, usam uma grande variedade de procedimentos e
instrumentos de coleta de dados.” (p. 163). Por conseguinte, na investigação aqui
relatada, foi trilhado o caminho da triangulação que consiste no cruzamento entre as
informações obtidas por um conjunto de instrumentos com a finalidade de proporcionar
mais completude à investigação. Burton e Bertlett (2009) advogam pela triangulação no
140
contexto da pesquisa qualitativa ao considerá-la uma forma de obter uma maior
compreensão acerca dos elementos pesquisados. Coutinho (2013) comunga deste
mesmo pensamento e pontua que “a utilização de múltiplas fontes de dados na
construção de um estudo de caso, permite-nos considerar um conjunto mais variado de
tópicos de análise em simultâneo permite corroborar o mesmo fenômeno” (p. 340).
Goldenberg (2004) também corrobora essas idéias e assinala que a triangulação “tem
por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do
objeto de estudo” (Goldenberg, 2005, p. 63).
Ao longo da investigação, foram utilizados questionários, entrevistas,
observações (diário de bordo, registros em formas de áudio e fotografia), além de
atividades aplicadas na secção Parando um pouco para refletir sobre a leitura e aquelas
propostas ao final das leituras. Neste último caso, as respostas dos alunos configuraram
como dados a analisar. A seguir cada instrumento de recolha de dados, com exceção das
atividades propostas e das resoluções apresentadas pelos alunos, é descrito de forma
mais detalhada..

Observação. Nesta investigação, o pesquisador atuou como observador-


participante através de interações com os discentes de forma próxima e contínua, exceto
durante a aplicação de determinados instrumentos de coleta de dados onde a sua
interferência poderia ocasionar uma alteração nas informações. Segundo Coutinho
(2013, p.348), nesta forma de atuação, isto é, como observador-participante, “o
investigador acompanha todo o processo de perto numa interação constante com os
participantes” (p. 348). Não obstante a inexistência de neutralidade na observação à
medida que observador interage continuamente com os sujeitos observados, Gall et al.
(1996) assinalam a necessidade do primeiro não interferir em atividades estritamente
ligadas à identidade dos segundos sob pena de inviabilizar a investigação.

O diário de campo, a gravação de áudio e os registros fotográficos foram


mecanismos de recolha de dados circunscritos à questão da observação. O primeiro,
segundo Coutinho (2013, p. 340), “tem como objetivo ser o instrumento onde o
investigador vai registrando as notas retiradas das suas observações no campo”. Nele,
destaca Gall et al. (1996), devem ser relatados o número de participantes, de que forma
interagiram, quais os procedimentos adotados, a estrutura do local onde se deu a
investigação, o comportamento dos sujeitos e todos os demais acontecimentos
observados pelo investigador sobretudo àqueles de maior interesse para a sua pesquisa.
141
Esses mesmos autores assinalam a importância de registrar esses acontecimentos o mais
rápido possível para que informações importantes não se percam por terem sido
esquecidas pelo observador. Corroborando essas ponderações, o diário de campo foi
sendo preenchido logo após a realização da intervenção junto à turma.

As gravações em áudio e a obtenção de registros fotográficos43 se constituíram


efetivamente enquanto instrumentos de coleta de dados na segunda metade da atuação
em campo. Antes era necessário criar um ambiente amistoso onde os participantes já
estivessem acostumados com a dinâmica da pesquisa. A filmagem, a gravação de áudios
ou a realização de fotografias não deveria ferir a espontaneidade dos participantes,
ponderou o pesquisador. Quando este percebeu que os seus alunos já estavam
acostumados com a aplicação dos instrumentos (as HQs) e quando já havia construído
uma relação de confiança com esses sujeitos iniciou, com a autorização dos
participantes, a confecção das fotos. Os primeiros registros foram obtidos durante a
leitura da HQ4 por meio de fotos. Durante a leitura da HQ7 foram realizadas algumas
gravações em áudio.
Durante a leitura das HQs, o próprio investigador procedeu com as gravações.
Durante algumas delas, foi convocado pelos participantes a esclarecer-lhes algumas
dúvidas referentes à leitura. Nesses momentos, tentou dissolver essas dúvidas ao mesmo
tempo em que registrava a discussão. Após filmar todas as duplas, captando algumas de
suas discussões, encerrava a filmagem e a sua atuação como participante-observador
continuava, desta vez sem a câmera em mãos.
Nos momentos em que fez uso de filmagens, o pesquisador também contou com
a colaboração dos participantes. Quando se iniciavam as discussões sobre o conteúdo de
cada história, envolvendo toda a turma, o primeiro solicitava a algum dos participantes
que filmasse a discussão. Fazia o pedido a algum estudante que havia mostrado uma
razoável compreensão dos temas tratados na HQ. Desta forma este participante não era
prejudicado ao se dividir em acompanhar a discussão e registrá-la por meio das
filmagens.
É importante destacar que observar um grupo de trinta e dois alunos44 dentro da
sala de aula, atendendo às suas inquietações, dúvidas, satisfações e opiniões durante a

43
O consentimento dos estudantes quanto às gravações dos áudios e a realização dos registros
fotográficos se deu por meio do TCLE.
44
Quantidade de estudantes observados.

142
aplicação das HQs apresenta alguns limites. Possivelmente, enquanto o investigador
dedicava-se às questões apresentadas por alguns dos alunos, desviava a sua atenção de
determinados eventos que acometiam os demais. Da mesma forma, quando outros
alunos convocavam-no, ele deixava de acompanhar os passos adotados pelos anteriores.
Entretanto, pontuam Burton e Bartlett (2009), nem sempre é possível compreender as
ações dos sujeitos somente observando-os, daí necessidade de se utilizar outros
instrumentos no sentido de obter as informações não observadas pelo investigador ou
até mesmo observadas e não compreendidas.

Questionários. Durante a coleta de dados foram utilizados quatro questionários.


Eles foram compostos tanto por questões fechadas como por questões abertas de acordo
com a natureza dos dados que pretendia obter. Os questionários representam um
instrumento valoroso quando a pesquisa envolve um número grande de participantes.
Eles podem ser aplicados simultaneamente a todos os sujeitos representando uma
economia de tempo ao longo pesquisa. Dentre as vantagens da utilização desse tipo de
instrumento nas pesquisas qualitativas, Goldenberg (2004, p. 87) pontua a inexistência
de habilidades específicas no que tange a sua aplicação, a facilidade na mensuração das
informações quando as questões fornecem respostas padronizadas e até mesmo a
liberdade consentida aos pesquisados que podem expressar as suas opiniões no papel
sem precisar encarar diretamente o pesquisador.
Além da aplicação dos questionários, foram realizadas duas sessões de
entrevistas, além da gravação do áudio das conversas dos alunos durante a leitura da
última HQ. A aplicação de questionários e a realização de entrevistas alternaram-se da
primeira à penúltima HQ. O primeiro questionário se constituiu enquanto instrumento
de sondagem ou diagnóstico. Os outros três se referiam diretamente, e nessa ordem, às
seguintes HQs: HQ2, HQ4 e HQ6. As entrevistas estiveram relacionadas à aprendizagem
dos discentes por meio das leituras da HQ3 e da HQ5. A análise da primeira HQ se deu
exclusivamente por meio de observações em sala e através do diário de bordo. Esses
dois instrumentos também foram empregados na recolha de dados referentes às demais
HQs.

O questionário de diagnóstico45 (denotado a partir de agora por QD) foi aplicado


logo após a apresentação, em sala de aula, dos objetivos da pesquisa e após a assinatura

45
O questionário de diagnóstico pode ser encontrado no Apêndice 9 deste trabalho.

143
do TCLE. Com esse instrumento, pretendeu-se conhecer os participantes no que diz
respeito à formação escolar, sobretudo no que compete aos conteúdos de Geometria.
Está dividido em duas partes. A primeira visa identificar o nível socioeconômico dos
participantes, o grau de escolaridade de seus pais e a cidade à qual pertencem. Desta
forma, tornou-se possível desenhar o perfil social dos participantes. A segunda parte
trata da identificação dos fatores que impulsionaram a escolha dos estudantes pelo curso
de Licenciatura em Matemática da UFRB. Por fim são introduzidas algumas questões
referentes ao ensino de Geometria ao qual esses atores foram submetidos durante a
escolaridade básica. Esse questionário, assim como os outros três, foi entregue a todos
os participantes em sala, seguido da leitura de todas as questões para os eventuais
esclarecimentos.

O primeiro questionário aplicado após o QD será referido ao longo deste


trabalho como Q1. Inicialmente são apresentadas algumas questões com o intuito de
identificar as experiências prévias dos participantes com a leitura de HQs publicadas
para fins de entretenimento. As perguntas seguintes se referem à utilização de HQs no
ensino de Geometria: Se os estudantes já haviam lido alguma banda desenhada que
abordasse conteúdos matemáticos e, caso afirmativo ou negativo, de que forma eles
acreditavam que essa articulação deveria ou poderia ser feita. E por fim, os estudantes
são convocados a avaliar HQ2 e pontuar os elementos teóricos que conseguiram
compreender e aqueles que não ficaram inteligíveis a partir da leitura46.

O segundo questionário aplicado após o QD contém algumas questões acerca da


HQ4. Por simplicidade, ele será denotado ao longo deste trabalho por Q2. A sua
aplicação teve como objetivo identificar o que os alunos haviam compreendido a
respeito do assunto Ângulos a partir da leitura da HQ4. Buscou identificar quais foram
os conteúdos expostos na HQ que não se revelam de fácil compreensão para os
participantes e indagou-lhes acerca da utilização das HQs na educação básica. Q2
também visou coletar a impressão dos discentes sobre a inserção de demonstrações
matemáticas em HQs com fins educacionais e perceber de que forma os estes atores
comparam a abordagem dada pela HQ4 aos temas ali presentes com aquela comumente
feita nos livros didáticos47.

46
Q1 pode ser encontrado no Apêndice 10 deste trabalho.
47
Q2 pode ser encontrado no Apêndice 11.

144
Por meio do terceiro questionário aplicado, referenciado aqui e ao longo deste
trabalho como Q3, os discentes foram convidados a apresentar as suas impressões acerca
da linguagem empregada nas demonstrações matemáticas presentes nas HQs. Foram
questionados acerca da necessidade de se introduzir as demonstrações de todos os
teoremas presentes nas narrativas. A eles foram solicitadas sugestões de mudanças na
construção da HQ6 e, além disso, eles foram convidados a enunciar o Teorema do
ângulo externo, o resultado principal desta HQ 48.
A Tabela 5.2 apresenta, de forma sumarizada, uma descrição de cada encontro
realizado pelo pesquisador junto aos estudantes incluindo a aplicação dos questionários.

Tabela 5.27

Descrição sumarizada dos encontros

Encontro Atividades desenvolvidas

01 Apresentação da pesquisa/ Aplicação do QD/ Introdução à geometria


axiomática.

02 Aplicação da HQ1/ Discussões/ Resolução das atividades propostas.

03 Aplicação da HQ2/ Discussões/ Secção PPPRSL.

04 Retomada das discussões sobre HQ2/ Aplicação do Q1 (o questionário foi


lido e discutido em sala de aula. Os alunos ficaram de respondê-lo em
cada e trazê-lo no próximo encontro)/ Atividades propostas em HQ2/
Discussões com o pesquisador sobre as atividades.

05 Exposição dos pré-requisitos à leitura da HQ3/ Aplicação da HQ3/


Discussões/ Entrega de Q1 respondido.

06 Continuação da leitura de HQ3/ Discussões/ Secção PPPRSL/ Resolução


das atividades propostas em HQ3.

07 Aplicação da HQ4/ Discussões/ Secção PPPRSL.

08 Resolução das atividades propostas em HQ4/ Aplicação do Q2.

09 Aplicação da HQ5/ Secção PPPRSL.

10 Discussões sobre a HQ5/ Resolução das atividades propostas em HQ5

11 Aplicação da HQ6 (1ª parte)/ Secção PPPRSL/ Discussões.

48
Q3 pode ser encontrado no Apêndice 12.

145
12 Retomada das discussões iniciadas no encontro anterior/ Aplicação da
HQ6 (2ª parte)/ Secção PPPRSL/ Discussões.

13 Aplicação do Q3 (responder em casa)/ Retomada das discussões iniciadas


no encontro anterior/ Aplicação da HQ6 (3ª parte)/ Secção PPPRSL.

14 Atividades propostas na HQ6/ Recolha do Q3.

15 Aplicação da HQ7/ Secção PPPRSL/ Discussões.

16 Atividades propostas na HQ7.

A Tabela 5.2 presta-se à apresentação de uma visão panorâmica das atividades


realizadas durante a pesquisa de campo. A descrição dos fatos ali coletados com riqueza
de detalhes cabe ao próximo capítulo deste trabalho. Alguns episódios lá descritos,
porém, podem ser antecipados a partir da Tabela 5.2 como a presença de três seções
PPPRSL em uma mesma HQ, a saber, na HQ6. Naquele capítulo são apresentados os
fatores que justificam a presença destas seções. Por enquanto, aqui, o texto segue com a
descrição de outro instrumento de recolha de dados, as entrevistas.

Entrevistas. Enquanto os questionários foram aplicados a todos os participantes,


as sessões de entrevista contaram com a presença de cinco participantes na primeira e
quatro na segunda49. Os entrevistados foram estudantes que espontaneamente se
disponibilizaram a responder às questões. As entrevistas ocorreram fora do horário das
aulas, individualmente, no gabinete do investigador, na UFRB, campus de Amargosa.
Se por um lado, as entrevistas dificilmente abarcam um elevado número de
participantes como no caso dos questionários, por outro, elas possibilitam a obtenção
dos dados com maior profundidade (Mazzoti & Gewandsznajder, 1999). O investigador
tem condições de explorar temas mais complexos e extrair dos entrevistados respostas
mais contundentes e menos vazias. Enquanto muitos participantes se mostram
indispostos e apressados diante do preenchimento de um questionário, muitas vezes se
revelam mais fluentes diante da linguagem oral solicitada durante as entrevistas.
De acordo com Goldenberg (2004), as entrevistas representam importantes
instrumentos na coleta de dados, pois “as pessoas têm maior paciência e motivação para
falar do que para escrever (p. 88)”. Além disso, o entrevistador pode esclarecer

49
Para a segunda sessão de entrevistas também foram convocados cinco estudantes. Entretanto um deles
não compareceu no dia marcado.

146
determinadas questões aos participantes as quais poderiam não ser facilmente
compreendidas caso o instrumento fosse um questionário (Burton & Bartlett, 2009).
Neste trabalho foram realizadas entrevistas semiestruturadas, definidas por Gall
et al. (1996) como um conjunto de questões pré-estabelecidas pelo entrevistador e que
podem ser complementadas por ele a partir das respostas apresentadas pelos
participantes. Todas elas foram registradas em um aparelho gravador de áudio, com o
consentimento dos entrevistados. Em seguida, foi realizada a transcrição das gravações.

A primeira sessão de entrevistas  denotada neste texto por E1  ocorreu após a


aplicação e exploração da HQ3 a qual versa sobre os axiomas de medição de segmentos.
O pesquisador iniciou essa recolha de dados pedindo aos entrevistados que elencassem
as distinções que haviam percebido entre o tratamento dado à Geometria Plana na
educação básica e a abordagem utilizada no ensino superior. Perguntou-lhes sobre a
importância que eles atribuíam às demonstrações matemáticas e solicitou-lhes que
pontuassem os fatores que julgavam ser os responsáveis pelas dificuldades que os
discentes apresentam no estudo de Geometria numa perspectiva axiomática. Em
seguida, introduziu algumas questões referentes HQ3. Solicitou-lhes que listassem os
conteúdos presentes na HQ e que indicassem os assuntos que mais se tornaram
inteligíveis com a leitura da HQ, pedindo-lhes as justificativas50.

A segunda sessão de entrevistas foi realizada após a finalização dos estudos em


torno da HQ5 e será denotada neste trabalho por E2. A HQ5 assenta-se em torno das
discussões acerca dos casos de congruência de triângulos e sobre as propriedades dos
triângulos isósceles. A princípio os entrevistados foram solicitados a expressar, com
suas próprias palavras, a noção de congruência de triângulos. Em seguida foram
indagados a respeito dos conceitos de mediana, bissetriz e altura relativas a um lado de
um triângulo. O pesquisador perguntou-lhes se foi possível compreender esses conceitos
com a leitura da HQ e se as imagens nela presentes ajudaram-lhes na compreensão
desses assuntos. Além disso, eles foram convidados a propor (sugerir) uma forma de
apresentação dos assuntos presentes na HQ também em formato de literatura
quadrinística. E por fim, foram indagados a respeito das atividades propostas ao final de
narrativa. Essa última parte visava perceber se os estudantes consideraram a quantidade

50
As questões utilizadas em E1 encontram-se no Apêndice 13 deste trabalho.

147
de atividades suficientes e se as julgavam condizentes com a teoria exposta na HQ 51.
Assim como na entrevista E1, mais uma vez os participantes foram solicitados a apontar
as diferenças entre a abordagem dada na educação básica e aquela presente na
universidade. Contudo, em E2 tal diferenciação centrou-se na exposição do conteúdo
congruência de triângulos.
Os instrumentos de recolha de dados  diário de bordo (DB), registros
fotográficos (F) e áudio (A), atividades ao longo da leitura (PPPRSL) e ao final (AF),
questionários e entrevistas  foram utilizados com o intuito de dar conta dos objetivos
geral e específicos desta investigação. Os segundos se revelam como alargamento e
desdobramento do primeiro e, embora tenham sido listados no capítulo de introdução
deste trabalho são descritos mais uma vez aqui por meio da Tabela 5.3. As respostas
dos estudantes às atividades propostas durante (PPPRSL) ou ao final (AF) da leitura das
HQs também configuram instrumentos de recolha de dados.

Tabela 5.38

Relação entre os objetivos da pesquisa e os instrumentos utilizados para alcançá-los

Instrumento de recolha de dados


Objetivos
Observação Questionários Entrevistas Atividades
Específicos
DB F A QD Q1 Q2 Q3 E1 E2 PPRSL AF

OE1 x x x x x x x

OE2 x x x x x x x x x x

OE3 x x x x

OE4 x x x

OE5 x x x x

OE6 x x x x x x x x x x

OE7 x x x x x x

OE8 x x x x x

51
As questões utilizadas na segunda sessão de entrevistas encontram-se no Apêndice 14 deste trabalho.

148
Nota. Por OE i, com i variando de 1 a 10, entende-se os objetivos específicos da pesquisa os quais são
rememorados a seguir:
OE1: Elencar os elementos que os estudantes julgam necessários à composição de HQs destinadas à
exposição da geometria plana em um formato axiomático.
OE2: Identificar os contributos das HQs para o processo de aprendizagem da geometria euclidiana formal-
dedutiva.
OE3: Perceber o tipo de raciocínio geométrico desenvolvido pelos estudantes a partir da leitura de HQs
voltadas para a exposição de geometria numa perspectiva axiomática.
OE4: Identificar os tipos de linguagens adotadas pelos discentes nas justificações matemáticas.
OE5: Perceber a forma como os participantes apresentam algumas definições matemáticas.
OE6: Identificar os problemas inerentes à apresentação da geometria euclidiana plana axiomática através
de HQs: compreender tais fragilidades mediante a composição das HQs e a formação prévia dos
estudantes.
OE7: Apontar alternativas frente aos desafios impostos pela exposição da geometria euclidiana, em um
viés axiomático, por meio da banda desenhada.
OE8: Perceber a importância que os discentes atribuem às demonstrações matemáticas e como veem a sua
inserção em HQs para fins educacionais.

A Tabela 5.3 revela o DB como o principal instrumento de recolha de dados


utilizado durante a pesquisa. Através dele foram registrados todos os fatos observados
pelo pesquisador durante a aplicação das HQs: o comportamento dos discentes, as
dificuldades, as dúvidas, os avanços, os diálogos corriqueiros, as motivações, os
desestímulos e etc. Inversamente, os registros fotográficos configuram o instrumento de
menor uso visto que o seu uso restringiu-se a captação de elementos de ordem
comportamental como o interesse ou desestímulo dos estudantes diante da leitura das
HQs ou das atividades propostas.

5.6 Métodos de análise de dados

A pesquisa qualitativa é, em geral, marcada pela presença de dados que


emergem no decorrer da investigação. Os elementos encontrados na recolha de dados
podem delinear a forma e os objetivos empregados na obtenção dos dados futuros. Não
é raro o investigador se deparar com a necessidade de analisar os dados já obtidos antes
da coleta de novas informações, conforme destacam Gall et al.(1996). Esses mesmos
autores destacam que à medida que o investigador se depara com informações já obtidas
e quando as fontes de dados parecem se esgotar então a pesquisa já pode ser concluída.
Nesta pesquisa optou-se pela análise interpretativa dos dados entendida como o
processo de exploração dos resultados na perspectiva de obter algumas explicações para
o fenômeno estudado. Buscou-se identificar a ocorrência de padrões ou regularidades e
da mesma forma pontuar as singularidades encontradas a partir dos dados. As
informações coletadas foram codificadas através de uma organização em categorias de

149
análise que se constituem enquanto construtos presentes nos dados e que se relacionam
com o fenômeno estudado. Gall et al. (1996) assinalam a organização dos dados em
categorias de análise como uma estratégia plausível na interpretação dos mesmos. De
acordo com Coutinho (2013), a “categoria é uma forma geral de conceito, uma forma de
pensamento. São rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de
registro) em razão de características comuns (p. 221)”.
Nas pesquisas qualitativas é comum realizar a categorização durante ou após a
recolha de dados. Alguns autores como Gall et al. (1996) e Coutinho (2013) justificam
esse procedimento pontuando que as categorias estão arraigadas nos próprios dados.
Entretanto, não se pode descartar a possibilidade do investigador considerar a priori a
ocorrência de certas categoriais a partir do referencial teórico que está utilizando. Só a
experiência em campo lhe permitirá corroborar ou refutar as previsões teóricas.
O estudo das respostas dos questionários e entrevistas aplicados ao longo da
pesquisa, no que tange aos contributos ou entraves à aprendizagem em geometria por
meio das HQs, se deu na forma de análise de conteúdo, definida por Coutinho (2005)
como “um conjunto de técnicas que permitem analisar de forma sistemática um corpo
de material textual, por forma a desvendar e quantificar a ocorrência de
palavras/frases/temas considerados ‘chave’ que possibilitem uma comparação posterior
(p. 217)”. Contudo, para além da freqüência com que determinadas questões aparecem
nos dados coletados, interessa-se aqui pelos fatores que os provocaram e pela obtenção
de medidas através das quais conflitos e tensões latentes poderão ser contornados. De
acordo com Moreira, Simões e Porto (2006), a análise de conteúdo qualitativa tem como
finalidade “a compreensão e a interpretação dos relatos dos sujeitos em uma pesquisa,
os quais emitem opinião sobre determinado assunto, carregada de sentidos, de
significados e de valores” (p. 108). Destacam ainda que a análise de conteúdo se
desenvolve em três fases: No relato dos participantes que deverá ser objeto de estudo do
investigador; na identificação do sentido geral do discurso dos sujeitos envolvidos bem
como a seleção de unidades significativas presentes no discurso, suas convergências e
divergências; e na interpretação dos dados confrontando-os com os pressupostos
teóricos utilizados pelo investigador ao longo da pesquisa.
Nessa perspectiva, os relatos dos participantes foram fragmentados em seções
denominadas unidades de análise que “devem afigurar-se como elementos detentores de
um sentido completo e com pertinência para o objeto de estudo (Coutinho, 2013, p.
219)”. A criação de categorias de análise favorece a compreensão dos dados à medida
150
que os reduz a conteúdos essenciais que serão analisados sistematicamente à luz de
construtos teóricos conhecidos pelo pesquisador.
Ao longo da aplicação das HQs e diante dos dados coletados, alguns temas
foram interpelando o investigador de tal que forma que se constituíram enquanto
categorias de análise. A partir delas o referido ator pretende obter algumas respostas
para a questão que norteia esta pesquisa e, ao mesmo tempo, dar conta dos objetivos
geral e específicos desta investigação. Tais categorias  retomadas e discutidas no
capítulo oitavo deste trabalho  estão divididas em duas grandes seções. A primeira
secção diz respeito à leitura das HQs e a segunda secção faz o diálogo entre tais leituras
e a aprendizagem em geometria. A Tabela 5.4 apresenta as categorias de análise que
compõem cada secção.

Tabela 5.4
9

Categorias de análise utilizadas na pesquisa

Secções

A leitura das HQs A aprendizagem de Geometria

Elementos atrativos Os entraves à aprendizagem

Potencialidades educativas O papel da formação prévia

Construção das narrativas As definições apresentadas pelos


Categorias
estudantes
de
Linguagem quadrinística O raciocínio geométrico dos
análise
e linguagem matemática: estudantes

verbal, icônica e simbólica A linguagem matemática

Comportamento dos discentes A importância das demonstrações

Metodologia utilizada

As primeiras categorias de análise indicadas na Tabela 5.4, isto é, aquelas que


estão relacionadas à primeira secção do capitulo oitavo, voltam-se, sobretudo, para as
HQs enquanto ferramenta didática. A segunda secção centra-se na própria
aprendizagem matemática dos estudantes. As respostas da questão de investigação
encontram-se diluídas ao longo das categorias elencadas. Reuni-las caberá ao novo
capítulo deste trabalho.
151
Embora cada instrumento utilizado na recolha de dados estivesse diretamente
relacionado aos eventos provenientes da aplicação de uma determinada HQ, o
investigador optou por desenvolver uma análise que perpassa a aplicação de todas as
HQs. Buscou identificar as categorias que se revelaram presentes ao longo dessas
intervenções, mas não deixou de lançar um olhar sobre questões pontuais que se
configuraram enquanto singularidades à medida que se desviaram dos dados
freqüentemente obtidos. Destacou os elementos frequentemente observados ao longo
das primeiras intervenções, mas que foram se diluindo no decorrer dos encontros
seguintes ou vice-versa. Tentou descrever e compreender esses acontecimentos à luz da
dinâmica empreendida na investigação e das participações dos atores envolvidos no
decorrer do processo.

5.7 A qualidade científica da investigação

Os critérios comumente utilizados na aferição da qualidade de uma pesquisa


quantitativa geralmente não correspondem às especificidades das investigações
qualitativas. Enquanto o rigor das pesquisas positivistas assenta-se em elementos como
a “validade interna e externa, a fiabilidade e a objetividade (Coutinho, 2013, p. 237)”,
nas pesquisas qualitativas busca-se atingir, segundo a mesma autora, a credibilidade, a
transferibilidade, a consistência e a confirmabilidade.

A credibilidade é assegurada quando os relatos do investigador estão em


consonância com o real entendimento dos participantes quanto ao fenômeno estudado.
Conhecida no paradigma quantitativo como validade interna da investigação (Coutinho,
2013), a credibilidade é atingida, nos planos qualitativos de investigação, “se as
conclusões apresentadas correspondem autenticamente a alguma realidade conhecida
pelos próprios participantes não sendo unicamente uma construção da imaginação mais
ou menos fértil do investigador” (Ponte, 1994, p. 15). Na perspectiva de atender a este
critério, o investigador contactou os nove estudantes que participaram das entrevistas
realizadas na investigação. A cada um desses discentes, o primeiro enviou, através do
seu endereço eletrônico, os textos que elaborou a partir dos relatos desses atores nas
entrevistas, nos questionários e nas demais participações em sala de aula52. Estes textos

52
O elevado número de participantes, a saber, trinta e dois estudantes, fez com que o investigador
reduzisse a quantidade de alunos no que diz respeito à validação da credibilidade da pesquisa. A opção
152
encontram-se diluídos ao longo dos capítulos sétimo e oitavo deste trabalho. Tratam-se
dos alunos A1, A6, A7, A8, A9, A10, A11, A13 e A22. Apenas os alunos A1 e A8 não
responderam ao investigador. As respostas dos outros sete estudantes encontram-se no
Apêndice 15. De acordo com estes estudantes, o investigador interpretou corretamente
as informações por eles apresentadas.

A transferibilidade, equivalente à chamada validade externa nas pesquisas


quantitativas (Coutinho, 2013), diz respeito à capacidade de utilizar os dados obtidos
em outros contextos. Segundo Ponte (1994), que utiliza a mesma denominação
empregada nas investigações positivistas, a transferibilidade “refere-se ao grau em que
as representações obtidas podem ser legitimamente comparadas com outros casos
(Ponte, 1994, p. 15)”. Ao contrapor o conceito de transferibilidade, enquanto validade
externa, à própria natureza das pesquisas qualitativas, Ollaik e Ziller (2012) destacam
que nestas últimas, “se dá maior relevância à validade interna, visto que a generalização
não é, usualmente, objetivo da pesquisa qualitativa” (2012, p. 234).

A consistência é o critério correspondente ao conceito de fiabilidade adotado nas


investigações de natureza positivistas. Tem como finalidade responder à seguinte
questão: “Se outra pessoa fizesse o mesmo estudo, obteria os mesmos resultados e
chegaria às mesmas conclusões à que chegou o investigador?” (Coutinho, 2013, p.
241). Ao considerar que os seres humanos não são imutáveis e que passam por
contínuas mudanças à medida são submetidos às mais variadas experiências ao longo da
vida, é de considerar plausível a hipótese de um grupo escolhido para o estudo de caso
não apresentar as mesmas respostas quando submetido a uma mesma situação
investigativa em um segundo momento. Diante dessas questões, Ponte (1994) assinala
que devemos considerar que “os estudos de caso qualitativos, em comparação com
outras abordagens, permitem ganhar em validade interna, mas perdem
irremediavelmente em fidedignidade” (1994, p. 15).

A confirmabilidade tem como propósito assegurar o esforço do investigador em


perceber sob quais perspectivas os participantes enxergam os fenômenos de interesse
para a investigação. Ou ainda, segundo Goldenberg (2004), trata-se da necessidade do
investigador deixar emergir as idéias dos participantes sem exercer influências que

pelos entrevistados decorreu da presença de um maior número de dados coletados envolvendo esses
participantes.

153
façam vir à tona dados manipulados de acordo com os seus interesses pessoais. Segundo
esta autora, a observação-participante e a utilização de variados instrumentos de
recolha de dados tendem a fortalecer a confirmabilidade visto que tornam “difícil para o
pesquisado a produção de dados que fundamentem de modo uniforme uma conclusão
equivocada, e torna difícil para o pesquisador restringir as suas observações de maneira
a ver apenas o que sustenta seus preconceitos e expectativas” (Goldenberg, 2004, p.
47). Assim, a triangulação representa uma alternativa plausível na busca pelo rigor e
aprofundamento da investigação. De acordo com Coutinho (2013), a triangulação
metodológica possibilita ao investigador “obter como resultado final um retrato mais
fidedigno da realidade ou uma compreensão mais completa do fenômeno a analisar”
(Coutinho, 2013, p. 239). Como já pontuado, ao longo desta investigação foi utilizado
um conjunto de instrumentos para recolha de dados (questionários, entrevistas, diários
de bordo, observação direta e indireta, filmagens, registros fotográficos e aplicação de
atividades) que assinalam a triangulação como um recurso visivelmente presente
durante a pesquisa.
No próximo capítulo há uma descrição de cada HQ utilizada na investigação
quanto ao título, enredo da história e conteúdos matemáticos abordados. As questões
propostas ao final das histórias ou durante a secção Parando um pouco para refletir
sobre a leitura são brevemente apresentadas. Por serem as HQs o manancial do qual
foram extraídos, de forma direta ou indireta, os dados da pesquisa optou-se aqui por
reservar um capítulo deste trabalho à apresentação sumarizada dessas narrativas. O texto
completo de cada HQ pode ser encontrado nos Apêndices de 2 a 8.

154
Capítulo 6

Histórias em quadrinhos utilizadas na investigação

Neste capítulo é apresentada uma síntese das HQs utilizadas na pesquisa. São
apresentados os personagens, o enredo das histórias e os conteúdos de Geometria que
compõem cada banda desenhada. Algumas tirinhas são apresentadas tendo em vista a
elucidação das informações prestadas. Para uma consulta mais abrangente, as sete HQs
podem ser encontradas nos apêndices deste trabalho.
Ao longo dessas notas, as HQs não estão expostas necessariamente na ordem em
que foram aplicadas, isto é, começando da HQ1 e terminando na HQ7. Ao fim do texto,
segue uma tabela com informações gerais sobre as sete HQs.
As HQs têm uma personagem em comum denominada Dona Geometria. Trata-
se de uma "personificação" da Geometria Euclidiana Plana expressa por meio de uma
“senhora” que detém vários conhecimentos acerca dos axiomas e teoremas estudados
em Geometria. Todas as HQs são de autoria do investigador.
Este capítulo encontra-se dividido em seis seções. A primeira secção trata da
apresentação de conteúdos matemáticos por meio de narrativas literárias. A segunda
secção trata da exposição de episódios da história da Geometria através da HQ1. Na
terceira secção é descrita a forma com as HQs de números 2 e 7 apresentam alguns
assuntos de Geometria Euclidiana Plana conectando-os com o mundo dos esportes
(piscina olímpica, pista de atletismo, campo de futebol, quadra de basquete). Os
axiomas de medição de incidência e ordem e os axiomas de cálculo de área, e seus
desdobramentos, são referenciados. A quarta secção está relacionada às HQs de
números 3 e 6. Ao utilizar como fio condutor da narrativa uma viagem da cidade de
Salvador até o município da Amargosa (onde foi realizada a pesquisa de campo), ambos
na Bahia, a HQ3 contempla os axiomas de medição de segmentos. A HQ6 refere-se à
cidade de Amargosa durante o estudo da desigualdade triangular. As últimas duas
seções do capítulo abordam, respectivamente, o estudo de ângulos e a congruência de
triângulos. Tratam das HQs de números 4 e 5, respectivamente.

155
6.1 A Matemática por meio de narrativas literárias

Ensinar matemática através de histórias ou “estórias” que relacionam


“personagens, enredo, espaço, tempo e, principalmente, a configuração de um conflito
relacionado a mudanças na situação que obrigam à reflexão e/ou ação dos personagens”
(Passos & Oliveira, 2005, p. 2) nos remonta aos trabalhados de Malba Tahan53 e
Monteiro Lobato. Através das obras O homem que calculava e Aritmética da Emília,
respectivamente, esses autores introduziram, no Brasil, uma nova forma de apresentar
os conteúdos matemáticos: Através de narrativas literárias. Em ambas as obras, assinala
Dalcin (2007), a ênfase reside mais no enredo do que na própria matemática.
Além dos trabalhos de Tahan e Lobato, Cruz (2006), não se limitando a autores
brasileiros, destaca os livros O diabo dos números de Hans Magnus Enzensberger,
Logicomix de Apostolos Doxiadis e Christos H. Paradimitriou e o Romance das
equações algébricas de Gilberto Geraldo Garbi como exemplos plausíveis de literaturas
ficcionais voltadas para a divulgação da Matemática. Segundo esta autora, “na medida
em que os conceitos matemáticos são encaixados em histórias familiares à cognição
humana, a Matemática pode ser compreendida de maneira significativa e ser vista, até
mesmo, com naturalidade” (p. 150).
Os livros citados, pertencentes à categoria de livros paradidáticos, utilizam
imagens que auxiliam “na organização do pensamento no processo de resolução de
alguma situação problema, além de muitas vezes complementar o texto escrito, no
sentido de transcrever cenas narradas ou descritas no enredo” (Dalcin, 2007, p. 30). A
relação entre o texto e a imagem presente nessas obras assemelha-se àquela existente
nas histórias em quadrinhos (HQs). Inclusive, em muitos textos paradidáticos, “os
autores mantêm um diálogo direto com o leitor por meio dos personagens, que se
expressam por intermédio da linguagem dos quadrinhos.” (idem, p. 33).
As HQs aplicadas nesta investigação não podem ser comparadas às obras aqui
mencionadas. Perdem em qualidade da diagramação e na forma como os conteúdos
matemáticos são expostos. Os enredos e a linguagem utilizados nestas HQs não têm a
pretensão de provocar o mesmo fascínio que os paradidáticos citados exercem sobre os
seus leitores. O foco situa-se nos conteúdos matemáticos e não no enredo criado.

53
Malba Tahan foi um pseudônimo utilizado pelo professor de Matemática Júlio César de Melo e Sousa.
Para maiores detalhes acerca da vida e obra desse matemático consulte Lorenzato (2004).

156
Entretanto, todas essas narrativas têm em comum o desejo de apresentar a Matemática e
a sua simbologia através de textos e imagens imersos em uma determinada literatura por
vezes ficcional. A utilização de personagens imaginários e até mesmo fantasiosos não
representa uma ameaça à rigidez dos conteúdos matemáticos. De acordo com Cruz
(2006), se, na exposição dos conteúdos “for necessário esquecer deliberadamente
pormenores verídicos que sacrificariam a clareza e simplicidade do enredo, então
devemos fazê-lo, temos licença para comprometer o factual e criar um ficcional mais
atraente e compreensível” (p. 135). E assim o fizeram Tahan, Lobato e tantos outros.

6.2 A história da Geometria e a HQ1

Revisitar o contexto histórico e as motivações que levaram o matemático


Euclides a escrever a obra Os Elementos compõe um dos primeiros degraus em direção
aos estudos em Geometria Plana, numa perspectiva axiomática. Por essa razão não é
raro encontrar, em obras destinadas à exposição dedutiva da Geometria Euclidiana
referências ao trabalho de Euclides já nas primeiras páginas, como ocorre nas produções
de Barbosa (2006) e Hartshorne (2000). Os estudantes precisam saber que parte
substancial dos conteúdos geométricos trabalhados na educação básica tem nos escritos
de Euclides as suas bases. A exposição histórica precisa levá-los a responder alguns
questionamentos tais como: Quem foi Euclides? Quando e onde ele viveu? De que trata
a sua obra Os Elementos? Como está organizada? Em que contexto sócio-político ela foi
redigida? Quais as imperfeições desse trabalho? E qual a sua importância na
Matemática e na produção de conhecimento científico de modo geral?
O recorte histórico convocado pelos questionamentos acima não deve ser
dissociado da compreensão dos conteúdos presentes na obra de Euclides, ainda que
numa linguagem e abordagem mais contemporânea. É um casamento cujo divórcio pode
trazer prejuízos ao entendimento dos alunos no que tange a construção de uma visão
mais holística acerca da Geometria de Euclides. A associação entre os conteúdos
matemáticos propriamente ditos e o contexto histórico em que foram desenvolvidos tem
sido alvo de reflexões dos pesquisadores matemáticos, de forma mais contundente, nos
últimos vinte anos (Schubring, Furinghetti & Siu, 2012; Fauvel & Maanen, 1997,
citados por Goktepe & Ozdemir, 2013). De acordo com B. D’Ambrosio (2007), o relato
de episódios históricos relacionados com a descoberta ou com a construção dos
resultados matemáticos pode fomentar a motivação dos alunos no que concerne à
157
aprendizagem. A despeito de considerar a questão motivacional como um dos fatores
que justificam a entrada da história da matemática nos ambientes escolares, Liu (2003)
aponta ainda outros elementos. Para esse autor, a historização na aprendizagem faz com
que os estudantes percebem que, assim como eles, os matemáticos “consagrados”
também enfrentaram algum tipo de dificuldades em suas pesquisas matemáticas.
Embora pouco se saiba acerca da vida pessoal de Euclides, como revelam Boyer
(1996), Eves (2008) e Garbi (2006), a sua produção intelectual é bastante reverenciada
pelos matemáticos e se tornou um marco na concepção de pensamento científico. Iniciar
os estudos em Geometria sem fazer referência ao trabalho de Euclides assemelha-se a
um filme cujos créditos foram retirados ao final. Até mesmo em livros destinados aos
estudantes da primeira série ginasial, no Brasil, é possível encontrar alusões aos
Elementos. A obra de Giovanni, Castrucci e Giovani Júnior (1998) ilustram esse fato:

Por volta de 600 a.C. os matemáticos gregos começaram a sistematizar os


conhecimentos geométricos adquiridos, fazendo com que a Geometria deixasse
de ser puramente experimental. Este trabalho de organização lógica dos
conhecimentos foi feito principalmente pelo matemático grego Euclides, por
volta de 300 a.C. e reunido numa obra de 13 volumes, chamada Os Elementos.
(p. 35)

Antes de apresentar aos alunos uma série de axiomas seguidos de teoremas e


demonstrações é salutar comunicar-lhes as origens dessa forma sistemática e rigorosa de
apresentar e validar os resultados matemáticos. A Matemática não se apresentou aos
homens de forma pronta e acabada assegurando-lhes uma condição de passividade e
apatia. Antes, foi fruto do trabalho de pessoas estudiosas e dedicadas que por meio de
erros e acertos foram descobrindo e validando as proposições inerentes a essa Ciência
(Liu, 2003; Peters, 2005; B. D’Ambrosio, 2007). Tais assertivas são reforçadas por U.
D’Ambrosio (1996) segundo o qual:

As ideias matemáticas comparecem em toda a evolução da humanidade,


definindo estratégias de ação para lidar com o ambiente, criando e desenhando
instrumentos para esse fim, e buscando explicações sobre os fatos e fenômenos
da natureza e para a própria existência. (p. 97)

A primeira história em quadrinhos aplicada durante a investigação, a HQ1, foi


construída com o objetivo de situar os discentes no panorama educacional, político e

158
cultural que permeava o mundo helenístico54 à época de Euclides. Segundo Liu (2003),
a utilização da história da Matemática no ensino ajuda os estudantes a conhecerem a
natureza do conhecimento matemático. No enredo da HQ1, intitulada Dona Geometria
em Euclides e Os seus Elementos, está presente uma síntese de alguns fatos
relacionados ao desenvolvimento da Geometria, antes, durante e depois de Euclides. Há
uma breve referência aos egípcios como um dos povos responsáveis pelo surgimento da
Geometria; há referências à Academia de Platão, importante espaço de produção
intelectual de renomada na Antiguidade; e, além disso, é assinalada a influência dos
trabalhos de Pitágoras (ou dos seus seguidores) na construção de Os Elementos. À
personagem Dona Geometria é encarregada a tarefa de narrar a história. Personagens
como Euclides e David Hilbert têm voz ativa na narrativa. Pitágoras, Platão, Alexandre,
o Grande, e Ptolomeu I são apenas mencionados. A Figura 6.1 apresenta um recorte da
história.

Figura 6.18. Dona Geometria se apresentando ao leitor


17

É importante que os discentes sejam capazes de distinguir o papel de Euclides no


desenvolvimento da Geometria. Ele não foi o responsável pela descoberta de grande
parte dos resultados presentes em sua obra. Sua importância ressai bem mais pela forma
didática, organizada, sistemática e lógica como estruturou os conteúdos matemáticos em
Os Elementos. A omissão dessas informações pode levar os estudantes a atribuírem a
Euclides, equivocadamente, a autoria de resultados descobertos por matemáticos que lhe
antecederam: “Um pouco antes da época de Platão mas depois de Arquimedes, um

54
De acordo com Garbi (2006), o termo helenismo é utilizado para designar a expansão da cultura grega
durante a Idade Antiga.

159
homem chamado Euclides escreveu os Elementos, coletando e melhorando o trabalho
de seus predecessores” [itálicos nossos], comenta Hartshorne (2000, p. 1).
Quanto aos eventos posteriores à elaboração de Os Elementos, mas a ela
relacionados, a HQ1 traz o ano e o local em que esta obra foi impressa pela primeira
vez. Era necessária a invenção da impressa, no século XV, para que isso pudesse
acontecer. Além disso, a HQ1 cita o matemático David Hilbert, um dos responsáveis
pelo aprimoramento do trabalho de Euclides no que diz respeito às fragilidades ali
presentes. Com efeito, “uma análise mais atenta aos Elementos permite verificar que
algumas provas dadas por Euclides utilizam afirmações que não foram previamente
estabelecidas, algumas envolvem manipulações físicas e outras usam casos específicos
para justificar conclusões gerais” (Gil, 2012, p. 103). Não obstante a importância de Os
Elementos, omitir as suas imperfeições significa desconsiderar a evolução do
pensamento matemático ao longo dos anos. Segundo Liu (2003), “o que hoje é
considerado como um argumento matemático não rigoroso foi amplamente aceito, sem
dúvidas, há anos” (p. 417). B. D’Ambrosio (2007) endossa tais considerações e as
relaciona com a formação dos docentes ao destacar que:

Discussões sobre como a comunidade determina os critérios, como os critérios


se modificam com o tempo, e como os critérios evoluíram para o que
conhecemos hoje, criam oportunidades para os professores refletirem sobre o
que seja uma prova matemática e qual sua importância no processo de
construção do conhecimento. (p. 404)

Segundo Peters (2005) é possível encontrar, no Brasil, relatos da história da


Matemática, relacionados com a Geometria, em muitos livros da primeira série do curso
ginasial. Entretanto, raramente “são discutidos os erros, crises ou controvérsias nos
processos de criação e descoberta da matemática” (p. 103). Corroborando tal afirmativa,
os trabalhos de Bonjorno, Azenha Bonjorno e Olivares (2006) e Dante (2007a) tecem
comentários ao trabalho de Euclides mas omitem os aprimoramentos que lhe foram
acrescentados. A Figura 6.2 contém uma tirinha das HQ1 onde o aprimoramento dado
por Hilbert à obra de Euclides é mencionado.

160
Figura 6.2. Hilbert iniciando a sua obra Fundamentos da Geometria
19

O fato de Os Elementos ser citado na abertura dos estudos em Geometria pode


levar os estudantes a pensarem que os contéudos de outras áreas, como Álgebra por
exemplo, não estavam presentes nessa obra. Na HQ1 há uma apresentação dos
conteúdos que couberam a cada um dos treze livros de Os Elementos: Geometria Plana
e Espacial, Teoria dos Números e Álgebra elementar. Além disso, é relatado o número
de proposições que compuseram este trabalho e o que significa uma demonstração por
redução ao absurdo.
A definição de conceitos como axioma, postulado, proposição e teorema
também aparecem na HQ1. Sem compreender o que cada um desses termos significa
não é possível avançar nos estudos em Geometria numa perspectiva axiomática. Apesar
de, nos presentes dias, os termos axiomas e postulados serem sinônimos, à época de
Euclides havia distinções entre eles: “Os axiomas ou noções comuns eram comuns a
todas as ciências e eram afirmações caracterizadas pela sua indemonstrabilidade e
evidência. Já os postulados eram específicos de cada ciência” (Gil, 2012, p. 122).
Ao final da leitura da HQ1 são propostas duas atividades. A primeira consiste em
um dominó que deve ser completado com o nome do livro de Os Elementos que condiz
com as informações apresentadas. Por exemplo, se em uma peça do dominó aparece a
informação “Garante a existência de cinco poliedros regulares”, ela deve ser
conectada/associada a uma outra peça que contém o número do livro relacionado com
essa informação. A segunda atividade corresponde a uma palavra cruzada que deve ser
completada a partir dos nomes dos personagens históricos mencionados na HQ ou por
meio de conceitos matemáticos citados na banda desenhada. Segundo Rêgo, Rêgo e
Vieira (2012), a utilização de palavras cruzadas no processo de ensino de Geometria se
justifica por facilitar o “trabalho com a elaboração/compreensão de definições;

161
capacidade de expressão/comunicação de ideias; planejamento de estratégias” (p. 34).
As duas atividades aparecem na Figura 6.3.

Figura 6.3. Atividades propostas ao final da HQ1


20

A exposição de fatos históricos relacionados ao desenvolvimento da Matemática


durante a formação dos discentes é defendida, no Brasil, pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais segundo os quais: “O contexto histórico possibilita ver a Matemática em sua
prática filosófica, científica e social e contribui para a compreensão do lugar que ela tem
no mundo” (Brasil, 1998b, p. 46). No que tange à Geometria, revisitar o contexto em
que os seus resultados foram descobertos ou aprimorados ajuda os alunos a perceberem
“a importância da geometria na fundamentação matemática” e a “evolução do rigor
lógico e das provas matemáticas” (B. D’Ambrosio, 2007, p. 400). Para Peters (2005), a
historização permite aos professores e alunos contextualizarem os assuntos estudados.
De acordo com Gil (2012), a utilização da história da matemática em sala de aula lhes
proporciona “a oportunidade de desenvolver a arte de discutir, justificar as suas próprias
opiniões e apresentar o seu próprio raciocínio aos seus pares” (p. 640). Espera-se que,
de alguma forma, a história em quadrinhos Dona Geometria em Euclides e Os seus
Elementos possa dialogar com essas potencialidades.

162
6.3 A Geometria nas HQ2 e HQ7

A HQ2 aborda os conceitos que abrem os estudos em Geometria: Os conceitos


primitivos, os axiomas de incidência, os axiomas de ordem, o segmento de reta, a
semirreta, os triângulos, os conjuntos convexos, o semiplano, dentre outros. Com o
intuito de aproximar a narrativa do dia a dia dos alunos, motivando-os à aprendizagem,
esta HQ, intitulada Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos, a HQ2, estabelece
relações entre algumas práticas esportivas (futebol, vôlei, basquete) e os conteúdos
geométricos.
A inserção dos esportes na HQ2 deve-se a sua forte presença nos momentos de
lazer e nas conversas dos estudantes. Na história, os “esportistas matemáticos” são três
irmãos apaixonados tanto por esportes quanto pela Matemática os quais são nomeados
pela protagonista, Dona Geometria, como o Ponto, a Reta e o Plano, conforme revela a
Figura 6.4.

Figura 6.4. Primeira tirinha da HQ Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos


21

De acordo com Noubary (2010), ao associar os conteúdos de Matemática a


práticas esportivas, os professores podem utilizar o interesse dos estudantes pelos
esportes para apresentar-lhes os mais variados assuntos de Matemática. Além de
motivar os estudantes, esta conexão se destaca por tornar visível algumas aplicações dos
conteúdos matemáticos. Segundo Mota (2005), é possível explorar conceitos
geométricos como perímetro, diagonal e área a partir de uma piscina olímpica ou de
tatames usados na ginástica. Este autor menciona também a utilização da pista de
atletismo para abordar o conceito de comprimento de arco de uma curva.
Na HQ2 as formas geométricas presentes em um campo de futebol são utilizadas
para a apresentação dos conceitos primitivos. A piscina olímpica é usada durante a

163
exibição dos Axiomas de Incidência. As suas raias fornecem uma ideia de reta (na
verdade de um subconjunto da reta) e algumas bolinhas de isopor situadas na piscina
são utilizadas para representar pontos. Conceitos geométricos como o segmento de reta,
o triângulo e a semirreta também são apresentados ao mesmo tempo em que os
personagens da história praticam natação.
Segundo Staszkow e Bradshaw (2006), “a matemática está presente no mundo
dos esportes” (p. 211). Destacam que o conceito de distância pode ser explorado a partir
de uma pista de atletismo. Na HQ, esse tipo de pista foi utilizado com outra finalidade:
Para mostrar que a união de uma semirreta de origem em um ponto A e que passa por
um ponto B com a semirreta de origem em B e que passa por A é exatamente a reta
determinada por esses dois pontos. Entretanto, qualquer que seja a forma com que os
cenários das atividades esportivas são empregados, o importante é mostrar aos
estudantes que a matemática está presente em seu dia a dia e, portanto, trata-se de uma
Ciência “útil, prática e divertida” (p. v), assinalam os autores.
A secção PPPRSL, presente na HQ2, trata das relações entre a reta determinada
por dois pontos A e B, o segmento de reta determinados por eles e as semirretas de
origem em A passando por B e de origem em B passando por A. A Figura 6.5 apresenta
a questão.

Figura 6.5. Secção PPPRSL na HQ2


22

Na Figura 6.5, a ferramenta simbólica SAB é usada para denotar uma semirreta
de origem em um ponto A e que passa por um ponto B. A reta que passa por esses dois
pontos e designada por m e o segmento de reta com extremidades em A e B é denotado
por AB.
Os esportes são potenciais ferramentas educacionais. Noubary (2010) destaca
que, em suas experiências de ensino, a utilização de jogos e esportes corresponde à
164
estratégia de ensino que mais despertou o interesse em seus estudantes. Segundo as
razões para a conexão das atividades esportivas com o ensino de Matemática, o autor
sublinha que os “estudantes geralmente se divertem com os esportes e mostram um
grande interesse na matemática e estatística aplicadas às atividades esportivas” e os
“esportes são uma parte da vida diária, especialmente dos mais jovens” (p. 1).
Naturalmente, no contexto da pesquisa aqui descrita, os participantes não foram
convocados a praticarem esportes para, a partir daí, estabelecerem relações com os
conteúdos geométricos. O que ocorreu foi a utilização dos ambientes presentes nas
atividades esportivas (quadra de esportes, campo de futebol, piscina olímpica, dentre
outros) durante a exposição de determinados conteúdos geométricos, como ocorre na
HQ2.
Após percorrer variados cenários esportivos, Dona Geometria finaliza a história
em uma quadra de basquete conforme retratado na Figura 6.6.

Figura 6.6. Apresentação do conceito de convexidade na HQ2


23

Conforme pode ser verificado na Figura 6.6, na HQ2 recorre-se a um dos


círculos que aparecem em uma quadra de basquete para introduzir o conceito de
conjunto convexo. Após a finalização da história são propostas duas atividades. A
primeira dessas atividades aparece na Figura 6.7.

165
Figura 6.7. Primeira atividade proposta no final da HQ2
24

De acordo com a Figura 6.7, a primeira atividade proposta ao final da HQ2


consiste em encontrar um triângulo que satisfaz algumas condições pré-estabelecidas.
São apresentadas oito informações que conduzem os alunos ao triângulo procurado. Os
axiomas de incidência e os conceitos de semiplano e conjunto convexo são alguns dos
conteúdos presentes. A Figura 6.8, a seguir, retrata a segunda atividade.

Figura 6.8. Segunda atividade proposta no final da HQ2


25

A atividade retratada na Figura 6.8 refere-se à prova da igualdade entre um


segmento de reta AB e um conjunto S dado pela interseção entre as semirretas de

166
origem em A passando por B e a semirreta de origem em B passando por A. Consiste
em completar algumas lacunas de modo a finalizar a demonstração matemática.
Os esportes aparecem novamente como plano de fundo para exposição dos
conteúdos geométricos na última história em quadrinhos aplicada: Dona Geometria em:
A turma boa de bola, a HQ7. Desta vez, a exposição gira em torno do cálculo da área de
regiões planas limitadas por alguns polígonos (retângulo, triângulo, paralelogramos,
trapézios), além da área da região plana limitada pelo círculo55. Na narrativa, Dona
Geometria é acompanhada por dois jovens, Bartolomeu e Vinícius, que torcem para
dois times de futebol rivais: O Esporte Clube Bahia e o Esporte Clube Vitória, os dois
maiores clubes de futebol do estado da Bahia. O futebol, um dos esportes mais
populares da atualidade (Engledew, 2015), é um manancial de aplicações em
Geometria: Pode ser utilizado para estudar o conceito de distância, por exemplo,
alcançada por um chute a gol ou por um passe entre dois jogadores de um mesmo time
(Staszkow & Bradshaw, 2006); no estudo do ângulo formado entre um chute e uma das
laterais do campo; no cálculo de área de regiões planas limitadas por figuras
geométricas presentes no campo de futebol e etc.
Nos anos de 2014 e 2016, respectivamente, o Brasil sediou dois eventos
esportivos de renome: A Copa do Mundo de futebol e Os Jogos Olímpicos, estes
últimos realizados na cidade do Rio de Janeiro. No país, as atividades esportivas estão
presentes em diversas rodas de discussão. Fazem parte do cotidiano do brasileiro, da
cultura do povo, das horas de lazer dos cidadãos. O futebol, em particular, é o esporte
mais praticado no país. A paixão pelo futebol se estende a países vizinhos e até mesmo
a nações situadas do outro lado do Atlântico. De fato, o “futebol é o esporte nacional da
maior parte dos países latino-americanos e europeus” (Education Development Center
[EDC], 2003, p. 478).
Na HQ7, Dona Geometria abre as discussões apresentando aos leitores as
definições de conceitos como região triangular e região poligonal. A partir daí são
introduzidos três axiomas sobre o cálculo de área, dois deles presentes na Figura 6.9.

55
Ao longo desta pesquisa foi adotada a definição de círculo apresentada por Barbosa (2006), ou seja, o
conjunto dos pontos do plano equidistantes de um ponto fixo.

167
Figura 6.9. Axiomas sobre o cálculo de área
26

Logo após a referência aos axiomas indicados na Figura 6.9, um quarto axioma é
apresentado. Desta vez, pela personagem de nome Zuleide, a professora de Matemática
de Bartolomeu e Vinícius. Este axioma refere-se à área da região plana limitada por um
retângulo: “Se ABCD é um retângulo, então a sua área é dada pelo produto AB  BC , ”

em que AB e BC denotam, respectivamente, os comprimentos dos segmentos AB e


BC (Barbosa, 2006, p. 177).
A partir do quarto axioma sobre o cálculo de área e dos casos de congruência
entre triângulos retângulos  estes últimos presentes na HQ6  ocorre, na narrativa, a
demonstração da fórmula para o cálculo de área da região plana limitada por um
paralelogramo. Em seguida ocorre a demonstração do cálculo da área da região plana
limitada por um triângulo a partir do “encaixe” entre dois triângulos congruentes
formando um paralelogramo. Após a apresentação de três definições, quatro axiomas e
duas proposições, o texto apresenta a secção Parando um pouco para refletir sobre a
leitura. A atividade proposta aparece na Figura 6.10.

Figura 6.10. PPPRSL na HQ7


27

168
A atividade retratada na Figura 6.10 contempla o cálculo da área da região plana
situada entre a pequena e a grande área de um campo de futebol; o diâmetro do círculo
central do campo; cálculo de distância, dentre outros.
A próxima demonstração presente no texto refere-se ao cálculo da área da região
plana limitada por um trapézio. Partes do contorno da pequena e da grande área de um
campo de futebol são tomadas como bases de um trapézio qualquer. Os personagens
Bartolomeu e Vinícius mostram aos leitores que dividindo esse polígono em dois
triângulos, a partir de qualquer uma de suas diagonais, chega-se à fórmula desejada.
Como em todos os momentos da narrativa, os estudos são feitos a partir do campo de
futebol: Suas linhas paralelas, perpendiculares, o círculo central, dentre outros. Se a
ênfase do estudo consistisse no cálculo do desempenho de dois times de futebol e de
estratégias para melhorar as suas performances  o que não representa os objetivos
desse texto  além de estudos geométricos, como alguns já destacados, seria necessário
combinar com a Geometria, conteúdos de aritmética, teoria de probabilidade e
estatística. Nesse caso, o trabalho de Winston (2009) representa uma promissora fonte
de leitura.
As últimas páginas da HQ são dedicadas ao estudo do círculo: Área e
comprimento. Parte deste assunto é retratada na Figura 6.11.

Figura 6.11. Justificação intuitiva da expressão para a área da região limitada por uma
28

circunferência

Conforme mostra a Figura 6.11, na HQ7 a expressão r2, para a área da região
plana limitada por um círculo de raio r, é obtida de forma intuitiva dividindo o círculo
em setores circulares com comprimentos de arco tendendo a zero. Arrumando esses
setores de forma conveniente obtém-se uma figura que se assemelha a um

169
paralelogramo cujas medidas da base a altura se aproximam, respectivamente, de r e r
u.c (unidades de comprimento).
A HQ7 foi confeccionada durante a intervenção do investigador junto aos
participantes da pesquisa. Conhecendo-os ele resolveu inserir na história dois
personagens femininos com nomes iguais aos nomes de duas alunas que participaram da
investigação. Dessa forma, o investigador tentou aproximar os alunos da leitura
tentando torná-los mais próximos dos personagens e das suas intenções ao longo da
narrativa. Nas atividades propostas ao final da HQ também aparecem personagens com
os mesmos nomes de alguns participantes da pesquisa. Tendo em vista o anonimato
desses sujeitos os seus verdadeiros nomes estão substituídos, na atividade aqui exposta,
pela palavra “Nome”. Apenas as suas iniciais estão mantidas.
A atividade descreve a realização de um jogo entre o Esporte Clube Bahia
(ECB) e o Esporte Clube Vitória (ECV). A, D e I são jogadores do ECB enquanto que
M, N, R e S pertencem ao ECV. A distribuição desses jogadores ao longo do campo é
mostrada na Figura 6.12.

Figura 6.12. Jogo entre o ECB e o ECV


29

De acordo com a Figura 6.12, considerando que J e O, zagueiros do ECV, estão


localizados nos pontos médios dos segmentos AD e AI deve-se encontrar a área da
região plana limitada pelo triângulo AJO. Em seguida, é solicitado aos alunos o valor da
área da região plana limitada pelo quadrilátero que tem os atacantes do ECV como
vértices. Por fim, os participantes devem comparar, numericamente, o comprimento do
círculo central com o perímetro do quadrilátero mencionado anteriormente.

170
6.4 A Geometria nas HQ3 e HQ6

Duas das HQs aplicadas vinculam, de alguma forma, o enredo das histórias à
cidade de Amargosa: A HQ3 e a HQ6. Estudar Matemática relacionando-a com um
cenário peculiar aos estudantes lhes propicia a percepção de que os conteúdos
matemáticos não se limitam aos bancos escolares. Há matemática para além da fronteira
demarcada pelos muros da escola. A Matemática é uma ciência viva e, em dados
momentos, aplicável ao cotidiano das pessoas.
Giardinetto (2002) e Hull (1999) apontam o ensino contextualizado como uma
possibilidade para melhorar o processo de ensino e aprendizagem em Matemática.
Segundo o último autor, “a maioria dos estudantes em nossas escolas é incapaz de fazer
conexões entre os conteúdos que estão aprendendo e a forma como esse conhecimento
deverá ser utilizado” (p. vii). A situação assinalada por esse autor é corroborada por
Cruz (2006) segundo a qual esses estudantes concebem a matemática como uma Ciência
afastada da realidade em que vivem. É importante, pois, que eles relacionem os
conteúdos escolares com o seu dia a dia, seu local de trabalho, sua comunidade, suas
atividades de lazer, ou seja, com os ambientes exteriores ao muro da escola (Siyepu &
Mtonjeni, 2014). De acordo com os últimos autores, o rendimento dos alunos aumenta
quando eles são ensinados a aplicar os conteúdos escolares no seu cotidiano.
Segundo Hull (1999), a “abordagem contextual reconhece que a aprendizagem é
um processo complexo e multifacetado que vai muito além orientação exercitada,
metodologias estímulo-e-resposta” (p. 1). Nessa perspectiva, a aprendizagem ocorre
quando os estudantes assimilam as novas informações conectando-as com os seus
“próprios quadros de referência” (idem). “A mente procura, naturalmente, sentido no
contexto” (idem).
A HQ3, intitulada Dona Geometria em: A corrida pelo saber, trata da noção de
distância entre dois pontos por meio dos axiomas de medição de segmentos. Em
companhia de seus dois sobrinhos, Antônio e Bianca (que representam na narrativa dois
pontos quaisquer A e B), Dona Geometria faz uma viagem da cidade de Salvador até o
município de Amargosa, ambos na Bahia. Durante o percurso os personagens discutem
sobre vários assuntos, dentre os quais se sobressaem: Os axiomas de medição de
segmentos (distância entre dois pontos, correspondência biunívoca entre os pontos de
uma reta e os números reais, coordenada de um ponto) e a existência e unicidade do
ponto médio de um segmento.
171
A distância entre os automóveis dirigidos por Antônio e Bianca é tomada como
ponto de partida para introduzir os axiomas de medição de segmentos. A despeito do
texto prezar por uma representação algébrica das coordenadas dos pontos utilizados, na
fase introdutória do assunto alguns exemplos numéricos são utilizados. A régua
graduada é apresentada como o instrumento utilizado na medição de segmentos de reta.
A partir daí duas proposições são enunciadas e demonstradas.
A primeira proposição permite inferir uma relação de ordem entre três pontos A,
B e C de uma semirreta de origem em A a partir da comparação entre os comprimentos
dos segmentos AB e AC (mais precisamente, se AB  AC então B está entre A e C, em

que AB e AC denotam os comprimentos dos segmentos AB e AC, respectivamente). A


segunda proposição estabelece uma relação de ordem entre três pontos A, B e C de uma
reta a partir da comparação entre os valores de suas respectivas coordenadas a, b e c, e
vice-versa (o ponto C está entre os pontos A e B se, e somente se, o número c está entre
os números a e b).
Após a apresentação das proposições, o carro dirigido por Dona Geometria passa
a localizar-se de forma equidistante dos carros de Antônio e Bianca. Nesse instante é
introduzida a noção de ponto médio de um segmento conforme se verifica na Figura
6.13.

Figura 6.13. Apresentação do ponto médio de um segmento


30

À luz dos axiomas e proposições apresentados ocorre, na HQ, a demonstração da


existência e unicidade do ponto médio de um segmento (esse resultado será referido
aqui como o Teorema do Ponto Médio). As imagens são utilizadas para reforçar a
associação entre os pontos de uma reta e as suas coordenadas numéricas. Parte da
demonstração aparece nos balões de diálogos entre os personagens.

172
A atividade proposta na secção PPPRSL, na HQ3, exige o entendimento da
demonstração do Teorema do Ponto Médio (TPM). A Figura 6.14 apresenta a atividade.

Figura 6.14. Refletindo sobre a leitura na HQ3


31

Para resolver a atividade apresentada na Figura 6.14 é necessário utilizar o fato


da coordenada do ponto médio de um segmento de reta corresponder à média aritmética
das coordenadas das extremidades do segmento. Ao contrário do que ocorreu na
demonstração do TPM, na atividade foram utilizados exemplos numéricos (e não
algébricos) para as coordenadas.
O TPM é o último resultado matemático contemplado no texto. Após a sua
exibição, Dona Geometria, Antônio e Bianca chegam à cidade de Amargosa quando
enfim encontram a irmã de Dona Geometria, a mãe de “A” e “B”, referida no texto
como a Dona Matemática. Em seguida, são apresentadas duas atividades, ambas
retratadas na Figura 6.15.

Figura 6.15. Atividades propostas na HQ3


32

173
A primeira atividade disposta na Figura 6.15, pode ser resolvida por meio da
primeira proposição apresentada na HQ e através do TPM. A segunda atividade exige a
associação entre os pontos de uma reta e as suas respectivas coordenadas. Os axiomas
de medição de segmentos e o TPM são necessários à sua resolução.
Assim como a HQ3, na HQ6, intitulada Dona Geometria em: A estagiária, há
referência à cidade de Amargosa. A estagiária citada no título da HQ diz respeito a uma
mulher que almeja substituir um renomado professor de Geometria, João Lucas, em
suas férias. Para conseguir a vaga, a estagiária, de nome Jaciara, deverá mostrar ao
professor João Lucas os seus conhecimentos em Geometria, sobretudo a respeito do
Teorema do Ângulo Externo (TAE). Dentre os desdobramentos dos diálogos entre esses
personagens, aparece a prova da Desigualdade Triangular. A introdução a este assunto
é feita a partir do estudo do menor caminho que liga dois pontos, a partir de três pontos
não colineares situados em uma praça da cidade de Amargosa.
A princípio, Dona Geometria apresenta aos leitores as definições de ângulo
interno e ângulo externo de um triângulo. Em seguida, ela é interrompida por Jaciara
que introduz o TAE. Em uma conversa com o professor João Lucas em uma lanchonete
que ele costuma frequentar, a estagiária desenvolve a demonstração do teorema. O
cenário não exerce influência alguma sobre o desenvolvimento da demonstração. É
utilizado para criar uma ambientação para os personagens enquanto estes conversam. As
imagens referentes à demonstração foram acrescentadas ao cenário original (extraído do
toondoo).
As imagens provenientes da galeria do toondoo e aquelas acrescentadas tendo
em vista o desenvolvimento da demonstração podem ser classificadas, respectivamente,
a partir da categorização instituída por Dalcin (2007) ao analisar textos paradidáticos,
como ornamentais e de visualização. As imagens ornamentais, de acordo com a autora,
são “ilustrações que não apresentam vínculo algum, seja com a simbologia matemática
ou com o texto escrito, exercendo apenas a função de ‘quebra de ritmo de leitura’” (p.
30). As imagens de/para visualização têm por finalidade viabilizar a compreensão dos
conteúdos matemáticos presentes no texto de modo a complementar o texto escrito e a
simbologia empregada. São utilizadas “quando se pretende mostrar ‘passo a passo’ um
procedimento geométrico, quando uma situação problema é anunciada e a ilustração
pretende complementar informações ou organizar o pensamento para a resolução do
problema” (idem, p. 29).
174
Em virtude da quantidade de assuntos retratados na HQ6, foram instituídas três
secções PPPRSL. A primeira delas aparece logo após a demonstração do TAE e se
refere somente a teorema conforme pode ser verificado na Figura 6.16.

Figura 6.16. Teorema do ângulo externo na secção PPPRSL


33

Na atividade retratada na Figura 6.16, as medidas de três ângulos são indicadas


por x, y e z. A partir do TAE, é possível estabelecer comparações entre essas medidas.
Dando continuidade à história, o professor pede à candidata a estagiária que
apresente a demonstração de alguns resultados que decorrem do TAE tais como: A
existência de um valor limite para a soma das medidas de dois ângulos internos de um
triângulo (a soma é sempre menor que 180 o!) e o fato de duas retas perpendiculares a
uma terceira não se interceptarem. Como consequência do primeiro resultado, Jaciara
garante a existência, em qualquer triângulo, de, pelo menos, dois ângulos agudos. Após
a demonstração do segundo resultado, Dona Geometria apresenta a definição de retas
paralelas. Em seguida, a anfitriã propõe aos leitores da HQ a resolução de um caça-
palavras com o intuito de agregar mais diversão à leitura como revela a Figura 6.17.

Figura 6.17. Caça-palavras presente na HQ6


34

175
A atividade proposta na Figura 6.17 envolve conceitos como paralelismo entre
retas, TAE e a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo. Todos esses
assuntos são contemplados na HQ6.
Para se certificar da competência de Jaciara, o professor João Lucas dá
continuidade à arguição. Pede à candidata que demonstre a existência de uma
perpendicular a uma reta passando por um ponto fora dela. O próprio professor Lucas
encarrega-se da prova da unicidade. Mais uma vez, imagens auxiliares  de
visualização, segundo Dalcin (2007)  foram acrescentadas ao cenário com o intuito de
tornar a demonstração mais inteligível. A partir daí inicia-se a comparação entre as
medidas dos lados e dos ângulos de um triângulo. O professor indica a Jaciara a medida
de três lados de um triângulo e, em seguida, questiona-a acerca da localização do ângulo
de maior medida. Sem hesitar, ela responde-lhe que este ângulo opõe-se ao lado de
maior medida. Com a ajuda de Dona Geometria, Jaciara demonstra esse resultado.
A segunda parte da secção PPPRSL trata da comparação entre as medidas dos
ângulos internos de um triângulo isósceles e destas com a medida de um ângulo externo
ao triângulo, conforme pode ser visualizado na Figura 6.18.

Figura 6.18. Segunda secção PPPRSL da HQ6


35

Na atividade disposta na Figura 6.18, são fornecidas as medidas de dois lados do


triângulo ABC. A última proposição demonstrada por Jaciara juntamente com o TAE
constituem a chave para a resolução da questão
Na fase final da história, o professor Lucas leva a professora Jaciara a sua casa.
No caminho, solicita-lhe que demonstre o resultado inverso ao anterior. Ou seja, que o
maior lado de um triângulo é aquele que se opõe ao ângulo de maior medida. Desta vez,
porém, resolve ajudá-la durante a demonstração. Antes, Dona Geometria apresenta aos

176
leitores da HQ um triângulo cujas medidas de dois ângulos são conhecidas, a saber, 40o
e 80o. Em seguida, a anfitriã comenta que o lado que se opõe ao ângulo que mede 80 o
tem comprimento maior que o lado oposto ao ângulo de 40o. É exatamente o resultado
que João Lucas e Jaciara demonstram em um sentido mais geral. Dona Geometria
introduz o assunto a partir de um raciocínio indutivo. Os demais personagens adotam o
raciocínio dedutivo.
Quando chegam à casa de João Lucas, Jaciara fica encantada com um dos quadros
expostos na parede. A Figura 6.19 retrata este fato.

Figura 6.19. A desigualdade triangular na HQ6


36

No quadrinho à direita, na Figura 6.19, é retratada uma praça bastante arborizada


situada nas proximidades da prefeitura da cidade de Amargosa. A partir dessa imagem
os dois personagens iniciam uma conversa acerca da Desigualdade Triangular. Mais
uma vez caberá à estagiária demonstrar o resultado.
A demonstração da Desigualdade Triangular envolve construções feitas
paulatinamente. Essas construções (imagens) não fazem parte do cenário onde a história
se passa. Mais uma vez elas são (imagens de visualização). Processo semelhante pode
ser verificado nas últimas páginas da narrativa durante a exposição dos casos de
congruência de triângulos retângulos.
A terceira parte da secção PPPRSL representa uma síntese dos últimos assuntos
abordados na HQ: Relações entre as medidas dos lados de um triângulo e dessas
medidas com as medidas dos ângulos internos. A Figura 6.20 apresenta a atividade.

177
Figura 6.20. Terceira parte da secção PPPRSL na HQ6
37

A atividade retratada na Figura 6.20 contempla assuntos como a congruência de


triângulos retângulos, a desigualdade triangular e as relações entre as medidas dos lados
e dos ângulos de um triângulo.
A última parte da história se passa na sala de aula onde o professor João Lucas
anuncia a Jaciara a sua aprovação na seleção. Em seguida são apresentadas duas
atividades inerentes aos assuntos contemplados na história. A Figura 6.21 apresenta tais
atividades.

Figura 6.21. Atividades propostas na HQ6


38

Conforme pode ser verificado na Figura 6.21, a primeira atividade contempla


vários assuntos: O teorema do ângulo externo, as relações entre as medidas dos ângulos
e dos lados de um triângulo e a desigualdade triangular. Os três itens propostos nessa
primeira questão exigem uma justificação para as respostas à luz da teoria estudada.
Não há dados numéricos. A segunda atividade evoca conceitos estudados ao longo de
todas as HQs lidas. Consiste em apresentar o nome de cada conceito a partir das suas
respectivas definições. À medida que esses nomes são obtidos deve-se preencher alguns

178
“quadrinhos” de modo a obter o nome de um conceito (referente a triângulos) que deve
ser definido em seguida.

6.5 A Geometria na HQ4

A HQ intitulada Dona Geometria em: Subindo mais um degrau, a HQ4, é


dedicada ao estudo dos axiomas de medição de ângulos e aos seus desdobramentos. Na
história, Dona Geometria tem a companhia de dois amigos, Ana Bissetriz (uma
executiva que sonhava em ser bailarina) e Ângelo Agudo (um arquiteto que gostaria de
dar aulas de Desenho Geométrico). Durante um passeio por uma cidade fictícia, os
personagens identificam a presença de ângulos na arquitetura do lugar. A Geometria
constitui “uma parte integrante da nossa experiência cultural sendo um componente
vital de vários aspectos da vida desde a arquitetura ao design (em todas as suas
manifestações)” (Jones, 2002, p. 122).
À medida que caminham pelas ruas da cidade, Ana Bissetriz e Ângelo Agudo
discutem vários assuntos de Geometria. Desta forma, os personagens fazem referência à
classificação dos ângulos quanto às suas medidas, apresentam os axiomas de medição
de ângulos, demonstram a congruência entre os ângulos opostos pelo vértice (OPV),
definem bissetriz de um ângulo, explicam o que é uma diagonal e o perímetro de um
polígono.
A aparente falta de conexões entre o fio condutor da narrativa e o cotidiano
imediato dos participantes (como ocorre em HQ3 e HQ6 em que a cidade de Amargosa é
referenciada) não constitui um desserviço à aprendizagem. Conforme destaca Spinelli
(2011), “a construção do conhecimento não pode situar-se imersa nos limites
estabelecidos por um único contexto.” (p. 13). De acordo como Giardinetto (2002), o
professor, no exercício da docência, deve identificar de forma pragmática a presença da
Matemática em variados contextos e, em seguida, estabelecer o diálogo entre o
conhecimento sistemático adotado nas escolas e as aplicações desses conceitos nesses
contextos. Ao tratar de contextualização no ensino de Matemática, Luccas e Batista
(2008) sinalizam alguns tipos possíveis de contexto: Um contexto dentro da própria
Matemática; uma situação-problema; uma investigação; modelagem matemática; um
contexto relacionado à história da Matemática. Segundo essas autoras, a
contextualização motiva a aprendizagem (sobretudo quando o contexto difere do
“puramente matemático”). Qualquer que seja o contexto adotado, ele deve ser acessível
179
aos estudantes, caso contrário, tornar-se-á mais um obstáculo à aprendizagem (Barnes &
Venter, 2008; Eade, Gough & Hough, 2010).
Após definir ângulo como “a figura formada por duas semirretas de mesma
origem” (Barbosa, 2006, p. 29)56, os amigos de Dona Geometria classificam os ângulos
de acordo com as suas medidas (nulo, agudo, reto, obtuso, raso). Em seguida, são
introduzidos os axiomas de medição de ângulos. Um dos axiomas garante a existência
de uma correspondência biunívoca entre as semirretas de mesma origem que dividem
um semiplano e os números reais situados entre 0 e 180, incluindo-os. Cada número é
denominado coordenada da semirreta. A diferença entre duas coordenadas, em módulo,
corresponde à medida do ângulo formado pelas semirretas correspondentes. Na
perspectiva de elucidar tais considerações, no texto faz-se uso de alguns valores
numéricos. A secção PPPRSL também faz uso de alguns números tendo em vista a
classificação dos ângulos quanto às suas medidas. A Figura 6.22 apresenta a questão
proposta.

Figura 6.22. Refletindo sobre a leitura na HQ4


39

Na atividade retratada na Figura 6.22 são apresentadas as coordenadas de várias


semirretas, de origem em um ponto O, que dividem um determinado semiplano. A partir

56
Alguns autores, a exemplo de Dante (2007a), definem ângulos da mesma forma que Barbosa (2006).
Outros autores, porém, optam por definir este conceito como "a região convexa do plano determinada por
duas semirretas de mesma origem" (Giovanni, Castrucci & Giovani, 2007, p. 36). Nas HQs foi utilizada a
definição apresentada por Barbosa (2006).

180
dos valores das coordenadas, os estudantes devem obter as medidas de alguns ângulos
com vértice em O.
A primeira proposição demonstrada na HQ4 refere-se à congruência entre
ângulos OPV. Em livros didáticos adotados na educação básica é possível encontrar a
mesma demonstração. O livro Tudo é matemática (Dante, 2007) publicado no Brasil e a
obra Impact mathematics: Álgebra and more (Education Development Center [EDC],
2003) lançada nos Estados Unidos configuram alguns exemplos. O excerto do texto
lançado no EUA, inclusive, faz uso da literatura quadrinhística para mostrar que ângulos
OPV são congruentes como pode ser verificado através da Figura 6.23.

Figura 6.23. Tirinha extraída do livro IMPACT mathematics contendo ângulos OPV57
40

Conforme pode ser verificado na Figura 6.23, a congruência entre ângulos OPV
decorre do fato de dois quaisquer desses ângulos possuirem o mesmo suplemento. A
demonstração é relativamente simples e, portanto, acessível aos estudantes da educação
básica.

57
Denotando por B1, B2 e B3 as falas presentes nos três balões, da esquerda para direita, tem-se a seguinte
tradução em português:

B1: “Quando duas retas se interceptam, os ângulos verticais têm a mesma medida”. A expressão ângulos
verticais está sendo utilizada para designar os ângulos 1 e 3, opostos pelo vértice, presentes na figura.

B2: “Aqui está o porquê de essa afirmação fazer sentido: 1 e 2 formam um ângulo raso, então a soma
de suas medidas é igual a 180o. E 2 e 3 formam um ângulo raso, então a soma de suas medidas é igual
a 180o”. Nesta frase, i, com i = 1, 2, 3, é uma ferramenta simbólica utilizada para designar ângulos.

B3: “Visto que somando m(1) à m(2) resulta em 180o, e somando m(3) à m(2) também resulta em
180o, então m(1) deve ser igual à m(3)”. Aqui m(i), com i = 1, 2, 3, é uma ferramenta simbólica
utilizada para designar a medida do ângulo i.

181
Na HQ4 aparece a definição de retas perpendiculares e a demonstração da
existência e unicidade da perpendicular a uma reta passando por qualquer um de seus
pontos. A existência da reta é assegurada a partir da correspondência biunívoca entre as
semirretas que dividem um dado semiplano e os números reais entre 0 e 180. A
unicidade provém do fato de serem suplementares os ângulos formados por essas
semirretas.
As últimas partes da HQ dedicam-se à apresentação de conceitos como bissetriz,
diagonal e perímetro de um polígono e à classificação dos polígonos quanto ao número
de lados. A Figura 6.24 traz uma tirinha da HQ.

Figura 6.24. Cálculo do perímetro de um quadrilátero


41

Na tirinha retratada na Figura 6.24, o conceito de perímetro de um polígono é


apresentado. Para tal, são utilizadas as medidas do bordo de um piscina localizada na
casa de um dos personagens.
Após a exposição teórica dos assuntos na HQ4 são propostas duas atividades,
ambas apresentadas na Figura 6.25.

Figura 6.42.
6.25. Atividades propostas na
43

HQ4
182
A primeira atividade retratada na Figura 6.25 envolve conceitos como bissetriz,
ângulos complementares e ângulos suplementares. É uma atividade relativamente
simples que requer a aplicação das definições dos conceitos mencionados associada a
alguns cálculos numéricos. A segunda atividade está relacionada a conceitos como
diagonal e perímetro de um polígono e à definição de triângulo equilátero. Embora não
constitua uma atividade de demonstração matemática, a sua resolução requer a
apresentação de justificativas referentes aos procedimento adotados.

6.6 A Geometria na HQ5

A HQ intitulada Dona Geometria em Os Congru Entes, a HQ5, dedica-se a


apresentação dos casos de congruência de triângulos e ao estudo das propriedades dos
triângulos isósceles. Com esse intuito, a anfitriã, Dona Geometria, acompanha dois
amigos, os irmãos Congru e Entes, em um passeio por uma floresta que servirá de
cenário para a exposição dos conteúdos. Este cenário impessoal deposita sobre o leitor
da HQ a tarefa de atribuir-lhe os significados que desejar. Durante a leitura de um texto,
“as ideias presentes nas narrativas conduzem o pensamento do sujeito para algum
contexto.” (Spinelli, 2011, p. 16). Coube, portanto, aos participantes criar essas pontes.
A princípio é apresentada a definição de congruência de triângulos seguida de
um axioma que garante serem congruentes dois triângulos em que dois lados de um
deles são respectivamente congruentes a dois lados do outro, o mesmo ocorrendo com
os ângulos compreendidos entre esses lados. Esse axioma é referido no texto como caso
de congruência LAL (lado-ângulo-lado).
A primeira proposição apresentada no texto refere-se à congruência entre dois
triângulos em que se verifica a existência de dois ângulos de um deles respectivamente
congruentes a dois ângulos do outro. Aliado a esse fato, é exigida a congruência entre os
lados compreendidos entre os ângulos. Nessas condições, os triângulos também são
congruentes. Esse caso de congruência é mencionado no texto como caso ALA (ângulo-
lado-ângulo). Na demonstração constrói-se, a partir de dois lados do primeiro triângulo,
um triângulo auxiliar, congruente ao segundo pelo caso LAL. As hipóteses da
proposição associadas ao TAE implicam na congruência entre o primeiro triângulo e o
triângulo auxiliar. Por transitividade segue a congruência entre os triângulos
mencionados no enunciado da proposição. As figuras inerentes à demonstração são
inseridas na narrativa à medida que os irmãos Congru e Entes vão mencionando
183
paulatinamente, nos balões de fala, cada etapa da prova. São figuras de visualização a
partir da classificação de Dalcin (2007). O cenário no qual tais imagens são inseridas, a
floresta, constituem figuras ornamentais.
Durante o texto, o estudo de congruência de triângulos não aparece relacionado a
alguma aplicação desse conteúdo a não ser para provar outros resultados da própria
Matemática. Não obstante a importância do diálogo entre a exposição dos conteúdos
matemáticos e as suas aplicações nas diversas áreas do saber ou no cotidiano das
pessoas, a matemática pela matemática também tem o seu valor (Silveira, Meira, Feio
& Teixeira, 2014). Segundo os últimos autores, é “comum os professores se
desdobrarem na busca de aplicabilidade dos conceitos matemáticos, negando aos alunos
o processo de construção desses conceitos” (p. 168). Essas ideias são comungadas por
Vasconcelos (2008) ao destacar que:

Embora as situações do dia-a-dia tenham grande importância no sentido de


favorecer a construção de significados para muitos conteúdos a serem estudados,
faz-se necessário considerar a possibilidade de construção de significados a
partir de questões internas da própria Matemática, caso contrário, muitos
conteúdos seriam descartados por não fazerem parte da realidade dos alunos. (p.
46)

A despeito de apoiarem a apresentação dos conceitos matemáticos por meio de


situações familiares aos estudantes, Luccas e Batista (2008) também advogam pela
exposição pragmática da Matemática dissociada de situações problemas ou de outras
contextualizações. Segundo essas autoras, a “descontextualização é que possibilitará o
acesso à estrutura dos objetos matemáticos fortalecendo, desse modo, o
desenvolvimento do pensamento lógico-racional e abstrato” (p. 12). Para as autoras, a
contextualização e a descontextualização têm papéis importantes no processo de ensino
e aprendizagem de Matemática.
A HQ5 segue com a classificação dos triângulos quanto às medidas de seus
lados. Nesse momento, Dona Geometria ajuda os seus amigos a mostrar que um
triângulo é isósceles se, e somente se, possui dois ângulos de mesma medida. Em
seguida são apresentados os conceitos de mediana, altura e bissetriz relativas a um lado
de um triângulo (na verdade, a bissetriz refere-se ao ângulo oposto ao lado). Esses
conceitos aparecem relacionados quando se referem à base de um triângulo isósceles
como revela a Figura 6.26.

184
Figura 6.26. Relações entre mediana, altura e bissetriz relativas à base de um triângulo
44

isósceles

Na Figura 6.26 são indicadas a mediana, a altura e a bissetriz do triângulo ABC


relativas ao lado AB. De modo geral, tais segmentos não coincidem exceto quando se
tratar da base de um triângulo isósceles ou de qualquer um dos lados de um triângulo
equilátero.
Em PPPRSLL é solicitada aos participantes a medida de um dos ângulos de um
triângulo ABC conforme indica a Figura 6.27.

Figura 6.27. Refletindo sobre a leitura na HQ5


45

Para responder à questão retratada na Figura 6.27 é necessário utilizar a


congruência entre dois triângulos citados no enunciado do problema e, em seguida, usar
alguma das propriedades de triângulos isósceles (além do fato de serem suplementares
um ângulo interno de um triângulo e o ângulo externo que lhe é adjacente). A atividade
consegue reunir, de forma simples e direta, parte da teoria exposta na HQ.
A última proposição apresentada trata da congruência entre dois triângulos em
que as medidas dos lados de um deles coincidem com as medidas dos lados do outro.
185
Esse caso de congruência de triângulos é referido no texto como caso LLL (Lado-Lado-
Lado). Durante a demonstração é criado um triângulo auxiliar que se revela congruente
a cada um dos triângulos da hipótese da proposição os quais serão congruentes entre si
por transitividade. A demonstração reúne o caso de congruência ALA e a congruência
entre os ângulos da base de um triângulo isósceles.
Após a apresentação do caso de congruência LLL são propostas duas atividades
aos participantes, ambas retratadas na Figura 6.28.

Figura 6.28. Atividades propostas na HQ5


46

Nas atividades apresentadas na Figura 6.28, os casos de congruência de


triângulos e as propriedades de triângulos isósceles são evocados. Contudo,
diferentemente do que ocorreu na secção PPPRSL, desta vez as respostas precisam ser
devidamente justificadas.
A confecção das sete HQs envolveu um total de 400 quadrinhos (sem incluir
capa, folha de rosto e as atividades propostas) e vinte e seis personagens. Uma
sumarização das HQs no que diz respeito aos seus personagens, cenários e conteúdos
matemáticos é apresentada no Quadro 6.1.

186
Quadro 6.1
Síntese das HQs

187
Nem todas as imagens utilizadas nas sete HQs pertencem à galeria do toondoo.
Alguns delas foram extraídas de páginas da internet as quais são referenciadas ao final
de cada HQ. É o caso, por exemplo, da algumas imagens presentes na HQ1 como o
mapa da Grécia Antiga, uma ilustração da cidade de Veneza, imagens de poliedros
regulares, dentre outras.
Todas as atividades propostas nas HQ são de autoria do pesquisador, exceto a
atividade proposta na primeira parte da secção PPPRS na HQ6, aqui retratada na Figura
6.16. Esta atividade foi extraída de Barbosa (2006). As notações e o encadeamento
axiomático adotado também decorrem do trabalho do autor.
No próximo capítulo serão descritos os resultados obtidos a partir da aplicação
das sete HQs. As informações apresentadas foram recolhidas por meio de questionários,
entrevistas, observações e diário de bordo do pesquisador. O entendimento das questões
levantadas perpassa pelo conhecimento dos temas tratados em cada HQ.

188
Capítulo 7

Apresentação dos Resultados

Neste capítulo são apresentados os resultados obtidos por meio da aplicação das
sete HQs descritas no capítulo anterior em uma turma do curso de Licenciatura em
Matemática da UFRB. Optou-se aqui por descrever, separadamente, a aplicação de cada
HQ, desde a HQ1 até a HQ7, nessa ordem. Após a descrição da aplicação de cada HQ é
feito o cruzamento dos dados obtidos através de diferentes instrumentos (questionários,
entrevistas, diário de bordo, atividades propostas) em seções intituladas Triangulação
dos dados. A ampliação das discussões à luz da literatura é uma tarefa destinada ao
capítulo seguinte.
A descrição da aplicação das HQs é antecedida pela caracterização da formação
prévia dos estudantes em Geometria. Em seguida, são elencados os fatores que
impulsionaram estes sujeitos a ingressarem no curso de Licenciatura em Matemática da
UFRB. Estes dados, obtidos através do QD, favoreceram o entendimento das relações
que os estudantes estabeleceram com a aprendizagem de Geometria segundo um viés
axiomático.
Neste capítulo também são apresentadas algumas informações referentes ao
contato prévio dos participantes com a leitura de HQs comerciais e educacionais. A
partir delas foi possível vislumbrar as expectativas dos estudantes quanto às HQs já no
início da aplicação das mesmas. Estes dados foram extraídos por meio do Q1.
Por fim, são expostos os dados relativos à aplicação das HQs: O comportamento
dos discentes, as dúvidas, as tensões, as vibrações e as respostas às atividades propostas.
Tais respostas permitiram ao investigador identificar o tipo de raciocínio geométrico
empregado pelos participantes. A despeito de beber na fonte deixada pelos trabalhos de
Barth (1987), Duval (1998), Martin et al. (2009) e pelo casal Van Hiele (Battista, 2009),
neste texto o investigador optou por classificar os níveis de pensamento geométrico dos
estudantes da seguinte forma:

Raciocínio Formal-Dedutivo (FD): Tipo de raciocínio compatível com a


inferência dedutiva de Barth (1987), com o nível formal assinalado por Martin et al.
(2009) e com nível formal-dedutivo de Van Hiele. Aqui estão inseridas todas as

189
respostas que atendem a tais especificações ainda que apresentem pequenos deslizes de
linguagem ou de apresentação das ferramentas simbólicas.

Raciocínio formal-dedutivo a melhorar (FDm): Com características semelhantes


ao FD, neste tipo de raciocínio estão presentes as respostas que, embora sigam uma
lógica dedutiva, pecam quanto a um dos seguintes aspectos: Prolixidade; ordenamento
das idéias; respostas demasiadamente sucintas.

Raciocínio semi-dedutivo (SD): Diz respeito às respostas em que argumentações


bem estruturadas e apresentadas de forma dedutiva se alternam com afirmações
desacompanhadas de justificações. Serão incluídas aqui as respostas que, a despeito de
seguir uma lógica dedutiva, fazem uso de resultados ainda não demonstrados em sala de
aula. Aproxima-se do nível pré-formal apontado por Martins et al (2009) e localizam-se
entre níveis relacional-inferencial e o formal-dedutivo de Van Hiele estando mais
próximo do primeiro. Assim como nos raciocínios FD e FDm, aqui também são
contempladas as respostas com alguns (poucos) problemas de linguagem ou ferramenta
simbólica.

Raciocínio indutivo ou incompleto (IN): Contempla as respostas centradas em


inferências indutivas na perspectiva de Barth (1987) e no raciocínio empírico apontado
por Martin et al (2009). Situa-se entre os níveis descritivo-analítico e relacional-
inferencial de Van Hiele. Aqui também estão inseridas as respostas inacabadas
(incompletas) que seguem uma lógica indutiva. As respostas incompletas, mas que
prezam por um encadeamento lógico dedutivo fazem parte do raciocínio SD.

Raciocínio inconclusivo ou com erros conceituais (EC): Refere-se à utilização


de resultados equivocados durante a construção do pensamento. Abarca as atividades
não respondidas ou não justificadas (ou erroneamente justificadas), as soluções em que
a tese foi empregada como hipótese e vice-versa ou as respostas que apresentam muitos
problemas na linguagem. Diferente dos quatro tipos de raciocínio mencionados. Optou-
se por incluir aqui as fases de visualização ou construção apontadas por Duval (1998).

A classificação acima não tem a pretensão de abarcar todos os tipos possíveis de


pensamento geométrico. Apenas se revela mais compatível com os dados coletados por
meio das respostas apresentadas pelos estudantes às atividades propostas e, em alguns
casos, à secção PPPRSL. Evitou-se a adoção exclusiva dos níveis propostos pelo casal
Van Hiele  assim como qualquer outra categorização centrada em algum dos outros

190
autores  em virtude das limitações de se fazer tal classificação sem a utilização de
algum instrumento construído com esse fim (como uma sequência didática de
atividades58).
Os alunos que participaram desta pesquisa serão designados a partir de agora por
Ai, com i variando de 1 a 32. Quando deslocadas para um parágrafo à parte, as vozes
destes atores são transcritas sem a inserção de dupla aspa. Seguem acompanhadas pela
identificação do participante sucedida pelo instrumento de recolha de dados do qual a
informação foi retirada, ambos entre colchetes e separados entre vírgula. Por exemplo, a
transcrição de um comentário do aluno A2 proferido na primeira sessão de entrevista,
isto é, em E1, será indicada no texto por [A2, E1]. Se o comentário foi obtido em sala de
aula, durante a aplicação de alguma HQ e foi transcrito no DB, aparecerá no texto [A2,
DB, data em que o diário foi escrito]. Da mesma forma, as informações extraídas de
questionários serão referenciadas pela indicação do questionário (QD, Q1, Q2 ou Q3)
sucedida pela indicação da(s) questão(ões) nele presentes de onde foram extraídos os
dados. Neste caso, estes últimos podem aparecer de forma direta (por meio de excertos
das respostas dos alunos) ou de forma indireta em forma de síntese realizada pelo
investigador. De forma análoga serão referenciadas as respostas atribuídas pelos
estudantes às atividades propostas.
Os termos o pesquisador ou o investigador são utilizados, de agora em diante,
para designar o autor deste texto e o proponente e executor da pesquisa. Estes termos
serão empregados inclusive nos momentos em que a ação deste ator apresentar
características relacionadas ao trabalho docente (o que também justificaria a utilização
do termo o professor59). Da mesma forma, as expressões do tipo os alunos, os
estudantes ou os participantes são empregadas para designar os sujeitos investigados.

7.1 A Geometria na educação básica

Todos os participantes estudaram Geometria Plana durante a escolaridade


básica, sobretudo na terceira série do ensino médio e nas três últimas séries do ensino

58
Em pesquisas como a desenvolvida por Costa e Silva (2014)  cujo objetivo foi identificar os níveis de
pensamento geométrico de um grupo de estudantes de um curso de Licenciatura em Matemática  é
comum fazer uso de uma sequência de atividades que contemple todos os níveis de pensamento de Van
Hiele.
59
O termo [o] professor costuma aparecer relacionado às "falas" dos estudantes.

191
fundamental. Apesar de esses dados sugerirem a concentração dos estudos em
Geometria no ensino fundamental, dois terços dos participantes revelaram que em sua
formação escolar ocorreu exatamente o contrário [QD, Questão 12].
Em 12,5 % dos casos, os conteúdos de Geometria foram estudados
completamente fora do componente curricular Matemática: Ora em Desenho
Geométrico ora em Artes. Nos demais casos, conforme mostra a Figura 7.1, tais
conteúdos foram apresentados tanto em Matemática quanto em algum dos componentes
curriculares mencionados. Mais de metade dos estudantes teve contato com a Geometria
Plana somente nas aulas de Matemática [QD, Questão 13].

Figura 7.1. Distribuição dos trinta e dois participantes ao longo dos componentes
47

curriculares em que estudaram Geometria na educação básica

De acordo com a Figura 7.1, o componente curricular Desenho Geométrico


constituiu o único veículo de formação em Geometria para três dos trinta e dois
estudantes. Em Artes esse número se reduziu a um único aluno, designado aqui por A1,
segundo o qual o ensino ali empregado foi desenvolvido de forma acrítica e superficial:

Fica muito no básico... ah! Pega um compasso e desenha isso aqui


[objeto geométrico qualquer]... não tem um aprofundamento correto para
se ter uma base para chegar aqui. [A1, E1]

De acordo com o relato acima, o ensino de Geometria ao qual o aluno A1 foi


submetido restringiu-se a aprendizagem de técnicas de construção de figuras
geométricas. As propriedades geométricas não parecem ter sido minimamente
apresentadas com as justificações.
Dos trinta e dois estudantes, apenas cinco revelaram, no QD, preferir Geometria

192
a Álgebra ou Aritmética. Três destes discentes estudaram-na somente em Matemática e
os outros dois a viram em Matemática e Artes. Quanto aos demais estudantes, dezessete
apontaram um maior interesse pela Aritmética e dez pela Álgebra [QD, Questões 10 e
13].

7.1.1 Assuntos estudados

Entre os assuntos vistos pelos participantes durante a escolaridade básica


encontram-se: Os conceitos primitivos (ponto, reta e plano), ângulos, triângulos
(definição; classificação quanto às medidas dos lados ou dos ângulos), congruência de
triângulos, paralelismo entre retas, perpendicularismo entre retas, a soma das medidas
dos ângulos internos de um triângulo, o teorema de Tales, semelhança de triângulos, o
teorema de Pitágoras, quadriláteros, circunferência, área de figuras planas. O Gráfico
7.1 apresenta a quantidade de estudantes que estudou cada um dos assuntos
mencionados [QD, Questão 11].

Gráfico 7.1. Relação entre os assuntos de geometria e o número de estudantes que


1

os viram na escolaridade básica

O Gráfico 7.1 aponta os conceitos primitivos (ponto, reta e plano), ângulos,

193
triângulos (classificação de triângulos quanto às medidas de seus lados e quanto às
medidas de seus ângulos) e o teorema de Pitágoras como os assuntos de Geometria mais
estudados durante a educação básica. Estes assuntos foram vistos por, pelo menos, 75%
dos participantes. Desse total, pelo menos dois terços (o que corresponde à metade do
total de participantes) relevaram ter estudado, além dos conteúdos mencionados, os
seguintes assuntos: Paralelismo e perpendicularidade entre retas, circunferência e a
soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo. Inversamente, ou seja, dentre
os assuntos menos explorados na educação básica, encontram-se congruência e
semelhança de triângulo. Somente 40% dos participantes, aproximadamente, os viram
[QD, Questão 11].

Assuntos preferidos

Os assuntos que despertaram mais interesse nos estudantes dentre aqueles


listados no Gráfico 7.1 foram: O cálculo de área de figuras planas, o teorema de
Pitágoras, os conceitos primitivos e ângulos. A indicação desses assuntos esteve mais
relacionada à facilidade em compreendê-los do que a outras questões como, por
exemplo, as suas aplicações no cotidiano [QD, Questão 14]. A Figura 7.2 traz os
excertos dos comentários dos alunos A2, A3, A4 e A5 (nessa ordem, de cima para baixo),
obtidos a partir do QD.

Figura 7.2. Excerto das respostas dos alunos A2, A3, A4 e A5 acerca dos assuntos de
48

geometria que mais gostaram de estudar na escola básica

194
A despeito do baixo grau de complexidade ter figurado como a razão principal
da escolha dos assuntos listados na Figura 7.2, em uma das respostas ali presentes é
destacada também a importância do professor no processo de aprendizagem.

Assuntos preteridos

No que tange a indicação dos assuntos preteridos, os participantes apontaram os


estudos envolvendo triângulos. Revelaram ter enfrentado problemas de aprendizagem
com relação aos seguintes tópicos: Classificação de triângulos, soma das medidas dos
ângulos internos e semelhança de triângulos [QD, Questão 15]. O aluno A4 apresentou o
seguinte relato:

Tenho dificuldades de lembrar os nomes dos triângulos quanto às


medidas de seus lados. Não sei exatamente o porquê, mas acho
complicado calcular [as medidas de] os ângulos, entre outros... Talvez
por não ter tido a oportunidade de estudar muito esses assuntos. [A4, QD,
Questão 15]

Esse relato aponta mais para a insuficiência de momentos destinados à discussão


desses assuntos em sala de aula do que para as dificuldades intrínsecas dos mesmos.

7.1.4 As justificações matemáticas

A abordagem à qual os participantes foram submetidos nada tem a ver com o


tratamento lógico-dedutivo-axiomático. Centrou-se na aplicação das propriedades
geométricas dos objetos matemáticos e dos resultados dos teoremas a eles relacionados.
Não tiveram contato com demonstrações matemáticas. Os resultados simplesmente lhes
eram apresentados. Eles os aceitavam como verdadeiros. Os relatos dos alunos A6, A7 e
A8, obtidos por meio da sessão E1, corroboram esse fato:

[Sobre o ensino de geometria] era mais cálculo, cálculo de área,


encontrar cateto, encontrar hipotenusa, medição dos ângulos, do
triângulo, era mais voltado para esse lado. [A6, E1]

Na educação básica a gente nunca ouviu falar de axioma (...) Lá é só


mecânica, prática. Eles [os professores] passam, por exemplo, a área de
um triângulo: base vezes altura dividido por dois. E por aí vai ... Mas não
demonstram para a gente o porquê daquilo [algum resultado qualquer] ou
quem foi que chegou naquilo. [A7, E1]

Que eu me lembre, no ensino básico era aquela coisa do ponto, a reta, o


195
plano, mas sempre assim meio que [através de] desenho, os lados do
triângulo... aí dava os números e a gente calculava. [A8, E1]

Os comentários dos alunos A6, A7 e A8 apontam para a superficialidade (ou


ausência) do tratamento teórico dado aos assuntos. A ênfase concentrava-se no
desenvolvimento de cálculos atribuindo à geometria um caráter aritmético e quiçá
algébrico. Até mesmo as justificações que não configuram demonstrações matemáticas
propriamente ditas (como, por exemplo, a verificação da soma das medidas dos ângulos
internos de um triângulo através de recortes ou por meio de softwares educacionais) não
são referenciadas. Sobre os tipos de justificações apresentadas pelos professores, os
alunos A9, A10 e A11 teceram os seguintes comentários:

(...) na verdade as demonstrações eram basicamente desenhos no


quadro... eram muito poucos exemplos, eles sempre passavam o
superficial e pulavam para um próximo assunto e não davam assim,
muita ênfase pra esse conteúdo. [A9, E1]

Eles [os professores] falaram que... tipo... a soma dos ângulos interno do
triângulo [é igual a 180o]. Nem explicavam o porquê. Falou que era e
pronto! [A10, E2]

Quando o professor chegava lá [na sala de aula] dizia: É assim que faz,
tem que ser desse jeito. E a gente gravava [memorizava] como tinha que
ser. Na prova [avaliação] tinha que estar gravado [decorado] e acabou.
[A11, E2]

Os comentários dos alunos A9, A10 e A11 revelam um tipo de ensino em que as
justificações matemáticas eram subvertidas pela autoridade do professor: A sua palavra
tinha status de verdade. Aos alunos cabia executar os passos preconizados pelo docente.
Não havia muitos espaços para os “porquês”. A reflexão era sufocada pela
memorização. Em alguns casos, conforme relatado por A9, utilizava-se desenhos como
recurso de justificação. Eles, porém, não servem para validar os resultados matemáticos
(excerto, quando se tratarem de contraexemplos). Ajudam a elucidá-los.
A postura de alguns desses professores pode ser compreendida a partir do tipo de
formação a que tiveram acesso. Alguns deles não eram licenciados em Matemática o
que pode ser corroborado por meio do relato do aluno A6:

Da minha 5ª a 8ª [séries], o meu professor de Matemática era graduado


em Geografia. Do 1º ao 2º [ano do ensino médio] era uma de Física. Se
eu não me engano, uma professora de Física que lecionava Matemática.
Só no 3º ano que eu vim pegar um professor que já era graduado e pós-
graduado em Matemática. [A6, E1]

196
Se os professores licenciados em Matemática não tem revelado preocupação em
justificar, de alguma forma, a validade dos resultados que apresentam aos seus alunos
não é de se espantar que professores com outras formações façam o mesmo quando
ministram aulas de Matemática.

7.1.5 Dificuldades com demonstrações matemáticas: O papel da formação prévia

O primeiro contato dos estudantes com as demonstrações matemáticas ocorreu


na universidade. Os estudos desenvolvidos no componente curricular Geometria Plana,
realizados numa perspectiva axiomática, constituiu-se como um divisor de águas na
formação desses sujeitos: rompeu com o modelo acrítico assentado em afirmações sem
as devidas justificações para dar lugar a um processo construtivo onde cada afirmação é
criteriosamente respaldada através dos resultados já provados. A transição foi árdua.
Impôs algumas dificuldades aos estudantes. Para além da própria complexidade inerente
ao processo de aprendizagem por meio do método dedutivo, os alunos A1, A7, A8 e A9
justificaram as dificuldades na aprendizagem da Geometria, segundo um viés
axiomático, à luz da formação que tiveram na educação básica:

A falta de base é a primeira coisa (...) quando vim estudar matemática


não imaginava que geometria ia ser tão evidente, [que] ia chegar logo
tendo. Parte da grade [matriz curricular] é quase toda geometria, uma das
disciplinas que mais tem uma carga horária longa é a geometria. [A1, E1]

(...) até chegar aqui, por exemplo, eu, nos meus colégios, nunca tive a
necessidade, nunca precisei, nunca fui cobrado demonstrar. [A7, E1]

Eu mesma sinto dificuldades (...) às vezes eu compreendo e outras já é


bem mais complicado. Mas eu acredito que seja pelo meu ensino, no,
como se fala, no ensino básico. [A8, E1]

(...) a gente vem de um ensino médio deficiente. A gente vê poucas


demonstrações no ensino médio, então aqui a gente não consegue. Tipo...
a gente vê uma coisa, a gente sabe o que é, mas a gente não consegue
demonstrar. [A9, E1]

As considerações levantadas pelos alunos A1, A7, A8 e A9 apontam para a


necessidade de se rever o tipo de abordagem dada à Geometria no âmbito da
escolaridade básica.

197
7.2 A escolha pela Licenciatura em Matemática

A facilidade em aprender os conteúdos de Matemática durante a escolaridade


básica foi o fator que mais motivou os estudantes a ingressarem no curso de
Licenciatura em Matemática da UFRB [QD, Questões 8 e 9]. Os comentários dos
alunos A12, A10 e A2 a esse respeito (nesta ordem, de cima para baixo) aparecem na
Figura 7.3.

Figura 7.3. Excertos de relatos dos alunos A12, A10 e A2, os quais acreditam ter
49

facilidade em aprender Matemática

Os comentários retratados na Figura 7.3 revelam que, na concepção dos alunos,


dominar os assuntos que se pretende ensinar é uma condição necessária para o exercício
da docência. O interesse, a satisfação ou, como mencionado no texto, a “paixão” pela
Matemática parecem estar relacionados à facilidade em aprendê-la.
Para alguns estudantes, porém, o curso de Licenciatura em Matemática constitui
uma ponte que os permitirá ampliar os seus conhecimentos matemáticos para,
futuramente, ingressar em outro curso universitário. Nesse caso, ao contrário do que se
percebe das falas da Figura 7.3, os anseios profissionais dos estudantes não residem
(somente) no magistério. Aproximadamente um terço dos participantes sinalizou o
interesse em mudar de curso ou fazer um segundo curso universitário [QD, Questões 8 e
9]. A Figura 7.4 apresenta as respostas apresentadas pelos alunos A13, A14 e A11 (nesta
ordem, de cima para baixo) à mesma questão disposta na Figura 7.3.

198
Figura 7.4. Excertos de relatos dos alunos A13, A14 e A11 os quais ingressaram no curso
50

de Licenciatura em Matemática visando migrar para outro curso

A partir do comentário do aluno A13, disposto na Figura 7.4, percebe-se que a


questão salarial pode provocar um desinteresse pela docência tendo em vista a
existência de outras profissões mais promissoras financeiramente nas quais a
Matemática encontra-se presente. Há situações em que a nota alcançada no processo de
seleção à universidade conduziu a escolha dos estudantes, como no caso do aluno A11.
Nesses casos, a Licenciatura em Matemática não representa um interesse genuíno dos
estudantes. O aluno A11 se mostra interessado nos componentes curriculares do curso
tendo em vista a sua capacitação para um próximo processo seletivo de ingresso à
universidade. Em alguns casos, não descritos na Figura 7.4, mas presentes nas respostas
de outros estudantes, a inexistência de outros cursos no campus de Amargosa que
despertam maior interesse nos estudantes constitui outro fator que acarretou na escolha
pelo curso de Licenciatura em Matemática na UFRB [QD, Questões 8 e 9].
Dos trinta e dois participantes, dez apontaram os professores de matemática que
tiveram durante a educação básica como influenciadores (ainda que indiretamente) na
escolha que fizeram pelo curso de Licenciatura em Matemática [QD, Questões 8 e 9]. A
conduta desses profissionais em sala de aula, o interesse que demonstravam pela
matemática e a forma didática como conduziam as aulas transformaram-lhes em
exemplos a serem seguidos. Os comentários dos alunos A7 e A8, cujos excertos
aparecem na Figura 7.5 (nesta ordem, de cima para baixo), apontam nessa perspectiva.

199
Figura 7.5. Influência dos professores de Matemática da educação básica na escolha
51

dos alunos A7 e A8 pela Licenciatura em Matemática

Se, por um lado, os professores não se preocupavam com a apresentação de


demonstrações dos teoremas relacionados à Geometria, como mencionado na secção
anterior, por outro, não deixaram de plantar sementes cujos frutos são visíveis no
interesse dos estudantes pela docência em Matemática. A Figura 7.5 corrobora essa
afirmação.

7.3 As histórias em quadrinhos: Relações prévias

A maioria dos estudantes revelou gostar de ler HQs60. Esse interesse mostrou-se
acentuado na infância e foi sendo reduzido na adolescência e na idade adulta [Q1,
Questões 1 e 3].

7.3.1 Interesse pelas HQs

Diversos fatores ajudam a justificar o apreço dos participantes pela literatura


quadrinística. Alguns deles, descritos no Gráfico 7.2, foram identificados a partir das
respostas apresentadas pelos estudantes à segunda questão do Q1. Este questionário foi
respondido por vinte e sete estudantes.

60
Apenas um entre os vinte e sete estudantes que responderam ao Q1 (do qual foram extraídos os dados)
revelou desinteresse pela leitura de HQs.

200
Gráfico 7.2. Fatores que leva(ra)m os estudantes a lerem HQs
2

De acordo com o Gráfico 7.2, o interesse de dezenove estudantes


(aproximadamente 70% dos que responderam ao Q1) pela banda desenhada reside no
entretenimento e diversão que esse tipo de literatura lhes proporciona. Outros fatores
também são apontados como pontes que conduzem os estudantes à leitura de HQs: o
desenvolvimento do hábito de ler; o apreço por histórias fictícias envolvendo super-
heróis (muitas vezes frequentes nas HQs, sobretudo naquelas produzidas pela Marvel ou
DC Comics61); e a abordagem, nessas mídias, de temas não escolares. A influência dos
pais ou de amigos e o desenvolvimento da capacidade de interpretação de textos a partir
da leitura de HQs também são mencionados, embora de forma mais discreta [Q1,
Questão 2].

7.3.2 HQs sobre conteúdos matemáticos

Nenhum dos estudantes revelou conhecer HQs que tratam de temas matemáticos
[Q1, Questão 4]. Mesmo assim foram convidados a fazer uma escolha entre o tipo de
literaturas que gostariam de ler (e, nesse caso, conhecer): HQs que tratam de conteúdos
de Matemática (propriamente ditos) ou HQs que versam sobre episódios da História da
Matemática. Aproximadamente três quartos dos estudantes, dentre o total de vinte e

61
A Marvel e a DC são as maiores editoras de HQs dos Estados Unidos da América. Seus personagens
são, geralmente, compostos por super-heróis (Andraus, 2006).

201
sete, manifestaram predileção pelas primeiras [QD, Questão 5]. A Figura 7.6 contém o
excerto das respostas dadas pelos alunos A15, A6, A16 e A12 (nessa ordem, de cima para
baixo) à sexta questão do Q1 nas quais justificam a preferência por HQs destinadas à
exposição de conteúdos matemáticos em detrimento daquelas voltadas para a História
de Matemática.

Figura 7.6. Importância que os alunos A15, A6, A16 e A12 concebem às HQs voltadas
52

para a exposição de conteúdos de Matemática

A articulação, por meio das HQs, da Matemática com o cotidiano; o tipo de


linguagem empregada: mais divertida e acessível; o caráter lúdico das HQs; e a
utilização de imagens na exposição de temas matemáticos são algumas razões que
justificam o interesse dos alunos A15, A6, A16 e A12 por HQs que versam sobre
conteúdos matemáticas. As respostas destes alunos, retratadas na Figura 7.6, refletem as
respostas dadas por outros estudantes que também demonstraram interesse por HQs
voltadas para a Matemática [Q1, Questões 5 e 6].

7.3.3 HQs sobre a história da Matemática

Respostas semelhantes às apresentadas na Figura 7.6 foram dadas pelos

202
participantes que manifestaram um maior interesse por HQs destinadas à apresentação
de episódios da história da Matemática (utilização de imagens; leitura prazerosa,
tratamento menos formal atribuído aos temas matemáticos; linguagem mais acessível;
processo de aprendizagem menos cansativo) [QD, Questões 5 e 6].
Até mesmo os estudantes que manifestaram predileção por HQs destinadas à
exposição de conteúdos matemáticos propriamente ditos reconhecem o valor de
conhecer os episódios históricos a eles relacionados. A importância que alguns destes
alunos, a saber, A17, A6, A11 e A18 (nessa ordem) atribuem ao conhecimento de fatos
históricos ligados ao desenvolvimento da Matemática [QD, Questões 5 e 6] está relatada
na Figura 7.7.

Figura 7.7. Valor atribuído pelos alunos A17, A6, A11 e A18 à História da Matemática
53

Embora prefiram ter acesso a HQs relacionadas à apresentação de conteúdos


matemáticos, os alunos A17, A6, A11 e A18 reconhecem a necessidade de saber quando,
como e onde os conteúdos matemáticos surgiram, como se pode ver na Figura 7.7.
Dentre as HQs aplicadas nesta pesquisa, a HQ1 foi a única dedicada à
apresentação de episódios da História da Matemática. Nela aparecem breves relatos
sobre o matemático Euclides de Alexandria e a organização da sua obra Os Elementos.
A seguir são detalhados os acontecimentos observados durante a aplicação desta HQ.

203
7.4 Aplicação da HQ1

A aplicação da HQ1 ocorreu no segundo encontro do pesquisador junto à turma.


No primeiro encontro foram lançadas as bases para que os alunos pudessem desenvolver
a leitura da HQ: foi-lhes explicado o que significa estudar Geometria numa perspectiva
axiomática. A seguir são apresentados os fatos inerentes ao primeiro encontro. Em
seguida é descrita a aplicação da HQ1.

7.4.1 Primeiro encontro: Iniciação à Geometria axiomática

O primeiro encontro realizado entre o pesquisador e os participantes da pesquisa


ocorreu em julho de 2014, na sala 102 do Pavilhão de Aulas (PA) do campus
universitário da UFRB situado na cidade de Amargosa. Antes de apresentar-lhes alguns
detalhes da investigação (objetivos, quantidade de encontros, instrumentos utilizados na
recolha de dados, etc.), o pesquisador dedicou quarenta minutos (do total de 120
minutos do encontro) a uma introdução à Axiomatização em Geometria.
Os estudantes foram informados que a Geometria que se aprende nas escolas
provém, em sua grande parte, do legado deixado por um matemático conhecido como
Euclides de Alexandria por meio da obra Os Elementos. Foi possível constatar que a
maior parte deles não tinha esse conhecimento [DB, 23 de julho de 2014].
O pesquisador explicou-lhes que a maioria das afirmações em Matemática
precisa ser provada para que sejam consideradas verdadeiras. Antes, porém, é
necessário considerar um conjunto de resultados, autoevidentes, que servirão de base
para o desenvolvimento da teoria que se pretende estudar. Dessa forma foi apresentado
aos estudantes o conceito de axiomas (ou postulados). As distinções que havia à época
de Euclides com relação aos axiomas e postulados não foram pontuadas. Elas aparecem
na HQ1. Os resultados passíveis de demonstração, disse o pesquisador aos participantes,
recebem o nome de teorema ou proposição.
A distribuição dos conteúdos em Os Elementos de Euclides – Geometria Plana,
Teoria dos Números, Álgebra, Geometria Espacial – não foi detalhada pelo
investigador. A organização desta obra euclidiana é contemplada pela HQ1 a qual se
encarregou ainda de explicar aos seus leitores o método de demonstração conhecido
como redução ao absurdo.

204
Esquema de prova: Convicção externa

Para ter conhecimento acerca das relações prévias os alunos (AL) com as
demonstrações matemáticas, o pesquisador (PE) fez-lhes algumas perguntas:

PE: Qual é o valor da soma das medidas dos ângulos internos em um


triângulo qualquer?
AL: 180 graus
PE: Por quê?
[A resposta dos alunos foi dada a partir de exemplos de medidas para os
ângulos internos de um triângulo atribuindo valores cuja soma era
sempre igual a 180o. O pesquisador retrucou.]
PE: O que nos garante que esse valor é obtido em qualquer triângulo? O
que está por trás disso?
[Os estudantes continuaram ratificando o valor de 180 o sem, entretanto,
justificar a obtenção deste valor. Não estavam conseguindo entender que
se tratava de um resultado passível de prova matemática.] [DB, 23 de
julho de 2014]
Eles, os estudantes, estavam, sem perceber, atribuindo a um teorema um status
de axioma. O pesquisador lançou-lhes outras questões:

PE: Vocês já ouviram falar sobre um resultado conhecido como o


Teorema de Pitágoras?
AL: Sim.
PE: O que afirma esse resultado?
AL: O quadrado [da medida] da hipotenusa é igual à soma dos
quadrados [das medidas] dos catetos.
PE: Por que esse resultado é verdadeiro?
[Os estudantes não souberam responder. Eles não faziam ideia de que
esse resultado também é passível de demonstração matemática.] [DB,
23 de julho de 2014]
O pesquisador explicou aos alunos que o Teorema de Pitágoras e o valor da
soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo são proposições matemáticas e,
portanto, devem ser demonstradas. Falou-lhes que eles não deveriam adotar os
resultados como válidos sem, antes, serem apresentados às justificativas plausíveis.

Apresentação da pesquisa

Após os comentários sobre a existência das demonstrações matemáticas, o

205
pesquisador falou aos estudantes a respeito da investigação que estava desenvolvendo
acerca das vantagens e das limitações da exposição da Geometria Plana Euclidiana por
meio de HQs. Perguntou-lhes se eles aceitavam participar da investigação por meio da
leitura de algumas HQs confeccionadas com fins educacionais. Explicou-lhe que as
leituras deverão ser seguidas (e foram!) de discussões e da resolução de algumas
atividades.
O consentimento dos alunos em participar da pesquisa foi registrado através da
assinatura do TCLE que lhes foi entregue nesse mesmo dia. Por meio desse documento,
os participantes autorizaram o pesquisador a utilizar gravadores de áudio ou câmera
filmadora quando necessário, desde que para fins da investigação.
A cada um dos participantes foi entregue o QD para fins de sondagem de suas
experiências prévias com a Geometria e das suas motivações no que tange ao curso de
Licenciatura em Matemática (boa parte das informações ali coletadas foi apresentada
nas primeiras seções deste capítulo). O pesquisador leu, em voz alta, todas as questões
do questionário na perspectiva de esclarecer as possíveis dúvidas dos participantes. Eles
começaram a responder as questões. Alguns conseguiram responder a todas elas durante
o encontro. Os demais participantes entregaram o QD respondido no encontro seguinte.

7.4.2 Leitura e discussões

O segundo encontro ocorreu no Laboratório de Informática do Centro de


Formação de Professores (CFP)62 da UFRB. O aluno A19 não havia comparecido ao
encontro anterior. Trata-se do único discente que estava refazendo o componente
curricular Geometria Plana e Espacial. A ele foi entregue o QD (distribuído aos
demais participantes no encontro anterior). Este estudante respondeu o questionário e o
devolveu ao pesquisador no mesmo dia.
Inicialmente, o investigador recolheu o QD dos discentes que não conseguiram
respondê-lo no encontro anterior. Em seguida, apresentou-lhes algumas instruções
quanto à leitura da HQ1. Informou-lhes que, em caso de dúvidas durante a leitura, eles
poderiam (e deveriam) consultá-lo. Pediu-lhes que, durante a leitura, tentassem
identificar os elementos presentes na HQ que julgavam favoráveis ou desfavoráveis à

62
Centro de Formação de Professores é o nome atribuído ao campus da UFRB situado na cidade de
Amargosa.

206
aprendizagem dos conteúdos ali expostos. Explicou-lhes que no final da HQ encontram-
se duas atividades que versam sobre os assuntos abordados na história. Eles deveriam
resolvê-las e entregar-lhe quando concluídas.
O investigador explicou aos estudantes que as três primeiras HQs seriam
disponibilizadas em formato de slides de Power Point. No laboratório de informática
havia 22 computadores em pleno funcionamento. Os estudantes trabalharam em duplas.
Alguns computadores não foram utilizados.
Durante as leituras, os estudantes se mostraram concentrados e não houve
dispersões. As conversas que surgiram estavam relacionadas ao conteúdo da HQ.
Poucos foram os momentos nos quais o investigador foi consultado [DB, 24 de julho de
2014].

Discussões em sala de aula

Ao contrário do que iria ocorrer durante a aplicação das restantes HQs, no


encontro destinado à HQ1, as discussões envolvendo toda a turma ocorreu após a
resolução das atividades propostas. Durante tais discussões, o investigador fez várias
perguntas aos participantes, tais como:

Quais foram os personagens envolvidos na narrativa? O que foi a


Academia de Platão? Quem foi David Hilbert? O que é um Axioma? E
um Postulado? Onde e quando se deu a primeira impressão da obra Os
Elementos? [PE, DB, 24 de julho de 2014].

As respostas dadas pelos estudantes foram satisfatórias e condizentes com o


conteúdo da HQ. Esse feedback dado pelos participantes sinalizou que estes atores
haviam estado atentos durante a leitura [DB, 24 de julho de 2014].

Críticas à HQ

A despeito de assimilarem as informações presentes na HQ1, os estudantes


relataram que o tipo de linguagem utilizada era incompatível com os diálogos
comumente traçados em HQs (mais coloquial, informal). Um deles, o aluno A5,
assinalou na sala de aula:

A linguagem deveria ser mais informal. Achei a leitura um pouco chata.


Em alguns momentos tive vontade de parar [A5, DB, 24 de julho de

207
2014].

Os alunos A3 e A12 criticaram a superficialidade com a qual alguns temas foram


tratados (citaram, por exemplo, a breve presença de David Hilbert na HQ).

Facilitadores da aprendizagem

Não obstante as críticas quanto à forma superficial com que alguns assuntos
foram tratados na HQ, os alunos A3 e A12 elogiaram as imagens que compuseram a
história. O aluno A12 destacou:

Gostei das imagens. Me ajudaram a entender melhor o texto [A12, DB, 24


de julho de 2014].

A importância das imagens (das HQs) no processo educativo já havia sido


sinalizada pelo aluno A12 conforme pode ser verificado na Figura 7.6.

7.4.3 Atividades propostas

À medida que os estudantes concluíam as leituras, o pesquisador entregava-lhes


uma folha impressa com as questões propostas. A primeira referia-se à distribuição dos
conteúdos matemáticos ao longo da obra Os Elementos de Euclides. A segunda, em
forma de palavras-cruzadas, contemplava alguns conceitos abordados na narrativa tais
como os axiomas, os teoremas, o método de demonstração por redução ao absurdo,
dentre outros.

Interpretação de texto

As dúvidas suscitadas pelos participantes praticamente coincidiram. Ao longo da


HQ há relatos de que a última proposição de Os Elementos versa sobre os poliedros
regulares. Há também uma referência ao fato de a Geometria Espacial estar exposta nos
três últimos livros dessa obra. Na primeira atividade era necessário identificar – entre
outras questões – o livro de Os Elementos no qual foi provada a existência de apenas
cinco poliedros regulares. O texto não fazia referência direta ao décimo terceiro livro.
Mas, naturalmente, esta foi a conclusão adotada por quase todos os respondentes [BD,
24 de julho de 2014].

208
Respostas dos estudantes

A Figura 7.8 contém as respostas dadas pelos alunos A3 e A12 a ambas as


atividades. Elas refletem a maior parte das respostas apresentadas.

Figura 7.8. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A3 e A12 às atividades
54

propostas ao final da HQ1

A despeito de apontarem algumas críticas à HQ, os alunos A3 e A12 conseguiram


resolver corretamente as atividades propostas conforme mostra a Figura 7.8.
A primeira atividade foi respondida de forma totalmente correta por 72% dos
participantes. Esse número aumentou na resolução da segunda atividade: 86%
responderam-na corretamente.

7.4.4 Triangulação dos dados

A aprendizagem por meio da leitura da HQ1 pode ser analisada a partir de três
fontes distintas: as discussões realizadas em sala de aula [DB], os comentários dos
discentes sobre a HQ [DB] e através das respostas às atividades propostas. A Figura 7.9
apresenta de forma sumarizada o cruzamento dessas informações. Estes dados foram
apresentados de forma alargada nas secções anteriores.

209
Figura 7.9. Triangulação dos dados recolhidos acerca da HQ1
55

A informações presentes na Figura 7.9 revelam que a leitura da HQ1 possibilitou


aos estudantes a compreensão dos temas nela expostos [DB, 24 de julho de 2014].
Destaca ainda o importante papel desempenhado pelas imagens presentes no processo
de aprendizagem desses sujeitos [A12, DB, 24 de julho de 2014]. Porém, a leitura não
parece ter sido divertida como reivindicam os discentes no Gráfico 7.2 [Q1, Questão 2].
O tipo de linguagem adotado na narrativa não parece ter sido aquele esperado pelos
estudantes [A5, DB, 24 de julho de 2014].

7.5 Aplicação da HQ2

O terceiro encontro também ocorreu no Laboratório de Informática do CFP, em


Amargosa. Estiveram presentes vinte e oito alunos. O pesquisador explicou-lhes que a
atividade do dia consistia na leitura da HQ2 seguida de discussão em sala de aula.
Falou-lhes também a respeito da secção PPPRSL. Disse-lhes que se tratava de uma
questão de múltipla escolha em que eles deveriam escrever o número 1 ao lado da
alternativa que julgavam ser a correta. Em seguida, deveriam apresentar-lhe a resposta.
Caso a acertem, devem prosseguir a leitura. Caso contrário, deverão retornar a leitura da
HQ, desde o seu início, para rever os conteúdos. Em seguida, deverão resolver a questão
novamente. Desta vez utilizarão o número 2 ao lado da alternativa que consideram ser a
mais adequada. Caso não indiquem a alternativa correta o processo se repete.
Durante a leitura da HQ2 os discentes se mantiveram calmos e concentrados. O

210
aluno A4, porém, relatou ao pesquisador que sentiu vontade de dormir durante a leitura
[DB, 30 de julho de 2014]. Esse fato aponta para a necessidade de se criar narrativas
mais instigantes e que prendam a atenção dos leitores.

7.5.1 Secção PPPRSL

Os estudantes se mostraram agitados no momento em que precisaram resolver a


questão disposta na secção PPPRSL. A questão fazia uso da relação de inclusão entre
conjuntos com o intuito de estabelecer relações entre os seguintes conceitos: segmento
de reta, semirreta e reta. Boa parte dos estudantes não conseguiu distinguir, com clareza,
os dois primeiros conceitos: segmento de reta e semirreta. Alguns discentes
consideraram, equivocadamente, a semirreta como um subconjunto do segmento de
reta. A maior parte dos erros, porém, teve origem na operação de reunião entre
semirretas que se interceptam segundo um segmento de reta não degenerado. A Figura
7.10 apresenta as respostas apresentadas pelos alunos A4 e A21 (à direita) e A3 e A15 (à
esquerda).

Figura 7.10. Excerto de respostas apresentadas pelos alunos A4 e A21 (à direita) e A3 e


56

A15 (à esquerda) à secção PPPRSL na HQ2

É possível perceber, por meio da Figura 7.10, que os alunos A4 e A21, e A3 e A15
concluíram (equivocadamente) na primeira tentativa que a reunião das semirretas S AB e
SBA estava contida na semirreta SAB. Na segunda tentativa perceberam que, na verdade,
isso ocorre com a interseção das semirretas.

211
Ferramentas simbólicas

Conforme se pode perceber a partir dos excertos de respostas apresentados na


Figura 7.10, ao símbolo que denota a operação de união entre conjuntos foi atribuído o
significado de interseção. Isso ocorreu em cinquenta por cento das respostas. Nesses
casos, como se pode perceber por meio da Figura 7.10, os estudantes precisaram refazer
a leitura da HQ.
Os símbolos empregados na teoria de conjuntos (união, interseção, está contido
e etc.) não pareciam familiares para alguns estudantes. Segundo o aluno A1, o
estranhamento diante destas ferramentas simbólicas provinha do ensino ao qual foi
submetido na educação básica. Em sua opinião:

A geometria deveria ter no [ensino] básico um ensinamento no mínimo


de sinais. (...) porque o professor [referindo-se ao professor universitário]
não volta para dizer que sinal é esse [uma ferramenta simbólica qualquer]
não. Você já tem que chegar [na universidade] sabendo. [A1, E1]

O comentário de A1 foi um convite ao professor-pesquisador a devotar uma


maior atenção à apresentação das ferramentas simbólicas em sala de aula.

Refazer a leitura

A resolução da atividade levou aproximadamente meia hora. Apenas um terço


dos participantes conseguiu identificar a alternativa correta na primeira tentativa. Os
demais precisaram refazer a leitura da HQ.
Após a conclusão da atividade, os participantes prosseguiram a leitura da HQ até
ao final. O pesquisador informou-lhes que as atividades propostas nas últimas páginas
da revista deveriam ser respondidas no próximo encontro. O tempo que ainda havia foi
destinado à discussão, com todo o grupo, acerca dos conteúdos abordados na HQ.

7.5.2 As definições na HQ

O pesquisador percebeu, durante a aplicação da HQ, que a definição de triângulo


ali presente estava incompleta. Faltava mencionar a não colinearidade dos vértices do
triângulo. O texto dizia, de forma incompleta, que “o conjunto formado por três pontos
A, B e C e pelos três segmentos de reta determinados por eles é chamado de triângulo

212
ABC”, conforme pode ser observado na Figura 7.11.

Figura 7.11. Falha na definição de triângulo


57

Diante do equívoco presente na tirinha retratada na Figura 7.11, o pesquisador


perguntou aos participantes se eles haviam identificado algum problema na definição de
triângulo presente na HQ. Para os estudantes, porém, a definição estava correta e,
portanto, não havia o que consertar. A partir daí, o pesquisador questionou-lhes se os
pontos A, B e C indicados na definição poderiam pertencer a uma mesma reta.
Disseram-lhe que não. Nesse momento, o pesquisador chamou a atenção dos discentes
acerca da falta de menção a não colinearidade dos pontos [DB, 30 de julho de 2014].
Os alunos A7 e A20 pontuaram que a figura presente na HQ sugeria a não
colinearidade dos vértices do triângulo e por isso a ausência dessa expressão no texto
não foi percebida [DB, 30 de julho de 2014]. O investigador esclareceu-lhes que as
imagens ajudam a elucidar a definição, mas não fazem parte dela. Daí a necessidade de
inserir no texto a não colinearidade entre os pontos A, B e C.

Conjunto convexo

A definição de conjunto convexo presente na HQ dividiu opiniões. Alguns


alunos afirmaram tê-la compreendido. Neste grupo se insere o aluno A4 o qual revelou
ter conseguido compreender “quando um subconjunto é convexo e não convexo” [A4,
Q1, Questão 7]. Houve, porém, quem se posicionasse de forma contrária. O aluno A12
afirmou que compreendeu “quase todos os assuntos” e completou: “Só não entendi a
definição de convexo” [A12, Q1, Questão 7].
O investigador pediu aos estudantes que o acompanhassem durante a leitura da
parte da HQ que tratava do conceito de convexidade. Leu em voz alta explicando-lhes a
213
definição presente na HQ e chamando-lhes a atenção para as imagens que se referiam ao
conceito [DB, 30 de julho de 2014]. Esse fato revela que a leitura por si só pode não ser
suficiente. O conteúdo precisa ser revisitado e discutido.
A despeito de considerar inteligível a leitura da HQ, o aluno A21 pontuou:

(...) o que me fez mais compreender foi a revisão em sala. [A21, Q1,
Questão 7]

Não obstante as explicações do pesquisador acerca do conceito de convexidade,


alguns alunos ainda revelaram dificuldades com a apresentação da definição formal do
conceito. As definições dadas por alguns alunos revelam algum descuido ou até mesmo
algum nível de incompreensibilidade. A convexidade de um conjunto é assegurada
quando, e somente quando, o segmento de reta que une dois pontos quaisquer nele
presentes está inteiramente contido no conjunto. Os alunos A6 e A23, porém,
apresentaram as seguintes definições:

O conjunto convexo [é aquele] que se representa de forma que [dados]


dois pontos quaisquer deste conjunto, há uma reta que os ligam e que
essa reta está inteiramente contida dentro do conjunto. [A6, Q1, Questão
7]

Plano convexo é aquele que quando marcado dois pontos a semirreta está
totalmente contida somente no plano e somente nele. [A23, Q1, Questão
7]

A despeito de outros problemas revelados nas definições dadas pelos alunos A6 e


A23 (comentadas no próximo capítulo), ambas as definições esbarram-se em um
equívoco crucial: a substituição do segmento de reta (conjunto limitado), por reta ou
semirreta (conjuntos ilimitados).

Semirreta e semiplano

Além das reflexões sobre os conjuntos convexos, outros assuntos presentes na


HQ2 suscitaram discussões em sala de aula. O pesquisador direcionou aos estudantes as
seguintes perguntas:

Com quais letras representamos os planos? E as retas? E os pontos?


Quais os axiomas de incidência? O que é uma semirreta? E um
semiplano? [PE, DB, 30 de julho de 2014].

De modo geral, os participantes forneceram respostas corretas. Contudo, houve

214
também algumas respostas “incompletas” as quais merecem aqui alguns comentários.
Ao contrário do que foi observado durante a secção PPPRSL, desta vez os estudantes
pareciam ter compreendido melhor os conceitos de semirreta e semiplano. Contudo,
faltava-lhes mais habilidade com a apresentação de definições formais. Abaixo seguem
as definições apresentadas pelos alunos A12 e A11:

Semirreta é o conjunto formado pelos pontos que estão à direita ou à


esquerda de um ponto de uma reta [A12, DB, 30 de julho de 2014].

Semiplano são os pontos que estão acima ou abaixo de uma reta [A11,
DB, 30 de julho de 2014].

A definição de semirreta dada acima se assemelha aos comentários presentes na


HQ durante a introdução desse conceito. Entretanto, em seguida, a HQ apresenta a
definição formal. O aluno A12, porém, abandona a definição formal e faz uso de uma
descrição que lhe parece mais familiar. Fato semelhante se percebe com a definição de
semiplano apresentada pelo aluno A11. A definição rigorosa refere-se aos pontos que
estão de um mesmo lado da reta (podendo estar a sua direita ou a sua esquerda, caso a
reta esteja disposta na posição vertical). Além disso, em sua definição, o aluno A12 não
insere a origem da semirreta ao conjunto de pontos que a constitui. Refere-se apenas aos
pontos que estão à sua esquerda, ou à direita conforme o caso. O mesmo ocorre com a
definição dada por A11 ao semiplano. A reta que o determina não foi inserida no
conjunto63.
Posteriormente, através do Q1, alguns alunos apresentaram outras definições
para os conceitos de semirreta e semiplano. Desta vez os problemas se agravaram como
é possível perceber através das definições apresentadas pelos alunos A18 e A22:

Semirreta é apenas uma parte da reta. [A18, Q1, Questão 7]

Uma reta divide um plano. Esses dois lados separados pela reta
chamamos de semiplanos. [A22, Q1, Questão 7]

As definições dadas pelos alunos A12 e A11 surgiram logo após a leitura da HQ2.
Estão mais próximas daquelas apresentadas pela própria HQ. Por outro lado, as
definições indicadas pelos alunos A18 e A22 foram obtidas em resposta ao Q1. Não

63
De acordo com a HQ2, uma semirreta de origem em um ponto A e que passa por um ponto B é o
conjunto formado por todos os pontos do segmento AB e por todos os pontos C tais que B encontra-se
entre A e B. Já um semiplano é o conjunto formado pelos pontos de uma reta e por todos os pontos do
plano que estão de um mesmo lado com relação à reta.

215
surgiram imediatamente após a leitura. São mais vagas e imprecisas se comparadas às
primeiras.

7.5.3 Tópicos compreendidos

No quarto encontro64, realizado na sala 102 do Pavilhão de Aulas do CFP, foi


entregue a cada participante uma cópia do Q1. O investigador leu, em voz alta, todas as
questões do questionário esclarecendo as dúvidas dos discentes quanto aos enunciados
das questões. Solicitou-lhes que respondessem a essas questões em casa após uma nova
leitura da HQ2 a qual lhes foi enviada por e-mail. Combinou com a turma que recolheria
o questionário no encontro seguinte. Todos os presentes concordaram. A leitura de Q1,
seguida dos esclarecimentos do investigador levou, aproximadamente, 10 minutos. As
informações abaixo decorrem das respostas encontradas no Q1.
Em uma das questões levantadas em Q1, os estudantes apontaram os conceitos
primitivos como os conteúdos mais inteligíveis durante a leitura da HQ2. Ao se
referirem a esse assunto, os alunos A3, A14 e A24 fizeram os seguintes comentários:

Eu achei que ficou muito legal a forma como foi exposto o conteúdo na
revista e as imagens ajudaram bastante na compreensão. [A3, Q1, Questão
7]

A HQ esclareceu bem o que é conceito primitivo, que são objetos


matemáticos não definíveis. Que o plano é infinito; os pontos são
referidos por letras do nosso alfabeto em maiúsculo e as retas em
minúsculo. [A14, Q1, Questão 14]

A HQ apresenta este conteúdo [conceitos primitivos] de forma clara o


bastante para entendermos que ponto, reta e plano são conceitos e não
passíveis de serem definidos. [A24, Q1, Questão 7]

O comentário do aluno A3 aponta para a importância das imagens no processo de


aprendizagem dos conceitos primitivos. Como tais objetos não são definíveis  fato
compreendido pelos alunos e registrado em dois dos comentários  as representações
icônicas constituem o principal veículo de apresentação desses entes geométricos.
Além dos conceitos primitivos, outros assuntos foram apontados como
inteligíveis a partir da leitura da HQ conforme revela o Gráfico 7.3 [Q1, Questão 7].

64
O terceiro e o quarto encontro foram destinados à aplicação da HQ2.

216
Gráfico 7.3. Assuntos apontados pelos estudantes como inteligíveis através da HQ2
3

O Gráfico 7.3 foi construído a partir das respostas de vinte e oito estudantes ao
questionário Q2. Quase metade destes estudantes apontou os conceitos primitivos como
o assunto mais inteligível a partir da leitura da HQ. Os axiomas de incidência e ordem,
os conjuntos convexos e a noção de semiplanos também figuram entre os mais
conteúdos apontados.
Alguns alunos apontaram os fatores que tornaram mais inteligíveis os conteúdos
destacados no Gráfico 7.3. De acordo com os alunos A11 e A13:

As imagens ajudam a compreender. É claro que eu já tinha uma base do


assunto. Talvez os meus colegas não pensem igual [a mim]. [A11, Q1,
Questão 7]

Além da linguagem ser simples, as imagens exemplificam de uma


maneira que facilita o entendimento. [A13, Q1, Questão 7]

As imagens foram apontadas por A11 ou A13 como facilitadores da


aprendizagem. A importância das imagens no processo de aprendizagem também foi
mencionada pelo aluno A3 ao fazer referência à inteligibilidade dos conceitos primitivos
por meio da leitura da HQ. Ademais, o aluno A11 refere-se ao domínio dos
conhecimentos prévios e o aluno A13 menciona a linguagem adotada como um fator
facilitador.

217
7.5.4 Dificuldades encontradas

Entre os assuntos que exigiram maiores esforços dos estudantes durante a leitura
da HQ2 encontram-se os conjuntos convexos e a semirreta. Os demais se dividiram
entre segmento de reta e os axiomas e as proposições presentes no texto. O Gráfico 7.4
apresenta a relação dos assuntos considerados menos inteligíveis a partir da leitura da
HQ2. Os dados foram obtidos a partir das respostas do vinte e oito estudantes que
responderam ao questionário Q1 [Questão 9].

Gráfico 7.4. Assuntos apontados pelos estudantes como menos inteligíveis através da
4

HQ2

Alguns assuntos apontados no Gráfico 7.4 também aparecem no Gráfico 7.3


como, por exemplo, o semiplano, a semirreta, os conjuntos convexos e os axiomas (de
incidência e de ordem). Tal fato não representa uma contradição tendo em vista que a
presença destes assuntos em ambos os gráficos provém das opiniões de alunos
diferentes.
A compreensão da noção de convexidade de conjuntos a partir da HQ2 não é
consensual. Esse conteúdo aparece com destaque tanto no Gráfico 7.3 quanto no
Gráfico 7.4. No primeiro, dez estudantes o apontam como inteligível a partir da HQ.
Quase o mesmo número (com o decréscimo em uma unidade), emitiu opinião contrária.
De acordo com o Gráfico 7.4, os estudos que envolveram o conceito de
semirreta constituíram a parte menos inteligível da leitura. As respostas dos estudantes à
questão proposta na secção PPPRSL ratificaram a presença de dificuldades na
218
compreensão deste conceito. Tais dificuldades ganharam notoriedade a partir do
entrelaçamento entre os seguintes conceitos: reta, semirreta e segmento de reta. As
respostas apresentadas pelos alunos A16, A25 e A13 à oitava questão do Q1 corroboram
esse fato. A Figura 7.12 contém o excerto dessas respostas: a primeira foi apresentada
por A16, a segunda, por A25 e a terceira, por A13.

Figura 7.12. Assuntos que impuseram dificuldades aos alunos A16, A25 e A13 quanto à
58

compreensão da HQ2

As respostas retratadas na Figura 7.12 não apontam para a raiz do problema: não
é possível saber, a partir delas, porque o conceito de semirreta tornou-se difícil de
compreender. O fato de A13, A16 e A25 terem recuado na leitura da HQ pode ter como
causa as dificuldades intrínsecas do próprio assunto. Como será visto mais adiante,
outros fatores (diferentes da dificuldade inerente ao conteúdo) contribuem para retardar
a aprendizagem.
Os alunos A18 e A21 necessitaram refazer a leitura de alguns trechos da HQ2.
Este fato deveu-se a alguns fatores destacados nas seguintes falas:

Na verdade não foi o conteúdo e sim a maneira como a HQ trazia porque


às vezes não ficava muito claro. [A18, Q1, Questão 8]

Por falta de observação e interpretação. [A21, Q1, Questão 8]

Os alunos A18 e A21 têm posicionamentos distintos a despeito de ambos não se


referirem à complexidade intrínseca dos assuntos. O aluno A18 critica a forma como os
conteúdos são expostos na HQ. Na décima questão do Q1, a forma como os assuntos
foram apresentados na HQ foi apontada por quase um terço (dos vinte e oito estudantes

219
que responderam o questionário) como uma das causas da redução de inteligibilidade
durante a leitura.
O aluno A21 destinou a si mesmo os créditos pela incompreensibilidade da
leitura. Declarou ter se comportado de forma desatenciosa. A sua declaração revelou,
ainda que de forma subliminar, que a leitura não foi atraente a ponto de prender a sua
atenção.
Apenas quatro estudantes revelaram não ter sentido a necessidade de recuar na
leitura da HQ [Q1, Questão 8]. Um destes alunos, a saber, o aluno A11 ressaltou a
necessidade de se fazer uma leitura com atenção e envolvimento. Destacou que uma
leitura com concentração, presa aos “detalhes”, pode levar à compreensão dos
conteúdos ali presentes.
O Gráfico 7.5 apresenta os fatores que injetaram dificuldades à compreensão dos
assuntos presentes na HQ, na opinião dos participantes. Esses dados foram obtidos por
meio do Q1.

Gráfico 7.5. Elementos que dificultaram a compreensão dos conteúdos presentes na


5

HQ2

De acordo com o Gráfico 7.5, a forma como os assuntos foram expostos na HQ2
constituiu o elemento que menos contribuiu com a aprendizagem dos alunos. Esse fato
aponta para a necessidade de se rever o tratamento formal e o enredo utilizados na HQ.
Em seguida, aparecem com certo destaque, a complexidade inerente aos assuntos e a
falta de conhecimentos prévios dos alunos.
No item outros que aparece no Gráfico 7.3, os alunos A25 e A21 pontuaram,
respectivamente, a grande quantidade de assuntos abordados na HQ e a insuficiência de
220
exemplos relacionados aos conteúdos ali presentes. A exposição teórica alimentada por
poucos exemplos tornou a leitura maçante, assinalou o aluno A21. O aluno A11 destacou,
com desaprovação, a figura utilizada na HQ para clarificar o conceito de convexidade:
“A imagem no momento da explicação ficou um pouco da desejar. Deveria usar outro
método de explicação sem ser a quadra de basquete” [A11, Q1, Questão 10]. A imagem à
qual o aluno A11 se refere pode ser encontrada na HQ2, no Apêndice 3 deste trabalho.

7.5.5 Atividades propostas

A cada dupla de estudantes foram entregues duas atividades concernentes ao


conteúdo exposto na HQ2. À medida que as dúvidas surgiam, o pesquisador era
convocado. A primeira questão consistia em encontrar um triângulo que satisfazia a oito
condições dadas. A Figura 7.13 contém a resposta apresentada pelos alunos A14 e A15.

Figura 7.13. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A14 e A15 à 1ª


59

questão proposta no final da HQ2

Conforme se pode verificar na Figura 7.13, a questão tinha como objetivo


recordar alguns conceitos presentes na HQ tais como: conjuntos convexos, semirreta,
semiplano, segmento de reta, pontos colineares. Não se tratava de uma demonstração
matemática. Metade da turma, aproximadamente, conseguiu obter a resposta correta.
Entre esses alunos, encontram-se A14 e A15. Todos os estudantes sentiram dificuldades
para compreender o significado da ferramenta simbólica (S1)C usada para designar o
complementar de um conjunto S1 com relação ao plano. O investigador, percebendo a
dificuldade, fez uso da lousa branca para dirimir as dúvidas.
A segunda questão, retratada na Figura 7.14 consistia em mostrar que um
segmento de reta AB corresponde à interseção entre duas semirretas: da semirreta de
origem em A passando por B com a semirreta de origem em B passando por A. Era

221
necessário completar algumas lacunas de modo a finalizar a demonstração. A Figura
7.14 apresenta a solução apresentada pelos alunos A1 e A4.

Figura 7.14. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A1 e A4 à 2ª questão


60

proposta no final da HQ2

Assim como A1 e A4, cuja solução aparece na Figura 7.14, os demais estudantes
não conseguiram preencher todas as lacunas. O pesquisador precisou explicar-lhes que a
igualdade entre dois conjuntos é assegurada quando o primeiro conjunto é um
subconjunto do segundo e vice-versa. Essa compreensão faltava-lhes para resolver a
atividade. Novamente, determinados conhecimentos da teoria dos conjuntos se
mostravam necessários e os alunos, naquele momento, não os tinham.

7.5.6 Triangulação dos dados

Nesta subsecção é feita uma síntese dos dados apresentados na seção 7.5, todos
inerentes à aplicação da HQ2. Esses dados aparecem de forma sumarizada na Figura
7.15.

222
Figura 7.15. Triangulação dos dados relacionados à HQ2
61

Conforme relatado ao longo da secção 7.5, o contato do investigador com os


participantes, em sala de aula, permitiu-lhe perceber a ocorrência de assuntos facilmente
compreendidos pelos discentes por meio da HQ1 (como os conceitos primitivos e as
suas formas de representação e os axiomas de incidências). Contudo, a HQ não se
constituiu como um instrumento autosuficiente no que concerne a elucidação dos
contéudos ali presentes. Na prática, alguns assuntos como a noção de convexidade
necessitaram da intervenção do investigador. Por um lado, as dificuldades enfrentadas
pelos estudantes deveu-se a problemas em sua formação prévia, como eles mesmos
pontuaram (Cf. Figura 7.15) Por outro, não se deve negligenciar a interferência da
própria HQ por meio da forma como apresentou os conteúdos. Em ambos os casos, a
complexidade intrínseca dos assuntos injetou as suas influências. Todos esses fatores
são refletidos nos problemas enfrentados pelos discentes por ocasião da resolução das
atividades propostas. A despeito de conseguirem dialogar sobre os temas presentes na
HQ, como fizeram com o investigador, os discentes tiveram dificuldades em mover
esses conhecimentos tendo em vista a resolução das atividades, sobretudo quando
envolviam demontrações matemáticas.

7.6 Aplicação da HQ3

O quinto encontro ocorreu no Laboratório de Informática do Pavilhão de Aulas

223
do CFP. Estiveram presentes trinta e dois estudantes. A atividade do dia consistia na
leitura da HQ3, seguida de discussões. Antes dos estudantes iniciarem a leitura, o
investigador teceu comentários acerca de alguns conteúdos matemáticos que figuravam
como pré-requisitos para o bom desenvolvimento da atividade. Falou-lhes ainda de
conceitos como: correspondência biunívoca; equidistância; módulo de um número real.
Em seguida, acordou com a turma que desta vez a leitura seria desenvolvida em etapas:
momentos de discussão intercalando momentos de leitura. Além das “doses
homeopáticas” de discussões havia ainda a secção PPPRSL que consistia numa pausa
na leitura para refletir sobre os assuntos expostos.
O investigador decidiu adotar essa estratégia, pois receava que a realização de
um único debate ao fim das leituras, como realizado na HQ2, pudesse ser menos
frutífero em virtude do acúmulo de dúvidas. A atuação dinâmica do investigador e a
realização de ajustes durante a coleta de dados são naturais em uma pesquisa qualitativa.
Segundo Gall, Gall e Borg (2003), nem todos os “procedimentos são estandardizados ou
podem ser especificados” (p. 445) antes da atuação do pesquisador em campo. Assim,
mesmo se colocando à disposição dos estudantes para sanar-lhes as dúvidas que
emergiam durante a leitura, o investigador resolveu adotar essa estratégia. Ponderou que
a realização de discussões, de forma gradual, tornaria mais profícuo o entendimento do
texto.

7.6.1 Primeira parte da leitura

A primeira parte da leitura referiu-se à apresentação dos personagens da história,


de alguns axiomas de medição de segmentos, da noção de distância entre dois pontos
(ou comprimento do segmento de reta determinado por eles) e da definição da
coordenada de um ponto. Durante as discussões em sala de aula, o investigador
percebeu que esses itens, de caráter introdutório, haviam sido compreendidos pelos
participantes. As seguintes questões foram levantadas por ele para fomentar as
discussões:

Qual é o instrumento utilizado para medir o comprimento de segmentos?


O que é a coordenada de um ponto? O que diz o primeiro Axioma sobre
Medição de Segmentos? E o segundo? [PE, DB, 7 de agosto de 2014]

Os participantes que se manifestaram durante a discussão responderam de forma


correta a essas questões [DB, 7 de agosto de 2014]. Durante a sessão E1, esses assuntos
224
foram retomados: “Eu acho que os axiomas por si só já são claros”, declarou o aluno
A9. Com relação à coordenada de um ponto, o aluno A7 destacou que “que todo número
pode ser relacionado, por exemplo, a um número real e isso é chamado de coordenada”.
Em seguida, complementou:

Tem uma parte que fala que um par de pontos então... dados dois pontos
num segmento, esses segmentos tem uma distancia maior ou igual a zero,
se eu não me engano. É zero, se e somente se estiverem no mesmo lugar.
[A7, E1]

O primeiro comentário de A7 diz respeito ao primeiro axioma de medição de


segmentos. O segundo comentário refere-se ao segundo axioma. Tais comentários
revelam que os referidos estudantes estiveram atentos à leitura.

7.6.2 Segunda parte da leitura

Os participantes retomaram a leitura da HQ. Desta vez, o texto lhes apresentava


uma proposição seguida de sua demonstração: “Se, em uma semirreta SAB65,
consideramos um segmento AC com AC  AB, então C está entre A e B”, dizia a
proposição. A partir daí a leitura tornou-se mais densa, exigindo mais atenção e esforços
dos estudantes. Ao se aproximar dos estudantes enquanto liam a HQ, o pesquisador
percebeu que aproximadamente dois terços desses atores demonstraram compreender a
demonstração [DB, 7 de agosto de 2014].
A maior parte dos estudantes mostrou interesse e vontade de compreender a
proposição. Alguns poucos, diante do esforço que esse momento lhes exigia, ficaram
dispersos. O investigador aproximou-se destes últimos e procurou incentivá-los a
retomar atenciosamente a leitura. Leu com eles a demonstração da proposição
apresentando-lhes os devidos esclarecimentos. Enquanto observador-participante lhe
era permitido aproximar-se dos atores observados e interagir com eles sem que a sua
ação mascare os dados coletados (Coutinho, 2013). No momento destinado às
discussões coletivas, o investigador retomou a demonstração procurando esclarecer,
mais uma vez, os procedimentos adotados.
Durante a sessão de entrevistas E1, os alunos A7 e A9 referiram-se à proposição:

65
A ferramenta simbólica SAB é utilizada no texto para designar a semirreta de origem no ponto A e que
passa pelo ponto B.

225
(...) uma [proposição] vai provar que o C está entre o ponto A e B, se eu
não me engano. [A7, E1]

(...) o ponto C, tá dentro. Deu pra entender muito bem, ficou até bem
explicado, mas também porque a gente acabou já vendo dentro de classe
e tudo. E aí a gente já vai tendo uma noção e aí dá pra entender. Não sei
aqui, não sei se quando eu chegasse aqui direto e visse isso, não sei se eu
entenderia [referindo-se à leitura “isolada”, sem as explicações do
investigador]. Mas como a gente já teve muita explicação, claro. Deu pra
entender muito bem essa parte. [A9, E1]

O aluno A7 apenas rememorou, à sua forma, o enunciado da proposição. O aluno


A9 destacou a importância das explicações do investigador. A leitura da HQ por si só
pode não garantir a aprendizagem, sugeriu o estudante.

7.6.3 Terceira parte da leitura

Deu-se início ao terceiro momento de leitura. Havia outra proposição. Dizia que
um ponto está localizado entre outros dois pontos se, e somente se, a sua coordenada
está compreendida entre as coordenadas daqueles pontos. Apesar da leitura tornar-se
mais complexa, alguns estudantes conseguiram concluir a leitura da demonstração [DB,
7 de agosto de 2014].
O investigador percebeu que alguns participantes não tinham compreendido que
se tratava de uma demonstração em duas etapas: os dados postos no enunciado eram
equivalentes! A despeito de um dos personagens da HQ tecer alguns comentários acerca
da existência de proposições dadas na forma de bicondicionais, estes participantes não
conseguiram conectar esse fato à proposição. O investigador chamou-lhes a atenção a
esse respeito [DB, 7 de agosto de 2014].
O aluno A7 demonstrou ter compreendido, em linhas gerais, o enunciado da
proposição:

(...) o [ponto] A vai ter a coordenada a, o [ponto] C, c e o [ponto] B [é] o


b. E logo, [se] c que é a coordenada de C tivesse no meio, realmente
entre essas duas coordenadas, tinha que ser maior que a e menor que b
pra ele tá. Não poderia ser maior que as duas: aí ele [referindo-se ao autor
da HQ] prova também com proposição, com os módulos lá. [A7, E1]

A despeito de compreender o enunciado da proposição, faltava ao aluno A7, e a


alguns de seus colegas, a compreensão da demonstração. O pesquisador tentou explicar-
lhes a respeito em sala de aula [7 de junho de 2014]. Vencido o tempo foi necessário

226
encerrar a leitura. Ainda restava a sessão destinada ao estudo acerca do ponto médio de
um segmento.

7.6.4 Quarta parte da leitura

O sexto encontro ocorreu na sala 102 do pavilhão de aulas do CFP. O


investigador o iniciou fazendo memória dos assuntos tratados no encontro anterior. Em
seguida, pediu aos participantes que se reunissem em duplas. A cada uma delas
entregou uma cópia da parte final da HQ3. O texto tratava da existência e da unicidade
do ponto médio de um segmento. Esse resultado foi apresentado na forma de teorema.
Durante a leitura, algumas duplas se mostraram mais compenetradas e outras
mais dispersas. Ao perceber a falta de concentração em algumas duplas, o pesquisador
aproximou-se e se mostrou à disposição para tirar-lhes as dúvidas.
Quando questionados pelo pesquisador, os participantes afirmaram ter
compreendido a demonstração do teorema sobre a existência e a unicidade do ponto
médio de um segmento. Na verdade, eles haviam compreendido algumas passagens.
Não todas. Ainda assim, pareciam mais a vontade se comparados à demonstração da
segunda proposição apresentada no encontro anterior [DB, 8 de agosto de 2014].
Quando todos finalizaram a leitura, o investigador iniciou as discussões coletivas. Leu,
pedindo a todos que o acompanhasse, a demonstração do teorema. Explicou-lhes cada
passagem.
Alguns estudantes, através da sessão de entrevistas E1, mostraram-se mais
receptivos ao teorema do que o foram quanto às proposições:

O teorema [do ponto médio] com certeza eu entendi que foi um único
ponto médio... que isso é meio que obvio, né?! A demonstração ficou um
pouquinho mais clara, dá pra entender. Se mandar fazer uma
demonstração, mais ou menos na reta um ponto médio obviamente não
tem como errar, tá entendendo? [A1, E1]

O teorema é... o do ponto médio... pra provar que entre dois pontos só
existe um ponto médio. Ele prova adicionando uma coordenada pra o
outro ponto M chamando ele de C’. E no final ele acaba demonstrando
que se houvesse um outro ponto médio ele ia ter o mesmo valor [mesma
coordenada] que primeiro ponto médio. Logo, de um ponto ao outro só
existe um ponto médio (...) de tudo o que a revista passa, a única coisa
que não ficou clara para mim foram as proposições. [A7, E1]

Em sala de aula, os estudantes destacaram que as figuras os ajudaram a

227
compreender o teorema. Clamavam, porém, pela utilização de exemplos numéricos ao
invés de expressões literais [DB, 8 de agosto de 2014].

7.6.5 Dificuldades com as demonstrações

Uma das molas propulsoras das dificuldades enfrentadas pelos estudantes para
compreender as demonstrações matemáticas presentes na HQ consistia na falta de
habilidades em resolver operações envolvendo módulo de números reais. Este assunto
esteve presente na segunda proposição e na demonstração da existência e unicidade do
ponto médio de um segmento:

É um pouco complicada a proposição por ser mais longa e porque a


demonstração é terrível, alguns sinais como de módulo... [A1, E1]

Eu só fiquei ‘pegado’ [isto é, só tive dificuldades] nessa parte [apontando


para a HQ] que é nos módulos. [A7, E1]

(...) quando colocam o módulo no meio então ali eu já senti mais


complicado... Mas você prestando bem atenção, às vezes voltando a
leitura  porque eu voltei várias vezes  eu consegui compreender. [A8,
E1 ]

[A] adaptação ao [assunto] módulo foi muito... foi difícil. Agora a gente
já vai entendendo um pouco, mas no início foi complicado! [A9, E1]

De acordo com o aluno A1, além das operações envolvendo módulo, o


“tamanho” da demonstração foi outro elemento dificultador. Apesar de ter sentido
dificuldades em compreender o uso do módulo, o aluno A8 destacou que o fato de
avançar e recuar na leitura ajuda na compreensão. O aluno A9 pontuou que o entrave
inicial provocado pela compreensão dos módulos acabou sendo diluído.
Outro fator que tornou a demonstração da segunda proposição menos inteligível
foi a utilização, no texto, de letras (ao invés de números) para designar as coordenadas
dos pontos referenciados na proposição. Faltava aos estudantes o entendimento de que a
validade dos resultados matemáticos não pode ser assegurada a partir de alguns
exemplos [DB, 7 de agosto de 2014]. Em alguns casos, era necessário fazer uso de
expressões algébricas. Faltou também ao texto chamar a atenção dos seus leitores para
esse fato.
Diante da dificuldade dos alunos diante das expressões algébricas presentes no
texto, sobretudo daquelas envolvendo módulos, o pesquisador (ao explicar a

228
demonstração aos alunos) precisou recorrer a exemplos numéricos. Só depois passou
para uma abordagem algébrica. Essa forma de explanação pareceu tornar o assunto mais
inteligível para os alunos. O aluno A8, inclusive, sinalizou ao investigador a necessidade
de se inserir mais exemplos numéricos à HQ:

Eu acho que com exemplos já seria bem melhor (...) daria mais pra a
gente entender. [A8, E1]

Nem todos os alunos conheciam as ferramentas simbólicas utilizadas na HQ.


Esse fato ajudou a agregar mais dificuldades à leitura conforme assinala o aluno A1:

(...) eu pelo menos não venho conseguindo fazer, como eu falei, usar os
sinais corretos [refere-se às ferramentas simbólicas]. Agora, que é
importante obviamente é né, porque a linguagem matemática obriga você
a saber demonstrar as coisas em sinais. Em regras e tudo mais (...) O que
às vezes tá embolando é isso, acertar cada sinal. ‘Contido’, ‘não contido’,
isso a gente, quer dizer eu pelo menos tô tentando aprender agora nunca
vi. [A1, E1]

As dificuldades com o uso e compreensão das ferramentas simbólicas não é uma


“prerrogativa” do aluno A1. Conforme relatado na secção destinada à HQ2, muitos
estudantes sentiram dificuldades em compreender a ferramenta simbólica que se referia
ao complementar de um conjunto com relação ao plano.

7.6.6 Aprendizagem a partir da HQ: Relato de estudantes

Ao serem solicitados a apontar os assuntos que julgam ter compreendido por


meio da HQ3, os alunos A1, A7 e A9 destacaram:

O que eu mais entendi, o que ficou claro pra mim é o ponto médio.
Obviamente porque isso é bem óbvio e o resto eu to me esforçando. Tô
com a revistinha lendo e tudo mais. Tô com os meus colegas estudando
pra continuar aprendendo. [A1, E1]

(...) porque eu acho que a revista... o tema principal dela era mostrar as
medidas, a distância de um ponto e outro. E eu, pelo menos eu,
compreendi a maioria da revista. Eu só fiquei um pouco empacado na
parte que entrou as proposições que ele provou com módulo, complicou
um pouquinho. [A7, E1]

Eu consegui ver bem, a primeira proposição mesmo. Já ta na mente


assim, já deu pra entender bem! Talvez nas explicações eu não consiga
falar com as mesmas palavras, mas acho que já consegui explicar. Com
minhas palavras eu consigo explicar bem [A9, E1]

229
De acordo com o aluno A1 não há dúvidas quanto à existência e a unicidade do
ponto médio de um segmento. Não faz menção a demonstração. Parece ter
compreendido o resultado em si. Destaca a presença de dificuldades em outros assuntos,
mas não os menciona diretamente.
O aluno A7 diz ter compreendido a maior parte dos assuntos presentes na HQ. A
suas inquietações residiram apenas nos momentos em que foi necessário utilizar as
propriedades de módulo de um número real.
O aluno A9 revela ter compreendido a primeira proposição. A mesma não
envolve o módulo de números reis. É possível que esse fato, em alguma medida, tenha
contribuído. O estudante julga ser capaz de explicar ao investigador o conteúdo da
proposição com as suas próprias palavras, ou seja, sem reproduzir as palavras presentes
na HQ. Esse aspecto é positivo tendo em vista a ausência de processos de memorização.

7.6.7 Como falar destes assuntos?

A alguns estudantes o pesquisador pediu, através da E1, que apresentassem


sugestões de roteiros para elaboração de uma nova história que abordasse os mesmos
conteúdos presentes na HQ3. Um deles propôs a elaboração de uma HQ que vinculasse
a matemática e a música por ser esta última um assunto de seu interesse: “Não sei se eu
conseguiria, mas o meu ponto de vista, o meu ponto de partida pra ver as coisas sempre
envolve música. Sempre. Eu gosto muito” [A1, E1]. Os alunos A6 e A9 apresentaram as
seguintes sugestões:

Se fosse uma classe de ensino fundamental, eu acho que poderia usar um


animal e uma fruta, tipo um macaco e uma banana. A distância entre o
macaco e a banana. Se fosse [no] ensino médio poderia usar carros. Uma
distância de um carro para outro [como na HQ3]. [A6, E1]

Se você tá trabalhando com uma turma só de homens, uma turma


masculina, você vai... você pode trabalhar [o conceito de] distância como
[no] futebol. Pode estabelecer a meta do pênalti para dentro do gol (...) a
introdução é isso: a pessoa conquista também o público. [A9, E1]

As sugestões dos estudantes mostram-se relacionadas tanto aos seus interesses


pessoais (no caso da música) quanto aos temas de interesse, às experiências prévias e ao
nível de cognição das pessoais às quais se destinam as HQs. A associação dos assuntos
com o futebol e a sua inserção em uma turma constituída basicamente por homens, por
exemplo, parte da premissa de ser este um esporte apreciado por estes sujeitos e nem
230
sempre por mulheres. A menção a animais, como o macaco, para introduzir o assunto
em turmas do ensino fundamental ou a associação com carros, no caso do ensino médio,
revela-se preocupada com temas de interesse ou que dizem respeito à vivência desses
alunos.
A despeito de propor, a pedido do investigador, outro enredo para a história, o
aluno A9 elogiou a HQ3: “essa revista ficou boa, porque ela já vem diretamente de
Salvador pra cá [referindo-se a algum dos personagens, possivelmente a anfitriã, Dona
Geometria], a gente já vai entender o trajeto, explicando em parte sim, essa revista ta
boa” [A9, E1].

7.6.8 Secção PPPRSL

Antes da finalização da leitura da HQ3 foi entregue a cada dupla uma cópia da
atividade proposta na secção PPPRSL. Os participantes se mostraram motivados para
resolvê-la. Poucas foram as interferências do investigador. Em sua maioria, consistiu
em sinalizar que as duplas estavam adotando os procedimentos corretos. Das dezesseis
duplas que responderam a atividade, apenas uma não assinalou a alternativa correta na
primeira tentativa.
A questão fornecia o comprimento de um segmento de reta e a coordenada de
uma das suas extremidades. Solicitava aos estudantes as coordenadas da outra
extremidade e do ponto médio do segmento. A primeira delas resulta do fato de ser o
comprimento de um segmento igual ao valor absoluto da diferença entre as coordenadas
das suas extremidades. A coordenada do ponto médio, por sua vez, é dada pela média
aritmética das coordenadas dos pontos extremos do segmento. Ambas as informações
aparecem durante a leitura da HQ. Quase dois terços dos participantes utilizou algum
desenho para resolver a questão, todos envolvendo a representação de um segmento de
reta.
Dentre as cinco alternativas propostas na atividade duas estavam corretas. A
Figura 7.16 traz o excerto das soluções apresentadas por duas duplas cujas respostas
assinaladas são diferentes (ambas corretas).

231
Figura 7.16. Excerto das soluções apresentadas por duas duplas à secção PPPRSL em
62

HQ3

No que tange a Figura 7.16, a solução à esquerda expõe de forma simples e


direta os cálculos. Foi apresentada pelos alunos A18 e A26. A solução da direita, dada
pelos alunos A11 e A23, tenta ir mais além. Estes alunos buscam algebrizar a resolução,
mas esbarram-se na resolução de uma equação modular. Diante disso, A11 e A23
parecem abandonar o tratamento algébrico e recorrem a cálculos simples a partir dos
valores fornecidos no enunciado da questão. Obtêm uma resposta correta. Um deles, por
não tê-la obtido à luz da equação modular que buscava desenvolver, registrou: “Não
provei”. No entanto, a resposta que forneceram estava correta.

7.6.9 Atividades propostas

Com a finalização da questão proposta em PPPRSL e concluída a leitura da HQ,


cada dupla recebeu mais duas atividades. Ao contrário da questão de múltipla escolha,
desta vez as respostas precisavam ser justificadas. A primeira atividade era constituída
por três itens. O primeiro tratava da marcação de três pontos em uma semirreta de modo
a satisfazer determinadas hipóteses. Um dos pontos coincidia com a origem da
semirreta. A disposição dos outros dois pontos representava o cerne da questão

232
conforme pode ser observado na Figura 7.17, a qual apresenta as respostas dadas por
duas duplas: os alunos A12 e A27 e os alunos A15 e A28, respectivamente, de cima para
baixo.

Figura 7.17. Excerto das respostas dos alunos A12 e A27, e A15 e A28 ao primeiro item da
63

primeira proposta ao final da HQ3

Após a identificação da origem da semirreta, restavam apenas duas


possibilidades para a localização dos outros dois. Uma delas podia ser refutada, através
de um axioma de medição de segmentos, por ir de encontro a uma das hipóteses do
problema. De fato, se B e C são pontos de uma semirreta de origem em A, digamos SAB,
de forma que AC  AB, deve-se ter C entre A e B. Se assim não o fosse, isto é, se B

estivesse entre A e C, ter-se-ia AB  BC  AC (axioma), donde AB  AC ferindo a


hipótese do problema.

Raciocínio geométrico

Das treze duplas que entregaram a atividade, onze responderam ao item (a)
retratado na Figura 7.17. Duas dessas duplas afirmaram que se o ponto B estivesse entre
A e C, o comprimento do segmento AB seria menor que o comprimento de AC
contrariando a hipótese da questão. Faltou-lhes apenas mencionar o axioma de medição
de segmentos que respalda a afirmação embora estivessem utilizando-o. Ainda assim, as

233
argumentações que dispunham não se mostraram distantes de uma demonstração
matemática, no sentido que cabe à atividade. A resposta apresentada por uma das
duplas, a saber, os alunos A12 e A27 (a primeira que aparece na Figura 7.17). A outra,
composta pelos alunos A3 e A29, respondeu da seguinte forma (Figura 7.18):

Figura 7.18. Solução apresentada pelos alunos A3 e A29 ao item (a) da 1 a questão
64

proposta ao final da HQ3

O raciocínio geométrico empregado pelos alunos A12 e A27 (Figura 7.17) e pelos
alunos A3 e A29 (Figura 7.18) será classificado como FD.
Oito duplas responderam a atividade afirmando que C está entre A e B, pois o
comprimento de AC é menor que o comprimento de AB. Faltou-lhes o cuidado e o
detalhamento que cabe à apresentação dos argumentos em uma demonstração
matemática. O tipo de raciocínio geométrico presente nestas respostas será classificado
neste texto como SD. Uma dessas respostas, apresentada pelos alunos A15 e A28, aparece
na Figura 7.17 (a segunda de cima para baixo).
Em três casos assistiu-se a ocorrência do raciocínio do tipo EC: Duas duplas não
responderam a atividade (A6 e A20; A10 e A30) e uma dupla, formada pelos alunos A1 e
A2, respondeu de forma a considerar a tese com se hipótese o fosse, conforme mostra a
Figura 7.19:

Figura 7.19. Solução apresenta pelos alunos A1 e A2 ao item (a) da 1a questão proposta
65

ao final da HQ3

O segundo item da primeira questão não ofereceu dificuldades aos estudantes.


As mesmas foram reservadas para o terceiro item no qual era necessária a presença de
justificações para as respostas apresentadas (Cf. Figura 7.20).
A solução apresentada pelos alunos A25 e A31 ao item c da primeira questão é
retratada na Figura 7.20.

234
Figura 7.20. Excerto da solução apresentada pelos alunos A25 e A31 aos dois últimos
66

itens da primeira questão proposta ao final da HQ3

A solução que aparece na Figura 7.20 peca quanto ao uso de duas ferramentas
simbólicas distintas para referir-se ao comprimento de segmentos de retas ( AM e AB,
por exemplo). Há ainda uma “economia” no uso das palavras fazendo com que algumas
explicações não sejam explicitamente apresentadas (por exemplo, a igualdade
" AM  BN  CM  CN " presente no texto decorre do fato de M e N serem,
respectivamente, os pontos médios de AC e CB). Além disso, a expressão CM  CN  2

 
deve ser substituída por CM  CN  2 . Contudo, a despeito destes problemas no uso da
linguagem simbólica, o raciocínio dedutivo está presente no texto. O tipo de
pensamento geométrico ali empregado será classificado aqui como FDm.
A resolução da questão exposta na Figura 7.20 assenta-se na presença dos pontos
médios dos segmentos AC e CB. As respostas apresentadas pelas duplas A12 e A23, A3 e
A29, A24 e A30, A18 e A26, e A4 e A31, a despeito de serem apresentadas de formas
distintas (com exceção das soluções apresentadas pelas duas primeiras duplas66), partem
desta ideia. O que as difere é a forma de apresentação dos argumentos conforme mostra
a Figura 7.21.

66
A semelhança entre as formas como as duplas A12 e A23, e A3 e A29 responderam à atividade sugerem a
troca de informações entre estes estudantes.

235
Figura 7.21. Excerto da solução apresentada pelos alunos A12 e A23, A3 e A29, A24 e
67

A30, A18 e A26, e A4 e A31 ao terceiro item da primeira questão proposta ao final da HQ3

As respostas apresentadas na Figura 7.21 asseguram (de forma direta ou


indireta) que os comprimentos dos segmentos AC e CB correspondem, respectivamente,
ao dobro dos comprimentos dos segmentos AM (ou MB) e CN (ou NB). Em seguida,
basta utilizar o fato de o ponto C localizar-se entre A e B para concluir a solução. Esta é
a mensagem que os alunos parecem querer apresentar. Entretanto, faltam-lhes mais
detalhamentos, mais rigor. As explicações estão sucintas destinando ao interlocutor a
tarefa de completar as lacunas. Em alguns casos, há equívocos na linguagem
empregada. O tipo de raciocínio empregado nestas respostas será classificado aqui como
SD. Abaixo seguem algumas considerações acerca das respostas apresentadas na Figura
7.21.
As duas primeiras duplas (A12 e A27, e A3 e A29) cometeram um erro crucial:
sendo M e N pontos, as expressões 2M  AC e 2 N  2CB não fazem sentido algum. É
possível que os estudantes estivessem, de fato, querendo se referir às medidas de
segmentos, nesse caso, 2 AM e 2CN , respectivamente. Contudo, neste caso, não
conseguiram transpor para o papel, de forma matematicamente correta, as suas ideias.

236
Na tentativa de dizer que os pontos M e N dividem, respectivamente, os
segmentos AC e CB em dois outros segmentos de mesma medida, os alunos A24 e A30
disseram que estes pontos “significa[m] a metade dos mesmos [segmentos]”. Os alunos
A18 e A36 também procedem de forma parecida. Disseram que se os pontos médios
forem “multiplicados por dois dão o valor do segmento”.
Nas soluções dos alunos A12 e A27, e A3 e A29, a linguagem corrente dá espaço à
linguagem matemática. A falta de domínio desta última, inclusive, foi a responsável
pela existência do equívoco cometido pelos estudantes. As duas soluções de A24 e A30, e
A18 e A36 privilegiaram a linguagem verbal. O seu uso, porém não foi suficiente. Por um
lado, estes estudantes conseguiram transmitir uma ideia de compreensão geral do
problema. Por outro, trata-se de uma ideia pouco aprisionada aos detalhes que o rigor
matemático impõe.
A solução dos alunos A4 e A31 também privilegiaram a linguagem verbal em
detrimento da linguagem simbólica. Há, em algum nível, pessoalidade e quiçá
coloquialidade no texto: “pegarmos”, “somarmos”, “multiplicarmos”. Por “média do
AC ”, os alunos A4 e A31 possivelmente pretendiam dizer: “metade do comprimento de
AC”. Da mesma forma, onde aparece “o ‘seguimento’ dos pontos MN ”, deveria estar
escrito “o comprimento do segmento MN”. Os problemas não residem na pessoalidade
do texto. Antes se esbarraram na falta de mais esclarecimentos (argumentos) na
construção da resposta.
As respostas apresentadas pelas duplas A15 e A28, e A11 e A23 contêm afirmações
corretas, mas incompletas. Os excertos destas respostas aparecem, nessa ordem, de cima
para baixo, na Figura 7.22.

Figura 7.22. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A15 e A28, e A11 e A23 ao
68

terceiro item da primeira questão proposta ao final da HQ3

237
Na solução apresentada pelos alunos A15 e A28 ainda é preciso mencionar que
AC  2 MC e CB  2 NC , pois M e N são, respectivamente, os pontos médios de AC e
CB. Em seguida, deve-se utilizar o fato do ponto C localizar-se entre M e N. A solução
dos estudantes não permite fazer inferências sobre relações entre os comprimentos dos
segmentos AB e MN. Não mencionam os pontos M e N. A solução apresentada pela
segunda dupla, os alunos A11 e A23 também se revela incompleta. Pouco se pode
vislumbrar a partir dela. A incompletude regente em ambas as soluções permite
classificar o raciocínio geométrico nelas empregado como IN.
As demais cinco duplas não responderam ao item c ou quando o fizeram suas
respostas se resumiram à palavra “sim”. O raciocínio empregado por essas seis duplas
será designando aqui como EC.
O Gráfico 7.6 estabelece uma comparação entre os tipos de raciocínios
geométricos verificados nas respostas dos estudantes aos itens a e c da primeira questão.

Gráfico 7.6. Tipo de raciocínio geométrico verificado nas respostas dos


6

estudantes às atividades propostas na HQ3

De acordo com o Gráfico 7.6 o raciocínio geométrico do tipo Semidedutivo (SD)


foi aquele identificado com maior frequência nas respostas apresentadas pelos
estudantes.

238
A segunda questão proposta não envolvia demonstrações e pode ser visualizada
na Figura 6.15, no capítulo anterior. Trata da obtenção das coordenadas de um conjunto
de sete pontos colineares. Envolve dados numéricos. Cinco das treze duplas
responderam corretamente aos cinco itens propostos na atividade (A12 e A27, A25 e A31,
A24 e A30, A3 e A29, A11 e A23). Três duplas responderam quatro itens corretamente (A22
e A, A6 e A20, A16 e A32) e três duplas o fizeram em três itens (A15 e A28, A10 e A30, A1 e
A2). Uma dupla respondeu corretamente a apenas um item (A4 e A31) e apenas uma
dupla não respondeu a item algum (A18 e A26). De acordo com esses dados, 3/5 da
questão foram corretamente respondidos por onze das treze duplas. Esse fato demonstra
a fluidez das respostas dos estudantes diante de questões que não se assemelham a
demonstrações matemáticas.

Linguagem matemática

Os textos produzidos pelos alunos na resolução do item a da primeira questão


contaram com a presença de dois tipos de linguagem: a simbólica (por meio da
referência aos comprimentos dos segmentos AB e AC) e a materna. A linguagem
icônica apareceu de forma indireta na medida em que os textos dos estudantes foram
produzidos à luz da representação imagética que aparece no início da atividade. Nas
duas respostas onde predominou o raciocínio FD, a linguagem foi empregada com mais
rigor. Nas oito soluções em que figurou o raciocínio SD, os estudantes se expressaram
de forma mais sucinta e incompleta. O mesmo ocorreu na solução em que os estudantes
empregaram a hipótese como se fosse tese do problema.
Nas respostas apresentadas ao item c da primeira questão, seis duplas fizeram
uso das linguagens simbólica e materna. Somente os alunos A11 e A23 não cometeram
deslize algum no emprego de ambas (Figura 7.22, primeira solução de cima para baixo).
Entretanto apresentaram uma solução incompleta e demasiadamente sucinta. A
“economia” na apresentação da resposta talvez explique a inexistência de problemas
relacionados com a linguagem.
Os alunos A25 e A31, A12 e A23 (Figura 7.21) e A3 e A29 (Figura 7.21) foram
aqueles que mais se empenharam em apresentar a linguagem verbal e as ferramentas
simbólicas de forma integrada. Estes estudantes, porém, tiveram algumas dificuldades

239
no empregado das ferramentas simbólicas (“ CM  CN  2 ”, “ 2 M  AC ”,

“ 2 N  2CB ”).
Os equívocos cometidos pelos alunos A24 e A30 (Figura 7.21) e A4 e A31 (Figura
7.21) residiram no emprego da linguagem materna. Ao escrever, “M e N os pontos
médios de AC e CB que significa a metade dos mesmos” (Figura 7.21), os alunos A24 e
A30 não conseguiram expressar verbalmente as ideias que povoavam os seus
pensamentos. Na tentativa de dizer que o ponto M divide o segmento AC e dois outros
segmentos de mesmo comprimento, os alunos disseram que M “significa a metade” de
AC! As respostas dos alunos A4 e A31 também apresentaram erros de natureza
semelhante (Figura 7.21).
Duas duplas privilegiaram em suas respostas o emprego de um único tipo de
linguagem: a materna (A18 e A26, ver Figura 7.21) ou a simbólica (A11 e A23, ver Figura
7.22, a segunda solução de cima para baixo). Em ambos os casos, a linguagem adotada
não foi suficiente para resolver à questão.
As cinco duplas restantes não responderam ao item ou o responderam apenas
com a palavra “sim”. Linguagem materna usada de forma insuficiente.
A segunda questão foi respondida por meio de cálculos numéricos. Em
raríssimos casos houve justificações verbais e simbólicas. Os conhecimentos teóricos
foram diretamente utilizados na representação imagética disposta na própria questão.

7.6.10 Triangulação dos dados

O confronto entre as informações coletadas por ocasião da aplicação da HQ3


permitem identificar alguns limites da aprendizagem por meio da HQ e apontar alguns
ajustes na construção deste instrumento. Neste sentido, estão reunidos na Figura 7.23
alguns dados coletados tanto em sala de aula (através das observações do investigador e
por meio de conversas com os participantes), além daqueles obtidos por meio da sessão
E1 ou através das respostas às atividades propostas ao final da leitura.

240
Figura 7.23. Triangulação dos dados relacionados à HQ3
69

As informações prestadas pela Figura 7.23 endossam as dificuldades dos


discentes diante de demonstrações matemáticas: seja para compreendê-las seja para
construí-las. No primeiro caso, a falta de compreensão da demonstração nem sempre
está associada ao próprio conteúdo de Geometria Plana. Suas raízes podem apoiar-se em
alguns conhecimentos prévios como, por exemplo, as propriedades de módulos de
números reais. É necessário, pois, trabalhá-los em sala de aula antes da discussão das
demonstrações. No segundo caso, os problemas apresentados pelos alunos residiram na
omissão de algumas informações em suas produções textuais ou na dificuldade em
empregar de forma totalmente correta as linguagens materna ou simbólica.
Durante a leitura da HQ, a utilização de mais exemplos numéricos, em
detrimento dos algébricos, se apresentou como uma demanda dos estudantes. Para além
da necessidade de inserir mais exemplos numéricos na narrativa, a mesma precisa ser
construída por meio de temas que dialoguem com os interesses pessoais dos estudantes
e com as experiências às quais eles já foram submetidos.

7.7 Aplicação da HQ4

O sétimo encontro ocorreu na sala 102 do Pavilhão de Aulas do CFP. Os dados


reunidos nesta secção provêm do DB, do questionário Q2 e das respostas dos alunos às
atividades propostas.

241
Atendendo às recomendações do pesquisador, os estudantes se dividiram em
duplas. Cada dupla recebeu uma cópia da HQ4 intitulada Dona Geometria em subindo
mais um deGrau a qual versa sobre os axiomas de medição de ângulos e sobre as suas
consequências. Iniciada a leitura, o proponente da pesquisa acompanhou cada dupla,
filmando-as. Ao mesmo tempo, buscou dirimir as dúvidas dos estudantes quando
levantadas.

7.7.1 Primeira parte da leitura

A princípio, os participantes se mostraram um pouco tímidos diante das


filmagens. Com o passar do tempo foram retomando a normalidade e a atividade foi
desenvolvida de forma tranquila. A maior parte dos discentes se mostrou interessada e
concentrada durante a leitura.
Logo nas primeiras páginas da HQ4 são apresentadas as ferramentas simbólicas
que serão utilizadas para denotar os ângulos. A tirinha onde isso acontece aparece na
Figura 7.24.

Figura 7.24. Ferramentas simbólicas adotadas na HQ4 para representar os ângulos


70

Ao longo do texto não há distinções entre a forma de se reportar a um ângulo e a


forma de se reportar à sua medida.

Ferramentas simbólicas

Ao ver a letra grega  (alpha) na tirinha retratada na Figura 7.24, o aluno A20
perguntou ao investigador: “As letras gregas não são utilizadas para nomear os
planos?”. O segundo respondeu: “Sim, mas isso não nos impede de as utilizarmos para

242
denotarmos um ângulo [qualquer] ou a sua medida” [DB, 14 de agosto de 2014]. O
aluno A8 também teve dúvidas quanto às ferramentas simbólicas utilizadas para denotar
os ângulos. A disposição adotada no texto em que o vértice aparece entre dois pontos,
cada um pertencente a um lado do ângulo, precisou ser esclarecida pelo investigador
(por exemplo, BÂC para o ângulo de vértice no ponto A, com um dos lados passando
por B e outro por C). Ao se referir ao acento circunflexo comumente inserido sobre o
ponto que denota o vértice do ângulo, A8 perguntou ao investigador: “Por que colocar o
‘chapeuzinho’?”. Este último respondeu-lhe: “É uma notação. Uma escolha. Se não
colocássemos o acento circunflexo, estaríamos usando a mesma notação adotada [aqui]
para triângulo67”. O pesquisador explicou ao aluno A8 que, a despeito da adoção
daquela ferramenta simbólica, existem outras que também podem ser utilizadas para
denotar um ângulo. Essas formas variam de autor para autor, destacou o investigador
[DB, 14 de agosto de 2014].
Ao perceber (ou recordar) que a unidade de medida utilizada para medir ângulos
é o grau, o aluno A20 perguntou ao investigador: “O que significa [um] grau?”. Em
resposta, o investigador pediu-lhe que desenhasse um círculo de raio qualquer e de
centro em um ponto qualquer, digamos O. Disse-lhe para imaginá-lo dividido em 360
arcos de mesmo comprimento. Considerando dois pontos consecutivos quaisquer dessa
partição, por exemplo, A e B, o pesquisador pediu ao estudante que considerasse o
ângulo AÔB. A medida desse ângulo é, por definição, um grau, acrescentou o
investigador68. O aluno A20 questionou-lhe: “Por que esse nome ‘grau’?”. O
investigador não soube informar a origem do nome [DB, 14 de agosto de 2014].
A ferramenta simbólica utilizada na HQ para designar as semirretas difere, ainda
que minimamente, daquela adotada pelo investigador durante as explicações em sala de
aula. Na HQ aparece SAB. O investigador, porém, utilizou SAB. Ambas as ferramentas
simbólicas se reportavam a semirreta de origem em um ponto A e que passa pelo ponto
B. O aluno A7 questionou o investigador acerca desta distinção: “Professor, por que o
senhor escreve de uma forma e na HQ aparece de outra?”. O investigador respondeu:

67
Ao longo das HQs, o triângulo com vértices nos pontos não colineares A, B e C tem sido denotado por
ABC (e não ABC).
68
De acordo com Giovanni, Castrucci e Giovani Júnior (2007), o grau surgiu por volta dos anos 5000 a.
C. À época acreditava-se que o Sol girava em torno da Terra em uma órbita circular que levava 360 dias.
A cada dia, o Sol percorria 1/360 dessa órbita. O ângulo  cujo vértice era o centro da Terra  formado
pelo Sol em um dia dessa órbita passou a ser denominado um grau.

243
“Porque no toondoo69 não é possível designar as semirretas da forma que eu gostaria”,
isto é, por SAB [DB, 14 de agosto de 2014].

A necessidade de dados numéricos

Os alunos A22 e A31 tiveram dificuldade em compreender o axioma de medição


de ângulos que se refere à correspondência biunívoca entre as semirretas de mesma
origem que dividem um semiplano e os números reais compreendidos entre 0 e 180. A
associação entre a medida de um ângulo formado por duas quaisquer destas semirretas e
a diferença, em valor absoluto, entre os números reais a elas associados não havia sido
compreendida por estes estudantes. O investigador utilizou uma figura disponibilizada
no texto, em ocasião do axioma seguinte, para explicar-lhes a respeito [DB, 14 de
agosto de 2014]. O excerto desta parte da HQ aparece na Figura 7.25.

Figura 7.25. Axioma sobre medida de ângulos na HQ4


71

Conforme mostra a Figura 7.25, o personagem Ângelo Agudo, ao se referir à


medida do ângulo AÔB, faz uso de representações algébricas para se reportar às
coordenadas das semirretas SOA e SOB: a e b, respectivamente. Os alunos A22 e A31 não
haviam compreendido. Precisavam de dados numéricos. Percebendo isto, o investigador
recorreu à utilização de alguns números durante a sua explanação. Utilizou os valores
retratados na Figura 7.25, no quadrinho da direita. A partir daí, os estudantes
conseguiram compreender. O investigador concluiu passando dos exemplos numéricos
para a representação algébrica presente no texto [DB, 14 de agosto de 2014].

69
O Toondoo não permite escrever as letras em formato subescrito.

244
7.7.2 Secção PPPRSL

Durante a resolução da atividade proposta na secção PPPRSL, os estudantes se


mostraram confiantes e entusiasmados. Pareciam, à altura, já ter compreendido o papel
das coordenadas das semirretas de mesma origem que dividem um semiplano na
determinação da medida do ângulo formado por duas delas. Compreenderam claramente
– na verdade, muitos já sabiam – a classificação dos ângulos quanto às suas medidas.
Das dezesseis duplas, quinze resolveram corretamente a atividade na primeira tentativa.
A Figura 7.26 traz o excerto da resposta apresentada pelos alunos A22 e A31. A resposta
dada por eles revela que, após os esclarecimentos do investigador acerca do axioma que
versa sobre a medida dos ângulos, os estudantes conseguiram aplicá-lo corretamente.

Figura 7.26. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A22 e A31 à secção
72

PPPRSL da HQ4

As imagens condicionantes. Durante resolução da atividade que aparece na


Figura 7.26, o aluno A15 perguntou ao investigador: “Ângulo reto não é de 90o?”. O
último respondeu: “Sim. Ângulo reto é um ângulo que mede 90 o. Perfeito!”. A partir
daí, A15 mostrou ao investigador dois ângulos retos presente na atividade: em ambos os
casos um dos lados estava disposto na posição horizontal e outro na posição vertical (os
ângulos AÔD e DÔF presentes na Figura 7.26). O estudante parecia querer insinuar que
estes eram os únicos ângulos retos presentes na atividade. Esse tipo de pensamento tem
origem, muitas vezes, nas imagens que comumente são apresentadas aos estudantes
245
durante o estudo dos ângulos retos: imagens que condicionam o pensamento limitando-
o. O investigador, ao perceber este fato, disse-lhe que embora estes dois ângulos sejam
retos é possível que existam na figura outros ângulos que medem 90 o (o pesquisador
quis dizer ao estudante que os lados de um ângulo reto não precisam, necessariamente,
estar nas posições horizontal e vertical). O estudante então complementou perguntando
(em tom de afirmação): “Tem que subtrair as coordenadas para ver [a medida]...?”. O
investigador respondeu-lhe que sim [DB, 14 de agosto de 2014].

7.7.3 Segunda parte da leitura

A demonstração da congruência entre os ângulos opostos pelo vértice70, presente


na segunda parte da leitura71, foi facilmente compreendida pelos alunos. Na sexta
questão do questionário Q2, respondido por dezoito alunos, os estudantes foram
convidados a indicar os assuntos que julgaram menos inteligíveis por meio da leitura da
HQ. Nenhum dos estudantes apontou a congruência entre os ângulos opostos pelo
vértice. Segundo o aluno A31, “pela demonstração que ele fez na HQ ficou bem claro.
Ele mostrou muito bem detalhadamente como é e quando eles são opostos” [Q2,
Questão 7]. Por “ele” entende-se “o autor da HQ”.

Dificuldades na leitura

O teorema que garante a existência e a unicidade de uma perpendicular a uma


reta passando por qualquer um de seus pontos exigiu alguns esclarecimentos durante a
prova da unicidade da reta. Somente a leitura da HQ não foi suficiente: “Não ficou bem
claro na HQ e é um assunto confuso” [A27, Q2, Questão 7]; “perpendicular é o mais
complicado” [A15, Q2, Questão 7]; “deveria ter mais exemplos exposto[s] na
abordagem da história em quadrinhos” [A29, Q2, Questão 7]; “a forma como o assunto
foi abordado na HQ, talvez deveria [devesse] ser mais explicado” [A3, Q2, Questão 7].

70
Também conhecidos como vértices verticalmente opostos.
71
Neste momento, o pesquisador está utilizando a expressão segunda parte da leitura para designar a
leitura da HQ4 desenvolvida após a resolução da atividade disposta na seção PPPRSL.

246
A representação de duas perpendiculares a uma reta passando por um de seus
pontos, retratada na Figura 7.27, gerou alguns conflitos72.

Figura 7.27. Unicidade da perpendicular a uma reta passando por um de seus pontos
73

Diante da demonstração presente na Figura 7.27, os participantes não pareciam


compreender que se tratava de uma demonstração por redução ao absurdo.
Consideraram as representações ali presentes (isto é, as duas perpendiculares à reta r em
P) incompatível com a realidade. Segundo o aluno A12, a dificuldade em compreender o
teorema “foi por causa da ilustração” [Q2, Questão 7]. Outro estudante, o A3, endossou
essa ideia ao dizer que “as figuras fica[ra]m um pouco complicadas para entender” [Q2,
Questão 7]. As demonstrações por contradição provocam, inevitavelmente, tais
incompatibilidades. Os estudantes não haviam compreendido este fato. O investigador
passou alguns minutos falando-lhes a respeito desse tipo de demonstração [DB, 14 de
agosto de 2014]. Dos dezoito estudantes que responderam ao Q2, seis (A3, A12, A15, A27,
A29 e A31) apontaram a demonstração do teorema como a parte menos inteligível da
leitura.
Para o aluno A24, porém, a “deficiência” da HQ consistia na apresentação da
noção de ângulos suplementares: “A exposição do assunto suplemento não é suficiente
para responder [a]os exercícios” [Q2, Questão 7].

Fatores de inteligibilidade

Onze estudantes afirmaram não ter sentido dificuldade alguma diante da leitura
da HQ [A4, A8, A10, A11, A13, A16, A18, A25, A28, A30, A31, Q2, Questão 6]. O aluno A12,

72
Trata-se de uma demonstração por redução ao absurdo.

247
embora não incluído neste grupo, declarou: “Adorei a história em quadrinhos,
professor” [DB, 14 de agosto de 2014]. O investigador indagou aos estudantes o porquê
desta HQ ter sido, aparentemente, mais inteligível que as anteriores. Alguns elementos
foram destacados:
1. Facilidade intrínseca do assunto: “O assunto é fácil e a revista ajuda bastante”
[A18, Q2, Questão 7]. O aluno A10 afirmou não ter sentido dificuldades “pelo fato do
assunto ser fácil e a revista ter abordado o necessário [e] suficiente para aprender” [Q2,
Questão 7].
2. A abordagem utilizada na HQ: “essa história em quadrinhos explicou o
assunto ângulos bem ‘aplausivo73’, não restou dúvida alguma em mim” [A11, Q2,
Questão 7]; “o conteúdo já está bem explicado” [A30, Q2, Questão 7]; “na minha leitura
da HQ consegui absorver o que a HQ passou como exemplo. [Ela] prova todas as
proposições de tal forma que fica claro” [A29, Q2, Questão 7].
3. Linguagem e imagens: “as explicações foram dadas com linguagem de fácil
interpretação, junto com as ilustrações que foram claras e objetivas” [A4, Q2, Questão
7].
4. Conexões com o cotidiano: “a HQ explica o assunto através de coisas do
nosso cotidiano e essa relação fica mais fácil de entender” [A25, Q2, Questão 7].
A despeito da aceitabilidade da HQ4 em sala de aula, um estudante, a saber, o
aluno A20, pontuou: “A HQ tá grande. Acho que ela deveria ser dividida em duas
partes” [DB, 14 de agosto de 2014]. Este estudante não tinha respondido ao questionário
Q1 .

7.7.4 Alterações na HQ

Na opinião dos estudantes, as HQs lhes ajudariam a compreender melhor os


resultados da Geometria Plana, numa perspectiva axiomática, caso apresentassem mais
exercícios propostos. Quinze dos dezoito estudantes que responderam ao questionário
Q2 apresentaram essa sugestão. Ademais, estes mesmos estudantes advogaram pela
permanência das proposições e teoremas seguidos de suas respectivas demonstrações. A
Figura 7.28 apresenta os comentários dos alunos A11, A10, A8 e A27 (nessa ordem, de
cima para baixo), os quais apontam nessa direção.

73
Certamente o discente pretendia dizer "plausível".

248
Figura 7.28. Excerto dos comentários de alunos A11, A10, A8 e A27 acerca da
74

importância da inserção de mais exercícios às HQs

Além da inserção de mais atividades durante ou após a leitura (conforme


apontam os relatos presentes na Figura 7.28), os estudantes teceram alguns comentários
acerca da permanência das demonstrações matemáticas no texto, fizeram comparações
entre a abordagem da HQ e a abordagem dos livros didáticos e emitiram opiniões acerca
da metodologia de aplicação das HQs. Cada um destes aspectos é descrito a seguir.

249
Inclusão de mais exercícios

Os relatos dos alunos A11, A10, A8 e A27 apresentados na Figura 7.28 revelam a
importância que esses atores atribuem à resolução de exercícios no processo de
aprendizagem de geometria. O aluno A11 aponta os exercícios como uma nova
oportunidade de revisitar a exposição teórica dos assuntos. O comentário do aluno A10
remete à ideia da aprendizagem por repetição e, nesse sentido, os exercícios podem ser
fortes aliados. O relato do aluno A8 aponta para a possibilidade de inserir vários
exercícios ao longo do texto ao invés de uma bateria de questões no final. A
aprendizagem, nessa perspectiva, parece ocorrer de forma mais natural e processual. E
por fim, por meio do aluno A27, é apresentada a ideia de que os exercícios destinam-se
mais à preparação do aluno para uma prova do que para a sua formação em um sentido
mais holístico.

Permanência das demonstrações

No que diz respeito à permanência das demonstrações no texto, seguem alguns


comentários:

Os teoremas são a principal ferramenta para a aprendizagem de


geometria plana. [A28, Q2, Questão 4]

(...) teoremas, proposição e suas demonstrações expostos através de HQ é


interessante como introdução do assunto, mas além da HQ também tenha
[deve haver] outro tipo de exposição. [A24, Q2, Questão 4]

Eu acho que os teoremas deveriam ser mais explorados na história em


quadrinhos para que ficassem mais claros. [A3, Q2, Questão 4]

Com os teoremas facilita a compreensão, junto com as demonstrações.


[A15, Q2, Questão 4]

Os dois primeiros comentários partiram de alunos que defendem a inclusão de


mais exercícios na HQ: A28 e A24. O primeiro deles aponta os teoremas como a base
para a aprendizagem em Geometria Plana. O segundo aluno apoia a permanência dos
teoremas nas HQs, mas como ponto de partida para os estudos. A HQ sozinha não é
suficiente, assinala o estudante. É necessário utilizá-la em parceria com outro(s)
instrumento(s) de aprendizagem.

250
Em resposta ao questionário Q2 (à mesma questão apresentada na Figura 7.28),
os alunos A24 e A3 não fizeram referência à entrada de mais exercícios na HQ.
Revelaram-se preocupados com os teoremas em si. Dentre os itens dispostos na questão
retratada na Figura 7.28, estes estudantes assinalaram aquele que se referia à
apresentação das demonstrações de forma mais intuitiva. O aluno A24 defendeu a
entrada de mais aplicações dos teoremas. Somente o aluno A18 não propôs alterações às
HQs: “[Sugiro que fique] do jeito que está, pois todos estão aprendendo e gostando”
[Q2, Questão 4].

Comparação com o livro didático

Dos dezoito estudantes que responderam ao questionário Q2, somente três (A4,
A11 e A31) revelaram preferir a abordagem dada pelos livros didáticos ao assunto
ângulos em detrimento daquela apresentada na HQ. O aluno A16 esteve entre os quinze
estudantes que apresentaram opinião contrária, ou seja, entre aqueles que preferem a
abordagem adotada pela HQ. Segundo este estudante, “ângulo é um assunto de
dificuldade intermediária e estudá-lo por meio de uma HQ é mais interessante do que
através dos livros didáticos usuais” [Q2, Questão 5].

Metodologia da aplicação

Ainda com relação aos estudantes que responderam ao Q2, oito deles
propuseram mudanças na forma de aplicação das HQs: primeiro o professor
(investigador) explica o assuntos em sala de aula e depois aplica as HQs, defendem os
estudantes. Eles não fizeram menção à utilização de outras fontes bibliográficas. Abaixo
seguem os comentários apresentados pelos alunos A4, A11, A12 e A15:

Porque após as explicações do professor em sala, a leitura das revistas,


posteriormente, seria de fácil entendimento. [A4, Q2, Questão 1]
O professor dando uma breve aula sobre os assuntos facilitaria no
entendimento e na aprendizagem [dos assuntos] expostos pela HQ. [A11,
Q2, Questão 1]

Alguns assuntos abordados nas HQs não foram passados para mim no
ensino fundamental ou no ensino médio o que dificulta um pouco o
entendimento [sem as explicações prévias]. [A12, Q2, Questão 1]

251
Os assuntos são meio complicados. Depois que tem uma explicação o
assunto se torna mais fácil. [A15, Q2, Questão 1]

De acordo com os comentários acima, o grau de complexidade dos assuntos


(aluno A15) ou falta de conhecimentos prévios a respeito (aluno A12) exige a antecipação
das explicações do professor (investigador). Desta forma, pontuam A4 e A11, os assuntos
presentes na HQ tornar-se-ão mais inteligíveis. Os alunos A10, A13, A28 e A30 também
defendem a realização da leitura após as explicações do professor (investigador) [Q2,
Questão 1].
A maior parte dos alunos que respondeu ao Q2, porém, advogou pela
manutenção da metodologia utilizada na aplicação das HQs. Neste caso, a leitura das
HQs deve preceder tanto as explicações do professor (investigador) quanto a leitura de
outras fontes bibliográficas. Os motivos que levam os alunos A3, A8, A16, A18, A25 e
A31, A32 a se posicionarem dessa forma são apresentados abaixo:

Eu acho que desta forma está legal, pois a história em quadrinhos acaba
estimulando a leitura. O aluno acaba se envolvendo com o assunto e isso
faz com que ele busque mais o assunto porque acaba sendo legal. [A3,
Q2, Questão 1]

Ao lermos as histórias em quadrinhos sentimos mais vontade em


aprender os assuntos. Por ser uma forma diferente estimula mais a nós
discentes. [A8, Q2, Questão 1].

Fazendo a leitura antes de conhecer outras fontes ajuda a conhecermos de


uma forma lúdica os assuntos. Quando passarmos para a leitura de outras
fontes fica mais fácil entender alguns termos. [A16, Q2, Questão 1]

Porque a HQ é atrativa, explica bem e com o professor aprofundando o


assunto, fazendo e resolvendo questões, está ótimo. [A18, Q2, Questão 1]

Porque ajuda a entender melhor sobre o assunto que será dado, ainda
mais de uma forma dinâmica e associando o assunto ao cotidiano. [A25,
Q2, Questão 1]

Na minha opinião do jeito que está sendo é melhor. Porque quem não
entender lendo sozinho, quando o professor pausa a leitura em
determinado lugar, explica e tira a dúvida de quem tiver para assim
continuar a leitura e tentar compreender a próxima parte. [A31, Q2,
Questão 1]

Com as histórias em quadrinhos e suas ilustrações podemos “viajar” com


nossa imaginação. Forma divertida de aprender assuntos difíceis e exatos
que são os da matemática. Ótima ideia para ser desenvolvida em sala
quando formos professores. [A32, Q2, Questão 1]

252
De acordo com os alunos A16, A18, A25 e A32 as HQs tornam a aprendizagem
dinâmica, lúdica, divertida e atrativa. Quando a narrativa dialoga com o cotidiano dos
sujeitos-leitores ou quando lhes estimulam a imaginação, pontuam A25 e A32,
respectivamente, as HQs tendem a prender a atenção dos estudantes. A motivação para
a aprendizagem não se encerra com a própria leitura das HQs. A partir daí, assinalam os
alunos A3 e A8, os estudantes tendem a galgar voo em direção a outras fontes de
aprendizagem na perspectiva de alargar o conhecimento presente nas HQs. Assim
ocorre a transição de uma leitura mais fácil e atrativa para uma leitura mais densa,
assinala o aluno A16. Contudo, destacam os alunos A18 e A31, a leitura das HQs por si só
não garantem a aprendizagem. É necessário haver a mediação do professor.

7.7.5 Atividades propostas

O oitavo encontro ocorreu na sala 102 do Pavilhão de Aulas do CFP. Estiveram


presentes 26 estudantes. A cada dupla foram entregues duas atividades. Não eram
necessariamente as mesmas duplas formadas no encontro anterior. O investigador
comunicou-lhes que só poderia esclarecer as dúvidas pontuais tendo em vista que o
objetivo da atividade era identificar a aprendizagem por meio da leitura da HQ.
Entregou-lhes também uma cópia da HQ para que pudessem consultá-la, caso
necessário. Além disso, solicitou-lhes  mais uma vez e agora oralmente 74  a
autorização para realizar alguns registros fotográficos. Não houve objeções.
Um problema se mostrou recorrente durante a realização das atividades. Na
primeira questão, muitos estudantes estavam considerando as hipóteses como se fossem
tese(s) do problema. Ao perceber o mal entendido, o investigador procedeu com os
esclarecimentos [DB, 20 de agosto de 2014]. Após estes esclarecimentos os estudantes
passaram a resolver as questões. Enquanto eles construíam as suas justificativas, o
investigador os registrava através de sua máquina fotográfica. A Figura 7.29 contém
dois destes registros.

74
A primeira solicitação para a realização de registros fotográficos foi feita através do TCLE.

253
Figura 7.29. Estudantes respondendo à primeira atividade proposta ao final da HQ4
75

A Figura 7.29 expressa o envolvimento dos estudantes com a resolução da


questão. Todas as treze duplas presentes conseguiram justificar de forma coerente as
suas respostas.

Raciocínio geométrico

A Figura 7.30 traz o excerto das soluções apresentadas pelas duplas A11 e A20,
A3 e A15, A7 e A17 à primeira questão. O registro fotográfico que aparece na Figura 7.30
foi obtido enquanto os alunos A11 e A20 redigiam a resposta da atividade.

Figura 7.30. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A11 e A20, A3 e A15, A7 e
76

A17 à primeira questão proposta ao final da HQ4

254
As respostas apresentadas na Figura 7.30 demonstram que os estudantes
assimilaram de forma correta os conceitos de bissetriz de um ângulo e de ângulos
complementares necessários à resolução da atividade. Ademais, os discentes souberam
usar as hipóteses de forma sequencial e organizada tendo em vista e resolução do
problema. Os textos estão bem escritos e revelam a existência do raciocínio geométrico
do tipo FD. Esse tipo de raciocínio foi identificado nas respostas apresentadas por um
total de onze duplas dentre as treze que resolveram a atividade.
As duplas A12 e A27, A4 e A13 também utilizaram o raciocínio dedutivo, mas a
forma de apresentação das respostas possuem aspectos a melhorar conforme se pode ver
por meio da Figura 7.31. O raciocínio presente nestas respostas será classificado aqui
como FDm. A imagem que aparece no topo da Figura 7.31 refere-se aos alunos A4 e
A13.

Figura 7.31. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A4 e A13, A12 e A27 à
77

primeira questão proposta ao final da HQ4

A falta de uso da linguagem materna na resolução apresentada pelos alunos A12


e A27 (Figura 7.31) destinou ao interlocutor a tarefa de identificar o uso de cada uma das
hipóteses do problema. Os alunos A4 e A13 em alguns momentos também
“economizaram” em explicações. Segundo estes alunos, como “SOE é bissetriz [de]
DÔF esse ângulo mede 50 o” [A4 e A13, HQ4, AP1]. Faltou-lhes acrescentar: pois DÔF =
DÔE + EÔF e, por hipótese, EÔF = 25o. A4 e A13 não foram cuidadosos na apresentação
dos argumentos (possivelmente por julgar suficiente a presença de alguns destes na
255
figura que acompanha a atividade). É necessário, porém, “inserir” a figura no texto
traduzindo em palavras as informações nela prestadas.
A segunda atividade referia-se ao cálculo do perímetro de um pentágono.
Envolvia também o uso do conceito de diagonal e de triângulo equilátero. Durante a
resolução atividade, alguns discentes se atrapalharam com o conceito de diagonal. Uma
das diagonais do pentágono era, aparentemente, paralela a um dos lados deste polígono.
Isso foi o suficiente para levar estes estudantes a imaginar que não se tratava de uma
diagonal. O investigador pediu-lhes que lessem, novamente, a definição de diagonal
presente na HQ. De acordo com a definição, uma diagonal de um polígono é qualquer
segmento de reta com extremidades em vértices não consecutivos do polígono. A partir
daí, o pesquisador perguntou-lhes se o segmento de reta que gerou a dúvida satisfazia
ou não a esta definição. Disseram-lhe que sim. [DB, 20 de agosto de 2014].
Ainda sobre o conceito de diagonal, os alunos A22 e A31 perguntaram ao
investigador se o comprimento da diagonal mencionada no parágrafo anterior deveria
ser computado no cálculo do perímetro do pentágono. O investigador sugeriu a estes
participantes a realização de uma nova leitura da página da HQ que trata de perímetro
de um polígono. Após refazerem a leitura, o investigador retomou a questão:

PE: O segmento EC [a diagonal paralela a um dos lados] é um dos lados


do pentágono?
A22: Não.
A31: Não.
PE: A sua medida deve ser utilizada no cálculo do perímetro?
A22: Não.
A31: Não.
Das treze duplas que estiveram presente, três não responderam à segunda
questão. A essas duplas será associado o raciocínio geométrico do tipo EC. Um única
dupla apresentou raciocínio geométrico do tipo FDm. O excerto da resolução
apresentada por estes alunos, a saber, A22 e A31, aparece na Figura 7.32.

256
Figura 7.32. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A22 e A31 à segunda questão
78

proposta ao final da HQ4

É possível perceber, a partir da Figura 7.32, que os alunos A22 e A31 haviam
compreendido os conceitos de diagonal de um polígono e sabiam que se tratava de um
triângulo equilátero. Encontram, corretamente, as medidas dos lados do pentágono e o
fizeram seguindo uma lógica dedutiva. Entretanto, não finalizaram a resolução. Não
apresentaram o valor do perímetro do polígono.
As demais nove duplas responderam de forma completa à atividade. Utilizaram
de forma adequada as hipóteses e demonstraram compreender os conceitos necessários
à resolução da atividade: diagonal de um polígono, classificação de triângulos quanto às
medidas dos lados, perímetro de um polígono. A Figura 7.33 apresenta o excerto das
resoluções apresentadas pelas duplas A7 e A17, A16 e A18, A12 e A27. Há também um
registro fotográfico obtido enquanto uma destas duplas desenvolvia a atividade.

Figura 7.33. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A7 e A17, A16 e A18, A12 e
79

A27 à segunda questão proposta ao final da HQ4


257
Os alunos A16 e A18, ao contrário dos outros cujas resoluções aparecem na
Figura 7.33, encontraram o número de diagonais sem recorrer à fórmula que permite
obtê-lo a partir do número de lados do polígono. Estes estudantes optaram por traçar as
diagonais na figura que aparece anexada à atividade. As outras duas duplas obtiveram o
número de diagonais das duas formas. À parte este detalhe e a forma como cada dupla
apresentou, por escrito, as justificativas, em todas as resoluções pode-se perceber a
presença do raciocínio do tipo FD. As outras seis duplas que responderam a atividade e
cujos excertos das resoluções não aparecem neste texto também apresentaram raciocínio
do tipo FD.
Os tipos de raciocínio geométrico identificados nas soluções apresentadas pelos
estudantes aparecem no Gráfico 7.7.

Gráfico 7.7. Tipo de raciocínio geométrico dos estudantes verificado nas


7

respostas às atividades propostas na HQ4

O Gráfico 7.7 mostra a predominância do raciocínio geométrico do tipo FD nas


resoluções atribuídas pelos estudantes às questões propostas ao final da HQ4. Os
raciocínios do tipo SD e IN não foram encontrados em nenhuma das respostas.

258
Linguagem

O excerto das soluções retratadas na Figura 7.30 revela a presença de uma


articulação plausível entre as linguagens materna e simbólica realizada pelos alunos A11
e A20, A7 e A17. A única falha verificada reside no emprego inadequado da palavra
“analogamente” na solução apresentada pela primeira dupla. No momento em que a
palavra foi utilizada dever-se-ia empregar alguma palavra que completasse a relação de
causa-efeito iniciada pela palavra “como” utilizada anteriormente pelos estudantes no
texto. Faltou aos estudantes a compreensão semântica da palavra utilizada. A utilização
correta de algumas palavras no texto (incluindo preposições e conectivos) se revelou
como um pequeno problema para outros estudantes. Os alunos A26 e A28, em certo
momento, escreveram: “BÔC também possui 80 graus” [HQ4, AP1], sem que aparecesse
anteriormente, em sua resolução, ângulo algum com medida igual a 80 graus. A palavra
também foi usada indevidamente. Na solução apresentada pelos alunos A16 e A18
aparece: “BÔC tem medida de 80 o” [HQ4, AP1]. A preposição de deve ser substituída
por igual a. Estes mesmos estudantes, no final da resolução, escreveram: “o ângulo
AÔF forma um ângulo raso, no entanto sabe-se que ele tem 180 o” [HQ4, AP1]. A
conjunção adversativa no entanto é incompatível com a mensagem que pretendem
transmitir. Pode ser substituída por ou seja.
A solução apresentada pelos alunos A3 e A15, presente na Figura 7.30, contém
pequenos problemas quanto à utilização da ferramenta simbólica associada a ângulos. O
fato de, nas HQs, adotar-se a mesma ferramenta para designar tanto o ângulo quanto a
sua medida pode ter provocado algumas confusões. Ao escrever “logo o ângulo DÔF =
25 o” [A3 e A15, HQ4, AP1], os estudantes acabaram dizendo “logo o ângulo DÔF é igual
a 25 o”. Um ângulo não pode ser igual a “25 o”. Este valor refere-se à medida do ângulo.
Esse pequeno deslize pode ser evitado escrevendo-se: “logo, DÔF = 25o” (nesse caso, a
notação está sendo diretamente empregada com sentido de medida do ângulo) ou “logo,
a medida do ângulo DÔE é igual a 25 o”. Confusões dessa mesma natureza foram
cometidas por outras duplas. Os alunos A1 e A9 escreveram: “sabemos que o ângulo
FÔD + AÔB = 90o” [HQ4, AP1]. Nesse caso, como “FÔD” e “AÔB” estão sendo
empregados para designar as medidas dos ângulos e não os ângulos em si, os estudantes
deveriam ter escrito: “sabemos que FÔD + AÔB = 90o”. Os alunos A19 e A24
escreveram: “sendo assim o ângulo EÔF = 25o” [HQ4, AP1]. Nesse caso, seria mais
apropriado ter escrito “sendo assim, EÔF = 25 o” ou “sendo assim, a medida do ângulo
259
EÔF é igual a 25o”. Os alunos A6 e A8 escreveram: “a medida do DÔF = 50 o” [HQ4,
AP1]. Usaram a linguagem escrita da mesma forma que o fazem oralmente (neste último
caso, onde está escrito “DÔF = 50 o” diz-se “ângulo DÔF é igual a cinquenta graus”).
Seria mais apropriado ter escrito: “a medida do ângulo DÔF é igual a 50o” ou,
simplesmente, “sabendo que DÔF = 50o”. Os alunos A1 e A9 também cometeram algum
deslize. Escreveram “EÔD tem um ângulo de 25 o” [HQ4, AP1], onde pretendiam dizer
que o próprio ângulo EÔD tem medida igual a 25o. A raiz destes problemas pode
consistir no emprego de uma mesma notação com mais de um significado (como é o
caso da notação para ângulos e suas medidas) ou na dificuldade dos estudantes em
articular, no mesmo texto, a língua materna e a linguagem simbólica.
Como se pode ver na Figura 7.31, os alunos A12 e A27 privilegiaram a linguagem
simbólica. Utilizaram-na de forma correta. Entretanto, a ausência da linguagem materna
fez com que a utilização das hipóteses não fosse claramente sinalizada. Os alunos A4 e
A13 (cujas soluções também aparecem na Figura 7.31) cometeram dois deslizes,
pequenos, quanto ao uso da linguagem matemática:
1. Utilizaram, em um dado momento, a ferramenta simbólica comumente
utilizada para designar os números ordinais, isto é, "o” ao invés daquela
convencionalmente adotada para designar a medida de um ângulo em graus, “o”. Alguns
alunos, a exemplo de A26 e A28, também evitaram o uso desta última ferramenta
simbólica. Nesse caso, substituíram-na, de forma correta, pela palavra “graus”: “Se
DÔF tem 50 graus”, “BÔC também possui 80 graus”, “FÔE = 25 graus” [HQ4, AP1].
2. Referiram-se à soma das medidas dos ângulos como a soma dos ângulos.
Neste contexto, a operação de soma é realizada entre os números que representam as
medidas dos ângulos. Deve-se dizer “soma das medidas”. Os alunos escreveram: “a
soma de todos os outros ângulos formam um ângulo de 170 o” [HQ4, AP1]. Esta pequena
falha é encontrada nas respostas dadas por outros estudantes: “a soma de todos os
ângulos” [A6 e A8, HQ4, AP1]; “a soma dos dois ângulos é igual a 90 o” [A29 e A31, HQ4,
AP1]. Os alunos A16 e A18, porém, são mais cuidadosos neste sentido. Na resolução
apresentada por eles aparece: “a soma das medidas destes ângulos (...)” [HQ4, AP1].
Em alguns momentos (poucos) os alunos A4 e A13 recorreram à linguagem oral.
Este fato não constitui um erro apenas distancia, momentaneamente, o texto do
formalismo das produções textuais matemáticas. Ao escreverem “CÔD vale 10 o” [HQ4,
AP1], os alunos empregam o verbo valer com sentido de medir. Outros alunos, a saber,
A16 e A18, também empregaram outro verbo atribuindo-lhe o sentido de medir, neste
260
caso, o verbo ter: “logo o ângulo DÔF tem 50 o” [HQ4, AP1]. Ambas as soluções não
estão incorretas, apenas observa-se nelas uma forma de escrever levemente influenciada
pela comunicação oral.
Das treze duplas, cinco apresentaram soluções sem problema algum no uso da
linguagem75. Em quatro destas soluções as linguagens verbal e simbólica aparecem
articuladas (A22 e A31; A2 e A14; A7 e A17; A11 e A20) e em uma única solução recorre-se
apenas à linguagem simbólica (A12 e A27).
No que se refere à segunda questão, a despeito de não finalizarem a atividade, os
alunos A22 e A31 utilizaram adequadamente a linguagem matemática conforme pode ser
verificado a partir do excerto retratado na Figura 7.32. Apenas a inserção da frase
“aplicamos a fórmula” ao final do texto, ao invés do início quando aparece o número de
diagonais do polígono revela-se inadequada. Além disso, ao escrever “Se é igual a
número de diagonais então temos d = 5...” seria mais apropriado ter escrito: “Se d é
igual ao número de diagonais temos d = 5...”. Apesar destes detalhes o texto não deixou
de ser inteligível.
A linguagem matemática também aparece de forma satisfatória no texto
produzido pelos alunos A7 e A17 (Figura 7.33). Estes estudantes utilizaram de forma
adequada as ferramentas simbólicas e apenas dois registros, no uso da linguagem
materna, precisam ser retificados. Sabe-se que o triângulo CDE é equilátero, por
hipótese. As medidas dos seus lados não são apresentadas a priori. Portanto há uma
pequena falha dos estudantes ao mencionarem que “CDE é um triângulo equilátero por
ele ter os lados de mesma medida”. Seria mais adequado escrever: “CDE é um triângulo
equilátero, por hipótese, logo ele tem os três lados de mesma medida”. Outro registro
passível de alternações ocorre no final do texto quando os estudantes escreveram:
“Somando os lados”. Conforme já assinalado neste texto, é mais adequado dizer
“somando as medidas dos lados”. A confusão entre lado e a sua medida aparece nas
respostas de outros estudantes: “é um triângulo equilátero então quer dizer que tem três
lados iguais” [A3 e A15, HQ4, AP2]; “para saber o valor do perímetro fazemos a soma de
todos os lados do pentágono...” [A2 e A10, HQ4, AP2]. Uma falha um pouco mais grave
é cometida pelos alunos A11 e A20: “Todos triângulo equilátero tem lados iguais” [HQ4,
AP2]. Novamente, a expressão “lados iguais” está sendo utilizada para dizer que as
medidas dos lados são iguais. Além do deslize na concordância nominal (“Todos os

75
Todas as respostas seguiram uma lógica dedutiva.

261
triângulos equiláteros”), a utilização da palavra “todos” pode dar margem a
interpretações equivocadas. Uma interpretação literal pode conduzir à ideia de que as
medidas dos lados de um triângulo equilátero além de serem iguais entre si serão iguais
às medidas dos lados de quaisquer outros triângulos equiláteros. A forma correta como
os estudantes responderam a atividade revela que de fato eles sabem de que se trata um
triângulo equilátero. Apenas, ao transporem o pensamento para o papel incorrem em
algumas dificuldades de expressão. Nem todos os participantes, porém, confundiram
lado do polígono com a sua medida: “CDE é um triângulo equilátero logo as medidas
dos lados são iguais” [A4 e A13, HQ4, AP2].
Nas respostas apresentadas por seis duplas não há erro algum quanto ao uso da
linguagem76. Duas destas respostas, apresentadas pelos alunos A16 e A18, A12 e A27, são
retratadas na Figura 7.3377. No primeiro caso, assiste-se a uma articulação mais
harmoniosa entre as linguagens simbólica e materna. No segundo, percebe-se uma
predileção da primeira com relação à segunda.
Não obstante os pequenos deslizes cometidos nos textos apresentados pelos
alunos, em todas as soluções apresentadas percebe-se um esforço em justificar cada
procedimento adotado. Em todas as soluções, os alunos utilizaram a imagem do
pentágono presente no texto onde traçaram as diagonais e assinalaram as medidas dos
lados deste polígono na medida em que as mesmas eram encontradas. Assim, percebe-
se, durante a resolução da atividade, a articulação entre os três tipos de linguagem:
icônica, simbólica e materna.

Definições

A compreensão da definição de bissetriz e de ângulos complementares foi


necessária à resolução da primeira atividade proposta. As soluções apresentadas
revelaram que todos os estudantes compreenderam ambas as definições. Alguns deles,
porém, ao tentar expressá-la no texto cometeram pequenas falhas. Abaixo seguem as
definições atribuídas pelos alunos A6 e A8, A10 e A30 ao conceito de ângulos
complementares:

76
Em todas as respostas foi identificada a presença do raciocínio dedutivo.
77
As outras duplas cujas respostas não apresentaram problemas quanto ao uso da linguagem matemática
foram: A22 e A31, A6 e A8, A4 e A13, e A10 e A30.

262
Ângulos complementares são ângulos cuja soma é igual a 90o [A6 e A8,
HQ4, AP1]

Ângulos complementares são aqueles que a soma é igual a 90 o [A10 e


A30, HQ4, AP1]

As definições apresentadas acima não comprometem o sentido dado aos ângulos


complementares. Pecam apenas na inobservância ao fato de que soma é, neste contexto,
uma operação realizada entre as medidas dos ângulos.
Os alunos A10 e A30, durante a resolução da atividade, apresentaram a definição
de bissetriz de um ângulo:

Bissetriz é a semirreta que corta o ângulo ao meio [A10 e A30, HQ4, AP1]

A definição acima revela que os alunos compreenderam o conceito de bissetriz e


que tentaram expressá-lo da forma que lhes parece familiar. A definição dos estudantes
sobressai-se pela independência das ferramentas simbólicas. Verifica-se, por outro lado,
uma tendência a aproximar-se da coloquialidade na linguagem. Ao dizer “corta o ângulo
ao meio”, os estudantes pretendiam dizer “divide o ângulo em dois outros de mesma
medida”.
A partir das resoluções apresentadas pelos estudantes à segunda questão, não há
dúvida de que esses atores sabem que um triângulo é dito equilátero quando, e somente
quando, os seus três lados têm medidas iguais. Contudo, alguns deles, ao tentar
apresentar tal definição cometeram pequenos deslizes: “triângulo equilátero é aquele
que possui três lados iguais”, assinalaram os alunos A10 e A30 [HQ4, AP2]. Ao se
referirem a este mesmo tipo de triângulo, os alunos A6 e A8 pontuaram que: “todos os
ângulos e medidas iguais” [HQ4, AP2]. No primeiro caso, faltou apenas inserir a
expressão “de medidas” entre as duas últimas palavras usadas pelos estudantes. No
segundo caso, além de utilizarem uma informação supérflua, desnecessária (a
congruência entre os ângulos), faltou também referir-se de forma direta às medidas dos
lados. Este foi um problema recorrente nas respostas apresentadas pelos estudantes.
A definição de perímetro de um polígono foi bem utilizada pelos estudantes.
Uma dupla, apesar de utilizar o conceito de forma correta, apresentou uma definição
passível de alguns ajustes: “perímetro é a soma de todos os lados”. Novamente falta a
referência às medidas dos lados, as quais aparecem de forma implícita no texto.
Ademais, a palavra “perímetro” (assim como a palavra diagonal) pede um
complemento: “perímetro de um polígono”. De qualquer forma, a definição apresentada

263
pelos estudantes aproxima-se substancialmente do conceito. Não dá margem a
interpretações dúbias.

7.7.6 Triangulação dos dados

A seguir são sumarizadas algumas informações coletadas através da aplicação da


HQ4. Reuni-las aqui permite a construção de uma visão panorâmica, ainda que
simplificada, dos impactos da aplicação da HQ. Os dados apresentados foram
recolhidos por meio das discussões realizadas em sala de aula, das respostas atribuídas
pelos participantes ao questionário Q2 e por meio das respostas às atividades propostas
ao final da HQ. A Figura 7.34 reúne tais informações.

Figura 7.34. Triangulação dos dados relacionados à HQ4


80

A Figura 7.34 aponta a compreensão da prova da unicidade da perpendicular a


uma reta passando por um de seus pontos como o ponto de maior dificuldade durante a
leitura da HQ. Com efeito, a representação imagética de duas perpendiculares dificultou
a compreensão dos discentes. Custou-lhes a perceber que “tal incongruência” era fruto
do tipo de demonstração utilizada: redução ao absurdo. Foi necessária a intervenção do
pesquisador com os devidos esclarecimentos a respeito. À parte isso, o resto da leitura
ocorreu de forma tranquila [DB].
O resultado apontado no parágrafo anterior também foi identificado pelos
participantes no Q2 como aquele menos inteligível a partir da leitura. Os demais
264
assuntos foram apontados como inteligíveis devido ao seu baixo grau de complexidade,
à linguagem utilizada na HQ, às imagens e às relações com o cotidiano. Ainda assim,
com o intuito de melhorar ainda mais a compreensão e o aprofundamento dos assuntos
presentes na HQ, os alunos propuseram a inserção de mais atividades ao longo da
história [Q2].
As resoluções apresentadas pelos estudantes às atividades propostas
corroboraram a compreensão de vários conceitos presentes na revista: ângulos
complementares, bissetriz de um ângulo, diagonal e perímetro de um polígono,
classificação de triangulos quanto às medidas dos seus lados. A maior parte dos
estudantes resolveu as atividades segundo um raciocínio formal-dedutivo. Cometeram
pequenos deslizes na articulação entre as linguagens simbólica e materna. De modo
geral, as respostas estavam bem escritas.

7.8 Aplicação da HQ5

O nono encontro ocorreu na sala 102 do pavilhão de aulas do CFP. O


investigador iniciou as atividades desenhando na lousa branca três triângulos
congruentes, um de cor preta, outro em azul e o terceiro, em vermelho. “O que podemos
dizer acerca desses três triângulos?”, perguntou o investigador aos estudantes. Estes
últimos responderam: “São triângulos iguais”. Diante da resposta dos participantes, o
investigador explicou-lhes que, enquanto conjunto de pontos, não se tratavam de
conjuntos iguais, pois não eram constituídos pelos mesmos pontos. Por outro lado, cada
triângulo poderia ser entendido com uma cópia dos outros, disse-lhes. Se qualquer um
dos triângulos pudesse ser deslocado e sobreposto sobre qualquer um dos outros dois,
haveria uma posição em que não sobraria e nem faltaria ponto algum na sobreposição.
Em outras palavras, um triângulo se encaixaria perfeitamente sobre o outro, comentou o
investigador. Nesse caso, diz-se que os triângulos são congruentes, acrescentou [DB, 22
de agosto de 2014].
Passando da abordagem intuitiva para o tratamento mais formal, o pesquisador
disse aos participantes que dois triângulos são congruentes se, e somente se, os lados e
os ângulos de um deles admitem correspondentes congruentes no outro. Assim, para
que a congruência entre dois triângulos seja verificada é necessário e suficiente garantir
a existência de seis igualdades (congruências): três referentes aos lados e três referentes
aos ângulos internos dos triângulos. O pesquisador informou aos estudantes que um dos
265
objetivos da HQ5 era reduzir esse trabalho transformando a análise de seis itens na
verificação de apenas três deles. As três condições mínimas que precisam ser
verificadas para se garantir a congruência de triângulos são chamadas de casos de
congruência de triângulos, acrescentou o investigador [DB, 22 de agosto de 2014].
Os alunos se organizaram em duplas e a cada uma delas foi entregue uma cópia
da HQ5. O pesquisador explicou-lhes que durante a leitura da HQ ele poderia ser
consultado à medida que surgissem as dúvidas.
Algumas duplas, como A10 e A26, tentaram resolver à questão proposta na secção
PPPRSL antes de realizarem a leitura da HQ. Diante disso, o investigador reiterou a
necessidade de que a resolução da atividade ocorra somente após a leitura das primeiras
páginas da HQ5. A postura desses participantes – que tentaram inverter a ordem –
demonstra que muitos deles preferem resolver questões a dedicar-se à leitura e
compreensão da fundamentação teórica. A atividade presente em PPPRSL envolvia
elementos numéricos o que atendia à preferência de muitos participantes. Esta atividade
será comentada ao longo deste texto.

7.8.1 Primeira parte da leitura

Muitos estudantes sentiram dificuldades em compreender a demonstração do


caso de congruência Ângulo-Lado-Ângulo (ALA): “Considere dois triângulos ABC e
DEF tais que AB  DE , o ângulo  é congruente ao ângulo D̂, e o ângulo B̂ é

congruente ao ângulo Ê , então ABC  DEF ”. As dificuldades residiram no fato da


demonstração envolver a construção de um triângulo auxiliar que no final se revelaria
congruente a um dos dois triângulos da hipótese da proposição. Era a primeira vez que
os estudantes se deparavam com uma demonstração dessa natureza. Uma demonstração
que dependia da construção de um objeto complementar. Dados os triângulos ABC e
DEF, marca-se na semirreta SAB um ponto G de tal forma que os segmentos AG e DF
sejam congruentes conforme assinala a Figura 7.35. Desta forma, aparece um triângulo
auxiliar, a saber, o triângulo ABG.

266
Figura 7.35. Excerto da demonstração do caso de congruência ALA
81

Demonstração por construção. Ao se referir à demonstração cujo excerto


aparece na Figura 7.35, o aluno A11 pontuou:

Oxe, por que esse G está aqui? Esse lado [apontando para o lado AG no
triângulo ABG] nunca vai ser igual ao daquele [o lado DF do triângulo
outro triângulo do triângulo DEF]. [A11, E2]

As hipóteses da proposição aliadas ao caso de congruência Lado-Ângulo-Lado


(LAL), apresentado na HQ como axioma, permitem ao seu leitor concluir que os
triângulos ABG e DEF são congruentes. E, ao final da demonstração, conclui-se que os
pontos C e G coincidem. Mas até lá, os estudantes tiveram dificuldades em
compreender a demonstração:

É isso que atrapalha porque o ponto G é exatamente o ponto C que está


no triângulo. Aí talvez desenhos separados poderiam melhorar porque o
ponto G é marcado no mesmo triângulo que tava a semirreta. Isso
atrapalha um pouco. [A10, E2]

Acho que só foi a confusão mesmo na hora de você olhar a figura assim e
ler... olhando assim, a figura, você se confunde, entendeu? Está vendo o
ponto G e o ponto C ali. Achei confuso. [A13, E2]

Ao prosseguir na leitura, o aluno A11 passou a entender o propósito da


construção:

Ele [o autor da HQ] está supondo que o [ponto] G está aqui [mostra com
o dedo indicador a posição do ponto na figura] pra depois ele dizer que
esse lado [lado AG do triângulo ABG] é igual a esse lado [lado DF do
triângulo DEF] (...) vai chegar a conclusão [de] que G não está naquele
ponto que ele colocou. Vai estar coincidindo a outra reta [por outra reta,
ler-se “segmento de reta”]. [A11, E2]

267
Após os esclarecimentos do investigador, os estudantes avançaram na leitura
parecendo compreender melhor a demonstração. A leitura da HQ não foi suficiente. O
investigador precisou intervir [DB, 22 de agosto de 2014].

Ferramentas simbólicas

Ao apresentar aos discentes a ferramenta simbólica utilizada na HQ para


designar um par de triângulos congruentes, o investigador chamou-lhes a atenção para o
fato de a mesma diferir daquelas comumente utilizada nos livros didáticos (adotou a
representação “=” ao invés de “”). A despeito destes esclarecimentos, a utilização da
primeira ferramenta simbólica em detrimento da segunda encarregou-se de gerar
algumas confusões na cabeça de alguns discentes. Estes últimos se reportavam às
expressões do tipo AB  CD como: “o segmento AB é igual ao segmento CD” [DB, 22
de agosto de 2014]. Rigorosamente, enquanto conjuntos de pontos, esses segmentos não
são necessariamente iguais. O mais apropriado seria dizer que “o segmento AB é
congruente ao segmento CD” ou que “a medida do segmento AB é igual à medida do
segmento CD”. O investigador ponderou que talvez fosse melhor ter escolhido, na
representação de congruência, a ferramenta simbólica mais usual, pelo menos no que
tange os livros adotados na educação básica (ou seja, “”). Não o fez para que as
ferramentas simbólicas adotadas nas HQs não diferissem daquelas utilizadas no livro
didático do qual extraía, enquanto professor, os demais exercícios que complementam
àqueles propostos nas HQs, a saber, a obra de Barbosa (2006).

Definições

O estudo dos triângulos isósceles sucedeu o caso de congruência ALA. A


princípio foi dada a classificação de triângulos quanto às medidas de seus lados e, em
seguida, foi demonstrada a proposição que garante a congruência entre os ângulos da
base de um triângulo isósceles. Abaixo seguem as definições apresentadas pelos alunos
A13 e A22 para os triângulos isósceles:

Os lados [são] iguais [congruentes] e as bases diferentes. [A13, E2]

Triângulos que têm dois lados iguais [congruentes]. [A22, E2]

268
A definição apresentada pelo aluno A13 remete à ideia de que os triângulos
isósceles e os triângulos equiláteros pertencem a conjuntos disjuntos. Ao dizer que “as
bases são diferentes”, o aluno A13 tenta dizer que a medida da base de um triângulo
isósceles difere das medidas dos outros dois lados. Ademais, o estudante utiliza um
conceito sem defini-lo: base do triângulo isósceles. A definição apresentada pelo aluno
A22 está em consonância com a definição apresentada na HQ. Tratar os triângulos
equiláteros como casos particulares de triângulos isósceles decorre de uma escolha feita
por cada autor de livro didático ou pelo próprio professor. O próprio aluno A22 ao
apresentar este tipo de definição parece não ter refletido a respeito. Não percebeu que a
definição que apresentou confere certo grau de liberdade à medida do terceiro lado do
triângulo, podendo ser igual ou diferente dos demais:

No caso da base do triângulo isósceles, penso que seja a menor parte...


nem sempre vai ser a menor parte... vai ser diferente, não é isso? [A22,
E2 ]

Ao perguntar ao investigador se a base do triângulo isósceles “vai ser diferente”


dos demais lados do triângulo (referindo-se às medidas), o aluno A22 aproxima-se da
ideia de partição entre triângulos isósceles e triângulos equiláteros. Entretanto, a
definição que este mesmo estudante havia apresentado (possivelmente à luz daquela que
aparece na HQ78) aproxima estes tipos de triângulos.
Sobre o posicionamento adotado na HQ a esse respeito, o aluno A10 destacou:

(...) o triângulo equilátero é isósceles e nem todo isósceles é equilátero.


Isso tá bem compreendido sobre os estudos dos triângulos. [A10, E2]

Sobre os triângulos isósceles, a primeira parte da HQ contemplou a definição e a


congruência entre os ângulos da base. Esta última propriedade foi facilmente recordada
pelos alunos A11 e A13 quando, ao se referirem aos triângulos isósceles, durante a sessão
de entrevista E2, pontuaram que: “os dois ângulos da base vai ser iguais” [A11, E2]; os
“ângulos da base são iguais” [A13, E2]. Esta propriedade revelou-se necessária à
resolução da atividade proposta na secção PPPRSL.

78
“Se o triângulo possuir dois lados de mesmo tamanho o chamaremos de triângulo isósceles”, diz um
dos personagens da HQ referindo-se a um triângulo qualquer.

269
7.8.2 Seção PPPRSL

A atividade proposta na seção PPPRSL contempla o assunto congruência de


triângulos, ângulos suplementares e a congruência entre os ângulos da base de um
triângulo isósceles. A partir de algumas informações dadas, os estudantes deveriam
obter a medida de um determinado ângulo conforme se pode ver por meio da Figura
7.36. A despeito da não obrigatoriedade de justificação nas respostas, oito das quinze
duplas que responderam a atividade registraram os valores dos ângulos e apresentaram
sinalizações referentes aos lados congruentes na figura que acompanham a questão. A
Figura 7.36 traz um desses registros presente na folha de resposta entregue pelos alunos
A16 e A18.

Figura 7.36. Sinalizações deixadas pelos alunos A16 e A18 na questão proposta em
82

PPPRSL na HQ5

Todas as quinze duplas que responderam a atividade retratada na Figura 7.36


assinalaram a alternativa correta na primeira tentativa. A congruência entre os ângulos
da base de um triângulo isósceles e o caso de congruência ALA foram aplicados
corretamente.

270
7.8.3 Segunda parte da leitura

Uma das dúvidas levantadas com a retomada da leitura, após a secção PPPRSL,
residiu no fato da altura relativa a um dos lados de um triângulo nem sempre passar pela
região plana limitada pelo triângulo (interior da região triangular). O investigador
percebeu que alguns estudantes (A4, A22, A30, A31) não sabiam traçar ou identificar a
altura relativa a qualquer um dos lados de um triângulo obtusângulo. As figuras que lhes
foram apresentadas ao estudar a altura de triângulos na educação básica reportavam-se
quase que exclusivamente a triângulos acutângulos ou, nos demais casos, não
precisaram considerar qualquer das alturas. O investigador pediu-lhes que relessem a
definição de altura de triângulo e a partir daí esclareceu as dúvidas levantadas [DB, 22
de agosto de 2014].
O aluno A7 teve dificuldade em compreender a figura onde estavam destacadas,
simultaneamente, a mediana, a bissetriz e altura relativas a um lado de um triângulo (ver
Figura 7.37). Pediu ao investigador que comentasse a respeito. O investigador retomou
a definição de cada um destes segmentos (semirreta, no caso da bissetriz) para explicar-
lhe o que tornava CD, CE (na verdade, SCE) e CF, respectivamente, mediana, bissetriz e
altura do triângulo ABC relativas ao lado AB (Figura 7.37). Reiterou que, de modo
geral, esses segmentos são diferentes, exceto quando se referem à base de um triângulo
isósceles [DB, 22 de agosto de 2014].

Figura 7.37. Relações entre mediana, altura e bissetriz relativas à base de um triângulo
83

isósceles

Segundo aluno A11 a tirinha retratada na Figura 7.37 deveria ser alargada com a
inserção de mais exemplos relacionados aos conceitos ali presentes:

271
(...) mas faltou um pouco de exemplo, faltou um pouco chamar bem
atenção nesse caso porque é um caso muito importante. Porque às
vezes... Tem algum triângulo e a altura vai ser igual à bissetriz, vai ser
igual com o triângulo isósceles. [A11, E2]

A despeito de propor mudanças na abordagem presente na HQ, o aluno A11


parece ter compreendido as relações estabelecidas entre mediana, altura e bissetriz
relativas à base de um triângulo isósceles conforme pode ser verificado a seguir.
Ao fazerem referência aos triângulos isósceles, os alunos A11 e A22 destacaram
que:

(...) a bissetriz vai ser igual à altura, na mesma base desse triângulo
isósceles, e vai ser igual a mediana. [A11, E2]

A mediana, a bissetriz e altura [relativas à base]... elas coincidem com a


mesma reta. [A22, E2]

O aluno A22 falhou em não mencionar que a mediana, bissetriz e altura às quais
se refere dizem respeito à base do triângulo isósceles. O aluno A11 não negligencia esta
informação. De fato, a mediana, a bissetriz e a altura relativas a um lado qualquer de um
triângulo isósceles serão coincidentes se, e somente se, tratar-se de um triângulo
equilátero. Ademais, o aluno A22 utilizou equivocadamente a palavra “reta” ao invés de
“segmento de reta”.
A inobservância quanto à igualdade entre bissetriz, altura e mediana referentes à
base de um triângulo isósceles também apareceram no comentário proferido pelo aluno
A10. Ao contrário dos alunos A11 e A22, o A10 disse ao pesquisador que tal igualdade
ocorre em “um triângulo reto” [A10, E2]. Só após o pesquisador mostrar-lhe o trecho da
HQ que trata desta questão, o estudante começou a rever a forma equivocada como
havia assimilado o conteúdo [E2]:

A10: Eu achava que a mediana era sempre a bissetriz.


PE: Isso realmente pode acontecer, mas em certa situação. Qual situação
é essa, você se lembra?
A10: Acho que é um triângulo reto. Se você colocar o ângulo reto ele
nomeia... Será a mesma mediana do lado oposto a hipotenusa.
PE: Olha essa proposição [aponta para a HQ]. O que ela diz aqui?
A10: Isso mesmo... No triângulo isósceles.
PE: Esses conceitos podem de fato coincidir, mas não é em qualquer
triângulo pelo que acabou de dizer. Mas é no triângulo isósceles! É em
qualquer lado do triângulo isósceles?

272
[o aluno A10 não soube responder à pergunta. O pesquisador completou...]
PE: Ocorre no lado relativo à base.
A10: Sim, relativo à base.
PE: Esse resultado não ficou claro no dia da leitura da HQ?
A10: No dia da leitura também eu acho que passei por algumas partes na
ansiedade de responder algumas questões. Talvez eu não vi essa parte e
passei só a leitura sem prestar atenção nas demonstrações.

O diálogo acima aponta para os perigos de uma leitura desprovida de


envolvimento com o texto. A ânsia em responder à atividade proposta em PPPRSL
levou o aluno A10 a priorizar algumas partes da HQ em detrimento de outras. Esse fato
aponta para a necessidade de articular a leitura das HQs com discussões e
esclarecimentos acerca dos conteúdos ali presentes.
O caso de congruência de triângulos conhecido como Lado-Lado-Lado (LLL)
ocupou as últimas páginas da HQ. Durante a leitura da demonstração os alunos se
mantiveram calmos e concentrados. Não apresentaram dúvidas [DB, 22 de agosto de
2014].

7.8.4 Alterações na HQ

Alguns alunos se queixaram da quantidade informações presentes no texto. Esse


fato, segundo eles, tornou a leitura cansativa: “Tem muito assunto, é muita informação”,
assinalou o aluno A9 [DB, 22 de agosto de 2014]. Talvez, por isso, em um dado
momento, aproximadamente um terço dos participantes foi demonstrando cansaço e
desinteresse. Isso sinalizou ao investigador a necessidade de repensar a leitura da HQ
em dois ou mais momentos toda vez que esta possuir um número grande de
proposições.

Enredo

É possível que o comportamento disperso de alguns estudantes estivesse


relacionado, de fato, com a quantidade de assuntos presentes na HQ e com o grau de
complexidade dos assuntos ali presentes. Mas não é só isso. Os comentários do aluno
A11 apontam para outro fator:

273
Quando a gente fala de história em quadrinhos, ela nos deixa totalmente
ligados dentro da historia [referindo-se às HQs comerciais]. Ninguém nos
tira mais a atenção. Ela consegue nos atrair totalmente pra que a gente
não fique disperso. Eu já li historias que não consegui me dispensar...
então a historia... a gente vive ela.
[Referindo-se à HQ5] tem hora que a gente consegue dispersar, mas, por
que a gente consegue se dispersar? Porque está faltando algo que
encaixe... assim: que deixe a gente animado: pra próxima cena será o
que? falta um pouco de drama. [A11, E2]

O aluno A11 ressalta a necessidade de se construir narrativas mais envolventes


capazes de prender a atenção do leitor. É o que se espera de uma HQ, seja ela de
natureza comercial ou não.
O aluno A13 relatou que caso fosse criar uma HQ que contivesse os assuntos
presentes na HQ5, “faria tipo uma conversa entre alunos. Um explicando para o outro.
Colocava um aluno explicando para outro aluno e iria colocando o exemplo” [A13, E2].
Houve, porém, quem se mostrasse favorável à forma adotada na HQ para
apresentar os assuntos. O aluno A5, o mesmo que havia considerado “chata” a leitura da
HQ1, desta vez destacou: “Gostei da história em quadrinhos, professor. Foi a melhor”
[DB, 22 de agosto de 2014].
Os alunos A3 e A12 também sinalizaram apreço pela leitura da HQ5. Além disso,
estes estudantes relataram ao investigador que não possuíam dúvidas acerca dos
conteúdos presentes na HQ. Durante o encontro, A3 e A12 se mostraram interessados e
constantemente discutiam acerca dos assuntos contemplados pela história [DB, 22 de
agosto de 2014].

Linguagem

De acordo com o aluno A22, a HQ5 precisa passar por uma reformulação na
linguagem. A partir daí, segundo o estudante, ela estará mais adequada para atender a
apresentação de conceitos como os casos de congruência de triângulos e das
propriedades dos triângulos isósceles (tanto na educação básica como no ensino
superior):

Para lidar com crianças teria que chamar mais atenção. A linguagem
deveria ser diferente com momento, com mais distração. Eles precisam
também disto e, como eu falei, eu às vezes [também] sinto [ess]a
necessidade. [A22, E2]

274
Ao contrário de A22, o aluno A13 defendeu a permanência do tipo de linguagem
adotado na HQ: “A linguagem... acho que é essa mesma” [A13, E2]. Não obstante o fato
de A13 ter advogado pela manutenção da linguagem adotada na HQ5, a alteração
proposta por A22 tem como finalidade torná-la mais simples e, portanto, acessível a
vários públicos, incluindo assim o próprio A13.

Imagens

O aumento do número de ilustrações constitui algumas reivindicações dos


estudantes no sentido de tornar a leitura da HQ mais prazerosa e, ao mesmo tempo,
inteligível.

Se eu fosse usar a revistinha [a HQ], eu colocaria quase semelhante a


essa em imagens, em figuras. Eu apenas ilustrava um pouco mais (...)
[A11, E2]

Por “ilustrar” um pouco mais é provável que o estudante esteja se referindo a


utilização de variadas representações imagética de um mesmo conceito com o intuito de
elucidá-lo.

Exercícios

Ao referir-se à quantidade de atividades disposta na HQ, o aluno A10 destacou:

(...) eu acho pouca, mas o tempo não ajuda principalmente essa que
aparece no meio da revista que é muito rápido de ser feita. Mas, o tempo
não ajuda a você entender a questão e saber justificar aquele problema. É
o que mais demora. [A10, E2]

O aumento no número de questões propostas também é defendido pelo aluno


A13:

Eu acho que deveria ter um pouquinho mais aqui... alimentando a


dificuldade gradativamente, entendeu? Porque esse exercício mesmo já
foi mais complicado. Pulou assim, sabe? [A13, E1]

Além de requerer a inserção de mais atividades associadas à leitura da HQ, o


aluno A13 propôs que o nível de dificuldade entre elas aumentasse paulatinamente.
Destacou que este aumento gradativo não ocorreu entre a atividade proposta em
PPPRSL e aquelas dispostas ao final da leitura.

275
O aluno A22 sugeriu a inserção de alguns exemplos no texto os quais
funcionariam como uma espécie de exercícios resolvidos:

Precisaria de mais exemplos ou o modo de fazer: um exercício


explicando com fazer o outro. [A22, E2]

O comentário de A22 remete à ideia de que a aprendizagem não se restringe à


exposição teórica dos assuntos. É preciso acessar exemplos em que tais conteúdos
possam ser aplicados. Tais exemplos, na perspectiva do estudante, possibilitam o
aprendiz a resolver problemas semelhantes.

7.8.5 Atividades propostas

No décimo encontro, realizado na sala 102 do Pavilhão de Aulas, foram


entregues a cada uma das treze duplas presentes duas atividades acerca do conteúdo da
HQ5. A Figura 7.38 apresenta a primeira atividade e traz o excerto da solução apresenta
pelos alunos A29 e A31

Figura 7.38. Excerto das respostas apresentadas pelos alunos A29 e A31 à primeira
84

questão proposta ao final da HQ5


276
De acordo com a Figura 7.38, a primeira atividade consiste em mostrar a
congruência entre dois triângulos (IBJ e JGE) a partir de determinadas hipóteses.

Raciocínio geométrico

Na solução apresentada pelos alunos A29 e A31, cujo excerto aparece na Figura
7.38, percebe-se a indicação das medidas de diversos ângulos na imagem que
acompanha a questão. Há também sinalizações sobre os lados de alguns triângulos.
Segundo os estudantes, foram atribuídos “valores a cada ângulo correspondente no
desenho para que cada triângulo somasse 180o”. Tal justificativa remete ao fato da soma
das medidas dos ângulos internos de um triângulo ser igual a 180 o (resultado não
demonstrado em sala àquela altura). Ainda assim, as medidas de alguns ângulos (como,
por exemplo, a medida do ângulo CBˆ J ) parecem ter sido estabelecidas através de um
olhar indutivo sobre a figura e não à luz das propriedades dos triângulos isósceles e dos
casos de congruência de triângulos. A despeito de priorizarem na figura as medidas dos
ângulos dos triângulos, os alunos A29 e A31 concluem a questão utilizando o caso de
congruência Lado-Lado-Lado. No texto estes estudantes indicam os pares de lados
congruentes sem explicar o porquê. O raciocínio geométrico empregado por A29 e A31
será classificado neste texto como IN. Este mesmo tipo de raciocínio foi identificado
nas respostas apresentadas por outras três duplas. Duas duplas não responderam à
atividade. A elas será creditado o raciocínio do tipo EC.
Os alunos A10 e A19 também utilizaram a soma das medidas dos ângulos internos
de um triângulo para resolver a questão. Assim como os alunos A29 e A31, estes
estudantes feriram a lógica axiomática ao utilizarem um resultado ainda não
demonstrado em sala. À parte isso, em alguns momentos é perceptível a apresentação
das justificativas numa perspectiva dedutiva conforme revela a Figura 7.39.

277
Figura 7.39. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A10 e A19 à primeira questão
85

proposta ao final da HQ5

Não obstante a presença do raciocínio lógico-dedutivo em alguns trechos da


solução apresentada na Figura 7.39, os alunos A10 e A19 pecaram por não explicarem
cuidadosamente como encontraram os valores de alguns ângulos (os ângulos da base em
triângulos isósceles, por exemplo). Ao dizerem: “De forma análoga podemos dizer que
o ângulo EGˆ F mede 45 o e que o ângulo JGˆ E mede 59 o”, a ideia de analogia se aplica
no texto apenas para justificar a medida do ângulo JGˆ E (nesse momento os estudantes
utilizaram a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo). A medida do
ângulo EGˆ F provém do fato do triângulo EFG ser isósceles de base EG em que

GEˆ F  45 . O raciocínio geométrico empregado pelos alunos A10 e A19 será


classificado como SD. Esse mesmo tipo de raciocínio foi verificado nas respostas
apresentadas por outras três duplas.
Se comparadas às duplas citadas, os alunos A16 e A18 se mostraram um pouco
mais cuidadosos na apresentação da solução. A Figura 7.40 traz o excerto da primeira
metade da solução apresentada por estes estudantes.

278
Figura 7.40. Excerto da metade inicial da resposta apresentada pelos alunos A16 e A18 à
86

primeira questão proposta ao final da HQ5

De acordo com a Figura 7.40, os alunos A16 e A18 iniciam o texto justificando a
congruência entre os triângulos ABI e DCE. Apontam corretamente o caso de
congruência: LAL. Apesar de indicarem os lados congruentes, a saber, AB e CD, estes
estudantes não mencionaram os ângulos congruentes ( BAˆ I  CDˆ E  90 e

ABˆ I  DCˆ E  76  ). As medidas destes ângulos aparecem na figura que acompanha a


atividade (ver Figura 7.38) o que fez com que estes alunos se sentissem desobrigados de
mencioná-las no texto. Além disso, ao dizerem que “os triângulos ABI e CED são
congruentes”, os alunos deveriam obedecer à ordem de correspondência: ABI e DEC.
Os alunos A16 e A18 justificaram corretamente a congruência entre os segmentos BJ e
EG contudo, para isso, não era necessário mencionar o fato do triângulo EFG ser
isósceles como o fizeram. Com exceção destes detalhes, percebe-se tanto no excerto
presente na Figura 7.40 como na finalização da solução dada pelos estudantes a
apresentação das justificações numa perspectiva dedutiva. O raciocínio empregado por
estes estudantes será classificado aqui como FDm.
Os alunos A15 e A27 também seguiram uma lógica dedutiva na construção da
resposta. Todas as informações que apresentadas foram justificadas à luz das hipóteses
do problema. Ao contrário dos alunos A16 e A18, estes estudantes se mostraram mais
atentos à correspondência entre os lados e os ângulos dos triângulos ABC e DCE
quando os apontam como triângulos congruentes. A Figura 7.41 traz um pequeno
recorte da solução apresentada por estes estudantes.

279
Figura 7.41. Excerto de uma parte da resposta apresentada pelos alunos A15 e A27 à
87

primeira questão proposta ao final da HQ5

O excerto da resposta apresentada pelos alunos A15 e A27, presente na Figura


7.41, revela a capacidade dos estudantes de justificar de forma correta a congruência
entre dois triângulos. A partir dela, eles concluem a congruência entre os demais
ângulos (e lados) dos triângulos. No caso, os estudantes destacaram a congruência entre
os ângulos AIˆB (escreveram, talvez por distração, AIˆG ) e DEˆ C . No resto do texto,
não retratado na Figura 7.41, estes estudantes apresentaram, de forma correta, as
medidas dos demais ângulos que aparecem na atividade e explicam como tais medidas
foram encontradas. Fizeram o uso adequado das hipóteses do problema e revelaram-se
cuidadosos na justificação da resposta. Apresentaram um raciocínio do tipo FD. Este
mesmo tipo de raciocínio também foi encontrado na solução apresentada por outra
dupla.
A segunda atividade impôs mais dificuldades aos estudantes. Cinco das treze
duplas não a responderam. Das oito duplas restantes, cinco apresentaram um raciocínio
do tipo EC. O excerto da resposta apresentada por uma destas duplas, a saber, os alunos
A24 e A25, aparece na Figura 7.42.

Figura 7.42. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A24 e A25 à segunda questão
88

proposta ao final da HQ5


280
Conforme se pode perceber através da Figura 7.42, os alunos A24 e A25
afirmaram que a congruência entre os segmentos AB e EF “implica que os dois ângulos
Aˆ  Bˆ e Eˆ  Fˆ ”, o que é um equívoco. Em seguida, os estudantes concluíram a
congruência entre os triângulos ABC e EFG sem ao menos indicarem o caso de
congruência.
Os alunos A3 e A12 destacaram a impossibilidade de afirmar a congruência entre
os triângulos ABC e EFG a partir das hipóteses do problema. A Figura 7.43 apresenta o
excerto da solução apresentada por estes estudantes.

Figura 7.43. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A3 e A12 à segunda questão
89

proposta ao final da HQ5

A despeito do caso de congruência Lado-Lado-Lado realmente não poder ser


utilizado para resolver o problema, os alunos A3 e A12 omitiram-se quanto à análise do
problema a partir dos outros dois casos de congruência. As medidas dos ângulos
indicados na questão parecem não tê-los interpelado a refletirem sobre o papel destes
ângulos no estudo da congruência. O raciocínio geométrico empregado por estes dois
alunos será classificado aqui como SD.
Ao contrário dos alunos A3 e A12, os alunos A15 e A27 conseguiram justificar a
resposta utilizando todas as hipóteses do problema. Também consideraram não ser
possível assegurar a congruência entre os triângulos ABC e EFG. A Figura 7.44 traz o
excerto da resposta apresentada por estes estudantes.

Figura 7.44. Excerto da resposta apresentada pelos alunos A15 e A27 à segunda questão
90

proposta ao final da HQ5

281
De acordo com a resposta apresentada na Figura 7.44, os alunos A15 e A27
apontam, corretamente, a inconclusividade da congruência entre os triângulos ABC e
EFG por meio do caso LAL. De fato, para que este caso de congruência pudesse ser
empregado era necessário assegurar a congruência entre os ângulos ABˆ C e EFˆG como
afirmaram os estudantes. Por outro lado, a inconclusividade da congruência dos
triângulos ABC e EFG por meio do caso Lado-Ângulo-Lado não encerra a questão.
Caso os estudantes tivessem considerado-os congruentes, utilizando a redução ao
absurdo, chegariam a uma contradição. De fato, se assim o fosse, ter-se-ia
FEˆ G  BAˆ C  70 . Como EGˆ F  70  , o triângulo EFG seria isósceles de base EG,

donde, FE  FG. Mas isso não pode acontecer visto que, por hipótese, FE  7 cm e

FG  5 cm.
O tipo de raciocínio empregado pelos alunos A15 e A27 será classificado como
FDm. Este mesmo tipo de raciocínio foi identificado na resposta apresentada por outra
dupla, a saber, os alunos A29 e A31.
O Gráfico 7.8 apresenta os níveis de raciocínio geométrico identificado nas
respostas atribuídas pelas treze duplas às questões propostas ao final da HQ5.

Gráfico 7.8. Tipo de raciocínio geométrico verificado nas respostas dos


8

estudantes às atividades propostas na HQ5

282
O Gráfico 7.8 revela a predominância dos raciocínios geométricos do tipo SD e
IN durante a resolução da primeira atividade e a supremacia do raciocínio do tipo EC
durante a resolução da segunda atividade. As resoluções apresentadas à primeira
questão foram marcadas por uma maior distribuição dos níveis de pensamento
geométrico ao passo que na segunda atividade houve uma concentração do nível EC o
que se deu, em parte, devido ao número de questões não respondidas ou àquelas
respondidas com conceituais.
Segundo alguns estudantes, as dificuldades encontradas durante a resolução das
atividades residia na tarefa árdua de justificar cada passo adotado:

Eu não acho difícil responder. O ruim é só justificar porque você sabe


que aquilo é verdadeiro (...) Acho que é uma questão de prática também.
Falta de prática e costume. [A10, E2]

Pra gente entender às vezes é fácil. Difícil é passar para o papel. A gente
entende o assunto, mas na hora de demonstrar, de mostrar... aí é difícil.
[A22, E2]

Linguagem

A despeito de utilizarem devidamente as ferramentas simbólicas ao longo do


texto, os alunos A29 e A31 não conseguiram se referir de forma correta à soma das
medidas dos ângulos internos de um triângulo. Conforme se pode verificar na Figura
7.38, neste caso, os estudantes disseram: “(...) para que cada triângulo somasse 180o”.
Os alunos A24 e A25, ao responderam à primeira questão, tiveram algumas
dificuldades no uso da linguagem matemática quando fizeram referência às medidas dos
ângulos: “Como são isósceles o outro ângulo da base de cada triângulo é 45o” [A24 e
A25, HQ5, AP1]. Ao invés de dizerem que “cada ângulo mede 45o”, os discentes
disseram que “[o ângulo] é 45 o”.
A referência às medidas dos ângulos, o uso das ferramentas simbólicas e a
articulação entre linguagem simbólica e língua materna tornaram a resolução dada por
A3 e A12 passível de alterações quanto à linguagem: “logo se C = 45 o então B será 45o
BJC = 180 então J = 90o” [A3 e A12, HQ5, AP1]. Embora seja possível compreender que
45 o é a medida do ângulo B̂, os alunos A3 e A12 cometeram a mesma falha identificada
na resposta de A24 e A25 ao relatarem que “B será igual a 45o”. Na tentativa de fazer

283
referência à soma das medidas dos ângulos de um triângulo, os alunos A3 e A12
escreveram “BJC = 180” o que não tem sentido algum. A ausência de vírgulas também
tornou a leitura um pouco confusa.
A solução apresentada pelos alunos A10 e A19 destacou-se pelo bom uso da
linguagem matemática (Cf. Figura 7.39). Os estudantes articularam de forma adequada
as ferramentas simbólicas e a linguagem materna: “De forma análoga podemos dizer
que o ângulo EGˆ F mede 45 o e que o ângulo JGˆ E mede 59o”. O único deslize
cometido consistiu no uso da expressão “soma dos ângulos internos” ao invés de “soma
das medidas dos ângulos internos”.
Os alunos A16 e A18, cuja parte da solução apresentada à primeira questão
aparece na Figura 7.40, também apresentaram um texto bem escrito. Souberam fazer a
correta conexão entre linguagens simbólica e materna: “logo o ângulo GEˆ J terá medida

igual a 79 o, a mesma medida do ângulo IJˆB ”.


Mesmo tendo apresentado um raciocínio geométrico do tipo FD, os alunos A15 e
A27 não foram tão cuidados quanto ao uso das ferramentas simbólicas conforme pode
ser verificado através da Figura 7.41. Utilizaram uma mesma notação para ângulo e
triângulo: “os ângulos IAB = EDC”; “os triângulos IAB e EDC são congruentes”. O uso
das palavras “ângulos” e “triângulos”, porém, tornaram o texto inteligível.
Somente duas duplas apresentaram, na primeira atividade, respostas sem
problema algum quanto ao uso da linguagem matemática: A11 e A20, e A16 e A18 (Cf.
Figura 7.40). Em ambas as respostas foi utilizado o raciocínio dedutivo.
Com relação à segunda questão, a resolução retratada na Figura 7.42 apresenta
um uso adequado da linguagem. Apenas a utilização de ferramentas simbólicas distintas
na designação de comprimento de segmentos (“ AB  EF ”; “ AB  EF ”) revela-se
como falha apresentada pelos estudantes A24 e A25 (no que tange o uso da linguagem
matemática).
Os alunos A3 e A12 utilizaram corretamente a ferramenta simbólica adotada para
designar o comprimento de segmentos de reta conforme pode ser verificado através da
Figura 7.43. O deslize que cometeram consistiu no uso inadequado da palavra “mais”
quando deveriam utilizar a conjunção adversativa “mas”. Os alunos A15 e A27
cometeram deslizes contrários àqueles cometidos por A3 e A12. Utilizaram corretamente
a conjunção “mas” ao invés de “mais”, no entanto, não foram fiéis às ferramentas
simbólicas acordadas em sala para a designação das medidas de segmentos: escreveram

284
AB  EF ao invés de AB  EF (Figura 7.44). À parte isso, a resposta dada por A15 e
A27 não contém outro problemas quanto ao uso da linguagem matemática. Todas as
duplas cometeram algum deslize, no uso da linguagem, ao responderem a segunda
questão.

7.8.6 Triangulação dos dados

A Figura 7.45 apresenta uma breve síntese dos resultados obtidos a partir da
aplicação da HQ5. Estes dados foram coletados por meio de três fontes distintas: a
sessão de entrevistas E2, as discussões realizadas em sala de aula e as respostas
fornecidas pelos participantes às atividades realizadas ao final da leitura da HQ.

Figura 7.45. Triangulação dos dados relacionados à HQ5


91

A maior dificuldade apresentada pelos estudantes durante a leitura da HQ foi


protagonizada pela demonstração do caso de congruência de triângulos conhecido como
Ângulo-Lado-Ângulo (ALA). Neste caso foi criado um triângulo auxiliar que mais à
frente se revelaria congruente a um dos triângulos do enunciado da proposição. O fato
dos estudantes não terem sido advertidos acerca dos propósitos da contrução do
triângulo auxiliar rendeu momentos de incomformidade à leitura. Esse fato, registrado
em DB, pode ser evitado, em situações futuras, sinalizando-se já no início da
demonstração os passos que serão adotados e onde se pretende chegar com eles.
Ao longo da sessão de entrevistas E2, alguns estudantes forneceram pistas que

285
conduzem a uma repaginação da HQ5 tendo em vista a sua melhoria enquanto
instrumento de aprendizagem em Geometria. Tais mudanças vão da inserção de mais
atividades ao longo da leitura à alterações no enredo da narrativa, nas imagens e na
linguagem utilizada.
Apesar dos problemas enfrentados pelos estudantes quanto ao uso de algumas
ferramentas simbólicas, em suas produções textuais já foi possível perceber alguma
evolução na linguagem matemática. O tipo de raciocínio geométrico adotado pelos
estudantes, em poucos casos atingiram os níveis FDm e FD.

7.9 Aplicação da HQ6

O décimo primeiro encontro ocorreu na sala 102 do pavilhão de aulas do CFP. O


investigador comunicou aos participantes que a leitura da HQ6, prevista para o dia, seria
dividida em três partes. A partição deveu-se à quantidade de assuntos presentes na HQ.
Tais assuntos tiveram o Teorema do Ângulo Externo (TAE) como ponto de partida.
Após a formação das duplas lhes foram entregues uma cópia da primeira parte
da HQ e uma atividade acerca do seu conteúdo. A atividade compunha a secção PPPRS
que, desta vez, ocorreu em três momentos de acordo com o número de partes em que a
leitura da HQ foi dividida. O investigador registrou alguns momentos do encontro por
meio de uma câmera filmadora.

7.9.1 Primeira parte da leitura

No início da leitura, o aluno A2 identificou uma falha na HQ e convocou o


investigador. Em uma das imagens onde aparecia a medida de um ângulo externo de um
triângulo e as medidas dos ângulos internos a ele não adjacentes, o primeiro valor não
correspondia à soma das medidas dos outros dois. As medidas apresentadas estavam
incompatíveis com o desenho teórico-axiomático euclidiano e o aluno A2 sabia a
respeito. Este estudante havia estudado o TAE durante a educação básica [DB, 3 de
setembro de 2014] A Figura 7.46 apresenta o quadrinho onde ocorreu o erro.

286
Figura 7.46. Tirinha com erro na medida de algum dos ângulos relacionados ao
92

triângulo ABC

Reconhecendo o equívoco, o investigador informou aos demais participantes o


verdadeiro valor da medida do ângulo externo CBˆ D, a saber, 136 o. Não mencionou,

entretanto, que se tratava da soma das medidas dos ângulos BAˆ C e BCˆ A (Figura 7.46).
Esta relação entre a medida de um ângulo externo de um triângulo e as medidas dos
ângulos internos que não lhe são adjacentes provém do Axioma das Paralelas o qual só
seria apresentado mais à frente, em alguma das aulas. A postura do aluno A2, ao
convocar o investigador, revelou o seu envolvimento com a leitura. A sua atenção e os
seus conhecimentos prévios  em sua formação anterior ele teve contato com o TAE
numa versão euclidiana  lhe possibilitaram identificar o erro em algum dos valores
numéricos indicados na tirinha.
A leitura da primeira parte da HQ ocorreu de forma tranquila. Apenas duas
duplas demonstraram ter algum tipo de dúvida. Um destes participantes, o aluno A25,
pontuou em Q3 que o TAE possui enunciado compreensível, mas demonstração pouco
inteligível [Q3, Questão 7]. Em sala de aula, o pesquisador aproximou-se destes
estudantes, leu a demonstração com eles e explicou-lhes cada passagem.

Enunciado do TAE

Em uma das questões do Q3, os alunos foram convidados a enunciar o TAE com
suas próprias palavras. Vinte e um alunos responderam o questionário. Seguem algumas
respostas:

287
Uma característica do mesmo é que a medida do ângulo externo de um
triângulo é sempre maior que as medidas dos ângulos internos não
adjacentes. [A25, Q3, Questão 9]

Todo ângulo externo de um triângulo mede mais que o ângulo interno


que não está próximo a ele. [A5, Q3, Questão 9]

A medida do ângulo externo de um triângulo terá medida maior que


qualquer soma de dois ângulos a ele não adjacentes. [A31, Q3, Questão 9]

Todo ângulo externo de um triângulo é suplementar a outro ângulo,


porém, se um ângulo for agudo, o seu suplemento será obtuso e vice-
versa. [A23, Q3, Questão 9]

As respostas dos alunos A25 e A5 apontam para a compreensão do enunciado do


TAE. Conforme solicitado, os estudantes buscaram enunciá-lo por meio de suas
próprias palavras. Estes estudantes fazem parte de um conjunto de dezesseis alunos,
entre aqueles que responderam o Q3, que souberam enunciar de forma correta o TAE.
Os alunos A31 e A23 fazem parte de outro grupo, ou seja, daqueles cinco alunos que não
conseguiram enunciar corretamente o TAE. O aluno A31 comparou a medida do ângulo
externo de um triângulo à soma das medidas dos ângulos internos do triângulo a ele não
adjacentes. O problema ocorre ao referir-se a primeira como superior à segunda. O
aluno A23 tentou definir ângulo externo de um triângulo ao invés de apresentar o
enunciado do TAE.

TAE: Símbolos e imagens

Dos vinte e um estudantes que responderam ao Q3, dez apresentaram


representações icônicas para o TAE. Em alguns casos, tais representações foram
acompanhadas por ferramentas simbólicas. A Figura 7.47 apresenta algumas destas
representações.

288
Figura 7.47. Representações imagéticas e simbólicas atribuídas pelos estudantes A7,
93

A24, A26 e A27 ao TAE

De acordo com a Figura 7.47, os alunos A7 e A24 tentaram se reportar ao TAE


utilizando apenas representações imagéticas de triângulos. O primeiro assinalou alguns
ângulos relacionados ao triângulo considerado sem, contudo mencionar qual deles é o
ângulo externo. O segundo preocupou-se em assinalar o ângulo externo, mas não faz
referências aos ângulos internos a ele não adjacentes. Ambas as representações, quando
desassociadas do enunciado do TAE, não são capazes de caracterizar o teorema: não
fazem menção a relação entre as medidas dos ângulos.
Os alunos A26 e A27 perceberam que apenas as representações imagéticas dos
triângulos e de seus ângulos não eram suficientes para caracterizar o TAE. O primeiro
fez uso de exemplos numéricos para as medidas dos ângulos. Trabalhou numa
perspectiva indutiva. As medidas que atribuiu aos ângulos condizem com o enunciado
do TAE, mas são incongruentes com a versão euclidiana do teorema. Este último fato,
porém, àquela altura, não havia sido mencionado em sala de aula. Assim, levando-se em
consideração as informações às quais o estudante teve acesso, a sua forma de
representação mostrou-se inicialmente aceitável. Revela-se, porém, limitada por não ser
possível concluir a partir dela a generalidade do resultado. O caráter generalista é
perceptível na representação utilizada por A27. A forma como este estudante se referiu à
medida do ângulo externo do triângulo ABC, relativo ao vértice C, e às medidas dos
ângulos internos a ele não adjacentes não faz uso de valores particulares. Dentre os dez
alunos que apresentaram representações imagéticas para o TAE, cinco construíram
representações próximas às fornecidas pelos alunos A26 ou A27.

289
7.9.2 Secção PPPRSL: Primeira parte

A atividade proposta na primeira parte da secção PPPRL pode ser visualizada na


Figura 6.16, no capítulo anterior. Consistia na comparação entre as medidas dos ângulos
internos (ou externos) de alguns triângulos. Nem todos os estudantes conseguiram
utilizar o TAE para respondê-la. Estes estudantes assinalaram a alternativa correta
baseados na figura apresentada na questão e não à luz da teoria. Embora soubessem
enunciar o TAE quando lhe era solicitado, os referidos alunos demonstraram inabilidade
em utilizá-lo para resolver a questão.
O investigador aproximou-se de cada dupla e pediu aos seus integrantes que
identificassem na atividade os ângulos externos dos triângulos ali presentes. À medida
que eles identificavam cada ângulo externo, o investigador questionava-lhes: “É um
ângulo externo de qual triângulo?”. Após identificarem o triângulo, o investigador
perguntava-lhes: “O que nos diz o Teorema do Ângulo Externo?”. A partir das respostas
a essas duas perguntas, os discentes começaram a compreender como identificar a
alternativa correta à luz da teoria estudada. Entre as quatorze duplas presentes apenas
uma não assinalou a alternativa correta na primeira tentativa. [DB, 3 de setembro de
2014].
Quando todos os estudantes concluíram a atividade, o investigador solicitou a
uma das duplas – aquela que encontrou o erro no quadrinho apresentado na Figura 7.46
(A2 e A10) – que expusesse na lousa branca a forma como haviam chegado à solução da
secção PPPRSL. Eles aceitaram o pedido e expuseram a sua resolução. A essa altura, a
maior parte da turma já havia compreendido a resolução do exercício.
Antes de finalizar o encontro, o investigador chamou a atenção dos alunos para o
fato do TAE não possibilitar-lhes estabelecer comparações entre as medidas de um
ângulo externo de um triângulo e do ângulo interno que lhe é adjacente 79.

79
A comparação pode ser feita em poucos casos como, por exemplo, quando o triângulo é isósceles e o
ângulo interno mencionado constitui um ângulo da base do triângulo. Nesse caso, o outro ângulo da base
lhe é congruente e, ao mesmo tempo, tem medida menor que a medida do ângulo externo (pelo TAE).

290
7.9.3 Segunda parte da leitura

No décimo segundo encontro houve a continuidade da leitura da HQ6. Após a


formação das duplas, foi-lhes entregue uma cópia da segunda parte da HQ. Enquanto os
discentes liam a HQ, o investigador percorria a sala acompanhando-os e tirando-lhes as
possíveis dúvidas. A maior parte deles demonstrou ter compreendido os resultados ali
presentes. Somente a demonstração da unicidade da perpendicular a uma reta passando
por um ponto fora dela rendeu dúvidas a alguns deles (um pouco menos de um terço dos
alunos). Tratava-se de uma demonstração por redução ao absurdo o que ainda
provocava inquietações nos alunos. A Figura 7.48 traz um excerto da demonstração.

Figura 7.48. Prova da unicidade da perpendicular a uma reta baixada a partir de


94

um ponto fora dela

Ao propor a existência de mais de uma reta (na demonstração retratada na Figura


7.48) formar-se uma figura que feriu a intuição dos alunos (a segunda perpendicular).
Os estudantes não tinham percebido que a suposta existência de duas (ou mais) retas
deveria, de fato, dar origem a alguma imagem contraria a verdade dos fatos. O
investigador procedeu com os esclarecimentos.
Dez dos vinte e um estudantes que responderam ao Q3 emitiram alguma opinião
acerca da proposição que versa sobre a existência e unicidade da perpendicular a uma
reta passando por um ponto fora dela. Sete destes estudantes consideraram inteligíveis
tanto o enunciado da proposição quanto a sua demonstração. Dois estudantes disseram
ter compreendido apenas o enunciado. Apenas um estudante julgou não ter
compreendido este último [Q3, Questão 7].
Ainda na segunda parte da leitura, os estudantes viram um resultado que
relaciona as medidas dos ângulos com as medidas dos lados de um triângulo: ao ângulo
291
de maior medida opõe-se o maior lado e vice-versa. A Figura 7.49 contém alguns
desenhos elaborados pelos alunos A9 e A25 os quais revelam que estes estudantes
compreenderam tal resultado. Estes desenhos forma registrados em Q3. Os demais
estudantes, embora não tenham apresentado representações imagéticas para tal
resultado, demonstraram compreendê-lo como será visto mais adiante na descrição da
segunda parte da secção PPPRSL.

Figura 7.49. Representações imagéticas elaboradas pelos alunos A9 e A25 sobre as


95

relações entre as medidas dos lados e dos ângulos de um triângulo

De acordo com a Figura 7.49, a representação feita por A9 refere-se a um


triângulo escaleno cujos lados medem 3 cm, 5 cm e 6 cm. O estudante indicou que o
ângulo de maior medida é aquele que se opõe ao lado que mede 6 cm. O aluno A25 faz
uso de um triângulo retângulo. Ao contrário de A9, este estudante não atribui valores às
medidas dos lados do triângulo. Assinalou que o ângulo reto é o ângulo de maior
medida do triângulo e a partir daí conclui que o lado de maior tamanho é a hipotenusa.
O caça palavra proposto ao longo da leitura foi bem aceite pelos estudantes. Foi
notória a satisfação que demonstraram ao resolvê-lo. A sua inserção no texto freou a
densidade da leitura ao mesmo tempo em que convidou os leitores a revisarem os
assuntos contemplados pela HQ [DB, 4 de setembro de 2014].

7.9.4 Secção PPPRSL: Segunda parte

À medida que as duplas foram concluindo as leituras, o investigador lhes foi


entregando a segunda atividade da secção PPPPRSL. Todas as quinze duplas que
responderam a atividade assinalaram a alternativa correta na primeira tentativa. Desta
vez lhes foi solicitada a apresentação das justificativas durante a resolução da questão.
A atividade consistia em identificar a única alternativa incorreta entre cinco declarações
apresentadas. A Figura 7.50 mostra a resolução apresentada pelos alunos A10 e A30.

292
Figura 7.50. Resolução apresentada pelos alunos A10 e A30 à atividade proposta na
96

segunda secção de PPPRSL na HQ6

A próxima secção destina-se à identificação do raciocínio geométrico


empregado pelos estudantes durante a resolução da atividade retratada na Figura 7.50.
Em seguida, são apresentados alguns comentários acerca da linguagem utilizada pelos
estudantes.

Raciocínio geométrico

A partir da Figura 7.50 é possível perceber que os alunos A10 e A30 possuíam
domínio dos resultados necessários à resolução da atividade: a congruência entre os
ângulos da base de um triângulo isósceles e o fato do ângulo de maior medida de um
triângulo opor-se ao maior lado. Estes estudantes utilizam de forma adequada as
hipóteses do problema e apresentam a resposta de forma lógica e dedutiva. O raciocínio
empregado por eles é do tipo FD. Este mesmo tipo de raciocínio foi identificado nas
respostas apresentadas por outras nove duplas.
Os alunos A5 e A28 também responderam corretamente a atividade. Contudo
foram mais sucintos e, em alguns momentos, omissos no detalhamento das
justificativas. A resposta apresentada por eles aparece na Figura 7.51.

Figura 7.51. Resolução apresentada pelos alunos A5 e A28 à atividade


97

proposta na segunda secção de PPPRSL na HQ6

293
Assim como os alunos A10 e A30, os alunos A5 e A28 também revelaram
conhecimento acerca dos conteúdos necessários à resolução da atividade. Estes últimos,
porém foram menos cuidadosos. Dizem que “ BD é o maior lado”. Maior lado de
que(m)? De um triângulo? Qual? Mais à frente quando dizem se “tratar de um triângulo
isósceles” não indicam (embora apareça na hipótese do problema) a sua base. O
raciocínio empregado pelos alunos A5 e A28, e A10 e A30 será classificado aqui como
FDm. Este mesmo tipo de raciocínio foi verificado nas respostas apresentadas por
outras três duplas.

Linguagem

Assim como os alunos A10 e A30, cuja solução aparece na Figura 7.50, outras
sete duplas fizeram o uso da linguagem matemática de forma totalmente correta.
A solução apresentada pelos alunos A5 e A28 precisa de alguns ajustes quanto à
linguagem. As omissões cometidas por estes estudantes precisam ser desfeitas. Outras
três duplas também mencionaram o segmento BC como o “maior lado” sem fazer
referência ao triângulo.
Ademais, a ferramenta simbólica utilizada por A5 e A28 para designar o
segmento de reta BD (escreveram “ BD ”) não corresponde àquela acordada em sala de
aula.

7.9.5 Terceira parte da leitura

A finalização da leitura da HQ ocorreu no décimo terceiro encontro. Antes de


iniciar a leitura, o investigador entregou a cada participante um questionário, o Q3, que
visava identificar os contributos e as limitações da HQ6 no processo de aprendizagem
do TAE e das suas consequências. Os alunos levaram-no para casa e se comprometeram
em devolvê-lo respondido no próximo encontro.
A cada dupla foi entregue uma cópia da terceira parte da HQ6. A desigualdade
triangular e os casos de congruência de triângulos retângulos foram os assuntos
contemplados. As dúvidas que alguns participantes apresentaram durante a leitura (não
foram muitas, apenas três duplas se manifestaram) residiram na demonstração da
294
desigualdade triangular. O investigador sentou-se ao lado desses discentes, pediu-lhes
que lessem novamente a demonstração e à medida que eles faziam a leitura explicava-
lhes cada passagem.
A Figura 7.52 contém representações imagéticas e simbólicas elaboradas pelos
alunos A4 e A13 para a desigualdade triangular. Tais representações foram feitas em Q3.
Os demais estudantes, embora não tenham apresentado representações para tal
resultado, demonstraram ter compreendido a desigualdade triangular como será visto
mais adiante na descrição da terceira parte da secção PPPRSL.

Figura 7.52. Representações elaboradas pelos alunos A4 e A13 para a desigualdade


98

triangular

Como pode ser visto na Figura 7.52, o aluno A13 exprimiu a desigualdade
triangular comparando a medida da hipotenusa de um triângulo retângulo ABC, com
ângulo reto em B, com a soma das medidas dos catetos. O aluno A4 referiu-se a um
triângulo qualquer ABC e descreveu a desigualdade triangular comparando a medida de
cada lado do triângulo com a soma das medidas dos outros dois. Ambos os estudantes
demonstraram ter compreendido o assunto.

7.9.6 Secção PPPRSL: Terceira parte

A atividade proposta na terceira parte da secção PPPRSL consistia num conjunto


de cinco afirmações das quais uma, e apenas uma, estava correta. Era preciso identificá-
la. A Figura 7.53 retrata a atividade e apresenta a resposta dada por dupla, a saber, os
alunos A8 e A30. As treze duplas que responderam a atividade assinalaram a alternativa
correta na primeira tentativa.

295
Figura 7.53. Solução apresentada pelos alunos A8 e A30 à terceira
99

atividade proposta na secção PPPRSL na HQ6

Assim como os alunos A8 e A30, cuja solução aparece na Figura 7.53, os outros
estudantes consideraram falsa a terceira assertiva presente na questão (“É possível
construir um triângulo cujos lados medem 2 cm, 5 cm e 7 cm”) o que revela um
entendimento acerca da desigualdade triangular.

Raciocínio geométrico

A despeito de terem assinalado a alternativa correta, os alunos A8 e A30


cometeram erros conceituais durante a justificação. Conforme pode ser verificado na
Figura 7.53, estes estudantes enunciaram de forma incorreta o Teorema de Pitágoras
(não visto em sala à época): “a hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos”.
Ainda que os estudantes tivessem enunciado o teorema corretamente estariam falhando
em utilizar um resultado ainda não demonstrado em sala de aula. Ademais, referiram-se
à hipotenusa como “o maior ângulo do triângulo retângulo” o que agrava ainda mais os
problemas existentes no texto. O raciocínio geométrico empregado por A8 e A30 será
classificado aqui como EC. Este tipo de raciocínio não foi verificado nas respostas
dadas por outros estudantes. O mesmo pode ser dito acerca do raciocínio do tipo IN.
A forma como os alunos A5 e A25 respondem a atividade aparece na Figura 7.54.

296
Figura 7.54. Solução apresentada pelos alunos A5 e A25 à terceira
100

atividade proposta na secção PPPRSL na HQ6

Conforme pode ser verificado na Figura 7.54, a solução apresentada pelos alunos
A5 e A25 estabelece uma relação de causa e efeito ao afirmar que a hipotenusa é o lado
de maior medida do triângulo retângulo por se opor ao ângulo reto. Os estudantes
afirmam que o ângulo reto é o ângulo de maior medida do triângulo, mas não explicam
o porquê: todo triângulo possui pelos menos dois ângulos agudos! O raciocínio
geométrico empregado por estes estudantes será classificado aqui como SD. Este
mesmo tipo de raciocínio foi identificado nas respostas apresentadas por outras sete
duplas.
Os alunos A3 e A12 justificaram a resposta inserindo-lhe mais detalhes. A
solução apresentada por estes estudantes aparece na Figura 7.55.

Figura 7.55. Solução apresentada pelos alunos A3 e A12 à terceira atividade proposta na
101

secção PPPRSL na HQ6

A resposta apresentada pelos alunos A3 e A12 está bem justificada conforme


pode ser verificado na Figura 7.55. Estes estudantes apontaram o fato do lado de maior
medida opor-se ao ângulo de maior medida em um triângulo. Ademais, explicaram que
o ângulo reto é o ângulo de maior medida do triângulo retângulo tendo em vista que os
demais ângulos só podem ser agudos. Os estudantes demonstram domínio da teoria
necessária à resolução da questão e apresentaram raciocínio geométrico do tipo FD.
Este mesmo tipo de raciocínio foi identificado nas respostas apresentadas por outras
duas duplas. Somente uma dupla apresentou raciocínio geométrico do tipo FDm.
O Gráfico 7.9 apresenta de forma sumarizada os tipos de raciocínio geométrico
identificado nas respostas apresentadas pelos estudantes às duas últimas partes da

297
secção PPPRSL. Quinze duplas responderam à segunda parte e treze duplas
responderam à terceira parte da secção.

Gráfico 7.9. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas dos estudantes às
9

duas últimas partes da secção PPPRSL

O Gráfico 7.9 revela um esvaziamento dos raciocínios geométricos dos tipos IN


e EC. As soluções apresentadas pelos estudantes foram marcadas pelos raciocínios
semidedutivo e dedutivo. O primeiro sobressaiu-se nas respostas fornecidas à terceira
parte da secção e o segundo esteve presente de forma substancial na segunda parte.

Linguagem

A solução apresentada pelos alunos A8 e A30 (ver Figura 7.55) não possui
grandes problemas quanto ao uso da linguagem matemática. Os problemas são
conceituais. Estes estudantes priorizam o uso da língua materna e cometem um deslize
na linguagem ao dizerem que “a hipotenusa se opõe ao ângulo reto dos catetos”. A
expressão “ângulo reto dos catetos” está mal escrita.
Os alunos A5 e A25 tiveram dificuldades em conectar a linguagem materna com a
linguagem simbólica (ver Figura 7.54). Ao escreverem que num triângulo retângulo “o
maior ângulo = 90o”, os estudantes deveriam ter utilizado o verbo “medir” ao invés da
ferramenta simbólica “=”. O sinal de igualdade deve ser empregado para relacionar
298
objetos matemáticos apresentados por meio de ferramentas simbólicas. Para que o
mesmo pudesse ser preservado no texto, a palavra “ângulo” deveria ser substituída pela
ferramenta simbólica que o representa.
A resposta apresentada pelos alunos A3 e A12 não apresenta problemas quanto ao
uso da linguagem conforme pode ser verificado na Figura 7.55. Os estudantes
priorizaram o uso da língua materna. As outras nove duplas também apresentaram
textos sem problemas quanto ao uso da linguagem matemática.

7.9.7 Atividades propostas

Doze duplas responderam as duas atividades propostas no final da HQ. A primeira


atividade, dividida em três partes, contempla os seguintes assuntos: congruência entre
os ângulos da base em triângulos isósceles, as relações entre as medidas dos lados e dos
ângulos de um triângulo e a desigualdade triangular. A Figura 7.56 apresenta os três
itens propostos na primeira questão e traz o excerto da resposta atribuída pelos alunos
A3 e A23 ao item a.

Figura 7.56. Solução apresentada pelos alunos A3 e A23 ao primeiro item da primeira
102

questão proposta ao final da HQ6

As próximas secções tratam dos raciocínios geométricos, das definições


matemáticas e da linguagem presentes nas soluções apresentadas pelos alunos às
questões propostas. A resposta apresentada pelos alunos A3 e A23, retratada na Figura
7.56, será oportunamente comentada.

299
Raciocínio geométrico

A solução retratada na Figura 7.56 revela o domínio teórico dos alunos A3 e A23
no que tange os conteúdos necessários à resolução da questão. Os estudantes aplicaram
devidamente a congruência entre os ângulos da base em triângulo isósceles e o fato de
todo triângulo possuir pelo menos dois ângulos agudos. Daí, concluíram a questão
reportando-se ao fato de ser obtuso o suplemento de um ângulo agudo. Por meio de um
texto bem escrito e justificado, A3 e A23 apresentaram de forma lógica e dedutiva os
argumentos. Empregaram um raciocínio geométrico do tipo FD. Este mesmo tipo de
raciocínio esteve presente nas respostas apresentadas ao item a por outras sete duplas.
Os raciocínios do tipo FDm, SD e EC estiveram distribuídos entre as quatro duplas
restantes: o raciocínio do tipo EC foi verificado nas respostas apresentadas por duas
duplas; apenas uma dupla apresentou raciocínio geométrico do tipo FDm e o mesmo
ocorreu com o raciocínio SD. Não houve registros de raciocínio do tipo IN. Devido à
extensão deste texto, optou-se por apresentar, a partir de agora, apenas o excerto de
soluções em que o raciocínio geométrico empregado seja representativo da maior parte
das duplas.
Dentre as respostas apresentadas ao item b também houve o predomínio do
raciocínio do tipo FD: esteve presente nas respostas apresentadas por sete duplas! A
Figura 7.57 traz a solução apresentada por uma delas, a saber, os alunos A15 e A27.

Figura 7.57. Solução apresentada pelos alunos A15 e A27 ao segundo item da primeira
103

questão proposta ao final da HQ6

De maneira simples e objetiva, os alunos A15 e A27 apresentaram os argumentos


necessários à resolução da questão (ver Figura 7.57). Utilizaram o resultado
demonstrado no item anterior e fizeram uso de dois resultados demonstrados na HQ: a
existência de pelo menos dois ângulos agudos em um triângulo e fato do lado de maior
medida de um triângulo opor-se ao ângulo de maior medida e vice-versa.

300
Nas respostas apresentadas por cinco duplas foi possível verificar a presença dos
demais tipos de raciocínio geométrico: FDm (em uma dupla), SD (duas duplas), IN
(uma dupla) e EC (uma dupla).
O item c assistiu à disputa entre dois tipos de raciocínio geométrico: FD e EC.
Estes dois tipos de raciocínio estiveram presentes nas respostas apresentadas por seis e
cinco80 duplas, respectivamente. Uma única dupla apresentou raciocínio do tipo SD.
Não houve registros de raciocínios do tipo FDm e IN.
Dentre as seis duplas que apresentaram raciocínio do tipo FD uma chamou a
atenção do pesquisador: os alunos A10 e A28. Ao contrário do que se esperava da
resolução da questão, a dupla não recorreu à desigualdade triangular. Os alunos A10 e
A28 apresentaram uma solução mais extensa que se destaca pela forma madura como
foram empregados os conteúdos presentes na HQ. A Figura 7.58 traz a solução.

Figura 7.58. Solução apresentada pelos alunos A10 e A28 ao terceiro item da primeira
104

questão proposta ao final da HQ6

Como se pode perceber através da Figura 7.58, os alunos A10 e A28 não
utilizaram a desigualdade triangular como era de esperar. Optaram por trabalhar com as
propriedades dos triângulos isósceles. Criaram triângulos auxiliares, a saber, os
triângulos CDM e BDM . Em seguida, compararam as medidas dos lados a partir das
medidas dos ângulos em cada um destes triângulos. Na resposta que apresentaram ao

80
Das cinco duplas, três não responderam ao item c. A elas também foi atribuído o raciocínio do tipo EC
por entender que a ausência da solução está atrelada à falta de compreensão acerca dos conceitos
envolvidos.

301
item a, não retratada neste texto, estes alunos A10 e A28 fizeram menção ao fato de todo
triângulo possuir pelos menos dois ângulos agudos. Possivelmente por isso não o
mencionam novamente no item c. Apresentaram os argumentos de forma lógica e
dedutiva.
Abaixo, na Figura 7.59, segue a solução apresentada por uma das duplas em que
foi verificado o raciocínio do tipo EC, a saber, os alunos A24 e A30.

Figura 7.59. Solução apresentada pelos alunos A24 e A30 ao terceiro item da primeira
105

questão proposta ao final da HQ6

Conforme pode ser verificado na Figura 7.59, os alunos A24 e A30 não
coseguiram responder ao que lhes foi solicitado. Cometeram um erro conceitual: foram
de encontro à desigualdade triangular. Consideraram a medida do lado BC, do triângulo
BCD, igual à soma das medidas dos lados CD e DB. A igualdade só poderia ocorrer se
os pontos C, D e B fossem colineares com D entre C e B. Nesse caso, porém, não
haveria o triângulo BCD.
Os tipos de raciocínio geométrico encontrados nas respostas apresentadas pelos
estudantes aparecem no Gráfico 7.10.

Gráfico 7.10. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas dos estudantes
10

aos itens da primeira questão proposta ao final da HQ6


302
O Gráfico 7.10 revela o predomínio do raciocínio do tipo FD ao longo das
respostas atribuídas pelos estudantes aos itens propostos na primeira questão. Nos dois
primeiros itens há uma razoável diferença entre a quantidade de respostas em que
prevaleceu o raciocino FD e as respostas marcadas por outros tipos de raciocínios. No
item c essa diferença cai, mas ainda assim o grupo majoritário é formado pelos
estudantes cujas respostas são construídas numa perspectiva formal e dedutiva.

Definições

A segunda questão proposta era formada por palavras cruzadas que envolviam
os seguintes conceitos: ângulos complementares, diagonal de um polígono, hipotenusa,
retas perpendiculares, quadrilátero, perímetro de um polígono (ver Figura 6.21). Das
doze duplas, dez preencheram corretamente todas as palavras cruzadas. Em seguida, a
partir das respostas encontradas, era formada outra palavra, a saber, “mediana” de um
triângulo ABC. Aos estudantes foi solicitada a definição deste conceito. Somente uma
dupla a apresentou, os alunos A19 e A25. A definição apresentada por estes estudantes
aparece na Figura 7.60.

Figura 7.60. Definição atribuída pelos alunos A19 e A25 à mediana de um triângulo
106

ABC relativa ao lado AB

A definição dada pelos alunos A19 e A25 está correta. Embora estes estudantes
façam uso de representações icônicas, ao escreverem que “a mediana é o segmento de
reta com origem em um dos vértices do triângulo e extremidade no ponto médio do lado
oposto ao vértice” tornam-se independentes das imagens como se espera de uma “boa
definição” em Matemática. A única alteração cabível na definição apresentada por A19 e
A25 consiste na substituição do termo “origem” por “extremidade”. Neste contexto os
303
segmentos não são orientados (tal como ocorre no estudo de vetores). Aqui os
segmentos têm duas extremidades ao invés de uma origem e uma extremidade.
Os alunos A9 e A10 não apresentaram a definição de mediana. Fizeram uso de
um desenho na tentativa de elucidar o conceito conforme pode ser verificado na Figura
7.61.

Figura 7.61. Representação atribuída pelos alunos A9 e A10 à mediana de um


107

triângulo ABC relativa ao lado AB

O fato dos alunos A9 e A10 não terem apresentado a definição formal de mediana
de um triângulo ABC relativa ao lado AB não significa que os mesmos não
compreenderam o conceito. A Figura 7.61 corrobora essa afirmação. Os estudantes
indicam com uma “seta” o segmento de reta que consideram ser a mediana relativa ao
lado AB. Pecam, porém, por não sinalizar, de alguma forma, a congruência entre os
segmentos nos quais AB foi dividido.

Linguagem

Como pode ser verificado através da Figura 7.56, a solução apresentada pelos
alunos A3 e A23 ao item a da primeira questão não apresenta problemas quanto ao uso
da linguagem matemática. O texto está bem escrito. A conexão entre a língua materna e
as ferramentas simbólicas ocorre de forma correta. Não há problemas quanto ao uso das
ferramentas simbólicas. Nas respostas atribuídas por sete duplas a este item não houve
problemas quanto ao uso da linguagem. Todos seguiram uma lógica dedutiva. Nas
soluções apresentadas pelas outras duplas foram encontrados alguns “trechos” passíveis
de modificações:
1. “ é o ângulo externo não adjacente a ” [A24 e A30, HQ6, AP1(a)]. Faltou
mencionar de qual triângulo  é um ângulo externo. Os estudantes não apresentaram
esta informação (certamente por julgarem desnecessário mediante a figura que
acompanha a questão – ver Figura 7.56);

304
2. “Porque se fosse  90  , ADC também seria  90  ” [A10 e A28, HQ6, AP1(a)].
Os estudantes pecaram quanto a articulação entre língua materna e ferramentas
simbólicas;
3. “Sabemos que a base do triângulo não pode medir 90o” [A16 e A18, HQ6,
AP1(a)]. 90 o é uma medida de ângulos. Os alunos certamente queriam dizer que “os
ângulos da base não podem medir 90o cada”.
No que tange ao item b, os deslizes cometidos pelos alunos A15 e A27
consistiram no emprego das ferramentas simbólicas: escreveram “no triângulo CDˆ B ”
ao invés de “no triângulo CDB” e “segmento CB ” ao invés de “segmento CB” (ver
Figura 7.57). Erros desta natureza foram cometidos por mais duas duplas: A9 e A12, A30
e A29. As respostas dadas por cinco duplas não apresentaram problemas quanto ao uso
da linguagem. O raciocínio utilizado por estes últimos estudantes foi do tipo dedutivo
ou semidedutivo.
Os alunos A10 e A28 também cometeram algumas faltas quanto ao uso das
ferramentas simbólicas. A solução que apresentaram ao item c, retratada na Figura 7.58,
corrobora esta afirmação. Escreveram: “triângulo CDˆ B ” ao invés de “triângulo CDB”.
Todas as duplas que responderam à questão cometeram algum deslize no uso da
linguagem matemática.

7.9.8 Alterações necessárias à HQ6

Em uma das questões do Q3, os estudantes foram convidados a apresentar


sugestões de mudanças na HQ6. Dos vinte e um alunos que responderam ao
questionário, dez afirmaram que a HQ não necessita de alterações. Diante da pergunta
“O que você modificaria na história em quadrinhos Dona Geometria em: a estagiária?”
[Q3, Questão 10], alguns destes estudantes responderam:

Nada, pois como já tinha citado ao professor essa foi uma das melhores
historinhas. [A9, Q3]

Essa revista ficou muito explicativa, deu para absorver o máximo dos
assuntos (...) por isso eu não modificaria nada. [A11, Q3]

Nada. Porque eu gostei da revista. [A27, Q3]

Não modificaria não! Acho que dá pra compreeender. [A28, Q3]

305
Eu não modificaria nada porque está bem explicado. [A30, Q3]

O comentário proferido pelo aluno A9 suscita algumas reflexões: O que torna a


HQ6 “melhor” dos que as cinco HQs aplicadas? O que a diferencia das demais? A
despeito de alguns discentes terem proposto a redução na quantidade de assuntos (três
deles o fizeram como será visto mais à frente), a aplicação da HQ em três momentos
distintos já aponta para essa direção. A mudança na metodologia de aplicação das HQs
se revelou como um fator importante: tornou a leitura menos cansativa e faz com que os
alunos se envolvessem mais com a leitura. A linguagem empregada, por outro lado, não
diferiu substancialmente daquela adotada nas outras histórias em quadrinhos.
Consequentemente, não parece ter sido um elemento diferenciador. O mesmo ocorre
com a quantidade de exercícios disponibilizada. Um elemento que variou de uma
história para outra foi o enredo adotado na narrativa. Ainda assim, não há indícios que o
aponte como um divisor de águas. A apresentação da narrativa em pequenos fragmentos
parece ter sido mais relevante do que a história em si.
Dentre as mudanças sugeridas pelos demais onze estudantes apareceram: a
redução na quantidade de assuntos, alteração na linguagem utilizada, inserção de mais
exercícios, mudança na exposição dos teoremas. Um único estudante não respondeu à
questão que versa sobre alterações na HQ6, a saber, a décima questão de Q3.

Quantidade de assuntos

Apenas três estudantes propuseram a redução na quantidade de assuntos presente


na HQ. Os comentários destes estudantes estão transcritos abaixo.

Dividiria em duas historinhas devido ao grande número de informações


que precisam ser apresentadas. [A16, Q3, Questão 10]

Sinceramente não saberia no que modificar, só acho que a quantidade de


informação é muita e prejudica a compreensão do mesmo. [A24, Q3,
Questão 10]

Eu tentaria diminuir o conteúdo. Acho que o excesso de conteúdo não


garante boa formação do graduando. [A25, Q3, Questão 10]

A divisão da HQ3 em três partes (como ocorreu) aproximou-se, em alguma


medida, das reivindicações dos estudantes A16, A24 e A25.

306
Linguagem

Alguns estudantes sugeriram alterações na linguagem empregada no texto. Em


resposta à décima questão do Q3 pontuaram:

Não faria grandes mudanças apenas acho que a linguagem é muito


formal. Mas vem da disciplina. Gostaria que tivesse uma “espécie” de
códigos para facilitar a sua escrita e compreensão. [A1, Q3, Questão 10]

Uma linguagem mais leve, mais jovem. [A5, Q3, Questão 10]

Os comentários dos alunos A1 e A5 apontam para a necessidade de tornar a


linguagem menos formal. O primeiro estudante, porém, reconhece que tal
“formalidade” é inerente ao tipo de estudo que se desenvolve no componente curricular
Geometria Plana.
Os alunos A9 e A16 julgaram a linguagem empregada nas demonstrações
matemáticas presentes na HQ6 incompatível com o tipo de linguagem utilizada nas HQs
de um modo geral:

Nas histórias em quadrinhos é necessária uma linguagem mais dinâmica


e mais coloquial. [A9, Q3, Questão 4]

A linguagem para uma HQ ainda está muito técnica. [A16, Q3, Questão 4]

Ao perceberem que na HQ6 a formalidade da linguagem matemática sobrepôs-se


à linguagem coloquial, a maior parte dos estudantes (treze entre os vinte e um
estudantes que responderam o Q3) declarou que tal fato é inevitável em virtude das
especificidades da Geometria Axiomática. Abaixo, seguem os comentários proferidos
por alguns destes estudantes.

[Em] se tratando de geometria plana axiomática não vejo como utilizar


outra linguagem para a compreensão do assunto. Sendo assim, a
linguagem utilizada [é] necessária para essa compreensão. [A7, Q3,
Questão 4]

Para uma HQ é possível uma linguagem mais coloquial, porém para uma
HQ que envolva assuntos didáticos não é possível colocar uma
linguagem totalmente coloquial. Com isso a linguagem utilizada nas HQs
[sobre] Geometria plana axiomática é plausível. [A11, Q3, Questão 4]

A utilização da linguagem é possível, pois se trata de geometria plana


axiomática em que algumas palavras a princípio são difíceis de
compreender. Mas o contexto de tais frases nos possibilitam a
compreensão. [A12, Q3, Questão 4]
307
Porque não se pode utilizar uma linguagem coloquial nas demonstrações.
[A27, Q3, Questão 4]

A partir dos comentários dos alunos A7, A11, A12 e A27 é possível perceber que
estes discentes compreendem as particularidades da linguagem matemática. Segundo
eles, a linguagem coloquial é incongruente com os textos adotados na abordagem da
Geometria numa perspectiva axiomática.

Inclusão de mais exercícios

Embora em um número reduzido, alguns discentes advogaram pela inserção de


mais exercícios ao longo da HQ:

Acrescentaria mais algumas atividades. [A4, Q3, Questão 10]

Nada, eu apenas acrescentaria mais exercícios. [A31, Q3, Questão 10]

A reivindicação por mais exercícios tem sido recorrente. Desta vez, porém,
apareceu de forma mais discreta: somente A4 e A31 posicionaram-se a respeito. A
inserção de novas seções do tipo PPPRSL pode ter contribuído.

Demonstrações matemáticas

Alguns estudantes reivindicaram por mudanças na apresentação das


demonstrações matemáticas:

Eu modificaria as demonstrações porque elas contêm muita informação e


isso acaba complicando o entendimento. [A3, Q3, Questão 10]

Mudaria a forma de explicar porque alguns assuntos não ficam


totalmente explicados. [A15, Q3, Questão 10]

Quase nada (...) [N]essa edição, apesar do assunto ser ótimo e a


linguagem também, só modificaria como as demonstrações foram
apresentadas porque deixavam meio confusos. [A18, Q3, Questão 10]

A despeito de recomendarem mudanças nas demonstrações matemáticas, os


alunos A3, A15 e A18 não conseguem ser específicos. Não sinalizaram com tais
mudanças deveriam acontecer.

308
Dos vinte e um alunos que responderam o questionário Q3, vinte se
posicionaram de forma favorável à apresentação das demonstrações dos teoremas na
HQ6. Metade desse número sugeriu que as onze demonstrações presentes na HQ fossem
distribuídas ao longo de, pelo menos, duas HQs ao invés de uma única. Abaixo seguem
os comentários proferidos por alguns destes estudantes:

Penso que por ser muitas demonstrações acaba ficando um pouco pesado
para guardarmos todas essas demonstrações de uma só vez. [A3, Q3,
Questão 2]

É necessário ter o conhecimento de todas as demonstrações, mas como


são onze a leitura fica cansativa e quando todas estão em apenas uma
revista aí complica também o entendimento. [A16, Q3, Questão 2]

As onze demonstrações são cansativas na mesma revista [A24, Q3,


Questão 2]

Todas as informações contidas nas HQs são e foram necessárias para o


aprendizado. Mas como são muitas demonstrações seria razoável se
fossem divididas em duas para melhor resultado e para melhor
aprendizado. Mas foi possível adquirir conhecimentos através das HQs.
[A31, Q3, Questão 2]

De acordo com os alunos A3, A16, A24 e A31 a concentração de um grande


número de proposições e demonstrações em uma mesma HQ torna a leitura mais
cansativa e a aprendizagem árdua. A reivindicação pela redução na quantidade de
assuntos nas HQs tem sido recorrente.
Os outros dez estudantes que apoiaram a inserção das demonstrações
matemáticas na HQ não fizeram referência à quantidade de demonstrações presentes no
texto. Suas respostas ao Q3 concentraram-se na importância das demonstrações
matemática no processo de aprendizagem em Matemática:

As onze demonstrações na revista ficaram interessantes, pois esclarecem


de forma sistemática os assuntos abordados. [A11, Q3, Questão 2]

As demonstrações ajudam bastante a fixar o assunto, pois são essenciais


no ensino e na aprendizagem. [A23, Q3, Questão 2]

Uma única revista pode conter todo o conteúdo. O importante é trabalhar


o mesmo de modo que os graduandos entendam o assunto. Acho que
ocorreu isso em nossa turma em relação ao ensino por parte do professor.
[A25, Q3, Questão 2]

309
O comentário do aluno A25 assinala a importância da atuação do professor em
sala de aula. A tensão provocada pela quantidade de conteúdos presentes na HQ pode
ser minimizada pela mediação do docente.
Um único aluno, a saber, o A15, não apoiou a inserção das demonstrações de
todas as proposições na HQ. Este estudante defendeu somente a exposição das
demonstrações dos principais resultados (no caso da HQ6, o TAE). Os demais
resultados, defendeu o estudante, deveriam ser apresentados de forma intuitiva, com
exemplos e sem as demonstrações.

As revistas são uma forma de demonstração, mas não fica totalmente


explicado. Poderia ter mais exemplos. [A15, Q3, Questão 2]

De acordo com o aluno A15, os exemplos tornam as proposições mais inteligíveis


do que as suas respectivas demonstrações.

7.9.9 Triangulação dos dados

A Figura 7.62 apresenta de forma resumida as informações apresentadas ao


longo desta secção. Os dados foram extraídos a partir dos comentários proferidos pelos
estudantes em sala de aula, pelas respostas dadas às questões do questionário Q3 e por
meio das soluções apresentadas às atividades propostas.

Figura 7.62. Triangulação dos dados relacionados à HQ6


108

A Figura 7.62 mostra que os alunos compreendem a necessidade de se


apresentar as demonstrações matemáticas nas HQs. Isto não significa que os mesmos
310
não sintam dificuldades em compreendê-las. A título de exemplo destaca-se a
demonstração da unicidade da perpendicular a uma reta passando por um ponto fora
dela. Como ocorrido nas leituras de outras HQ S, mais uma vez os discentes sentiram
dificuldades diante das demonstrações por redução ao absurdo. Dentre as onze
proposições e demonstrações presentes na HQ6 esta foi aquela que exigiu maiores
esclarecimentos por parte do pesquisador.
A maior parte dos estudantes (treze ente os vinte e um que responderam ao
questionário Q3) entende que a linguagem presente nas demonstrações matemáticas não
deve ser alterada mesmo quando presentes em HQs. Há, porém, aqueles que advogam
pela utilização de uma linguagem menos formal por ser este tipo de linguagem aquele
comumente utilizado nas literaturas quadrinísticas.
Ainda no que tange à linguagem, as respostas dos estudantes às atividades
propostas foram marcadas pela formalidade. Em alguns casos, a conexão entre a
linguagem materna e as ferramentas simbólicas mostrou-se passível de ajustes. Em
outros casos, foi possível perceber a utilização adequada da linguagem matemática.

7.10 Aplicação da HQ7

A última HQ aplicada teve como tema o cálculo da área de regiões planas


limitadas por polígonos tais como os paralelogramos, os triângulos e os trapézios.
Contemplou ainda a área das regiões planas limitadas pelo círculo. Houve um interstício
de quatro semanas entre as aplicações das HQ6 e HQ7. Neste período o pesquisador, que
atuou como professor, deu continuidade à exposição dos conteúdos de Geometria Plana
através de aulas dialogadas e facilitadas pela utilização de um projetor multimídia,
conhecido como Data-Show. Dessa forma foram apresentados os seguintes assuntos: o
axioma das paralelas e as suas consequências, semelhança de triângulos, círculo e
noções de trigonometria. O intervalo deveu-se ao interesse do pesquisador em verificar
de que forma os discentes reagiriam à retomada da leitura de HQ, desta vez na etapa
final dos estudos em Geometria Plana e à sua vontade de utilizar a literatura
quadrinística para apresentar um assunto rico em aplicações como o cálculo de área. No
período compreendido entre a apresentação das duas últimas HQs, vez ou outra, um dos
estudantes lançava a seguinte pergunta na sala: “Professor, quando será a leitura da
última HQ?” [A7].

311
A hora chegou. A HQ7 tratou dos assuntos mencionados no parágrafo anterior.
Desta vez, o número de participantes da pesquisa foi reduzido. No período de um mês, o
curso de Licenciatura em Matemática UFRB assistiu a uma evasão impulsionada pelo
processo de transferência interna que levou vários estudantes a mudarem de curso.
Outros elementos ajudaram na promoção da evasão: o período de trancamento parcial
ou simplesmente o mero abandono do curso. Ao sondar o que estava ocorrendo em
outros componentes curriculares, o pesquisador percebeu que a evasão não se deu
apenas no componente curricular em que atuava. Os alunos que não estavam
comparecendo às suas aulas, também o faziam em outras disciplinas. No QD, aplicado
no início da investigação, aproximadamente um terço dos estudantes havia assinalado o
desejo de ingressar em outro curso universitário. O número de alunos desistentes
aproximou-se desse número: cerca de 31 % do total de estudantes. Restaram vinte e dois
alunos. No dia da aplicação da HQ7 dois destes estudantes faltaram.
Durante a aplicação da HQ7, o pesquisador pediu aos estudantes que
registrassem, em forma de áudio, as conversas e discussões realizadas ao longo da
leitura. Para isso, os discentes utilizaram uma das funções de seus aparelhos celulares, a
saber, o gravador de voz. No encontro seguinte, eles levaram à sala de aula, em pen-
drive, esses registros e entregaram-nos ao investigador. As gravações revelaram que
apenas uma dupla desenvolveu uma leitura acrítica e pouco preocupada com a
aprendizagem: os alunos A4 e A25. Dos demais, 60% realizaram uma leitura crítico-
reflexiva e 40% mostraram envolvimento com o texto intercalado com alguns
momentos de dispersão.

7.10.1 Primeira parte da leitura

As definições apresentadas para as regiões triangular e poligonal, no início da


HQ, levou os alunos A11 e A20 a lê-las mais de uma vez para que pudessem
compreendê-las: “Chamamos de região triangular ao conjunto formado por todos os
segmentos cujas extremidades estão sobre os lados de um triângulo” [HQ7, p. 6],
pontuou Dona Geometria na HQ. Em seguida, esta mesma personagem assinalou que
região poligonal é uma “reunião de um número finito de regiões triangulares que duas a
duas não têm pontos interiores em comum” [HQ7, p. 7]. Nesta fase inicial da leitura, o
aluno A8 utilizou a imagem apresentada na HQ (ver Figura 6.9) para explicar ao seu
colega de dupla, o aluno A30, o axioma que afirma que a área de uma região poligonal
312
formada pela união de regiões triangulares (que não possuem pontos interiores em
comum) é igual à soma das áreas das regiões triangulares: “No caso aqui, ó... [menciona
o nome do aluno A30], tá vendo a região triangular?! [aponta para a figura]” [A8,
Áudio]. A postura destes alunos mostra que leitura do texto acompanhada de imagens
torna os assuntos mais inteligíveis. O aluno A27 também explicou ao aluno A15 o
enunciado do mesmo axioma. Ainda com relação a esta parte do texto, o aluno A3
perguntou ao seu colega, o A29: “Deu para entender?” [A3, Áudio]. A29 respondeu
dizendo-lhe que sim.
O enunciado da proposição referente ao cálculo da área de regiões planas
limitadas por paralelogramo foi lida, pelo menos, duas vezes por cada dupla (o mesmo
ocorreu durante a leitura das proposições referentes às áreas limitadas por triângulos ou
trapézios). Após a segunda leitura, os participantes demonstraram compreender o
enunciado o qual aparece na Figura 7.63.

Figura 7.63. Área da região plana limitada por um paralelogramo


109

Na perspectiva de tornar mais simples o enunciado da proposição que aparece na


Figura 7.63, o aluno A10 fez memória à forma como aprendeu este assunto na educação
básica e explicou ao seu colega, o aluno A28: “É essa base aqui [aponta para a figura]
vezes essa altura” [A10, Áudio]. Em outra dupla, o aluno A10 advertiu o aluno A20: “Não
[é] o produto de um lado pelo outro” [A10, Áudio]. Ou seja, dados dois lados não
paralelos em um paralelogramo, nem sempre um deles coincidirá com a altura relativa
ao outro, explicou o estudante.
Durante a leitura da demonstração, algumas duplas sentiram dificuldades. O
aluno A10, inconformado com a forma com a qual a demonstração foi apresentada na
HQ, disse ao seu colega, o aluno A28: “Essa demonstração de letra é [difícil]. Bota
número aí que a gente entende mais fácil” [A10, Áudio]. O texto ao qual o A10 se referia

313
fazia menção aos vértices de um paralelogramo ABCD e aos pés das alturas baixadas a
partir de dois deles, a saber, os vértices A e B. A Figura 7.64 traz um dos quadrinhos
que ofereceu dificuldades ao estudante. Não era possível  ou pelo menos não convinha
 utilizar números em tais representações (no caso, para as medidas dos segmentos que
aparecem na Figura 7.64).

Figura 7.64. Excerto da demonstração da fórmula da área da região plana


110

limitada por um paralelogramo

Conforme é possível perceber por meio da Figura 7.64, para estudar a área da
região plana limitada pelo paralelogramo ABCD, o texto recorreu à construção de um
retângulo ABFE que limita uma área numericamente equivalente àquela contornada
pelo paralelogramo. Os alunos A10 e A28 só compreenderam a relação entre as áreas do
paralelogramo e do retângulo após os esclarecimentos do investigador. As outras duplas
não apresentaram dúvidas acerca desta demonstração.
Uma questão recorrente durante as leituras consistiu no uso da palavra “igual”
ao invés da palavra “congruente” em expressões do tipo “AD = BC”. O pesquisador já
havia comunicado em sala que, por limitações do toondoo, não era possível utilizar, nas
HQs ferramentas simbólicas do tipo AB para representar o comprimento de AB
(embora em sala de aula ele o fizesse para entrar em consonância com os exercícios e
problemas extraídos de Barbosa (2006)). Explicou-lhes que as igualdades entre
segmentos presentes nas HQs reportavam-se aos comprimentos desses segmentos.
Expressões do tipo “AD = BC” (que, a partir das representações simbólicas
referendadas em sala de aula, significariam AD  BC ) reportavam-se à congruência
entre os segmentos e não a igualdade entre eles (enquanto conjunto de pontos). Há
igualdade apenas entre os comprimentos dos segmentos. Contudo, em todos os áudios

314
gravados durante a leitura da HQ7, a expressão citada foi lida como “AB é igual a BC”.
Enquanto conjuntos de pontos, esses segmentos não são, necessariamente, iguais. Esse
fato aponta para a inconveniência da escolha da ferramenta simbólica “=” (assimilada
pelos alunos como o próprio sinal de igualdade) ao invés de “” (usualmente utilizada
em livros didáticos para se reportar à congruência).
A proposição referente à área limitada por triângulos provocou menos
problemas. Foi compreendida com mais facilidade. Durante a leitura do seu enunciado o
aluno A20 o converteu para uma linguagem que lhe era mais familiar. Disse ao seu
colega (o aluno A11): “Base vezes altura dividido por dois” [A20, Áudio]. Durante a
leitura da demonstração, este último, o aluno A11, tentando explicá-la ao A20 lhe
recomendou: “Pegue um paralelogramo e divida-o em dois triângulos... [estabelece
relações entre as áreas do triângulo e do paralelogramo]” [A11, Áudio]. Na verdade, a
demonstração é desenvolvida em sentido contrário: parte-se do triângulo para obter o
paralelogramo. Para isso, constrói-se um triangulo auxiliar e congruente ao primeiro.
Mesmo assim, a dupla revelou ter entendido a relação entre esses polígonos ao concluir
a leitura. Em outra dupla, ao ler no texto que a área limitada pelo paralelogramo
(formado a partir de dois triângulos congruentes) correspondia à metade da área
limitada por cada triângulo, um dos estudantes, (o aluno A10) em forma de gíria,
expressou o seu entendimento do texto ao dizer ao colega: “De boa! [que em linguagem
corrente significa tudo certo, tranquilo]” [A10, Áudio]. As outras duplas não
apresentaram dificuldades em compreender a demonstração.

7.10.2 Secção PPPRSL

A questão proposta em PPPRSL exigiu dos participantes um conhecimento


mínimo da nomenclatura empregada às partes de um campo de futebol. Esse fato pode
ser verificado através da Figura 6.10, no capítulo anterior. Termos e expressões como
pequena área, grande área, pênalti e círculo central do campo foram utilizados.
Somente dois participantes  ambas as mulheres  revelaram desconhecer alguns desses
termos. Suas dúvidas a esse respeito foram diluídas pelo companheiro da dupla e pelo
próprio investigador.
A questão consistia na identificação de uma, e somente uma, alternativa
incorreta entre cinco informações apresentadas. As declarações faziam uso de valores
numéricos atribuídos às dimensões dos lados e de algumas regiões interiores ao campo
315
de futebol. O primeiro item envolvia o cálculo da área da região plana compreendida
entre a pequena e a grande área do campo. Embora identificassem cada uma dessas
regiões, os alunos A11 e A20 tiveram dificuldades em identificar a região compreendida
entre elas. O segundo estudante disse ao primeiro: o que significa “área compreendida
entre a pequena e a grande área?” [A20, Áudio]. Este tipo de problema não acometeu as
outras duplas. Após algumas reflexões, os alunos A11 e A20 conseguiram identificar a
região. Ainda sobre esta questão, o aluno A30 disse ao A8: “Aqui é a grande área do
campo, entendeu? [apontando para a figura]” [A30, Áudio]. E, em seguida,
complementou: “Ah! É essa daqui [referindo-se à região entre a pequena e a grande
área]. Porque está tirando o retângulo daqui de dentro” [A30, Áudio], concluiu o
estudante.
Após ter descoberto o valor da “grande área”, o aluno A27 disse ao seu colega, o
aluno A15: “Temos que calcular a área da pequena [área] para depois diminuirmos”
[A27, Áudio]. Este último, confuso com relação ao procedimento a adotar disse: “Não
divide não?!” [A15, Áudio]. Daí, o aluno A27 procedeu com os esclarecimentos. Essa
pequena confusão não foi encontrada nos áudios entregues pelos outros participantes.
Em outra dupla, o aluno A6 comentou com o aluno A23: “A gente vai ter que achar o
valor da grande área e da pequena e depois diminuir uma pela outra” [A6, Áudio]. Esse
último registro representa a concepção da maioria dos estudantes acerca da questão.
O item seguinte referia-se ao diâmetro do círculo central cujo raio havia sido
dado na questão. O aluno A10 disse ao aluno A28 que a assertiva era “verdadeira.
Diâmetro é duas vezes o raio. Aqui o raio [aponta para a figura]” [A10, Áudio]. Em
outra dupla, o aluno A11 esclareceu ao aluno A20 que “se o raio é 9,15 então o diâmetro
é 18,3” [A11, Áudio].
A princípio o aluno A1 acreditou não ser possível calcular o diâmetro do círculo.
O seu colega, o aluno A9, ao identificar o valor do raio na figura, disse-lhe: “Mas ele
deu aqui a medida [aponta para o valor do raio]” [A9, Áudio]. O primeiro continuou:
“Mas ele não está dando o diâmetro” [A1, Áudio]. Este estudante parece ter esquecido a
relação entre raio e diâmetro de um mesmo círculo. O aluno A9 relembrou ao colega a
relação entre esses elementos dizendo que a medida do segundo é igual ao dobro da
medida do primeiro. Nas demais duplas, os estudantes não apresentaram dificuldades
em resolver esse item. Os últimos três itens também foram resolvidos sem provocar
tensões.

316
Ao final da atividade, o aluno A7 disse ao pesquisador que não havia recorrido
aos assuntos presentes na HQ para resolver as questões. De fato, a maior parte dos itens
envolvia o cálculo de área de regiões planas limitadas por retângulos o que era do
conhecimento dos estudantes (não necessariamente como axioma). O estudante, assim
como os demais participantes, já sabia calcular a área desse tipo de região por tê-la
aprendido na educação básica. Ao final, todas as duplas encontraram a alternativa
procurada na primeira tentativa.

7.10.3 Segunda parte da leitura

Ao retomar a leitura, os estudantes passaram a estudar o cálculo da área de


regiões planas limitadas por trapézios. O enunciado da proposição que se referia a este
tipo de área foi lido duas vezes por cada dupla até conseguirem entender o seu
significado: “A área de um trapézio é igual a metade do produto de sua altura pela soma
dos comprimentos de suas bases” [HQ7, p. 12] Alguns participantes demonstraram já ter
visto este assunto (não necessariamente a demonstração): “Vi esse assunto na escola”
[A7, Áudio]. “Estudei área do trapézio outro dia para ensinar o meu primo” [A12,
Áudio].
Durante a demonstração, o trapézio foi decomposto em dois triângulos de modo
que a soma das áreas das regiões limitadas pelos dois últimos correspondia à área da
região limitada pelo primeiro. Para isso foi traçada uma de suas diagonais. As alturas
dos triângulos relativas às bases do trapézio eram congruentes. Na última passagem da
demonstração utilizou-se apenas uma delas em ambos os triângulos e por fim concluiu-
se a demonstração. Esse fato gerou inquietações em alguns estudantes, como por
exemplo, o aluno A1. Seu colega, o aluno A9 explicou-lhe a demonstração e lhe
orientou: “Não precisa ler rápido. Leia devagar para entender” [A9, Áudio]. Assim
como A1, nem todos os participantes haviam compreendido a demonstração. A maior
parte deles, após refletir a respeito, conseguiu compreendê-la.
A parte do texto menos inteligível para os estudantes foi a que se referiu ao
círculo: área e comprimento. O texto apresentou a área como o “menor número maior
que a área de qualquer polígono nele [no círculo] inscrito” [HQ7, p. 13]. A antítese
menor/maior tornou-se uma pedra no calcanhar dos estudantes: “Meio confuso!”
[Áudio], declarou o aluno A15. “Assim fica difícil” [Áudio], disse o aluno A20. Outro

317
estudante, o aluno A7, destacou que “apertou a mente81” [Áudio]. O impasse em torno
do estudo do círculo começou a ser contornado a partir do momento em que o
investigador passou a utilizar exemplos numéricos durante as explicações dadas aos
estudantes.
Ao final da HQ, a utilização da expressão  r 2 para calcular a área da região
plana limitada por um círculo de raio r foi justificada dividindo-o em setores circulares
cada vez menores. Assim, a soma das áreas das regiões planas limitadas por estes
últimos correspondia à área da região plana limitada pelo primeiro. A Figura 6.11,
apresentada no capítulo 6, traz o excerto desta parte da HQ. Diante da associação entre a
área limitada pelo círculo e as áreas dos setores circulares, o aluno A12 destacou: “Agora
ficou claro” [Áudio]. O aluno A11 também se mostrou satisfeito com a justificação
apresentada na HQ: “Interessante” [Áudio], destacou o estudante.
A despeito de já terem ouvido falar acerca do número irracional  (“pi”),
alguns estudantes não sabiam de que se tratava. Ao descobrir, durante a leitura da HQ,
que tal número irracional é o quociente entre o comprimento e o diâmetro de um mesmo
círculo, o aluno A11 manifestou certo entusiasmo. As palavras que proferiu não serão
transcritas neste texto por serem incompatíveis com um texto acadêmico (palavras de
baixo calão mas que revelam satisfação). Outro estudante expressou a mesma ideia,
embora de forma mais moderada: “Eu sempre tive curiosidade para saber de onde veio
esse valor [referindo-se ao  ]” [A1, Áudio]. E, em seguida, completou: “Gostei!”
[Áudio].

7.10.4 Identificação com o texto

Em alguns momentos, os estudantes demonstraram se entreter com a leitura.


Alguns deles (como A6 e A23, A15 e A27 [Áudio]), riram quando viram no texto
expressões e nomes que lhe são familiares tais como: “Vice-tória”; “Já-hia”; “Que nada,
você como eterno vice vai ficar em segundo lugar. Quem vai tirar dez sou eu”
(referindo-se a rivalidade entre os maiores times de futebol da Bahia e às piadas
utilizadas pelos torcedores). Os personagens que torciam por times rivais provocou

81
“Apertar a mente” é uma gíria utilizada no Brasil para expressar que determinado tema/assunto é difícil
de compreender.

318
identificação em alguns leitores: “Nossa dupla deu certo. Eu sou Bahia e você é
Vitória” [A8, Áudio], disse o aluno A8 ao seu colega A30. “Eu gosto de Bartolomeu
porque é [torcedor do] Bahia” [Áudio], reforçou o mesmo estudante. Em outra dupla,
em que ambos os estudantes eram torcedores do mesmo time, ao ler que “Bartolomeu é
o meu brother. É uma pena que ele torce para o Já-hia”, o aluno A11 disse: “Toma!”
[demonstrando concordar com a fala do personagem] [Áudio]. Seu colega o apoiou
dizendo-lhe: “É isso aí!” [A20, Áudio].
A existência de alguns personagens cujos nomes coincidiam com os nomes de
alguns alunos da classe provocou risos em alguns alunos a exemplo de A1, A3, A8, A9,
A11, A20, A29 e A30. O aluno A8, surpreso ao ver o nome de um dos seus colegas na HQ,
disse ao aluno A30: “Ó, ele [o autor da HQ] colocou [cita o nome do colega referenciado
na história]” [Áudio]. O aluno A30 riu. Os alunos referenciados na HQ não participaram
da leitura da HQ7. Haviam solicitado o trancamento do componente curricular. Quando
a HQ foi confeccionada eles ainda estavam frequentando as aulas.

7.10.5 Atividades propostas

No encontro seguinte o investigador retomou as discussões envolvendo o cálculo


de área de regiões planas limitadas pelo círculo. Explanou sobre o comprimento dessa
curva e sobre o número irracional . A definição de área e do comprimento de círculo
haviam provocado inquietações nos alunos. A maior parte não conseguiu entender a
explanação dada na HQ. O investigador iniciou as explicações recorrendo ao método da
exaustão e, em seguida, tentou dar exemplos numéricos. Por fim, retomou as definições
dadas na HQ tentado torná-las mais inteligíveis aos alunos.
Finalizadas as discussões, foi entregue às onze duplas uma atividade acerca do
conteúdo exposto na HQ7. A atividade foi composta por três itens conforme se pode
perceber na Figura 7.65.

319
Figura 7.65. Atividades propostas ao final da HQ7
111

De acordo com a Figura 7.65, o primeiro item consistia no cálculo da área da


região plana limitada pelo triângulo AJO em que J e O são, respectivamente, os pontos
médios dos segmentos AD e AI. Um dos caminhos possíveis para solucionar o
problema, consiste no uso da razão de semelhança entre os triângulos ADI e AJO. As
medidas da base DI e da altura a ela relativa, no primeiro triângulo, são dadas na
questão.

Raciocínio geométrico

A resolução apresentada pela maioria dos alunos decorre da existência de dois


triângulos semelhantes, a saber, os triângulos ADI e AJO. Sete das onze soluções
apresentadas foram elaboradas a partir da razão de semelhança entre os triângulos. Em
três destas soluções, os estudantes assumiram como verdade a semelhança entre os
triângulos sem justificá-la. Neste caso será assumido que tais estudantes se basearam na
“aparência” dos dois triângulos. O raciocínio empregado por eles será classificado como
IN. Uma dupla explicou como obteve as medidas do lado JO e apresentou argumentos
que ajudaram a esclarecer como foi obtida a medida da altura do triângulo AJO relativa
à base JO. O raciocínio empregado pelos estudantes foi do tipo FDm. E, concluindo o
total de sete duplas, três delas justificaram parcialmente a solução: explicaram apenas
como obtiveram a medida do lado JO. Neste caso, é perceptível a presença do raciocínio

320
do tipo SD. A solução apresentada por uma destas três duplas, a saber, os alunos A12 e
A29, aparece na Figura 7.66.

Figura 7.66. Solução proposta pelos alunos A12 e A29 ao primeiro item da questão
112

proposta ao final da HQ7

A partir da Figura 7.66 é possível perceber o cuidado dos alunos A12 e A29 em
explicar como obtiveram as medidas da base e da altura do triângulo ADI: “a medida da
‘pequena área’ é igual a 40,3 – (2 . 11) = 40,3 – 22 = 18,3”; “sabemos também que a
altura deste triângulo é igual a distância entre a marca do pênalti e o gol que é 11m”. A
partir daí, estes estudantes utilizam uma proposição que versa sobre o segmento que une
os pontos médios de dois lados de um triângulo para concluir que a medida do lado JO
do triângulo AJO é igual à metade da medida do lado DI do triângulo ADI. Pecam
apenas por não explicar porque o mesmo pode ser dito com relação às medidas das
alturas dos triângulos relativas aos lados mencionados. A partir daí usam os valores
obtidos para calcular o valor da área da região plana limitada pelo triângulo AJO. A
despeito de alguns equívocos (como a escrita da palavra calculamos; a referência ao

321
triângulo ADL ao invés de ADI ou ainda erros de “conta” no final82), a solução
apresentada se destaca pela exposição sistemática e justificada da maior parte dos
valores encontrados.
Se, por um lado, sete duplas responderam ao item à luz da semelhança entre os
triângulos ADI e AJO, por outro, quatro duplas apresentaram soluções equivocadas. Os
equívocos ora residiram na obtenção dos valores incorretos para as medidas da base e
altura do triângulo AJO ora pela presença de erros conceituais. A título de exemplo,
destaca-se a solução apresentada pelos alunos A10 e A28. Ao fazerem menção à
semelhança entre os triângulos ADI e AJO (fato não justificado pelos estudantes), estes
alunos concluíram que “a área do menor triângulo será a metade do triângulo maior”
[A10, e A28, HQ7, AP(a)]. Como a razão de semelhança entre os triângulos AJO e ADI é
igual a meio, o correto seria afirmar que a área do triângulo AJO corresponde a um
quarto da área do triângulo ADI.
O segundo item referia-se ao cálculo da área da região plana limitada por um
trapézio. As soluções apresentadas por sete duplas foram constituídas por uma
sequência de cálculos que convergem para o valor da área da região trapezoidal. A
solução apresentada por uma destas duplas, a saber, os alunos A11 e A20, aparece na
Figura 7.67.

Figura 7.67. Solução proposta pelos alunos A11 e A20 ao segundo item da questão
113

proposta ao final da HQ7

Os estudantes que responderam ao item b de forma semelhante à resolução dada


por A11 e A20 (retratada na Figura 7.67) fizeram o uso adequado da teoria exposta na

82
O valor 50, 325 corresponde ao produto entre 9,15 e 5,5. Os estudantes se esqueceram de dividir o
resultado por dois.

322
HQ no que concerne à área de regiões trapezoidais. Assim como A11 e A20, tais
estudantes restringiram suas respostas ao uso de ferramentas simbólicas e de
representações imagéticas. Não recorreram à língua materna. Levando-se em
consideração a apresentação dos cálculos em um ordenamento correto e, ao mesmo
tempo, à falta de cuidado em situá-los no contexto da resolução por meio da língua
materna, o tipo de raciocínio aqui empregado será classificado como FDm.
As respostas apresentadas por duas duplas foram marcadas por textos
explicativos que articulavam três tipos de linguagem: materna, simbólica e imagética.
Por meio do raciocínio lógico tais estudantes obtiveram a resposta correta. O raciocínio
será classificado como FD.
As respostas apresentadas por duas duplas não atenderam ao que foi solicitado.
Apresentaram somente o valor que julgavam corresponder à área da região trapezoidal.
Não apresentaram os cálculos ou quaisquer outras justificativas. Além de omitirem as
justificações apresentaram o valor errado para a área solicitada. Mediante a falta de
elementos que possibilitem classificar o tipo de pensamento adotado, mas ao mesmo
tempo, considerando que a resolução da atividade dificilmente poderia ser desenvolvida
apenas mentalmente o tipo de raciocínio adotado será classificado como EC. Essa
escolha deve-se ao fato de que a ausência de argumentos  numéricos ou textuais  na
resposta apresentada aponta para a falta de domínio quanto à teoria apresentada ou para
a ocorrência de dificuldades quanto à apresentação dos pensamentos por parte dos
estudantes envolvidos.
O terceiro item tratava da comparação entre as medidas do comprimento do
círculo central e do perímetro do trapézio MNRS indicado no item anterior. Nas
respostas apresentadas por seis duplas foi possível perceber a presença do raciocínio
dedutivo dividido igualmente entre os tipos FDm e FD. As duplas que apresentaram
raciocínio do tipo FDm restringiram-se ao uso das linguagens simbólica e icônica.
Destinaram ao leitor83 (o professor, os colegas) a tarefa de estabelecer conexões entre as
etapas que constituem a resolução: 1. Cálculo do comprimento do círculo central; 2.
Determinação das medidas das laterais do trapézio MNRS (neste momento recorre-se ao
Teorema de Pitágoras); Cálculo do perímetro de MNRS. Por outro lado, as duplas que
apresentaram raciocínio do tipo FD agregam às linguagens simbólica e icônica a

83
Por leitor entende-se toda e qualquer pessoa que lerá a solução apresentada pelos estudantes.

323
linguagem verbal. Foram mais didáticos na apresentação da solução. A Figura 7.68
apresenta a resposta construída por uma destas duplas, a saber, os alunos A12 e A29.

Figura 7.68. Solução proposta pelos alunos A12 e A29 ao terceiro item da questão
114

proposta ao final da HQ7

Durante a solução retratada na Figura 7.68, os alunos A12 e A29 tentam


estabelecer um diálogo com o leitor: “não temos os valores do[s] segmento[s] MS e
RN para isso baixamos a altura do quadrilátero” [A12 e A29, HQ7, AP(c)]. Neste caso, os
estudantes não apresentam apenas os cálculos e as figuras, mas tentam explicar
textualmente os procedimentos adotados.
Em dois casos o raciocínio foi classificado como EC: resposta “em branco” e
resposta errada (sem justificativa alguma, incluindo cálculos). Os raciocínios do tipo SD
e IN foram identificados nas respostas apresentadas, respectivamente, por uma e duas
duplas.
O Gráfico 7.11 apresenta a distribuição dos tipos de raciocínio geométrico ao
longo dos três itens propostos.

324
Gráfico 7.11. Tipos de raciocínio geométrico encontrado nas respostas atribuídas pelos
11

dos estudantes às atividades propostas ao final da HQ7

O Gráfico 7.11 apresenta um pico do raciocínio do tipo FDm durante a resolução


do item b. Fora isso, ocorre uma disputa equilibrada entre os raciocínios FD e EC ao
longo dos itens a e b. Na primeiro caso, há uma maior ocorrência do raciocínio EC e no
segundo caso a situação é invertida.
Essa atividade mostrou que, em questões que envolvem valores numéricos, os
alunos tendem a apresentar somente os cálculos. Nem sempre se preocupam em
justificá-los por meio da língua materna. Os valores numéricos obtidos ao final dos três
itens mostram que, a despeito de evitaram a explicitação textual, a maior parte dos
estudantes conseguiu se apropriar do conteúdo exposto na HQ.

Linguagem

Conforme é possível perceber por meio da Figura 7.66, na resposta atribuída


pelos alunos A12 e A29 ao item a percebe-se o uso adequado da linguagem matemática.
A inserção da fórmula utilizada para o cálculo da área de regiões triangulares é
conectada ao texto de forma a assegurar a fluência do mesmo. As ferramentas
simbólicas são empregadas adequadamente. Há, porém, um erro no uso da língua

325
materna que, embora não modifique o sentido do texto, precisa ser corrigido: o uso da
palavra “cauculamos” ao invés de “calculamos”. Um erro quanto à escrita em língua
portuguesa também foi identificado na solução apresentada ao mesmo item pelos alunos
A15 e A27: “sabemos que o seguimento ligando dois pontos médios é paralelo ao terceiro
lado” [A15 e A27, HQ7, AP(a)]. Estes alunos escrevem “seguimento” ao invés de
“segmento”.
Ao fazerem referência à área da região plana limitada pelo triângulo ADI, os
alunos A12 e A29 a chamam de “área do triângulo ADL” (ver Figura 7.66). A
substituição de ADI por ADL parece provir da desatenção (distração) dos estudantes. O
emprego do termo “área do triângulo” ao invés de “área da região triangular limitada
por ADL” certamente tem origem na tradição. A expressão adotada pelos estudantes
aparece em muitos livros. O seu uso não compromete o sentido do texto o qual continua
sendo inteligível. Contudo, sendo um triângulo o conjunto constituído por “três pontos
que não pertencem a uma mesma reta e pelos três segmentos [de reta] determinados por
estes três pontos” (Barbosa, 2006, p. 3) não é adequado referir-se à sua área. O correto é
referir-se à área da região plana por ele limitada. Tal região é citada por Barbosa (2006)
e Dante (2007c) como região triangular. O mesmo pode ser dito acerca das regiões
plana limitadas por outros polígonos: região quadrada, retangular, trapezoidal, limitada
por um paralelogramo e etc. Rezende e Queiroz (2012) também fazem uso do conceito
de região poligonal (convexa) durante a apresentação do conceito de área. A primeira é
a “reunião de um polígono convexo com seu interior” (p. 108), ou seja, a reunião do
polígono com a região plana por ele limitada. Rigorosamente deve-se dizer “área da
região poligonal” ao invés de “área do polígono”. Contudo, para simplificar a
linguagem, Rezende e Queiroz (2012) comunicam aos seus leitores que passarão a usar
“a expressão ‘área de um polígono’ ao invés de ‘área da região poligonal’” (2012, p.
108). Barbosa (2006) também se comporta de forma semelhante. Diz ao leitor que
tomará “a liberdade de usar expressões do tipo ‘a área de um quadrado” (p. 176) quando
quer “dizer realmente ‘a área da região poligonal cuja fronteira é um quadrado’” (p.
176). O problema é que, em muitos casos, os leitores não são advertidos a esse respeito
o que ocorre, por exemplo, nos trabalhos de Garbi (2010) e Imenes e Lellis (1999).
Desta forma perpetua-se o uso de expressões do tipo “área do triângulo”, “área do
losango”, “área do trapézio”, “área do quadrado” quando na verdade quer-se fazer
referência às áreas das regiões planas limitadas por estes polígonos.

326
Confusões entre determinado conceito e algum número real a ele associado
costumam acometer os estudantes. Ainda com relação ao item a, os alunos A8 e A30
confundiram a altura (relativa a um determinado lado de um triângulo) com a sua
medida (o que também é comum ocorrer em livros didáticos): “a altura do triângulo
AJO é metade da altura de ADI” [A8 e A30, HQ7, AP(a)]. Por definição, uma “altura de
um triângulo é o segmento perpendicular que une um vértice de um triângulo à reta que
contém o lado oposto” (Rezende & Queiroz, 2012, p. 43). Portanto, a “altura é o
segmento” e o seu comprimento é a medida da altura. Alguns autores como Dante
(2007c) são bastante cuidadosos a esse respeito: “a área de uma região triangular é a
metade do produto da medida da base pela medida da altura correspondente” (p. 222).
Outros, como Barbosa (2006) ora refere-se explicitamente à medida da altura  como na
apresentação da área de uma região trapezoidal a qual “é o produto do comprimento de
sua altura pela soma dos comprimentos de suas bases” (p. 178)  ora fazem referência
apenas à altura (atribuindo-lhe indiretamente à ideia de número). Tal fato pode ser
verificado na apresentação da área de uma região triangular que, segundo este autor, “é
a metade do produto do comprimento de qualquer de seus lados pela altura relativa a
este lado” (p. 178). Ao dizer, “pela altura” o autor quis referir-se ao “comprimento da
altura”. Este tipo de confusão ocorre com frequência. A raiz do problema pode estar na
noção atribuída ao conceito de altura no dia a dia: a altura de uma pessoa, de um prédio
e etc. Todas as soluções apresentadas para o item são passíveis de melhoria.
Assim como a solução dada por A11 e A20 para o item b (Cf. Figura 7.67), as
respostas apresentadas pela maior parte dos estudantes centraram-se no emprego da
linguagem simbólica. Nestes casos não foram verificados problemas no uso da
linguagem, contudo a falta da linguagem verbal deixou o texto menos acessível.
Somente três duplas apresentaram soluções em que ambos os tipos de linguagens foram
empregados de forma totalmente correta. Essas três soluções foram construídas numa
perspectiva indutiva.
A resolução do item c não foi marcada por problemas com relação ao uso da
linguagem matemática. No caso da solução apresentada pelos alunos A12 e A29, por
exemplo (ver Figura 7.68), os estudantes cometem apenas um “abuso de linguagem” ao
escreverem “perímetro de quadrilátero L + L + L + L”. Mais à frente, no mesmo texto,
estes estudantes melhoram a escrita ao dizerem que o “perímetro é a soma [das
medidas] dos lados”, ou seja (no caso do trapézio MNRS), MS  SR  RN  NM . O

327
resto do texto não enfrenta problemas quanto ao uso da linguagem. Ao contrário,
estabelece uma relação harmoniosa entre as ferramentas simbólicas, as imagens e a
língua materna. As respostas apresentadas pelas outras duplas também fazem uso
adequado da linguagem (na maior parte delas assiste-se à predileção pelas linguagens
simbólica e icônica). Três duplas redigiram soluções sem deslizes quanto à linguagem.
Nestes casos, seguiu-se uma lógica dedutiva.

7.10.6 Triangulação dos dados

A Figura 7.69 apresenta de forma simplificada alguns resultados advindos da


leitura da HQ7. Os dados foram coletados a partir de três fontes distintas: a atuação do
pesquisador enquanto observador-participante, as gravações das conversas realizadas
pelos estudantes durante a leitura e as respostas atribuídas às atividades propostas.

Figura 7.69. Triangulação dos dados relacionados à HQ7


115

A aplicação da HQ7 ocorreu de forma tranquila. Os áudios gravados pelos


estudantes revelaram que apenas uma dupla desenvolveu a leitura de forma acrítica. Os
demais estudantes demonstraram interesse pelo texto e, em alguns momentos, riram
diante das conversas dos personagens acerca dos times de futebol mencionados no
texto. Para além da dimensão lúdica, a leitura da HQ também se propunha a transmitir
informações de natureza acadêmico-escolar. A compreensão dos enunciados das
proposições presentes no texto fez com que a leitura dos seus enunciados devesse ser
feita por mais de uma vez.
328
A leituras das demonstrações não provocou grandes dificuldades aos alunos.
Quando estas surgiram, o pesquisador era convocado para elucidá-as. A dúvida que
apareceu com mais frequência não esteve relaciona a demonstração de alguma
proposição presente no texto. Dizia respeito as definições de área e de comprimento do
círculo. Tais conceitos não foram bem compreendidos a partir das definições formais
presentes na HQ. Foi necessário a utilização de exemplos numéricos para que os
mesmos se tornassem mais inteligíveis. O investigador o fez.
A maior parte dos estudantes não teve grandes dificuldades para resolver às
questões propostas ao final da HQ. Em muitas respostas foi possível perceber a
presença do encadeamento lógico-dedutivo. Por se tratarem de questões envolvendo
cálculos numéricos muitos estudantes se furtaram da obrigação de inserir um discurso
verbal que conectasse os cálculos e as imagens utilizadas. A despeito de tal omissão não
se pode negar, em alguns casos, a organziação do pensamento revelada na apresentação
sequencial e coerente dos cálculos.
Algumas respostas contiveram erros conceituais. Houve também as folhas
entregues em “branco” o que sugere a falta de compreensão de alguns estudantes com
relação aos conteúdos expostos na HQ.
Quanto ao emprego da linguagem durante a resolução das atividades, os
estudantes concentram-se no uso das linguagens simbólicas e icônicas. Não houve
grandes problemas.
Neste capítulo tentou-se apresentar a maior parte dos resultados obtidos em
campo, sobretudo aqueles que se mostraram recorrentes. Por uma questão de tempo e
espaço, houve informações mencionadas sem o acompanhamento das respostas dadas
pelos estudantes sejam através de questionários, entrevistas ou atividades propostas. O
investigador acredita, porém, que tais omissões não prejudicaram a criação de uma
visão panorâmica das informações coletas in lócus. No próximo capítulo, os dados
apresentados aqui em variadas seções serão articulados a partir das categorias de análise
previamente apontadas no capítulo sexto. Sempre que possível, será feita uma
articulação com a literatura utilizada nos primeiros capítulos deste trabalho.

329
330
Capítulo 8

Discussão dos Resultados

As reflexões evocadas neste capítulo assentam-se no conjunto de dados descritos


no capítulo anterior. Lá os resultados são apresentados de forma cronológica sem a
preocupação de promover o entrelaçamento das informações obtidas durante a aplicação
de HQs distintas. É priorizada a apresentação sequencial dos fatos e pouquíssimas
frestas são abertas para a realização de inferências por parte do autor deste trabalho.
Apenas a inserção de relatos dos estudantes estabelecidos oralmente através de
entrevistas ou de diálogos com o investigador não se encontra necessariamente atrelada
à sequencialidade dos acontecimentos. Antes, é priorizada a inteligibilidade do texto e,
portanto, tais informações são inseridas de modo a estabelecer diálogos com os
episódios já descritos segundo uma perspectiva temporal.
Neste capítulo os dados mencionados no capítulo anterior encontram-se
conectados a partir de elementos que perpassaram a leitura de duas ou mais HQs. Os
dados armazenados em “gavetas” distintas naquele capítulo, uma para cada HQ, desta
vez passam a misturar-se em “armários” mais amplos de modo a se construir uma visão
panorâmica dos acontecimentos. Aqui a ordem dos fatos encontra-se submissa a
questões de natureza mais geral: mais do que debruçar-se sobre as singularidades
inerentes a leitura de cada HQ, aqui são as semelhanças, os fatos recorrentes, os
contributos e as demandas que foram se repetindo ao longo da investigação que
merecem um lugar de destaque. No se trata, portanto, de analisar as imagens, a
linguagem ou o roteiro de uma ou duas HQs específicas. O que se pretende com este
capítulo é analisar de que forma tais elementos facilitaram ou inviabilizaram a
aprendizagem no decorrer de toda a pesquisa. Da mesma forma, são analisados os tipos
de argumentações adotados pelos discentes com o intuito de identificar as evoluções e
as involuções apresentadas e os fatores que as promoveram.
Diante da necessidade de levantar discussões acerca da aprendizagem da
Geometria Euclidiana por meio de HQs, este capítulo foi dividido em dois grandes
blocos. No primeiro, as análises postas relacionam-se à composição das HQs e de que
forma os elementos que as constituem favoreceram (ou não) a assimilação dos
conteúdos ali expostos. No segundo bloco, é lançado um olhar sobre a própria
331
aprendizagem de Geometria a partir das HQs. Os entraves à aprendizagem, o papel da
formação prévia dos estudantes, os tipos de justificações apresentadas por eles, a
linguagem utilizada e o valor que estes atores devotam às demonstrações matemáticas
constituem o cerne das reflexões.
Como as discussões que movem este capítulo provêm das informações
disponibilizadas no capítulo anterior, frequentemente os dados lá apresentados serão
mais uma vez referenciados. Boa parte destas informações aparecerá diretamente no
texto ou através de notas de rodapé84. Quando se tratarem de dados presentes em figuras
ou gráficos, o leitor será convidado a consultá-los nos capítulos sétimo ou sexto de
acordo com as indicações presentes neste texto. Diante disso, será necessário acessar,
com alguma frequência, o sumário de figuras e gráficos que compõem as páginas
iniciais deste trabalho. Ao contrário do que tem ocorrido nos capítulos anteriores, agora
nem sempre uma figura referenciada no texto estará presente no mesmo capítulo85.
No próximo capítulo será retomada a questão de investigação sendo-lhe
oferecidas respostas à luz dos dados coletados e das discussões aqui apresentadas. O
objetivo geral e os objetivos específicos da investigação também serão contemplados.

8.1 A leitura das HQs

Esta secção destina-se à análise das HQs enquanto ferramenta educacional.


Neste sentido, são levantados os fatores que as tornaram aceites pelos estudantes e, além
disso, são identificadas as suas potencialidades educativas. O enredo das histórias, as
imagens e a linguagem utilizada também merecem aqui um lugar de destaque. Ademais,
é aberto um espaço para analisar o comportamento dos estudantes durante as leituras e
para avaliar a metodologia utilizada no que tange a aplicação das HQs.
A utilização da literatura quadrinística para a aprendizagem de Geometria evoca
a seguinte questão: é necessário adaptar e remodelar a banda desenhada tendo em vista a
natureza dos conteúdos matemáticos ou estes últimos devem se afastar do rigor que lhes

84
As "falas" dos estudantes retomadas neste capítulo aparecerão sem a indicação do instrumento de
recolha de dados a partir dos quais foram obtidas. Estas informações podem ser obtidas no capítulo
anterior.
85
Fato semelhante ocorre, ainda que com pouca frequência, no capítulo sétimo. Em alguns momentos são
mencionadas figuras disponibilizadas no capítulo sexto.

332
é inerente para dialogar com a coloquialidade e o entretenimento presentes nas HQs?
Discussões dessa natureza são levantadas, ora explicitamente ora de forma subliminar,
no decorrer deste capítulo.
Ainda que se opte por algum nível de informalidade no tratamento de conceitos
geométricos, ao fazê-lo numa perspectiva axiomática alguns limites inevitavelmente são
impostos. O estudo dedutivo da Geometria Euclidiana é o palco privilegiado do rigor e
da formalidade e, portanto, tais elementos não devem ser totalmente negligenciados em
detrimento da necessidade de conectar os conteúdos acadêmicos-escolares à realidade
dos estudantes. Naturalmente algumas pontes precisam ser criadas. É preciso atingir o
ponto de equilíbrio entre a axiomatização e a abstração que cabe aos estudos em
Geometria e as demandas dos discentes pela articulação do que se aprende na sala de
aula com o mundo ao seu redor. As HQs, enquanto um possível elemento mediador, são
analisadas aqui à luz da experiência dos participantes com a leitura dos sete textos
aplicados em forma de literatura em quadrinhos.
A forma como os estudantes se relacionaram com as HQs utilizadas nesta
pesquisa tem a ver, em alguma medida, com a presença em maior ou menor quantidade
de elementos nesse tipo de literatura que costumam despertar-lhe a atenção como a
comicidade e a coloquialidade. A próxima subsecção trata dessas questões. Em seguida
são relatados os contributos das HQs à aprendizagem, seja pela ótica dos discentes seja
pelos fatos constatados pelo pesquisador.
No que diz respeito à linguagem empregada nas HQs, três tratamentos são dados
ao longo do texto. O primeiro diz respeito à linguagem verbal e ao seu uso nas HQs
tendo em vista a formalidade que costuma acompanhar o tratamento axiomático em
Geometria. O segundo compete à linguagem icônica. São levantadas algumas reflexões
sobre o bônus e o ônus das imagens, massiçamente presentes nas HQs, no que compete
à aprendizagem em Geometria. Por fim, é aberto um espaço para tratar-se da linguagem
simbólica, muitas vezes alheia à linguagem verbal comumente empregada na literatura
quadrinística.
Por fim, é lançado um olhar sobre o comportamento dos estudantes ao longo das
leituras das HQs relacionando-os com a composição das histórias e com os conteúdos
ali presentes. Contempla-se também a visão dos discentes acerca da metodologia
adotada quanto à aplicação das HQs.

333
8.1.1 Elementos atrativos

Nas etapas iniciais da investigação, por meio do Q1, os estudantes revelaram


algum tipo de satisfação diante da leitura de HQs com fins comerciais. Os fatores que os
aproximaram da literatura quadrinística são apontados no Gráfico 7.2. Dos vinte e sete
estudantes que responderam ao questionário, apenas um manifestou desinteresse pela
leitura de HQs.
Se, por um lado, já existem pesquisas que apontam para a boa receptividade das
HQs por parte de crianças e adolescentes (Wright & Sherman, 2006), as respostas dos
alunos ao Q1 indicam que, no âmbito desta pesquisa, eventos semelhantes podem
ocorrer com um público de mais idade. Os estudantes tinham, à época da investigação
em campo, idades variando entre dezessete e trinta e cinco anos. Vergueiro (2006), ao
defender a utilização de HQs em qualquer nível de escolaridade, respalda-se na
existência de conteúdos e abordagens apropriados para as mais variadas faixas etárias.
Ao manifestarem o interesse pela banda desenhada, os estudantes estavam se
referindo no Q1 às HQs produzidas para fins comerciais, geralmente ligadas à indústria
do entretenimento. Vergueiro (2006) ao defender a entrada das HQs na sala de aula
concentra-se nas potencialidades educacionais desta mídia ao mesmo tempo em que
reconhece a capacidade que a banda desenhada tem de entreter e divertir os leitores.
Não há, porém, incongruências entre as duas considerações tendo em vista que a
familiaridade e a aceitação dos discentes com relação ao primeiro tipo de HQs podem
abrir as portas para a entrada do segundo. Mas o que promove o interesse dos estudantes
investigados pela literatura quadrinística? As respostas desta questão estão dispostas a
seguir.

HQs comerciais

O ímã que aproxima os estudantes das HQs consiste no entretenimento e


diversão provocados pela leitura da banda desenhada conforme revela o Gráfico 7.2.
Este gráfico apresenta os principais fatores que impulsionam os discentes a se
interessarem por esse tipo de literatura. Cerca de 70% dos participantes o leem para a
promoção do lazer e descontração. Segundo Santos e Vergueiro (2012), o prazer
provocado pela leitura de HQs é um dos elementos que viabiliza a sua aceitação por
parte dos estudantes quando para fins educacionais.
334
Através do Gráfico 7.2 ainda é possível constatar que, aproximadamente, ¼ dos
participantes se mostrou interessado por HQs cujas histórias tratam de super-heróis
(comumente presentes nas histórias desenvolvidas pela Marvel ou DC Comics cujos
personagens têm sido popularizados atualmente pela indústria cinematográfica).
A última década do século passado assistiu a um crescimento das publicações
quadrinísticas. Os textos avançaram em complexidade e profundidade (Luyten, 2011b).
As tramas presentes em tais narrativas passaram a atrair a atenção do público mais
adulto. Ao prender a atenção dos leitores por meio das suas histórias, esses tipos de HQs
afastaram-se da necessidade de apresentar registros humorísticos como comumente se
via nas primeiras HQs comerciais (Vergueiro, 2006). Este último aspecto, porém, ainda
constitui o elemento procurado por boa parte das crianças quando estão diante de uma
HQ. Não obstante o fato de o público adulto se interessar por gêneros como ficção,
romance, aventura, terror, dentre outros, a comicidade nas narrativas também
constituem objetos de interesse desses atores.

HQs para fins educacionais

A despeito de apreciarem as narrativas fictícias através de seus vilões e super-


heróis, a ocorrência, nas HQs, de temas que dialoguem com o dia a dia dos estudantes é
aceite e defendida por eles ao se referirem às HQs com finalidades educativas. Segundo
os discentes, a presença, nas HQs, de situações cotidianas torna os assuntos mais
inteligíveis86.
Ficcional ou relacionada ao cotidiano dos estudantes, a banda desenhada precisa
apresentar histórias que os conquistem estes leitores: "Quando a gente fala de história
em quadrinhos, ela nos deixa totalmente ligados na história. Ninguém nos tira mais a
atenção", destacou o aluno A11. Quando mais interessante for o enredo criado na
narrativa, mais comprometido e envolvido com a leitura estará o estudante.
Outro elemento que evoca a atenção dos estudantes durante a leitura das HQs
consiste nas imagens ali presentes. De acordo com Luyten (2011a), as representações
icônicas ajudam a elucidar os textos presentes nas HQs. As imagens, porém, não
representam os únicos elementos que tornam válidas a utilização de HQs para

86
"A HQ explica o assunto através de coisas do nosso cotidiano e essa relação fica mais fácil de
entender", pontuou o aluno A25 referindo-se à exposição presente na HQ4.

335
propósitos educacionais. A Figura 7.6 apresenta outros os fatores apontados pelos
estudantes na perspectiva de validar a utilização da literatura em quadrinhos no
tratamento de conteúdos de Matemática (tais fatores se estendem naturalmente à
utilização da banda desenhada no tratamento de assuntos ligados a outras áreas do
conhecimento). Em consonância, em ordem, com autores como Morrison, Bryan e
Chilcoat (2002), Luyten (2011a), Rezende (2009) e Toh (2009), os estudantes
destacaram: a conexão com o cotidiano, a linguagem mais acessível, a leitura divertida,
a utilização de imagens. Quando as informações presentes na Figura 7.6 foram
extraídas dos participantes, esses atores não haviam conhecido HQ alguma que
contemplasse conteúdos matemáticos. Em suas respostas buscaram vislumbrar os
elementos que lhes despertam interesse em HQ comerciais.

HQs para a aprendizagem matemática

Além dos elementos apontados na Figura 7.6, apontam os estudantes, as HQs


destinadas à apresentação de conteúdos de Matemática devem atender a outros
requisitos. Segundo estes atores, o tratamento dado aos temas matemáticos não deve ser
estritamente teórico e algébrico. É preciso agregar exemplos numéricos ao texto. Deve-
se ainda inserir um número razoável de atividades associadas aos temas contemplados
pelas narrativas. O enredo das histórias precisa ser instigante de modo a prender a
atenção dos leitores. Ademais, deve-se evitar a exposição de muitos conteúdos em uma
mesma HQ.

Concretização. Nas HQs aplicadas a abordagem dos conteúdos centrou-se na


apresentação de conceitos geométricos a partir de axiomas, definições, proposições,
teoremas e as suas demonstrações. Pouco espaço foi dado para a apresentação de
exemplos relacionados aos conceitos. O tratamento algébrico prevaleceu sobre o
tratamento numérico (no que tange os resultados relacionados à medida de comprimento
de segmentos, medida de ângulos e cálculo de área).
Durante a leitura de algumas HQs foi recorrente a reivindicação dos discentes
pela entrada de mais exemplos numéricos nos textos. As discussões de cunho prático
costumam prender mais a atenção desses atores do que as exposições teóricas. Para os
participantes, a exposição algébrica deve ser precedida pela exposição numérica. As

336
dificuldades que eles encontraram para compreender as inequações modulares presentes
na HQ3 estiveram, em parte, relacionadas à falta de exemplos concretos87.
A utilização de letras do tipo a, b e c durante a representação das coordenadas de
três pontos A, B e C, nessa ordem, e as sucessivas operações algébricas apresentadas no
texto impôs dificuldades de compreensão a alguns estudantes durante a leitura da HQ3.
A Figura 8.1 apresenta o excerto de uma proposição onde aparecem tais representações.

Figura 8.1. Relações entre o ordenamento de três pontos e as suas coordenadas


116

Os estudantes compreenderiam melhor a demonstração da proposição destacada


na Figura 8.1 se, a princípio, fossem utilizados números ao invés de letras na designação
das coordenadas dos pontos A, B e C. Após a introdução dos elementos numéricos
passar-se-ia às representações algébricas e à demonstração propriamente dita.
A falta de contato dos estudantes com as demonstrações formais em Geometria,
a qual frequentemente recorre a ferramentas da álgebra, demanda a construção de um
caminho transitório entre a indução e a dedução ao invés de um rompimento absoluto
com a primeira em detrimento da segunda. As reivindicações dos discentes pela
utilização de exemplos numéricos apontam nessa direção.
Inquietações da mesma natureza foram verificadas em outros momentos. Os
participantes ratificaram a dificuldade com o tratamento algébrico dado à Geometria.
Continuaram almejando a inserção de exemplos numéricos como foi possível observar
durante a leitura da HQ4 quando da apresentação do axioma que relacionava a medida
de um ângulo à diferença, em valor absoluto, entre as coordenadas das semirretas de
mesma origem que o constitui. A HQ4 já dispunha de exemplos numéricos quase que

87
"Eu acho que com exemplos numéricos já seria bem melhor (...) daria pra gente entender", assinalou o
aluno A8 referindo-se às dificuldades em compreender as expressões algébricas que envolvem módulos,
na HQ3.

337
imediatamente após a apresentação do axioma. Tais exemplos podem ser visualizados
na Figura 7.25. A compreensão de algumas demonstrações presentes no texto também
demandou a presença de exemplos. Segundo o aluno A29, "deveria ter mais exemplos
exposto[s] na abordagem da história em quadrinhos".
O estudo do círculo88, durante a leitura da HQ7, também demandou a inserção de
alguns exemplos numéricos. A definição da área da região plana limitada por este lugar
geométrico só conseguiu se tornar mais inteligível (para os discentes) quando o
investigador passou a atribuir valores numéricos para elucidá-la. O mesmo se revelou
necessário quando da compreensão do conceito de comprimento de arco de um círculo.
É fato que, em alguns casos, fazer uso de valores numéricos para esclarecer
determinadas construções algébricas pode ser uma alternativa salutar. Entretanto não se
deve parar por aí. Bieda (2010) alerta os professores quanto à tendência dos estudantes
de querer demonstrar resultados matemáticos exclusivamente a partir de exemplos. Não
é exatamente o caso dos participantes da pesquisa. Não reivindicaram a substituição das
demonstrações matemáticas por exemplos que as elucidassem. Apenas propuseram a
introdução de exemplos no sentido de torná-las mais inteligíveis. Durante a introdução
de determinado resultado, ou até mesmo em sua demonstração, pode-se fazer uso desse
recurso. Sempre como ponto de partida, não como de chegada (exceto após a
demonstração formal-dedutiva a título de aplicabilidade).
A demanda dos estudantes pela inserção de mais exemplos nas HQs (sobretudo
quando relacionada à elucidação dos teoremas apresentados) revela a maior
familiaridade desses atores com o raciocínio indutivo em detrimento do dedutivo. A
passagem direta para argumentação dedutiva nem sempre será o melhor caminho.
Muitas vezes, a indução facilita e diminui a resistência dos alunos à dedução. O
desenvolvimento de ambos os tipos de raciocínios é um dos contributos do ensino de
Geometria, pontua Hansen (1998). A comunhão entre a indução e dedução matemática é
necessária à formação dos estudantes. Deve-se apenas ter cuidado com as tentativas de
sobrepor-se o raciocínio indutivo ao dedutivo o que pode conduzir os estudantes à
obtenção de conclusões equivocadas (Weber, 2001). Reciprocamente, negligenciar o
uso do raciocínio indutivo em detrimento do dedutivo pode tornar a aprendizagem mais
lenta ou até mesmo inviável. A reivindicação dos discentes reside na constatação de que

88
Nas HQs optou por chamar de círculo (ao invés de circunferência) o lugar geométrico dos pontos do
plano que equidistam de um ponto fixo (do mesmo plano).

338
nas HQs privilegiou-se o movimento inverso: não houve espaços para o raciocínio
indutivo.
De acordo com Healy e Hoyles (1998) os estudantes costumam priorizar os
argumentos empíricos em detrimento dos dedutivos. É preciso, portanto, estabelecer a
diferença entre esses tipos de argumentações. É importante se utilizar exemplos na
elucidação de determinado resultado, contudo não se deve abrir mão da construção
formal-dedutiva ainda que a mesma faça uso de expressões algébricas. Um dos papéis
do ensino de Geometria, segundo Hansen (1998), reside no desenvolvimento da
abstração, generalização e elaboração de provas matemáticas. Não se faz isso somente
com exemplos concretos/numéricos. Conforme assinala Clements (2003), a passagem
do concreto para o abstrato é imprescindível à formação geométrica dos estudantes.
A reivindicação pelo aumento no número de exemplos nas HQs nem sempre
esteve relacionado à substituição de expressões literais por expressões numéricas.
Durante o estudo dos conceitos de mediana, altura e bissetriz relativas a um lado de um
triângulo, o aluno A11 relatou que a quantidade de exemplos apresentados no texto era
insuficiente89. A questão aqui não tem a ver com a generalização (pelo menos no
sentido empregado nos teoremas e em suas demonstrações). Antes diz respeito à própria
compreensão do estudante acerca dos conceitos. A apresentação sucessiva de exemplos
de triângulos isósceles seguida da constatação que em todos eles a mediana, a altura e a
bissetriz relativas à base coincidem poderia ser um ponto de partida para a apresentação
da proposição que versa a esse respeito. Desta forma seriam atendidas algumas
orientações dos PCNs para o ensino de Matemática que propõem que a articulação entre
as demonstrações matemáticas e as verificações empíricas (Brasil, 1998b).

Exercícios. Se, por um lado, os estudantes esperam de uma HQ com fins


educacionais os mesmos elementos comumente presentes nas HQs comerciais
(linguagem mais acessível, enredos instigantes, boa diagramação), por outro, atribuem-
lhe algumas características dos livros didáticos. Requerem a inserção de (mais)
exercícios.

89
O estudante declarou que "faltou um pouco de exemplo[s]. Faltou, um pouco, chamar bem a atenção
nesse caso porque é um caso muito importante [referindo-se ao fato da mediana relativa à base de um
triângulo isósceles coincidir com a bissetriz e a altura]. Porque às vezes ... tem algum triângulo e a altura
vai ser igual à bissetriz, vai ser igual com o triângulo isósceles".

339
Por se tratar de HQs com finalidades educativas, a presença de exercícios90 se
faz necessária conforme pontuado por alguns estudantes. Para estes atores somente a
leitura não dá conta da aprendizagem. É importante que as HQs contenham atividades
relacionadas aos conteúdos ali expostos. Os discentes atribuem aos exercícios a
finalidade de revisão e fixação dos conteúdos e de preparação para as provas (Cf. Figura
7.30). O grau de dificuldade das questões deve avançar de forma paulatina: "Eu acho
que deveria ter um pouco mais aqui [referindo-se ao número de exercícios]...
alimentando a dificuldade gradativamente, entendeu?", pontuou o aluno A13.

Distribuição dos conteúdos. A quantidade de assuntos apresentados em cada HQ


também deve ser revista ao se fazer uso dessa ferramenta didática. Em se tratando de
HQs para fins educacionais, em particular para a aprendizagem da Geometria Plana
Axiomática, a literatura em quadrinhos não deve concentrar muitas informações em
uma mesma história. Os conteúdos devem ser distribuídos em HQs distintas para que a
leitura não se torne cansativa 91.
Por diversas vezes, os alunos pontuaram que o volume de assuntos dificultou a
compreensão dos textos. Nesses casos, o contato dos estudantes com as HQs, antes
prazeroso, pode se tornar pouco instigante. Não se trata de omitir determinados
assuntos. Os estudantes reivindicaram pela distribuição dos conteúdos ao longo de um
número maior de HQs ao invés de concentrá-los em uma narrativa. Esses fatos foram
observados pelo pesquisador em sala de aula e aparecem nas respostas apresentadas no
questionário Q3. Segundo o aluno A24, "a quantidade de informação é muita e prejudica
a compreensão". O aluno A25 vai ao encontro do colega ao relatar que "o excesso de
conteúdo não garante [a] boa formação do graduando".
É possível que a fragmentação da leitura da HQ6 em três momentos distintos,
cada um deles acompanhado por atividades propostas, tenha contribuído para aceitação
da HQ pelos estudantes: "Como já tinha dito ao professor, esta foi uma das melhores

90
"Eu acho pouca, mas o tempo não ajuda. Principalmente essa que aparece no meio da revista que é
muito rápido de ser feita", destacou o aluno A10 ao se referir à quantidade de exercícios presente nas HQs.
O aluno assinalou, também, a necessidade de ampliar o tempo destinado à leitura e à resolução das
atividades propostas.
91
"A HQ tá grande. Acho que ela deveria ser dividida em duas partes", assinalou o aluno A20 referindo-se
à quantidade de assuntos na HQ4.

"Tem muito assunto, é muita informação" [A9, DB, 22 de agosto de 2014], referindo-se à quantidade de
assuntos na HQ5.

340
historinhas", enfatizou o aluno A9; "Essa revista ficou muito explicativa. Deu para
absorver o máximo dos conteúdos (...) eu não modificaria nada", complementou o aluno
A27. Eles não se referiram de forma direta à apresentação dos conteúdos de forma
menos concentrada. Contudo, este foi o principal fator que diferenciou a HQ6 das
demais HQs. Para além da divisão da HQ em três partes, é possível que o enredo da
narrativa e as imagens utilizadas tenham contribuído, em alguma medida, para torná-la
mais inteligível, no entanto a linguagem não distingue a HQ6 das outras HQs aplicadas
anteriormente.
A apresentação dos assuntos ao longo das HQs seguiu a mesma distribuição dos
conteúdos adotada por Barbosa (2006) em seu livro Geometria Euclidiana Plana. Se,
por um lado, os livros didáticos e as HQs com fins educacionais prestam-se à exposição
de determinado conteúdo escolar, acadêmico ou até mesmo científico, por outro, os
primeiros nem sempre fazem uso de alguma narrativa ficcional para apresentá-lo. Com
isso, as HQs tendem a ser mais extensas que um livro didático quando se destinam à
apresentação, em igual profundidade, dos mesmos conteúdos. Diante disso, é natural
que os estudantes requeiram a divisão dos assuntos em mais HQs para que a leitura não
se torne extensa, cansativa e improdutível.

8.1.2 Potencialidades educativas

No início da pesquisa, em resposta ao questionário Q1, os estudantes revelaram


desconhecer HQs votadas para a apresentação de conteúdos ligados à Matemática.
Ainda assim, foram convidados a vislumbrar a importância desse tipo de literatura no
processo educacional. Segundo os estudantes, o tipo de linguagem empregada na banda
desenhada, a articulação entre os conteúdos matemáticos e o cotidiano dos leitores, a
utilização de imagens e a diversão proporcionada pela leitura das HQs tornam a
literatura quadrinística um terreno promissor à aprendizagem de matemática (Cf. Figura
7.6). Os elementos apontados pelos estudantes dizem respeito à dimensão facilitadora e
motivacional da aprendizagem de Matemática por meio das HQs a qual também é
assinalada por N. Santos (2012) e Toh (2009). Esses autores destacam a importância da
ludicidade presente nas HQs enquanto mecanismo de atração dos estudantes. Ademais,
N. Santos (2011) pontua que a exposição de conteúdos matemáticos por meio de HQs
diminui a resistência dos alunos à matemática. Contudo, é importante não reduzir o
valor educacional das HQs ao entretenimento que este tipo de literatura proporciona
341
(Rezende & Silvério, 2012). Para além do humor e diversão, as HQs são capazes de
levar informações de natureza cultural e científica aos ambientes escolares (Francis
Pelton & Pelton, 2009).
A aplicação das sete HQs destinadas à apresentação da Geometria Euclidiana
revelou outros contributos da banda desenhada à aprendizagem de Matemática: as HQs
relacionam a Matemática escolar com situações práticas, despertam o interesse por
outras fontes de leitura, estimulam a predisposição à aprendizagem, apresentam temas
ligados à história de Matemática, favorecem a aprendizagem de determinados conteúdos
matemáticos.

Contributos à educação

A utilização da banda desenhada para propósitos educacionais ajuda a promover


o desenvolvimento dos estudantes quanto a elementos importantes para a sua formação
em qualquer área do conhecimento. O estímulo à leitura, a capacidade de interpretação
de textos e o desenvolvimento da comunicação verbal constituem tais elementos
necessários à aquisição do conhecimento tanto na Matemática quando nas demais áreas
do saber.

Estímulo à leitura. Os atores investigados assinalaram a importância das HQs na


promoção do hábito de ler conforme registrado no Gráfico 7.2. Este contributo da
literatura quadrinística, pontuado por aproximadamente 1/3 dos participantes que
responderam ao Q1, é assinalado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para
o ensino de Língua Portuguesa (Brasil, 1997b). Autores como Anchieta (2011), Lovetro
(2011), N. Santos (2011) e Vergueiro (2006) também destacam o valor das HQs no que
concerne à promoção do letramento dos estudantes.

Interpretação de textos. Se as HQs contribuíram (ou contribuem), em alguma


medida, para que uma parte dos participantes desenvolvesse (desenvolva) a prática da
leitura é de se esperar que esses mesmos atores apontem contribuições da banda
desenhada quanto à interpretação de textos. Mas não foi o que aconteceu 92. É possível
que a dissociação feita por grande parte dos participantes entre a leitura de HQs e o

92
Apenas um entre os vinte e sete estudantes que responderam Q1 apontaram o desenvolvimento da
capacidade de interpretação de textos como um dos contributos das HQs (Cf. Gráfico 7.2).

342
desenvolvimento da capacidade de interpretação de texto provenha do tipo de literatura
a que tiveram acesso. Textos menos densos e autoexplicativos dão a ilusão de que não
há o que interpretar. O que ocorre, no entanto, é uma interpretação quase que imediata
oriunda, por vezes, da ausência de sentidos conotativos no texto.
A falta de entendimento dos estudantes acerca das relações entre a leitura de
HQs e o processo de interpretação de textos também pode ser compreendido à luz dos
resquícios do preconceito injetado sobre esse tipo de literatura desde a década de 50 do
século passado. Ao serem consideradas obras de “menor valor literário” por parte de
alguns professores, pais, alunos e pelos órgãos regulamentadores do sistema
educacional (tanto no Brasil quanto em outros países), a entrada das HQs no ambiente
escolar tardou a acontecer (Vergueiro, 2006; Yang, 2003). Como uma literatura voltada
para o entretenimento pode ajudar a desenvolver a capacidade de interpretação de textos
por parte de quem as lê? Essa prerrogativa cabia aos livros didáticos e aos textos não
destinados ao entretenimento, pensava-se à época. A resposta da questão apresentada é
simples: Ao convocar a atenção do leitor promovendo o seu envolvimento com a
narrativa, a sua capacidade interpretativa é interpelada e desafiada através da literatura
em quadrinhos. Esse motor é aquecido pela entrega à leitura, pela forma como o leitor
se apropria do texto e se envolve com ele. Ademais, durante as leituras de HQs é
necessário preencher os espaços entre um quadrinho e outro lhes atribuindo
significados. Segundo Luyten (2011b), o preenchimento desses espaços cabe ao leitor o
qual atribui continuidade às representações momentaneamente descontínuas a partir da
forma como interpreta a narrativa. Ainda segundo a autora, com o crescimento da
indústria dos quadrinhos é possível encontrar variados tipos de HQs. Algumas de
simples interpretação e outras mais complexas exigindo um esforço adicional do leitor.
Em ambos os casos, ainda que não se perceba, exige-se alguma capacidade de
interpretação ao leitor.
Assim como as HQs comerciais, as HQs com fins educacionais demandam dos
leitores uma postura interpretativa assentada no envolvimento com o texto e nos
conhecimentos prévios desses sujeitos. A “leitura pela leitura” não basta. Nem sempre
as informações estão postas de forma explícita e mesmo quando isso ocorre é preciso
desvendar os seus significados. Esta última tarefa cabe ao leitor que recorre aos seus
arranjos cognitivos. Um episódio observado quando da aplicação da HQ1 ilustra esse
fato. Esta HQ situou os leitores quanto à organização da obra Os Elementos de Euclides.
Informou-lhes que os três últimos livros dessa obra contemplam tópicos da Geometria
343
Espacial conforme registrado em Boyer (1996). De acordo com a HQ1, Os Elementos
dispõem de um espaço para a prova da existência de cinco, e somente cinco, poliedros
regulares comumente conhecidos como os Poliedros de Platão. Mas, em qual dos livros
de Os Elementos esse fato é apresentado? A HQ1 não revela. Apenas faz referência aos
três últimos livros da obra. A Figura 8.2 traz o quadrinho desta HQ no qual os poliedros
são mencionados.

Figura 8.2. Referência aos poliedros de Platão na HQ1


117

Conforme mostra a Figura 8.2, o texto diz que a existência de apenas cinco
poliedros regulares constitui a última proposição de Os Elementos de Euclides. Esse
registro foi o suficiente para os estudantes situarem essa proposição no décimo terceiro
livro da obra euclidiana ao responderem uma das atividades propostas ao final da HQ1.
Se os três últimos livros versam sobre a Geometria no espaço, por que não estaria tal
resultado no décimo primeiro ou décimo segundo livro? A conclusão dos estudantes
baseou-se numa simples ideia: Poderia Euclides construir um livro sem proposição
alguma, apenas centrado em comentários a respeito dos resultados provados nos seus
livros anteriores? Poderia sim caso o quisesse. Entretanto pela descrição feita na HQ
acerca de Os Elementos, esse não parecia ser um dos objetivos dessa obra. Euclides
estava preocupado em provar os resultados por ele conhecidos, mas de forma
minimalista. Por que se estender, em um único livro, através de comentários que
poderiam aparecer diluídos nos livros anteriores? Essa realmente não era uma intenção
de Euclides (Boyer, 1996). Os estudantes estavam corretos. A capacidade de
interpretação desses atores quanto ao conteúdo da HQ foi necessária à resolução da
atividade proposta.

344
Comunicação verbal. As respostas dadas pelos estudantes às atividades
propostas ao longo da aplicação das HQs e, em alguns casos, à secção PPPRSL,
apontam para a predominância de respostas minimamente apresentáveis em detrimento
das soluções com sérios problemas quanto à comunicação escrita (e conceitual). Tal fato
revela, como já assinalado por (Cho & Lawrence, 2012), a importância das HQs no
desenvolvimento da comunicação verbal dos seus leitores.

Contributos à aprendizagem de Matemática

Durante a aplicação das sete HQs voltadas para a aprendizagem de Matemática,


em particular, da Geometria Plana Axiomática, foi possível identificar outros
contributos da banda desenhada. Tais contributos são apresentados a seguir.

Ampliação das fontes de leitura. As HQs podem despertar o interesse pela


aprendizagem a tal ponto de provocar nos estudantes a vontade de ampliar 93 as
discussões postas nas revistas através de outras fontes bibliográficas. Não se trata de
substituir uma bibliografia por outra, mas de um processo de complementação cuja
gênese reside no estímulo provocado pela exposição apresentada nas HQs.

Motivação à aprendizagem. De acordo com o aluno A8 a leitura das HQs


despertou-lhe o interesse94 pelos assuntos. O estudante apontou a utilização da banda
desenhada como uma metodologia de ensino diferente daquelas a que teve acesso e que
lhe proporciona um estímulo à aprendizagem. O aluno A32 vai ao encontro do seu
colega ao referir-se ao emprego das HQs em sala de aula como uma "forma divertida de
aprender assuntos difíceis e exatos como são os da Matemática". Autores como Santos e
Vergueiro (2012) acreditam que a utilização da banda desenhada nos ambientes
escolares tornam as aulas mais dinâmicas e o aprendizado mais prazeroso95. No que
tange à aprendizagem de Matemática, o caráter motivacional fomentado pela utilização

93
"A história em quadrinhos acaba estimulando a leitura. O aluno acaba se envolvendo com o assunto e
isso faz com que ele busque mais o assunto porque acaba sendo legal" [A3, Q2]
94
"Ao lermos as histórias em quadrinhos sentimos mais vontade em aprender os assuntos. Por ser uma
forma diferente estimula mais a nós, discentes" [A8, Q2].
95
Estes autores defendem a utilização das HQs para fins educacionais em uma perspectiva geral. Não
fazem referência específica ao ensino de Matemática.

345
da banda desenhada é destacado por Cho e Lawrence (2012), L. Santos (2014) e
Patrocínio (2012).

Introdução à história da Matemática. A despeito de não conhecerem HQs


destinadas à apresentação de episódios relacionados com a história da Matemática, os
estudantes, em ocasião da aplicação do QD, buscaram vislumbrar os contributos desse
tipo de mídia à educação Matemática. Conforme mostra a Figura 7.7, os participantes
acreditam que a apresentação, através de HQs, do contexto histórico e dos personagens
envolvidos na descoberta e no desenvolvimento dos conteúdos matemáticos pode ser
divertida e “pouco cansativa”. Segundo o aluno A6, as HQs voltadas para a história da
Matemática o permitirão "ficar por dentro de onde veio, como surgiu, quem criou" os
assuntos de Matemática. Com efeito, pontua Liu (2003), a história da Matemática
permite as pessoas conhecerem a natureza do conhecimento matemático. Além disso,
assinala D’Ambrosio (2007), ter "acesso" aos fatos históricos ajuda os estudantes a
reconhecerem a Matemática como uma construção humana. Tais elementos endossam a
importância da história da Matemática na formação dos estudantes e, nesse sentido, a
banda desenhada pode representar uma plausível ferramenta educacional. L. Santos
(2014) comunga dessas ideias e defende a utilização da banda desenhada para a
apresentação de fatos ligados à história da Matemática, sobretudo aqueles ligados ao
desenvolvimento da Geometria.

Promover a compreensão dos assuntos. A leitura da HQ1 permitiu aos


estudantes a compreensão da existência de elementos não definíveis na Matemática os
quais recebem o nome de conceitos primitivos. Em resposta ao Q1, o aluno A24 declarou
que a "HQ apresenta este conteúdo de forma clara o bastante para entendermos que
ponto, reta e plano são conceitos que não são passíveis de serem definidos". Segundo
Stone (1971), os conceitos primitivos são simples a ponto de não serem definíveis e
igualmente complexos empregarem uma abstração a uma realidade física. Como pode
ser verificado no Gráfico 7.3, este assunto foi considerado inteligível por quase metade
dos vinte e oito estudantes que responderam ao Q2. Os axiomas de medição de
incidência e de ordem e o conceito de semiplano figuram entre os conteúdos da HQ1
que foram considerados inteligíveis por aproximadamente um terço daqueles que
responderam ao questionário.
Os axiomas de medição de segmentos presentes na HQ2 foram facilmente
compreendidos pelos estudantes: "os axiomas por si só já são claros" pontuou o aluno

346
A7 . Outros assuntos presentes na HQ foram destacados pelos estudantes: "O teorema do
[ponto médio] com certeza eu entendi", assinalou A1. "Eu consegui ver bem a primeira
proposição... Já tá na mente assim. Já deu pra entender bem", comentou o aluno A9.
A congruência entre ângulos opostos pelo vértice não ofereceu dificuldades aos
estudantes durante a leitura da HQ4: "pela demonstração que ele [o autor da HQ] fez
ficou claro. Ele mostrou muito bem detalhadamente como é e quando eles são opostos",
comentou o aluno A31. A congruência entre ângulos opostos pelo vértice também
aparece em forma de literatura em quadrinhos na obra IMPACT mathematics (EDC,
2003) conforme pode ser verificado na Figura 6.23.
Referindo-se à HQ4 os alunos A29 e A30 fizeram, respectivamente, as seguintes
declarações: a HQ "prova todas as proposições de tal forma que fica claro"; "o
conteúdo está bem explicado". Através das respostas apresentadas pelos estudantes às
atividades propostas ao final da HQ foi possível perceber que o conceito de bissetriz de
um ângulo foi compreendido por todos os participantes. Alguns estudantes sentiram
dificuldades na apresentação da definição do conceito, como será visto ainda neste
capítulo. Contudo, ainda assim, souberam utilizá-la de forma correta.
As propriedades dos triângulos isósceles, apresentadas na HQ5, foram
assimiladas pelos estudantes: "a bissetriz vai ser igual à altura, na mesma base desse
triângulo isósceles, e vai ser igual a mediana" destacou o aluno A11.
O Teorema do Ângulo Externo (TAE) foi enunciado corretamente por dezesseis
dos vinte e um alunos que responderam ao Q3. Em resposta a este questionário, o aluno
A25 pontuou que de acordo com o teorema, "a medida do ângulo externo de um
triângulo é sempre maior que as medidas dos ângulos internos não adjacentes". As
representações imagéticas elaboradas por alguns estudantes para o TAE, presentes na
Figura 7.47, corroboram a compreensão dos discentes acerca do teorema.
Assim como o TAE, a desigualdade triangular constituiu outro resultado
presente na HQ6 compreendido pelos estudantes. As trezes duplas que responderam a
secção PPPRSL (Cf. Figura 7.53) consideraram falsa a afirmação ali presente que
versava sobre a existência de um triângulo cujos lados medem, 2cm, 5cm e 7cm.
O cálculo de área de regiões limitadas por figuras planas representa outro
assunto que os alunos demonstraram compreender. Ao se referir à área da região plana
limitada pelo paralelogramo, o aluno A10 esclareceu ao seu colega, o aluno A28: "É essa
base aqui [aponta para a figura] vezes a altura". Quanto à área de regiões triangulares, o

347
aluno A20 simplificou o enunciado presente na HQ ao dizer: "Base vezes altura dividido
por 2".
A explanação sobre a área de regiões circulares presente na HQ também foi
compreendida pelos estudantes. Um deles, o aluno A12, pontuou: "Agora ficou claro". A
associação entre a área limitada pelo círculo e a área dos setores circulares (Cf. Figura
6.11) foi considerada "interessante" [Áudio] pelo aluno A11.
Através da leitura da HQ7 alguns estudantes conseguiram entender a origem do
número racional  ("pi"). Ao descobrir que se tratava do quociente entre o comprimento
e o diâmetro de um mesmo círculo, o aluno A1 destacou: "Eu sempre tive curiosidade
para saber de onde veio esse valor". O comentário do estudante demonstra interesse pela
leitura da HQ.

8.1.3 Construção das narrativas

Nas narrativas literárias voltadas para o ensino de Matemática, o enredo costuma


ser tão relevante quanto o conteúdo matemático. Há casos em que o destaque dado ao
primeiro supera a ênfase dada ao segundo (Dalcin, 2007). As obras O homem que
calculava e Aritmética da Emília constituem alguns destes exemplos. Será essa uma das
razões que torna a leitura desses textos mais prazerosa do que a leitura dos livros
didáticos usuais? É possível que sim! Quanto mais envolvente o enredo da narrativa,
mais preso a ela estará o leitor. Uma das possíveis pontes entre o estudante e o
conhecimento matemático pode ser construída dessa forma. Se for necessário fazer uso
de personagens fictícios como super-heróis para que a história se torne mais "atraente"
por que não fazê-lo? Alguns estudantes que responderam ao Q1 revelaram que a
presença desses personagens costuma lhes despertar o interesse pelas HQs (Cf. Gráfico
7.2). Segundo Cruz (2006), o casamento entre o real e o ficcional pode ser realizado
com o intuito de tornar a aprendizagem mais prazerosa.

Críticas às HQs

Nos livros didáticos não há a obrigatoriedade de se apresentar uma história que


conduza o leitor aos conteúdos matemáticos. Nas HQs que dialogam com a
aprendizagem da Matemática a situação é diferente. Deve-se fazer uso de alguma
história, de personagens, de cenários. A forma como tais elementos são utilizados pode
348
viabilizar ou dificultar a aprendizagem matemática. A depender da narrativa, o resultado
obtido pode ser o avesso daquele esperado: ela pode prestar um desserviço à
aprendizagem. Ao referir-se à HQ1, o aluno A5 declarou, em sala de aula, que achou "a
leitura um pouco chata". Sua declaração aponta para o desinteresse pela leitura. A
narrativa não foi envolvente a tal ponto de prender a sua atenção. A despeito de se tratar
de uma declaração pontual96, o comentário do aluno A5 indica a necessidade de se
repensar a construção da narrativa.
Em todas as HQs houve um narrador para a história o qual, na verdade, era a
própria anfitriã, a Dona Geometria. Na HQ1 a sua presença foi mais efetiva. Poucos
foram os diálogos travados entre os personagens. Nas demais HQs, o narrador  no
caso, a narradora  perdeu (ou pelo menos dividiu) espaço com outros personagens que
lhe ajudaram a dar o tom da história. Os personagens se comportaram de forma ativa e
exerceram influência direta no desenrolar de cada narrativa. Talvez tivesse faltado à
HQ1 uma trama, uma relação dialógica entre os personagens através da qual alguns
episódios da história da Matemática pudessem ser relatados. É possível que tenha lhe
faltado, em alguma medida, o caráter lúdico e atrativo normalmente presente nas HQs.
Faltou na HQ1 a conexão entre o "ontem" e o "hoje". A narrativa ficou presa lá atrás, em
300 a. C., avançando (quase que abruptamente) até o final do século XIX com a
referência a David Hilbert. O voo parou por aí. O passado pouco dialogou com o
presente, com a realidade dos discentes nos dias de hoje.
Ao relatar que sentiu necessidade de refazer a leitura da HQ2, o aluno A18
atribuiu os créditos à própria HQ retirando o ônus da complexidade intrínseca dos
conteúdos ali presentes. Em resposta ao Q1, o aluno disse que "não foi o conteúdo, mas
a forma como a HQ [o] trazia" que lhe impôs algumas dificuldades de aprendizagem.
Mediante a forma sucinta como o estudante se referiu às suas necessidades de refazer a
leitura da HQ, cabe apenas a indicação de algumas hipóteses. É possível que o mesmo
estivesse se referindo a, pelo menos, um dos seguintes elementos que ajudaram a
compor a “forma de exposição” dos conteúdos nas HQ: a história criada para tratar dos
conteúdos matemáticos (o enredo); a linguagem adotada; as imagens utilizadas; os
exemplos apresentados; a predominância do tratamento dedutivo em detrimento do
indutivo. O segundo e o terceiro elementos serão tratados mais à frente, neste capítulo.

96
Apenas dois outros estudantes, A3 e A12, renderam críticas à HQs, desta vez relacionadas à
superficialidade com que alguns assuntos foram abordados.

349
Os dois últimos já foram comentados neste texto. Aqui, portanto, será lançado um olhar
sobre o enredo adotado na HQ2.
Na HQ2, a exposição dos axiomas de incidência e de ordem e os seus
desdobramentos foi associada aos cenários inerentes às práticas esportivas. Noubary
(2010) defende a associação entre os conteúdos matemáticos e os esportes por acreditar
que o interesse dos estudantes pelos últimos pode torná-los menos resistentes aos
primeiros. Mas então por que o aluno A18 não se mostrou favorável ao tipo de exposição
do conteúdo presente na HQ?
Não obstante a utilização de ambientes próprios das práticas esportivas (como
um campo de futebol, uma pista de atletismo, piscina olímpica, mesa de tênis), a HQ2
não desenvolve uma história instigante como, por exemplo, uma disputa entre dois
times rivais e as motivações de cada um deles para ganhar a partida. O foco esteve no
cenário ao invés das relações interpessoais entre os personagens da história. Se, por um
lado, é plausível fazer uso de uma piscina olímpica ou um tatame utilizado na ginástica
para abordar determinados conteúdos de Geometria (Mota, 2005), por outro, deve-se
fazê-lo da forma mais envolvente possível para que a articulação entre os esportes e a
Geometria não se apresente de forma forçada.
Cabe salientar que a discussão acerca da HQ2 foi motivada pelo relato de um
único estudante, o aluno A18. De modo geral, os participantes não se opuseram à forma
adotada na HQ2 para expor os conteúdos matemáticos. Os esportes, e em particular o
futebol, fazem parte da cultura do país. São temas recorrentes nas conversas entre
jovens e adultos.

Temas de interesse dos estudantes

A ênfase dada ao conteúdo matemático propriamente dito em detrimento da


história que se pretende contar ajudou a tornar árdua e, por vezes, menos envolvente, a
leitura de algumas HQs. Ainda assim, foi perceptível a tentativa do autor de articular os
conteúdos matemáticos com ambiente externos à sala de aula na perspectiva de mostrar
a presença da Matemática para "além dos muros da escola".
A pesquisa desenvolvida por Balladares (2014) mostrou que os estudantes,
quando impelidos a criar HQs para abordar conteúdos matemáticos, o fazem a partir de
narrativas ligadas ao seu cotidiano. Qual é o indivíduo que não gosta de se ver refletido
nas mídias comunicativas? Qual é o cidadão que não se mostra satisfeito quando as suas
350
preferências musicais, esportivas, cinematográficas e até mesmo gastronômicas são
contempladas nos veículos de comunicação? Pois bem, no ambiente escolar ou
acadêmico a realidade não é tão diferente. Se for necessário aprender determinado
conteúdo, por que não fazê-lo articulando-o a algum tema de interesse do aprendiz?
Esse parece ser o caminho preferido por alguns estudantes. Após a aplicação da HQ3,
que versou sobre os axiomas de medição de segmentos e as suas consequências, foi
solicitado a alguns estudantes a indicação de temas a partir dos quais esse conteúdo
poderia ser apresentado em formato de banda desenhada. Os comentários a seguir têm
como ponto de partida as respostas atribuídas pelos estudantes.

Música. O aluno A1 propôs a utilização, na banda desenhada, de temas que


dizem respeito ao seu interesse pessoal: "não sei se conseguiria, mas o meu ponto de
vista, o meu ponto de partida pra ver as coisas envolve música. Sempre. Eu gosto
muito", declarou o estudante.

Futebol. O aluno A9 propôs ao investigador: "você pode trabalhar o [conceito de]


distância como [no futebol]. Pode estabelecer a meta do pênalti para dentro do gol". O
fato de o futebol ser um esporte bastante popular no Brasil moveu a proposta deste
aluno o qual acrescentou: "a introdução é isso! A pessoa conquista o público",
referindo-se à necessidade de, nas HQs, se cativar o leitor por meio das histórias
contadas.
Staszkow e Bradshaw (2006) também propõem a associação do conceito de
distância entre dois pontos com o futebol: seja através do chute ao gol ou por meio da
troca de passes entre jogadores. Estes autores defendem a articulação entre a
Matemática e os esportes por acreditar que nestes últimos é possível trabalhar os
conteúdos matemáticos.

Animais, frutas e carros. De acordo com o aluno A6, em se tratando de alunos do


ensino fundamental, a teoria que envolve os axiomas de medição de segmentos poderia
ser desenvolvida por meio de "um animal e uma fruta, tipo um macaco e uma banana. A
distância entre o macaco e a banana". Caso sejam alunos do ensino médio, "poderia usar
carros. Uma distância de um carro para [o] outro", tal como ocorre na HQ3, destacou o
estudante.

351
Familiaridade com a narrativa

A apresentação do cálculo de área de regiões planas, na HQ7, dialogou com as


práticas esportivas por meio do futebol. As expressões como pênalti, grande área,
pequena área e círculo central foram bem recebidas pelos participantes por dizer
respeito ao esporte com qual eles têm mais contato. Houve risos e uma aparente
satisfação por parte dos estudantes ao verem retratados na história dois times de futebol
que lhe são familiares. A pesquisa desenvolvida por Balladares (2014) mostrou que os
estudantes, quando impelidos a criar HQs para abordar conteúdos matemáticos, o fazem
a partir de narrativas ligadas ao seu cotidiano. De acordo com alguns autores, a
articulação entre os conteúdos matemáticos e o cotidiano dos alunos, ajuda os discentes
a se apropriarem com mais facilidade dos assuntos (Giardinetto, 2002; Spineli, 2011), a
perceberem que a matemática está presente no dia a dia (Cruz, 2006; Siyepu &
Mtonjeni, 2014) e a ter um maior rendimento matemático (Siyepu & Mtonjeni, 2014).
Os dados empíricos apontam para tantos benefícios? Do ponto de vista quantitativo, as
respostas apresentadas às questões propostas ao final da HQ7 revelam que sim. Entre os
três itens propostos, somente o primeiro assistiu à predominância de erros conceituais
cometidos pelos estudantes. Nos outros itens prevaleceu, nas respostas apresentadas, o
domínio do conteúdo e a capacidade de organização e apresentação das ideias (Cf.
Gráfico 7.11). Do ponto de vista qualitativo, a maior parte dos estudantes apresentou
envolvimento e aparente satisfação com a leitura: "Nossa dupla deu certo. Eu sou Bahia
e você é Vitória", disse o aluno A8 ao seu companheiro de dupla, o A30, revelando
identificação com os personagens da HQ.

Contextos impessoais

Na história apresentada pela HQ4, a qual versou sobre os axiomas de medição de


ângulos, optou-se por apresentar os conteúdos recorrendo-se à arquitetura de um centro
urbano imaginário. A impessoalidade do contexto adotado (trata-se de um centro urbano
qualquer), não o tornou inacessível aos alunos. Caso contrário, destacam Barnes e
Venter (2008) e Eade, Gough e Hough (2010), o processo de aprendizagem seria árduo
ou até mesmo não se efetivaria, o que não aconteceu. Segundo o aluno A30, "o conteúdo
está bem explicado". O aluno A11 comungou das mesmas ideias do colega ao relatar que
"não restou dúvida alguma".
352
A despeito de ter julgado inteligíveis os assuntos presentes na HQ4, o aluno A11
assinalou a necessidade de se criar histórias mais envolventes. Referindo-se à leitura da
HQ, o estudante destacou: "tem hora que a gente consegue se dispersar. Mas por que a
gente consegue se dispersar? Porque está faltando algo que encaixe... que deixe a gente
animado pra próxima cena. Será o quê? Falta um pouco de drama". Se, por um lado, a
HQ4 favoreceu, em alguma medida, a aprendizagem dos alunos; por outro, faltou-lhe
despertar nos estudantes o fascínio pela leitura.

Ênfase nos resultados mais relevantes

As sete HQs aplicadas não foram exclusivamente destinadas ao lazer e ao


entretenimento. Visaram, prioritariamente, a apresentação, discussão e reflexão sobre
alguns conteúdos de Geometria Euclidiana Plana, numa perspectiva axiomática. Tinham
finalidades educativas, formativas. Nesse caso, poderiam e deveriam chamar a atenção
do leitor para a relevância de determinados resultados presentes no texto (como o TAE,
a Desigualdade Triangular, as propriedades dos triângulos isósceles, dentre outros).
Alguns livros didáticos fazem uso desse recurso: sublinham, destacam, põem em caixa
alta as expressões, fórmulas ou outras informações que julgam de grande valor na teoria
apresentada. Nem sempre deixam ao critério do aluno perceber a relevância do certos
conteúdos. Antecipam-se por considerar que uma simples distração durante a leitura ou
até mesmo a falta de maturidade de alguns discentes podem impedi-los de fazer tal
julgamento. As HQs destinadas ao ensino de Matemática devem fazer uso de alguns
recursos presentes nos livros didáticos. Deve tomar-lhe de empréstimo todo e qualquer
elemento que a ajude a favorecer a aprendizagem dos seus leitores. Nas HQs, as
informações de grande relevância precisam ser destacadas, sugeriu o aluno A11. Este
estudante se referiu à pouca ênfase dada, na HQ5, ao fato da mediana relativa à base de
um triângulo isósceles coincidir com a bissetriz e a altura97.

97
"(...) faltou um pouco chamar bem a atenção nesse caso porque é um caso muito importante", destacou
o aluno A11 referindo-se à falta de ênfase dada na HQ4 ao fato da mediana relativa à base de um triângulo
isósceles coincidir com a bissetriz e a altura.

353
8.1.4 Linguagem quadrinística e linguagem matemática

Se, por um lado, a linguagem quadrinística é coloquial, por tentar se assemelhar


aos registros da oralidade, por outro a linguagem matemática é formal e destina-se
prioritariamente à escrita. Tais distinções fazem da utilização da banda desenhada para a
exposição de conteúdos matemáticos um grande desafio.
A seguir são destacados, separadamente, os três tipos de representações que
compõem a linguagem matemática: a linguagem verbal, as representações icônicas e as
ferramentas simbólicas.

Linguagem verbal

A predileção dos estudantes pela linguagem coloquial em detrimento do


formalismo matemático foi identificada ao longo da investigação. Em ocasião da
aplicação da primeira HQ, o aluno A5 enfatizou: "A linguagem deveria ser mais
informal. Achei a leitura chata". De acordo com Luyten (2011b) os estudantes esperam
encontrar em uma HQ uma linguagem que se assemelhe àquela que perpassa o seu
cotidiano. As HQs aplicadas, porém, prezaram pelo emprego de uma linguagem mais
formal.
Críticas à linguagem. Uma das queixas dos estudantes quanto à apresentação
dos conteúdos matemáticos nas HQs referiu-se à linguagem utilizada. Esses atores
aspiravam, no início da investigação, por uma linguagem mais informal e, por vezes,
"divertida"98. Não estavam contando com uma linguagem imbuída de formalidades.
A linguagem das HQs costuma ser acessível aos leitores (Luyten, 2011b;
Vergueiro, 2006) o que justifica as expectativas dos estudantes. Os diálogos presentes
nestas narrativas geralmente assemelham-se àqueles comumente encontrados na
linguagem oral. No caso das HQs utilizadas na pesquisa nem sempre foi assim. O
coloquialismo deu lugar à formalidade. Tal substituição não foi aceite por todos os
participantes. Ao classificar como "chata" a leitura da HQ1, o aluno A5 reivindicou pela
informalidade da linguagem. De acordo com Luyten (2011a), as HQs utilizadas para

98
"Como a história em quadrinhos tem um linguagem mais lúdica, facilita o entendimento saindo da
coisa maçante da sala de aula", destacou o aluno A16 com relação ao uso da banda desenhada na
exposição de conteúdos matemáticos (Cf. Figura 7.6)

354
fins educacionais fazem uso de uma linguagem facilmente compreendida pelos
estudantes. Contudo, nas HQs aplicadas não foi observada a presença de uma
"linguagem mais leve, mais jovem", reivindicada pelo aluno A5 em Q3.
Segundo Lovetro (2011), além de coloquial, a linguagem adotada na literatura
em quadrinhos se destaca pela capacidade de síntese. Em, no máximo, três linhas deve-
se passar uma mensagem por meio de um balão de dialogo. Caso contrário, pode-se
correr o risco de tornar o diálogo irreal e cansativo. Deve-se evitar o excesso de textos
nas falas dos personagens, pontua Luyten (2011b).
A presença de muitas informações nos balões torna a leitura cansativa. A Figura
8.3 apresenta uma tirinha extraída da HQ5 onde é perceptível o excesso de informações
nos diálogos traçados pelos personagens. A leitura desta HQ foi considerada cansativa
por alguns alunos o que se deve, segundo eles, à quantidade de informações presentes
na HQ99.

Figura 8.3. Quadrinhos com excesso de texto nos balões


118

A Figura 8.3 apresenta a prova da congruência entre os ângulos da base de um


triângulo isósceles. Dois elementos presentes na tirinha se opõem ao que se espera da
literatura quadrinísitca, tendo como base as considerações de Lovetro (2011), Luyten
(2011b) e Vergueiro (2006): a falta de semelhança com a linguagem oral e o excesso de
informações nos balões. Conforme assinalado por Florenço (2014) e corroborado pelo
texto presente na Figura 8.3, a linguagem matemática mantém-se distante da linguagem
oral. Esta última é espontânea e surge de forma natural. A linguagem matemática,
porém, não brota da espontaneidade. É tecnicamente construída.

99
"Tem muito assunto. É muita informação", pontuou o aluno A9 referindo-se à HQ5 [DB, 22 de agosto
de 2014].

355
A incongruência entre a linguagem matemática e a linguagem verbal (oral ou
escrita) foi destacada por dois estudantes, a saber, os alunos A9 e A16. O primeiro
declarou que "nas HQs é necessária uma linguagem mais dinâmica e mais coloquial". O
segundo pontuou que "a linguagem para uma HQ está muito técnica".
Quando questionado sobre a viabilidade da aplicação das HQs na educação
básica, o aluno A22 declarou: "Para lidar com crianças teria que chamar mais atenção. A
linguagem deveria ser diferente com momento, com mais distração. Eles precisam
também disto e, como eu falei, eu às vezes [também] sinto [est]a necessidade". O
comentário do estudante aponta para a necessidade de se utilizar uma linguagem mais
simples e que consiga entreter o leitor.

Elogios à linguagem. Nem todas as HQs apresentaram problemas relativos à


linguagem adotada. A HQ4, por exemplo, foi bem aceite por todos os participantes. Não
houve queixas referentes à linguagem. O baixo teor de dificuldade do conteúdo ali
retratado, ângulos, ajudou a tornar a leitura mais acessível. Ao referir-se a esta HQ, o
aluno A4 revelou que "as explicações foram dadas com linguagem de fácil
interpretação".
Quando questionado em Q3, o aluno A13 declarou conformidade100 quanto à
linguagem empregada na HQ5. Antes disso, com relação à HQ2, o mesmo estudante
havia sinalizado que "além da linguagem ser simples, as imagens exemplificam de uma
maneira que facilita o entendimento". De modo geral, o tipo de linguagem não variou
substancialmente de uma HQ para outra. Com o tempo os estudantes foram-se
adaptando à linguagem matemática passando a considerá-la mais acessível. A depender
do nível de complexidade dos assuntos, tal aceitabilidade pode ter sofrido algumas
oscilações.
A presença de expressões coloquiais típicas das brincadeiras entre os torcedores
dos maiores times de futebol da Bahia, o Esporte Clube Bahia e o Esporte Clube
Vitória, despertou a atenção dos participantes durante a leitura da HQ7. Alguns alunos
riram ao ver, na HQ, referências aos times pelos seus pseudônimos: “Já-hia” e “Vice-
tória”. O aluno A8 disse ao seu colega, o aluno A 30: “eu gosto de Bartolomeu porque é
[torcedor do] Bahia”, revelando identificação com os personagens.

100
"A linguagem... acho que é essa mesma", pontuou o aluno A13.

356
Especificidades da linguagem matemática. Não obstante a reivindicação dos
estudantes pela adoção de uma linguagem mais coloquial nas HQs, os mesmos
reconheceram a importância da linguagem formal na apresentação das demonstrações
matemáticas: "[Em] se tratando de geometria plana axiomática não vejo como utilizar
outra linguagem para a compreensão do assunto. Sendo assim, a linguagem utilizada [é]
necessária para essa compreensão", destacou A7; "Para uma HQ é possível uma
linguagem mais coloquial, porém para uma HQ que envolva assuntos didáticos não é
possível colocar uma linguagem totalmente coloquial. Com isso a linguagem utilizada
nas HQs [sobre] Geometria plana axiomática é plausível", pontuou o aluno A11.
Segundo Lorenzato (1999), para que os estudantes compreendam as definições e as
propriedades dos conceitos geométricos é imprescindível a esses atores a aquisição de
um vocabulário mais formal. Não se deve, portanto, abrir mão desse tipo de linguagem.
A linguagem menos formal pode ser utilizada, sempre que necessário, mas a forma de
comunicação entre o texto e o leitor não deve apoiar-se exclusivamente nesse tipo de
linguagem.
O reconhecimento dos estudantes quanto às especificidades da linguagem
matemática não lhes retirou a aspiração por um tipo de linguagem mais própria das
HQs: mais acessível (Vergueiro, 2006), informal (Luyten, 2011b) e abreviada (Lovetro,
2011). Apesar de manifestarem predileção por esse último tipo de linguagem, foi
perceptível o esforço de muitos deles em empregar uma linguagem mais formal, tal
como costuma aparecer nos textos matemáticos, nas respostas fornecidas às atividades
propostas. Em divergência com as considerações de Dreyfus (1999)  segundo o qual os
alunos tendem a utilizar uma linguagem coloquial nas justificativas matemáticas  em
pouquíssimos casos a linguagem matemática foi desconsiderada na elaboração das
justificativas. O que se assistiu foi, em alguns casos, a falta de familiaridade dos
estudantes diante da composição de textos matemáticos e não a tentativa de subjugar a
linguagem matemática à linguagem oral. Esta discussão será ampliada mais à frente,
ainda neste capítulo.
A linguagem em Matemática não se constitui exclusivamente por meio de
palavras. Ela também faz uso de símbolos, fórmulas, definições formais e lógica
proposicional (Kinard & Kozulin, 2010) o que a torna igualmente rica e complexa. À
medida que tais elementos são agregados ao texto, menores são as brechas abertas para
a coloquialidade e informalidade nos textos. Em parte, a formalidade matemática deve-
se à necessidade da perpetuação do conhecimento o qual se deve manter inteligível em
357
qualquer lugar a despeito dos regionalismos locais. Por exemplo, a expressão “se a, b e
c são as medidas dos lados de um triângulo retângulo em que a é a medida da
hipotenusa, então a2 = b2 + c2”, refere-se ao Teorema de Pitágoras e qualquer forma de
escrevê-lo precisa recorrer aos seguintes termos: triângulo retângulo; hipotenusa; a2 =
b2 + c2 (algebricamente como ao lado ou por extenso através de palavras). Elementos
informais podem ser empregados para elucidar o resultado, mas a forma de enunciação
depende de termos próprios da Matemática. Assim como ocorre em outras Ciências
como a Biologia, a Medicina e a Química, a Matemática é dotada de uma linguagem
própria, técnica e por vezes simbólica que a ajudam na construção e na consolidação da
sua própria identidade. Nem sempre é possível desviar-se dessa forma de se expressar
em textos matemáticos.

Linguagem icônica

Um dos elementos que diferencia as HQs de outros veículos de comunicação


escrita reside na presença maciça de imagens. Não que os jornais, livros e revistas não
façam uso de representações imagéticas. O que ocorre é a desobrigatoriedade de utilizá-
las em grande quantidade. Nas HQs a realidade é outra. É possível encontrar histórias
em quadrinhos sem textos, mas as mesmas não existem sem as imagens. Segundo o
aluno A12, as imagens presentes nas HQs prestam um serviço à aprendizagem, pois
"ajudam a fixar na memória os assuntos" (Cf. Figura 7.6). Este poder de penetração que
as imagens têm também é assinalado por Afriyasanti e Basthomi (2011).

Benefícios à aprendizagem. Em conversa informal com o pesquisador, após a


leitura da HQ1, o aluno A12 revelou: "Gostei das imagens. Me ajudaram a entender
melhor o texto". O comentário do estudante revela-se congruente com as ideias de J.
Smith (2000) segundo as quais existe uma relação dialógica entre texto e imagem nos
quadrinhos de modo que o primeiro ajuda a elucidar o segundo e, reciprocamente, o
segundo torna o primeiro mais inteligível.
Durante o estudo do cálculo de área de regiões limitadas por figuras planas, na
HQ7, o aluno A10 dirigiu-se ao seu colega de dupla, o aluno A28, apontou para a imagem
de um paralelogramo que aparece na HQ e disse-lhe: "É essa base aqui vezes essa
altura", referindo-se, em sua própria linguagem, ao cálculo da área de regiões planas
limitadas por paralelogramos. Evento semelhante foi observado durante o estudo de

358
regiões triangulares. Em outra dupla, o aluno A8 dirigiu-se às ilustrações presentes na
HQ e disse ao aluno A30: "No caso aqui, ó..., tá vendo a região triangular?!", mostrando
ao colega a representação dada na HQ para esse tipo de região. Estes exemplos
mostram que, muitas vezes, o texto apoia-se na imagem para se fazer entender conforme
preconizado por Luyten (2011a) e J. Smith (2000) ao se referirem às HQs.
De acordo com Luyten (2011a) e Rezende e Silvério (2009), a linguagem não
verbal presente nas HQs (na qual se inserem as imagens) costuma atrair a atenção dos
leitores. E, quando destinadas ao ensino e aprendizagem de Geometria, assinala J. Smith
(2000), as imagens ajudam a orientar o raciocínio dos estudantes. Alguns discentes, em
conformidade com o último autor, apontaram a importância das imagens na
compreensão dos conteúdos expostos na HQ2. O aluno A7 declarou que "ficou muito
legal a forma como foi exposto o conteúdo na revista e as imagens ajudaram bastante na
compreensão". Com efeito, o estudo dos conceitos primitivos (ponto, reta e plano)
apresentado na HQ não poderia ser feito sem a utilização de representações icônicas.
Termos indefiníveis são compreendidos a partir de exemplos (nesse caso, imagens)
tendo em vista a ausência de uma definição textual.
A inserção das imagens no processo educativo é destacada e defendida por Bath
(1987) ao se referir à segunda fase da "percepção icônica" de um conceito. Duval
(1998) amplia as ideias de Bath ao atribuir importância às imagens não apenas na etapa
inicial da aprendizagem. Segundo este autor, as representações icônicas também se
mostram importantes durante a elaboração de provas matemáticas.
No que tange a apresentação e caracterização de um conceito, Duval (1993)
aponta a necessidade de se utilizar as representações icônicas. Em Geometria é
inevitável recorrer a esse tipo de representação. Muitas vezes a compreensão dos
estudantes acerca de conceitos como segmento de reta, semirreta, mediana de um dos
lados de um triângulo, dentre outros, não se concretiza antes da apresentação icônica
desses objetos. Ao responderem à questão proposta na secção PPPRSL, na HQ3, quase
dois terços dos estudantes fizeram uso de algum desenho (Cf. Figura 7.18).
Para responder à segunda questão proposta ao final da HQ4, na qual era
solicitado o perímetro de um hexágono, os estudantes fizeram uso da representação
icônica do polígono dada na própria questão. Utilizaram-na para traçar as diagonais do
polígono (já que o número de diagonais era requerido pela questão) e para inserir as
medidas dos comprimentos de cada lado do hexágono (Cf. Figura 7.32). Este fato

359
ratifica a importância das imagens no processo de aprendizagem e no desenvolvimento
cognitivo dos alunos (Duval, 1998).
Além de ajudarem os estudantes durante a resolução de problemas ligados à
Geometria, as imagens oferecem outras vantagens: os ajudam a compreender e a
assimilar, de forma mais eficaz do que as palavras, os conceitos geométricos que lhes
são apresentados. É o que ocorreu durante a leitura da HQ2 quando da apresentação da
definição de triângulo. Os discentes se concentram mais na figura que buscava
representar o conceito do que na própria definição textual que a HQ dispunha. Esta
última estava incompleta, conforme constatou o pesquisador em sala de aula. Faltou
mencionar a não colinearidade dos vértices do polígono (Cf. Figura 7.11). Os estudantes
não perceberam esse equívoco por estarem mais conectados às imagens do que às
palavras. A figura apresentada não deixava dúvidas: os três vértices não podiam ser
colineares. O texto omitiu esse fato. Os estudantes aprenderam com a imagem, não com
o texto. Esse fato mostrou, tal como pontuam Afrilyasanti e Basthomi (2011), a
capacidade que as imagens têm de ficar registradas, com facilidade, na memória de
quem as vê.
A linguagem icônica se destacou também por outro contributo: ajudou a revelar
o pensamento dos estudantes. De fato, a despeito de não conseguiram expressar em
palavras a definição de mediana relativa a um lado de um triângulo, os alunos A9 e A10
o fizeram através de um desenho conforme mostra a Figura 7.63. A partir do desenho
apresentado pelos estudantes é possível concluir que eles compreenderam o conceito.
As imagens criadas pelos alunos A7, A24, A26 e A27 para representar o TAE
revelaram que os discentes compreenderam que a medida do ângulo externo de um
triângulo é sempre maior que as medidas dos ângulos internos que não lhe são
adjacentes (Cf. Figura 7.47). O aluno A27 agregou representações simbólicas à icônica.
A26 fez uso de valores numéricos. Os demais estudantes recorreram apenas à
representação icônica: representaram ângulos externos cujas medidas (embora não
informadas) são visivelmente superiores àquelas dos ângulos internos não adjacentes. A
despeito de tais imagens sinalizarem para o entendimento dos estudantes acerca do
TAE, as representações icônicas não bastam: é preciso fazer uso de ferramentas
simbólicas (ou de representações verbais) para que a mensagem seja dada de forma
explícita e geral. Algumas limitações ou problemas verificados por meio do uso de
imagens são pontuados a seguir.

360
Obstáculos à aprendizagem. Nem todas as imagens destinadas à explanação e
discussão acerca dos conceitos matemáticos foram compreendidas pelos estudantes. A
despeito de "as imagens fala[re]m" como afirma N. Santos (2011, p. 46), nem sempre os
seus “dizeres” são decodificados pelos estudantes, como constatado nesta pesquisa. A
título de exemplo, tem-se a representação imagética utilizada na HQ2 para exemplificar
o conceito de convexidade. De acordo com o aluno A11, "a imagem no momento da
explicação ficou um pouco a desejar. Deveria usar outro método de explicação sem ser
a quadra de basquete".
Durante a apresentação de um conceito deve-se fazer uso do maior número de
representações imagéticas possíveis. A utilização de uma única imagem, alerta Battista
(2009), pode limitar a compreensão dos estudantes. Tal situação foi constatada nesta
investigação. Durante a resolução da secção PPPRSL, disposta na HQ4 (Cf. Figura
7.26), o aluno A15 só conseguiu, a princípio, identificar os ângulos retos em que um dos
lados está disposto na horizontal e o outro na vertical. Somente após o investigador lhe
dizer que havia pelo menos três ângulos retos na atividade, o estudante conseguiu
romper com o seu entendimento inicial acerca de ângulos retos.
O estudo da altura de um triângulo, desta vez na HQ5, endossou a existência de
um "poder limitador" nas imagens quando indevidamente utilizadas. Os participantes
haviam estudado este conceito na escola básica. Entretanto, alguns deles (a saber, A4,
A22, A30, A31) só sabiam traçar ou identificar as três alturas em triângulos acutângulos.
Não sabiam encontrar a altura relativa ao lado que se opõe ao ângulo não agudo em
triângulos retângulos ou obtusângulos. Esse fato aponta para a existência de outro
problema: após lerem a definição de um conceito (geométrico) e observar a figura a ele
associada, os discentes passam a se aproximar mais da imagem e menos da definição
textual. Tal distanciamento dos estudantes do enunciado (de um problema, teorema,
definição) após o contato com as figuras a ele associadas (para as quais passam a
direcionar a atenção) é assinalado por Duval (1998) como um dos fatores negativos da
utilização de imagens. A despeito das representações imagéticas serem importantes no
processo de aprendizagem em Geometria, não se deve abrir mão das definições textuais
as quais se apresentam como base para o desenvolvimento da teoria.
Conforme pontua Clements (2003), um conceito é sempre mais amplo que as
representações imagéticas. Da mesma forma, estas últimas não extrapolam as hipóteses
de um problema. Antes, encontram-se submissas a elas. Nem todos os discentes
compreenderam este fato. Ao responderem a primeira atividade proposta ao final da
361
HQ5, os alunos A29 e A31 atribuíram valores às medidas de alguns ângulos sem justificá-
las (Cf. Figura 7.38). Fizeram-no a partir da "aparência" das figuras e não à luz das
hipóteses do problema.
Durante a apresentação do conceito de diagonal de um polígono, na HQ4, foi
disponibilizada apenas uma imagem relacionada ao conceito. Este fato agregado à
dificuldade de alguns estudantes de compreenderem a definição de diagonal fez com
que alguns deles desconsiderassem a possibilidade de existir diagonais paralelas a um
dos lados do polígono (durante a resolução da segunda atividade proposta ao final da
HQ). Por quê? Simplesmente porque assimilaram mais a imagem que tentou lhes
esclarecer o conceito de diagonal do que a definição que lhes foi apresentada. Mais uma
vez, incorreram no erro de sobrepor as imagens às outras formas de representação
relacionadas ao mesmo conceito, como por exemplo, a representação verbal (definição).
As imagens também foram protagonistas de algumas confusões nas
demonstrações matemáticas que tratavam da prova da unicidade de determinados
objetos geométricos (perpendicular a uma reta passando por um de seus pontos;
perpendicular à uma reta passando por um ponto fora dela). Quando se faz uso de
demonstrações por redução ao absurdo, as figuras obtidas são incongruentes com a
realidade (afinal supõe-se a ocorrência de um fato inverídico). Em Q2, o aluno A12
revelou ter sentido dificuldades em compreender a demonstração da unicidade da
perpendicular a uma reta passando por um de seus pontos "por causa da ilustração". Tal
fato foi ratificado por A3 ao dizer que "as imagens fica[ra]m um pouco complicadas
para entender". Esse descompasso entre "figura" e "realidade" não era esperado pelos
alunos. Era o primeiro contato desses atores com demonstrações desse tipo. Nesses
casos, tornaram-se "resistentes" às imagens. Esse fato revela a necessidade dos
professores, assim como os autores de livros didáticos, ressaltarem aos alunos que em
demonstrações por redução ao absurdo é comum obter imagens que vão de encontro da
intuição à moda euclidiana. Fenômeno que ocorre pelo simples fato de se supor algo
que, a partir do sistema axiomático em uso, não pode ocorrer.

Sugestões. Outra questão levantada com relação às demonstrações matemáticas


diz respeito à necessidade de se apresentar de forma mais detalhada e sequencial as
figuras em demonstrações por construção. Essa demanda surgiu durante a leitura da
demonstração do caso de congruência conhecido como Ângulo-Lado-Ângulo, na HQ5.
Sobre a construção de um triângulo auxiliar durante a demonstração, o aluno A10

362
pontuou: "Aí talvez desenhos separados poderiam melhorar porque o ponto G é
marcado no mesmo triângulo que tava a semirreta". O comentário do estudante aponta
para a necessidade de se romper com a imagem pronta e acabada substituindo-a por
várias outras representações imagéticas que culminarão em uma imagem final, pelo
menos em demonstrações em que se recorre a construção de objetos geométricos. Dessa
forma, a ideia das imagens como balizadoras do raciocínio geométrico, defendida por J.
Smith (2000), pode ser contemplada.
Como intuído pelos alunos, o ponto G deveria coincidir com o ponto C (Cf.
Figura 7.35), mas na HQ eles estavam dispostos em posições diferentes. Este fato gerou
a insatisfação do aluno A11 que pontuou: "Oxe101, por que esse G está aqui? Esse lado
nunca vai ser igual ao daquele!". A narrativa deixou clara, para o leitor, algumas
questões. De fato, tais pontos deveriam coincidir (como de fato ocorreu), mas este fato
não poderia ser assumido como verdade, desde o início. Deveria ser provado. Neste
momento (fase inicial da leitura), os estudantes confundiram hipótese com tese.
Segundo Almouloud, Silva e Fusco (2012) tal confusão é um erro comum cometido
pelos estudantes.
Mais à frente, nas etapas finais da demonstração, os estudantes passaram a
compreender o raciocínio empregado na prova: "Ele [o autor da HQ] está supondo que o
[ponto] G está aqui [mostra com o dedo indicador a posição do ponto na figura] (...) vai
chegar a conclusão [de] que G não está naquele ponto que ele colocou", explicou o
aluno A11.
Durante a apresentação de determinado conceito, deve-se diversificar as
representações icônicas a ele associadas. A ampliação do número de imagens "que
exemplificam" os conceitos foi requerida pelo aluno A11 ao referir-se à HQ5: "Se eu
fosse usar a revistinha [a HQ], eu colocaria quase semelhante a essa em imagens, em
figuras. Eu apenas ilustrava um pouco mais". O estudante mostrou-se satisfeito com as
imagens utilizadas nas HQ, mas as considerou em número insuficiente. Em particular, o
discente chamou a atenção para a necessidade de ampliar as representações icônicas
para mediana, bissetriz e altura em um triângulo: "faltou um pouco de exemplo, faltou
um pouco chamar bem atenção nesse caso porque é um caso muito importante. Porque
às vezes... Tem algum triângulo e a altura vai ser igual à bissetriz, vai ser igual com o

101
"Oxe" é uma expressão utilizada em algumas cidades do nordeste do Brasil para expressar o espanto
mediante alguma situação.

363
triângulo isósceles". Da mesma forma, é importante representar ângulos retos cujos
lados não estão dispostos nas posições horizontal e vertical; as alturas relativas aos
lados de triângulos retângulos e obtusângulos e etc. Nesses casos, a forma como os
estudantes assimilarão os conceitos geométricos não será enviesada pelas
representações icônicas como por vezes ocorre (Battista, 2009).
As figuras que aparecem nas demonstrações por redução ao absurdo também
merecem um tratamento especial. Antes ou após a apresentação das mesmas, o
estudante deve ser advertido que a incoerência entre tais representações icônicas e a
veracidade dos fatos decorre do uso de hipóteses falsas.

Linguagem simbólica

Umas das formas de representação utilizada nos estudos em Matemática a


diferencia substancialmente das demais Ciências: as suas ferramentas simbólicas. Se,
por um lado, elas não constituem elementos naturais à experiência diária dos estudantes,
por outro ajudam a simplificar a linguagem e contribuem com a perpetuação e
universalização da Matemática. Qualquer estudante com estudos minimanente
“iniciados” em Geometria associa a representação “//” à ideia de retas paralelas. Este
tipo de ferramenta simbólica, com características de pictograma (Cajori, 1993), são
geralmente bem aceites pelos estudantes.
A falta de compreensão acerca do significado de uma ferramenta simbólica pode
conduzir o estudante a interpretações equivocadas. As respostas apresentadas pelos
alunos A4 e A21, e A3 e A15 à questão proposta na secção PPPRSL, na HQ2, corrobora
tal afirmação. Conforme pode ser verificado na Figura 7.10, ao sinal que denota a
operação de união entre dois conjuntos os estudantes atribuíram o significado de
"interseção". Este equívoco esteve relacionado à falta de familiaridade dos estudantes
com as ferramentas simbólicas utilizadas na Matemática. Alguns estudantes têm
ingressado no curso de Licenciatura em Matemática sem conhecer os símbolos
matemáticos empregados na educação básica.
No que diz respeito ao tratamento axiomático dado à Geometria, o aluno A1
propôs "um ensinamento no mínimo de sinais porque o professor [referindo-se ao
professor universitário] não volta para dizer que sinal é esse não. Você já tem que
chegar sabendo". Este mesmo estudante reconheceu a importância das ferramentas
simbólicas na Matemática ao declarar que "a linguagem matemática obriga você a saber
364
demonstrar as coisas em sinais" e, em seguida, complementou: "'contido', 'não contido',
isso a gente, quer dizer eu pelo menos, tô tentando aprender agora nunca vi". O aluno
A1 não conhecia alguns símbolos comumente adotados na teoria de conjuntos. O seu
entendimento do texto ficou comprometido.
Os fatos relatados nos parágrafos anteriores apontam para a necessidade de
inserir algumas mudanças na HQ. O autor deveria dar ciência aos leitores, na própria
narrativa, do significado das ferramentas simbólicas por ele utilizadas. Ao considerar
que tais símbolos eram "velhos" conhecidos dos alunos, deixou de eliminar mais um
obstáculo à aprendizagem.

Equívocos no uso das ferramentas simbólicas. A distinção entre a ferramenta


simbólica adotada para denotar um segmento de reta e àquela utilizada para designar o
seu comprimento não foi devidamente observada por alguns estudantes. Este fato foi
constatado em algumas respostas apresentadas às atividades propostas. A título de
exemplo, pode-se citar a forma como os alunos A24 e A25 se referiram à igualdade entre
os comprimentos de dois segmentos, AB e EF102, durante a resolução da segunda
questão proposta ao final de HQ5. Os estudantes utilizaram ambas as representações:
“ AB  EF ” e “ AB  EF ” (Cf. Figura 7.42). A despeito de chamar a atenção para tal
distinção, em sala de aula, o pesquisador não conseguiu estabelecê-la nas HQs. Este fato
deveu-se às limitações do Toondoo quanto à digitação de determinadas expressões
matemáticas. Este fato pode ter ajudado a dar origem aos equívocos cometidos por
alguns estudantes.
A semelhança entre as ferramentas simbólicas utilizadas para denotar os
conceitos de ângulo e de triângulo também protagonizou algumas confusões. Enquanto
nas HQs utilizou-se, por exemplo, a representação “ CDˆ B ” para designar um ângulo
com vértice do ponto D e cujos lados são duas semirretas de origem nesse ponto (uma
passando pelo ponto C e a outra pelo ponto B) não era raro encontrar discentes a utilizá-
la para designar um triângulo com vértices nos três pontos mencionados. Em resposta a
uma das questões propostas na HQ6, os alunos A10 e A28 escreveram "triângulo CDˆ B "
ao invés de "triângulo CDB" (Cf. Figura 7.57). Uma solução para este problema
consiste na utilização de pictogramas para representar os conceitos de ângulo e

102
Em consonância com Barbosa (2006), ao longo desta pesquisa os comprimentos de segmentos de reta
como AB e EF, por exemplo, foram denotados, respectivamente, por AB e EF .

365
triângulo. No primeiro caso, escrever-se-ia " CDB " e, no segundo, " CDB ". Não que
as ferramentas simbólicas adotadas na HQs sejam demasiadamente "abstratas" e,
portanto, difíceis de serem compreendidas. O problema residiu na semelhança entre
elas.

Uma ferramenta simbólica. Um único significado. As ferramentas simbólicas


ditas qualitativas, segundo a designação de Kinard e Kozulin (2010), dificilmente têm
os seus significados alterados ao longo da trajetória escolar dos estudantes103. Em
alguns casos, tais significados são ampliados, não reduzidos. A título de exemplo, é
possível citar a ampliação do significado de “” durante a passagem dos estudos da
Geometria Plana para a Geometria no Espaço Tridimensional. Na primeira, o símbolo é
usado para designar a perpendicularidade entre retas. Na segunda, a mesma ferramenta
simbólica se presta ao serviço de um conceito mais amplo: a noção de ortogonalidade.
As ressignificações sofridas por uma mesma ferramenta simbólica precisam ser
cuidadosamente discutidas em sala de aula.

Ferramentas diferentes. Um mesmo significado. Se, por um lado, uma


ferramenta simbólica qualitativa usada para designar determinado conceito (como o
paralelismo ou perpendicularidade entre retas) não costuma ter o seu significado
modificado (mas ampliado, em alguns casos) por outro é possível haver diferentes
ferramentas simbólicas relacionadas a um mesmo conceito. É o caso das representações

SAB (utilizada nas HQs) ou AB (presente em grande parte dos livros didáticos), ambas
utilizadas para designar uma semirreta de origem em um ponto A e que passa por um
ponto B. Embora a segunda representação tenha a vantagem de remeter o interlocutor,
quase que imediatamente, ao conceito a que se destina (semirreta), por outro se esbarra
na semelhança com as ferramentas usadas para designar vetores, em Geometria
Analítica. Quem escolhe uma ferramenta em detrimento de outras costuma pesar na
balança as suas vantagens e desvantagens. Os estudantes não externaram dificuldades
quanto ao uso e compreensão da ferramenta simbólica S AB. Apenas o aluno A7 pediu
esclarecimentos ao investigador sobre a utilização de SAB na HQs ao invés de SAB

103
Não é caso das ferramentas simbólicas quantitativas. Por exemplo, o símbolo “x” empregado para
denotar a operação de multiplicação entre números naturais (durante os primeiros anos de escolaridade) é
com o tempo substituído por “”.

366
(como empregado nas discussões em sala de aula). O pesquisador esclareceu que as
limitações da utilização de ferramentas simbólicas no Toondoo fez com que fosse
utilizado SAB nas HQs.

Uma mesma ferramenta. Dois significados. Na HQ4, a letra grega  (alpha) foi
utilizada para designar tanto um ângulo quanto a sua medida (Cf. Figura 7.24). Ao
identificar a letra grega no texto, o aluno A20 questionou o investigador: "As letras
gregas não são utilizadas para nomear os planos?". Essa pergunta deveu-se à indicação,
na HQ2, de letras do alfabeto grego na designação de planos (assim como letras
maiúsculas e minúsculas do alfabeto português para referir-se a pontos e retas,
respectivamente). O estudante parece ter compreendido, à época em que leu a HQ2, que
as letras do alfabeto grego são utilizadas somente para designar planos e não que os
planos são geralmente designados por letras do alfabeto grego. Diante disso, o
pesquisador explicou-lhe que uma mesma ferramenta simbólica (sim, nesse caso, a letra
 está exercendo este papel!) pode ser utilizada, desde que fique claro no texto, para se
referir a mais de um conceito matemático.
Um velho conhecido dos participantes, a saber, o sinal de igualdade “=”, fez
com que alguns estudantes cometessem certos "deslizes" quando utilizado na linguagem
oral. Nas HQs, essa ferramenta simbólica foi utilizada (também) para designar a
congruência entre dois objetos matemáticos (segmentos de reta, ângulos, triângulos).
Enquanto conjunto de pontos, objetos congruentes não significam objetos iguais. Um
segmento de reta com extremidade nos pontos A e B pode ser congruente ao segmento
com extremos em C e D sem que possuam necessariamente os mesmos pontos104.
Congruentes, mas não coincidentes. A partir das ferramentas simbólicas adotadas nas
HQs, deve-se escrever “AB = CD” em que se lê “o segmento de reta AB é congruente
ao segmento de reta CD”. Os participantes, porém, em sua maioria, substituíram a
palavra "congruente" pela palavra "igual" mostrando a força da tradição de associar à
ferramenta simbólica “=” ao significado de igualdade.
É possível ainda que a confusão tenha sido causada por uma compreensão
inadequada acerca do conceito de congruência ou, inversamente, que a utilização do

104
De acordo com Machado (2012), "a diferença entre segmentos iguais e segmentos congruentes é que
no primeiro caso os dois segmentos são iguais como conjunto de pontos (ou seja, são na verdade o mesmo
objeto), e no segundo caso não precisam ser o mesmo conjunto, apenas compartilham da propriedade de
terem a mesma medida" (p. 35).

367
sinal de igualdade na representação de congruência tenha comprometido,
negativamente, a forma dos estudantes compreenderem este último conceito. Se por um
lado, o conceito é mais amplo que as ferramentas simbólicas utilizadas para designá-lo
(Duval, 1993), por outro estas últimas podem contribuir para torná-los mais (ou menos)
inteligíveis.
As ferramentas simbólicas: uma estranha linguagem. A relação dos
participantes com as ferramentas simbólicas adotadas nas HQs revelou a pouca
familiaridade desses atores com tais formas de representação. Os outros tipos de
representação em Geometria, isto é, aqueles dados pela língua materna e por
representações icônicas (Duval, 1993) parecem ter sido melhor assimilados pelos
participantes. As representações verbais e icônicas aproximam-se mais da experiência
diária dos estudantes enquanto as ferramentas simbólicas mostram-se intrinsecamente
ligadas aos textos matemáticos. Embora, como destacam Kinard e Kozulin (2010), a
escolha das ferramentas simbólicas provenha, geralmente, de um consenso entre os
membros da comunidade matemática, a falta de conexão desses símbolos com o dia a
dia dos estudantes pode tornar a sua apreensão, pelos estudantes, um processo árduo.

8.1.5 O comportamento dos estudantes

Durante a leitura da HQ1, a maior parte dos estudantes se mostrou interessada e


comprometida com a leitura. Comportamento semelhante foi observado durante a
leitura da HQ2. Tal predisposição à aprendizagem fomentada pela leitura de HQs é
apontada por Luyten (2011a), Rezende e Silvério (2012) e Vergueiro (2006) como um
dos contributos das HQs à esfera educacional. Contudo, nem todos os discentes se
sentiram motivado. A título de exemplo, tem-se os alunos A5 e A18 com relação às
leituras da primeira e da segunda HQ, nessa ordem105. Estes discentes demonstraram
certo desinteresse pela leitura o que aponta para a necessidade de se criar histórias (ou
“estórias”) mais instigantes e que lhes despertem a atenção. Tal necessidade foi
corroborada, mais à frente, pelo aluno A11, após a aplicação da HQ5. Apesar de mostrar
interesse pela leitura, o discente pontuou, que faltou à narrativa "um pouco de drama".

105
O aluno A1 foi aquele que classificou como "chata" a leitura da HQ1. O aluno A18 foi aquele que
atribuiu às dificuldades de compreensão dos assuntos da HQ2 à "maneira como a HQ trazia porque não
ficava muito claro".

368
Quanto mais envolvente for a história, mais interessados com a leitura estarão os
estudantes. A criatividade na elaboração do enredo pesa tanto quanto a complexidade
intrínseca dos assuntos. As dimensões racional e criativa evocadas durante a criação de
uma HQ (E. Santos, 2011) revelam-se igualmente importantes.

Falta de atenção

O aluno A21 precisou, em alguns momentos, recuar na leitura da HQ2. Segundo


o estudante, este fato deveu-se à forma como realizou a leitura. Declarou ter sido
desatencioso106. O comentário de A21 provoca algumas reflexões. As HQs comerciais,
em geral voltadas para o entretenimento, não conduzem o leitor a uma posição de
sentinela acerca de cada passagem textual ou “visual”. Por vezes, o mau entendimento
de algum momento da narrativa passa a ser desvendado mais à frente pelo próprio
contexto. Em narrativas voltadas à apresentação de conceitos matemáticos a realidade é
outra. A falta de compreensão acerca de um conceito pode comprometer de forma
irremediável o entendimento dos resultados futuros a ele associados. Portanto, deve-se
evitar o acúmulo de dúvidas sob pena de inviabilizar a compreensão da narrativa.

Dificuldades durante a leitura

Os momentos de maiores dificuldades durante as leituras estiveram


relacionados à presença de demonstrações matemáticas. A aprendizagem da Geometria
Axiomática, destacada por Stone (1971) como uma pedra no calcanhar dos estudantes
na segunda metade do século passado, continuou exercendo um papel semelhante no
novo século (Hershkowitz et al., 2002). A compreensão das demonstrações matemáticas
exigiu um maior esforço intelectual dos estudantes deixando-os mais tensos e, por
vezes, desestimulados.
Diante da densidade do texto, como ocorreu na prova da proposição presente na
HQ2 que associava a disposição de três de uma semirreta (sendo um deles a origem da
semirreta) ao comprimento dos segmentos de reta determinados por eles, houve

106
Em Q1, o aluno A21 creditou a necessidade de refazer a leitura à sua "falta de observação e
interpretação".

369
dispersão por parte de alguns discentes. A maioria dos participantes, porém, se revelou
interessada e envolvida com a leitura.

Interesse pela leitura

A leitura da HQ4 foi marcada predominantemente pelo interesse, concentração e


envolvimento dos estudantes. A HQ centrou-se no estudo de ângulos, um assunto
estudado na educação básica por, pelo menos, ¾ dos participantes. Embora não o
tivessem visto numa perspectiva axiomática, o contato prévio com o assunto (Cf.
Gráfico 7.1) ajudou-os, em alguma medida, a avançar na leitura sem grandes tensões.
Os próprios discentes indicaram o assunto ângulos, em QD, como um dos conteúdos
que lhes despertaram maior interesse durante a educação básica o que se deve, segundo
eles, ao seu baixo nível de complexidade (Cf. Figura 7.2).
Outros assuntos estudados durante a escolaridade básica e considerados fáceis
pelos discentes também lhes proporcionaram a realização de uma leitura mais tranquila,
a exemplo do cálculo de área de regiões limitadas por figuras planas. Conforme
assinalado no capítulo anterior, dos vinte e dois alunos presentes durante a aplicação da
HQ7 apenas dois realizaram uma leitura acrítica e sem um mínimo de envolvimento
com o texto. Os demais estudantes se mostraram interessados. Em muitos casos, foi
perceptível a realização de uma leitura pausada. Os enunciados de teoremas ou
proposições eram lidos por mais de uma vez até serem totalmente compreendidos. A
leitura ocorreu de forma reflexiva. Em alguns casos, mais que uma leitura reflexiva foi
possível perceber a realização de uma leitura interativa: "Eu gosto do Bartolomeu
porque ele é torcedor do Bahia", disse o aluno A8 ao seu colega, A30, expressando
identificação com um dos personagens da HQ. A possibilidade de articulação entre
temas escolares e as experiências socioculturais dos estudantes, como ocorreu na HQ7, é
um dos contributos das HQs (Morrison, Bryan & Chilcoat, 2002).
Quanto mais se conhece acerca de um determinado assunto, maiores são as
chances de se avançar na leitura e se apropriar das discussões. O estudo do TAE
reforçou tal assertiva. O aluno A2, atento à leitura da HQ6, percebeu uma falha nas
medidas apresentadas para os ângulos de um triângulo que aparece na Figura 7.46.
Embora as medidas dos ângulos internos fossem menores que a medida do ângulo
externo que não lhes é adjacente, a medida do último diferiu da soma das medidas dos
primeiros. Esta última relação depende do axioma das paralelas e, portanto, não havia
370
sido assinalada na HQ conforme mencionado na secção anterior. O estudante, por já
conhecer tal relação, identificou a falha nas medidas apresentadas. Obviamente, a
palavra “falha” está sendo aqui utilizada tendo em vista o entendimento de que os
estudos desenvolvidos em sala ou aqueles realizados na educação básica assentam-se
numa moldura euclidiana. Como se percebe, os conhecimentos prévios constituíram
pontes entre o aluno e o conteúdo que lhe foi apresentado.

Ansiedade

A presença de atividades acerca dos conteúdos das HQs provocou ansiedade em


alguns participantes. Esse fato foi percebido durante a leitura da HQ5 quando alguns
discentes tentaram resolver a atividade proposta em PPPRSL sem, ao menos, lerem a
HQ. Preocuparam-se mais como o produto do que com o processo107. A insatisfação
apresentada por alguns discentes diante da quantidade de assuntos na HQ ajudou a
entender tal comportamento. A leitura, nesses casos, tornou-se cansativa. Em alguns
casos, não se deu o estímulo à leitura preconizado por Lovetro (2011) como um dos
contributos das HQs. Embora estes discentes não representem a maioria dos
participantes, a postura adotada por eles revelou uma predileção por resolução de
problemas ou exercícios em detrimento da leitura de várias páginas de fundamentação
teórica.

8.1.6 A metodologia utilizada

De acordo com Vergueiro (2006), as HQs podem ser utilizadas para introduzir
ou aprofundar um assunto já estudado. Aqui a banda desenhada foi adotada como ponto
de partida para a apresentação dos conceitos geométricos. Foi adotada para introduzir.
Não se tratou, porém, de uma introdução superficial que demanda imediatamente por
complementação. Foi mais que uma introdução. Alargou a discussão: introduziu

107
"Passei por algumas partes na ansiedade de responder algumas questões. Talvez por isso eu não vi esta
parte [referindo-se ao fato de nos triângulos isósceles a mediana relativa à base coincidir com altura e
mediana] e passei só a leitura sem prestar atenção nas demonstrações", destacou o aluno A10.

371
definições, apresentou axiomas, provou teoremas e proposições, propôs questões.
Também se destinou ao aprofundamento. Introduziu e aprofundou108.
Ao contrário de Vergueiro (2006) e Francis Pelton e Pelton (2009) que indicam a
banda desenhada como ferramenta de complementação, aqui elas foram adotadas como
fonte principal de aprendizagem. Não se tratou, portanto, de HQs produzidas pelos
alunos como recomendam Kessler (2009), Pereira (2010) e Marianthi, Boulodakis e
Retalis (2007). Foram criadas pelo autor deste trabalho à luz da abordagem axiomática
proposta por Barbosa (2006). Faltou-lhe, por limitações do próprio tempo de execução
da pesquisa, o diálogo com outros educadores matemáticos e alunos que já se
debruçaram sobre os estudos numa perspectiva axiomática tendo em vista a construção
das HQs a partir de vários olhares e de várias mãos. A participação de uma equipe de
colaboradores na elaboração das HQs é defendida por Kessler (2009).
A aplicação das HQs ocorreu da seguinte forma: Primeiro formavam-se as
duplas de estudantes109. A cada dupla era entregue um exemplar da HQ. Iniciava-se a
leitura. O pesquisador podia ser consultado para sanar as dúvidas. Em um dado
momento, antes da finalização da narrativa, era aberto o debate coletivo. Em seguida, a
leitura era retomada. Durante a secção PPPRSL, os estudantes precisavam responder a
uma atividade acerca do conteúdo exposto. Tratava-se de uma questão de múltipla
escolha. Caso indicassem a alternativa correta, deveriam dar continuidade à leitura.
Caso contrário, deveriam rever os conteúdos até conseguirem identificar a alternativa
correta. Com a continuidade da leitura, a depender da quantidade de informações no
texto, era aberto outro espaço para as discussões coletivas. Antes disso, o pesquisador
continuava à disposição para dirimir as dúvidas. Finalizada a leitura, eram entregues
algumas atividades aos estudantes. Desta vez as respostas deveriam ser devidamente
justificadas.
A metodologia utilizada partiu do pressuposto de que a leitura das HQs sem a
abertura de um espaço para discussões não é suficiente para a promoção da
aprendizagem. Tal fato foi corroborado ao longo da investigação. Ao se referir à

108
O aprofundamento dos temas não coube somente às HQs. Após a aplicação de cada banda desenhada,
o pesquisador (enquanto professor) fez uso do trabalho de Barbosa (2006), sobretudo das atividades ali
presentes.
109
As duplas variaram ao longo da pesquisa.

372
primeira proposição presente na HQ2110, o aluno A9 comentou que "deu pra entender
muito bem, ficou até bem explicado. Mas também porque a gente acabou já vendo
dentro da classe e tudo (...) Não sei, não sei se quando eu chegasse aqui direto e visse
isso não sei se eu entenderia".
Dos dezoito alunos que responderam o Q2, dez manifestaram-se favoravelmente
à manutenção da metodologia de aplicação das HQs: primeiro os alunos leem as revistas
e depois (ou simultaneamente, caso necessário) veem os esclarecimentos do professor-
pesquisador. De acordo com o aluno A31, "do jeito que está sendo é melhor. Porque
quem não entender lendo sozinho, quando o professor pausa a leitura em determinado
lugar, explica e tira a dúvida de quem tiver para assim continuar a leitura e tentar
compreender a próxima parte". Quanto à apresentação dos assuntos primeiramente pelas
HQs e depois por outras referências bibliográficas, o aluno A16 relatou que "fazendo a
leitura antes de conhecer outras fontes ajuda a conhecermos de forma lúdica os
assuntos. Quando passamos para a leitura de outras fontes fica mais fácil entender
alguns termos". Neste caso, conforme apregoado por Vergueiro (2006), as HQs
funcionam como "uma forma lúdica para tratamento de um tema árido" (p. 26).
Os outros dez estudantes propuseram algumas mudanças na metodologia. Não se
trata da utilização das HQs após a utilização de outras fontes. Consiste na antecipação
das explicações do pesquisador. Enquanto professor, ele procederia com uma aula
expositiva acerca dos conteúdos e só depois as HQs seriam aplicadas. Afinal, pontuou o
aluno A4, "após as explicações do professor em sala de aula, a leitura das revistas,
posteriormente, seria de fácil entendimento".
Os estudantes advogaram pela utilização das HQs antes dos livros didáticos. Ao
contrapor a abordagem dada pela HQ4 com a abordagem que comumente aparece nos
livros didáticos, o aluno A16 destacou que "ângulo111 é um assunto de dificuldade
intermediária e estudá-lo por meio de uma HQ é mais interessante do que através dos
livros didáticos usuais". Ao relatar o grau de complexidade do assunto que move as
discussões na HQ4, A16 deslocou da "facilidade do assunto" o mérito da inteligibilidade
da leitura. Para o estudante, o conteúdo não é extremamente fácil. Há ali algum nível de
dificuldade.

110
De acordo com a proposição, "Se, em uma semirreta SAB, consideramos um segmento AC com
AC  AB , então C está entre A e B".

111
A HQ4 trata dos axiomas de medição de ângulos e as suas consequências.

373
8.2 A aprendizagem de Geometria a partir da leitura das HQs

As discussões postas a partir de agora se centram no desenvolvimento do


pensamento lógico-dedutivo dos discentes a partir da leitura das HQs e das discussões
realizadas em sala de aula. É lançado um olhar sobre as argumentações apresentadas
pelos discentes diante da necessidade de justificar as respostas das questões propostas.
Os dados revelaram que o tipo de argumentação utilizado pelos discentes está
relacionado com a complexidade intrínseca de cada assunto e com o nível de
profundidade com o qual os conteúdos foram assimilados. A aprendizagem superficial
não apresenta como produto as argumentações de natureza dedutiva.
O mapeamento das respostas dos estudantes permitiu concluir que um mesmo
discente pode apresentar um raciocínio lógico-dedutivo (e primoroso) em uma atividade
e, no entanto, utilizar argumentações insuficientes em outra questão (caso não domine a
teoria ali envolvida). Se, por um lado, as suas faculdades mentais já conseguem elaborar
justificativas que seguem uma lógica dedutiva, por outro, só consegue fazê-lo quando os
conceitos geométricos necessários à resolução são assimilados com profundidade.
Quando isso não ocorre, os estudantes tendem a seguir uma lógica indutiva ou fazem
uso de respostas confusas e incompletas.
Na primeira secção, a seguir, serão apresentados alguns elementos que
dificultaram a aprendizagem dos estudantes. O tipo de ensino de Geometria a que os
discentes tiveram acesso durante a educação básica constitui um destes elementos:
desprovido de abordagens dedutivas reduzindo o ensino à realização de cálculos
numéricos. As ferramentas simbólicas, a linguagem verbal utilizada e algumas
representações icônicas se encarregaram de agregar mais complexidade à compreensão
das HQs.
A segunda secção diz respeito à formação prévia dos participantes em
Geometria. Debruçar-se sobre essa questão se faz necessário tendo em vista a
compreensão das dificuldades enfrentadas pelos discentes ao longo da leitura das HQs.
Para que a aprendizagem se efetive é necessário conectar os novos conhecimentos à
bagagem intelectual do indivíduo. Se esta última, porém, não conseguir dialogar com as
novas informações a aprendizagem se dá de maneira árdua ou até mesmo pode não
ocorrer. Voltar-se para as experiências em Geometria às quais os discentes foram
submetidos ajuda a esclarecer a preferência dos discentes por determinados conteúdos

374
em detrimentos de outros e a vislumbrar os caminhos que estes sujeitos precisarão
percorrer durante o processo de aprendizagem.
A terceira secção destina-se à análise de algumas definições apresentadas pelos
estudantes. Os dados mostraram que apresentar tais definições não é uma tarefa fácil
para muitos discentes. As definições matemáticas precisam ser sucintas e, ao mesmo
tempo, abrangentes no sentido de não se limitar a exemplos particulares do conceito. A
despeito de compreenderem as definições expostas nas HQs, ao expô-las com suas
próprias palavras alguns estudantes cometeram equívocos.
A quarta secção destina-se à análise dos esquemas de provas desenvolvidos
pelos discentes durante a realização da pesquisa. Os dados foram obtidos a partir das
respostas apresentadas pelos participantes às atividades propostas ao longo da
investigação. A despeito de chegarem à universidade sem contato algum com a
construção de demonstrações matemáticas, alguns discentes foram capazes de construir
justificações para as questões propostas com um nível de rigor condizente com um dos
dois últimos níveis de pensamento geométrico da classificação de Van Hiele.
Na quinta secção é voltado o olhar para o tipo de linguagem matemática adotada
pelos estudantes durante a resolução das atividades. Os resultados mostraram que o
desenvolvimento da linguagem avançou em passos mais lentos se comparados à
evolução do raciocínio matemático. Estudantes dotados de raciocino dedutivo, vez ou
outra, esbarraram-se em dificuldades quanto ao uso de algumas ferramentas simbólicas
ou, até mesmo, na grafia de determinadas palavras. A articulação entre as linguagens
verbal e simbólica impôs dificuldades a alguns estudantes. A maior parte deles não
estava acostumada a justificar as respostas das atividades de forma textual. Não foram
estimulados a isso durante a educação básica. Ainda assim foi possível perceber o
esforço dos estudantes em evitar, nas produções textuais, o coloquialismo no uso
linguagem. Tentaram privilegiar o formalismo nas respostas apresentadas.
Por fim, é aberto um espaço para a análise dos valores atribuídos pelos
estudantes às demonstrações matemáticas. A forma como estes atores se relacionaram
com as justificações matemática durante a escola básica e o modo com eles passaram a
enxergar as demonstrações após o contato com as HQs são contemplados.

375
8.2.1 Os entraves à aprendizagem

Alguns elementos se mostraram como obstáculos à aprendizagem durante a


aplicação das HQs. Boa parte deles está relacionada ao tipo de formação em Geometria
oferecido aos estudantes durante a sua trajetória escolar. A falta de contato com as
justificações em Geometria fez com que o processo de compreensão e elaboração de
provas matemáticas fosse árduo para os participantes. A visão de Geometria como uma
ciência voltada exclusivamente para o desenvolvimento de cálculos (numéricos)
precisou ser rompido pelos estudantes. Além da Geometria computacional, os
estudantes foram apresentados, em sua formação prévia, a um modelo de validação dos
resultados apoiado na autoridade do professor, a convicção externa de Harel e Sowder
(1998). Em alguns casos, as validações matemáticas foram confundidas com a
utilização de desenhos, de imagens. Diante desse modelo de aprendizagem ao qual os
estudantes foram submetidos, o processo de transposição das ideias para o papel,
quando impelidos a apresentar justificações matemática, na universidade, não foi fácil.
No que concerne às HQs, a linguagem empregada nem sempre favoreceu a
aprendizagem dos alunos. As ferramentas simbólicas da álgebra presentes em algumas
HQs também impuseram algumas dificuldades à leitura. A falta de domínio dos pré-
requisitos necessários à compreensão do texto e a utilização da álgebra em algumas
demonstrações matemáticas ajudaram a incrementar as dificuldades dos estudantes. Por
fim, o enredo adotado em algumas HQs não despertou em alguns estudantes o interesse
pela leitura. Antes, a adoção de histórias pouco envolventes ajudou a desestimular os
discentes. Cada um desses elementos será discutido a seguir.

Geometria computacional. Em virtude da formação a que tiveram acesso, os


discentes chegaram à universidade atribuindo aos estudos em Geometria um caráter
computacional. De acordo com o aluno A6, durante a escolaridade básica "era mais
cálculo: cálculo de área, encontrar cateto, encontrar hipotenusa, medição dos ângulos do
triângulo... era mais voltado para esse lado". Jones (2002) aponta tal visão
computacional como um obstáculo à aprendizagem. A Geometria não se resume a
encontrar as medidas de ângulos ou lados de um polígono como exemplificou o
estudante. Ela trata das propriedades dos objetos geométricos. Ajuda a desenvolver o
raciocínio matemático (Duval, 1998), a resolver problemas práticos (Bankov, 2013),

376
amplia a capacidade de abstração e generalização (Hansen, 1998) e desenvolve noções
de prova em Matemática.

Convicção externa. Na formação dos estudantes, durante a escolaridade básica,


não houve espaços para as demonstrações matemáticas (nem mesmo aquelas mais
simples e compatíveis com o nível de desenvolvimento cognitivo dos estudantes como o
Teorema de Pitágoras ou a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo). De
acordo com o aluno A7, na educação básica, "não demonstram para a gente o porquê
daquilo ou quem foi que chegou naquilo", referindo-se aos resultados matemáticos. As
demonstrações matemáticas resumiam-se à autoridade do professor: "Quando o
professor chegava lá [na sala de aula], dizia: é assim que faz, tem que ser desse jeito. E
a gente gravava como tinha que ser", pontuou o aluno A11. O esquema de prova
consistia na convicção externa (Harel & Sowder, 1998). A aprendizagem pautada na
"memorização", a qual foi designada a A11, não ajuda a desenvolver o raciocínio lógico
indutivo e dedutivo dos estudantes como deveria ocorrer nos estudos em Geometria
(Hansen, 1998). Conforme advertido por Andrade e Nacarato (2005) e corroborado
pelos participantes desta pesquisa, o ensino de Geometria no Brasil tem estado
divorciado da abordagem dedutiva.

Imagens. A forma como as imagens são utilizadas no processo de compreensão


dos conceitos geométricos pode-se revelar um problema para a aprendizagem. Segundo
o aluno A9 na educação básica "as demonstrações [feitas pelo professor] eram
basicamente desenhos no quadro". Os desenhos eram utilizados para justificar os
resultados matemáticos. As imagens não são suficientes para provar os teoremas da
Geometria Plana Euclidiana (exceto se constituírem contraexemplos112).
A apresentação de desenhos com o intuito de justificar os resultados aponta para
uma prática de ensino que privilegia o raciocínio indutivo em detrimento do dedutivo.
Ambos precisam ser desenvolvidos em sala de aula (Hansen, 1998). Não se deve limitar
as justificações matemáticas às representações icônicas. A construção de uma prova
matemática demanda a utilização de um sistema axiomático (Duval, 1998) e, portanto,
somente o uso de imagens não é suficiente. Ademais, tais representações, quando
indevidamente utilizadas, podem conduzir o estudante a conclusões limitadas (Battista,
2009) ou até mesmo equivocadas (Duval, 1998).

112
Neste caso, a demonstração consiste na prova da não generalidade de determinado resultado.

377
Transposição das ideias para o papel. Os estudantes não foram estimulados a
apresentar justificativas matemáticas para as atividades que lhe eram propostas na
educação básica. Tampouco lhes era exigida a construção de provas matemáticas. O
comentário do aluno A7 corrobora essa afirmação: "Até chegar aqui, por exemplo, nos
meus colégios, nunca tive a necessidade, nunca provei, nunca fui cobrado demonstrar".
Segundo o aluno A9, "a gente vê uma coisa, a gente sabe o que é, mas a gente
não consegue demonstrar". A sistematização do pensamento (Hanna, 2000) e a
capacidade de comunicação matemática (Villiers, 2010) são atributos das provas
matemáticas ainda em desenvolvimento pelos estudantes. Ao serem convocados a
justificar as respostas das atividades à luz dos fundamentos teóricos estudados, os
estudantes sentiram-se inseguros em fazê-lo. A dificuldade enfrentada por A9 também
bate à porta de outros alunos. De acordo com Dreyfus (1999), a apresentação de
justificação para as respostas deixa temerosos até os estudantes mais proficientes em
Matemática. Esse drama é vivenciado em quase todos os países, destaca Hershkowitz et
al. (2002). Na perspectiva de reter as dificuldades dos estudantes quanto à criação de
provas matemáticas, Jones (2002) propõe que, desde cedo, os estudantes sejam levados
a descrever e justificar as repostas dadas às questões propostas.

Linguagem. No que tange as HQs, a linguagem nem sempre favoreceu a


aprendizagem dos alunos. O formalismo não foi bem aceite por todos os
participantes113. De acordo com Florenço (2014), os estudantes costumam, de fato,
sentir dificuldades diante da linguagem formal utilizada na Matemática. A despeito de
se sentirem mais confortáveis diante do tratamento menos formal, a maior parte dos
estudantes reconheceu, porém, a importância do formalismo na escrita dos textos
matemáticos.

Simbologia da álgebra. A falta de compreensão sobre o significado de algumas


ferramentas simbólicas ajudou a agregar dificuldades à leitura das HQs. A simbologia
da teoria de conjuntos não era familiar a alguns estudantes. Por ocasião da resolução da
atividade retratada na Figura 7.10, metade dos alunos confundiram o símbolo de união
com o símbolo de interseção entre conjuntos. Se, ao longo do Movimento da
Matemática Moderna, a teoria dos conjuntos gozava de uma posição privilegiada no

113
A exemplo do aluno A5 que reivindicou pela utilização de uma linguagem mais informal.

378
currículo (Crescenti, 2005), é possível perceber hoje que a formação nessa área carece
de atenção.

Pré-requisitos e Algebrismo. A presença, na HQ3, de equações e inequações


modulares sem uma revisão aprofundada destes assuntos dificultou a compreensão das
proposições presentes no texto. A pouca atenção dada aos conteúdos que configuram os
pré-requisitos para a leitura ajudou a endossar as dificuldades de compreensão do texto.
Ao se referir às dificuldades em compreender as proposições que fizeram uso de
expressões modulares (as quais apareceram a partir de um tratamento algébrico), o
aluno A8 disse que "com exemplos já seria bem melhor (...) daria mais pra a gente
entender". O estudante estava defendendo a utilização de expressões numéricas em
detrimento das expressões algébricas. Evento semelhante foi observado durante a leitura
da HQ7. Durante o estudo da área da região plana limitada por um paralelogramo, o
aluno A10 desabafou: "Essa demonstração de letra é [difícil]. Bota número aí que a gente
entende mais fácil". Enquanto o uso de números aponta para uma perspectiva indutiva,
o uso da álgebra inclina-se sobre o viés dedutivo. A aspiração pela construção de provas
matemáticas pautadas apenas no raciocino indutivo é comum nos estudantes e configura
mais um obstáculo à aprendizagem de Geometria (Weber, 2001). Não se deve fazer tal
substituição. Contudo, realmente faltou às HQs lançar mão, em alguns momentos, do
raciocínio indutivo. Não foi feita a passagem do indutivo para o dedutivo. Não houve
pontes.

Histórias pouco envolventes. A falta de "drama114" nas narrativas, apontada pelo


aluno A11 ou o desinteresse pela HQ1 sinalizado pelo aluno A5 apontam para a
necessidade de se criar histórias mais envolventes. Caso contrário, ao invés de fomentar
a predisposição à aprendizagem (Cho & Lawrence, 2012), as HQs podem gerar um
desestímulo à leitura.

8.2.2 O papel da formação prévia

Todos os participantes revelaram ter estudado Geometria  não necessariamente


todos os conteúdos previstos para a educação básica  antes de ingressarem na

114
Por "drama" entende-se aqui uma história envolvente capaz de prender a atenção do leitor
despertando-lhe o interesse pela narrativa.

379
Universidade. O abandono sofrido pelo ensino de Geometria na segunda metade do
século passado (Pavanello, 1993) começou a perder espaço nos ambientes escolares.
Entretanto, pontuam Andrade e Nacarato (2005), as mudanças estão ocorrendo a passos
curtos.
A compreensão do tipo de formação a que os estudantes tiveram acesso ao longo
da trajetória escolar perpassa pela formação de seus professores, pelo lugar ocupado
pela Geometria no currículo escolar, pelo espaço atribuído às justificações matemáticas
e pela influência da álgebra e aritmética no processo. Tais elementos são discutidos a
seguir.

Formação dos professores. Segundo Lorenzato (1995), o despreparo de muitos


professores de Matemática ajudou a atribuir à Geometria uma condição de menor
destaque na sala de aula, no século passado. Nos dias de hoje a situação ainda é
preocupante. Em algumas localidades, faltam profissionais licenciados em Matemática.
O aluno A6 teve apenas "um professor que já era graduado e pós-graduado em
Matemática" ao longo da sua escolaridade. Se antes, a frágil formação dos professores
implicava no abandono do ensino de Geometria em sala de aula (Berti, 2005), desta vez
o contato dos estudantes com os conteúdos geométricos, mediado por profissionais de
outras áreas115, continua pondo em xeque a qualidade do ensino ofertado. Ademais, o
espaço destinado aos estudos em Geometria ainda necessita ser alargado. Ao se reportar
às dificuldades no estudo de ângulos e triângulos na educação básica, o aluno A4
revelou que não teve "a oportunidade de estudar muito esses assuntos". O comentário do
estudante sinaliza a existência de um ensino superficial e aligeirado.
A carência no número de professores de Matemática é um problema sério e data
de longos anos (Pavanello, 1993). Não obstante a quantidade crescente de cursos de
formação de professores, a docência encontra nas condições de trabalho (incluindo o
salário pago aos professores) ingredientes favoráveis à manutenção deste quadro
preocupante. Conforme relatado no capítulo anterior, aproximadamente 1/3 dos trinta e
dois estudantes que responderam ao QD sinalizou o interesse em mudar de curso ou até
mesmo concluí-lo e, em seguida, fazer uma segunda graduação. O aluno A13, por
exemplo, revelou interesse em mudar para o curso de Engenharia "porque é um curso
bem remunerado" (Cf. Figura 7.4).

115
"Da minha 5ª a 8ª [séries], o meu professor de Matemática era graduado em Geografia", revelou A6.

380
Desenho geométrico. O contato dos estudantes com a Geometria nem sempre
ocorreu nas aulas de Matemática. Dos trinta e dois participantes, quatro estudaram os
conceitos geométricos somente em Artes ou Desenho Geométrico (Cf. Figura 7.1). A
abordagem da Geometria sob o olhar da Matemática difere, em alguma medida, do
tratamento dado sob o prisma de construções geométricas (ou das artes). No primeiro
caso, são apresentadas e quiçá demonstradas as propriedades dos conceitos
geométricos116. No segundo caso, nem sempre isso ocorre. De acordo com Kushima,
Pirkel e Steenbock (2010), o ensino de desenho geométrico pode ocorrer, embora não
seja recomendável, de forma “mecânica” e centrada na repetição de procedimentos
sequenciais tendo em vista a construção de determinada figura geométrica. Quando isso
acontece, a aprendizagem resume-se à memorização ao invés da análise crítico-reflexiva
dos passos adotados em conexão com os fundamentos teóricos que respaldam as etapas
da construção do desenho. Foi o que ocorreu. De acordo com o aluno A1, ficou "muito
no básico... ah! Pega um compasso e desenha isso aqui [objeto geométrico qualquer]...
não tem um aprofundamento correto para se ter uma base para chegar aqui". De acordo
com o estudantes, as aulas de Desenho Geométrico a que teve acesso consistiram na
construção de desenhos desprovida de reflexões teóricas.

Geometria no currículo. Em resposta ao QD, os estudantes revelaram que o


contato com os conteúdos de Geometria se deu tanto no ensino ginasial quanto no
ensino médio. As três últimas séries do curso ginasial e a terceira série do ensino médio
foram apontadas como aquelas em que foi vista uma quantidade maior de assuntos de
Geometria. A segunda metade do século passado assistiu a uma concentração dos
estudos em Geometria na terceira série ginasial. Este fato foi constatado por Colares
(2012) a partir da análise dos livros didáticos disponíveis na época. As respostas dos
estudantes ao QD apontam para uma mudança nesse quadro. A Geometria tem sido
difundida, de forma mais substancial, ao longo de todo o currículo.

Ausência de justificações matemáticas. O que não mudou foi a insuficiência de


espaços destinados às justificações matemáticas. Não se trata apenas das provas
formais. Trata-se também de outras formas de justificações que levem em consideração
o desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Não obstante a possibilidade de se

116
No caso dos participantes, as propriedades dos objetos geométricos foram apenas apresentadas, não
demonstradas.

381
justificar determinados resultados (não prová-los) recorrendo-se a materiais
manipuláveis, recortes e instrumentos de medida como propõem algumas coleções
atuais de livros didáticos (Martins, 2012) ou por meio de softwares matemáticos
(Clements, 2003), o ensino oferecido na educação básica resume-se à "mecânica,
prática. Eles [os professores] passam, por exemplo, a área de um triângulo: base vezes
altura dividido por dois. E por aí vai... Mas não demonstram...", destacou o aluno A7.
Na formação dos estudantes não ocorreu uma introdução às demonstrações
matemáticas através da prova de resultados menos complexos como sugere os PCNs de
Matemática (Brasil, 1998b). Não houve também a articulação entre as verificações
empíricas e as deduções matemáticas. Tal articulação é proposta por Villiers (2010) ao
se referir, também, ao ensino de Geometria: "Eles [os professores] falaram que... tipo...
a soma dos ângulos internos do triângulo [é igual a 180 o]. Nem explicavam o porquê.
Falou que era e pronto", destacou o aluno A10.

Assuntos preferidos ou preteridos. O cálculo de área de regiões limitadas por


figuras planas foi apontado com um dos assuntos preferidos dos estudantes dentre
aqueles estudados na educação básica (Cf. Figura 7.2). Este assunto constitui um dos
temas mais presentes no ensino de Geometria (Hansen, 1998). Outros assuntos também
foram apontados pelos estudantes: os conceitos primitivos, ângulos e o Teorema de
Pitágoras. Por outro lado, o estudo dos triângulos foi indicado como aquele de menor
preferência. Diante de tais informações, resta saber para qual lado tende essa balança:
há, como fruto da formação básica, um maior interesse ou desinteresse dos discentes
pela Geometria? Esta questão será retomada no próximo parágrafo.

Álgebra e Aritmética. A predileção de apenas 15% dos participantes pela


Geometria em detrimento da Álgebra ou Aritmética, registrada em QD, é suficiente para
responder à questão levantada no parágrafo anterior. O interesse dos estudantes pela
Álgebra e Aritmética tem suas origens no modelo de ensino apregoado pelo MMM que
provocou o abandono do ensino de Geometria (Berti, 2005). A despeito das mudanças
verificadas na distribuição e na forma de apresentação dos conteúdos geométricos nos
livros didáticos (Crescenti, 2005), ainda se assiste a uma supremacia da Aritmética e da
Álgebra em muitos ambientes escolares (Costa & Silva, 2014). Estarão, portanto, os
alunos bem preparados pelo menos nestas duas áreas da Matemática escolar? Os dados
encontrados revelaram que não. Houve problemas relacionados tanto aos seus
conteúdos quanto ao uso das ferramentas simbólicas. Durante a leitura da HQ2, os

382
participantes não compreenderam que para verificar a igualdade entre dois conjuntos era
necessário e suficiente mostrar que um deles é subconjunto do outro e vice-versa. Na
HQ3, a utilização de letras na representação das coordenadas de três pontos colineares,
durante a prova da proposição que associava a ordenação entre os pontos à comparação
entre as medidas das suas coordenadas dificultou a compreensão dos alunos. Além
disto, nesta mesma HQ, a falta de entendimento sobre equações modulares tornou a
leitura mais complexa para os estudantes.
Com relação às ferramentas simbólicas, durante a resolução de PPPRSL na HQ2,
alguns estudantes se sentiram confusos diante dos símbolos que denotam as operações
de união e interseção entre conjuntos e diante do símbolo que denota o complementar de
um conjunto com relação ao plano. Se, conforme assinala Jones (2002), o destaque dado
a Geometria, pelo menos no início do século, era inferior àquele atribuído à Álgebra e
Aritmética, os dados revelaram que o ensino destas duas áreas também carece de
requalificação. Este fato gera impactos na forma com os estudantes lidam com os
conteúdos geométricos. Embora possuam as suas especificidades, a Aritmética e a
Álgebra também dialogam com os estudos em Geometria. Inclusive, Mammana e
Villani (1998) defendem a utilização da Álgebra nos estudos em Geometria. Segundo os
autores, a familiaridade dos estudantes com o algebrismo os ajuda a compreender com
mais facilidade os conteúdos geométricos.

8.2.3 As definições apresentadas pelos estudantes

Durante a aplicação das HQs, os estudantes apresentaram espontaneamente, ou a


pedido do investigador, a definição de alguns conceitos geométricos tais como:
conjunto convexo, semirreta, semiplano, bissetriz de um ângulo, ângulos
complementares e triângulo isósceles. A partir das respostas apresentadas foi possível
perceber que, em alguma medida, tais conceitos foram assimilados. Segundo Edwards e
Ward (2008), as definições matemáticas exercem um papel importante na abordagem
axiomática e, portanto, é necessário compreendê-las.
Em alguns casos, os discentes tiveram dificuldades em externar o pensamento.
Ao definir conjunto convexo, o aluno A6 disse que a "reta" que liga quaisquer dois
pontos do conjunto está inteiramente nele contido. O aluno A23 substituiu a palavra reta
por "semirreta de reta". Os dois erraram. A proximidade entre os nomes "segmento de
reta", "reta" e "semirreta" pode ter implicado nos equívocos cometidos pelos estudantes.
383
Ao fazer referência a um conceito (reta ou semirreta) é possível que os estudantes
estivessem pensando em outro (segmento de reta). O olhar pragmático sobre as
definições apresentadas por A6 e A23 leva à conclusão de que estes estudantes não
sabem de que se trata um conjunto convexo. Por outro lado, na formação prévia dos
discentes não lhe foi solicitada a apresentação da definição de conceitos geométricos.
Eles podem compreender os conceitos e, ao mesmo tempo, ter dificuldades em defini-
los.
De acordo com Villiers, Govender e Paterson (2009), as especificidades das
definições matemáticas encarregam-se de impor dificuldades aos estudantes. O aluno
A18 definiu semirreta como "uma parte da reta". Sua definição é inconclusiva. Faltam-
lhe especificações. A partir desta definição não é possível saber se o discente sabe
discernir um segmento de reta de uma semirreta: ambos são "partes" de uma reta. A
precisão exigida pelas definições matemáticas torna-as sofisticadas para os estudantes.
Eles estão mais acostumados em definir objetos do dia a dia. Tratam-se das definições
caracterizadas por Edwards e Ward (2008) como lexicais. A despeito de possuírem
valor lógico verdade, tais definições não exigem de quem as apresenta o mesmo nível
de precisão imposto pelas definições matemáticas.
Além de precisas, as definições matemáticas são dotadas de generalidade.
Apesar do conceito ser sempre mais amplo que a sua definição (Rêgo, Rêgo & Vieira,
2012), esta última deve ser capaz de abarcar todas as representações do conceito. Não
deve limitar-se a casos particulares. Alguns estudantes não se atentaram para este fato.
Ao definir semirreta como o "conjunto formado pelos pontos que estão à direita ou à
esquerda de um ponto de uma reta", o aluno A12 excluiu as semirretas dispostas em
posições diferentes da horizontal. Da mesma forma, o aluno A11 considerou apenas
como semiplanos aqueles separados por uma reta horizontal. Segundo o estudante, um
semiplano é o conjunto dos "pontos que estão abaixo ou acima de uma reta". A
utilização de palavras como "esquerda", "direita", "acima" e "abaixo" é mais comum nas
definições lexicais do que nas definições estipuladas (recorrendo à classificação de
Edwards & Ward, 2008).
Ao apresentar a definição de semiplano, o aluno A22 não particularizou o
conceito. Foi mais abrangente. Segundo o estudante "uma reta divide um plano. [A]
esses dois lados separados pela reta chamamos de semiplanos". A22 sabe identificar um
semiplano independente da posição da reta. A sua definição é passível de melhoria
apenas pela utilização da palavra "lados". O correto seria dizer "regiões". Da mesma
384
forma, os alunos A10 e A30 revelaram entendimento acerca da definição de bissetriz. A
maneira como eles definiram este conceito requer apenas alguns ajustes. Ao
responderam uma das questões propostas na HQ4, estes estudantes disseram que
"bissetriz é a semirreta que corta o ângulo ao meio". Não há dúvidas de que eles sabem
o que é uma bissetriz. Entretanto, sendo ângulo a "figura formada por duas semirretas
de mesma origem" [HQ4, p. 5], em que consiste o seu "meio"? Na verdade, A10 e A30
quiseram se referir à semirreta que divide o ângulo em dois outros de mesma medida.
Na mesma questão, proposta na HQ4, estes estudantes apresentaram a definição de
ângulos complementares. Segundo eles, "são ângulos cuja soma é igual a 90o". Faltou-
lhes apenas a substituição da palavra "soma" por "somas das medidas".
As definições apresentadas até agora não são facilmente classificadas em
hierárquicas ou particionais. As definições hierárquicas aparecem quando um conceito é
um caso particular de outro mais geral (Villiers, Govender & Patterson, 2009). A título
de exemplo, destaca-se a definição dada pelo aluno A22 ao conceito de triângulo
isósceles: são "triângulos que têm dois lados iguais [congruentes]". O estudante não diz
o triângulo deve possuir dois, e somente dois, lados congruentes. Neste caso, os
triângulos equiláteros são incluídos como casos particulares dos triângulos isósceles.
Outro estudante, o A13, optou por uma definição particional (Villiers, Govender &
Patterson, 2009) ao situar os triângulos isósceles e os triângulos equiláteros em
conjuntos disjuntos. Segundo o discente, os triângulos isósceles são aqueles cujos "lados
[são] iguais [congruentes] e as bases diferentes". Em ambas as definições, hierárquica e
particional, o critério de minimização (menor número de propriedades) desejável a uma
definição matemática (Dormolen & Zaslavsjyb, 2003) é contemplado.
Representar um conceito geométrico por meio de imagens é mais fácil do que
defini-lo verbalmente. Na HQ2, a definição de triângulo estava incompleta e, portanto,
errada. Conforme pode ser verificado na Figura 7.11, não houve menção à não
colinearidade dos vértices. Este fato não foi observado pelos estudantes os quais tiveram
a atenção voltada para a representação icônica deste polígono. Conforme destacam
Afrilyasanti e Basthomi (2011), as imagens ficam facilmente registradas na memória.
Quando convocados a apresentar a definição de mediana de um triângulo, os
alunos A9 e A10 apresentaram um desenho. Não conseguiram definir textualmente o
conceito (Cf. Figura 7.61). A partir da representação imagética, porém, é possível
concluir que tais discentes sabem identificar a mediana relativa a um lado de um
triângulo. Apenas sentiram dificuldades em defini-la. Tal dificuldade foi vivenciada por
385
outros estudantes. Somente uma dupla conseguiu apresentar a definição textual.
Segundo os alunos A19 e A25, "a mediana é o segmento de reta com origem em um dos
vértices do triângulo e com extremidade no ponto médio do lado oposto ao vértice" (Cf.
Figura 7.60). Além da definição textual, A19 e A25 fizeram uso de uma representação
imagética para o conceito. Conforme aponta J. Smith (2000), as imagens ajudam a
orientar o raciocínio dos estudantes. Os seus benefícios se estendem às definições,
corroboraram os dados.

8.2.4 O raciocínio geométrico dos estudantes

Ao longo da educação básica, os resultados matemáticos (proposições, teoremas


ou propriedades de conceitos geométricos) foram apresentados aos estudantes sem
justificativa alguma. Em alguns poucos casos, recorria-se a exemplos e desenhos. Em
nenhum dos relatos dos alunos houve referências a procedimentos dedutivos.
Se, por um lado, os professores não apresentaram as demonstrações
matemáticas, por outro, os discentes não os questionaram a respeito do porquê da
validade dos resultados. Acreditavam na palavra e na autoridade do professor. Situações
como essas configuram a ocorrência de um "esquema de prova" denominado por Harel
e Sowder (1998) como convicção externa. Os estudantes chegaram à Universidade
conhecendo resultados como o Teorema de Pitágoras e a soma das medidas dos ângulos
internos de um triângulo. A pedido do investigador, eles tentaram validar o segundo
resultado. Recorreram a exemplos de ângulos cuja soma das medidas é igual a 180o.
Neste momento revelou-se presente o esquema de prova empírico-dedutivo (Recio &
Godino, 2001) o qual se aproxima dos esquemas empírico (Harel & Sowder, 1998) e
empirisme naif (Balacheff, 1982). A partir do tipo de justificação dada pelos estudantes
foi possível perceber que, na educação básica, estes sujeitos tiveram contato com
argumentações de natureza indutiva. Segundo Bieda (2010) querer demonstrar as
proposições em Geometria através de exemplos, ou de casos particulares conforme
aponta Weber (2001), representa um dos erros comumente cometidos pelos estudantes
diante de provas matemáticas.
Os estudantes preferem atividades que envolvem cálculos numéricos às
atividades que se assemelham a demonstrações matemáticas. As atividades propostas ao
final da HQ3 ajudam a corroborar essa afirmação. A resolução da primeira questão
exigia uma justificativa formal à luz da teoria estudada conforme mostra a Figura 6.15.
386
Para resolver a segunda atividade também era necessário o conhecimento teórico dos
assuntos dispostos na HQ. A partir da base teórica, a questão poderia ser resolvida
através de cálculos numéricos. Aproximadamente ¾ dos discentes responderam
corretamente à segunda questão. Na primeira questão, as respostas (minimamente)
aceitáveis foram apresentadas por 2/3 dos participantes. A discrepância entre o
desempenho dos discentes em ambos os tipos de atividades está em congruência com as
ideias de Dreyfus (1999) segundo o qual a tarefa de justificar as respostas se revela com
obstáculo a ser superado por muitos estudantes universitários. Ao longo das questões
que envolvem cálculos é comum encontrar discentes despreocupados com a
apresentação de esclarecimentos de forma textual. Eles fazem uso da teoria estudada
sem referenciá-la. A forma como alguns estudantes responderam às atividades propostas
na HQ7 reforçam a afirmação (Cf. Figura 7.67).
Os discentes revelaram compreender melhor as demonstrações matemáticas
quando antecedidas pela abordagem indutiva, quando o tratamento algébrico é
precedido pelo numérico. A despeito da predileção dos discentes pela abordagem
indutiva, preconizada por Weber (2001), e da inexistência de contatos prévios com
abordagem axiomática, as respostas às atividades propostas revelaram que aos poucos
os participantes foram-se imbuindo de raciocínio dedutivo. Mas não se tratou de um
comportamento linear. O predomínio de soluções de natureza formal dedutiva após a
leitura de uma HQ nem sempre implicou no crescimento deste tipo de respostas na HQ
seguinte. O grau de dificuldade de cada assunto ajudou a alavancar ou frear a
apresentação das respostas com características de demonstrações matemáticas.
Não obstante a ampliação da noção de prova matemática pelos discentes  os
quais chegaram à universidade acreditando que bastava a palavra do professor agregada
a alguns exemplos para assegurar a validade de um resultado matemático  ainda houve
dúvidas acerca de quando era necessário construir uma demonstração matemática. A
segunda resolução apresentada na Figura 7.16 demonstra esse fato. A dupla (os alunos
A11 e A23) conseguiu resolver corretamente a questão que lhe solicitava as coordenadas
de um dos extremos de um segmento (e do seu ponto médio) sendo conhecidos o
comprimento do segmento e a coordenada da outra extremidade. Tratava-se de uma
simples manipulação aritmética. Os estudantes quiseram ir além. Eles tentaram
equacionar o problema à luz da demonstração da existência e unicidade do ponto médio
de um segmento. Não era necessário. Bastava aplicar os resultados revelados na
demonstração (como o fato de ser a coordenada do ponto médio igual a média
387
aritmética das coordenadas das extremidades do segmento). Eles o fizeram.
Conseguiram resolver o problema, mas não avançaram nos cálculos algébricos que
haviam proposto. Diante disso, um destes estudantes escreveu “não provei”. Nesse caso,
o que seria provar na perspectiva do estudante? Possivelmente, repetir a demonstração
da existência do ponto médio de segmento conhecendo a sua medida e a coordenada de
uma de suas extremidades. Desta forma seria possível obter os dados solicitados. Seria
uma prova matemática. Contudo, para resolver o problema, bastava uma simples
aplicação do teorema citado (e já demonstrado) como, inclusive, fizeram os mesmos
estudantes. A resposta estaria argumentada à luz dessa teoria. Segundo Benegas (1998),
a resolução de um problema ou de uma equação constitui um tipo de argumentação
matemática, não necessariamente uma demonstração. Os discentes A11 e A23 não
compreenderam que, na questão dada, uma argumentação nos termos indicados acima
era suficiente.
Por simplicidade os cinco tipos de raciocínio geométrico apontados no capítulo
anterior  FD, FDm, SD, II e EC  serão agrupados aqui em três grupos, a saber:
Dedutivo (contempla os níveis FD e FDm), Semidedutivo (contempla o nível SD) e Não
dedutivo (contempla os níveis II e EC). O Gráfico 8.1, criado a partir dos resultados
obtidos e apresentados no capítulo sétimo, apresenta, em termos percentuais, a
incidência desses três grupos de raciocínio no que concerne as respostas apresentadas às
questões propostas nas HQs de número 3 a 7. O eixo horizontal diz respeito às
atividades propostas. A segunda e a terceira seções PPPRSL da HQ6 estão indicadas,
respectivamente, por P2 e P3. O eixo vertical diz respeito ao percentual das respostas em
que estiveram presentes o raciocino dedutivo (representadas pela linha poligonal azul),
o raciocínio semidedutivo (linha poligonal preta) e o raciocínio não dedutivo (linha
poligonal vermelha).

388
Gráfico 8.1. Percentual de respostas com os raciocínio deduivo, semidedutivo e não
12

dedutivo

Para que as oscilações entre os tipos de raciocínio dos estudantes se


apresentassem de forma mais clara, na construção do Gráfico 8.1 o investigador optou
pela utilizaçao de curvas contínuas (linhas poligonais) ao invés de pontos isolados como
rigorosamente deveria ser feito. Por exemplo, o segmento contruído em azul que liga os
pontos que representam a quantidade de respostas onde foram empregados o raciocínio
dedutivo nas resoluções das duas questões propostos ao final de HQ4, a rigor, não
deveria ter sido inserido. Não houve outras atividades entre essas duas. A opção pela
inserção das linhas poligonais se deu com o intuito de enfatizar o crescimento ou o
decrescimento da quantidade de respostas dadas segundo um mesmo tipo de raciocínio
além de facilitar a comparação entre as quantidades de respostas com predominância de
raciocínios diferentes: raciocínio dedutivo, semidedutivo ou não dedutivo.
A despeito dos participantes terem percorrido uma trajetória escolar em que o
ensino de Geometria se deu à margem de um tratamento formal-dedutivo, o Gráfico 8.1
revela o predomínio do raciocínio dedutivo nas respostas apresentadas pelos
participantes. A poligonal azul é aquela que aparecem mais vezes acima das outras
linhas poligonais.

389
Quatro pontos de máximo do Gráfico 8.1 pertencem à curva que representa o
contingente de respostas dadas à luz do raciocínio lógico-dedutivo (dois são pontos de
máximo absoluto e dois são pontos máximo relativos). Tais pontos estão relacionados às
questões dispostas nas HQs de números 4, 6 e 7. Em todas as atividades propostas, ao
longo de todas as HQs sinalizadas no Gráfico 8.1, foi possível identificar alguma
solução em que o raciocínio dedutivo foi empregado (a poligonal azul não intersecta o
eixo horizontal).
O que fez das HQs de números 4, 6 e 7 potencializadoras do raciocínio de
natureza dedutiva? Para responder a esta pergunta é necessário lançar um olhar sobre
cada HQ separadamente. A primeira delas, a HQ4 , apresentou um assunto considerado
fácil por muitos discentes: ângulos117. O baixo grau de complexidade do conteúdo
tornou tranquila a leitura da HQ e proporcionou a apropriação desses assuntos pelos
discentes. A HQ6, mais densa se comparada à HQ4, diferenciou-se das demais pela
metodologia utilizada. Não foi completamente lida e discutida em um único dia. Esse
fato ajudou a tornar a leitura menos cansativa e a aprendizagem mais gradual. Diante da
quantidade de discussões iniciadas a partir do TAE era necessário apresentar a HQ6 em
mais de um encontro. A HQ7, por sua vez, trouxe como plano de fundo para o estudo do
cálculo de área um assunto de grande interesse dos jovens: o futebol. De acordo com
Noubary (2010), a articulação entre os esportes e a Matemática é viável tendo em vista
que o interesse dos estudantes pelos primeiros pode aproximá-los da segunda. Durante
a aplicação da HQ7 somente uma dupla desenvoveu a leitura de forma desinteressada e
acrítica.
Os pontos críticos do Gráfico 8.1 não são apenas pontos de máximo: há pontos
de mínimo! São quatro pontos (pontos nos quais o gráfico intersecta o eixo horizontal).
Dois deles dizem respeito à ausência de respostas marcadas tanto pelo raciocínio
semidedutivo quanto pelo raciocínio não dedutivo. Estes pontos apareceram na primeira
atividade da HQ4 e na segunda secção de PPPRSL em HQ6. Nestes casos, todas as
respostas foram construídas recorrendo-se ao raciocínio lógico-dedutivo. Os outros dois
pontos contemplam somente a inexistência de soluções criadas a partir do raciocínio
semidedutivo.
A presença de quatro pontos de máximo relacionados com a ocorrência do
raciocínio dedutivo e de quatro pontos de mínimo atrelados aos raciocínios

117
"O assunto é fácil e a revista ajuda bastante", relatou o aluno A18 acerca do estudo de ângulos.

390
semidedutivo ou indutivo apontam para a predominância do primeiro tipo de raciocínio
em detrimento dos outros. O desenvolvimento do raciocínio dedutivo, assim como do
indutivo, constitui um dos atributos do ensino de Geometria (Duval, 1998; Hansen,
1998). Embora a elaboração de provas matemáticas não seja uma tarefa fácil para
grande parte dos estudantes ao longo de décadas (Otten et al., 2014) os dados revelaram
ser possível desenvolver o raciocínio dedutivo (necessário à construção das provas).
A despeito da predominância do raciocínio dedutivo, os momentos de
alternância entre as “linhas azuis” e as “linhas vermelhas”, revelam que, em algumas
situações, o emprego do raciocínio não dedutivo se sobressaiu. Em três momentos, dos
quatorze apresentados, assistiu-se a uma supremacia das respostas de natureza não
dedutiva: no item c da questão proposta em HQ3, na questão 2 da HQ5 e no item a da
HQ7. Dentre esses três momentos, o pico de respostas de natureza não dedutiva ocorreu
na questão relacionada à HQ5 : quase 80% das soluções apresentadas. Esta HQ pautou-se
na apresentação dos casos de congruência de triângulos. Dos trinta e dois estudantes que
responderam o QD, vinte não estudaram este assunto na educação básica (Cf. Gráfico
7.1). Esses dados apontam para a importância dos conhecimentos prévios dos alunos na
apropriação dos conteúdos numa lógica dedutiva.
O fato das linhas azuis estarem ora acima e ora abaixo das linhas vermelhas
revelam que, pelos menos em alguns participantes, o nível de pensamento geométrico
oscilou em certos momentos (as linhas azuis referem-se aos dois últimos níveis de Van
Hiele). É possível, portanto, como afirmam Pegg e Davey (1998, citados por Clements,
2003), que um estudante possua características de pelo menos dois níveis da
classificação de Van Hiele sem que tenha esgotado todas as características de cada um
deles. Nesses casos, porém, destacam os autores, há um nível predominante. Os dados
dispostos no Gráfico 8.1 encontram-se em congruência com essa hipótese. Há
predominância do raciocínio dedutivo e, por aproximação, do nível formal-dedutivo de
Van Hiele.
Um olhar sobre a formação em Geometria à qual os estudantes foram
submetidos durante a escola básica  desprovida de processos argumentativos que
obedecem a uma lógica dedutiva  acompanhado pela leitura do Gráfico 8.1 revela que
a construção de justificações de natureza dedutiva pode ser estimulada e desenvolvida
nos estudantes. É preciso, antes, que eles tenham contato com esse tipo de organização
do pensamento como de fato o tiveram através das leituras das HQs. Mas só isso é
suficiente? Não, trata-se apenas de uma condição necessária. Mas, desta forma, eles são
391
interpelados por outras lógicas de argumentação que diferem da exclusivamente
indutiva (as quais continuam tendo o seu valor). É uma espécie de letramento quanto à
organização do pensamento, linguagem empregada e forma de apresentar textualmente
as ideias. Um pouco de incentivo e motivação à aprendizagem seguido do domínio da
teoria apresentada pode ajudar a fomentar nas produções textuais dos discentes a
predileção pelas argumentações de natureza dedutiva.

8.2.5 A linguagem matemática

A partir de agora será lançado um olhar sobre a linguagem matemática utilizada


pelos estudantes ao longo da pesquisa. As respostas apresentadas por estes sujeitos às
atividades propostas constituem o material analisado.
De acordo com D'Amore (2007), os estudantes tendem a adotar a linguagem
materna em detrimento da linguagem simbólica. Nesta pesquisa, porém, a maioria dos
estudantes fez uso de ambos os códigos linguísticos. Em poucos casos foi verificada a
utilização de apenas um tipo de linguagem. Em alguns casos, foram cometidos deslizes
na utilização da linguagem verbal e, em outros, assistiu-se à presença de equívocos no
uso dos símbolos. De modo geral, a linguagem icônica foi utilizada indiretamente a
partir das imagens fornecidas em algumas atividades.

Conexões entre as linguagens. As soluções propostas na HQ1 e na HQ2 não


permitem ampliar as discussões sobre a utilização da linguagem (preenchimento de
palavras-cruzadas, completamento de lacunas). Portanto, aqui, serão contempladas as
atividades indicadas da HQ3 até a HQ7. Em todos os casos, na maior parte das respostas
foi estabelecido um diálogo entre a linguagem verbal e a linguagem simbólica.
As atividades propostas na HQ3 foram constituídas de três itens conforme pode
ser verificado nas Figuras 7.15 e 7.18. As resoluções dos itens a e c exigiram
justificações textuais. O item b consistiu apenas na marcação de pontos em uma figura
dada. Em todas as treze respostas apresentadas ao item a foi possível perceber a
presença das linguagens simbólica e verbal. Em três delas foi possível perceber o
formalismo e o rigor. Nesses casos foi utilizado o raciocínio dedutivo (Cf. Figura 7.17 e
Figura 7.18). No item c, as linguagens verbal e icônica estiveram presentes em seis
respostas. Apenas a resposta apresentada pelos alunos A15 e A18 não apresentou
problemas quanto à linguagem (Cf. Figura 7.22). Trata-se, porém, de uma resposta

392
incompleta cujo tipo de raciocínio foi classificado como não dedutivo (no capítulo
anterior, o raciocínio foi referido como IN). Esses dados revelam que em poucos casos a
linguagem empregada não se mostra passível de correções. De acordo com Florenço
(2014), situações como essas ocorrem porque a linguagem matemática não está presente
no dia a dia dos estudantes, ou seja, não fazem parte das experiências vividas fora dos
bancos escolares.
Como pode ser verificado por meio da Figura 7.30, as duplas A11 e A20, e A7 e
A17 desenvolveram uma articulação plausível entre as linguagens verbal e simbólica
durante as respostas da primeira questão proposta ao final da HQ4. A despeito do
pequeno deslize cometido pela primeira dupla ao empregar de forma inadequada a
palavra "analogamente", no resto do texto percebe-se a presença do rigor na linguagem.
Em ambos os casos foi adotado o raciocínio dedutivo.
Na segunda questão, ainda na HQ4, os alunos A22 e A31 usaram adequadamente a
linguagem matemática (embora não tenham conseguido resolver por completo a
atividade). No que tange à capacidade de comunicação, poucos problemas foram
identificados no texto. Na resposta dos estudantes, retratada na Figura 7.32, observa-se
a presença do raciocínio dedutivo. O mesmo se pode dizer da solução apresentada pelos
alunos A7 e A17 à mesma atividade (Cf. Figura 7.33). Estes últimos estudantes
conectaram de forma harmoniosa as linguagens verbal, simbólica e icônica. Em apenas
dois momentos, a linguagem carece de alguns (poucos) ajustes. Ao escreverem
"somando os lados", os discentes deveriam ter escrito "somando as medidas dos lados".
Este pequeno deslize no uso da linguagem apareceu nas respostas apresentadas por
outros estudantes. Na linguagem materna é comum se expressar de forma abreviada
como fizeram os alunos ao utilizar a expressão "somando os lados". Na linguagem
matemática, as abreviações só ocorrem quando o interlocutor é advertido a respeito. Os
vícios da linguagem oral devem ser evitados pois, como Constantino (2000), a
linguagem matemática não possui oralidade própria. Antes, destina-se prioritariamente à
escrita.
Os alunos A16 e A18, e A12 e A27, cujas respostas aparecem na Figura 7.33,
também fizeram uso adequado da linguagem matemática na resposta apresentada à
segunda questão da HQ4. Ambas as duplas utilizaram as linguagens verbal e materna.
Na resposta da primeira dupla, há uma melhor distribuição de ambas as linguagens, no
texto. Na resposta da segunda dupla, percebe-se o predomínio da linguagem simbólica.

393
Em todas as respostas que aparecem na Figura 7.33 é possível perceber a presença do
raciocínio dedutivo.
A solução apresentada pelos alunos A10 e A19 à primeira questão proposta ao
final de HQ5 é marcada pelo bom uso da linguagem (Cf. Figura 7.39). Com exceção da
expressão "soma dos ângulos internos" (ao invés de "soma das medidas dos ângulos
internos"), todo o resto do texto está bem redigido. Os estudantes demonstraram
facilidade em articular as linguagens verbal e simbólica. O mesmo pode ser dito dos
estudantes A16 e A18 cuja resposta aparece na Figura 7.40. A primeira dupla apresentou
raciocínio semidedutivo e a segunda apresentou raciocínio dedutivo.
A leitura da HQ6 contou com três seções PPPRSL. Nas duas últimas seções
foram solicitadas aos alunos as justificações das respostas. Das quinze duplas que
responderam à segunda secção, oito fizeram o uso da linguagem matemática de forma
completamente correta. A resposta apresentada por uma dessas duplas, a saber, os
alunos A10 e A30, aparece retratada na Figura 7.50. A resolução da terceira secção
dispensa o uso de ferramentas simbólicas. A linguagem verbal é suficiente. Das treze
duplas que responderam à atividade, dez apresentaram textos bem escritos.
A primeira questão proposta ao final da HQ6 foi composta por três itens, a, b e c.
Das doze duplas que estiverem presentes, sete duplas apresentaram, no item a, respostas
marcadas pelo uso correto da linguagem. A solução apresentada por uma destas duplas,
os alunos A3 e A23, aparece na Figura 7.56. As respostas dadas por nove duplas ao item
b não apresentaram problemas quanto ao uso da linguagem. No item c esse número caiu
para oito.
A maior parte das respostas apresentadas pelos alunos às questões propostas ao
final da HQ7 se mostrou passível pequenos ajustes quanto ao uso da linguagem
matemática. Os problemas foram pontuais a exemplo da solução apresentada pelos
alunos A12 e A29 onde aparece a expressão "L + L + L + L" para fazer alusão ao
perímetro de um polígono (Cf. Figura 7.68). Esta forma inapropriada de escrever é,
posteriormente, retificada pelos estudantes quando se reportam ao perímetro de um
quadrilátero MNRS como MS  SR  RN  NM .

Uso exclusivo da linguagem verbal. Em apenas uma resposta dentre aquelas


apresentadas às atividades propostas na HQ3 ocorreu o uso exclusivo da linguagem
verbal. No item c são dados três pontos colineares A, C e B (com C entre A e B) e os
pontos médios M e N dos segmentos AC e BC, respectivamente (Cf. Figura 7.22). Ao

394
tentar mostrar que o dobro do comprimento de MN é igual ao comprimento de AB, os
alunos A18 e A26 disseram: "como [M e N] são pontos médios se multiplicarmos por
dois dão o valor do segmento que contém AB". A despeito de apresentarem um
raciocínio coerente, os estudantes não conseguiram se expressar corretamente. Neste
caso, as ferramentas simbólicas seriam de grande valia. Florenço (2014) destaca o
inestimável valor das ferramentas simbólicas à comunicação em Matemática.
Em resposta à atividade proposta na terceira parte da secção PPPRSL em HQ6,
os alunos A8 e A30, e A3 e A12 também recorreram exclusivamente à linguagem verbal
(Cf. Figura 7.53 e Figura 7.55). A segunda dupla fez o uso correto da linguagem. O
mesmo não ocorreu com a primeira dupla. Os alunos A8 e A30 cometeram erros
conceituais e erros relativos à linguagem. Ao dizerem que a "hipotenusa é igual à soma
do quadrado dos catetos" há um erro conceitual (não se trata da hipotenusa, mas do
quadrado da sua medida) e um erro de escrita: não há "quadrado dos catetos" mas
"quadrado das medidas dos catetos". Ao final da solução dos estudantes aparece outro
erro. Eles escreveram "ângulo reto dos catetos". Esta expressão não tem significado
algum. Precisa ser reescrita. Ao contrário da língua materna, a linguagem matemática
não é natural. É uma língua construída (Florenço, 2014). É uma linguagem precisa,
clara e sem ambiguidades.

Uso exclusivo da linguagem simbólica. Uma única dupla, durante a resolução


das questões propostas na HQ3, utilizou somente ferramentas simbólicas (o fizeram
durante a resolução do item c). Na tentativa de mostrar que o comprimento de MN é o
dobro do comprimento de AB, os alunos A11 e A23 escreveram: " MN  AM  NB " (Cf.
Figura 7.22). A resposta apresentada não deu conta de provar o que foi solicitado.
Ao resolver as questões propostas ao final da HQ4, os alunos A12 e A27 não
recorreram a outro tipo de linguagem que não fosse a simbólica (Cf. Figura 7.31).
Utilizaram-na corretamente. A ausência da linguagem materna fez com que as hipóteses
do problema não fossem devidamente sinalizadas. Com exceção disto, a simbologia
empregada atendeu ao que era proposto na atividade. Ao destacar a importância da
linguagem simbólica na Matemática, Florenço (2014) destaca a sua capacidade de
agregar complexidade ao raciocínio.
Em resposta à segunda questão proposta ao final da HQ7, a maior parte dos
participantes fez somente o uso da linguagem simbólica. As ferramentas simbólicas

395
foram empregadas adequadamente. A resposta apresentada pelos alunos A11 e A20 ajuda
a corroborar esta afirmação (Cf. Figura 7.67).

Erros na linguagem simbólica. A resposta apresentada pelos alunos A12 e A23 ao


item c, nas atividades propostas ao final da HQ3, revela que os estudantes
compreenderam o que significa o ponto médio de um segmento de reta (Cf. Figura
7.21). Contudo, tais discentes apresentaram dificuldades no uso das ferramentas
simbólicas. Ao tentar dizer que o ponto médio M de um segmento AC o divide em dois
segmentos congruentes e, portanto, o dobro do comprimento de qualquer um deles é
igual ao comprimento de AC, os estudantes escreveram " 2 M  AC ". De um lado tem-

se M, um ponto, e do outro, AC , um número. Não faz sentido.


Na HQ4, uma mesma ferramenta simbólica foi utilizada para designar tanto um
ângulo quanto a sua medida. Esse fato ajudou os estudantes a cometerem pequenos
deslizes na linguagem. Ao escreverem que "o ângulo DÔE = 25 o" (Cf. Figura 7.30), os
alunos A3 e A15 estavam se referindo à medida do ângulo DÔF. Deveriam ter escrito: "o
ângulo DÔE mede 25o" ou, simplesmente, "DÔE = 25 o". Equívocos semelhantes foram
cometidos por outros estudantes.
Os alunos A4 e A13 não foram cuidadosos no uso do símbolo utilizado para
denotar a medida de um ângulo em graus, a saber, "o". Conforme pode ser verificado na
Figura 7.31, no final do texto os estudantes substituíram esta ferramenta simbólica por
"º". Não se trata aqui de um processo em que os alunos constroem as ferramentas
simbólicas conforme defende Kinard e Kozulin (2010). Trata-se da falta de atenção dos
discentes ao substituir um símbolo por outro que a ele se assemelha.
Os alunos A15 e A27, ao responderam a primeira atividade proposta ao final da
HQ5, usaram um mesmo tipo de simbologia para ângulo e para triângulo: "os ângulos
IAB = EDC"; "os triângulos IAB e EDC" (Cf. Figura 7.41). A utilização das palavras
"ângulos" e "triângulos" ajudaram a estabelecer a distinção. Os alunos A15 e A27, em
resposta a uma das questões propostas na HQ6, também confundiram as notações. Ao se
referir a um triângulo com vértices nos pontos C, D e B, os estudantes escreveram
" CDˆ B " (Cf. Figura 7.57). Os problemas dos estudantes diante das notações
matemáticas não estão relacionados aqui à quantidade delas, como ocorre em muitas
situações segundo Zuchi (2004). Desta vez, dizem respeito à semelhança entre as
ferramentas simbólicas. Diante disto, mostra-se viável a utilização de símbolos do tipo

396
pictograma (Cajori, 1993) por permitirem uma associação mais imediata com o conceito
a que se referem.
Em uma das questões da HQ4, os alunos A24 e A25 fizeram uso de dois tipos de
representações para designar a medida de segmentos de reta. Ora escreveram AB  EF ,
ora utilizaram AB  EF (Cf. Figura 7.42). Fato semelhante ocorreu na HQ6. Na solução
apresentada pelos alunos A15 e A27 a uma das atividades propostas, os estudantes
escreveram "segmento CB " ao invés de "segmento CB". Mais uma vez, a semelhança
entre os símbolos se encarregaram de dificultar a compreensão dos estudantes.

Erros na linguagem verbal. O uso da linguagem materna para propósitos


matemáticos impôs alguns desafios aos estudantes. Estes atores nem sempre
conseguiram dizer exatamente o que pensavam. Na tentativa de dizer que o ponto médio
M (N) de um segmento AC (CB) o divide em dois segmentos de mesmo tamanho, os
alunos A24 e A30 disseram: "Sendo M e N os pontos médios de AC e CB que significa a
metade dos mesmos..." (Cf. Figura 7.21). Os alunos compreenderam o conceito de
ponto médio, mas não conseguiram expressá-lo corretamente em palavras. Nem sempre
as representações dão conta dos conceitos. Estes últimos, pontua Duval (1993) são
sempre mais amplos que as primeiras.
Na HQ4, alguns estudantes trataram o conceito de ângulo e a sua medida de
forma indistinta (isso ocorre na HQ, mas apenas no que diz respeito às ferramentas
simbólicas). Tal fato apareceu em expressões do tipo "a soma de todos os ângulos
formam um ângulo de 170 o", identificada na solução apresentada por A4 e A13 a uma
das questões propostas (Cf. Figura 7.31). O excerto do texto escrito por estes estudantes
não apresenta erro conceitual. Há apenas uma abreviação (omissão) na linguagem.
Alguns estudantes, como A16 e A18, foram mais cuidadosos e escreveram "a soma das
medidas destes ângulos...", em resposta à mesma atividade.
Ao longo das respostas apresentadas pelos alunos, algumas palavras ou
expressões foram utilizadas de forma inadequada: "analogamente", "também", "no
entanto". As conjunções e conectivos revelaram-se como um problema para alguns
estudantes. Tais problemas foram identificados em algumas respostas apresentadas às
questões propostas na HQ4. No que tange a HQ5, houve quem se atrapalhasse com o uso
das palavras "mas" e "mais" (Cf. Figura 7.43). Em uma das respostas apresentadas a
uma das questões da HQ7, a palavra "calculamos" aparece escrita de forma incorreta:

397
"cauculamos" (Cf. Figura 7.66). O mesmo ocorre com a palavra "segmento". Os alunos
A15 e A27 escreveram "seguimento".
Em resposta à primeira atividade proposta ao final da HQ5, os alunos A29 e A31
não conseguiram se referir corretamente à soma das medidas dos ângulos internos de
um triângulo. Em um dado momento, os estudantes escreveram: "(...) para que cada
triângulo somasse 180o" (Cf. Figura 7.38). Não há "soma de triângulos", há soma das
medidas de ângulos.
Na tentativa de dizer que o ângulo reto é o ângulo de maior medida nos
triângulos retângulos, os alunos A5 e A25 escreveram "maior ângulo = 90 o" (em resposta
à terceira parte da atividade proposta em PPPRSL, na HQ6). Este fato pode ser
constatado através da Figura 7.54. O sinal de igualdade deveria ter sido substituído pelo
verbo "medir" (devidamente conjugado). A articulação entre as linguagens materna e
simbólica não ocorreu de forma adequada.
Ao fazer referência à área da região plana limitada por um triângulo, os
estudantes A12 e A29 disseram, apenas, a "área do triângulo". De acordo com a definição
adotada em sala, o triângulo consiste na linha poligonal e não na região plana por ela
limitada. Portanto, não é correto dizer "área do triângulo". Da mesma forma, a altura de
um triângulo (relativa a um de seus lados), é definida como o segmento perpendicular a
este lado baixado a partir do vértice oposto. Contudo, alguns estudantes, a exemplo de
A8 e A30, reportaram-se à "altura de um triângulo" quando, na verdade, queriam se
referir à "medida da altura de um triângulo".
Ao longo das respostas apresentadas pelos estudantes não foi raro aparecer
algum deslize quanto ao uso da linguagem. Em alguns casos, tais deslizes resultaram da
utilização das ferramentas simbólicas e de sua conexão com o resto do texto. Em outros,
os problemas advieram da própria língua materna. Poucas soluções mostraram-se
isentas de ajustes quanto à linguagem. Na maior parte delas observou-se a presença do
raciocínio dedutivo e, em alguns casos, do raciocínio semidedutivo. A Tabela 8.1
apresenta a distribuição quantitativa destas respostas. Estes dados aparecem de forma
diluída no capítulo anterior.

398
Tabela 8.1
10

Quantidade de soluções sem problemas no uso da linguagem matemática

Total No de soluções No de soluções sem


de sem problemas de problemas de
HQ Questão
duplas linguagem: linguagem:
Valores absolutos Valores percentuais
1(a) 2 15%
HQ3 13
1(c) 1 7,5%
1 4 28,5%
HQ4 14
2 6 42,8%
1 2 15%
HQ5 13
2 0 0
PPPRSL (P2) 15 8 53,3%
PPPRSL (P3) 13 9 69,2%
HQ6
1(a) 7 58,3%
1(b) 5 41,6%
12
1(c) 0 0
(a) 0 0
HQ7 (b) 12 3 25%
(c) 3 25%
Nota. Algumas questões não foram inseridas na tabela por dispensarem respostas de cunho dissertativo.

A última coluna da Tabela 8.1 apresenta, em números percentuais, a quantidade


de respostas não suscetíveis a ajustes na linguagem matemática. Muitas respostas bem
redigidas não foram aqui computadas por apresentarem, ainda que de forma pontual,
algum deslize no uso da linguagem (uso incorreto das palavras "mais" e "mas";
equívoco na utilização de ferramentas simbólicas que denotam ângulos e triângulos; uso
exclusivo da linguagem simbólica sem explicitar as hipóteses do problema, dentre
outros). Uma análise menos rigorosa permitiria incluir tais exemplos ampliando os
valores registrados na Tabela 8.1.
O Gráfico 8.2 foi construído a partir dos dados registrados na última coluna da
Tabela 8.1. Ele apresenta uma visão panorâmica do crescimento e do decrescimento do
uso da linguagem matemática (rigorosa e formal) ao longo da aplicação das HQs.
399
Gráfico 8.2. Percentual de respostas sem problemas quanto ao uso da linguagem
13

matemática

A partir do Gráfico 8.2 é possível concluir que, em alguns momentos, os


estudantes evoluíram quanto à utilização da linguagem. Este fato foi observado na
resolução das atividades propostas na HQ4 e das primeiras questões da HQ6. Ao longo
das respostas apresentadas às questões propostas na HQ7 é possível perceber um não
decrescimento na qualidade textual das respostas.
A maior concentração de respostas bem escritas esteve relacionada à HQ6. Em
um dado momento, quase 70% das soluções apresentadas não apresentaram problemas
quanto ao uso da linguagem.
A HQ6 também esteve relacionada ao decrescimento da quantidade de soluções
sem problemas de linguagem. O mesmo pode ser dito acerca da HQ5 e da HQ3. Em três
momentos, todas as soluções apresentadas foram passíveis de ajustes. Trata-se dos
pontos em destaque no eixo horizontal.
O confronto entre os Gráficos 8.2 e 8.1 revela que nos momentos em que a
maior parte das respostas não apresentou problemas quanto à linguagem (isto é, quando
os valores no Gráfico 8.2 ultrapassaram a marca de 50%) foram utilizados,
predominantemente, os raciocínios do tipo dedutivo e semidedutivo. Em dois dos três
momentos em que todas as respostas mostraram-se passíveis de algum tipo de ajuste na
400
linguagem houve o predomínio do raciocínio não dedutivo (última questão da HQ5 e
primeira da HQ7). Esses dados apontam para alguma associação entre a inexistência de
problemas na linguagem e o emprego do raciocínio dedutivo. Não se trata de uma
relação de causa e efeito em que o uso do raciocínio dedutivo acarreta na elaboração de
justificações sem problemas no emprego da linguagem matemática. Mas de uma
proximidade entre respostas bem escritas (no que tange à linguagem) e a presença do
raciocínio dedutivo.
A presença de um baixo número de respostas sem problemas no uso da
linguagem matemática (a maior parte delas não ultrapassou a marca dos 50%) não
significa que os alunos não aprenderam os conteúdos propostos. Um olhar sobre o
Gráfico 8.1 aponta que o número de respostas onde figuram erros conceituais
(enquadradas aqui no raciocínio do tipo não dedutivo) não dispõe, predominante, de
uma posição de destaque. Naquele gráfico, de um modo geral, as linhas azuis ocupam as
posições mais altas sendo seguidas pelas linhas vermelhas e, por fim, pelas linhas
pretas.

8.2.6 A importância das demonstrações

As demonstrações matemáticas se revelaram como um elemento novo na


formação dos discentes. O ensino de Geometria a que foram submetidos no ensino
básico consistiu na aplicação dos resultados apresentados (e não demonstrados) pelo
professor: "Na educação básica a gente nunca ouviu falar de axioma (...) Lá é só
mecânica, prática", revelou o aluno A7. "Eles sempre passavam o superficial e pulavam
para um próximo assunto", complementou o aluno A9. O relato dos estudantes aponta
para a existência de um ensino desprovido de aprofundamento teórico. A falta de
justificações para os resultados ou a sua concentração em abordagens indutivas não
favorece o desenvolvimento do pensamento geométrico dos estudantes. Se, por um
lado, os tipos de argumentações e demonstrações apresentados nos diversos níveis de
escolaridade devem levar em consideração o desenvolvimento cognitivo dos discentes
(Harel & Sowder, 1998), por outro, é necessário haver a passagem do tratamento
intuitivo para o dedutivo (Mammana & Villani, 1998; Villiers, 2010).
Em sua formação prévia, os estudantes não tiveram contato com demonstrações
matemáticas. Chegaram à universidade com dificuldades para justificar as respostas das
atividades. "O ruim é só justificar porque você sabe que aquilo é verdadeiro (...) Acho
401
que é uma questão de prática também. Falta de prática e costume", destacou o aluno
A10; "até chegar aqui, por exemplo, eu, nos meus colégios, nunca tive a necessidade,
nunca precisei, nunca fui cobrado demonstrar", reforçou A7; "Difícil é passar para o
papel. A gente entende o assunto, mas na hora de demonstrar, de mostrar... aí é difícil",
completou o A22. Situações como essas não são pontuais. A própria abordagem dos
livros didáticos dá pouco espaço para o tratamento dedutivo. Os resultados têm sido
validados, salvo algumas exceções, por meio de materiais manipuláveis, recortes e
instrumentos de medidas (Martins, 2012). A despeito do valor de tais ferramentas
educacionais, não se pode desconsiderar a inserção de algumas provas formais (Douek,
2009).
De acordo com os PCNs (Brasil, 1998b), algumas provas matemáticas podem
ser introduzidas na educação básica. O NCTM também defende a utilização das provas
nesse nível de escolaridade (Hanna, 2000). De acordo com o aluno A9, "a gente vem de
um ensino médio deficiente. A gente vê poucas demonstrações no ensino médio, então
aqui a gente não consegue. Tipo... a gente vê uma coisa, a gente sabe o que é, mas a
gente não consegue demonstrar". Quanto maior for contato dos alunos com as
demonstrações matemáticas menos resistentes estarão à apresentação de justificações
para as questões propostas. Além de terem acesso a algumas demonstrações, os
estudantes precisam ser estimulados a descrever, justificar e demonstrar, recomenda
Jones (2002).
Não se trata de expor os estudantes, na educação básica, a todo tipo de
demonstração. Tal situação configura uma das preocupações de Griffiths (1998) quanto
à entrada das demonstrações matemática na educação básica. O que se propõe é a
introdução de provas que correspondam ao nível de maturidade do público a que se
destina (Reid & Knipping, 2010). Uma dessas demonstrações corresponde à prova da
congruência entre ângulos opostos pelo vértice. É uma demonstração simples conforme
pode ser observado na Figura 6.23. Tal demonstração aparece, de forma similar, na
HQ4. Foi facilmente compreendida pelos estudantes. Um deles, o aluno A31, pontuou
que a "demonstração que ele [o autor da revista] fez na HQ ficou bem claro. Ele
mostrou muito bem detalhadamente como é e quando eles são opostos".
Ao longo da aplicação das HQs, poucos foram os casos em que os discentes não
voltaram a atenção para as demonstrações. Uma das exceções foi identificada por meio
do comportamento do aluno A10. Ao se referir à aplicação da HQ5, este estudante
revelou ter desenvolvido "a leitura sem prestar atenção nas demonstrações". Este é um
402
problema apontado por Jones (2002) no que tange a abordagem axiomática em
Geometria: nem todos os estudantes dão a devida importância às demonstrações
matemáticas. No caso da pesquisa, tais registros foram pontuais. A despeito de sentirem
dificuldades em compreender e até mesmo elaborar provas matemáticas, a maior parte
dos discentes reconheceu a sua importância. "As demonstrações ajudam bastante a fixar
o assunto, pois são essenciais no ensino e na aprendizagem", pontuou o aluno A23; "os
teoremas são a principal ferramenta para a aprendizagem de geometria plana", assinalou
o aluno A28.
Um dos alunos, o A7, ao se referir à educação básica, destacou que os seus
professores de Matemática "não demonstram para a gente o porquê daquilo" (referindo-
se a um resultado qualquer). O comentário do estudante evidencia o papel de verificação
atribuído às demonstrações matemáticas. Segundo Villiers (2010), as demonstrações
matemáticas podem assumir outros papéis: explicação, descoberta, comunicação e
sistematização do pensamento. De acordo com o aluno A3, "os teoremas deveriam ser
mais explorados na história em quadrinhos para que ficassem mais claros". Aparece aí a
dimensão exploratória da utilização das demonstrações matemáticas. O aluno A15
assinalou que "os teoremas facilita[m] a compreensão, junto com as demonstrações". A
função de explicação das demonstrações é evocada pelo discente. De acordo com
Bixirão, Breda e Godino (2011), as funções de exploração e explicação não têm sido
muito utilizadas. Geralmente as demonstrações são adotadas tendo em vista a
verificação dos resultados. Hanna (2000) defende a utilização de mais provas com
função de explicação.
A despeito da complexidade de algumas demonstrações, a maior parte dos
discentes defendeu a permanência das demonstrações nas HQs (Cf. Figura 7.28). Ao
contrário do que imaginavam no início da investigação, os alunos agora já haviam
compreendido que os resultados matemáticos são passíveis de prova e que acessá-las é
necessário para a formação em Matemática de forma mais sólida e abrangente.

403
404
Capítulo 9

Conclusões

Neste capítulo são apontadas as principais conclusões desta pesquisa. Parte


substancial dos comentários aqui inseridos provém dos dados apresentados no capítulo
sétimo e das reflexões evocadas no capítulo oitavo. Sempre que possível são
estabelecidos diálogos com a literatura referenciada nos primeiros capítulos deste
trabalho.
O capítulo encontra-se estruturado em cinco secções: na primeira secção é
realizada uma síntese do estudo; na segunda secção, a questão de investigação e os
objetivos da pesquisa são retomados com o intuito de apresentar-lhes algumas respostas;
na terceira secção são apontadas algumas implicações do estudo; na quarta secção são
indicadas as limitações desta pesquisa; e, por fim, na quinta secção, aparecem sugestões
de futuras investigações com o intuito de alargar as reflexões sobre o uso da banda
desenhada no processo de ensino e aprendizagem de Geometria.

9.1 Síntese do estudo

A investigação descrita neste trabalho centrou-se no estudo da utilização de


histórias em quadrinhos (HQs) no tratamento da Geometria Euclidiana Plana numa
perspectiva axiomática. O abandono da abordagem formal-dedutiva em Geometria no
âmbito da educação básica direcionou a realização da pesquisa para o âmbito do ensino
superior. A pesquisa, de natureza qualitativa, se deu sob a forma de um estudo de caso
realizado em uma turma do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Um total de trinta e dois estudantes participou
da pesquisa.
Optou-se pelo estudo, em profundidade, do impacto da utilização das HQs na
aprendizagem de Geometria a partir da perspectiva dos participantes e dos fatos
constatados pelo pesquisador em campo. Foram realizados dezesseis encontros, de duas
horas cada, nos quais foram aplicadas sete HQs que versam sobre alguns conteúdos da
Geometria Plana. Em consonância com o paradigma qualitativo de investigação,
buscou-se "uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de
405
pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são
perceptíveis a uma atenção sensível" (Chizzoti, 2003, p. 221). Na condição de
pesquisador-participante, o investigador buscou estabelecer uma relação de proximidade
com os participantes para, como assinala Goldenberg (2004, p. 24), "ver o mundo
através ‘dos olhos dos pesquisados’".
O pesquisador é professor da UFRB desde o ano de 2008 e os sujeitos-
participantes foram alguns de seus alunos. O lócus da pesquisa foi escolhido em virtude
da necessidade de ampliar as pesquisas sobre o processo de ensino e aprendizagem de
Geometria no Recôncavo Baiano (região assistida somente a partir do ano de 2006 com
o ensino superior), mas também pelas "condições de acesso e permanência no campo e
disponibilidade dos sujeitos" (Mazzotti & Gewandsznajder, 1999, p. 162).
As HQs, confeccionadas pelo próprio investigador através do site
www.toondoo.com, contemplaram os seguintes conteúdos: conceitos primitivos,
axiomas de incidência e ordem, segmento de reta, semirreta, semiplano, convexidade de
conjuntos, axiomas de medição de segmento, ponto médio de um segmento, ângulos,
ângulos complementares, ângulos suplementares, bissetriz de um ângulo, ângulos
opostos pelo vértice, congruência de triângulos, propriedades de triângulos isósceles, o
teorema do ângulo externo, relações entre as medidas dos lados e as medidas dos
ângulos de um triângulo, desigualdade triangular, cálculo de área de regiões limitadas
por figuras planas. A abordagem teórica adotada apoiou-se no trabalho de Barbosa
(2006).
A leitura das HQs foi realizada em duplas. À medida que as dúvidas apareciam o
investigador era consultado. Houve também um tempo reservado para as discussões
coletivas. Tais discussões ocorreram antes e após a finalização das leituras. Algumas
atividades foram dispostas no final das HQs. Tais atividades deveriam ser respondidas
(e justificadas) à luz da teoria exposta nas HQs. Os estudantes sentiram dificuldades.
Muitos deles não estavam acostumados a resolver questões de Matemática (em
particular, de Geometria) fazendo referência aos elementos teóricos que as
fundamentam. Conforme assinala Dreyfus (1999), a tarefa de justificação oferece
dificuldades a muitos alunos e, no caso dos participantes desta pesquisa, a situação não
foi diferente. Com o tempo, porém, as dificuldades dos estudantes foram diminuindo a
ponto de, em dois momentos, todas as respostas apresentadas terem sido construídas por
meio de uma sequência lógica e dedutiva (Cf. Gráfico 8.1).

406
As respostas apresentadas nas atividades propostas permitiram ao pesquisador
identificar o tipo de raciocínio geométrico adotado pelos estudantes. A partir das
categorizações propostas por Barth (1987), Duval (1998), Martin et al. (2009) e pelo
casal Van Hiele (Battista, 2009), o pesquisador agrupou o raciocínio geométrico dos
participantes em três grupos no sentido esclarecido no capítulo anterior: dedutivo,
semidedutivo e não dedutivo. Através dessas respostas também foi possível identificar a
"linguagem matemática" adotada pelos estudantes. Estes atores apresentaram
dificuldades diante da necessidade de verbalizar o pensamento por meio de palavras e
símbolos matemáticos. Até mesmo os estudantes que apresentaram respostas pautadas
numa lógica dedutiva, em alguns momentos, cometeram deslizes quanto à linguagem.
As atividades propostas não constituíram os únicos instrumentos de recolha de
dados. O pesquisador fez uso de questionários, entrevistas, diário de bordo e registros
fotográficos. Desta forma foi possível realizar o cruzamento das informações por meio
da triangulação de dados. De acordo com Coutinho (2013, p. 340), "a utilização de
múltiplas fontes de dados na construção de um estudo de caso, permite-nos considerar
um conjunto mais variado de tópicos de análise em simultâneo permite corroborar o
mesmo fenômeno".
De modo geral, os estudantes se mostraram interessados durante as leituras. Os
poucos momentos de dispersão foram motivados pela complexidade de algumas
demonstrações matemáticas, pela presença de enredos pouco instigantes em algumas
HQs ou, até mesmo, pela ansiedade em resolver as atividades propostas.
A presença da matemática nas HQs originou a quebra de dois paradigmas. O
primeiro deles diz respeito ao modo de entender a validação dos resultados em
Matemática. O esquema de convicção externa118 (Harel & Sowder, 1998) com o qual os
estudantes estavam acostumados na educação básica não podia ser mantido. Os
teoremas e proposições em Matemática devem ser provados por meio de uma lógica
dedutiva à luz de uma estrutura axiomática, conforme assinalam Reid e Knipping
(2010). A abordagem utilizada nas HQs privilegiou o tratamento formal-dedutivo. Nesta
perspectiva é necessário provar as proposições matemáticas até mesmo quando

118
De acordo com Harel e Sowder (1998), quando os estudantes acreditam que determinado resultado
matemático é verdadeiro por ter sido enunciado pelo professor ou por constar nos livros didáticos faz-se
uso de um esquema de prova denominado convicção externa. Nesses casos, a validação não decorre
necessariamente de um processo lógico dedutivo mas da "autoridade" do professor (ou dos materiais
didáticos).

407
parecerem demasiadamente evidentes. O segundo paradigma diz respeito à utilização da
banda desenhada no tratamento de temas matemáticos. Nenhum dos estudantes tinha
conhecimento acerca de HQs que contemplassem assuntos de Matemática.
É plausível considerar a existência, nas HQs aplicadas, de elementos que
favoreceram a aprendizagem e de elementos que lhe agregaram dificuldades. Tais
elementos dizem respeito à questão que moveu esta investigação formulada nos
seguintes termos:

Quais são as vantagens, as limitações e os desafios da utilização de


histórias em quadrinhos no processo de aprendizagem da Geometria
Euclidiana Plana numa perspectiva axiomática?

A questão de investigação, enunciada acima, será retomada na próxima secção.


Para respondê-la atribui-se alguns objetivos a esta pesquisa: objetivo geral e objetivos
específicos. O objetivo geral consiste no desdobramento da própria questão de
investigação:

Identificar os contributos e as fragilidades que a exposição axiomática da


Geometria Euclidiana Plana através da banda desenhada oferece à
formação dos estudantes.

Os objetivos específicos dizem respeito à análise dos elementos dispostos no


objetivo geral. Tais objetivos, listados no capítulo de introdução deste trabalho, são
rememorados a seguir:

1. Elencar os elementos que os estudantes julgam necessários à


composição de HQs destinadas à exposição da Geometria Plana em um
formato axiomático.

2. Identificar os contributos das HQs para o processo de aprendizagem da


Geometria Euclidiana formal-dedutiva.

3. Perceber o tipo de raciocino geométrico desenvolvido pelos estudantes


a partir da leitura de HQs voltadas para a exposição da Geometria Plana
numa perspectiva axiomática.

4. Identificar os tipos de linguagens adotadas pelos discentes nas


justificações matemáticas.

408
5. Perceber a forma como os discentes apresentam algumas definições
matemáticas.

6. Identificar os problemas inerentes à apresentação da Geometria


Euclidiana Plana axiomática através de HQs: identificar tais fragilidades
mediante a composição das HQs e a formação prévia dos estudantes.

7. Apontar alternativas frente aos desafios impostos pela exposição da


Geometria Euclidiana, em um viés axiomático, por meio da banda
desenhada.

8. Perceber a importância que os discentes atribuem às demonstrações


matemáticas e como veem a sua inserção em HQs para fins educacionais.

Grande parte dos objetivos específicos aparece contemplada no capítulo anterior.


As ideias lá postas são retomadas aqui de forma de mais sucinta e direta conforme pode
ser observado na próxima secção.

9.2 Conclusões do estudo

Nesta seção são apresentadas as conclusões deste trabalho tendo a questão de


investigação e os objetivos gerais e específicos como diretrizes. Mediante o atendimento
dos objetivos da investigação são apontadas algumas respostas para a questão de
investigação.

9.2.1 Objetivos da pesquisa

O primeiro objetivo específico diz respeito à identificação dos elementos que os


estudantes julgam necessários à composição de HQs destinadas à exposição da
Geometria Plana em um formato axiomático. De acordo com os estudantes, as HQs
devem atender às seguintes condições: (i) promover a diversão e o entretenimento. Tais
elementos resguardam o caráter lúdico das HQs e, conforme assinalam Cho e Lawrence
(2012), promovem a motivação à aprendizagem; (ii) conter histórias envolventes e
voltadas tanto para situações fictícias quanto para episódios do cotidiano. Ao apoiar a
criação de histórias predominantemente ficcionais, os estudantes comungam das
mesmas ideias de Cruz (2006, p. 135) segundas as quais é possível "comprometer o
409
factual e criar um ficcional mais atraente e compreensível". Por outro lado, quando
almejam histórias ligadas ao cotidiano, os discentes ajudam a ratificar os estudos de
Ponte, Boavida, Graça e Abrantes (1997) os quais defendem a articulação entre os
estudos em Geometria e as experiências diárias dos estudantes; (iii) apresentar uma
linguagem acessível. De acordo com Vergueiro (2006), nas HQs as "informações são
absorvidas na própria linguagem dos estudantes, muitas vezes dispensando demoradas e
tediosas explicações" (p. 22); (iv) apresentar diversificadas representações dos conceitos
(imagens e exemplos); (v) dispor de uma quantidade reduzida de conteúdos
matemáticos; (vi) apresentar um número maior de atividades.

O segundo objetivo específico refere-se à identificação dos contributos das HQs


para o processo de aprendizagem da Geometria Euclidiana formal-dedutiva. Os
contributos encontrados foram: (i) a motivação à aprendizagem (por meio da linguagem
adotada, da articulação dos conteúdos com o cotidiano dos estudantes, através das
imagens e da promoção do entretenimento). Esses dados se encontram em congruência
com os estudos de Vergueiro (2006), Lucas e Battista (2008), Rezende (2009) e Cho e
Lawrence (2012); (ii) estímulo à leitura (quando mais novos) e a ampliação das fontes
de leitura. O desenvolvimento do letramento dos estudantes é apontado por Anchieta
(2011) e Vergueiro (2006) como alguns dos contributos das HQs; (iii) o
desenvolvimento da capacidade de interpretação de textos; (iv) a exposição de fatos
ligados à história da Matemática. L. Santos (2014) defende a utilização de HQs durante
a apresentação de temas relacionados à história da Geometria; (v) a assimilação de
diversos conceitos de Geometria Plana (congruência entre ângulos opostos pelo vértice,
teorema do ângulo externo, desigualdade triangular, cálculo de área de regiões limitadas
por figuras planas, dentre outros); (vi) a utilização da linguagem icônica na elucidação
dos conteúdos. Autores como Afrilyasanti e Basthomi (2011), Luyten (2011a) e N.
Santos (2011) ressaltam a importância das imagens, presentes nas HQs educacionais, no
processo de aprendizagem

O terceiro objetivo específico está relacionado ao mapeamento do tipo de


raciocínio geométrico desenvolvido pelos estudantes a partir da leitura das HQs. No
início da investigação era perceptível a predominância do raciocínio não dedutivo (no
qual se insere o raciocínio indutivo). Os estudantes acreditavam que a validação dos

410
resultados poderia ser feita recorrendo-se a exemplos119. Com o avançar da pesquisa, os
estudantes foram-se apropriando do raciocínio dedutivo. Este último foi potencializado
mediante a exposição de assuntos com baixo teor de complexidade (ângulos), de
assuntos cuja exposição foi diluída ao longo de alguns encontros (teorema do ângulo
externo e consequências) e de assuntos cuja exposição estabeleceu o diálogo com
elementos familiares aos estudantes (área de regiões planas). Dois desses assuntos
(ângulos e área de regiões planas) foram vistos pela maior parte dos estudantes na
educação básica (sem o tratamento dedutivo). Por outro lado, no tratamento de assuntos
desconhecidos pela maior parte dos discentes (como congruência de triângulos) houve o
predomínio do raciocínio não dedutivo. Houve ainda casos em que o raciocínio em
destaque foi o semidedutivo. De modo geral, o raciocínio dedutivo foi aquele que mais
esteve presente nas respostas.

O quarto objetivo específico refere-se à identificação dos tipos de linguagens


adotadas pelos discentes nas justificações matemáticas. A linguagem oral e os seus
coloquialismos foram evitados. Os estudantes tentaram fazer uso da formalidade e da
simbologia que permeiam a escrita em Matemática. A despeito dos esforços, em poucos
casos a linguagem se mostrou isenta de ajustes. Com efeito, a linguagem matemática é
dotada de formalidade e simbolismo os quais não correspondem à forma com a qual os
estudantes costumam se comunicar diariamente. Estas especificidades da linguagem
matemática tornam o processo da sua aquisição custoso aos alunos (Florenço, 2014). As
retificações necessárias à linguagem apresentadas pelos estudantes dizem respeito à
grafia de algumas palavras ou ao uso das ferramentas simbólicas 120. Em alguns casos, os
alunos fizeram uso de uma linguagem mais abreviada sem, contudo, advertir o
interlocutor a respeito. Alguns autores costumam recorrer a este recurso com o intuito
de agregar mais simplicidade ao texto. A título de exemplo, pode ser citado Barbosa
(2006) o qual informa aos leitores que utilizará expressões do tipo "área de um
quadrado" para se referir à "área da região poligonal cuja fronteira é um quadrado" (p.
176). A diferença entre os estudantes e Barbosa (2006) é que este último comunicou aos

119
A tentativa de provar os resultados matemáticos via exemplificação ou através de evidências
experimentais constitui um dos equívocos comumente cometidos pelos estudantes, assinalam Weber
(2001) e French (2004).
120
Desde o ensino fundamental, recomenda Lorenzato (1995), os estudantes devem entrar em contato
com um vocabulário mais formal nos textos matemáticos.

411
leitores a respeito da abreviação na linguagem e os primeiros não. Assim, apareceram
em algumas respostas expressões do tipo "somando os lados"; "soma dos ângulos
internos"; "quadrado dos catetos"; "área do triângulo"; "altura de um triângulo". Tais
expressões foram adotadas para fazer referência, nessa ordem, a: "soma dos
comprimentos dos lados"; "soma das medidas dos ângulos internos"; "quadrado do
comprimento dos catetos"; "área da região plana limitada por um [do] triângulo"; "o
comprimento da altura de um triângulo". Em todos estes casos, os alunos não
estabeleceram distinções entre determinados entes geométricos e os números reais
(medidas) a eles associados. Os problemas de linguagem, porém, não impediram os
estudantes de transmitir a mensagem pretendida. Em todos os casos foi possível
identificar até que ponto esses atores se apropriaram da teoria necessária à resolução da
questão.

O quinto objetivo específico relaciona-se ao estudo das definições matemáticas


apresentadas pelos estudantes. A despeito de compreenderem os conceitos, alguns
estudantes sentiram dificuldades em verbalizar o pensamento por meio das definições
matemáticas. Diante disso, em alguns casos, recorreram a representações icônicas.
Todas as definições apresentadas atenderam à condição de minimização. Este critério é
desejável nas demonstrações matemáticas (Dormolen & Zaslavsjy, 2003). Ele consiste
na utilização do menor número de características de um conceito a partir das quais as
outras características podem ser deduzidas. Houve, em alguns casos, definições
imprecisas ou particularizantes. Por se tratarem de invenções humanas e, portanto, não
resultarem de um processo natural de descoberta (Villiers, Govender & Patterson,
2009), as definições matemáticas são dotadas de especificidades. Precisam ser precisas
no sentido de incluir todas as representações de um conceito. Não podem se limitar a
casos particulares. Houve ainda definições passíveis de pequenos ajustes como também
foram encontrados registros de definições bem escritas.

O sexto objetivo específico diz respeito à identificação dos problemas inerentes à


apresentação da Geometria Euclidiana Plana axiomática através de HQs. Tais
problemas residiram nos seguintes elementos: (i) formalismo da linguagem; (ii) excesso
de informações nos balões de fala. Nesse caso, ao invés de promover o estímulo à
aprendizagem, previsto por Cho e Lawrence (2012), a leitura das HQs deixa os alunos
cansados e desestimulados; (iii) uso inadequado ou insuficiente de representações
icônicas de alguns conceitos. Conforme destaca Battista (2009), é importante que as

412
representações imagéticas de um mesmo conceito sejam as mais variadas possíveis para
que a compreensão dos estudantes não se limite a exemplos particulares; (iv) falta de
esclarecimento acerca do papel das imagens em demonstrações por redução ao absurdo;
(v) falta de compreensão dos estudantes acerca do significado de algumas ferramentas
simbólicas; (vi) utilização de ferramentas simbólicas semelhantes na designação de
conceitos diferentes; na falta de contato prévio dos estudantes com as demonstrações
matemáticas; (vii) presença de uma visão computacional acerca da Geometria. Esse
dado encontra-se em consonância com Jones (2000) segundo o qual os discentes
costumam associar a Geometria à realização de cálculos (comprimeto, área, volume) ao
invés de concebê-la como um espaço destinado ao estudo das propriedades geométricas
dos objetos; (viii) falta de mediação entre as abordagens indutivas e dedutivas; (ix) falta
de articulação entre os tratamentos algébrico e numérico; (x) utilização de narrativas
pouco instigantes e, portanto incapazes de prender a atenção dos alunos.

O sétimo objetivo específico contempla a apresentação de alternativas frente aos


desafios impostos pela exposição da Geometria Euclidiana, em um viés axiomático, por
meio da banda desenhada. Neste sentido, os resultados observados ao longo da pesquisa
a partir dos comentários dos estudantes e das dificuldades por eles enfrentadas, apontam
para as seguintes recomendações: (i) fazer uso tanto da abordagem indutiva quanto da
abordagem dedutiva; (ii) associar o tratamento algébrico ao tratamento numérico; (iii)
inserir atividades ao longo das histórias aumentando gradativamente a complexidade;
(iv) evitar a concentração de muitos assuntos em uma mesma HQ; (v) criar narrativas
capazes de prender a atenção dos alunos; inserir nas histórias temas de interesse dos
alunos; (vi) estabelecer a mediação entre a linguagem formal (necessária à abordagem
axiomática) e a linguagem informal (comumente empregada nas HQs); (vii) explicar ao
leitor a operacionalização das demonstrações por redução ao absurdo; (viii) explicar o
significado de cada ferramenta simbólica. Para que os discentes se tornem menos
resistentes à simbologia presente na Matemática é importante apresentar-lhes algumas
razões que justificam o seu uso na Matemática: permitir agregar mais complexidade ao
pensamento humano (Florenço, 2014), tornar os textos mais compactos e representar
ideias dificilmente apresentadas somente por meio da linguagem verbal; (ix) fazer uso
do maior de número de representações icônicas na apresentação de um conceito; (x)
destinar um espaço à apresentação dos assuntos que constituem os pré-requisitos à
leitura.

413
O oitavo objetivo específico refere-se à identificação da importância atribuída
pelos discentes às demonstrações matemáticas e como eles veem a sua inserção em HQs
para fins educacionais. A princípio, os discentes não agregaram valores às
demonstrações matemáticas. A despeito dos PCNs (Brasil, 1998b) defenderem a
introdução de demonstrações matemáticas no âmbito da educação básica, tal
recomendação não tem sido atendida. Conforme assinalam Andrade e Nacarato (2005),
os estudantes têm sido submetidos a uma formação em Geometria, na educação básica,
desprovida de argumentações de natureza dedutiva. Se determinado resultado fosse
apresentado pelo professor como verdadeiro, então, de fato, o seria. Não havia o que
questionar. Caso fossem solicitados alguns esclarecimentos, a apresentação de alguns
exemplos seria suficiente. Com o tempo, a partir da leitura das HQs e das discussões em
sala, os estudantes foram percebendo que o raciocínio indutivo não era suficiente para
assegurar a generalidade dos fatos. Era necessário fazer uso do método lógico dedutivo.
A partir daí, passaram a atribuir às demonstrações matemáticas as finalidades de
verificação, exploração e explicação. Outras finalidades das demonstrações matemáticas
tais como descoberta, comunicação, sistematização do pensamento e desafio
intelectual, referidas por Villiers (2010), não foram apontadas pelos estudantes. Os
participantes passaram a defender a permanência das demonstrações matemáticas em
HQs com fins educacionais.

9.2.2 Questão de investigação

Esta subsecção é destinada à apresentação de respostas à questão de investigação


que consiste na identificação das vantagens, das limitações e dos desafios da utilização
de histórias em quadrinhos no processo de aprendizagem da Geometria Euclidiana
Plana numa perspectiva axiomática. Tais respostas encontram-se espalhadas na
subseçcão anterior. Lá foi estabelecido o diálogo entre os dados empíricos e o
referencial teórico utilizado na investigação. Aqui tal articulação é evitada e as
respostas são apresentadas de forma sucinta através de uma lista numerada. Ao se
responder à questão de investigação contempla-se também o objetivo geral da pesquisa.

414
Vantagens

A utilização de HQs na exposição da Geometria Plana Euclidiana, de forma


axiomática, goza dos seguintes benefícios:

1. Motivação com a aprendizagem (articulação dos conteúdos com o


cotidiano dos estudantes; uso de imagens; promoção do entretenimento).

2. Elucidação do texto por meio das imagens.

3. Incentivo à leitura e à busca por outras fontes bibliográficas.

4. Desenvolvimento da capacidade de interpretação de textos.

5. Exposição de fatos ligados à História da Geometria.

6. Promoção da aprendizagem de assuntos de Geometria tais como:


conceitos primitivos; os axiomas de incidência e ordem; axiomas de
medição de segmentos; congruência entre os ângulos opostos pelo
vértice; bissetriz de um ângulo; propriedades dos triângulos isósceles;
teorema do ângulo externo; desigualdade triangular; áreas de regiões
limitadas por figuras planas.

7. Desenvolvimento do raciocínio dedutivo.

8. Ampliação da noção de prova dos estudantes: da utilização de


exemplos ao método dedutivo.

9. Ampliação do valor atribuído, pelos estudantes, às provas


matemáticas: verificação, exploração e explicação.

10. Permitir aos estudantes a elaboração de definições minimalistas.

11. Mostrar aos estudantes que a linguagem adotada nas justificações


matemáticas não contém os coloquialismos da linguagem oral: nas
respostas dos estudantes tal condição foi contemplada.

Limitações

A utilização de HQs na exposição da Geometria Plana Euclidiana, de forma


axiomática, apresenta os seguintes problemas:

415
1. O formalismo da linguagem (em detrimento da linguagem coloquial
geralmente presente na banda desenhada).

2. Excesso de texto nos balões de falas (utilizados para apresentar


axiomas ou teoremas de enunciados longos).

3. Uso inadequado das imagens (quando as representações icônicas dos


conceitos enviesam e particularizam a compreensão dos estudantes).

4. Inacessibilidade das demonstrações por redução ao absurdo (as quais


fazem uso de imagens que contradizem a veracidade dos fatos).

5. A incongruência entre as ferramentas simbólicas e a linguagem oral (o


que torna as primeiras difíceis de serem compreendidas pelos alunos).

6. A semelhança entre algumas ferramentas simbólicas (levando alguns


estudantes a utilizaram um símbolo para se reportar a um conceito
comumente designado por outro).

7. Sobrevalorização da abordagem dedutiva em detrimento da indutiva


(sem levar em consideração a falta de contato prévio dos estudantes com
a abordagem dedutiva).

8. Sobrevalorização do tratamento algébrico em detrimento do numérico


(dificultado pelos problemas na formação dos estudantes em Álgebra).

8. Rompimento com a visão computacional sobre a Geometria (que


comumente marca a formação prévia dos discentes).

9. Incapacidade de deixar inteligível para os estudantes que as definições


matemáticas devem caracterizar de forma precisa os conceitos a que se
destinam (e, portanto, devem ser evitadas definições "vagas" ou
"particularizantes" como fizeram alguns estudantes).

10. Desestímulo à aprendizagem provocado por narrativas pouco


instigantes (em que a história a ser contada aparece subjugada à
exposição matemática dos assuntos).

416
Desafios

A utilização de HQs na exposição da Geometria Plana Euclidiana, de forma


axiomática, apresenta os seguintes desafios:

1. Articulação entre a linguagem matemática (formal) e a linguagem


informal (presentes nas HQs comerciais).

2. Utilização de um maior de número de representações icônicas na


apresentação de um conceito.

3. Distribuição dos conteúdos ao longo de um número maior de HQ


preservando a criatividade nas histórias.

4. Inserção de mais atividades ao longo das narrativas aumentando


paulatinamente a o nível de complexidade.

5. Elucidação dos significados das ferramentas simbólicas utilizadas.

6. Utilização das abordagens indutiva e dedutiva.

7.Utilização do tratamento algébrico e do tratamento numérico.

8. Esclarecer ao leitor a operacionalidade das demonstrações por redução


ao absurdo.

9. Apresentação de definições matemáticas e de definições não


matemáticas para chamar a atenção dos estudantes acerca da diferença
entre elas.

10. Reservar um espaço para a exposição dos conteúdos que configuram


os pré-requisitos à aprendizagem.

11. Fazer uso de narrativas capazes de prender a atenção dos estudantes.

9.3 Relevância do trabalho

As implicações desta pesquisa não estão circunscritas apenas à compreensão dos


contributos e das fragilidades da utilização da banda desenhada no contexto da
aprendizagem em Geometria dos estudantes que constituíram os sujeitos da
investigação. Os resultados encontrados contribuem para o alargamento de discussões

417
de natureza mais geral: ampliação dos materiais didáticos; identificação dos elementos
necessários às narrativas voltadas para a aprendizagem Matemática; enquadramento do
uso de HQs na aprendizagem de Matemática no Recôncavo Baiano; redução do
preconceito acerca da utilização de HQs no tratamento de temas mais abstratos;
ratificação do valor das HQs na exposição da história da Matemática; identificação das
dificuldades dos estudantes na aprendizagem da Geometria Plana por meio do método
dedutivo; estabelecimento de relações entre o desenvolvimento do raciocínio lógico e a
aquisição da linguagem matemática.

Ampliação dos materiais didáticos. Tradicionalmente o livro didático constitui o


material mais utilizado no processo de ensino e aprendizagem de Matemática. A partir
do século passado, outras ferramentas didáticas passaram a ser agregadas ao processo de
ensino e aprendizagem: materiais manipuláveis, softwares educacionais, narrativas
literárias. A utilização dessas ferramentas é defendida, nessa ordem, por Clements
(2003), Lorenzato (1995) e Dalcin (2007). A concepção das histórias em quadrinhos
enquanto instrumento de apoio à aprendizagem em Matemática é mais recente. Grande
parte dos trabalhos que versa a esse respeito data do século XXI. A título de exemplos,
aparecem as pesquisas de Anchieta (2011), Balladares (2012), Cho e Lawrence (2012),
L. Santos (2014), L. Silva (2010), N. Santos (2011), Patrocínio (2012) e Toh (2009),
todos descritos no capítulo quarto desta dissertação. A investigação aqui descrita vai ao
encontro destes trabalhos na medida em que corrobora a viabilidade do uso da banda
desenhada na aprendizagem de Matemática (a despeito dos ajustes necessários),
especificamente no tratamento de conteúdos de Geometria. A retomada dos estudos em
Geometria em sala de aula, o qual amargou uma posição de abandono a partir do
Movimento da Matemática Moderna (Berti, 2005; Pavanello, 1993), necessita agregar
mais elementos ao ferramental educativo disponível aos professores e alunos. Neste
sentido, a banda desenhada se mostra como um recurso possível. Se a exposição das
HQs primar pelo diálogo entre a Matemática e temas do interesse dos estudantes, por
meio de histórias envolventes, pelo menos a predisposição a aprendizagem estará
assegurada.

Identificação dos elementos necessários às narrativas voltadas para a


aprendizagem de Matemática. Os textos que fazem uso de histórias para apresentar
conteúdos matemáticos diferem, em alguma medida, dos livros didáticos usuais. A
Matemática deve ser introduzida a partir de determinado contexto de modo a

418
contemplar os problemas ali apresentados. Assim como ocorre em obras consagradas
como O homem que calculava, de Malba Tahan, e a Aritmética da Emília, de Monteiro
Lobato, a construção das narrativas não deve focar apenas nos conteúdos matemáticos:
o enredo das histórias também assume um lugar de destaque (Dalcin, 2007). A conexão,
através dessas histórias, entre os conteúdos matemáticos e o dia a dia dos estudantes é
uma alternativa plausível (Morrison, Bryan & Chilcoat, 2002). A linguagem deve ser
acessível aos estudantes e quando a formalidade for exigida, como no caso do
tratamento axiomático em Geometria, deve-se torná-la o mais inteligível possível aos
estudantes. Neste sentido, as imagens presentes nas narrativas podem ser bastante úteis.
Conforme aponta Vergueiro (2006), a articulação entre texto e imagem "amplia a
compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos, isoladamente,
teria dificuldades para atingir" (p. 22). Ademais, as imagens agregam prazer à leitura,
assinala Rezende (2009).

Enquadramento do uso de HQs na aprendizagem de Matemática no Recôncavo


Baiano. Os participantes da pesquisa são alunos cuja formação escolar se deu em
cidades do Recôncavo Baiano ou em cidades circunvizinhas a essa região. Todos eles
chegaram à Universidade sem terem contatos prévios com HQs voltadas para a
exposição de conteúdos matemáticos. Não obstante o reconhecimento do valor
educacional da banda desenhada por parte do Ministério da Educação (Bari &
Vergueiro, 2009), os seus reflexos no ensino de Matemática ainda são diminutos. A
inserção das HQs no Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE) a partir do ano
de 2006 (Bahia, 2012) ainda não conseguiu levar as HQs que tratam de temas
matemáticos às escolas. O próprio espaço destinado pelo PNBE à literatura
quadrinística necessita de ampliação. As HQs não alcançam sequer a marca de 10% do
acervo que compõe o programa (Bari & Vergueiro, 2009; Setubal e Rebouças, 2015;
Yamaguti, 2014). A literatura quadrinística presente no PNBE volta-se,
prioritariamente, para a apresentação de clássicos da literatura brasileira e para a
apresentação de histórias ligadas ao folclore brasileiro. Obras como Saiba mais sobre a
história da matemática, de Maurício de Sousa ou Logicomix, de Doxiadis e
Paradimitriou, não têm sido contempladas. Assim, a entrada da banda desenhada na sala
de aula decorre de iniciativas pontuais dos professores. No que diz respeito aos docentes
que participaram da formação dos sujeitos da pesquisa, iniciativas dessa natureza não
foram realizadas. Esses dados apontam para a necessidade de divulgação dos benefícios

419
da utilização da banda desenhada no processo de ensino e aprendizagem de Matemática.
Certamente há professores que não utilizam as HQs por desconhecerem o seu potencial
educacional. Além disso, o número de HQs que contemplam temas da Matemática
necessita ser alargado. No que diz respeito ao ensino superior, o Guia Mangá de
Cálculo Diferencial e Integral, de Kojima, Togami e Co (2010) e o Guia Mangá de
Álgebra Linear, de Takahashi, Inoque e Co (2012) constituem algumas iniciativas nesta
direção. É necessário ampliá-las.

Redução do preconceito acerca da utilização de HQs no tratamento de temas


mais abstratos. Historicamente, a entrada das HQs na esfera educacional ocorreu a
passos curtos. Segundo Vergueiro (2006), a utilização das HQs enquanto material
didático se iniciou de forma pontual "pois ainda temia-se que a sua inclusão pudesse ser
objeto de resistência ao uso do material por parte das escolas" (p. 20). A entrada da
literatura em quadrinhos nos ambientes escolares por meio do PNBE representa sinais
de mudança nesse quadro (a despeito do pouco espaço atribuído às HQs no programa).
Outro paradigma a ser rompido reside na concepção de que as HQs com fins
educacionais prestam-se exclusivamente à formação de alunos secundaristas121. Se, por
um lado, há pesquisas que corroboram a aceitação da banda desenhada por parte de
crianças e adolescentes em idade escolar (Wright & Sherman, 2006), por outro, é
necessário ampliar tais pesquisas de modo a contemplar o público mais adulto.
Conforme assinala Vergueiro (2006, p.24), "os quadrinhos podem ser utilizados em
qualquer nível escolar e com qualquer tema". A apresentação, nesta pesquisa, de
conteúdos de Geometria Plana numa perspectiva axiomática, por meio de HQs,
corrobora as considerações do último autor. Além de serem utilizadas no tratamento de
temas que compõem o currículo da educação básica  como múltiplos e divisores
(Anchieta, 2011) ou operações envolvendo números naturais (Patrocínio, 2012)  as
HQs também podem prestar um serviço à apresentação de temas mais avançados.

Ratificação do valor das HQs na exposição da história da Matemática. A


primeira HQ aplicada tratou da apresentação de registros históricos relacionados à
construção da obra Os Elementos de Euclides. Somente um estudante se mostrou
insatisfeito com a exposição feita na HQ. As respostas dos participantes às atividades

121
Por "estudantes secundaristas" entende-se, neste texto, todo e qualquer discente que cursa o ensino
fundamental ou médio.

420
propostas demonstraram a apreensão dos principais temas contemplados na narrativa. A
utilização da banda desenhada na exposição de episódios da história da Matemática é
defendida por L. Santos (2014). Através da literatura em quadrinhos, pontua este autor,
os alunos acessam a informações relativas ao surgimento e desenvolvimento dos
conteúdos geométricos ao mesmo tempo em que se divertem. A apresentação da história
da Matemática por meio da banda desenhada não se limita, porém, aos fatos ligados à
Geometria. O trabalho de Doxiadis e Paradimitriou (2013) revela a possibilidade de se
utilizar as HQs na exposição de episódios da história da Lógica.

Identificação das dificuldades dos estudantes na aprendizagem de Geometria. A


abordagem dedutiva dissociada de uma introdução de natureza indutiva provoca
obstáculos à aprendizagem. A associação entre indução e dedução é defendida por
Mammana e Villani (1998) e Viliers (2010). O formalismo, simbolismo e rigor típicos
da linguagem matemática também oferecem dificuldades aos estudantes. Ao contrário
da linguagem verbal comumente adotada pelos estudantes, a linguagem matemática não
é espontânea (Florenço, 2014) e volta-se prioritariamente para a escrita (Constantino,
2000). Tais diferenças impõem dificuldades à aprendizagem. A falta de compreensão
acerca do significado das ferramentas simbólicas é outro elemento dificultador. O
entendimento dos estudos em Geometria como um espaço reservado exclusivamente à
realização de cálculos (medida de ângulos, dos lados de um polígono, da área de regiões
planas limitadas por polígonos) torna os alunos mais resistentes à exposição dos
conteúdos de forma lógico-dedutiva. Ademais, em demonstrações por redução ao
absurdo, os alunos costumam ter dificuldades diante das representações icônicas
apresentadas. É preciso dar-lhes ciência da funcionalidade das demonstrações desse
tipo.

Estabelecimento de relações entre o desenvolvimento do raciocínio lógico e a


aquisição da linguagem matemática. Ao longo da pesquisa foi perceptível o avanço da
capacidade dos estudantes de responder às questões de forma dedutiva (Cf. Figura 8.1).
Embora as justificações desta natureza não lhe fossem familiares, os resultados
demonstraram que o raciocínio dedutivo pode ser desenvolvido. Tal desenvolvimento
está relacionado com a complexidade dos assuntos, a forma como os mesmos são
apresentados (evitando-se a exposição de muitos conteúdos num curto intervalo de
tempo) e às conexões que os discentes estabelecem entre os conteúdos e o universo
extraescolar. Por outro lado, a apropriação da linguagem matemática ocorre de forma

421
mais lenta (Cf. Figura 8.2). O pensamento do estudante pode estar correto, mas ser
apresentado por meio de uma linguagem dotada de alguns problemas, tanto de grafia
quanto relacionados às ferramentas simbólicas. Quando os estudantes utilizam
corretamente a linguagem geralmente o fazem por meio de um raciocínio dedutivo.
Entretanto, a presença do pensamento de natureza dedutiva nem sempre é convertida no
uso adequado da linguagem. Na perspectiva de melhorar a comunicação matemática dos
estudantes é importante incentivá-los a descrever, justificar e demonstrar (Jones, 2002).

9.4 Limitações do estudo

A despeito das implicações desta pesquisa, destacada na seção anterior, não se


pode negligenciar as suas limitações. Em sua maioria, tais limitações são de ordem
metodológica. Tais problemas não invalidam a investigação, mas lhe impõe arestas que
precisarão ser contornadas em futuros desdobramentos do estudo. Dentre esses
problemas aparecem: a (não) generalização dos resultados; as restrições da observação
em sala de aula; o número reduzido de entrevistas realizadas; a restrição dos
participantes a estudantes calouros122; a existência de assuntos da Geometria Plana que
não foram contemplados (no sentido melhor explicado mais adiante); o fato das HQs
terem sido confeccionadas a partir da visão de um único autor; a insuficiência de
pesquisas sobre a utilização da banda desenha na aprendizagem de Matemática no nível
superior.

Generalização dos resultados. O desaparecimento da abordagem axiomática em


Geometria no âmbito da educação básica fez com que a pesquisa fosse realizada em
uma turma de estudantes universitários. Se, por um lado, optou-se pela realização de um
estudo em profundidade, marcado pela constante interação e vivência entre o
investigador e os participantes, por outro, deixou-se de fazê-lo num número maior de
turmas, inclusive noutras universidades. Desta forma, a generalização dos resultados
encontra-se comprometida e a assunção da validade dos resultados noutros contextos
estará submissa às semelhanças entre os sujeitos envolvidos.

Restrições da observação em sala de aula. O contato do pesquisador com os


sujeitos investigados se deu sob a forma de pesquisador-participante. Neste sentido,

122
Por "calouro" entende-se todo e qualquer estudante recém-chegado ao curso.

422
grande parte do material coletado foi armazenada no diário de bordo. Entretanto,
durante a aplicação das HQs não foi possível ao investigador acompanhar, em igual
intensidade, o desenvolvimento de todos os estudantes. No início da pesquisa, havia
trinta e dois estudantes em sala de aula. Enquanto as atenções do investigador estavam
voltadas para determinados alunos perdiam-se os detalhes do que estava ocorrendo com
os outros estudantes.

Número reduzido de entrevistas. Ao longo da investigação ocorreram duas


sessões de entrevistas. A primeira contou com a participação de cinco estudantes e, a
segunda, contou com a participação de quatro. Este número não alcança sequer 1/3 dos
sujeitos envolvidos. Tal fato se justifica pela indisponibilidade dos participantes em
participar da investigação em momentos extraclasse. Outros instrumentos de recolha de
dados como as atividades propostas e os questionários aplicados conseguiram atingir a
um número maior de participantes. Contudo, nem sempre conseguem extrair de forma
fluente as informações como costuma ocorrer em entrevistas.

Restrição dos participantes a estudantes calouros. Na UFRB, onde foi realizada


a pesquisa, o componente curricular Geometria Plana e Espacial é direcionado a
estudantes que estão ingressando no curso de Licenciatura em Matemática. O
pesquisador aplicou as HQs durante as aulas desta disciplina. Assim, os dados coletados
não traduzem, necessariamente, os benefícios e os entraves da banda desenhada na
formação do conjunto de estudantes que compõem o curso. Dizem respeito a estudantes
sem experiências quanto à dinâmica do processo de ensino e aprendizagem presente na
vida acadêmica.

Assuntos contemplados. As HQs aplicadas não deram conta de todos os


conteúdos que compõem os estudos em Geometria Plana numa perspectiva axiomática.
Os problemas identificados (bem como os avanços) dizem respeito à forma como os
participantes assimilaram os assuntos presentes nas HQs. Estiveram de fora conteúdos
como: o axioma das paralelas, propriedades do paralelismo, soma das medidas dos
ângulos internos de um triângulo, propriedades do paralelogramo, o Teorema de Tales,
semelhança de triângulos, relações métricas em um triângulo retângulo, o Teorema de
Pitágoras, ângulo inscrito e ângulo central (círculo), polígonos inscritos e circunscritos
em um círculo, dentre outros. Estes assuntos não foram contemplados em virtude do
limite de tempo da própria investigação. Não foi possível criar outras HQs de modo a
abarcar os conteúdos listados.
423
Confecção das HQs na perspectiva de um único autor. As sete HQs foram
construídas unicamente pelo investigador. Recaiu sobre ele o peso da racionalidade e da
criatividade necessárias à confecção de uma HQ. A falta de diálogo com professores,
educadores e até mesmo com estudantes fez com que algumas histórias fossem
produzidas de forma pouco empolgantes. Se o processo construtivo fosse compartilhado
com outros atores as histórias certamente seriam mais ricas e variadas. Mais uma vez, os
limites impostos pelo tempo constituem os responsáveis pela unicidade da autoria das
HQs. Para que o processo ocorresse de forma coletiva, seria necessário ajustar as
agendas de vários atores. Ademais, a obtenção de um consenso sobre a escolha do
enredo, dos personagens, dos exemplos, das atividades propostas nas HQs e da
diagramação das histórias exigiria um tempo do qual o próprio investigador não
dispunha.

Insuficiência de pesquisas na área. O número de estudos empírico-teóricos


voltados para a utilização da banda desenhada no processo de aprendizagem em
Matemática ainda é relativamente pequeno. Os poucos trabalhos encontrados voltam-se
quase que exclusivamente para a educação básica. Faltou ao pesquisador acessar
trabalhos que contemplassem a articulação entre a literatura em quadrinhos e o processo
de ensino de Matemática (em particular de Geometria) no nível superior. Assim, o
referencial teórico adotado centrou-se nos contributos das HQs na educação, em sentido
mais geral, bem como no âmbito Educação Matemática escolar.

9.5 Sugestões para futuras investigações

A pesquisa realizada não esgota as discussões em torno da apresentação da


Geometria Plana Euclidiana por meio de HQs. Antes, inicia o debate acerca dos ajustes
necessários às HQs quando destinadas a exposição da Geometria através de um
tratamento axiomático. Neste sentido, fazem-se necessárias a realização de outras
pesquisas dessa natureza, em contextos diversificados, para que seja possível ampliar a
compreensão do tema aqui exposto. Obviamente, os problemas identificados ao longo
de uma investigação poderão ser previstos e consequentemente solucionados nas
investigações seguintes. Como alargamento da pesquisa desenvolvida é recomendável,
também, o desenvolvimento de investigações com as seguintes finalidades:

424
1. Estudar os impactos da utilização da banda desenhada na apresentação, de
forma dedutiva, dos conteúdos de Geometria Plana que não foram contemplados nesta
investigação.

2. Investigar as concepções dos professores de Matemática acerca da utilização


de HQs no processo de ensino de aprendizagem. Abarcar tanto os professores da
educação básica quanto aqueles que atuam no ensino superior. Buscar entender o
porquê da banda desenhada não ser comumente utilizada por esses profissionais.

3. Estudar a viabilidade da utilização de cartoons na exposição da Geometria


Plana Euclidiana. Analisar a possibilidade de apresentar os conteúdos por meio do
método dedutivo.

4. Alargar as pesquisas acerca dos benefícios da confecção das HQs pelos


próprios alunos. Desta vez podem ser contemplados, de forma axiomática, alguns
conteúdos de Geometria tais como o Teorema do Ângulo Externo, a Desigualdade
Triangular, o Teorema de Pitágoras, dentre outros.

5. Estudar os impactos da aplicação, em sala de aula, de HQs comerciais ou


educacionais que dialogam com a Matemática tais como: Saiba mais sobre a história da
matemática (Sousa, 2011), Logicomix (Doxiadis & Paradimitriou, 2013), Guia Mangá
de Cálculo Diferencial e Integral (Kojima, Togami & Co, 2010), Guia Mangá Álgebra
Linear (Takahashi, Inoque & Co, 2012).

Os temas de investigação não se encerram nas sugestões acima. A necessidade


de revitalização do ensino de Geometria, sob o olhar axiomático, demanda constantes
reflexões. A cortina de preconceitos que cobre o uso, em sala de aula, da banda
desenhada para o tratamento de temas mais complexos continua impedindo a
implementação de novas iniciativas. É preciso rasgá-la. Reconhecer o valor educacional
da literatura em quadrinhos não significa relegar ao abandono os livros didáticos, os
materiais manipuláveis ou os softwares educativos. Antes, representa a ampliação do
ferramental disponível aos educadores e alunos e a oxigenação das atividades
desenvolvidas em sala de aula.

425
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442
Apêndice 1

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Convidamos o(a) Sr(a) ............................................................................................


para participar da Pesquisa intitulada Exposição Axiomática da Geometria Euclidiana
Plana através de Histórias em Quadrinhos: Possibilidades, limitações e desafios, sob a
responsabilidade do pesquisador Elias Santiago de Assis, a qual pretende identificar as
vantagens de se fazer uma exposição da Geometria Plana, no curso de Licenciatura em
Matemática, a partir da banda desenhada e compreender as limitações dessa mídia no
traçado axiomático da Geometria de Euclides.

Sua participação é voluntária e se dará por meio da leitura de algumas histórias


em quadrinhos ─ apresentadas pelo proponente da pesquisa ─ que versam sobre os mais
variados tópicos da Geometria Plana Axiomática. Após cada leitura, o sr(a) será
convidado a apresentar as suas dúvidas a respeito dos temas expostos e deverá, se
estiver disposto, solucionar as atividades propostas no final de cada revista e cujos
conteúdos relacionam-se com a construção axiomática exposta na história em
quadrinhos (HQ) lida. O pesquisador te fará algumas perguntas em forma de entrevistas
ou solicitará ao sr(a) o preenchimento de alguns questionário(s), com a intenção de
identificar e compreender os impactos (favoráveis ou insuficientes) do emprego das
HQs na sua formação matemática. Os encontros realizados serão, sempre que
necessário, registrados por meio de gravadores de áudio ou câmeras filmadoras.

Não há riscos decorrentes de sua participação na pesquisa. E, além disso, se você


aceitar participar, estará contribuindo para o aprimoramento da banda desenhada como
ferramenta didática aplicável no ensino e na aprendizagem de Geometria.

Se depois de consentir em sua participação, o sr (a) desistir de continuar


participando, tem o direito e a liberdade de retirar o seu consentimento em qualquer fase
da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem
nenhum prejuízo a sua pessoa. O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e também não
receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e
publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.

443
Para qualquer outra informação, o (a) Sr (a) poderá entrar em contato com o
pesquisador no endereço elyassantiago@gmail.com, pelo telefone (71) 8873 5015, ou
poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UFRB, Rua Rui
Barbosa, 710, Campus Universitário, Centro, Cruz das Almas.
CEP 44 380 000, através do telefone (75) 3621-6850 ou por meio do endereço
eletrônico eticaempesquisa@ufrb.edu.br .

Consentimento Pós–Informação

Eu,___________________________________________________________, fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração,
e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não
vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas
vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador, ficando uma via com cada
um de nós.
_________________________________ Data: ___/ ____/ _____
Assinatura do participante
________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável

444
Apêndice 2

HQ1: Dona Geometria em: Euclides e Os seus Elementos

445
446
447
448
449
450
451
452
453
454
Apêndice 3

HQ2: Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos

455
456
457
458
459
460
461
462
463
464
465
466
467
468
Apêndice 4

HQ3: Dona Geometria em: A corrida pelo saber

469
470
471
472
473
474
475
476
477
478
479
480
Apêndice 5

HQ4: Dona Geometria em: Subindo mais uma degrau

481
482
483
484
485
486
487
488
Apêndice 6

HQ5: Dona Geometria em: Os congru Entes

489
490
491
492
493
494
495
496
497
498
Apêndice 7

HQ6: Dona Geometria em: A estagiária

499
500
501
502
503
504
505
506
507
508
509
510
511
512
513
514
Apêndice 8

HQ7: Dona Geometria em: A turma boa de bola

515
516
517
518
519
520
521
522
523
524
525
526
Apêndice 9

Questionário de Diagnóstico - QD

Estimado estudante,
O presente questionário tem como objetivo identificar o perfil dos alunos que estão
ingressando no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB) no ano de 2014. As questões propostas referem-se a sua
trajetória escolar, sobretudo no que diz respeito ao seu interesse pela Matemática.
Estamos interessados, particularmente, em descobrir em quais circunstâncias você teve
contato com conhecimentos de Geometria Plana e quais as suas impressões acerca
desses conteúdos.
As informações prestadas não visam estabelecer uma nota conceitual aos respondentes.
Servem, entretanto, para compreender o seu desempenho futuro à luz dos processos
formativos aos quais você foi submetido. Desta forma, contamos com a veracidade das
informações prestadas e agradecemos a sua colaboração.
Pela nossa parte, enquanto responsáveis por essa investigação, comprometemo-nos em
utilizar as informações fornecidas somente no âmbito desta pesquisa e asseguramos o
anonimato dos respondentes em qualquer relatório produzido posteriormente.
Atenciosamente, Elias Santiago de Assis.
Amargosa, ____/____/____

1. Nome:
________________________________________________________________

2. Idade:
________________________________________________________________

3. Sexo: ( ) Masculino

( ) Feminino
4. Em que cidade você morava antes de ser aluno(a) do curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)?

( ) Em Amargosa mesmo.
( ) Salvador.
( ) Outra cidade do Recôncavo Baiano. Qual? _________________________

527
( ) Em outro município do interior da Bahia, não localizado no Recôncavo
Baiano.
( ) Em uma cidade localizada em outro estado brasileiro diferente da Bahia.
( ) Outro(s). ____________________________________________________

5. Você e sua família pertencem a qual classe social?

( ) Baixa
( ) Média-baixa
( ) Média-alta
( ) Alta
Outra. Qual? ____________________________________________________
6. Qual a formação escolar dos seus pais?

Pai Mãe
Não freqüentou a escola
Ensino Fundamental Incompleto
Ensino Fundamental Completo
Ensino Médio Incompleto
Ensino Médio Completo
Ensino Superior Incompleto
Ensino Superior Completo
Não sei responder

7. Onde você estudou durante a escolaridade básica?

Ensino Fundamental Ensino Fundamental Ensino


I (1º ao 5º ano) II (6º ao 9º ano ) Médio
Escola Pública
Escola Particular
Misto (público e
particular)

8. Assinale o(s) fator(es) que te levaram a cursar Licenciatura em Matemática na


UFRB.

( ) Tive bons professores de Matemática durante a escolaridade básica.


( ) Sempre tive facilidade em aprender os assuntos de Matemática.
528
( ) É um curso de baixa concorrência.
( ) A nota que obtive no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) só me
permitiu cursar Licenciatura em Matemática ou outro curso de menor ponto de
corte.
( ) Entre os cursos oferecidos na UFRB, campus de Amargosa, é o único que
me interessa.
( ) Pretendo melhorar os meus conhecimentos em Matemática para
posteriormente tentar aprovação no processo seletivo para outro curso como
Engenharia, por exemplo.
( ) Outra(s) razão(ões). Qual(is)?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
9. Dentre os itens que você assinalou na questão 08, qual exerceu maior influência
na sua escolha pelo curso de Licenciatura em Matemática da UFRB? Por quê?

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
10. Enumere, em ordem de preferência, o seu interesse pelas seguintes áreas da
Matemática durante a escolaridade básica (1 – maior preferência; 2 – segunda
maior preferência; 3 – terceiro lugar em preferência):

_____ Aritmética _____ Álgebra _____ Geometria

11. Você estudou alguns assuntos de Geometria Plana durante a escolaridade básica
(na escola, ensinado por seus professores; ou sozinho, por própria iniciativa)?

Não
Sim.

( ) Ponto, reta e plano (noções básicas).


( ) Ângulos.
( ) Triângulos (definição; classificação quanto às medidas de
seus
ângulos; classificação quanto ao comprimento de seus
529
lados).
( ) Congruência de triângulos.
( ) Paralelismo entre retas.
( ) Retas perpendiculares.
( ) Soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo.
( ) Retas perpendiculares.
( ) Teorema de Tales.
( ) Semelhança de triângulos.
( ) Teorema de Pitágoras.
( ) Quadriláteros.
( ) Circunferência.
( ) Cálculo de área de figuras planas.
( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________

12. Caso você tenha respondido SIM à questão 11, informe em qual(is) série(s) você
estudou Geometria Plana, na escola.
______________________________________

13. Caso você tenha respondido SIM à questão 11, indique em qual(is)
componente(s) curricular(es) ─ ou seja, disciplina(s) ─ você estudou Geometria
Plana, na escola.

( ) Matemática
( ) Desenho Geométrico
( ) Artes
( ) Outro(s). Qual(is)? _____________________________________

14. Qual conteúdo de Geometria Plana (que você estudou durante a educação
básica) é o seu preferido? Por quê?

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________

15. Qual(is) conteúdo(s) de Geometria Plana (que você estudou durante a educação
básica) você considera mais difícil(ceis) de aprender? Comente a respeito.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________

530
Apêndice 10

Questionário de investigação - Q1

Estimado estudante,
O presente questionário tem como objetivo avaliar a utilização de Histórias em
Quadrinhos (HQ) como ferramenta auxiliar na aprendizagem da Geometria Plana
Axiomática. Nesse intuito, queremos saber quais são as suas impressões acerca da HQ
intitulada Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos, a qual aborda os Axiomas
de Incidência e os Axiomas de Ordem. De modo mais amplo, estamos interessados em
identificar os elementos presentes na arte quadrinhística que são capazes de favores (ou
de inviabilizar) a sua aprendizagem referente aos assuntos mencionados.
As informações prestadas não visam estabelecer uma nota conceitual aos respondentes.
Servem, entretanto, para compreender os limites da utilização de HQs como
instrumento didático a serviço do ensino de Geometria. Desta forma, contamos com a
veracidade das informações prestadas e agradecemos a sua colaboração.
Pela nossa parte, enquanto responsáveis por essa investigação, comprometemo-nos em
utilizar as informações fornecidas somente no âmbito desta pesquisa e asseguramos o
anonimato dos respondentes em qualquer relatório produzido posteriormente.
Atenciosamente, Elias Santiago de Assis.
Amargosa, ____/____/____
1. Você já leu alguma revista em quadrinhos? Gostou?
a. ( ) Nunca li.
b. ( ) Sim, mas não gostei.
c. ( ) Sim. Gostei

2. Assinale o(s) fator(es) que te levaram a:


I. Não ler histórias em quadrinhos ou não gostar desse tipo de literatura
(caso você tenha assinalado o item (a) ou o item (b) na questão 01).

( ) Não gosto de ler, qualquer que seja o gênero literário.


( ) Acho as histórias em quadrinhos simples ou desinteressantes.
( ) As revistas em quadrinhos são caras.
( ) Prefiro assistir televisão.

531
( ) Acho mais interessante acessar a internet.
( ) Meus pais não me estimulam ou me proíbem de ler HQs.
( ) Outro(s) motivo(s). Qual(is)? ___________________________

II. Gostar de ler histórias em quadrinhos (caso você tenha assinalado o item
(c) na questão 01).

( ) A leitura é divertida.
( ) Os temas diferem dos assuntos escolares e isso me agrada.
( ) Meus pais me estimulavam.
( ) Os meus amigos me incentivavam.
( ) As HQs estimulam em mim, quando criança, o hábito de ler.
( ) Aprecio as histórias sobre super-heróis, presentes em muitas HQs.
( ) Outro motivo. Qual(is)? _________________________________

3. Em qual fase da sua vida, você mais gostou de ler histórias em quadrinhos?
( ) Nunca li qualquer revista em quadrinhos.
( ) Na infância.
( ) Na adolescência.
( ) Na idade adulta.

4. Você já leu alguma História em Quadrinhos (HQs) cujo enredo contemplasse, de


alguma forma, algum conteúdo matemático?
( ) Não
( ) Sim. Em que revista? ________________________________________
Quando você leu esta HQ? _______________________________
Qual o conteúdo matemático abordado?____________________
Há outras lembranças a respeito? Qual(is)? _________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5. Você prefere ler uma História em Quadrinhos destinada ao ensino de Matemática


quando a sua finalidade é (assinale uma única alternativa):
( ) Apresentar algum tópico da História da Matemática.

532
( ) Expor algum conteúdo matemático propriamente dito.
( ) Outra finalidade. Qual? _______________________________________

6. Apresente argumentos que expressam a importância de uma HQ destinada a:


(a) Apresentar algum tópico da História da Matemática.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
(b) Expor algum conteúdo matemático propriamente dito.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________

7. Você leu a história em quadrinhos Dona Geometria em: Os esportistas


matemáticos, a qual aborda alguns conteúdos de Geometria Plana. Em sua opinião,
foi possível aprender algum dos assuntos presentes nesta história? Qual? Comente a
respeito.
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________

8. Sobre a história em quadrinhos Dona Geometria em Os esportistas matemáticos,


você:
( ) Sentiu necessidade de recuar na leitura porque algum assunto (conteúdo/
tópico) não ficou bem compreendido.
Quais foram estes assuntos?
__________________________________________________________
__________________________________________________________
_________________________________________________________

533
( ) Leu a história toda, sem pausas.
Então você conseguiu compreender os conteúdos abordados? Comente.
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________

9. Qual dos assuntos abaixo, você menos conseguiu compreender a partir da leitura
da história em quadrinhos Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos?
( ) Os Axiomas de Incidência
( ) Os Axiomas de Ordem
( ) A definição de semi-reta
( ) A definição de semi-plano
( ) Conjuntos convexos
( ) Outro(s).
Qual(?)_________________________________________________

10. A qual(is) fator(es) você atribui a sua resposta à questão 09?


( ) A linguagem adotada pelo autor da revista.
( ) A complexidade intrínseca do assunto.
( ) A forma como o assunto foi exposto na história (se o roteiro fosse
modificado, talvez fosse mais fácil compreendê-lo).
( ) A incompatibilidade (inviabilidade) de se apresentar um assunto como
esse através de uma história em quadrinhos.

534
Apêndice 11

Questionário de investigação - Q2

Estimado estudante,
O presente questionário tem como objetivo avaliar a utilização de Histórias em
Quadrinhos (HQ) como ferramenta auxiliar na aprendizagem da Geometria Plana
Axiomática. Nesse intuito, queremos saber quais são as suas impressões acerca da HQ
intitulada Dona Geometria em: Subindo mais um deGrau, a qual aborda os Axiomas
sobre medição de ângulos e as suas conseqüências. De modo mais amplo, estamos
interessados em identificar os elementos presentes na arte quadrinhística que são
capazes de favores (ou de inviabilizar) a sua aprendizagem referente aos assuntos
mencionados.
As informações prestadas não visam estabelecer uma nota conceitual aos respondentes.
Servem, entretanto, para compreender os limites da utilização de HQs como
instrumento didático a serviço do ensino de Geometria. Desta forma, contamos com a
veracidade das informações prestadas e agradecemos a sua colaboração.
Pela nossa parte, enquanto responsáveis por essa investigação, comprometemo-nos em
utilizar as informações fornecidas somente no âmbito desta pesquisa e asseguramos o
anonimato dos respondentes em qualquer relatório produzido posteriormente.
Atenciosamente, Elias Santiago de Assis.
Amargosa, ____/____/____
Nome do participante: ___________________________________________________

1. Até o presente momento, você já leu quatro Histórias em Quadrinhos cujos temas
referem-se a alguns conteúdos de Geometria Plana. Em sua opinião, a leitura dessas
revistas seria mais interessante se ocorresse (assinale uma única alternativa):
( ) Após a exposição teórica dos assuntos em sala, pelo professor.
( ) Depois da leitura de outras bibliográficas, como livros didáticos, por
exemplo.
( ) Exatamente como tem sido. Antes da leitura de outras fontes.
( ) De outra forma não contemplada acima. Qual?
________________________________________________________

535
2. Justifique a sua resposta dada à questão 01.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3. Em sua opinião, a sua aprendizagem em Geometria Plana Axiomática, a partir da


leitura das Histórias em Quadrinhos utilizadas em sala de aula, seria mais eficaz se
nas HQs fossem apresentado(a)(s) (assinale uma ou mais alternativas):
( ) Os enunciados dos Teoremas, sem as suas demonstrações.
( ) Somente exercícios ao longo das histórias. Os Teoremas e as suas
demonstrações deveriam ser expostos através de outra literatura (livros,
apostila, etc.).
( ) Mais aplicações dos Teoremas. Estes últimos poderiam aparecer através
de uma idéia intuitiva ao invés da demonstração completa e formal.
( ) Mais exercícios, mantendo, entretanto, todos os teoremas, proposições e
suas demonstrações.
( ) De outra forma não mencionada acima. Qual?
__________________________________________________________
__________________________________________________________

4. Justifique a sua resposta dada à questão 03.


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

5. Sobre a leitura da História em Quadrinhos Dona Geometria em: Subindo mais um


deGrau, você avalia que (assinale uma ou mais alternativas):
( ) Ângulo é um assunto fácil e, portanto, é possível aprendê-lo através dos

536
livros didáticos (a história em quadrinhos não é necessária).
( ) Ângulo é um assunto fácil e estudá-lo por meio de uma HQ é mais
interessante do que através dos livros didáticos usuais.
( ) Sou mais interessado pela abordagem apresentada nos livros didáticos,
concernente ao estudo de Ângulos. A revista pode ser uma leitura
complementar.
( ) Considero a leitura da revista suficiente. Já posso tentar resolver
exercícios referentes ao assunto contemplado pela HQ.
( ) Outra resposta. Qual? ________________________________________

6. Os resultados abaixo aparecem na História em Quadrinhos Dona Geometria em:


Subindo mais um deGrau. Dentre esses resultados, assinale aquele cuja exposição na
história se deu de forma menos clara sendo necessária outra fonte de leitura para
melhor compreendê-lo (Se, em sua opinião, todos os resultados expostos na HQ
estão suficientemente claros, não assinale alternativa alguma).
( ) A correspondência biunívoca entre os números reais entre 0 e 180 e as
semi-retas de mesma origem que dividem um semi-plano dado.
( ) A congruência entre os ângulos opostos pelo vértice.
( ) A existência de uma perpendicular à uma reta dada a partir de um ponto
fora dela.
( ) A unicidade da perpendicular à uma reta dada a partir de um ponto fora
dela.
( ) Outro. Qual? _______________________________________________
__________________________________________________________

7.
(a) A qual(is) fator(es) você atribui a insuficiência da abordagem da HQ Dona
Geometria em: Subindo mais um deGrau na exposição teórica do resultado
que você assinalou na questão 06 (Caso você tenha assinalado ou indicado
algum conteúdo)?

_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________

537
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
(b) Caso você não tenha assinalado item algum na questão 06, explique o porquê
considera a abordagem da HQ adequada/suficiente?

_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
8. Em sua opinião, as histórias em quadrinhos que você leu até agora e que fazem
parte da coleção Dona Geometria (Dona Geometria em: Euclides e Os seus
Elementos; Dona Geometria em: Os esportistas matemáticos; Dona Geometria em:
A corrida pelo saber; Dona Geometria em: Subindo mais um deGrau) podem ser
utilizadas no ensino de Geometria Plana na educação básica? Por quê?
_________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________

538
Apêndice 12

Questionário de investigação - Q3

Estimado estudante,
O presente questionário tem como objetivo avaliar a utilização de Histórias em
Quadrinhos (HQ) como ferramenta auxiliar na aprendizagem da Geometria Plana
Axiomática. Nesse intuito, queremos saber quais são as suas impressões acerca da HQ
intitulada Dona Geometria em: A estagiária, a qual aborda o Teorema do Ângulo
Externo, as suas conseqüências, e os casos de congruência de triângulos retângulos. De
modo mais amplo, estamos interessados em identificar os elementos presentes na arte
quadrinhística que são capazes de favores (ou de inviabilizar) a sua aprendizagem
referente aos assuntos mencionados.
As informações prestadas não visam estabelecer uma nota conceitual aos respondentes.
Servem, entretanto, para compreender os limites da utilização de HQs como
instrumento didático a serviço do ensino de Geometria. Desta forma, contamos com a
veracidade das informações prestadas e agradecemos a sua colaboração.
Pela nossa parte, enquanto responsáveis por essa investigação, comprometemo-nos em
utilizar as informações fornecidas somente no âmbito desta pesquisa e asseguramos o
anonimato dos respondentes em qualquer relatório produzido posteriormente.
Atenciosamente, Elias Santiago de Assis.
Amargosa, ____/____/____
Nome do Participante: ____________________________________________________

1. Na História em Quadrinhos Dona Geometria em: A estagiária, são apresentados


11 resultados (teoremas, proposições e corolários) e as suas respectivas
demonstrações. Em sua opinião:

( ) Bastava demonstrar os resultados principais (como o Teorema do


Ângulo Externo e mais algum outro). Os demais resultados poderiam
ser apresentados de uma forma mais intuitiva, com exemplos, e sem as
demonstrações.
( ) É necessário constar as demonstrações de todos os resultados citados.
A exposição de todas elas numa mesma revista é completamente
cabível.
( ) Você, como futuro professor de Matemática, não precisa conhecer as
demonstrações de todos os teoremas, proposições e corolários
apresentados nesta HQ. Deve, porém, conhecer as aplicações destes
539
resultados.
( ) É mais importante conhecer as demonstrações dos teoremas e
proposições do que a aplicabilidade destes resultados.
( ) A maior parte dos livros de Geometria da educação básica não
apresenta as demonstrações dos teoremas e proposições. Por isso, você
também não necessita aprender muitas delas.
( ) Todas as demonstrações dos resultados que aparecem na revista são
necessárias. Porém, como são 11 demonstrações, elas poderiam ser
distribuídas ao longo de duas revistas ao invés de uma única.
( ) Outra consideração. Qual? ___________________________________

2. Justifique a(s) sua(s) resposta(s) para a questão 01.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
3. Sobre a linguagem empregada nas demonstrações matemáticas (assinale uma
única alternativa):

( ) É incompatível com o tipo de linguagem utilizada nas histórias em


quadrinhos, geralmente mais coloquial/informal.
( ) A sua utilização é plenamente possível em HQs destinadas à exposição
da Geometria Plana Axiomática.
( ) Alguns termos/palavras  não todos  precisam ser alternados quando
forem utilizados em histórias em quadrinhos destinadas ao ensino de
Geometria.
( ) É uma linguagem estritamente técnica e, portanto, deve ser reformulada
tanto em HQs voltadas para o ensino de Geometria quanto nos livros
didáticos com a mesma finalidade.
( ) Outra consideração. Qual?
__________________________________________________________
__________________________________________________________

4. Justifique a sua resposta para a questão 03.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
5. Considerando a escala:
540
1 – mais importante 4 – quarto mais importante
2 – segundo mais importante 5 – quinto mais importante.
3 – terceiro mais importante

Classifique os seguintes resultados (teoremas, proposições, corolários)


apresentados na história em quadrinhos Dona Geometria em: A estagiária,
levando em consideração a sua opinião.
( ) Todo ângulo externo de um triângulo mede mais do que qualquer dos
ângulos internos a ele não adjacente.
( ) A soma das medidas de dois quaisquer ângulos internos de um triângulo
é menor que 180 graus.
( ) Por um ponto fora de uma reta passa uma, e somente uma,
perpendicular à reta dada.
( ) Se dois ângulos de um triângulo não são congruentes, então os lados
que se opõem a estes ângulos têm medidas distintas e o maior lado
opõe-se ao maior ângulo.
( ) Em todo triângulo, o comprimento de qualquer um de seus lados é
sempre menor que a soma dos comprimentos dos outros dois.

6. Abaixo seguem os mesmos teoremas ou proposições indicados na questão 05.


Em cada um destes resultados, sublinhe a hipótese e circule a tese.

(a) Todo ângulo externo de um triângulo mede mais do que qualquer dos
ângulos internos a ele não adjacente.
(b) A soma das medidas de dois quaisquer ângulos internos de um triângulo é
menor que 180 graus.
(c) Por um ponto fora de uma reta passa uma, e somente uma, perpendicular à
reta dada.
(d) Se dois ângulos de um triângulo não são congruentes, então os lados que se
opõem a estes ângulos têm medidas distintas e o maior lado opõe-se ao maior
ângulo.
(e) Em todo triângulo, o comprimento de qualquer um de seus lados é sempre
menor que a soma dos comprimentos dos outros dois.

7. Sobre a opção que você atribuiu o número 5, na questão 05, você acredita que
(assinale uma ou mais alternativas):

( ) A sua demonstração, na HQ, está compreensível. Mas ainda assim, você


julga este resultado (teorema/proposição/corolário) menos importante
que os outros mencionados.
( ) O seu enunciado está compreensível, na HQ, mas o mesmo não
acontece com a sua demonstração.
( ) O seu enunciado não está compreensível.
( ) Não é possível enxergar, com a exposição feita na HQ, as aplicações
deste resultado.
( ) Outra consideração. Qual?____________________________________
__________________________________________________________

541
8. Tente representar, através de desenho(s) e notações matemáticas, o item da
questão 05 ao qual você atribui o número 1.

9. Enuncie, com as suas próprias palavras, o Teorema do Ângulo Externo.

________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
10. O que você modificaria na história em quadrinhos Dona Geometria em: A
estagiária? Explique.

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________________________________________________________________
________________________________________________________________
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Apêndice 13

Roteiro da Primeira Sessão de Entrevistas - E1

1. Em sua opinião, o que diferencia a Geometria que você estudou na escola básica
daquela que você está estudando aqui, na Universidade?

2. Qual é a importância das demonstrações em Matemática?

3. A quais fatores você atribui as dificuldades que vocês, alunos, têm para
desenvolver/construir uma demonstração em Geometria?

4. Na revista em quadrinhos A corrida pelo saber, aparecem as demonstrações de


duas proposições e uma teorema. Quais são elas? Você conseguiu compreendê-
las?

5. Quais são os assuntos abordados na revista?

6. Dentre esses assuntos, qual foi aquele que você mais entendeu?

7. Se você fosse criar uma HQ para falar dos Axiomas sobre medição de
segmentos, como seria o roteiro? (Ou, como você explicaria esse assunto a uma
outra pessoa?)

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544
Apêndice 14

Roteiro da Segunda Sessão de Entrevista - E2

1. Você já havia estudado o assunto Congruência de Triângulos na educação


básica? Qual a diferença entre a abordagem apresentada na escola e a abordagem
utilizada aqui na universidade?

2. Você conseguiu compreender o conceito de Congruência de Triângulos a partir


da exposição dada pela HQ? Qual a diferença entre afirmar que dois triângulos
são iguais e eu dois triângulos são congruentes?

3. A demonstração do caso de congruência ALA (ângulo-lado-ângulo) apresentada


na revista está suficientemente clara? O que não foi possível compreender? O
que você propõe para tornar essa demonstração mais inteligível?

4. Foi possível compreender os conceitos de mediana, bissetriz e altura relativas a


um lado do triângulo por meio da leitura da revista HQ 05? Você gostou das
figuras apresentadas? Elas te auxiliaram na compreensão destes conceitos?

5. O que você aprendeu sobre os triângulos isósceles a partir da leitura da revista?


Você já conhecia essas propriedades?

6. Se você fosse elaborar uma HQ para tratar do assunto Congruência de


Triângulos, como seriam o seu roteiro, os personagens, as imagens e a
linguagem utilizada?

7. Os exercícios propostos na revista estão condizentes com a teoria exposta? E a


quantidade de atividades proposta é suficiente?

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Apêndice 15

Critério de Credibilidade

Abaixo seguem os excertos das respostas dadas por alguns estudantes ao


investigador, via e-mail, no sentido de ratificar (ou returar) as interpretações do
pesquisador acerca das informações coletas em campo.

Aluno A6, 16 de setembro de 2016.

Aluno A7, 19 de agosto de 2016.

Aluno A9, 20 de agosto de 2016.

Aluno A10, 16 de setembro de 2016.

Aluno A11, 16 de setembro de 2016.

Aluno A13, 9 de agosto de 2016.

Aluno A22, 11 de agosto de 2016.

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