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Carta para o Matteo

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Remetente: Ícaro de Carvalho

"Pai, o que eu devo fazer da minha vida?".

Em algum momento eu terei que responder essa pergunta aos meus quatro
filhos. E eu imagino que todo pai e toda mãe que tenha cumprido bem o seu
dever em criá-los ouvirá a mesma pergunta.

Não porque você exigirá esse direito ao poder de voto sobre a vida dos seus
meninos, mas porque eles confiarão em você.

O destino de todo bom pai e toda boa mãe é a participação voluntária, não a
impositiva, sobre a vida dos próprios filhos.

Pais ruins tomam essas decisões à força. Eles aumentam a voz, apontam o dedo
e dizem: "Você tem que fazer isso daqui da sua vida".

Um bom pai segue o caminho inverso. Ele está presente ao longo de todo o
crescimento dos seus filhos, está lá, observando, até que o dia chega. Somos
chamados, então, para darmos a nossa contribuição.

Cada vez que um filho te pedir um conselho sincero após o início da adolescência,
se considere um pai ou uma mãe vencedor.

O que é a verdadeira educação, na minha modestíssima


opinião?

Esse tesouro raro, que é encontrado em um número tão pequeno de casas e que
nenhum estabelecimento de educação pode dar?

Educação de verdade exige que existam três coisas, ou não estamos falando de
educação. Pode ser que estejamos falando, no máximo, numa formação. Numa
capacitação técnica. Num conjunto de preparos para uma futura carreira ou para o
desenvolvimento profissional.

Mas educação – aquela de verdade – não tem nada a ver com isso.
Para que seja educação, deve haver:

1. O indivíduo. Cada criança deve ser acompanhada individualmente. Você


deve buscar o entendimento sobre as suas inclinações, preferências e o seu
temperamento. A educação não pode ser aplainada. Não pode ser
massificada. Dentro de uma mesma casa, três crianças serão orientadas e
estimuladas de maneira completamente diferentes. O que é estímulo para
uns pode ser trauma para outros.

2. Virtudes bem estabelecidas. Relativismo destrói a educação. Deve estar


presente na vida da criança, desde cedo, conceitos de certo e errado, de
homens maus e homens bons, de coisas certas e erradas a serem feitas. No
exato momento em que você virou para uma criança de seis anos e disse
para ela, ao invés de dizer que o bandido é mau, que ele "pode ter sido
vítima de um sistema", você criou uma corrente de possibilidades que a
imaginação e a própria estrutura lógica da criança não é capaz de alcançar.
Você confundiu. Pior: perverteu. Bandidos devem ser presos. Mulheres
devem ser protegidas. Homens devem ser fortes.

3. O céu. Ainda que Deus não existisse, precisaríamos inventá-lo. Perceba


como todas as coisas se juntam, numa única linha do tempo: "A criança,
criada individualmente, estimulada de acordo com as suas predisposições
naturais, respeitado o seu temperamento, deve desenvolver um conjunto
básico de virtudes, preferir o bem e preterir o mal, para a conquista do céu".
Isso é educação.

Não tem nada a ver com matemática, português, geografia e suas afluentes
de rios, planícies e planaltos. Essas são ferramentas técnicas, capacitantes,
que servirão para que esses indivíduos bons, bem desenvolvidos, amados
e que encontram dentro de casa um porto seguro, desenvolvam suas
competências técnicas – também conhecidas como empregos e carreira.

É por isso que, para mim, não existe educação se viola um desses três
princípios. Podemos estar falando, como eu já disse, no máximo, de uma
formação.

Bom, esse sou eu. Esse é o Ícaro, pai desses meninos, que fala. E essa é a
minha carta. Se você discorda da minha visão, pode escrever a sua própria carta –
e usar as suas próprias teses, com os seus próprios filhos. Essa é uma das
maiores maravilhas da vida.
Lá na frente nos reencontramos.

Mas, enfim, tudo isso foi falado para que eu pudesse explicar para você que não
existe uma resposta pré-moldada, para a pergunta que apareceu no início desta
carta.

Se a educação é individual, o aconselhamento também será.

Por isso, não poderia responder, numa única carta, essa mesma pergunta para os
meus três filhos.

Preciso escrever uma carta para cada um deles.

Por quê? Porque eu teria (tenho, na verdade) uma resposta diferente para cada
um deles, quando eles chegarem à idade de me fazerem esse tipo de
questionamento.

O Matteo está pronto para um tipo de estímulo, a Lavínia estará pronta para outro.
Que será completamente diferente do estímulo da Teresa. Que, mesmo sem ainda
conhecê-lo, será diferente do estímulo do próximo bebê.

Vamos à resposta do Matteo.

Antes, um pequeno aviso: eu não quero que essa resposta seja tida como uma
resposta universal. Ela serve para os meninos exatamente como esse meu
menino: solares, cheios de vida, de energia, com os olhos abertos e voltados ao
mundo. Desde o primeiro minuto de vida o Matteo sorriu. Assim que nasceu,
espantou a todas as enfermeiras, porque abriu os olhos e observou tudo e todos.

Havia acabado de chegar ao mundo e já estava faminto por entendê-lo.

Não pelos livros ou pelos que dizem os outros, mas através das próprias mãos e
dos próprios olhos.

Se você tentar aplicar esses conselhos, que darei agora para ele, a um filho com a
personalidade da Lavínia, é claro que dará errado. Por isso uma carta para cada.

Bom, vamos ao Matteo.

"Filho, você não tem ideia de quantas vezes o Papai já disse


para os alunos dele que ‘não existe um erro capaz de destruir
a sua vida’.
A sua vida está só começando. Da sua idade, eu não tinha
nada, nem mesmo um caminho. Não conhecia a sua mãe, não
tinha dinheiro algum e a única coisa que eu tinha em mãos era
muito tempo.

As pessoas estão perdidas, abraçadas à ideia de que


precisam acertar agora. Agora você precisa testar. Aprender é
mais importante que acertar, no começo da vida.

Tudo bem se você não entrar na faculdade aos dezessete.


Tudo bem se você não entrar aos vinte. Tudo bem se você
jamais pisar em uma faculdade.

Porque eu sei que você passará pelas mesmas dificuldades


que eu. O ritmo das outras pessoas é diferente do nosso. Suas
convenções sociais, aquilo que elas juram que é muito
importante, não encaixa muito bem na nossa cabeça.

Nisso você parece com o seu pai.

Agora, preste atenção nesse conselho: o seu grande inimigo


será (sempre, sempre e sempre) a constância. Eu sei que, a
cada dia que nasce, você se sente chamado a fazer alguma
coisa diferente.

Mas, se a cada dia que nasce, quiséssemos pintar o mundo


inteiro de uma cor diferente, jamais terminaríamos de pintá-lo.
Ele nunca teria cor alguma. Seria só uma mistura de serviços
feitos pela metade.

E assim será a sua vida.

A constância, que é o oxigênio que alimenta a sua irmã, te


falta. E é isso que você deve buscar.

Você já é movimento. Agora precisa ser consistência e


direção.

Assim que você arranjar uma namorada, se esforce para


prestar atenção nas coisas que são importantes para ela.
Entenda que, pra maioria das mulheres, pequenas coisas,
pequenos gestos, como a toalha em cima da cama ou a
lembrança de alguma data, são coisas importantes – por mais
que, tanto para você quanto para mim, essas coisas não
façam o menor sentido.

Aprenda a se concentrar.  A sentar e ler. Ler, ler, ler! Essa é a


única fonte de conhecimento realmente confiável e foi o que
trouxe o seu pai até aqui.

As pessoas farão qualquer coisa para não terem que ler um


livro, já dizia um amigo do seu pai. Se você for capaz de ler,
interpretar e resumir para elas, ganhará dinheiro que jamais
verá fim.

A maioria das pessoas morrerão sozinhas.

As famílias acabaram, os irmãos mirraram, os primos


sumiram. Você ama gente. Ama estar com elas. Ama falar com
elas. Se conseguir transformar toda essa vontade em um
negócio, a vida será muito mais fácil para você.

Procure uma mulher exatamente como eu procurei, e você


terá uma vida amorosa feliz. Uma mulher seca, melancólica,
organizada, que precisa manter todas as coisas sob controle.
Como a organização e a repetição te faltam, ela
complementará você.

Seja prudente com o dinheiro. Você será mais tentado a gastá-


lo do que o seu pai. A maior parte dos prazeres da vida, que
podem ser comprados, não valem a pena ser comprados.
Mantenha os olhos voltados sempre pro céu.

Dificilmente você será um desses empregados, de carteira


assinada, trabalhando quarenta e quatro horas por semana
para construir o sonho de outra pessoa. As regras não serão
tão importantes para você.

Lembre-se: o seu ponto mais forte está no fato de amar as


pessoas – de um jeito que o seu pai jamais conseguirá fazer.

Trabalhe com elas. Esteja próximo a elas. Entenda o que elas


precisam e que você pode fornecer e forneça.

A riqueza está na base da pirâmide – e riqueza é liberdade. E


pessoas "diferentes", assim como você e eu, precisamos
dessa liberdade para não adoecermos nesse mundo cheio de
regras sem sentido algum para nós.

Se mantenha forte, saudável, não pare de treinar nunca.


Proteja as suas irmãs e a sua mãe. Se essa carta chegar às
suas mãos em um momento que o seu pai não estiver mais
aqui, basta segui-la e você se sentirá sentado no sofá,
conversando comigo, em qualquer idade da sua vida.

Nunca perca a oportunidade de repetir, pelo menos meia dúzia


de vezes, que ama os seus filhos. Todo-Santo-Dia.

O mundo está aí, à sua espera, para ser conquistado".

O Novo Mercado, Praça dos Expedicionários, 19 - Gonzaga, Santos - SP, 11065-500, Brasil

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