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Revisão de literatura para a Reunião do Comitê de Radioproteção

Boas práticas em procedimentos intervencionistas: do panorama


internacional à otimização da rotina no hospital
A fluoroscopia trata-se de um método de imageamento através do uso de raios X
onde são geradas imagens a tempo real, sendo possível observar movimento devido às
contínuas imagens produzidas a uma taxa máxima de 25-30 imagens completas por
segundo. Esse método é utilizado especialmente como guia para diversos procedimentos
diagnósticos e intervencionistas (1).

A proteção radiológica das equipes por muito tempo foi considerada mais relevante
do que a proteção ao paciente. Esta consideração se pautava no benefício do procedimento
para o paciente, sendo que ele seria submetido aos procedimentos poucas vezes ao longo da
sua vida, ao passo que as equipes atuam diariamente no meio e estão continuamente
expostos (4). Entretanto, houve um aumento no número de procedimentos
intervencionistas e na realização procedimentos com maior entrega de dose (5). Muitos
pacientes podem receber doses que excedem a dose que funcionários poderiam receber ao
longo de toda a carreira (4).

A dose absorvida em uma parte específica da pele e de outros tecidos é foco


de preocupação na fluoroscopia por duas razões: a primeira é a necessidade em
minimizar a dose em órgãos sensíveis, tais como gônadas e mama, pelo
posicionamento cuidadoso do feixe de raios X e usando blindagem quando
apropriado. A segunda é que a incidência do feixe de raios X em uma área da pele
por um longo período pode resultar em lesões devido à radiação em casos de
exposição muito alta. Entretanto, a energia total transmitida ao corpo do paciente
durante o procedimento está intimamente relacionada à dose efetiva e ao risco da
radiação induzir câncer (1).

As lesões de pele induzidas pela exposição à radiação (também chamadas de efeitos


determinísticos) são caracterizadas por um limiar de dose (2). A tabela abaixo mostra o
limiar de dose para a ocorrência desses efeitos:

Tabela 1. Limiar de dose para a ocorrência de efeitos determinísticos e faixa de tempo para
aparecimento dos mesmos.
Limite para dose única
Efeito Início dos sintomas
(Gy)
Eritema transitório precoce 2 Aproximadamente 2-24h
Eritema principal 6 Aproximadamente 10 dias
Epilação temporária 3 Aproximadamente 3 semanas
Epilação permanente 7 Aproximadamente 3 semanas
Descamação seca 14 Aproximadamente 4 semanas
Descamação úmida 18 Aproximadamente 4 semanas
Ulceração secundária 24 Aproximadamente 6 semanas
Eritema tardio 15 8 a 10 semanas
Necrose dérmica isquêmica 18 Mais que 10 semanas
Atrofia dérmica (1ª fase) 10 Mais que 12 semanas
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Atrofia dérmica (2ª fase) 10 Mais que 1 ano


Endurecimento (fibrose
10 Mais que 1 ano
invasiva)
Telangiectasia 10 Mais que 1 ano
Necrose dérmica (fase tardia) >12 Mais que 1 ano
Câncer de pele Desconhecido Mais que 5 anos
. Retirado do documento Patient Dose Optimization in Fluoroscopically Guided Interventional
Procedures: final report of a coordinated research project, IAEA-TECDOC 1641 (3). Tradução livre.

O aparecimento de lesões está relacionado a procedimentos difíceis e demorados,


com a orientação do feixe sob uma mesma área da pele por um longo período, ao uso
prolongado de modos que entregam uma alta dose, exposição desnecessária de partes do
corpo sob o feixe de raios X, a pacientes grandes e angulações que requerem a transmissão
dos raios X através de uma grande espessura de massa corporal, a pacientes em condições
de saúde que o predisponham a desenvolver lesões radioinduzidas, múltiplos procedimentos
realizados em um curto período de tempo em um mesmo paciente, à falta de monitoração
de dose e a médicos inexperientes (3).

A crescente preocupação para que se busque viabilizar a proteção radiológica para


pacientes submetidos a procedimentos fluoroscópicos culminou com o surgimento de vários
programas internacionais, tais como o Retrospective Evaluation of Lens Injuries and Dose
(RELID) (6), Information System on Occupational Exposure in Medicine, Industry and
Research (ISEMIR) (7), Safety in Radiological Procedures (SAFRAD) (8) advindo da
International Atomic Energy Agency (IAEA), Safety and Efficacy for New Techniques and
Imaging Using New Equipment to Support European Legislation (SENTINEL) (9) e o programa
Optimization of Radiation Protection for Medical Staff (ORAMED) (10) da European
Commission. (11) Além disso, iniciou-se a produção de inúmeros documentos e
recomendações para procedimentos intervencionistas, buscando compartilhar
conhecimentos relacionados aos Níveis de Referência Diagnóstica (NRDs), boas práticas, uso
de novas tecnologias, entre outros temas.

Para um maior controle acerca do surgimento de lesões radioinduzidas devido a


procedimentos fluoroscópicos, foi recomendado que as instituições iniciassem um processo
de armazenamento de informações referentes aos procedimentos realizados que envolvem
radiação, aos quais cada paciente é submetido. Seria então criada uma grande base de
dados com informações acerca do tempo de fluoroscopia, dados pessoais de cada paciente
(incluindo condição de saúde), procedimento a que seria submetido, Produto Kerma-Área,
entre outros parâmetros (12). Os parâmetros requeridos para a base de dados podem variar
conforme a recomendação e o programa. Além disso, foram estabelecidos limites para a
realização do acompanhamento do paciente, a fim de que este possa ser corretamente
assistido caso venha a desenvolver lesões. Tais limites também podem variar consoante a
recomendação seguida ou o programa. Abaixo estão listados os limites estabelecidos de
acordo com a Sociedade de Radiologia Intervencionista e o projeto CIRSE (13):

- Pico de dose na pele (do inglês Peak Skin Dose, PSD) > 3 Gy;
- Kerma ao ar no ponto de referência da entrada do paciente > 5 Gy;
- Produto Kerma-Área (do inglês Kerma Area Product, KAP) > 500 Gy.cm²;
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- Tempo de fluoroscopia > 60 minutos.

O programa SAFRAD da Agência Internacional de Energia Atômica, por sua vez,


adiciona mais limites para acompanhamento dos pacientes, além dos listados
anteriormente:

- Número de aquisições de série cine > 20;


- Tratamento do paciente errado;
- Realização de um procedimento não prescrito ou erroneamente prescrito;
- Paciente gravida ou a gravidez era desconhecida no momento do procedimento;
- Paciente submetido a múltiplos procedimentos dentro de um período de um mês.

De acordo com os limites abordados, um dado muito utilizado e que também é


disponibilizado pelos softwares dos equipamentos após a finalização dos procedimentos é o
Produto Kerma-Área (KAP) ou Produto Dose-Área (DAP), fornecendo informação com
respeito à quantidade total de energia fornecida pelo feixe ao paciente (13). O Kerma no Ar
Cumulativo (CAK) também é bastante utilizado, sendo o Kerma calculado para o ponto de
referência intervencionista (localizado ao longo do feixe central a uma distância de 15cm do
isocentro, da direção do ponto focal (14,15)). Este parâmetro não considera o
retroespalhamento do paciente.

Em auxílio para a monitoração dos níveis de exposição dos pacientes, os Níveis de


Referência Diagnóstica foram desenvolvidos, sendo considerados os valores de referência de
dose visando a menor dose possível sem comprometimento do diagnóstico médico e
podendo ser determinados de acordo com o(s) equipamento(s), região geográfica ou faixa
etária. Para o estabelecimento dos NRDs é recomendado utilizar o KAP (ou DAP) (16).
Exemplos de NRDs de acordo com o país e o tipo de procedimento são mostrados na tabela
abaixo (17):

Tabela 2: NRD para três países desenvolvidos.


Procedimento DAP (mGy.cm2) Referência
29 Reino Unido
Angiografia Coronária ou Cateterismo (CAT) 60 Alemanha
80 Suíça
Angioplastia Coronária Transluminal Percutânea (ACTP) 50 Reino Unido
Informações retiradas da tabela 7 do artigo National reference doses for common radiographic, fluoroscopic
and dental X-ray examinations in the UK (18) referentes a procedimentos comuns no meio da hemodinâmica.

Procedimentos com parâmetros abaixo dos limites podem ser alcançados na rotina,
porém é necessário um esforço de todos os envolvidos, contando com boas práticas, tais
como as listadas a seguir:

- Sempre que possível, manter o detector o mais próximo possível do paciente,


enquanto o tubo de raios X deve ser mantido mais afastado possível;
- Sempre que possível, evitar posições abruptas oblíquas e laterais do gantry;
- Buscar utilizar a fluoroscopia pulsada em baixa taxa de dose, se disponível;
- Procurar utilizar a colimação corretamente;
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- Tentar utilizar o mecanismo de magnificação somente quando necessário, uma vez


que este produz alta taxa de dose na entrada da pele do paciente;
- Limitar o número de imagens obtidas ao número necessário para o procedimento
intervencionista ou diagnóstico;
- Buscar diminuir o tempo de fluoroscopia;
- Monitorar a dose entregue ao paciente.

Mais procedimentos para otimização podem ser feitos e devem ser repassados aos
profissionais através de treinamentos periódicos das equipes. Esses treinamentos devem ser
ministrados por profissionais com a adequada qualificação e que busquem constantemente
a atualização das equipes quanto a metodologias e informações nacionais e internacionais
(4). Esses treinamentos devem se estender não só aos profissionais das equipes de
hemodinâmica, mas também aos médicos que participam da assistência dos pacientes
quando desenvolvem os efeitos determinísticos, tais como dermatologistas e clínicos gerais.
(8). Recomendações acerca do treinamento de profissionais podem ser encontradas em
documentos como o Education and training in radiological protection for diagnostic and
interventional procedures (18) e o Radiological protection in fluoroscopically guided
procedures performed outside the imaging department – ICRP 117 (4), entre outros.

Consoante a extensa revisão de literatura realizada nota-se a relevância em se iniciar


os procedimentos de monitoramento de dose, acompanhamento de pacientes e realização
de treinamentos constantes para as equipes. Tais aprimoramentos trarão um retorno
extremamente positivo, não só para os pacientes, como também para as equipes médicas e
ainda para a sociedade. É de suma magnitude a participação devido à existência de lacunas
de informação referentes aos procedimentos realizados no Brasil e às NRDs locais.

Referências

(1) IAEA. International Atomic Energy Agency, Radiation Protection of Patients.


Fluoroscopy. Disponível em
https://rpop.iaea.org/RPOP/RPoP/Content/InformationFor/HealthProfessionals/1_
Rad iology/Fluoroscopy.htm#FluorFAQ09.
(2) VALENTIN, J. The 2007 recommendations of the international commission on
radiological protection. International Commission on Radiological Protection:
Elsevier, 2008.IAEA-TECDOC-1641. “Patient Dose Optimization in Fluoroscopically
Guided Interventional Procedures: final report of a coordinated research project”
2010.
(3) IAEA. Patient Dose Optimization in Fluoroscopically Guided Interventional
Procedures: final report of a coordinated research project. IAEA-TECDOC-1641.
2010.
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(4) ICRP, 2010. Radiological Protection in Fluoroscopically Guided Procedures


Performed Outside the Imaging Department. ICRP Publication 117. Ann. ICRP 40(6).
(5) SCHAUER, D. A.; LINTON, O. W. NCRP report No. 160, ionizing radiation exposure of
the population of the United States, medical exposure—are we doing less with
more, and is there a role for health physicists?. Health physics, v. 97, n. 1, p. 1-5,
2009.
(6) IAEA. RPOP. Retrospective evaluation of lens injuries and dose study. International
Commission on Radiological Protection. Disponível em:
https://www.iaea.org/resources/rpop/resources/relid-study.
(7) IAEA. RPOP. Information System on Occupational Exposure in Medicine, Industry
and Research. IAEA Working Group on Inter-ventional Cardiology (WGIC) Disponível
em: https://www.iaea.org/resources/rpop/resources/databases-and-learning-
systems/isemir-ic.
(8) IAEA. Safety in Radiological Procedures. Disponível em:
https://rpop.iaea.org/safrad/.
(9) ZOETELIEF, J.; FAULKNER, K. Safety and efficacy for new techniques and imaging
using new equipment to support European legislation: an EU coordination
action. Radiation protection dosimetry, v. 131, n. 1, p. 110-116, 2008.
(10) EURATOM. Optimization of Radiation Protection for Medical staff. 7th EU
Framework Programme, Euratom programme for nuclear research and training.
Disponivel em: http://www.oramed-fp7.eu/.
(11) VANO, Eliseo. Reduction of exposure of patients and staff to radiation during
fluoroscopically guided interventional procedures. Current Radiology Reports, v. 1,
n. 1, p. 11-22, 2013.Joint position statement on the IAEA patient radiation exposure
tracking. https://rpop.iaea.org/RPOP/RPoP/Content/News/position- statement-
IAEA-exposure-tracking.htm.
(12) IAEA. Joint position statement on the IAEA patient radiation exposure tracking.
Disponível em: https://www.iaea.org/sites/default/files/documents/rpop/iaea-
smart-card-position-statement.pdf.
(13) STECKER, Michael S. et al. Guidelines for patient radiation dose
management. Journal of Vascular and Interventional Radiology, v. 20, n. 7, p. S263-
S273, 2009.International Electrotechnical Commission. Report 60601: medical
electrical equipment – part 2-43: particular requirements for the safety of x-ray
equipment for interventional procedures. Geneva, Switzerland: IEC, 2000; 60601-2-
43.
(14) International Electrotechnical Commission. Report 60601: medical electrical
equipment – part 2-43: particular requirements for the safety of x-ray equipment
for interventional procedures. Geneva, Switzerland: IEC, 2000; 60601-2-43.
(15) U.S. Food and Drug Administration. Performance standards for ionizing radiation
emitting products: Section 1020.32 — Fluoroscopic equipment. Department of
Health and Human Services, Center for Devices and Radiological Health.
Radiological Health: Part 1020. Disponível em:
https://www.accessdata.fda.gov/scripts/cdrh/cfdocs/cfcfr/CFRSearch.cfm?FR=1020
.30.
(16) VAÑÓ, E. et al. ICRP Publication 135: Diagnostic Reference Levels in Medical
Imaging. Annals of the ICRP, v. 46, n. 1, p. 1-144, 2017.
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(17) HART, D.; HILLIER, M. C.; WALL, B. F. National reference doses for common
radiographic, fluoroscopic and dental X-ray examinations in the UK. The British
journal of radiology, v. 82, n. 973, p. 1-12, 2009.
(18) VAÑO, E. Education and training in radiological protection for diagnostic and
interventional procedures. International Commission on Radiological Protection,
2009.

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