Você está na página 1de 4

Folkcomunicação nas transformações tecnológicas e midiáticas contemporâneas

Introdução:
A folkcomunicação possui uma singularidade relacionada a sua configuração, teórica e
envolvida em uma situação de tática das manifestações populares, modificadas pelo processo de
transformação tecnológica e midiática, ocorrendo uma aproximação entre a precariedade social e
o consumo de novas tecnologias.
Ela encontra-se no meio das Ciências da comunicação e reflete a condição de
desigualdade econômica e diferenciações culturais no Brasil. Assim, Beltrão analisa a
coexistência de mundos simbólicos distintos ao longo do território, focando no modo como as
camadas marginalizadas desenvolvem processos de comunicação. Ainda, pode-se afirmar que
essas dinâmicas comunicacionais nas práticas culturais caracterizam a folkcomunicação como
tendo sua base heterogênea e modificada com a modernização brasileira e midiática, que afeta
as mais diversas produções e práticas do folclore, que levam práticas tradicionais para o meio da
cultura urbana e, como consequência, exige uma série de contínuas pesquisas sobre o tema.
Em relação a categoria mídia, há um embate quanto a perspectiva da folkcomunicação,
que se torna mais complexa, baseada em dois motivos: considera que essa categoria deve
atenção às práticas culturais, não necessariamente midiatizadas, considerando a midiatização
como processo, mas não se restringe a epistemologia da tecnologia midiática, com seus modelos
de pesquisa em que comunicação se tornou sinônimo de modernização ou de relações
necessariamente midiatizadas. Além disso, a folkcomunicação também se apresenta
contemporânea às transformações tecnológicas, pois as tradições ganham novas dimensões
simbólicas e podem ser difundidas pela mídia no geral e passa a ponderar o lugar dela em meio
as referências de modernização como ideologia, no processo de consumo capitalista.
Folkcomunicação: variáveis históricas e condições de emergência de um pensamento
comunicacional:
Luiz Beltrão tem como base histórica, as condições socioeconômicas, políticas e culturais
do Brasil na segunda metade do século XX. Ele investigou práticas folclóricas que transitavam
para a cultura popular e sua marginalidade simbólica. Além disso, do ponto de vista político,
notava uma injustiça social, em que poucos tinham demasiado e muitos ficavam em penúria
intelectual, cultural, social e moral, assim ele popôs uma abertura socializante que tornaria essas
classes como participantes efetivos, a fim de terem benefícios do desenvolvimento.
Em uma de suas declarações, Beltrão comenta, com base na obra de Edison Carneiro, que
Edison foi o único homem que percebeu que o folclore não era estático, mas dinâmico e com
isso, verificou que “qualquer manifestação popular estava ligada ao povo, porque o povo não
tinha meios, ele utilizava os meios que lhes davam” (BELTRÃO, 2004, p.115), desse modo, as
dinâmicas folclóricas são recursos que camadas populares usam para entretenimento, promoção
e educação.
Os estudos de Beltrão consistiram em ir além do funcionalismo sociológico e marcaram o
pensamento comunicacional em um país industrializado em processo de modernização, embora
ainda com uma sociedade em condições precárias. E como forma de expressão e reinvindicação,
define-se que “Folkcomunicação é, assim, o processo de intercâmbio de informações e
manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta
ou indiretamente ao folclore” (BELTRÃO, 2001, p.79).
Três variáveis históricas (desigualdade econômica, diferenças socioculturais e
transformações midiáticas e tecnológicas) são consideradas em sua simultaneidade e supõe-se
barreiras entre produção e bens simbólicos no sentido da comunicação. Ainda deve-se considerar
dois fatores na folkcomunicação: as expressões populares se difundem com a comunicação de
massa e se produzem a medida em que são mediadas e reinterpretadas e a ênfase na
manifestação artesanal, pois mensagens são passadas por canais familiares à audiência. A partir
disso, registra-se a inovação de Luiz Beltrão, que passa a trazer uma noção de mídia se
aproximando de artefatos da cultura como condição de expressão que veicula informação.
Beltrão considera as comunicações a partir de manifestações folclóricas e da cultura
popular e afirma que essas expressões não são o processo comunicacional eficiente, mas a
busca de uma expressividade possível, que se torna uma demanda, pois os modernos meios de
comunicação não necessariamente contemplam todo o cotidiano da produção de informação, por
mais que em questões midiáticas, o communication research ainda demonstre uma hegemonia,
estudos apontam uma mídia além da modernidade e ferramentas tecnológicas, de modo que
pode ser exemplificado pela própria sociedade brasileira, que no processo de transformação do
ambiente socio étnico no espaço urbano, as camadas pobres ainda contribuíram nas
transformações populares urbanas e evidenciaram os usos a cultura como expressão, até o ponto
rem que a cultura passa a ser meio em frente a processos de produção com sentido
comunicacional, assim concebendo-se uma dinâmica socioeconômica complexa quanto aos
fluxos de informação e produção de sentido.
Transformações tecnológicas e usos populares das mídias digitais:
Na transição do século XX para o XXI, diversos grupos sociais ligados ao folclore e cultura
popular urbana passaram a relacionar-se não apenas com meios de comunicação de massa,
como também utilizar tecnologias digitais de comunicação, além da comunicação social, assim
tornando ainda mais difuso o conceito de mídia, a media que evidencia práticas novas, como no
audiovisual, com produção de vídeos caseiros que ilustram e propagam valores culturais, mas
sem relação com a estética da indústria do entretenimento. Para essa produção digital, as
câmeras portáteis podem ser obtidas facilmente em um comercio informal (“camelô”), assim tendo
um fácil acesso com consumidores crescentes.
Mesmo com essa evolução, as camadas populares ainda enfrentam com o julgamento
preconceituoso, pois há uma crença de que os trabalhadores, principalmente os mais pobres,
deveriam lidar apenas com necessidades básicas, sendo o consumo de equipamentos
audiovisuais, um excedente desnecessário, visto os índices de precariedade social. Nos dias de
hoje, ainda há um forte preconceito, mas dentro de periferias, por exemplo, nem todos possuem
acesso, sendo ainda um número minoritário com celulares, televisão e internet de banda larga,
pois é algo muito recente e esses bens não são supérfluos, como também podem acrescentar na
vida dessas pessoas, com acúmulo de informações e formas de estudo e trabalho facilitados.
Assim como afirma Beltrão (2004), continuar acreditando que a “população menos culta aceite
princípios e normas de mudança social, adote novas maneiras de trabalhar, de agir, de divertir-se,
um outro modo de crer e decidir”, pois deve-se analisar todo o contexto socioeconômico
envolvido.
Assim, no processo econômico, o uso dos dispositivos midiáticos, redefine uma condição
tática e sobrevivência, que se relaciona com a produção, circulação e consumo de informações
no atual estágio de modernização brasileira. Com isso, a população, antes rural, reinventa-se nas
cidades, criando novas condições de economia e símbolos. E a partir do século XXI, no Brasil,
emerge a identidade de classe média, que alteraram o perfil das classes C e D, com a maior
acessibilidade a recursos, como no caso da classe C, com celulares, internet e computadores
dentro dos padrões de consumo.
A experiência urbana sugere uma atualização no conceito de folkcomunicação, pois a
cultura popular refere-se propriamente a transformação, embora o folclore já fosse também
considerado dinâmico, mas as nuances entre os dois, tornam-se relevantes com o
atravessamento do capitalismo na América Latina e mudanças culturais no Brasil, assim a nova
perspectiva sugere repensar as culturas tradicionais em meio a esse processo de consumo
tecnológico e midiático no capitalismo e as diferenças culturais passam a ganhar uma simbologia
e direcionar o econômico e outras questões, como considerar a transição de memórias populares
enquanto modificadas no desenvolvimento capitalista e a questão do consumo tecnológico com
material de produção simbólica.
Folkcomunicação e consumo tecnológico no capitalismo tardio:
O consumo de novas tecnologias digitais encontra-se em expansão, avançando por
regiões potencialmente consumidora, partindo de países centrais para os mais periféricos, desde
a metade do século XX, sendo conhecido como capitalismo tardio. Na medida em que a produção
de informações tem relações diretas com o consumo de equipamentos digitais, o campo de
recepção demanda a produção simultânea de informações e as práticas comunicacionais ganham
nova dinâmica nas condições tecnológicas da cibercultura. Essa nova condição ganha mais poder
na atualidade a medida em que amplas faixas populacionais de países emergentes passam a ter
a abertura de novos mercados com nichos de consumo específicos, como no Brasil.
Além do mercado audiovisual, há uma massificação geral do consumo de equipamentos
digitais, que passam a ser oferecidos também em programas televisivos, principalmente na TV
aberta, com ofertas que abrangem um público maior, a partir, por exemplo, da possibilidade de
parcelar uma compra para vários meses, pois algo de R$900,00 que seria inviável comprar a vista
pode ser dividido em 10 ou mais vezes. Há uma nova forma de consumo de produtos
tecnológicos e é a inclusão digital que começa a existir nesse cenário de capitalismo tardio, que
busca a reinvenção constante dos diversos processos de consumo.
O impacto da mídia também deve ser reavaliado, pois não se restringe a um impacto no
comportamento, como também nos modos de produção e circulação cultural da massa
populacional, assim a produção de sites e blogs, documentários e outros meios evidenciam a
influencia da internet no meio. É justamente o consumo das tecnologias midiáticas que mudam a
perspectiva da modernização de práticas sociais e de consumo, ainda mais porque,
historicamente, o consumo ganhou uma relevância após a Segunda Guerra mundial,
relacionando-se aos interesses de formação de mercado global, de modo que a folkcomunicação
remete a um imaginário social onde o desenvolvimento capitalista se mistura a expressões
folclóricas e populares, com valor simbólico e econômico, em meio a sociedade de consumo.
Nas contradições capitalistas, nota-se que a cultura científica de países desenvolvidos
passa a depender de condições midiáticas da cultura de países emergentes, como o Brasil e a
cultura popular indica uma condição contemporânea além da modernidade e se reproduz de
forma multilinear, enquanto isso, a comunicação torna-se uma refém da meio midiático na
experiência moderna, em que se condiciona veiculação e visibilidade. Assim, na comunicação de
massa, grande parte da visibilidade social dependia do filtro midiático e ainda nos dias de hoje,
isso acontece com as mais distintas manifestações culturais, que se veiculam por diversos
suportes de mídias digitais e se constroem na prática social. Desse modo, a folkcomunicação
atualiza-se como modelo teórico que começa em 1960 e se expande até as primeiras décadas do
século XXI, enfatizando o valor simbólico da produção cultural e táticas populares de produção e
circulação em novas narrativas.
Considerações finais:
A cultura contemporânea tem suscitado em uma extensa universalidade, desembocando
em representações de todas as formas culturais, assim a midiatização das culturas em geral
passa a reduzir culturas às práticas e modelos vigentes em um momento histórico. E nesse
sentido, a cultura se torna refém dessas práticas comunicacionais, pois só se evidencia conforma
se torna uma cultura midiatizada. Assim, a relação entre cultura e comunicação sugere considerar
pelo menos duas questões nas Ciências da comunicação: o fato de que as práticas
comunicacionais precisam passar por aparatos tecnológicos e a moderna comunicação se
atualiza nos dispositivos de produção capitalista, se transformando em uma categoria dependente
desses processos comunicacionais.
Desse modo, a folkcomunicação também se transforma com a modernização, buscando
produzir sentido como demanda social e na interface entre comunicação e cultura, deve-se
perceber o modo como as memórias do passado resistem e insistem em projeção para o futuro,
passando as informações pelo tempo.
Referências bibliográficas:
GUSHIKEN, Yuji. Folkcomunicação nas transformações tecnológicas e midiáticas
contemporâneas. Revista Mídia e Cotidiano, Volume 15, Número 1, jan./abr. de 2021.
Rio de Janeiro (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. Folkcomunicação – a mídia
dos excluídos / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: — Rio de Janeiro: A Secretaria, 2007.
114p.: il.— (Cadernos da Comunicação. Estudos; v. 17)

Você também pode gostar