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CENTRO DE ESTUDOS DA ARQUIDIOCESE DE RIBEIRÃO PRETO

GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

HISTÓRIA DA IGREJA MEDIEVAL

JOÃO GABRIEL DA CRUZ ANDRADE

INTRODUÇÃO

O Cisma do Ocidente (1378 - 1417) é um período complexo da Igreja


Católica que, diferente de outros cismas que ocorreram em sua história, é
impulsionado por motivações politicas e não dogmáticas. Assim resgatar esse
conturbado evento é colocar o olhar principalmente sobre o cenário político da
Europa nos séculos XIV e XV.

Os conflitos políticos entre Igreja e alguns reinados europeus começam


a se intensificar a no final do século XIII e inicio do XIV. Desta forma, antes de
se falar propriamente do cisma do Oriente é preciso se contextualizar dois
acontecimentos importantes e interligados, o conflito do papa Bonifácio VIII
com o rei Filipe IV e o cativeiro em Avignon de 1309 a 1377.

CISMA DO OCIDENTE

Em 1294 São Clemente V, que ficou como papa por alguns meses,
renuncia ao papado por preferir viver a vida monacal e é sucedido por
Bonifácio VIII. O papa Bonifácio VIII, papa entre 1294 e 1303, tinha como
modelo a figura de um papa imperador do mundo, de forma que interferiu em
todos os conflitos políticos europeus de sua época, sendo derrotado em todos.
Umas das grandes figuras monárquicas do período era o ambicioso e hábil
politicamente, Filipe IV o Belo, com o qual o papa Bonifácio VIII também tentou
competir.

A França estava em guerra contra a Inglaterra, conflitos que levariam a


conhecida guerra dos cem anos. Então Filipe IV, necessitado de dinheiro,
decidiu impor tributos ao clero - O rei Filipe IV, alguns anos depois, pelos
mesmos motivos, também seria o responsável pelo fim da conhecida Ordem
dos Templários - . O papa Bonifácio VIII protestou contra tal medida, e Filipe IV
respondeu proibindo ao clero que enviasse dinheiro a Roma. O conflito levou a
uma negociação diplomática, na qual se resolveu que o rei deveria pedir
dinheiro diretamente ao papa, que por sua vez aconselharia ao clero francês
para que entregasse ao rei. Tal acordo manifestava a preocupação de que o
papa Bonifácio VIII tinha de controle, sendo que este, se sentindo vitorioso,
canonizou o avô do rei Filipe IV, Luiz IX, e convocou também o primeiro ano
santo em 1300.

Porém o papa Bonifácio VIII nomeou como cardeal um inimigo do rei


Filipe IV, que se vinga convocando um concilio acusando o papa de heresia e
simonia. O papa prepara a bula de excomunhão e deposição de Filipe IV,
porém, no dia anterior de sua publicação, é abordado em sua residência papal
por capangas do rei, que auxiliados por dois cardeais corruptos, o prendem
para leva-lo à França. O papa acaba sendo libertado, porém o fato mostra a
revolta de um rei católico que se levanta contra o papa com sucesso, marcando
assim o fim da supremacia pontifícia. Um mês após a investida de Filipe IV,
abatido fisicamente e moralmente o papa Bonifácio VIII falece.

Em 1305 foi eleito o papa Clemente V, este era francês e preferiu ser
coroado em Lion ao invés de Roma. A cidade de Roma se encontrava abalada
por disputas entre as famílias nobres. O papa não se sentindo mais seguro em
Roma, decide se mudar para Avignon na França em 1309, dando inicio ao que
ficou conhecido como “cativeiro de Avignon”. Com Clemente V se inicia um
período onde a Igreja passa por sete papas residentes em Avgnon, todos
franceses, com um colégio cardinalício majoritariamente francês. Tal fato fez
com que universalidade papal decaísse, pois este passa a ser visto como
subjugado do rei da França. Os pedidos por reformas na Igreja aumentam, as
excomunhões passam a serem usadas cada vez mais por motivos políticos, de
forma que a Alemanha fica em excomunhão por vinte anos, como também
vários bispos, arcebispos e patriarcas.

Tal cenário faz com que a Igreja clame novamente pela universalidade
que simboliza figura do papa em Roma. Uma das grandes propulsoras do
projeto de se levar o papa novamente para Roma, é a doutora da Igreja Santa
Catarina de Sena, que escreve ao papa suplicando energicamente seu
regresso à Roma. Em 1367 o papa Urbano V regressa a Roma, porém com os
conflitos por dominação política que ocorriam na cidade, acaba fugindo
novamente para a França. Seu sucessor Gregório XI, papa entre 1370 e 1378,
retorna a Roma em 1377 e faz do Vaticano a residência papal.

Em 1378 Urbano VI sucede Gregório XI como papa. O Papa Urbano VI


era virtuoso e violento, sendo desde a movimentada eleição, um grande crítico
ao estilo de vida pecaminoso de alguns cardeais. Entre os cardeais criticados
estava o cardeal Amiens, homem de confiança do rei da França Carlos V.
Forma-se então um grupo, ligados ao cardeal Amiens e à França, que
questiona a legitimidade da eleição do papa Urbano VI. Em Fondi, elege-se
então o cardeal Roberto de Genebra, fiel à causa francesa, como papa com o
nome de Clemente VII, dando início ao período histórico que ficou conhecido
como grande cisma do Ocidente.

Neste período a autoridade do papa estava enfraquecida pelos


acontecimentos anteriores, por movimentos nacionalistas, e pelos interesses
políticos, de forma que o papa Urbano VI não conseguia extinguir com sua
autoridade a presença de um anti papa, como o fizeram muitos de seus
predecessores. Porém a ameaça do uso de armas levou Clemente VII a recuar
para Avignon, onde passou a residir.

Ocorreu então uma grande divisão entre os fiéis católicos. Entre os que
reconheciam Urbano VI como papa estava o imperador, a Inglaterra, a Itália
com exceção de Nápoles, Alemanha, Boêmia, Polônia, Flandes e Portugal. E,
França, Espanha, Escócia, e mais tarde Castela, Aragão e Navarra
reconheciam a Clemente VII como legítimo papa. A confusão entre os fiéis
católicos era grande, pois havia um papa em Roma e um em Avgnon, que fora
a residência do papa nos últimos anos. Até mesmo entre os reconhecidos
como santos deste período não escaparam da confusão causada pela
presença de dois papas. Santa Catarina de Sena apoiava Urbano VI, já São
Vicente Ferrer via em Clemente VII o legitimo papa.

Em 1389 Urbano VI falece e é sucedido pelo jovem papa Bonifácio IX


(1389 - 1404). A Igreja se encontrava perturbada pelas duas figuras que
distribuíam favores espirituais para seus partidários e excomunhões para os
adversários. A morte de Clemente VII em 1394 sugeria uma solução fácil para
o cisma, porém os cardeais franceses elegeram um sucessor para o papa de
Avignon, o cardeal Pedro de Luna, que assumiu o nome de Bento XIII.

Bonifácio IX é sucedido por Inocêncio VII. Bento XIII o excomunga,


porém o papa Inocêncio VII, papa entre 1404 e 1406, manifesta a vontade de
convocar um concílio para dar fim ao cisma. Entretanto, Inocêncio VII falece e é
sucedido por Gregório XII (papa entre 1406 e 1415). Passa-se haver um clima
propenso a reconciliação que era clamada por todos os fiéis católicos. Em 1407
pensa-se em marcar um encontro em Savona, porém nenhum dos dois lados
chega a concretizar o diálogo ambos voltando atrás durante a viagem para o
encontro.

Diante tal situação, oito cardeais romanos, inconformados com o


cenário, fugiram para Pisa, para onde também se dirigiram sete cardeais de
Avignon. Ali se realizou o que ficou conhecido como concilio de Pisa em 1409,
que depôs os dois papas e elegeu o papa Alexandre V, que acabou falecendo
dez meses após sua eleição, sendo substituído por João XXIIII. Porém nem o
papa Inocêncio VII nem Bento XIII se dispuseram a abdicar e reconhecer a
João XXIII. Assim a cristandade passou a ter “três papas”: o papa de Roma, o
papa de Avignon e o papa de Pisa.

O então imperador Segismundo, rei de Roma, impõe a João XXIII a


convocação de um concílio ecuménico em Constança, que teria como objetivo
dar um fim ao Cisma que se alastrava pela Europa. O concílio tomou como
primeira postura convidar o papa de Pisa João XXIII a abdicar. João XXIII se
recusa e abandona o concilio. Então o concílio promulga um decreto – o
Sacrosancta de 1415 – no qual clama para si a instância suprema da Igreja
Católica, afirmando que este tem uma autoridade recebida diretamente de
Cristo, de forma que poderia submeter a todos os poderes, inclusive o do papa,
nas questões de fé e referente ao Cisma e à reforma da Igreja.

João XXIII, ao abandonar o concílio é tido como fugitivo, e acaba sendo


preso em Friburgo, onde é oficialmente deposto pelo concílio. Gregório XII
demitiu-se espontaneamente, e Bento XIII, que viria a morrer centenário, é
também deposto pelo concílio. O que permitiu então à eleição de um novo
papa em 1417, que assumiu o nome de Martinho V. A figura de Martinho V,
que governou como papa de 1417 a 1431, marca então fim do Grande Cisma
do Ocidente, que durou ao todo quase quarenta anos.

O concílio de Constância consegue então que Martinho V seja um papa


universalmente reconhecido. Nos anos seguintes outras figuras de anti papas
surgem como Clemente VIII de 1423 a 1429 e Felix V de 1439 a 1449, porém
sem a força cismática dos anteriores, sendo que o ultimo anti papa, Felix V,
faleceu já sem nenhum apoio expressivo. Vale lembrar também que o
movimento conciliarista ganha força no governo da Igreja, garantindo também o
reconhecimento universal do bispo de Roma como papa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Cisma do Ocidente é impulsionado principalmente por motivações


políticas. O conturbado período de quarenta anos, marcado pela presença de
mais de um papa, trouce consigo consequências politicas e econômicas para a
Europa. Porém além disso também causou um dano espiritual à cristandade. O
confronto à figura do papa por parte de monarcas católicos, iniciado no
pontificado de Bonifácio VIII mostra uma secularização da figura do papa. A
confusão causada aos fiéis que também ficam sem saber quem é a figura do
papa, sumo pontífice e maior referencia espiritual até então, faz com que se
desgaste a autoridade deste e da própria Igreja Católica. Os intensos pedidos
de reforma, a distribuição de excomunhões por razões políticas e os interesses
econômicos por parte do alto clero, também levarão a um maior
questionamento das autoridades que dirigem a Igreja Católica. Vale lembrar
que tais acontecimentos também se ligam ao início de uma nova era na
humanidade, de forma que alguns historiadores relacionam a morte de
Bonifácio VIII com a morte da própria Idade Média. Esse novo período histórico
europeu trará consequentemente novos pensamentos, e no âmbito da fé, no
século XV o início da reforma protestante de Lutero.

Desta forma percebe-se que a análise do cisma do Ocidente ajuda a


compreender a crise pela qual a Igreja passará com o advento do renascimento
e da modernidade. Marca também o fato de que após o cisma do Ocidente a
Igreja nunca mais conseguirá de forma plena estender sua autoridade por toda
a Europa, e a voz do papa não será mais universalmente ouvida por toda a
cristandade como era no medievo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BESEN, José Artulino Besen. HISTÓRIA DA IGREJA: Da idade apostólica aos


nossos tempos. Florianópolis: Mundo e Missão, 2012.

PIERRARD, Pierre. HISTÓRIA DA IGREJA. São Paulo: Paulus, 1982.

VERDETE, Carlos. HISTÓRIA DA IGREJA CATÓLICA VOLUME II: Do Cisma


do Oriente (1054) até ao fim do século XIX. São Paulo: Paulus Editora, 2009.

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