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A dimensão social da sustentabilidade

 14:00 - 13 Março, 2017

 por Lis Cavalcante

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Usuário Flickr Alan Levine, licença Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0)

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É possível notar que o uso da palavra “sustentabilidade” em projetos - de qualquer natureza -


tem perdido credibilidade e significado nos último anos, tanto pela grande abrangência de sua
definição quanto pela superficialidade de sua aplicação. No entanto, projetos arquitetônicos e
urbanos sustentáveis são sim necessários e vão além do uso de produtos certificados ou
energia renovável. Eles devem tocar igualmente os três pilares que definem o conceito de
sustentabilidade: o ambiental, o econômico e o social. Dentre eles, o último é o menos visado,
talvez pela dificuldade da aplicação de métricas, talvez pelo resultado vir a longo prazo, mas
sua importância é fundamental para a obtenção de um projeto verdadeiramente sustentável.

Sustentabilidade como ferramenta de marketing: o “greenwashing”

Foi na Conferência de Estocolmo, organizada pela ONU em 1972, que iniciou-se a discussão da
degradação ambiental como problema global, reconhecendo a necessária busca por um
desenvolvimento econômico mais equilibrado, que respeitasse os recursos naturais do
planeta. Mais tarde, o conceito de desenvolvimento sustentável foi formalizado a partir
do Relatório Brundtland, em 1987, com a definição clássica de desenvolvimento sustentável
como “o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações”.

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Bonito - MS.. Image © Lis Cavalcante

Em 1992, um novo encontro mundial aconteceu no Rio de Janeiro, a ECO-92, cujo principal
documento produzido foi a Agenda 21, que estabeleceu a importância de cada país a se
comprometer com a um novo padrão de desenvolvimento, refletindo sobre os problemas
socioambientais. A partir daí, inúmeras iniciativas foram sendo criadas nas últimas décadas,
além de diversas conferências, certificações, produtos, tecnologias, etc.

No entanto, é necessário tomar cuidado com produtos e ações “verdes” que se dizem
responsáveis ambientalmente, mas que no fundo não passam de ferramentas de marketing
para alavancar vendas ou justificar práticas irresponsáveis. Greenwashing, portanto, é o termo
em inglês que descreve o ato de induzir consumidores a acreditarem nas práticas ambientais
de uma empresa ou nos benefícios ambientais de um produto ou serviço de forma errônea.

Um exemplo clássico foi o caso da empresa Mobil Chemical, que lançou sacolas
“biodegradáveis” que na verdade se comportavam como sacolas comuns, não sendo
decompostas se jogadas em aterros sanitários, somente quando deixadas no sol, e ainda assim
eram apenas reduzidas a pedaços menores de plástico. O próprio porta-voz da empresa
admitiu que a tal biodegradabilidade era nada mais que uma ferramenta de marketing para
vender mais sacolas.

No ramo da construção civil não é diferente: quantos empreendimentos imobiliários vendidos


como “verdes” estão inseridos em APPs (Áreas de Preservação Ambiental), impactando os
recursos naturais circundantes? E quantos pouco levam em consideração os condicionantes
sociais?

O fator humano da sustentabilidade

Como dito anteriormente, “sustentabilidade” é definida por três dimensões: a ambiental, a


econômica e a social e, para ser “verdadeiramente” sustentável, é necessário olhar para os
três aspectos. Na literatura especializada, são inúmeros os estudos centrados na dimensão
ambiental, buscando soluções para reduzir o impacto ambiental das mais diversas atividades,
assim como a dimensão econômica, com estudos extensos sobre tecnologias e estratégias para
redução de custos com energia ou e/ou operações.

No entanto, a dimensão social é uma das menos exploradas, é a mais difícil de medir e está
geralmente atrelada às dimensões econômicas e ambientais - a sociedade como uma ameaça
aos recursos naturais ou o ser humano como objeto do aumento da produtividade para
redução de custos.

Autores como Magis e Shinn (2008) afirmam que a sociedade deve ser sustentada por direito
próprio e, por isso, a sustentabilidade social tem papel fundamental na sustentabilidade como
um todo, uma vez que são os seres humanos, individual ou coletivamente, que irão determinar
níveis de bem-estar econômico ou ambiental. Para Larsen (2008), sustentabilidade deve
pensar primeiro nas pessoas, como elas fazem suas escolhas e suas respectivas consequências.

Esses autores também apontam que há quatro condições principais que apoiam o bem-estar
social e, consequentemente, a sustentabilidade social. Essas condições possibilitam a criação
de movimentos que equilibram interesses múltiplos e diversos, guiam políticas e encorajam a
resiliência:

 o bem-estar humano (suprimento das necessidades básicas e segurança),

 a igualdade (garantia de um compartilhamento igualitário dos benefícios e custos da


sociedade)

 o governo democrático (governança orientada à população) e

 a sociedade civil democrática (empoderamento da população para participar do


processo democrático).

O caminho a partir da interdisciplinaridade

Dessa forma, o papel da interdisciplinaridade torna-se ainda maior quando abraçamos a


dimensão social da sustentabilidade, uma vez que o bem-estar humano depende de condições
culturais, econômicas, sociais, ambientais e políticas. É necessário criar políticas urbanas que
promovam a interação social e a participação pública na tomada de decisões, tornando
comunidades entes vivos, coesos e integrados; encorajar a colaboração entre os diversos
atores para a resolução de problemas; oferecer acesso aos serviços básicos, ao espaço público
de qualidade, ao emprego, saúde, etc.

Portanto, sustentabilidade não se reduz apenas a uma tecnologia “verde” ou a utilização de


materiais reciclados numa praça. É criar a oportunidade para as pessoas prosperarem,
aumentando sua integração social, participação e qualidade de vida. Ir além dos relatórios de
responsabilidade social empresariais e repensar questões éticas centrais de suas operações. A
dimensão social da sustentabilidade não tem a ver com a capacidade do ser humano ser mais
produtivo trabalhando num edifício certificado, mas aumentar seu engajamento cívico e sua
responsabilidade sobre o consumo, suas escolhas e até mesmo suas atitudes.

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REFERÊNCIAS

- MAGIS, Kristen; SHINN, Craig. In: Understanding the Social Dimension of Sustainability.
Emergent Principles of Social Sustainability. Nova York, 2008. p-15- 44.
- LARSEN, Gary L. In: Understanding the Social Dimension of Sustainability. An Inquiry into the
Theoretical Basis of Sustainability. Nova York, 2008. p-45- 81.

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