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Psicologia para o TJSP 2021/22

Professor Alyson Barros


Aula 04
Índice da aula 4
ÍNDICE DA AULA 1 – PARTE 02 ........................................................................................ 1
7) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. RELAÇÕES RACIAIS: REFERÊNCIAS
TÉCNICAS PARA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS/OS. BRASÍLIA: CFP, 2017. ........... 2
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 2
EIXO 1: DIMENSÃO HISTÓRICA, CONCEITUAL, IDEOLÓGICO-POLÍTICA DA
TEMÁTICA RACIAL. .............................................................................................................. 4
EIXO 2: ÂMBITOS DO RACISMO: RACISMO INSTITUCIONAL, INTERPESSOAL E
PESSOAL. ................................................................................................................................. 9
EIXO 3: ENFRENTAMENTO POLÍTICO AO RACISMO: O MOVIMENTO NEGRO ...... 11

24
EIXO 4: PSICOLOGIA E A ÁREA EM FOCO ...................................................................... 12

9:
:5
EIXO 5: ATUAÇÃO DA(O) PSICÓLOGA(O) NA DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO E

00
PROMOÇÃO DA IGUALDADE ........................................................................................... 14

1
02
8) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA A

/2
12
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS(OS) EM VARAS DE FAMÍLIA. BRASÍLIA: CFP, 2019.

6/
................................................................................................................................................. 16

-1
DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DA ÁREA EM FOCO ...................................................................... 16

om
ORIGEM DA PSICOLOGIA JURÍDICA E INSERÇÃO DOS PROFISSIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO 17

l.c
A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NAS AÇÕES JUDICIAIS DE FAMÍLIA ............................................ 20

ai
FORMAÇÃO PARA ATUAÇÃO E GESTÃO DO TRABALHO ........................................................... 30
gm
r@
12) GUIA OPERACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL
le

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ALANA E MPSP, 2020. .......................... 31


el
ez

13) GONÇALVES, A. S.; GUARÁ, I. M. F. R. REDES DE PROTEÇÃO SOCIAL NA


lin
-a

COMUNIDADE: POR UMA NOVA CULTURA DE ARTICULAÇÃO E


COOPERAÇÃO EM REDE. IN: REDES DE PROTEÇÃO SOCIAL. SÃO PAULO:
9
-0

NECA - ASSOCIAÇÃO DOS PESQUISADORES DE NÚCLEOS DE ESTUDOS E


98

PESQUISAS SOBRE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE, 2010. P. 11-29. ................... 46


.1
56

DEMANDAS HETEROGÊNEAS DAS REALIDADES LOCAIS .......................................................... 47


.0

NO CONCEITO DE REDE, AS RELAÇÕES HUMANAS ................................................................... 48


20

REDES PRIMÁRIAS OU DE PROTEÇÃO ESPONTÂNEA................................................................. 53


-3

REDES DE SERVIÇOS SOCIOCOMUNITÁRIOS ............................................................................. 54


za

REDES SOCIAIS MOVIMENTALISTAS ........................................................................................ 55


u
So

REDES SETORIAIS PÚBLICAS .................................................................................................... 56


de

REDE PRIVADA ......................................................................................................................... 56


ra

A INTERCONEXÃO ENTRE AS REDES ........................................................................................ 57


ei
er
rP
lle
Ze
e
in
Al

1
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Aula 04
7) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relações Raciais:
Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os.
Brasília: CFP, 2017.
Disponível em < https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2017/09/relacoes_raciais_baixa.pdf>

Essa obra foi publicada em 2017. É uma obra prima, mas como tornar isso
concursável? É o que veremos agora.

24
Baixe o pdf (é gratuito), leia todo e volte para os pontos principais

9:
apresentados neste pdf e retrabalhados no vídeo.

:5
00
1
02
ATENÇÃO: DISPA-SE DE TODO PRECONCEITO OU JULGAMENTOS E

/2
12
CAPTE O QUE TEM DE BEM NESTE TEXTO PARA O SEU CONCURSO (E PARA

6/
A SUA VIDA)

-1
om
l.c
Objetivo do documento

ai
Explicitar a produção de teorias e que contribuam com a superação do
gm
r@
racismo, do preconceito e das diferentes formas discriminação
le
el
ez

O que é o Racismo?
lin

O racismo tem “sido uma ideologia que opera poderosamente na sociedade


-a

como motor de desigualdades que engendram as precárias condições de


9
-0

existência do povo negro”, configurando-se como uma grave violência


98
.1

estrutural e institucional presente na sociedade brasileira


56
.0
20

INTRODUÇÃO
-3
za

o racismo produz um sofrimento específico, histórico e


u

coletivo que, no Brasil, é vivido principalmente por negros


So

e indígenas
de
ra

É consenso considerar que o racismo é uma ideologia de abrangência ampla,


ei

complexa, sistêmica, violenta, que penetra e participa da cultura, da política, da


er
rP

economia, da ética,..., enfim, da vida subjetiva, vincular, social e institucional das


lle

pessoas. Trata-se de uma estratégia de dominação que estrutura a nação e cada um


Ze

de nós e é pautada na presunção de que existem raças superiores e inferiores.


e
in
Al

Essa primeira definição sobre racismo pode ser usada como base para, de
forma geral, também pensarmos o sexismo e o “classismo”. A diferença é que, em
vez de se pautar na crença de que há raças superiores e inferiores, o sexismo
fundamenta-se no pressuposto ideológico de que há uma identidade de gênero
superior, a do homem heterossexual, e que as demais são inferiores, o que inclui as
mulheres, lésbicas, gays, transexuais, travestis, intersexos, queers, dentre outras; por
sua vez, o “classismo” ou a discriminação de classe tem como lastro a crença de que
em qualquer âmbito da vida os ricos são superiores aos pobres.
Voltando à discussão sobre racismo, naquela escala hierárquica, e em relação
aos diferentes âmbitos da vida, ao grupo racial negro (preto e pardo)

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historicamente tem sido atribuído os lugares mais desqualificados e, ao grupo racial
branco, o topo da hierarquia. Esse escalonamento marca suas identidades e seus
modos de vida, pois, se o topo, portanto, o ideal, está associado à população branca,
ela tem maior probabilidade de constituir-se subjetivamente de forma afirmativa, já
a população negra é comumente assolada por uma luta constante e, às vezes,
inglória, contra o sentimento de inferioridade e, junto com ele, o de culpa por não
corresponder àquele suposto ideal, bem como pelo sentimento de angústia por
persistentemente passar por situações de opressão. Sobre esse aspecto, Sales, um
dos entrevistados de Neusa Souza, mencionou: “Eu sinto o problema racial como uma

24
ferida. É uma coisa que penso e sinto todo tempo. É um negócio que não cicatriza

9:
nunca”

:5
00
[...] há uma representação hegemônica enganosamente positiva quanto à

1
sexualidade de negros e negras, como se fossem os mais potentes. Todavia, trata-se

02
/2
de um estereótipo que aprisiona o(a) negro(a) no campo da sexualidade, do corpo, do

12
biológico e propaga a imagem de que homens negros são tarados e, por isso,

6/
-1
violentos, e as mulheres negras prostitutas. Vê-se que, mesmo naquilo que,

om
aparentemente, poderia parecer uma valorização, há demérito, há discriminação.

l.c
[...]

ai
gm
Estereótipos são generalizações – positivas ou negativas –
r@

socialmente construídas. São fruto de uma percepção social falsa,


le
el

referem-se à submissão ao poder, a uma adoção acrítica de normas e


ez

valores. Levam à fixação de características a todos os indivíduos de um


lin
-a

mesmo grupo, como se um sujeito representasse todo o coletivo ao


9

qual estaria vinculado, seja de raça, de classe, de gênero, de nação etc.


-0
98

(COSTA, 2012). O preconceito racial pode ser definido como o


.1
56

conjunto de pensamentos e sentimentos pejorativos em relação ao


.0

negro, fruto da internalização de representações sociais


20
-3

estereotipadas, levando a percepções deturpadas, com disposição a


za

avaliações, crenças e afetos pré-determinados e negativos. Já a


u
So

discriminação racial se refere a comportamentos de distinção com


de

prejuízo para negros, podendo se manifestar como privação de direitos


ra

ou diferença de tratamento. Logo, racismo, preconceito e


ei
er

discriminação são constituintes imbricados na dinâmica das relações


rP

raciais no Brasil e devem ser considerados como determinantes sociais


lle

das desigualdades e das condições de saúde (Instituto AMMA Psique e


Ze

Negritude, 2008).
e
in
Al

[A grande maioria das pessoas assassinadas por arma de fogo é negra]


[...]

Privilégios simbólicos vividos pela pessoa branca:


Posso estar segura de que meus filhos vão receber matérias
curriculares que testemunham a existência da sua raça.
Se eu usar cheques, cartões de crédito ou dinheiro, posso contar com
a cor da minha pele para não operar contra a aparência e confiança
financeiras.

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Não preciso educar meus filhos para estarem cientes do racismo
sistêmico para a sua própria proteção física diária.
Eu tenho bastante certeza de que, se peço para falar com a “pessoa
responsável”, vou encontrar uma pessoa da minha raça.
Posso voltar para casa da maioria das reuniões das organizações às
quais pertenço e sentir-me mais ou menos conectada, em vez de
isolada, fora de lugar, ser demais, não ouvida, mantida à distância,
ou ser temida.
Posso me preocupar com racismo sem ser vista como
autointeressada ou interesseira. Posso escolher lugares públicos sem

24
ter medo de que pessoas de minha raça não possam entrar ou vão

9:
:5
ser maltratadas nos lugares que escolhi.

00
Posso ter certeza de que, se precisar de assistência jurídica ou

1
02
médica, minha raça não irá agir contra mim

/2
12
6/
EIXO 1: DIMENSÃO HISTÓRICA, CONCEITUAL, IDEOLÓGICO-

-1
om
POLÍTICA DA TEMÁTICA RACIAL.

l.c
O Brasil, última nação das Américas a abolir a escravização, foi o maior país

ai
gm
escravista dos tempos modernos, sendo que o tráfico de escravizados para esta nação
r@

foi responsável pela deportação de cerca de seis milhões de negros(as) da África


le
el

subsaariana.
ez

[...]
lin
-a

No entanto, a despeito das chibatadas e da tentativa de cooptação psíquica,


9

negros e negras arquitetaram formas diversas de resistência à escravização e busca


-0
98

de liberdade. No Brasil, destacaram-se as fugas, revoltas em larga escala, rebeliões,


.1
56

agressões, suicídios, assassinatos, criação de quilombos (Reis, 1983). Foram os negros


.0

e as negras que, desde sempre, atuaram na luta pela liberdade. Inclusive, segundo
20
-3

Alonso (2010), no Brasil, libertos e escravizados participaram do Movimento


za

Abolicionista.
u
So

[...]
de

1.2 Teorias racialistas e racismo


ra

A manutenção da desigualdade política em relação à população


ei
er

negra existe há longa data, no Brasil, desde o escravismo. No entanto, do


rP

ponto de vista científico (e não do fenômeno), as teorias acerca do racismo


lle
Ze

propriamente dito foram elaboradas a partir do século XIX, época em que


e
in

escritos europeus concernentes ao positivismo, ao evolucionismo social e


Al

ao darwinismo social deram aportes para a construção das teorias sobre


raça e, por extensão, acerca do racismo (ou do que ficou conhecido como
racismo científico); ocasião na qual ocorria o fim do sistema escravista nas
Américas e, ao mesmo tempo, estabelecia-se a colonização de diversos
países africanos, momento no qual acontecia, pois, o que se convencionou
chamar de Imperialismo Europeu.

Duas linhas de pensamento europeu de cunho racista se sobressaíram no


Brasil e no mundo. A monogenista cria que havia grupos humanos que evoluíram

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mais do que outros; para os poligenistas, a espécie humana se dividiria em
subespécies biologicamente diferentes, em raças com origens distintas, sendo que
haveria aquelas exclusivamente superiores e outras invariavelmente inferiores
(Schwarcz, 1993; 1996).
No Brasil, Sílvio Romero foi um dos principais defensores da primeira
concepção [monogenista], acreditava na purificação racial do país por meio da
miscigenação entre negros e brancos, notadamente, italianos e alemães. Postulava
que, em função da seleção natural, em um futuro próximo a nação seria composta
basicamente por brancos, ou seja, por civilizados (Munanga, 2004). Raimundo Nina

24
Rodrigues (1933/2008) foi representante do repúdio à miscigenação. Para ele, o

9:
mestiço não deixaria de ser um degenerado, já que o negro (miscigenado ou não) era

:5
00
inegável e invariavelmente inferior. Ele, assim como, Afrânio Peixoto e Arthur Ramos

1
(membros da Escola Nina Rodrigues) foram alguns dos principais pensadores do

02
/2
ideário eugenista e higienista aplicado no Brasil no século XIX e primeira metade do

12
século XX.

6/
-1
[...]

om
Ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo

l.c
definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social

ai
gm
com traços culturais, linguísticos, religiosos etc. que ele considera
r@

naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro modo,


le
el

o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as


ez

características intelectuais e morais de um dado grupo são


lin
-a

consequências diretas de suas características físicas ou biológicas


9
-0
98

O racismo é um dos principais organizadores das desigualdades


.1
56

materiais e simbólicas que há no Brasil. Ele orienta modos de perceber, agir,


.0

interagir e pensar e tem função social específica: a estratificação racial e a


20
-3

perpetuação do privilégio do grupo racial branco, ou seja, por meio de


za

processos econômicos, culturais, políticos e psicológicos, os brancos


u
So

progridem à custa da população negra.


de

[...]
ra

São pressupostos dessa modalidade de dominação:


ei
er

I. A crença na existência da raça biológica,


rP

II. A predominância do grupo sobre o sujeito,


lle
Ze

III. A hierarquia irreversível superiores e inferiores.


e

[...]
in
Al

Do ponto de vista biológico, não há raça. [o conceito de raça é uma construção


social]
[...]
Ainda sobre raça, é preciso diferenciá-la de etnia. Como falar de raça e de
racismo é um tabu, muitas vezes há, no Brasil, a substituição da palavra raça por
etnia, no entanto, há diferenças entre esses conceitos, já que, aqui, raça refere-se à
materialidade do corpo expressa pelo fenótipo, enquanto que etnia diz respeito à
construção simbólico-cultural de elementos que ligam os sujeitos em um mesmo

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grupo, por exemplo, um mito, uma língua, uma religião. Logo, grupos étnicos são
grupos específicos.
[...]
Como não há nenhuma construção sociocultural que unifique o grupo dos
brancos, nem o grupo dos negros ou dos indígenas, não podemos falar em etnia
branca, ou negra ou indígena... O que há em comum entre eles é a ideia construída
socialmente de corpo considerado branco, negro, indígena ou oriental, ou seja, a raça
e as vivências de privilégio de um lado e de exploração do outro. A raça não pressupõe
contato nem união, ela direciona o olhar, é pela percepção que os sujeitos se

24
reconhecem como semelhantes ou diferentes.

9:
:5
00
Entendemos que a discriminação étnica é um desdobramento da

1
02
discriminação racial (e não o contrário). Quando expressividades culturais

/2
e religiosas de negros e indígenas são debeladas, elas são em função do

12
6/
racismo (além da discriminação de classe), já que o racismo implica a

-1
continuidade entre corpo e mente e, por extensão, cultura. Por assim dizer,

om
não há discriminação étnica que não seja também discriminação racial.

l.c
ai
[...]
gm
r@

A identidade racial é uma identidade grupal delineada a partir de traços


le
el

fenotípicos.
ez
lin

[...]
-a

Os grupos raciais são contrastados e excludentes. No Brasil, o sujeito é


9
-0

considerado branco ou indígena ou preto ou oriental. O grupo racial pardo é


98

formado pelos mestiços. Nesse caso, o pardo pode ser visto como a negação dos
.1
56

anteriores ou como a justaposição/síntese entre eles ou alguns deles. Comumente,


.0
20

considera-se pardo aquele que tem ascendência preta miscigenada com um dos
-3

outros grupos raciais, é por isso que o Movimento Negro, pesquisadores da área e
za

institutos de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o


u
So

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Faculdade Latino Americana de


de

Ciências Sociais (Flacso) Brasil, consideram negro uma categoria política composta
ra

por pretos e pardos.


ei
er

[...]
rP

Pessoas brancas pelo simples fato de serem brancas são automaticamente


lle
Ze

vistas como tendo algo a mais, um diferencial. [...] “Ser branco exige pele clara, feições
e

europeias, cabelo liso; ser branco no Brasil é uma função social e implica
in
Al

desempenhar um papel que carrega em si uma certa autoridade ou respeito


automático, permitindo trânsito, eliminando barreiras”.
[...]
III. A hierarquia irreversível entre superiores e inferiores
[...]
Posto isso, é um erro conceitual falar de racismo às avessas ou de racismo
de negro contra branco. Se, para que haja racismo há de haver hierarquia histórica
entre as raças, sabemos que, historicamente, o grupo racial negro não ocupou status
de superioridade em relação ao branco. A exceção não desconfirma a regra, isso é,

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um(a) negro(a) em destaque maior do que um(a) branco(a) não representa
desmantelamento do racismo, pois, ele (o racismo) não diz respeito apenas a uma
experiência singular e afetiva de uma pessoa em relação à outra, trata-se de um
fenômeno que ocorre há longa data e que é concernente à identidade grupal racial.
Igualmente, o conceito de racismo não contempla a possibilidade
de uma pessoa negra ser racista contra outro indivíduo negro, mesmo
considerando que haja no Brasil uma variação significativa no matiz da cor
da pele dos negros (dos mais escuros aos mais claros), do ponto de vista
histórico e conceitual, não é possível considerar que os mais claros, por

24
exemplo, oprimam os mais escuros.

9:
:5
[...]

00
Escalonamento dentro do grupo racial branco

1
02
A partir de suas pesquisas sobre branquitude, isso é, acerca das

/2
12
representações que o(a) branco(a) tem sobre ser branco(a), Schucman (2012, 2014)

6/
salienta que, dentro do grupo racial branco, há também hierarquizações, as quais

-1
foram alocadas pela autora em três grupos, são eles: o dos branquíssimos, dos

om
brancos e dos encardidos. Trata-se de uma graduação fruto do entrecruzamento das

l.c
ai
categorias de raça e de classe, quanto mais ariano e rico, branquíssimo; quanto mais
gm
pobre e branco miscigenado, encardido.
r@

[...]
le
el

Sobre o encardido, ele refere-se, dentre outros, à população branca


ez
lin

nordestina e nortista, muitas vezes fruto da miscigenação com o indígena, e cujo


-a

biotipo lembra personalidades como o Chico Anysio.


9
-0

[...]
98

Escalonamento dentro do grupo racial negro


.1
56

No caso do grupo racial negro, o escalonamento existe desde o escravismo. Na


.0
20

época, em função das lutas dos povos negros para aniquilar o sistema escravista, a
-3

elite fez uso de diferentes artifícios para manter o escravismo, entre eles, o
za

oferecimento de alforrias. Ou seja, buscava desmantelar resistências e persuadir um


u
So

ou outro escravizado dando-lhe liberdade. Nesse caso, segundo Russell-Wood, havia


de

uma hierarquização, sendo que as mulheres eram preferidas aos homens, os pardos
ra

aos pretos, os nascidos no Brasil aos africanos, os escravizados urbanos aos das
ei
er

regiões rurais (Marquese, 2006). Em outras palavras: está enraizado no Brasil que é
rP
lle

“menos pior” ser pardo do que preto.


Ze

[...]
e
in

É estratégia do racismo é dividir e subdividir o grupo racial negro


Al

[...]
1.3 Branqueamento e Mito da democracia racial
Nas últimas décadas do escravismo, numa tentativa de diminuir o número de
negros no país e de torná-lo mais branco, foram instituídas políticas imigratórias que
incentivavam a vinda principalmente de alemães e italianos. Elas foram mais intensas
entre 1880 e 1920, no entanto, uma “política mais consistente passou a vigorar em
1850, com a promulgação da Lei 601, que regulamentou a concessão de terras
públicas e tornou mais fácil a expedição de títulos de propriedade para estrangeiros
– um ato coincidente com a abolição do tráfico de escravos” (Seyferth, 1996, p. 44).

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Por assim dizer, essa foi a primeira política pública focal estabelecida no Brasil, a qual,
como é notório, beneficiava sobremaneira os imigrantes.
Essa população imigrante assumiu os postos de trabalho mais valorizados,
referentes à indústria fabril incipiente e à agricultura cafeeira. Entretanto, segundo
Kowarick (1994), não havia necessidade de mão de obra externa especializada, pois,
as atividades que realizaram não exigiam qualificação profissional, já que as fábricas
operavam com máquinas que parcializavam os processos produtivos e poucos eram
os imigrantes que possuíam experiência industrial prévia.
[...]

24
Especialmente a partir da década de 1930, o discurso ideológico do

9:
embranquecimento (e, com ele, a crença de que o povo negro, por inferioridade

:5
00
biológica, e em função da miscigenação, seria suprimido) foi, em maior ou menor

1
grau, rearranjado pelo da democracia racial, cujo principal mentor intelectual foi

02
/2
Gilberto Freyre.

12
Desde então, investe-se na imagem oficial do país como um paraíso racial e na

6/
-1
recriação de uma história em que a miscigenação apareceria associada a uma

om
herança portuguesa e a sua suposta tolerância racial manifesta num modelo

l.c
escravocrata mais brando, ocultando, assim, a violência que foi o processo de

ai
gm
escravização no Brasil (Schwarcz, 2001; Domingos, 2005). Aliás, a abolição da
r@

escravatura no Brasil foi transmitida historicamente não como fruto da luta pela
le
el

liberdade travada pelos negros(as), nem mesmo como resultado da pressão imposta
ez

pelo sistema capitalista (sobretudo o inglês) que almejava cada vez mais
lin
-a

consumidores e mão de obra barata, ao contrário, ela foi transmitida como um


9

presente por parte do grupo dominante.


-0
98
.1
56

A ideia de democracia racial contribuiu (e contribui) para a produção


.0

de representações sobre uma suposta convivência harmoniosa entre


20
-3

brancas(os) e negras(os), ambos desfrutando de iguais oportunidades de


za

existência. Contudo, essas representações são ideológicas e estão a serviço


u
So

da manutenção de uma lógica social excludente que impossibilita o


de

tratamento adequado de problemas sociais oriundos das relações raciais no


ra

Brasil (Domingos, 2005; Munanga, 2008), bem como deram lugar a


ei
er

expressões culturais negras como cultura nacional: o samba, a capoeira,


rP
lle

entre outros elementos culturais originalmente criados por negros(as)


Ze

passaram a ser vistos como parte da cultura brasileira, amenizando o sentido


e
in

de resistência negra.
Al

Sobre a ideologia do embranquecimento e a da democracia racial:


Apesar de atuarem de modos diferentes, são facetas da mesma moeda,
desempenham funções referentes à convocação para a miscigenação, à
criação de intermediários entre brancos e pretos. No primeiro caso, da
ideologia do embranquecimento propriamente dita, o corpo/fenótipo
negro(a) tenderia progressivamente ao desaparecimento. E o que em
algum momento representara polos opostos (branco x negro) deixaria de
existir. Ela atua como dispositivo que busca a passagem da negrura para

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a brancura. No tocante ao mito da democracia racial, a existência
fenotípica do negro poderia estar em alguma medida assegurada desde
que pela sua negação linguística (preto e pardo igual a “moreno”) e
também fenotípica (preto/pardo mais branco igual à descendência
progressivamente “morena”). É possível considerar que tal mito é um
desdobramento da ideologia do branqueamento. Como rearranjo é mais
plausível do que ela, mesmo porque dá algum lugar para o negro e vazão
para relações de proximidades, e não apenas de desprezo ao suposto
degenerado. Assim, age como redutor de conflitos. Supostamente, esse

24
deve ser um dos motivos para que se mantenha atuante ainda hoje. De

9:
toda maneira, nessas duas situações há um ataque ao negro. Logo,

:5
00
nesses casos, a mestiçagem pode ser entendida como uma ação a serviço

1
do racismo.

02
/2
[...]

12
O mito da democracia racial se estabeleceu como uma imposição política:

6/
-1
a proibição social de se falar em racismo. “Ao se tentar falar ou agir contra essa

om
definição pode-se incorrer em custos políticos e sociais elevados. Um desses custos é

l.c
a sempre repetida acusação de se tentar importar um problema que inexiste na

ai
sociedade brasileira” gm
r@

[...]
le
el

Enquanto ele [o mito da democracia racial] obviamente


ez

permite uma tremenda hipocrisia e ofusca a realidade do


lin
-a

racismo, o mito da democracia racial é também um discurso


9

moral que afirma que o racismo é nocivo, desnatural e contrário


-0
98

à brasilidade... Como tal, os afro-brasileiros não podem aceitá-


.1
56

lo nem rejeitá-lo totalmente. Eles ficam aprisionados entre a


.0

esperança e o silêncio, entre a resistência e a resignação.


20
-3

(Sheriff, 1993, citado por Hasenbalg, 1996, p. 243-244).


uza
So
de

EIXO 2: ÂMBITOS DO RACISMO: RACISMO INSTITUCIONAL,


ra

INTERPESSOAL E PESSOAL.
ei
er
rP
lle

Importante considerar que nessas três dimensões há trabalho de


Ze

enfrentamento ao racismo que o profissional de Psicologia deve realizar, seja no


e
in

atendimento individual, familiar, grupal, comunitário, de acompanhamento


Al

terapêutico, institucional (em escolas, serviços de saúde, de assistência social,


jurídica etc.), ou mesmo quando atua como supervisor clínico e/ou institucional ou
quando trabalha no setor de recursos humanos ou na gestão e formulação de
políticas públicas ou privadas, dentre outras modalidades de atuação.
[...]
O termo racismo institucional foi cunhado e divulgado pelos ativistas
integrantes do grupo Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles
Hamilton, em 1967. Refere-se ao nível político-programático das instituições,
a ações amplas, voltadas à coletividade, cujo impacto no sujeito é posterior

| 9
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Aula 04
à ação maior, como consequência desta. Em outros termos, às prioridades
e escolhas de gestão que privilegiam ou negligenciam determinados
aspectos, infligindo condições desfavoráveis de vida à população negra e
indígena e/ou corroborando o imaginário social acerca de inferioridade
dessa população, e, na contramão, atua como principal alavanca social para
os(as) brancos(as).
A prática de racismo institucional pode ser considerada a principal
responsável pelas violações de direitos dos grupos raciais subalternizados. Efetivada
em estruturas públicas e privadas do país, essa prática é marcada pelo tratamento

24
diferenciado, desigual. Indica, pois, a falha do Estado em prover assistência

9:
:5
igualitária aos diferentes grupos sociais.

00
[...]

1
02
Como o nome diz, a dimensão do racismo interpessoal versa sobre

/2
12
os processos de desigualdade política com base na raça/cor que ocorrem

6/
entre os sujeitos em interação. Inclui, por exemplo, as relações que

-1
om
acontecem no interior das organizações, as quais envolvem gestores e

l.c
profissionais, profissionais e usuárias(os), entre os próprios profissionais e

ai
gm
entre os próprios usuários; assim como os laços estabelecidos entre
r@
familiares, casais, amigos, colegas ou, quem sabe, entre inimigos. Perpassa,
le

portanto, relações verticais e horizontais, amistosas ou não. Ademais, a


el
ez

relação de descrédito e humilhação pode ser efetivada entre um sujeito que


lin
-a

desempenha um papel social hierarquicamente superior (como um chefe ou


9

um pai branco versus funcionário ou filho negro/indígena), mas também


-0
98

pode ocorrer entre aquele que, do ponto de vista do papel social, ocupa
.1
56

formalmente um lugar de subordinação, mas que, da perspectiva do


.0

racismo, assume ou almeja assumir uma situação de vantagem, como, por


20
-3

exemplo, entre um funcionário branco que desmerece seu chefe pelo


za

simples fato de ele ser negro(a).


u
So

[...]
de

De acordo com Costa (2012) – a partir de escritos psicanalíticos de Benghozi


ra

sobre malhagens, desmalhagens e remalhagens vinculares –, de maneira geral, é


ei
er

possível delinearmos três efeitos psicossociais do racismo para a vítima. São eles:
rP

(a) Crescimento e questionamento: o sujeito, apoiado, por exemplo, em


lle
Ze

construções culturais e políticas contra o racismo, em laços familiares e


amistosos..., percebe o impacto do racismo vivido e constrói recursos psíquicos e
e
in

sociais para enfrentá-lo. Esse é o caso, por exemplo, daqueles que escolhem lutar
Al

contra o racismo. Para enfrentá-lo e propor mudanças estruturais é preciso ter


consciência dele, saber que se trata de uma estratégia de dominação e,
sobretudo, sentir-se habitante e pertencente ao seu corpo negro, bem como
valorizar as histórias e expressividades culturais de origem negra
(b) Utilização de mecanismos psíquicos defensivos contra o racismo: há
sujeitos que, afetados pelo impacto da dominação racista, numa tentativa de não
enfrentar a discriminação vivida, fazem uso de mecanismos de defesa (por
exemplo, negação e identificação com o agressor) para que haja a manutenção
de certa integridade psíquica e intersubjetiva.
(c) Dilaceramento psíquico: há aqueles em que o efeito do racismo é vivido como
catastrófico, esses precisam de uma gama variada de apoio para se refazer do

| 10
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trauma vivido, o que pode incluir terapia individual, familiar, acesso a políticas
públicas reparadoras etc.

EIXO 3: ENFRENTAMENTO POLÍTICO AO RACISMO: O


MOVIMENTO NEGRO
Desde a abolição da escravatura, o Movimento Negro tornou-se um dos
principais responsáveis pela superação do racismo em nossa sociedade. De acordo
com Domingues (2007), é possível dividir a história política desse Movimento em três
fases principais, as quais foram interrompidas e demarcadas pelas duas ditaduras

24
vividas pelo brasileiro, a ditadura da era Vargas e a civil militar.

9:
:5
00
Na primeira fase do que hoje em dia chamamos de Movimento Negro –

1
02
que se estendeu da Primeira República ao Estado Novo (1889 a 1937) –, diversas

/2
associações, comunidades, grêmios, clubes negros, jornais escritos por e para

12
6/
negros foram criados. Dentre essas entidades, destacou-se a Frente Negra

-1
Brasileira (FNB). Fundada em 1931, combateu a discriminação racial de diferentes

om
modos, inclusive, criou escolas voltadas especificamente para a população negra.

l.c
Em 1936, tornou-se um partido político de extrema direita. Silenciada pelo governo

ai
Vargas, a FNB perdeu representatividade. gm
r@

Na segunda etapa, que ocorreu entre a Segunda República e ditadura


le
el

civil militar (1945-1964), uma das entidades que se destacou foi a do Teatro
ez

Experimental do Negro (TEN). Liderado por Abdias do Nascimento, o TEN teve


lin
-a

como alicerce três eixos afirmativos – o da identidade cultural negra africana; o do


9

poder negro e a luta pela liberdade dos povos africanos colonizados; o do diálogo
-0
98

interétnico entre diferentes povos. Lutava-se internacionalmente contra o


.1

colonialismo, o imperialismo, o racismo (Munanga, 1986). Com a ditadura militar,


56
.0

houve a perseguição dos militantes, que só voltaram a atuar publicamente no final


20

dos anos de 1970.


-3

A terceira fase foi marcada pelo surgimento, em 1978, do Movimento


uza

Negro propriamente dito, O Movimento Negro Unificado (MNU), que assumiu um


So

discurso radicalmente contra o racismo e a favor de uma melhor qualidade de vida


de

para a população negra, visando o estabelecimento de uma identidade étnico-


ra
ei

racial específica do negro, afrocentrada, não miscigenada. Alicerçado no


er
rP

pensamento de esquerda, atos públicos contra o racismo passaram a fazer parte


lle

do cenário político brasileiro a partir de então.


Ze

[...]
e
in

Fruto desses processos vindicatórios, em 1996, o governo federal instituiu o


Al

Programa Nacional de Direitos Humanos, no qual constavam duas proposições


concernentes à temática das políticas de promoção da igualdade, a saber: “apoiar
ações da iniciativa privada que realizem discriminação positiva” e “formular políticas
compensatórias que promovam social e economicamente a população negra”.
Conforme salientaram os autores, “os conceitos de discriminação positiva e
compensação passam então a integrar declarações oficiais, assinalando o
reconhecimento, por parte do governo federal, da necessidade de medidas positivas”
[...]

| 11
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Aula 04
Na década seguinte surgiram, em São Paulo, duas organizações não
governamentais do Movimento Negro decisivas para o direcionamento das
discussões de cunho político-jurídico e psicológico sobre racismo, sexismo e
igualdade racial e de gênero no Brasil. São elas: Centro de Estudos das Relações de
Trabalho e Desigualdades (CEERT), criado em 1990, e Instituto AMMA PSIQUE
NEGRITUDE, instituído em 1995. Ambas desenvolvem projetos locais e nacionais que
primam pela igualdade política.
[...]
Como resultado dessa reflexão, o CFP publicou a Resolução nº18/2002, que

24
estabelece normas de atuação para as(os) psicólogas(os) em relação ao preconceito

9:
e à discriminação racial.

:5
00
[...]

1
Fruto desse processo de discussão, em 2005, foi lançado o terceiro Código de

02
/2
Ética Profissional, o qual tem seus princípios fundamentais baseados na Declaração

12
Universal dos Direitos Humanos (CFP, 2005).

6/
-1
om
EIXO 4: PSICOLOGIA E A ÁREA EM FOCO

l.c
ai
Historicamente, a Psicologia brasileira posicionou-se como cúmplice do
gm
racismo, tendo produzido conhecimento que o legitimasse, validando
r@

cientificamente estereótipos infundados por meio de teorias eurocêntricas


le
el

discriminatórias, inclusive por tomar por padrão uma realidade que não contempla a
ez
lin

diversidade brasileira.
-a
9
-0

Como se sabe, a Escola Nina Rodrigues foi uma das principais


98

responsáveis pela estruturação do pensamento racial no Brasil, e deu


.1
56

alicerce, entre outros, para a constituição dos primeiros desenvolvimentos


.0
20

da Psicologia no Brasil. O médico Arthur Ramos, um de seus principais


-3

mentores, e representantes do pensamento psicanalítico na década de


za

1930, disseminou a ideia de que não todos, mas parte dos negros(as)
u
So

trazidos para o Brasil eram atrasados do ponto de vista cultural (Gutman,


de

2007). Em 1933, foi nomeado chefe do serviço de ortofrenia e higiene


ra
ei

mental do Rio de Janeiro. O pensamento racista esteve, pois, presente na


er
rP

formação dos primeiros Serviços de Higiene Mental, assim como nos


lle

Centros de Orientação Infantil e Juvenil e nos Setores de Psicologia Clínica.


Ze

Nesse sentido, vale lembrar que o campo psi, que se estruturou no Brasil
e
in
Al

entre os anos de 1930 e1970 era feito com base na ideia da “carência”, das
crianças “problemas”, das crianças com “dificuldades” de aprendizagem
e/ou emocional”. Como ressaltou Patto (1990), havia um processo de
biopsicologização da sociedade e da educação. A Psicologia era a área
encarregada de detectar a anormalidade psíquica.
[...]
Em função do recorte cronológico, começamos pelo estudo feito por
Alessandro de Oliveira Santos et al (2012), que, dentre outros aspectos, descreve três
momentos do pensamento psicológico brasileiro acerca das relações étnico-raciais:

| 12
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Aula 04
o primeiro envolve o final do século XIX e começo do XX e foi marcado pela influência
do pensamento da Escola Nina Rodrigues; o segundo refere-se ao período de 1930 a
1950 e o último iniciou nos anos de 1990 e estende-se até os dias de hoje, cujo marco
tem sido, dentre outros, a publicação de estudos sobre branquitude. Vale ressaltar
que, em relação ao segundo período, foram apresentados autores que estão na base
da Psicologia Social brasileira e que abordaram aspectos das relações raciais, mas
que, no entanto, são pouco conhecidos no cenário acadêmico.
Curiosamente, eles são os principais responsáveis pela organização dos
primeiros cursos de Psicologia Social no Brasil e, consequentemente, pela primeira

24
delimitação do campo da Psicologia Social. São eles: Raul Carlos Briquet (1887-1953);

9:
Donald Pierson (1900-1995); Aniela Meyer Ginsberg (1902-1986); Arthur Ramos de

:5
00
Araújo Pereira (1903- 1949); Virgínia Leone Bicudo (1915-2003); e Dante Moreira Leite

1
(1927-1976). Apesar de terem sido estudos matriciais da área de Psicologia Social,

02
/2
durante um longo período posterior à produção dos autores listados, a Psicologia

12
manteve-se reticente no que tange à temática racial. É preciso salientar, contudo, que

6/
-1
há diferenças nesses estudos quanto ao olhar em relação ao negro, se Ginsberg e

om
Bicudo reconheciam a questão da desigualdade política pela qual a população negra

l.c
passava naquela ocasião, não podemos nos esquecer que, ao contrário, Arthur

ai
gm
Ramos, ao deslocar a questão da raça para a da cultura, fez apenas um rearranjo,
r@

mudou o foco mas não o seu fundamento: ele continuou a propagar um olhar racista
le
el

sobre o negro, ainda que tacitamente.


ez

[...]
lin
-a

Dentre outros aspectos, constataram que os quinze trabalhos encontrados


9

dedicavam-se principalmente a três grandes eixos, são eles:


-0
98

(a) DENÚNCIA DO RACISMO


.1
56

(b) MODOS DE SUBJETIVAÇÃO DO RACISMO


.0

(c) ESTRATÉGIAS PARA SUPERAR O RACISMO


20
-3

[...]
za

Faremos, portanto, um recorte para que, minimamente, o leitor possa ter uma
u
So

noção do que tem sido produzido na Psicologia. Seguem as categorias:


de

(a) GERACIONAL
ra

CRIANÇA/INFÂNCIA
ei
er

IDOSOS
rP

(b) IDENTIDADE
lle

GERACIONAL
Ze

GÊNERO
e
in
Al

(c) POLÍTICAS PÚBLICAS


MILITÂNCIA E GÊNERO
SAÚDE
SEGURANÇA PÚBLICA
EDUCAÇÃO
COTAS RACIAIS
QUILOMBO
(d) RAÇA E CLASSE
(e) TRABALHO

| 13
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Aula 04
(f) ESTÉTICA E MÍDIA
(g) DISCRIMINAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E ESTRANGEIROS
(h) CONTRIBUIÇÃO TÉCNICA

EIXO 5: ATUAÇÃO DA(O) PSICÓLOGA(O) NA DESCONSTRUÇÃO


DO RACISMO E PROMOÇÃO DA IGUALDADE

A Discriminação institucional pode ser entendida como ações no


âmbito organizacional ou da comunidade, que muitas vezes independem da

24
9:
intenção de discriminar, mas tem impacto diferencial e negativo em

:5
00
membros de um grupo determinado. Por exemplo, práticas informais que

1
dificultam o acesso de empregadas(os) a experiências significativas para

02
/2
ocupação de cargos de comando, bem como poucas oportunidades para

12
6/
participarem de treinamentos de qualidade, gerando menor

-1
competitividade para ascensão a cargos de direção. Nenhuma empresa

om
brasileira declara por escrito: “não aceitamos negras(os) para o cargo de

l.c
ai
chefia”. Mas o resultado é a quase invisibilidade desse segmento nos lugares
gm
de comando das grandes empresas.
r@

Assim, na questão da discriminação institucional, importa menos a intenção


le
el

do agente. O que interessa são os efeitos de sua ação. Esses efeitos só se verificam
ez
lin

perscrutando-se, por exemplo, o número de pessoas negras nos diferentes postos de


-a

trabalho da empresa.
9
-0

[...]
98

(a) Diagnosticar a Discriminação Institucional


.1
56

(b) Enfrentar a Discriminação Institucional


.0
20

Em sociedades desfiguradas por séculos de discriminação


-3

generalizada, não é suficiente que as instituições se abstenham de


za

discriminar, sendo necessária uma ação positiva comprometida com a


u
So

promoção da igualdade. Estamos, então, falando de ação afirmativa


de

que pode ser considerada uma política de promoção da igualdade ou


ra

ainda política de inclusão. Trata-se de um comportamento ativo das


ei
er

instituições no sentido de garantir, fomentar, propiciar a igualdade em


rP

contraposição à atitude negativa, passiva, limitada à mera intenção de


lle
Ze

não discriminar. A ação afirmativa, portanto, distingue-se por um


e

comportamento atuante das instituições, favorecendo a criação de


in
Al

condições que permitam a todos beneficiar-se da igualdade de


oportunidade e de tratamento, eliminando qualquer fonte de
discriminação, direta ou indireta, criando cotas raciais na contratação
de funcionários, é o que acontece hoje em dia quando há concursos
públicos em que há reserva de vagas para a população negra. Apesar
do número de ações afirmativas efetivamente relacionadas à política
pública ou privada ser pequeno, a incorporação dela é facilmente
percebida, assim como seu efeito.
(c) Sensibilizar gestoras(es) e profissionais

| 14
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Aula 04
(d) Quesito raça/cor
Para possibilitar a intervenção, torna-se fundamental conhecer o
panorama e identificar os pontos críticos. Assim, cabe identificar as
ações já desenvolvidas pelos serviços e que podem evidenciar as
desigualdades raciais. Para tanto, é crucial, por exemplo, que o quesito
cor esteja presente nos formulários, fichas cadastrais das(os)
usuárias(os), de modo a poder visualizar o perfil da população
atendida, bem como a forma com que as ações alcançam os diferentes
grupos raciais. Tal como a variável renda, sexo e idade, a raça/cor é

24
também de grande relevância ao conhecimento do perfil da(o)

9:
usuária(o) atendida(o) e suas especificidades, e é elemento essencial

:5
00
ao reconhecimento das desigualdades. Primeiramente, cabe

1
perguntar: o quesito cor faz parte do cadastro da população atendida

02
/2
no serviço? Caso ele não conste nos formulários de rotina, cabe inserí-

12
lo, de modo a possibilitar traçar o perfil da população atendida, suas

6/
-1
demandas e necessidades. Nos casos em que o quesito raça/cor já faz

om
parte dos documentos, cabe verificar cuidadosamente a forma de

l.c
apresentação do quesito e o modo do seu preenchimento, o qual pode

ai
gm
ser verificado através do padrão das respostas obtidas.
r@
le
el
ez
lin
-a
9
-0
98
.1
56
.0
20
-3
uza
So
de
ra
ei
er
rP
lle
Ze
e
in
Al

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Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04

8) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências


Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) em Varas de
Família. Brasília: CFP, 2019.
Disponível em < https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/BR84-CFP-
RefTec-VarasDeFamilia_web1.pdf >

Brandão (2016, p. 48) considera que há uma crise nos domínios da

24
Psicologia Jurídica atual, cujo impasse situa-se na dicotomia entre a

9:
:5
demanda por perícia e as práticas ditas alternativas à confecção de

00
laudos. Para o autor, numa primeira abordagem, esta crise está ligada a

1
02
contradição entre as demandas dirigidas pelos operadores do direito às(aos)

/2
12
psicólogas(os) e a resposta que esses profissionais buscam construir na

6/
-1
realidade cotidiana das varas de família (BRANDÃO, op. cit., p. 36).

om
l.c
Desse modo, a solicitação de perícias e confecção de laudos para subsidiar as

ai
gm
decisões judiciais, os quesitos elaborados pelos operadores do direito, a necessidade
r@
de assistentes técnicos para acompanhar as ações do perito nos casos, são práticas
le

respaldadas por linhas de força que mantém o poder simbólico do juiz e colocam em
el
ez

marcha mecanismos de normalização das condutas e das virtualidades, com


lin

tecnologias sutis de controle, tutela e dominação que compõem a judicialização da


-a

vida cotidiana, em especial a convivência íntima entre homem e mulher e, sobretudo,


9
-0

entre pais e filhos (BRANDÃO, op. cit., p. 49).


98
.1
56
.0
20

Dimensão ético-política da área em foco


-3
za

Para tanto, existem sete princípios fundamentais dispostos nos Código Ética
u
So

Profissional da categoria que devem orientar a atuação da(o) psicóloga(o): o respeito


de

e a promoção da liberdade, da igualdade e da integridade do ser humano; promoção


ra

da saúde e da qualidade de vida; responsabilidade social; desenvolvimento da


ei
er

Psicologia no campo teórico e prático; acesso da população às informações sobre a


rP

ciência psicológica; zelo pelo exercício digno da profissão e criticidade quanto às


lle

relações de poder (CFP, 2005).


Ze
e

[...]
in
Al

Destacaremos algumas concepções que serão tratadas transversalmente nos


eixos das Diretrizes, de forma a destacar cuidados especiais com temas que tendem
a ser naturalizados nas relações profissionais cotidianas, para contribuir para a
elucidação dos nexos existentes entre Psicologia Jurídica e Direitos Humanos:
Concepção de família(s)
[...]
Neste sentido, há em curso um investimento em políticas de valorização da
paternidade e do papel do homem como cuidador que tem o potencial de
desconstruir um modelo dominante de masculinidade — patriarcal e machista —, que

| 16
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
reforça a desigualdade de gênero, abrindo caminho para a construção de outros
modelos que não sejam violentos, mas baseados no afeto e no cuidado. Segundo o
primeiro relatório sobre “A Situação da Paternidade no Brasil” (INSTITUTO
PROMUNDO, 2016) muitos estudos e experiências confirmam o impacto positivo da
paternidade cuidadora na saúde e no desenvolvimento das crianças, na equidade de
gênero, na redução da violência e do machismo, no bem-estar do próprio homem e
na qualidade de seus relacionamentos afetivos.
[...]
Nesta perspectiva, além de distinguir conjugalidade e parentalidade, faz-se

24
necessário avançar nas ações profissionais que possam vir a promover relações

9:
parentais responsáveis e afetivas após a dissolução da relação conjugal — matéria

:5
00
amplamente debatida nestas diretrizes.

1
02
/2
Questões de gênero

12
[...]

6/
-1
Uma adoção acrítica de noções naturalizantes de gênero, sexualidade e

om
subjetividade por parte da Psicologia Jurídica pode criar, manter ou reforçar

l.c
preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminações em relação às pessoas

ai
transexuais e travestis envolvidas em questões judiciais. gm
r@

[...]
le
el

Questões de raça e etnia


ez

[...]
lin
-a

Nas questões judiciais é necessário observar os princípios éticos da profissão


9

contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e para
-0
98

a eliminação do racismo.
.1
56
.0

Os fenômenos de violência doméstica contra mulheres e


20
-3

crianças/adolescentes
za

[...]
u
So

O risco da naturalização da violência de gênero e de idade ocorre, tanto nas


de

relações sociais e familiares, quanto nos processos judiciais, exigindo da(o)


ra

profissional cuidados técnicos e éticos para não perpetuar tal naturalização.


ei
er
rP

Origem da Psicologia Jurídica e inserção dos profissionais no


lle
Ze

Sistema Jurídico
e
in
Al

Historicamente, a colaboração das(os) psicólogas(os) à Justiça seguiu o


procedimento adotado pelos profissionais médicos, que eram chamados a atuar, a
cada processo, por designação do magistrado para a realização de perícias. Destaca-
se que, inicialmente, as perícias psiquiátricas restringiam-se basicamente à avaliação
da responsabilidade penal de adultos. Entretanto, a partir do século XIX, como expõe
Castel (1978, pp. 170-171): A atividade de perícia deixará, então, de funcionar sobre o
modo dicotômico “ou...ou”: ou louco ou criminoso. Ela situará o indivíduo numa escala
de responsabilidade e de desempenhos. Ela se tornará atividade de triagem, de
despistagem, de orientação, de classificação. Ao mesmo tempo será levada a abarcar
um número crescente de indivíduos.

| 17
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
[...]
O desenvolvimento da Psicologia Jurídica no Brasil ocorreu com a
ampliação do campo de atuação e a mudança do paradigma pericial
inicial. Além das avaliações psicológicas, realizadas comumente nos
trabalhos nesta área, as(os) psicólogas(os) ampliaram suas intervenções,
realizando orientação, aconselhamento, encaminhamento, práticas
alternativas de resolução pacífica de conflitos, trabalhos com grupos,
mediação, participação ativa na articulação de políticas públicas de
atendimento em rede, entre outros. A mudança de postura, mais

24
preocupada com os efeitos do trabalho para as pessoas que encaminharam

9:
:5
seus conflitos ao Judiciário, demarca também um avanço nas reflexões

00
sobre a prática cotidiana nas instituições judiciais. Nota-se, assim, que o

1
02
trabalho a ser executado não se restringe à realização de diagnósticos ou às

/2
12
perícias judiciais.

6/
-1
[...]

om
A inserção das(os) psicólogas(os) no Sistema de Justiça tornou-se obrigatória

l.c
a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que definiu, em 1990, as

ai
gm
funções das equipes interdisciplinares (artigos 150-151) como órgão auxiliar do Juízo
r@
em todos os Tribunais de Justiça do país. O ECA organiza os princípios e diretrizes da
le

garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta,


el
ez

em toda e qualquer instância pública ou privada do Sistema de Garantia de Direitos.


lin

Ele dá os recursos para colocar em prática a disposição doutrinária de Proteção


-a

Integral da Constituição Federal (1988) e da Convenção Internacional dos Direitos da


9
-0
98

Criança (ONU, 1989) pela qual se define o lugar da criança e do adolescente no


.1

ordenamento jurídico brasileiro. Por conseguinte, consolida também as funções da


56
.0

família, da sociedade e do Estado na promoção dos direitos humanos fundamentais,


20

entre eles, a convivência familiar e comunitária.


-3

[...]
uza

A abertura de cargos públicos para psicólogas(os) no Sistema Judiciário


So

Os primeiros cargos de psicóloga(o) no Poder Judiciário no Brasil


de
ra

foram criados nos anos 1980, tendo sido o estado de São Paulo pioneiro na
ei
er

realização de concurso público, como menciona Bernardi (1999): Em 1985,


rP

ocorreu o primeiro concurso público para a capital de São Paulo, com a


lle
Ze

criação de 65 cargos efetivos e 16 cargos de chefia. Ele refletiu a busca de


e

uma implantação definitiva da profissão na área judiciária. O provimento de


in
Al

Lei CCXXXVI, do Conselho Superior de Magistratura, regulamentou a atuação


das(os) psicólogas(os) do Tribunal de Justiça, disciplinando as funções nas
Varas de Menores e nas varas de família e Sucessões cumulativamente
(BERNARDI, 1999. p. 107).
[...]
Com o advento dos concursos públicos, as atribuições da equipe
interprofissional passaram a ser definidas em Resoluções, Portarias e Provimentos de
cada Tribunal de Justiça, de acordo com a organização judiciária nas diferentes
entrâncias. Assim, nas Comarcas de primeira entrância, de menor porte, que tem uma

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Aula 04
única vara instalada, o Juiz e a equipe atendem todas as demandas do município, sem
distinção de matéria cível ou criminal. Já nas comarcas de segunda entrância, de
tamanho intermediário, pode haver mais Varas e atender vários municípios. Por fim,
a comarca de terceira entrância ou entrância especial seria aquela que possui cinco
ou mais varas, incluindo os juizados especiais, atendendo a uma população igual ou
superior a cento e trinta mil habitantes. É comum que estejam situadas na capital ou
metrópoles. Nestas comarcas, as(os) psicólogas(os) ficam, em geral, na comarca sede
e se deslocam para atender os demais municípios daquela circunscrição, tanto em
ações relacionadas ao Direito de Família quanto às do Direito da Infância e Juventude.

24
No que diz respeito às atribuições das(os) profissionais concursadas(os),

9:
observa-se que, em algumas localidades, as varas de família não são

:5
00
desmembradas das varas de infância e da juventude. Sendo assim, a(o)

1
psicóloga(o) que atua nessas varas atende tanto a casos relacionados ao Direito da

02
/2
Infância e da Juventude como ao Direito de Família. Em outras comarcas,6 as varas

12
são desmembradas, sendo algo mais frequente nas capitais do que nas cidades do

6/
-1
interior. Existe também a situação em que as(os) psicólogas(os) respondem a

om
demandas dirigidas a centrais nas quais estão lotados, podendo atender varas de

l.c
família, assim como Infância e Juventude, Idoso, Violência doméstica e varas

ai
gm
criminais. Ocorre situação semelhante em municípios com vara única, nas
r@

denominadas comarcas de primeira entrância, onde todas as matérias são julgadas


le
el

por apenas um juiz, e a(o) psicóloga(o) que ali atua desenvolve trabalhos no contexto
ez

do Direito de Família, da Justiça da Infância e da Juventude e do Direito Penal. Cabe


lin
-a

acrescentar que de acordo com a organização e a divisão judiciária de cada estado,


9

em alguns locais encontra-se a designação Varas de Famílias e Sucessões, pelo fato


-0
98

de essas matérias serem tratadas em uma mesma vara que tem a responsabilidade
.1
56

de processar e julgar casos relacionados a temas como inventários, testamentos,


.0

separação judicial, divórcio, anulação de casamento, investigação de paternidade,


20
-3

ação de alimentos, entre outros. Por sua vez, em outros estados, sobretudo nas
za

comarcas de entrância especial, a designação é apenas Vara de Família, havendo vara


u
So

específica para órfãos e sucessões.


de
ra

Distribuição e organização da Psicologia nos Tribunais de Justiça


ei
er

[...]
rP

No TJ de São Paulo, desde 2005, foi criado o Núcleo de Apoio Profissional de


lle
Ze

Serviço Social e Psicologia, composto por assistentes sociais e psicólogas(os) que


e

assessoram as equipes interdisciplinares e os magistrados em questões atinentes a


in
Al

área técnica, além de normatizar e padronizar os procedimentos técnicos para


atuação nas Varas da Infância e da Juventude e nas varas de família. Além disso, há
psicólogas(os) lotadas(os) em Serviço de Acompanhamento Psicossocial Clínico,
responsável pela realização de atendimento clínico a funcionários e em Serviço
Psicossocial Vocacional, que faz avaliação dos candidatos à magistratura e
acompanhamento durante o estágio probatório (TJSP, 2017). Todavia, a maioria está
distribuída nas Varas existentes nas comarcas, havendo somente na capital, no ano
de 2019, cerca de quinze equipes técnicas. Segundo informações colhidas junto ao
Núcleo, nesse mesmo ano, são em torno de 815 psicólogas(os) em cargos efetivos no

| 19
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
Estado de São Paulo, ressalvando que muitas(os) profissionais estão próximos da
aposentadoria sem previsão de reposição imediata dos quadros, problema este
também presente em outros estados. Por fim, destaca-se também que, no TJ SP,
as(os) psicólogas(os) que atuam na capital estão subordinadas(os) à chefia técnica e
nas demais comarcas estão subordinadas(os) ao juiz diretor do Fórum.
[...]
O excesso de demanda é uma queixa recorrente das(os) psicólogas(os) nos
tribunais de diversos estados brasileiros, ressalvando que estão ligadas
frequentemente a assuntos geradores de alto grau de estresse e desequilíbrio

24
emocional, com sérios riscos às pessoas envolvidas. Soma-se às queixas mais comuns

9:
a pressão por cumprimento de prazos exíguos, um número excessivo de processos e

:5
00
a expectativa dos magistrados para que a(o) psicóloga(o) investigue e revele a

1
verdade dos fatos. Em algumas comarcas, são feitas demandas equivocadas ao

02
/2
psicóloga(o), seja por não serem atribuições que constam das normas da

12
Corregedoria, seja por serem derivadas de interpretação da lei que interferem na

6/
-1
autonomia técnica. Assim, são feitas demandas, por exemplo, para que a(o)

om
profissional avalie matérias previdenciárias, monitore visitas de familiares, avalie

l.c
casos ligados a direitos adquiridos (por exemplo, autorização para laqueadura,

ai
gm
medicamento, avaliação de capacidade intelectual para inclusão em programas e em
r@

escolas) e situações que seriam competência da área da Saúde; ou, ainda, são
le
el

determinados, a priori, os testes psicológicos a serem aplicados ou até mesmo a


ez

quantidade de entrevistas a serem realizadas.


lin
-a

Como se não bastassem tais problemas, há pressão das partes processuais


9

quanto ao trabalho da(o) psicóloga(o), procurando envolvê-la(o) na beligerância do


-0
98

ex-casal, quando não ocorrem ameaças e, até mesmo, abertura de processos


.1
56

administrativos e disciplinares junto à Corregedoria do Tribunal de Justiça ou ao


.0

Conselho de Classe.
20
-3
uza
So

A atuação da Psicologia nas ações judiciais de família


de

A atuação da(o) psicóloga(o), em qualquer área de trabalho,


ra

“necessita estar comprometida com estudos da Psicologia e com as


ei
er

recomendações éticas” da categoria, para que se possa decidir como e


rP
lle

quais demandas serão respondidas, como expõe Brito (2002a, p. 16). Dessa
Ze

maneira a autora alerta que, na expressão Psicologia Jurídica o termo


e
in

jurídico “quando conjugado à palavra Psicologia, torna-se adjetivo”, sendo a


Al

Psicologia Jurídica uma especialidade da Psicologia, como reconhece o


Conselho Federal de Psicologia.16 Por esse motivo explica que alguns
autores, como Alvarez (1992), ressaltam sua preferência pelo emprego,
quando for o caso, do termo diagnóstico ou trabalho psicológico no âmbito
jurídico, no lugar da expressão diagnóstico psicológico jurídico. Brito
(2002a, p. 16) relata que Alvarez (1992) justifica sua escolha pelo fato de que
esta última expressão poderia acarretar uma ideia equivocada de que

| 20
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
existiria um modelo de diagnóstico específico a ser aplicado no contexto
jurídico.
[...]
A(O) psicóloga(o) não deve incorrer em julgamento ou, através da avaliação,
ter pretensão de definir um arranjo de guarda ou uma regulamentação de
convivência, cuja atribuição é exclusivamente do juiz. A função da(o) psicóloga(o)
seria lançar luz sobre os fatores psicológicos em jogo, sem responder à questão final
sobre o julgamento: “se o processo judicial é o de guarda, a avaliação psicológica
buscará as potencialidades e as dificuldades de cada um dos genitores à luz do

24
relacionamento e das necessidades especificas do (a) filho (a) em questão” (SHINE,

9:
2017, p. 3).

:5
00
[...]

1
02
No que diz respeito aos processos que chegam às varas de família, percebe-se

/2
que são comumente encaminhados aos Serviços de Psicologia processos

12
6/
relacionados às disputas de guarda de filhos. Nesses, os pais da criança romperam

-1
um relacionamento conjugal e estão em busca de solução jurídica para equacionar e

om
fixar responsabilidades parentais. No presente, de acordo com a legislação em vigor,

l.c
a convivência familiar da criança é um direito que deve ser mantido, procurando-se,

ai
gm
sempre que possível, a equidade entre as responsabilidades parentais. Para isto,
r@

torna-se necessário que se compreendam os conflitos que estariam impedindo os


le
el

pais da criança, ou um deles, de exercer suas atribuições parentais após o desenlace


ez

conjugal.
lin
-a

Shine (2017) compreende que o encontro entre perito e periciando ocorre em


9

contexto estruturado pela demanda legal. Logo, tal relação opõe dois sujeitos na qual
-0
98

se interpõe um terceiro — o operador do direito —, havendo entre o perito e o


.1
56

periciando o sentimento de desconfiança na medida em que o segundo fará tudo para


.0

que o primeiro seja intermediário de uma resposta que atenda a sua demanda e que,
20
-3

portanto, o beneficie.
za

[...]
u
So

Como foi apontado por Freud (1906) no texto A Psicanálise e a Determinação


de

dos Fatos nos Processos Jurídicos, o emprego de uma mesma técnica não garante
ra

resultados da mesma ordem em contextos diferenciados. Esse alerta pode remeter


ei
er

à importância de se pensar, também, nas diferenças existentes entre um atendimento


rP

psicológico no contexto clínico e o atendimento para fins jurídicos. Tal recomendação


lle
Ze

se faz pertinente por se constatar que, hoje, muitos profissionais que atuam em varas
e

de família possuem especialização na área clínica.


in
Al

Alertou Freud que no atendimento para fins jurídicos, a pessoa pode ter
dificuldade para verbalizar espontaneamente seus pensamentos sem censurá-los. A
censura nesses casos pode ser extrema, em razão das questões que estão sendo
julgadas. São situações nas quais o sujeito tem consciência de que seu relato poderá
influenciar o desfecho de questões pelas quais luta judicialmente. Se no decorrer de
um atendimento terapêutico procura-se entender, junto com o paciente, os motivos
de tais censuras, no atendimento para fins jurídicos, a censura que se apresenta é algo
que o sujeito tem consciência e que, por algum motivo, não deseja expressar, muitas
vezes por medo de possíveis prejuízos ao processo jurídico.

| 21
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
[...]
Não é aconselhável, também, que se fixe, a priori, número máximo de
atendimentos para cada caso, mesmo que a equipe esteja sobrecarregada. Estes
devem ocorrer de acordo com a necessidade e com a dinâmica de cada situação.
Recomenda-se que o uso de testes psicológicos, ou qualquer outra intervenção,
ocorra quando o profissional considerar necessário e não com o objetivo único de dar
legitimidade ao laudo ou relatório psicológico.
[...]
Visando à manutenção de um trabalho específico de psicóloga(o), não se

24
considera pertinente incluir nas atribuições desses profissionais o

9:
acompanhamento de diligências para a busca e apreensão de crianças, tarefa que

:5
00
se distancia das funções de um profissional de Psicologia.

1
[...]

02
/2
Recentemente se tem notícias de magistrados que determinam, no âmbito

12
dos atendimentos em varas de família, a realização, por psicólogas(os), de técnica

6/
-1
denominada de Constelações Familiares. Ressalta-se, todavia, que a citada técnica

om
não é reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia, inexistindo normativa

l.c
específica acerca do seu uso. Como determina o Código de Ética Profissional da(o)

ai
Psicóloga(o): gm
r@

[...]
le
el

Como disposto na Referência Técnica sobre atuação de psicólogas(os) nos


ez

Centros de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS (CFP, 2013) os


lin
-a

documentos de referência sobre o CREAS não dispõem sobre atendimento a


9

demandas do sistema de justiça. Na mesma publicação encontra-se ainda que: […]


-0
98

atividades determinadas por gestores ou juízes, tais como a obrigação de


.1
56

realização de laudos psicológicos para o Judiciário, averiguação de denúncias,


.0

trabalho concomitante em outras políticas, e outras práticas fora dos critérios


20
-3

regulamentados, parecem caracterizar uma situação de abuso de autoridade ou


za

posicionamentos assistencialista ou clientelista (CFP, 2013, p. 38).


u
So

Sobre o mesmo tema, no ano de 2019 a Corregedoria Geral de Justiça do


de

Estado do Ceará, em resposta ao pedido de providências dos Conselhos Regionais de


ra

Psicologia e o de Serviço Social, emitiu o Ofício Circular n.º 17, explicitando que
ei
er

psicólogas(os) e assistentes sociais que atuam nas políticas públicas não devem ser
rP

convocados para realizar perícias judiciais e/ou trabalho de assistente técnico.


lle
Ze

Sobre divórcio e guarda de filhos


e
in
Al

No Brasil, o casamento pode ser rompido desde 1977, quando foi sancionada
a denominada Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515, de 26 dez. 1977). Desfeita a união
conjugal, há possibilidade de serem formados novos casais surgindo, por vezes,
dilemas sobre os cuidados e as atribuições com os filhos da união anterior.
[...]
Ainda de acordo com a Lei do Divórcio, aquele que fosse considerado culpado
pela separação, descumprindo deveres do casamento previstos no Código Civil, não
ficaria com a guarda dos filhos, como disposto no artigo 10 daquele diploma legal.
Entendia o legislador que não poderia ser considerado bom pai, ou boa mãe, quem

| 22
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
não demonstrou ser bom marido, ou boa esposa. Unia-se, portanto, conjugalidade e
parentalidade, orientação que também vigorou em legislação de outros países.
Um dos motivos para o encaminhamento dos processos na Justiça era a
disputa pela guarda dos filhos. Como naquela época a primazia da guarda era dada à
mulher, em casos de solicitação do pai para permanecer com a guarda dos filhos
havia necessidade de alegar que a guarda materna seria prejudicial às crianças,
muitas vezes atribuindo-se às mães problemas psíquicos. Nessas circunstâncias, era
comum o pedido de realização de perícia, para que se avaliasse a situação, havendo,
por vezes, pedido para que o perito indicasse qual dos pais possuía melhores

24
condições emocionais para permanecer com a guarda dos filhos.

9:
Com o advento da CF e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a

:5
00
criança e o adolescente passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, dada

1
a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, introduzindo o critério subjetivo

02
/2
de ‘melhor interesse’ na definição da guarda.

12
[...]

6/
-1
A partir da segunda metade do século XX, estudos das ciências humanas

om
mostraram que a separação dos cônjuges pode ocorrer pelo fato de estes, ou de um

l.c
deles, não possuir mais vontade de permanecer junto, não cabendo a atribuição de

ai
gm
culpa a um dos membros do casal, uma vez que na conjugalidade, por vezes, a
r@

dificuldade que surge provém da dinâmica relacional. Da mesma forma,


le
el

compreendeu-se que as crianças podem e devem conviver com o pai e com a mãe,
ez

mesmo que estes não formem um casal.


lin
-a
9

Sobre guarda compartilhada


-0
98

A promulgação no Brasil da Lei n.º 11.698/2008, alterou os artigos 1.583 e 1.584


.1
56

do Código Civil e instituiu a guarda compartilhada como modalidade preferencial,


.0

buscando igualar pai e mãe em relação à guarda de filhos. Visavam-se, assim,


20
-3

separações menos conflituosas e uma presença mais incisiva de ambos os pais na


za

educação das crianças, reafirmando-se a responsabilidade destes com seus


u
So

descendentes.
de

[...]
ra

Com a Lei de 2014 o legislador deixa claro que a guarda compartilhada deve
ei
er

ser regra e a guarda unilateral exceção. Compreende-se que os filhos possuem o


rP

direito de conviver com ambos os pais, independentemente da situação conjugal


lle
Ze

daqueles. Destaca-se que, a menção da lei a “genitores aptos a exercer o poder


e

familiar” não significa o retorno do critério de “melhores condições”, portanto, não


in
Al

cabem avaliações de qual dos pais estaria mais apto a ficar com a guarda. Agora, a
citada lei dispõe sobre “aptos a exercer o poder familiar”, sendo que a suspensão,
extinção ou perda do poder familiar ocorre por ato judicial em casos nos quais existe
grave motivo.
[...]
É digno de nota que a Lei n.º 13.058/2014 não estabelece divisão rígida de convivência
entre a prole e os genitores ou responsáveis. Ela orienta tão somente em seu artigo
1.583, parágrafo 2.º, que, “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os
filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo

| 23
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Aula 04
em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Equilibrada não significa
alternada, como se períodos fossem divididos de forma idêntica entre um e outro.
Apesar do disposto na legislação persevera certa confusão, tanto para jurisdicionados
quanto para operadores do direito, entre o significado de uma guarda compartilhada
e o que seria uma guarda alternada, cuja modalidade sequer existe em nossos códigos
jurídicos. Pode-se recordar que a guarda alternada está inserida na modalidade
monoparental, havendo preocupação de uma igualdade estrita das horas que cada
responsável passa com a criança. Na modalidade de compartilhamento os dois
responsáveis possuem a guarda da criança, com uma convivência equilibrada, ou

24
seja, a mais próxima possível com ambos.

9:
:5
00
Sobre Alienação Parental

1
02
No período entre a promulgação das duas Leis sobre guarda compartilhada foi

/2
promulgada, em 26 de agosto de 2010, a Lei n.º 12.318 que “dispõe sobre a alienação

12
parental e altera o artigo 236 da Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990”. Além de definir o

6/
-1
que seria alienação parental, a citada legislação exemplifica algumas formas desse

om
comportamento. Trata-se de texto legal baseado no conceito de síndrome de

l.c
alienação parental (SAP), termo cunhado pelo psiquiatra norte-americano Richard

ai
gm
Gardner nos anos 1980. Para esse autor a SAP seria um distúrbio infantil, que atingiria
r@

crianças e adolescentes envolvidos em situações de disputa de guarda entre os


le
el

responsáveis. Nesses casos, segundo o psiquiatra, um dos responsáveis realizaria


ez

uma “lavagem cerebral” ou uma “programação” no filho para que rejeitasse o outro
lin
-a

genitor, como expõe Sousa (2010).


9
-0
98

Os escritos de Gardner parecem desconsiderar diversas


.1
56

investigações realizadas com crianças e adolescentes cujos pais se


.0

divorciaram, estudos que apontam para a possibilidade de a guarda única


20
-3

ser um dos fatores que pode contribuir para que se forme um forte vínculo
za

entre o filho e o guardião. Para alguns autores, em certas famílias pode se


u
So

desenvolver uma forte aliança entre o genitor guardião e o filho, com


de

rejeição ou recusa de visita ao outro responsável.


ra
ei
er

A argumentação que sustenta a legislação nacional sobre alienação parental


rP
lle

encontra-se ancorada, contudo, em critérios como vingança, comportamento


Ze

doentio do guardião, bem como na ideia de que a criança seria portadora de uma
e
in

doença. Registre-se, ainda, que o termo alienação parental foi incluído na


Al

Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde


(CID - 11) — porém sob o modo de problema relacional e não especificamente como
doença — previsto para vigorar a partir de primeiro de janeiro de 2022.
Percebe-se, assim, uma grande diferença entre os estudos que discorrem
sobre a formação de alianças entre a criança e o genitor guardião e os que classificam
o comportamento da criança como alienação parental, um distúrbio infantil.
Enquanto pesquisas do primeiro grupo apontam diversos fatores que colaboram com
a situação apresentada, incluindo aspectos legais e sociais, os do segundo grupo se
fixam em aspectos psicológicos individuais que acarretariam patologias infantis.

| 24
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Aula 04
[...]
É preciso cuidado, também, para não haver confusão entre o direito de
crianças serem ouvidas em processos dessa natureza e o fato de se achar que, nos
encaminhamentos jurídicos, deve ser privilegiada a palavra de uma criança. Ouvir
atentamente a criança pode ser uma das possibilidades que a(o) psicóloga(o) tem
para contribuir com uma mudança nos casos conflituosos. Escutá-las, como pessoas
que têm o que dizer sobre seus sentimentos, entendendo o sentido dessa vivência,
pode ressignificar tal experiência para todo o grupo familiar e inverter a lógica do
conflito pela mediação dos interesses em jogo.

24
[...]

9:
Tem-se a compreensão de que ouvir a criança — deixar que ela fale livremente

:5
00
sobre seus sentimentos, anseios e dúvidas — é algo distinto da imposição de escolha.

1
Ouvir a criança seria, no entanto, essa outra escuta que as(os) psicólogas(os) se

02
/2
propõem a fazer e que lhes permite, por vezes, entender o motivo de o filho querer

12
afirmar com quem deseja residir. Hoje, deve ser preocupação das(os) psicólogas(os)

6/
-1
avaliar se mesmo após o rompimento conjugal dos genitores estão sendo

om
proporcionadas à criança a filiação materna e a filiação paterna, garantindo-se,

l.c
assim, seu direito à convivência familiar e a preservação de sua integridade.

ai
gm
r@

Na esteira desse pensamento, torna-se fundamental a orientação da


le
el

psicanalista francesa Françoise Dolto que, na obra Quando os Pais se Separam


ez

(2003), adverte sobre a culpa que a criança pode sentir com o divórcio dos pais,
lin
-a

embora isso não seja motivo de vergonha e, portanto, deva ser falado. É preciso
9

dizer a verdade às crianças e esperar que cada qual reaja de acordo com suas
-0
98

fantasias. Com efeito, ao escutar a criança, deve-se buscar compreender o clima


.1

afetivo de suas afirmações, cabendo decodificar o desejo por trás de seus ditos.
56
.0

Para Dolto, “a criança deve sempre ser ouvida — o que de modo algum implica
20

que, depois disso, se deva fazer o que ela pede” (DOLTO, 2003, p. 134).
-3

Reconhecê-la como sujeito de desejo e de linguagem não significa apenas escutá-


uza

la, mas que ela também ouça de um terceiro que o divórcio de seus pais foi validado
So

pela justiça, sem que, contudo, eles tenham sido liberados da parentalidade e que,
de

apesar das dificuldades de relacionamento entre seus pais, o fato de eles terem
ra
ei

tido uma descendência constitui um êxito do casal. Outro dito estruturante que
er
rP

também deve ser lembrado é, ainda segundo Dolto, que “a criança não tem o
lle

direito de fazer mal a um genitor a quem ama, porque, ao mesmo tempo, faz mal a
Ze

si mesma” (DOLTO, 2003, p. 60). Dito de outro modo, a criança não tem direito de
e
in

fazer mal a si mesma, não estando livre, portanto, de seus deveres filiais.
Al

Sobre peritos e assistentes técnicos


O assistente técnico pode questionar os procedimentos e técnicas utilizados,
os dados levantados e a conclusão da avaliação feita pelo perito, além de colaborar
com o patrono da parte na formulação de quesitos a serem encaminhados ao perito.
Como os assistentes técnicos são de confiança da parte e não do Juízo, não estão
sujeitos a impedimento ou suspeição legal. Com frequência encontra-se processos
nos quais as conclusões do assistente técnico são diversas das que constam do laudo
do perito.

| 25
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
[...]
Não obstante a recomendação disposta na Resolução 08/2010 para que não
haja a co-presença do perito e assistente técnico, o Código de Processo Civil (CPC),
sancionado em 2015, estabelece no artigo 446 a obrigatoriedade de colaboração do
perito em relação ao assistente técnico: § 2.º O perito deve assegurar aos assistentes
das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar,
com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5
(cinco) dias.
Obviamente o CPC refere-se à perícia de qualquer área, incluídas as ciências

24
exatas, de modo que não poderia discriminar o campo específico da Psicologia. Como

9:
se tem conhecimento, esta última está ligada à subjetividade humana e,

:5
00
considerando-se as variáveis em jogo em um litígio familiar, a presença do assistente

1
técnico nas entrevistas pode ser um fator de constrangimento sobre o periciando e,

02
/2
por consequência, interferir nos resultados da perícia. Com efeito, recomenda-se

12
que as(os) psicólogas(os) lotadas(os) nos Tribunais de Justiça recorram às

6/
-1
administrações superiores para que sejam estabelecidas normativas que

om
protejam o seu trabalho. A exemplo disso, a Corregedora Geral da Justiça do Estado

l.c
do Rio de Janeiro publicou, no ano de 2016, um aviso da (CGJ n.º 1247 / 2016) no Diário

ai
gm
Oficial, determinando que: 4. É vedada a participação do assistente técnico da
r@

parte nos atendimentos realizados pelo Psicólogo do PJERJ, conforme previsto


le
el

na Resolução CFP n.º 08/2010 e suas atualizações.


ez

Vale citar também o provimento n.º 12/2017, publicado através da


lin
-a

Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de SP em resposta ao requerimento


9

formulado pela Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do TJ/SP, em nome


-0
98

das(os) psicólogas(os) e assistentes sociais que trabalham na área. O provimento


.1
56

dispõe em seu artigo 1: O acompanhamento das diligências mencionado no parágrafo


.0

2.º do artigo 466 do Código de Processo Civil não inclui a efetiva presença do
20
-3

assistente técnico durante as entrevistas dos psicólogos e assistentes sociais


za

com as partes, crianças e adolescentes. Contudo, havendo interesse do assistente


u
So

técnico, a ser informado nos autos, os psicólogos e assistentes sociais do Poder


de

Judiciário deverão agendar reunião prévia e/ou posterior às avaliações, expondo a


ra

metodologia utilizada e oportunizando a discussão do caso.


ei
er
rP

Sobre a Resolução de Conflitos


lle
Ze

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução n.º 125,


e

que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos
in
Al

de interesses no âmbito do Poder Judiciário para que os tribunais de todo o país


ofereçam núcleos consensuais para resolução de conflitos. A medida faz parte da
Política Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses, que visa assegurar a
conciliação e mediação das controvérsias entre as partes, assim como prestar
atendimento e orientação aos cidadãos. Vários Tribunais do país desenvolveram
projetos relacionados à Conciliação e Mediação, definidos como métodos
autocompositivos de resolução de conflitos, próprios a uma cultura não-adversarial,
como resposta a crescente judicialização dos problemas sociais e das relações
familiares e comunitárias. O objetivo seria o de prestar auxílio a qualquer cidadão na

| 26
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Aula 04
tentativa de solução de um problema, sem a necessidade de uma decisão judicial. O
conciliador ou mediador deve ser capacitado com a função de ajudar os envolvidos
na demanda a encontrarem uma solução juntos, dentro da lei.
Nos Núcleos de Conciliação as partes confiam a um terceiro, estranho ao
processo, a função de auxiliá-las a chegar a um acordo em vários tipos de conflitos:
pensão alimentícia, guarda dos filhos, divórcio; partilha de bens; acidentes de
trânsito; dívidas em bancos; danos morais; demissão do trabalho; questões de
vizinhança etc
[...]

24
Não se trata de impor a solução consensual aos sujeitos envolvidos nos

9:
conflitos, mas de buscar, junto com eles, estratégias que favoreçam a construção de

:5
00
um ambiente propício de escuta, em que possam falar e ouvir o que o outro tem a

1
dizer, bem como promover o redimensionamento das relações familiares, no sentido

02
/2
de contribuir para o restabelecimento de uma relação dialógica entre os indivíduos

12
envolvidos na lide.

6/
-1
[...]

om
Sobre o depoimento especial

l.c
Outra legislação importante a ser destacada é a Lei n.º 13.431, sancionada pelo

ai
gm
Presidente da República em quatro de abril de 2017 e que “estabelece o sistema de
r@

garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e


le
el

altera a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.


ez

O artigo quarto da referida Lei descreve as formas de violência que a mesma se refere,
lin
-a

dentre elas a “violência psicológica” e a “alienação parental”. Consta, ainda, do


9

parágrafo primeiro do artigo quarto que: “para os efeitos desta Lei, a criança e o
-0
98

adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio da escuta


.1
56

especializada e depoimento especial”.


.0

Nos artigos sétimo e oitavo do mesmo diploma legal são apresentadas as


20
-3

definições de escuta especializada e depoimento especial:


za

Art. 7 – Escuta especializada é o procedimento de entrevista


u
So

sobre situação de violência com criança ou adolescente perante


de

órgão de rede de proteção, limitado o relato estritamente ao


ra

necessário para o cumprimento de sua finalidade.


ei
er

Art. 8 – Depoimento especial é o procedimento de oitiva de


rP

criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência


lle
Ze

perante autoridade policial ou judiciária.


e

O depoimento especial surgiu com a denominação de depoimento sem dano,


in
Al

sendo implantado em 2003 no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para inquirir
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Trata-se de técnica que já foi tema
de inúmeros seminários, debates e publicações organizadas pelo Conselho Federal
de Psicologia (CFP, 2009), preocupado com a descaracterização da prática
profissional das(os) psicólogas(os) na realização da inquirição.
No ano de 2010, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução n.
10, visando a regulamentar a escuta psicológica de crianças e de adolescentes,
vedando ao psicóloga(o) o papel de inquiridor. Em julho de 2012 a Resolução CFP

| 27
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
10/2010 foi suspensa em todo o território nacional, por decisão do Juiz da 28.ª
Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Em 2018, o Conselho Federal de Psicologia emitiu a nota técnica n.
1/2018/CTEC/CG, “Nota Técnica sobre os impactos da Lei n. 13.431/2017 na
Atuação das Psicólogas e Psicólogas(os)”. Neste documento o CFP destaca a
“ausência de debates públicos durante a tramitação do Projeto (PL n. 3.792/2015)
que deu origem à Lei n. 13.431/2017” e o “risco de disseminação da prática do
depoimento especial para além dos casos de violência sexual”, dentre outros. No
que diz respeito ao segundo assunto, há crítica quanto ao fato de a lei estender a
prática do depoimento especial às varas de família nos casos de alegação de

24
alienação parental, situações que necessitariam de um aprofundado estudo

9:
:5
psicossocial.

00
No que abrange a escuta especializada (item 4 da Nota técnica n. 1/2018)

1
02
encontra-se que “a escuta especializada realizada por psicólogas e psicólogas(os)

/2
12
na rede de proteção tem como objetivo o acolhimento, permitir o relato livre, com

6/
perguntas estritamente necessárias para que a proteção e o cuidado sejam

-1
prestados”. Encontra-se também a observação de que a mesma “não se configura

om
como relato para a produção de prova”.

l.c
ai
Em dois de julho de 2019 o Conselho Federal de Psicologia, em sua página
gm
eletrônica, convida psicólogas(os) a participarem de pesquisa organizada pelo
r@

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e a Secretaria Nacional de


le
el

Assistência Social (SNAS/MC) visando levantar demandas provenientes do Sistema


ez

de Justiça junto aos profissionais que atuam no Sistema Único de Assistência Social
lin
-a

(SUAS). Como se evidencia na citada página, parte das solicitações provenientes


9

do Sistema de Justiça, dentre outros, “não dizem respeito a providências de


-0
98

proteção social e têm sido encaminhadas inadequadamente para gestões, serviços


.1

e até diretamente para profissionais do SUAS […]”. Ainda de acordo com Nota
56
.0

Técnica n. 01/2018, o item cinco aborda o posicionamento do Sistema Conselhos


20

em relação ao depoimento especial recomendando que: “a psicóloga e a(o)


-3

psicóloga(o) não participem da inquirição de crianças por meio do depoimento


uza

especial” (p. 6), considerando, dentre outros, “que existem diferenças conceituais
So

e metodológicas entre inquirição judicial e escuta psicológica”.


de

[...]
ra
ei

Sobre desdobramentos da Lei Maria da Penha nas varas de família


er
rP

[...]
lle

Como percebeu Cardoso (2019), alguns homens no decorrer de processos de


Ze

regulamentação de visitas a seus filhos se deparam com o fato de terem recebido, em


e
in

processos de natureza criminal, medida que os impede de ter contato com sua prole.
Al

Outras vezes, a situação tem início com a suspensão de visitas aos filhos nos juizados
de violência contra a mulher, visando à prevenção de incidentes, sendo as partes
orientadas a buscar a Vara de Família para resolução de questões que envolvem o
divórcio, o que inclui o direito de convivência familiar dos filhos.
[...]
Entende-se que certamente a Lei n.º 11.340/2006 é um dispositivo para
assegurar os direitos das mulheres, contudo, seus desdobramentos junto aos filhos
devem ser constantemente analisados, lembrando-se que conjugalidade e relações
entre pais e filhos são categorias diferenciadas. [...]

| 28
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
Questões éticas e elaboração de documentos escritos
[...]
Algumas vezes há solicitações para que a(o) profissional psicóloga(o) participe
de audiências na condição de perito ou profissional responsável pelo caso,
diferenciando-se de uma testemunha comum que pode dizer sobre o que viu. Nessa
situação, a(o) psicóloga(o) deve apresentar-se munida(o) do relatório, ou laudo, e do
Código de Ética Profissional, para elucidar dúvidas e responder quesitos a respeito do
estudo realizado. Vale destacar que caso o juiz, em seu livre convencimento, entenda
não suficientemente esclarecido algum ponto, pode designar nova perícia, conforme

24
estabelece artigo 480 do CPC (lei n.º 13.105/2015).

9:
[...]

:5
00
Se a(o) profissional forneceu um parecer técnico sobre o caso, não faz sentido

1
02
ser arrolada(o) como testemunha e, sim como profissional que realizou a

/2
avaliação encaminhada ao juízo, portanto, somente poderá prestar

12
esclarecimentos sobre seu laudo ou relatório psicológico. Contudo, a participação

6/
-1
na audiência é compulsória, sob pena de desobediência civil. Em sendo assim a(o)

om
profissional deve comparecer em dia e hora determinados na intimação, mas não

l.c
necessariamente atender às exigências feitas pela justiça, caso sejam contrárias aos

ai
princípios éticos da profissão. gm
r@

Outro ponto relevante é que a(o) psicóloga(o) não tem o direito de colher
le
el

informações do cliente e depois se negar a conversar com a pessoa atendida


ez

sobre as conclusões a que chegou. Entrevistas de devolução fazem parte das tarefas
lin
-a

e obrigações das(os) psicólogas(os), independentemente da instituição na qual


9

estejam atuando. Tal tarefa torna-se ainda mais premente quando a(o) psicóloga(o)
-0
98

chega a conclusões contrárias ao pleito judicial da pessoa atendida, de tal modo que
.1
56

o laudo ou o relatório psicológico terá consequências adversas às expectativas de


.0

quando ela ajuizou a ação judicial.


20
-3

[...]
za

Destaca-se, também, que as conclusões dos escritos produzidos por


u
So

psicólogas(os) devem ater-se ao âmbito da Psicologia, portanto, estas são conclusões


de

psicológicas e não jurídicas, não sendo atribuição de psicólogas(os) proferir


ra

sentenças ou soluções jurídicas como, por exemplo, decidir disputas de guarda, fixar
ei
er

visitas etc. Nesses casos, o que se poderia relatar é se há contraindicações


rP

psicológicas para que um dos responsáveis detenha a guarda ou conviva com o filho.
lle
Ze

Fora isso, a determinação de qual modalidade de guarda será aplicada ou, ainda,
e

quem será o guardião, se for o caso, será estabelecida na sentença a ser proferida pelo
in
Al

juiz. Como explicitado no artigo 7.º da Resolução do CFP n.º 8 de 2010.


[...]
Assim, é preciso cuidado para que a(o) psicóloga(o) não seja transformado em
juiz oculto, a quem se solicita a redação de sentenças, como alerta Legendre (1994).
Para este autor, o trabalho desenvolvido pelos psicólogas(os) não deve excluir a
possibilidade de o juiz manter suas dúvidas, portanto, sua capacidade de julgar. Até
porque, como se sabe, o parecer psicológico é apenas mais uma informação entre as
muitas que compõem o processo, cabendo ao juiz, a partir da avaliação de todos os

| 29
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
dados disponíveis na peça processual e do disposto no sistema de leis que regem a
sociedade, julgar.
[...]
Por essa razão, a resolução CFP n.º 008/2010 estabelece em seu artigo 10:
Com intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de
condições, é vedado ao psicóloga(o) que esteja atuando como
psicoterapeuta das partes envolvidas em um litígio: I – Atuar como
perito ou assistente técnico de pessoas atendidas por ele e/ou de
terceiros envolvidos na mesma situação litigiosa; II – Produzir

24
documentos advindos do processo psicoterápico com a finalidade de

9:
fornecer informações à instância judicial acerca das pessoas

:5
00
atendidas, sem o consentimento formal destas últimas, à exceção de

1
Declarações, conforme a Resolução CFP n.º 07/2003 (revogada pela

02
/2
resolução 04/2019).

12
[...]

6/
-1
om
Formação para atuação e gestão do trabalho

l.c
ai
Nota-se que até o momento não houve construção coletiva entre as entidades
gm
de Psicologia e as do Judiciário de critérios objetivos para alocação de recursos
r@

humanos, que considerem a proporção adequada entre o número de profissionais e


le
el

número de habitantes, grau de vulnerabilidade social e número de ações processuais


ez
lin

atendidas. Uma das consequências possíveis da falta de critérios objetivos para fixar
-a

o número de profissionais da equipe interprofissional é a desproporção entre o


9
-0

número de pessoas atendidas por profissional, que acaba por determinar práticas
98

limitadas ao atendimento de demandas de urgência, com considerável restrição às


.1
56

ações de acompanhamento de casos. As dificuldades para efetivar as funções


.0
20

profissionais de caráter interventivo e preventivo isolam as equipes, obstaculizando


-3

ações articuladas interna e externamente à instituição judiciária.


uza
So
de
ra
ei
er
rP
lle
Ze
e
in
Al

| 30
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
12) GUIA OPERACIONAL DE ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. ALANA e MPSP, 2020.
Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/GuiaOperacionalInfanciaMPS
P.pdf

Não serão encontrados aqui modelos de fluxos, protocolos, programas

24
instituídos, tampouco soluções dadas a casos concretos. Isso, porque a proposta se

9:
baseia no grande enriquecimento e amadurecimento que podem advir das reflexões

:5
00
e discussões para a construção coletiva aqui proposta, lembrando que as

1
02
possibilidades são muitas e devem ser conjunta e incessantemente buscadas pelos

/2
atores das redes protetivas, respeitadas as condições, estruturas e peculiaridades

12
6/
locais. Afinal, tudo o que é coletivamente construído garante sensação de

-1
pertencimento e aumenta sensivelmente o efetivo engajamento e implicação de cada

om
um dos envolvidos.

l.c
ai
[...]
gm
Este projeto surge a partir de uma experiência exitosa de articulação da rede
r@

de proteção e inspira-se na constatação do imensurável potencial do Ministério


le
el

Público de mobilizar pessoas e políticas, além de contribuir na construção de todo um


ez
lin

sistema que seja verdadeiramente protetivo, acolhedor, sensível, acessível, eficaz e


-a

efetivo no trato com crianças e adolescentes.


9
-0

[...]
98

A Lei 13.431/2017, em vigor desde 4 de abril de 2018, estabelece medidas de


.1
56

assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência,


.0

reconhecendo serem detentores de direitos fundamentais inerentes à pessoa


20
-3

humana e conferindo-lhes direitos específicos à condição de vítima ou testemunha


za

de violência, com intuito de compatibilizar o direito à participação com as condições


u
So

peculiares de pessoas em desenvolvimento, bem como para evitar a revitimização e


de

a violência no âmbito institucional.


ra

[...]
ei
er

Destaca-se que este GUIA OPERACIONAL cuida exclusivamente da


rP

ESCUTA ESPECIALIZADA no âmbito protetivo e nasce com o propósito de


lle
Ze

subsidiar o Sistema de Garantia de Direitos de cada município na construção


e
in

conjunta de um PROGRAMA DE ATENDIMENTO a crianças e adolescentes


Al

vítimas ou testemunhas de violência, especialmente, aquelas em situação


de violência sexual, com base na estrutura e nas condições locais para tanto.
[...]
Este GUIA Operacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes inspira-se na experiência exitosa da rede protetiva de Jacareí/SP e
viabiliza a construção coletiva de um programa de atendimento e atenção integral
em cada município, adaptado à estrutura local e baseado no empoderamento de
cada integrante da rede protetiva do município, unidos(as) num relacionamento
horizontal com vistas a uma meta comum: a proteção integral da infância e

| 31
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
adolescência com absoluta prioridade, tendo no Ministério Público fundamental
apoio nesta construção. A proposta de articulação da rede de proteção para
atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual em Jacareí
nasceu ainda no ano de 2014, a partir de demandas da própria rede protetiva do
município, sensível ao baixo número de notificações de violência, dentre elas a sexual,
à falta de capacitação dos atores da rede de atendimento de forma conjunta e à
atuação fragilizada em termos de articulação entre os diferentes serviços e
instituições do Sistema de Garantia de Direitos.
[...]

24
No ano de 2015, foi instaurado um Inquérito Civil com o objetivo de

9:
documentar os pilares, as premissas e as bases que estavam sendo construídas. Esse

:5
00
processo antecedeu a Lei 13.431/17 e os debates iniciais se fixaram na necessidade de

1
garantir a acolhida da criança e da família por profissionais qualificados(as), no

02
/2
menor tempo possível, visando à escuta, à avaliação, ao monitoramento, à

12
assistência integral, à redução do risco e à superação da violação.

6/
-1
[...]

om
2. UM BREVE PANORAMA DO PROBLEMA

l.c
A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma grave violação de

ai
gm
direitos que atinge a dignidade humana e a integridade física e mental das
r@

vítimas. Recorrente no mundo todo, também se expressa de forma latente na


le
el

realidade brasileira. Esse tipo de violência contra indivíduos reconhecidamente


ez

vulneráveis evidencia os elementos culturais que a ensejam, como a relação


lin
-a

desigual entre adultos e crianças, a coisificação, a adultização precoce e as


9

desigualdades de gênero. Trata-se de um fenômeno complexo, multifacetado, que


-0
98

deixa marcas profundas e se relaciona a fatores culturais, sociais e econômicos. No


.1
56

Brasil, atinge milhares de meninos e meninas cotidianamente, muitas vezes de forma


.0

silenciosa, comprometendo sua qualidade de vida e seu desenvolvimento físico,


20
-3

emocional e intelectual. É um tipo de violência que atinge todos os grupos sociais e


za

pode ser cometida dentro da residência da vítima, nas escolas, nas instituições de
u
So

acolhimento e, ainda, pela internet, fenômeno que vem demandando novas formas
de

de prevenção e articulação para seu enfrentamento.1


ra

[...]
ei
er

A Lei 13.431 de 2017 trouxe definições conceituais do termo, em seu artigo 4º,
rP

no sentido de que a violência sexual pode ser entendida como: “qualquer conduta
lle

que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal


Ze

ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por
e
in
Al

meio eletrônico ou não” e, ainda, que compreenda o abuso e a exploração sexual,


bem como o tráfico de pessoas com o fim de exploração sexual.
[...]
Direitos sexuais também integram os direitos humanos e são uma categoria
ampla que compreende a tutela dos corpos, da saúde reprodutiva e da sexualidade
saudável de crianças e adolescentes. Na perspectiva de direitos humanos, proteger
os direitos sexuais de crianças e adolescentes é garantir que esse público seja
protegido de toda e qualquer ação capaz de interferir no desenvolvimento sadio da
sua sexualidade, assegurando que ninguém desrespeite seu corpo e impedindo a

| 32
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
realização de atos incompatíveis com o seu desenvolvimento físico, psicológico,
cognitivo e emocional
[...]
Conceitos Básicos
Abuso Sexual
O abuso sexual é entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do
adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado
de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de
terceiro. Configura-se como a violência praticada contra o corpo da criança ou do

24
adolescente, isto é, a utilização de sua sexualidade, para a prática de qualquer ato de

9:
natureza sexual, no contexto de uma relação desigual de poder entre o abusador e a

:5
00
vítima. A relação abusiva pode ser dividida em intrafamiliar, em que a vítima e o(a)

1
agressor(a) possuem algum grau de parentesco; e extrafamiliar, em que não há

02
/2
vínculo; ou, ainda, em urbana e doméstica. Na maioria dos casos, o abuso sexual não

12
se constitui em fato único, mas sim, em uma sequência de fatos, num processo com

6/
-1
fases em escalada, desde a sedução até o abuso propriamente dito, e que pode durar

om
anos até a ocorrência de eventual conjunção carnal36 . Por ser uma violência que

l.c
acontece, em sua grande maioria, dentro de casa, no âmbito privado e sem

ai
gm
testemunhas, o abuso sexual apresenta uma dimensão extremamente complexa, que
r@

envolve o vínculo afetivo entre o(a) agressor(a) e a vítima, o segredo da prática, a


le
el

clandestinidade, dentre tantos outros contornos que exigem uma abordagem


ez

integral, interdisciplinar e intersetorial para o seu enfrentamento.


lin
-a
9

Abuso Online
-0
98

O abuso online é a manifestação do abuso sexual por meio da internet. Ele


.1
56

pode acontecer de diversas maneiras e chegar ou não ao contato pessoal do abusador


.0

com a vítima, o qual pode culminar em atos de violência física e sexual. A pessoa que
20
-3

pratica esse tipo de violência, muitas vezes, age de forma sedutora, conquistando a
za

confiança das crianças e dos adolescentes38. Vale ressaltar que o intermédio da


u
So

internet, neste caso, pode facilitar ações maliciosas, inclusive, porque a criança, via
de

de regra, não consegue identificar ou ter certeza da identidade de quem a está


ra

contatando. Ao ato de conquistar a confiança de uma criança e chantageá-la pela


ei
er

internet com o intuito de buscar benefícios sexuais, dá-se o nome de grooming .


rP
lle

Exploração Sexual
Ze

A exploração sexual de crianças e adolescentes difere do abuso sexual, pois


e
in
Al

envolve, necessariamente, uma moeda de troca, que pode ser tanto dinheiro, como
qualquer objeto com valor ou mercadoria. Nesse caso, ocorre o pagamento à vítima
para que a violência ocorra. É necessário destacar que essa modalidade de violência
se configura por ato que ocorre entre a vítima e o abusador, sem intermédio de
terceiros, diferentemente da exploração sexual comercial. Diante destas
características, é importante considerar que a exploração sexual se relaciona
diretamente com as situações de vulnerabilidade que as crianças, adolescentes e
suas famílias vivenciam, com contornos de pobreza, privação, fome, ausência de

| 33
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
recursos, etc. Contextos nos quais a moeda de troca financeira ou mesmo de atenção,
promessas e regalias, representa grande poder de manipulação.

Exploração Sexual Comercial


Entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual, em
troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, sob patrocínio,
apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico. Nessa
forma, existe a mediação entre adultos com obtenção de lucro. Refuta-se a
terminologia “prostituição infantil”, na medida em que a prostituição pressupõe

24
consentimento, o que a criança ou o adolescente não possui condições de dar42. Com

9:
efeito, crianças e adolescentes são inseridos em uma realidade desumana de maneira

:5
00
compulsória ou por manipulação, a qual configura uma das piores formas de trabalho

1
infantil. Revela-se um uso perverso das vulnerabilidades econômicas e sociais,

02
/2
pautado nas estruturas racista, machista e misógina da sociedade brasileira, cujas

12
consequências, para crianças e adolescentes, são devastadoras.

6/
-1
om
Pornografia Infantil

l.c
A pornografia infantil consiste nos atos de produzir, reproduzir, dirigir,

ai
gm
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
r@

pornográfica, envolvendo criança ou adolescente. Com o avanço de tecnologias de


le
el

modificação de imagens, essa prática também passa a abarcar a adulteração,


ez

montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de


lin
-a

representação visual, simulando a participação de criança ou adolescente em atos


9

pornográficos. Importante destacar que a ampliação do acesso à internet também


-0
98

promoveu a possibilidade de proliferação e acesso à pornografia infantil. Registre-se


.1
56

que o termo “pornografia infantil” é comumente utilizado por conta da menção à


.0

“cena pornográfica” nos delitos tipificados no artigo 241 e suas letras, do ECA. No
20
-3

entanto, o tema é impreciso e inadequado, na medida em que crianças e adolescentes


za

abusados(as) ou explorados(as) sexualmente não consentem para o ato, como ocorre


u
So

na pornografia de adultos. O alcance desse tipo de crime é incalculável, pois tanto a


de

presença dos aliciadores quanto a divulgação das imagens se faz, comumente, via
ra

internet. O acesso às imagens, portanto, é perene, de modo que a vítima corre o risco
ei
er

de se deparar com elas durante toda a vida, o que provoca uma eterna atualização do
rP

trauma.
lle
Ze

Tráfico de Crianças e Adolescentes para Fins Sexuais


e
in
Al

Entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento


ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para
o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou
outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento
de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento.
Uma característica específica desse tipo de crime é o afastamento de crianças
e adolescentes de sua comunidade, sua cultura, sua língua, de modo que os danos
biopsicossociais da exploração sexual sejam agravados pela situação de extremo
desamparo ao qual são submetidos(as). Ainda, as circunstâncias que envolvem esse

| 34
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
crime dificultam sobremaneira seu descortinamento e resgate das vítimas. Nesse
contexto, a prevenção é imprescindível, com informação e educação de crianças,
adolescentes, suas famílias e comunidades, bem como a instrução de todas as
pessoas quanto à identificação de sinais suspeitos e aos canais de denúncia
[...]

MARCOS LEGAIS
[...]
Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente

24
A Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, tratado internacional

9:
ratificado por diversos países, incluindo o Brasil, assegura direitos e obriga os Estados

:5
00
a diversos compromissos referentes aos direitos de crianças e adolescentes.

1
[...]

02
/2
Convenção de Belém do Pará

12
No âmbito internacional, as implicações da desigualdade de gênero na violência,

6/
-1
especialmente a sexual, também receberam especial atenção por meio da Convenção

om
de Belém do Pará de 1994. Esse instrumento estabelece que a violência contra a

l.c
mulher abrange a violência física, sexual e psicológica, ocorrida em âmbito familiar,

ai
gm
unidades domésticas, na comunidade da vítima ou perpetrada pelo Estado e seus
r@

agentes. Ainda, reconhece que a violência afeta as mulheres por múltiplas vias,
le
el

obstaculizando o exercício de direitos fundamentais. Além disso, reconhece a íntima


ez

relação existente entre a violência de gênero e a discriminação, afirmando que tal


lin
-a

violência é um reflexo das relações de poder historicamente desiguais entre homens


9

e mulheres. Ademais, aponta que toda mulher tem direito a uma vida livre de
-0
98

violência e de toda forma de discriminação, devendo ser valorizada e educada livre


.1
56

dos padrões estereotipados.


.0

[...]
20
-3

Constituição Federal
za

A sociedade brasileira optou pela Doutrina da Proteção Integral no que diz respeito
u
So

aos direitos das crianças e dos adolescentes ao aprovar, em 1988, a Constituição da


de

República Federativa do Brasil. A Carta Magna reconhece crianças e adolescentes


ra

enquanto sujeitos de direito, os quais devem ter sua peculiar condição de


ei
er

desenvolvimento respeitada, assegurando-se, assim, sua absoluta prioridade e seu


rP

melhor interesse.
lle

[...]
Ze

Estatuto da Criança e do Adolescente


e
in
Al

O Estatuto da Criança e do Adolescente surge como uma legislação que visa efetivar
a proteção de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, como o direito à vida,
à segurança, à integridade física, à saúde e à dignidade, desenvolvendo e
operacionalizando as diretrizes constitucionais.
[...]
Código Penal
No que diz respeito à violência sexual, o Código Penal prevê como crimes, sem
distinção quanto à vítima, o estupro (artigo 213) e o assédio sexual (artigo 216-A). No
entanto, a compreensão de que determinados sujeitos são mais vulneráveis aos

| 35
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
crimes sexuais, como as crianças, levaram à tipificação de crimes específicos
praticados contra essa parcela da população, como o estupro de vulnerável (art. 217-
A), a corrupção de menores (art. 218), a satisfação de lascívia mediante presença de
criança ou adolescente (art. 218-A), o favorecimento da prostituição ou de outra
forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B) e
a divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo
ou de pornografia (218-C). Aqui, cabe destacar que a violência sexual contra meninas
crianças e adolescentes gera graves violações de seus direitos e corpos, com diversas
consequências, sendo uma delas a gravidez precoce. Reconhecendo o dever

24
estabelecido pela Constituição Federal de 1988 de proteção de crianças e

9:
adolescentes com absoluta prioridade, o artigo 128 do Código Penal prevê que não

:5
00
haverá punição para interrupção de gravidez quando a mesma é resultante de

1
estupro ou quando traz riscos à vida da gestante.

02
/2
[...]

12
Lei nº 13.431 de 2017

6/
-1
A Lei 13.431/17, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do

om
adolescente vítimas ou testemunhas de violência, reforça os direitos fundamentais de

l.c
crianças e adolescentes e, ainda, assegura outros direitos específicos à condição

ai
gm
especial de vítima ou testemunha de violência. Mais do que fixar diretrizes que
r@

garantam que a escuta da criança e do adolescente em situação de violência


le
el

transcorra de forma não revitimizante, tanto no âmbito protetivo quanto no sistema


ez

de Segurança e Justiça, a lei estabelece a obrigatoriedade de ações coordenadas por


lin
-a

uma rede articulada, visando à proteção e ao atendimento integral de crianças e


9

adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A Lei foi regulamentada por meio


-0
98

do Decreto 9.603/2018 e, em junho de 2019, foi firmado o Pacto Nacional pela


.1
56

Implementação da Lei 13.431/17, o qual tem como objeto a conjugação de esforços


.0

interinstitucionais para, mediante atuação integrada dos pactuantes, estabelecer


20
-3

mecanismos para a concretização do disposto pela Lei 13.431/17, dentre eles, estão
za

órgãos do Poder Executivo, Poder Judiciário, Polícia Civil, Ministério Público e


u
So

Defensoria Pública.
de

[...]
ra

Qual a diferença entre Depoimento Especial e Escuta especializada?


ei
er

A Lei 13.431/17 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo novos


rP

parâmetros para o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente,


lle

implementando formas específicas para a escuta de crianças e adolescentes vítimas


Ze

ou testemunhas de violência. Os dois modelos de escuta estabelecidos são: 1) a


e
in
Al

escuta especializada e 2) o depoimento especial. Destaca-se que se tratam de


procedimentos distintos e que não podem ser confundidos, bem como que a escuta
especializada não deve ser entendida como uma etapa obrigatória que precede o
depoimento especial. Ambas as modalidades têm como prerrogativa a garantia do
melhor interesse de crianças e adolescentes em situação de violência. Ambos devem
ser realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que
garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de
violência. Apesar disso, são distintos na forma de coleta e em seus objetivos
principais, como explicado a seguir:

| 36
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Aula 04
Escuta Especializada
A escuta especializada é prevista, respectivamente, no artigo 7º da Lei 13.431/17 e no
artigo 19 do Decreto 9.603 de 2018, da seguinte maneira:
Art. 7º Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de
violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção,
limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua
finalidade.
Art. 19. A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da
rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da

24
segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o

9:
acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação

:5
00
das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário

1
para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de

02
/2
cuidados.

12
6/
-1
A finalidade dessa modalidade de escuta é permitir que qualquer criança ou

om
adolescente em situação de violência possa ser ouvido(a) de forma qualificada

l.c
perante órgão da rede de proteção. A questão principal que deve nortear a atuação

ai
gm
da rede protetiva, nesse momento, é como acolher, dar credibilidade à palavra da
r@

criança ou adolescente e interromper o ciclo de violências. Desta forma, a escuta


le
el

especializada é fundamental para pensar nas intervenções que devem ou não ser
ez

realizadas com o objetivo de garantir a atenção e a proteção integral da criança ou


lin
-a

adolescente vítima ou testemunha de violência.


9

Assim, a escuta especializada é feita PELA rede protetiva e PARA fins de


-0
98

proteção. A proteção independe da existência de feito judicial em trâmite, de ter


.1
56

havido arquivamento de inquérito policial ou da absolvição ou condenação do(a)


.0

acusado(a) ou agressor(a). Independentemente da responsabilização criminal, a


20
-3

proteção há de ser realizada conjuntamente pela rede, no âmbito da saúde,


za

assistência social, educação, etc., preferencialmente, através de um programa de


u
So

atendimento intersetorial para atendimento integral da criança ou adolescente em


de

situação de violência. A escuta especializada insere-se nesse programa de


ra

atendimento que é muito mais amplo que a simples escuta, pois deve incluir a
ei
er

avaliação de risco e eventuais intervenções intersetoriais, tendo em vista a


rP

perspectiva de que as políticas, insuficientes sozinhas, complementam-se umas às


lle

outras.
Ze

Considerando a multiplicidade das formas de violência às quais crianças e


e
in
Al

adolescentes estão sujeitos(as), os meios para lidar com elas, ao trazer, dentre as
modalidades de escuta, a ESCUTA ESPECIALIZADA pela rede de proteção, a legislação
rompe paradigmas ao garantir que a criança e o adolescente sejam efetivamente
vistos como sujeitos de direitos, e não como meros instrumentos de prova para fins
de responsabilização pelo sistema de Justiça, alçando a proteção integral a finalidade
prioritária.
Importante, aqui, a perspectiva de que os atores da rede de proteção não são
encarregados de investigar a veracidade e os detalhes dos relatos e situações de
violência, motivo pelo qual devem se abster de realizar perguntas que não sejam

| 37
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
necessárias para o devido encaminhamento do caso no âmbito protetivo. Como
determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a mera suspeita da
ocorrência de violência já basta para que se acione a rede de proteção para que seja
realizada a escuta especializada, sem necessidade de sua confirmação,
especialmente, por meio de perguntas que coloquem sob suspeita o próprio relato da
vítima.
[...]
Diante disso, faz-se relevante destacar que a escuta especializada é entendida
aqui como uma escuta qualificada, realizada com o objetivo de fazer uma

24
identificação inicial de como a violência sofrida impactou a criança ou o adolescente,

9:
sua família e sua comunidade, compreendendo o quanto a vítima entendeu ou não a

:5
00
violência sofrida, as relações estabelecidas pelos sujeitos envolvidos, dentre outros

1
aspectos que permitam, a partir desse primeiro retrato, elaborar, em conjunto pela

02
/2
rede, as estratégias de intervenção com a criança ou adolescente e sua família.

12
Acredita-se que a escuta especializada nesses moldes garante que as intervenções

6/
-1
para proteção e cuidado propostas não revitimizem a criança ou o adolescente, não

om
seja desproporcional em relação à necessidade da vítima e seja sensível e cuidadosa

l.c
a partir das particularidades do caso e da individualidade da criança ou do

ai
adolescente vítima ou testemunha de violência. gm
r@

[...]
le
el

Embora a escuta especializada comporte uma dimensão de acolhimento,


ez

este não se restringe à escuta; a acolhida deve ser realizada sempre que a
lin
-a

violência é revelada. Trata-se do momento em que o adulto que escuta o relato dá


9

credibilidade à palavra da criança ou do adolescente, não julga, não desmente, dá


-0
98

apoio e suporte, demonstra cuidado e, de acordo com a faixa etária, mostra o


.1
56

caminho a ser percorrido para o cuidado e a proteção. Na escuta especializada, não


.0

se incentiva a criança ou o adolescente a falar dos fatos ocorridos, mas sim sobre o
20
-3

entorno familiar e meios de proteção. Os profissionais da saúde, educação e


za

assistência social não precisam de detalhes dos fatos ocorridos para planejar as
u
So

intervenções protetivas.
de

Nesse contexto, vale lembrar que a escuta especializada deve ser feita sem
ra

interrupções, permitindo que a criança ou o adolescente se expresse livremente,


ei
er

respeitando-se as peculiaridades quanto ao seu modo de se expressar, bem como de


rP

vivenciar e elaborar as situações de violência. O silêncio também deve ser respeitado,


lle

identificando-se os limites da criança ou do adolescente para relatar o caso, tendo em


Ze

vista que a escuta, na maioria das vezes, é realizada em um momento de grande


e
in
Al

fragilidade emocional. Ainda, deve-se utilizar uma linguagem compatível com a idade
da vítima ou testemunha de violência, bem como “escutar” o que é dito e, também, o
que não é falado. Recorda-se, ainda, que as crianças ou os adolescentes devem poder
escolher se desejam ser ouvidas com seus responsáveis ou sozinhas, devendo-se
ouvir e informar também os acompanhantes sobre o motivo do atendimento.
[...]
Depoimento Especial
A definição de depoimento especial é dada pelo artigo 8º da Lei 13.431/17:

| 38
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Aula 04
Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou
adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade
policial ou judiciária. Essa forma de escuta tem o fim de colher provas
em um procedimento administrativo (policial) ou processo judicial.
Esse procedimento não pode prescindir das técnicas e dos princípios que o
orientam, não podendo, em nenhum momento, a finalidade judicial de
responsabilização do(a) agressor(a) prevalecer sobre o bem-estar e o melhor
interesse da criança ou do adolescente. Ainda, de acordo com o parágrafo 2º do artigo
22 do Decreto 9.603, de 2018, o depoimento especial deverá primar pela não

24
revitimização e pelos limites etários e psicológicos de desenvolvimento da criança ou

9:
do adolescente. Por isso, o depoimento especial deverá ser regido por protocolos e,

:5
00
sempre que possível, realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de

1
prova judicial para todas as formas de violência contra crianças de até 7 anos e

02
/2
crianças e adolescentes de até 17 anos vítimas de violência sexual, garantida a ampla

12
defesa do investigado.

6/
-1
[...]

om
O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (SGD)

l.c
ai
gm
A sistemática estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para
r@

efetivação dos direitos dessa parcela da população implica na intervenção de


le
el

diversos órgãos e autoridades, os quais, embora possuam atribuições específicas,


ez

têm igual responsabilidade na apuração e resolução dos problemas individuais e


lin
-a

coletivos que envolvem crianças e adolescentes.


9

O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente consiste na


-0
98

atuação e intervenção conjunta e sistemática de diversos órgãos e autoridades, cujo


.1
56

papel é efetivar os direitos desse público. O papel de tais atores é definido,


.0

principalmente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Resolução 113 do


20
-3

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).


za

O artigo 86 do ECA estabelece que a política de atendimento dos direitos da


u
So

criança e do adolescente deve ser realizada por meio de um conjunto de ações


de

governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e


ra

dos municípios. O rol de atores, que não é exaustivo, de integrantes do sistema


ei
er

compreende: (i) Conselhos Tutelares; (ii) promotores(as) e juízes(as) das Varas da


rP

Infância e Juventude; (iii) defensores(as) públicos(as); (iv) conselheiros(as) de


lle

direitos da criança e do adolescente; (v) rede de proteção social, em especial,


Ze

assistência social, educação e saúde; (vi) policiais das delegacias especializadas


e
in
Al

e (vii) integrantes de entidades de defesa dos direitos da criança e do


adolescente.
Posteriormente, a Resolução 113 do CONANDA definiu o Sistema de Garantia
de Direitos da Criança e do Adolescente como a articulação e integração das
instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle
para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis
federal, estadual, distrital e municipal, além de lhe atribuir, em seu artigo 2º, o papel
de: promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos,

| 39
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as
crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos
de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo
de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e
reparação dessas ameaças e violações.
[...]
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente é caracterizado
por uma organização em rede, por meio da qual os atores que dele fazem parte atuam
a partir de três eixos: (a) defesa, (b) promoção e (c) controle social, conforme

24
explicitado na Resolução 113 do CONANDA:

9:
A. Defesa: o eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e

:5
00
adolescentes se caracteriza pela garantia do acesso à Justiça, ou seja,

1
pelo recurso às instâncias públicas e aos mecanismos jurídicos de

02
/2
proteção legal dos direitos humanos, gerais e especiais, da infância e

12
da adolescência, para assegurar a impositividade de tais direitos e sua

6/
-1
exigibilidade em concreto. São atores que integram este eixo:

om
conselheiros(as) tutelares, promotores(as) e juízes(as) das Varas da

l.c
Infância e Juventude, defensores(as) públicos(as), conselheiros(as) de

ai
gm
direitos da criança e do adolescente, profissionais que trabalham em
r@

entidades sociais, policiais das delegacias especializadas, integrantes


le
el

de entidades de defesa dos direitos humanos da criança e do


ez

adolescente, entre outros.


lin
-a

B. Promoção: o eixo da promoção de direitos humanos de crianças e


9

adolescentes funciona por meio de uma política de atendimento dos


-0
98

direitos dessa população, como previsto no artigo 86 do ECA. Essa


.1
56

política é especializada nos direitos e necessidades dessa população,


.0

podendo ser caracterizada pela concretização de direitos sociais


20
-3

previstos na Constituição Federal, como o direito à saúde e à educação.


za

Por sua natureza ampla, este eixo compreende um número amplo de


u
So

atores, tendo em vista sua característica transversal e intersetorial,


de

devendo articular todas as políticas públicas e integrar suas ações em


ra

favor da garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes.


ei
er

C. Controle social: o controle das ações públicas de promoção e


rP

defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente se dá por


lle

meio de instâncias públicas colegiadas, assegurada a paridade da


Ze

participação de órgãos governamentais e de entidades sociais, tais


e
in
Al

como os conselhos de direitos de crianças e adolescentes; conselhos


setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e órgãos e
poderes de controle interno e externo. Todas as unidades da Federação
devem possuir um Conselho de Direitos da Criança. Os Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente, são órgãos deliberativos e
controladores das ações em todos os níveis, previstos no artigo 88,
inciso II, do ECA, que também assegura a participação paritária entre
governo e sociedade civil, por meio de organizações representativas.
Assim, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

| 40
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Aula 04
(CMDCA) é um órgão articulador das iniciativas de promoção e defesa
dos direitos da criança e do adolescente, responsável pela elaboração
das diretrizes e prioridades da política de atendimento aos direitos da
criança e do adolescente, bem como pelo seu acompanhamento,
controle e avaliação. Os Conselhos são, também, responsáveis pela
gestão do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, o qual financia
ações na área da infância e adolescência, bem como pela elaboração e
controle da execução de Planos Municipais, [...]

24
Vale registrar que o artigo 3º do Decreto 9.603/2018 enfatiza que o Sistema de

9:
Garantia de Direitos intervirá nas situações de violência contra crianças e

:5
00
adolescentes com as seguintes finalidades:

1
I. mapear as ocorrências das formas de violência e suas

02
/2
particularidades no território nacional;

12
II. prevenir os atos de violência contra crianças e adolescentes;

6/
-1
III. fazer cessar a violência quando esta ocorrer;

om
IV. prevenir a reiteração da violência já ocorrida;

l.c
V. promover o atendimento de crianças e adolescentes para minimizar

ai
as sequelas da violência sofrida; e gm
r@

VI. promover a reparação integral dos direitos da criança e do


le
el

adolescente
ez

[...]
lin
-a

A seguir, buscamos reunir as principais recomendações apontadas pelo Estatuto da


9

Criança e do Adolescente, pela Lei 13.431/2017, pelo Decreto 9.603/2018 e pela


-0
98

Resolução nº 20/2005 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas sobre as


.1
56

Diretrizes para a Justiça em assuntos envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de


.0

crimes, quais sejam:


20
-3

1. Informação - crianças, adolescentes, seus pais e familiares, quando em contato


za

com a rede de proteção, devem ter o direito à informação garantido, sendo


u
So

informados(as) sobre seus direitos, os procedimentos envolvidos e suas


de

consequências. Ainda, a informação deve ser exposta de forma acessível, de acordo


ra

com a faixa etária e o desenvolvimento da criança ou do adolescente.


ei
er

2. Proteção da privacidade - a privacidade e os dados de crianças e adolescentes


rP

vítimas de violência devem ser preservados, atentando-se ao caráter de


lle

confidencialidade das informações, sendo compartilhadas apenas as aquelas


Ze

estritamente necessárias para o encaminhamento do caso na rede de proteção. 3.


e
in
Al

Segurança - em qualquer procedimento, crianças e adolescentes devem ser


protegidos de danos, incluindo a intimidação, a represália e a revitimização.
4. Abordagem multidisciplinar - os(as) profissionais responsáveis por atender
crianças e adolescentes devem ser encorajados(as) a traçar um perfil compreensivo
das vítimas, avaliando sua situação legal, psicológica, social, emocional, física e
cognitiva; contando, para isso, com articulações intersetoriais harmoniosas e
coordenadas.
5. Participação significativa - a criança ou adolescente deve ser ouvido(a) e poder
expressar seus desejos e opiniões livremente, assim como permanecer em silêncio

| 41
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Aula 04
quando assim desejar. Como sujeitos de direitos, crianças e adolescentes têm o
direito de expressar suas opiniões e ser levadas em consideração de acordo com sua
idade e desenvolvimento, devendo ser consultados(as) sobre seu desejo de
participação em qualquer procedimento.
6. Interesse superior da criança e do adolescente - implica em, sobretudo, evitar a
revitimização da criança ou do adolescente, promovendo um acompanhamento
protetivo, multidisciplinar e intersetorial, eficiente e especializado, considerando-se
seu direito à proteção integral. Para essa proteção, é importante enxergar a situação
pela perspectiva da criança ou do adolescente e, a partir desse lugar, entender qual

24
seria de fato o superior interesse desse sujeito.

9:
7. Igualdade e não discriminação - especialmente no caso de crianças e

:5
00
adolescentes em situação de vulnerabilidade (socioeconômica, orientação sexual,

1
identidade de gênero, entre outras), desde a perspectiva interseccional, deve-se

02
/2
considerar abordagens integrais que impeçam que os preconceitos afetem a garantia

12
de seus direitos.

6/
-1
8. Tratamento digno e compreensivo - crianças e adolescentes devem ser

om
tratados(as) com sensibilidade e respeito ao longo do atendimento pelas diferentes

l.c
instituições encarregadas de proteger seus direitos, levando-se em consideração a

ai
gm
situação pessoal e as necessidades mais imediatas, a idade, o gênero e o
r@

desenvolvimento, respeitando-se plenamente sua integridade física e mental. Isso


le
el

implica compreender e ser sensível aos sentimentos da criança ou do adolescente


ez

sobre o evento violento, sobre o(a) agressor(a) e sobre sua situação em geral,
lin
-a

necessidades, pensamentos, formas de comunicação e experiências individuais.


9

9. Escuta ativa - a escuta ativa é uma técnica que se caracteriza por dar relevância ao
-0
98

contexto e às condições da criança ou do adolescente, assim como a suas percepções


.1
56

e a seus sentimentos. Os(as) profissionais devem procurar manter toda a


.0

comunicação em ambientes em que possam prestar atenção sem interrupções,


20
-3

concentrar-se em tudo o que as vítimas manifestam, utilizar uma linguagem


za

adequada e observar atentamente sua conduta verbal e não verbal, ou seja,


u
So

interpretar, não apenas o que diz, mas como diz e o que não diz. Baseia-se em
de

estabelecer uma relação empática, uma atitude livre de preconceitos e uma escuta
ra

atenta, necessária para que a criança ou o adolescente se sinta cômodo(a) e


ei
er

acolhido(a), sabendo que seu relato é valorizado. A escuta acontece sem julgamento
rP

e desqualificação de opiniões e relatos, respeitando o tempo e a necessidade de


lle

repetir ou omitir detalhes.


Ze

10. Articulação em rede - ações intersetoriais e interdisciplinares facilitam uma


e
in
Al

abordagem integral do fenômeno da violência, potencializando a ação das


instituições com fluxos definidos entre os diversos atores, qualificando o atendimento
com encaminhamentos adequados e ampliando as oportunidades de proteção e
inclusão social de crianças, adolescentes e suas famílias, a partir da aliança
estratégica entre atores sociais e políticas públicas
[...]
O Papel do Ministério Público no SGD
No contexto apresentado de distribuição de competências de atuação no
Sistema de Garantias, o Ministério Público exerce um papel fundamental. Tal órgão,

| 42
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
nos moldes em que foi estabelecido pela Constituição Federal de 198862, pode atuar
judicial e extrajudicialmente, tanto na seara individual quanto na coletiva.
Na atuação judicial relacionada à criança e ao adolescente, o artigo 201 do
Estatuto da Criança e Adolescente representa importante diretriz funcional ao
Ministério Público. No âmbito judicial coletivo, destaca-se a competência do órgão
para defender direitos difusos e coletivos, por meio de ações coletivas, visando
interesses metaindividuais.
Tratando-se ainda de um aspecto coletivo, o Ministério Público também tem
papel fiscalizador da ordem jurídica. Dessa forma, está incumbido de apurar

24
irregularidades em unidades de atendimento e infrações administrativas às normas

9:
de proteção previstas no ECA. Nesse cenário, também pode ser realizada a

:5
00
fiscalização de políticas públicas, ainda que não tenha sido constatado nenhum ato

1
ilícito. Essa prerrogativa oferece a possibilidade de atuação preventiva, garantindo

02
/2
que, por meio de procedimentos administrativos, ocorra o monitoramento e a

12
proposta de regularização e melhoria dessas políticas.

6/
-1
Fora do âmbito judicial, o órgão pode exercer o papel de articulador dessas

om
políticas por intermédio de diversos mecanismos. Como indutor de políticas públicas,

l.c
por exemplo, garante que diversos atores e a sociedade civil sejam ouvidos,

ai
gm
identificando problemas e propondo melhorias para o fluxo de serviços. Ainda, a
r@

emissão de recomendações pelo órgão, no que se refere à melhoria dos serviços


le
el

oferecidos à população infantojuvenil, também funciona como mecanismo de


ez

proteção da infância e juventude e de seu melhor interesse.


lin
-a

[...]
9

Também é válido destacar que, além do importante papel na defesa dos


-0
98

direitos de crianças e adolescentes, o Ministério Público tem o dever de garantir que


.1
56

sua atuação seja engendrada pelos princípios de um Sistema de Garantia de Direitos


.0

sensível, amigável e acessível para crianças e adolescentes. Dessa forma, os(as)


20
-3

representantes da instituição público-ministerial devem garantir o adequado


za

atendimento de crianças e adolescentes, especialmente, a partir:


u
So

a. da sensibilização e mobilização de toda sociedade sobre o tema,


de

fomentando e estimulando as denúncias de forma correta;


ra

b. da criação de mecanismos específicos e eficientes de denúncias de


ei
er

violência contra crianças e adolescentes em outros órgãos do sistema


rP

de garantias, como a escola e os serviços de saúde;


lle

c. da identificação e do acionamento dos órgãos da rede protetiva mais


Ze

apropriados para realizar intervenções e abordagens em supostas


e
in
Al

vítimas, de forma que danos não sejam causados;


d. do acompanhamento, controle, monitoramento e avaliação dos
casos atendidos de forma sistemática, permitindo que cada etapa do
processo possa ser identificada e avaliada.
Para garantir uma atuação efetiva dos membros do Ministério Público no
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, destacamos dois
elementos fundamentais para o trabalho do agente público-ministerial: a equipe
interdisciplinar interna e a articulação em rede.
Equipe Interdisciplinar Interna

| 43
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Aula 04
A presente proposta de atuação das Promotorias de Justiça no enfrentamento
à violência contra crianças e adolescentes tem como perspectiva a
interdisciplinaridade e a articulação em rede, entendendo o Ministério Público como
integrante desta rede.
Nesse sentido, desde 2012, o Ministério Público do Estado de São Paulo conta
com o Núcleo de Assessoria Técnica (NAT)67, formado por assistentes sociais e
psicólogas(os) que atuam na área dos interesses difusos e coletivos, no que diz
respeito ao acompanhamento da implementação e execução de políticas públicas,
com vistas à defesa dos direitos sociais. A partir do saber de cada uma dessas áreas,

24
trazendo perspectivas e visões diferentes daquelas encontradas no campo do Direito,

9:
as equipes do NAT contribuem com a atuação do(a) promotor(a) de Justiça e para o

:5
00
fortalecimento do papel de agente político na defesa dos direitos sociais dessa

1
parcela da população.

02
/2
[...]

12
Articulação em Rede

6/
-1
Um dos aspectos fundamentais do atendimento a crianças e adolescentes

om
vítimas ou testemunhas de violência é seu caráter transversal, ou seja, inclui

l.c
serviços/órgãos das diferentes políticas públicas, como Conselho Tutelar, Conselhos

ai
gm
de Direito e sistema de Justiça. Logo, pensar no atendimento ao referido público é
r@

pensar em uma rede integrada e articulada que assegure a integralidade da


le
el

assistência, da proteção e do cuidado, tanto das crianças e adolescentes quanto de


ez

suas respectivas famílias. Nesse sentido:


lin
-a

Para que uma “rede de proteção”, de fato, possa ser como tal
9

considerada (ao menos sob a ótica da Lei nº 13.431/2017), é preciso


-0
98

muito mais do que a existência de “programas e serviços” (como CRAS,


.1
56

CREAS, CAPs, dentre outros correspondentes às “medidas”


.0

relacionadas nos arts. 18-B, 101 e 129 da Lei nº 8.069/909), mas é


20
-3

também fundamental que tais equipamentos estejam articulados


za

entre si, reunindo-se, definindo procedimentos e ações


u
So

conjuntas/coordenadas e trocando informações acerca dos casos


de

atendidos, sempre na busca de soluções concretas para os mesmos.


ra

Entretanto, a articulação em rede entre atores das diferentes políticas


ei
er

públicas como prática que fortalece a cooperação, a divisão de responsabilidades e a


rP

construção de estratégias para lidar com as dificuldades inerentes ao território de


lle

atuação ainda é incipiente na maioria dos municípios brasileiros. Consequentemente,


Ze

a implantação de fluxos de atendimento requer o fortalecimento dessa prática de


e
in
Al

articulação e o Ministério Público é um importante ator nesse processo.


[...]
PROCEDIMENTOS Para Implementação de um Programa de Atendimento a
Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência
Nesse momento, passa-se a destacar os passos para a implementação de um
programa de atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência [pelo promotor de justiça], o qual é dividido em 5 fases, quais sejam: 1)
Mapeamento, sensibilização e formação do grupo; 2) Diagnóstico e
planejamento; 3) Interface/articulação com o sistema de Justiça; 4)

| 44
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Aula 04
Implementação e funcionamento e 5) Avaliação, monitoramento e continuidade
(institucionalização).
[...]

FASE 1: Mapeamento, Sensibilização e Formação do Grupo


[...]
FASE 2: Diagnóstico e Planejamento Nesta fase será elaborado, em conjunto com a
Comissão Intersetorial, um plano de trabalho com um cronograma, do qual conste as
seguintes etapas:

24
a) Diagnóstico,

9:
b) Fluxo intersetorial e

:5
00
c) Fluxos e protocolos internos.

1
[...]

02
/2
FASE 3: Interface /Articulação com o Sistema de Justiça

12
[...]

6/
-1
FASE 4: Implementação e Funcionamento

om
[...]

l.c
FASE 5: Avaliação, Monitoramento e Continuidade

ai
[...] gm
r@
le
el
ez
lin
-a
9
-0
98
.1
56
.0
20
-3
uza
So
de
ra
ei
er
rP
lle
Ze
e
in
Al

| 45
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
13) GONÇALVES, A. S.; GUARÁ, I. M. F. R. Redes de
Proteção Social na Comunidade: por uma nova cultura de
articulação e cooperação em rede. In: Redes de Proteção
Social. São Paulo: NECA - Associação dos Pesquisadores de
Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o
Adolescente, 2010. p. 11-29.
Disponível em: < https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/Livro4.pdf >

24
9:
:5
Aqui nos interessa apenas o capítulo 01.

00
1
02
Uma nova realidade, mais complexa e multifacetada, tem provocado

/2
12
mudanças na forma como a sociedade se organiza: a articulação em parcerias e

6/
redes é um desses novos arranjos que afloraram fortemente nos últimos anos,

-1
mesclando ações da sociedade civil organizada, órgãos de governo e empresas

om
privadas. [...]

l.c
ai
Hoje, porém, os novos desafios da vida e a própria ciência nos levam a
gm
perceber que a realidade é complexa e exige também um olhar mais amplo e global
r@
le

que inclui a incorporação dos fenômenos inusitados e das incertezas que não
el
ez

podemos superar com uma visão parcial e fragmentada dos problemas.


lin
-a

Apesar de a orientação para o trabalho em rede ter emergido como


9
-0

critério importante na formulação de políticas sociais, a estrutura dos


98
.1

serviços públicos com os quais convivemos são as mesmas estruturas


56

verticalizadas e compartimentalizadas que até pouco tempo atrás pareciam


.0
20

atender bem às demandas da vida cidadã. Convivemos com uma confusão


-3

de referências e com a sobreposição de modelos mais hierárquicos ou


uza

mais flexíveis, e percebemos, ao mesmo tempo, intenções de integração


So

e de especialização, como é comum ocorrer em momentos de transição.


de
ra
ei

O novo modelo de rede, que supõe relações mais horizontalizadas, exige


er
rP

disposição para uma articulação socioeducativa que:


lle

• abre-se para acolher a participação de várias políticas públicas


Ze

setoriais;
e
in
Al

• derruba limites de serviços que agem isoladamente;


• inclui a participação da sociedade, comunidade, famílias;
• acolhe o território onde se localizam as crianças e os adolescentes.
Articular-se significa sobretudo fazer contato, cada um mantendo sua
essência, mas abrindo-se a novos conhecimentos, à circulação das ideias e propostas
que podem forjar uma ação coletiva concreta na direção do bem comum. No entanto,
tendemos, até por razões culturais, a resolver tudo a nosso modo e caminhar em
nosso nicho seguro, sem interferências. Felizmente, percebemos hoje que esse é um
caminho empobrecedor. Por isso, a proposta de articulação em redes deve ser

| 46
Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
ancorada numa intencionalidade clara e aberta, que respeita ritmos e espaços e
estabelece os pactos necessários à continuidade de cada ação.

Demandas heterogêneas das realidades locais


[...] Não há exclusividade de caminhos, pois organizações e grupos podem
compor-se de vários grupos diferentes entre si sem comprometer sua atuação em
cada um deles.
O estágio atual da democracia possibilita igualmente uma participação
maior da sociedade e do cidadão nos destinos políticos do país e, por essa via,

24
também precisamos, cada vez mais, trabalhar em conjunto para obter melhores

9:
:5
resultados das políticas públicas, especialmente nas áreas sociais.

00
A democracia obriga a coalisões. Os serviços já não são de seus

1
02
agentes/trabalhadores. São de um coletivo societário. Nas democracias

/2
contemporâneas, as coalizões ganharam enorme importância para assegurar

12
6/
participação efetiva da sociedade como um todo; representam o canal e o espaço de

-1
construção democrática e coletiva da política pública.

om
l.c
ai
A construção da política exige a participação dos atores internos da
gm
própria política pública (seus trabalhadores e gestores públicos) e atores
r@
le

externos (grupos da sociedade civil). Caso contrário, a própria política se


el
ez

enfraquece e perde legitimidade.


lin
-a

A gestão pública caminha para um novo modo de ação, cada vez mais
9
-0

articulado, complementar e sintonizado com as demandas heterogêneas das


98
.1

realidades locais.
56

A ação em rede se coloca como uma das alternativas de integração, eficácia e


.0
20

efetividade da gestão pública. A busca da intersetorialidade entre as diferentes áreas


-3

do governo, otimizando espaços, serviços e competências, é condição imprescindível


za

para que as crianças e os adolescentes sejam atendidos de modo integral, como prevê
u
So

o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.


de

Essa ação articulada entre políticas intersetoriais e intergovernamentais


ra
ei

permite também o intercâmbio entre agentes sociais e, portanto, potencializa e


er
rP

amplia o desempenho de cada política pública de per se. Evita o isolamento e


lle

promove uma intervenção mais cooperativa e agregadora que permite uma visão e
Ze

uma atuação mais efetiva sobre a realidade e a construção de uma teia de novos
e
in

sentidos para a ação coletiva.


Al

As conexões necessárias à articulação de políticas sociais públicas não são


apenas as de ordem comunitária e territorial, mas exigem a vinculação a redes
temáticas e institucionais de toda a cidade.
[...]
A ação em rede exigirá uma mudança cultural na forma de relação entre
comunidades locais, regionais, nacionais e entre serviços e programas de
organizações governamentais e não governamentais.
O Estado, por meio das ações de suas diversas políticas públicas, deve
responder pela proteção social, particularmente na política da assistência social, que

| 47
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Professor Alyson Barros
Aula 04
dispõe de programas e serviços de proteção social básica ou especial atendendo às
pessoas ou grupos que se encontrem mais vulneráveis.
[...]
A proteção social não está circunscrita apenas ao âmbito do Estado e
apresenta-se originariamente nas relações da família e comunidade. Não obstante, o
Estado tem entre suas responsabilidades fundamentais a de oferecer políticas sociais
que garantam a proteção social como direito e deve fazê-lo em conjunto com a
sociedade promovendo ações que focalizam as pessoas, as famílias e os grupos
sociais que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

24
Essa vulnerabilidade pode ser decorrente da insuficiência ou ausência de

9:
renda, desemprego, trabalhos informais, doenças etc., dificuldades de acesso aos

:5
00
serviços das diferentes políticas públicas, ruptura ou fragilização dos vínculos de

1
pertencimento aos grupos sociais e familiares.

02
/2
12
No conceito de rede, as relações humanas

6/
-1
O vocábulo “rede” lembra uma imagem utilizada hoje para qualificar sistemas,

om
estruturas ou modos de organização empresarial ou governamental que se

l.c
ai
caracterizam por reunir elementos com similaridade de produtos ou serviços que
gm
mantêm alguma ligação entre si, mesmo que se localizem em diferentes pontos de
r@

um território ou país. Porém, nem tudo o que nomeamos rede o é necessariamente.


le
el

Martinho (2003) adverte para um problema: “Quando tudo


ez
lin

indiscriminadamente torna-se rede, essa vigorosa ideia-força perde brilho e poder


-a

explicativo e, o que é pior, deixa de ostentar algumas de suas características mais


9
-0

preciosas: seu poder criador de ordens novas e seu caráter libertador”.


98
.1
56

A rede da qual tratamos neste caderno é aquela que articula


.0
20

intencionalmente pessoas e grupos humanos, sobretudo como uma


-3

estratégia organizativa que ajuda os atores e agentes sociais a


za

potencializarem suas iniciativas para promover o desenvolvimento


u
So

pessoal e social de crianças, adolescentes e famílias nas políticas sociais


de

públicas.
ra
ei

[...]
er
rP
lle

Castells aponta a interdependência entre os nós de uma rede não ignorando


Ze

as diferenças que podem residir entre eles e ressaltando que, ainda assim, não se
e
in

configuraria uma centralidade nesta.


Al

Francisco Whitaker (1998) lembra que a estrutura em rede surge como


contraposição à estrutura vertical, permitindo a horizontalidade das relações
entre os membros: O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios, que
pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós
possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há
um “chefe”, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo
(WHITAKER, 1998).
[...]

| 48
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
Construir redes significa apostar em relações humanas articuladas entre
pessoas e grupos que, no debate das diferenças, possam ajustar intenções mais
coletivas e produtivas para todos. M. Clotilde Rossetti-Ferreira (2000) introduz uma
nova interpretação de rede a partir do conceito de rede de significações,
possibilitando uma compreensão do conteúdo simbólico das relações como
mediadoras do desenvolvimento humano nas situações interativas.
[...]
Como os componentes da rede são diversos em sua natureza, estrutura e
capacidade de ação, é preciso trabalhar na perspectiva de compatibilizar tempos

24
heterogêneos e buscar consensos parciais para cada momento do processo.

9:
Sendo uma nova cultura para a gestão pública, a rede sugere, sobretudo, uma

:5
00
arquitetura de complementaridade na ação. Os desafios para sua implementação

1
ainda são muitos, pois a atuação em rede supõe a socialização do poder, o respeito

02
/2
às autonomias e a negociação.

12
[...]

6/
-1
Pesquisas têm demonstrado que a existência de capital social e

om
também a presença de associações, organizações, escolas, empresas,

l.c
igrejas, grupos culturais etc. fazem a diferença para o desenvolvimento

ai
gm
humano e social e aumenta a confiança e a sensação de proteção social.
r@

Os principais achados dessas pesquisas mostram que o grau de coesão


le
el

social, a profundidade das ligações e a natureza das relações com as


ez
lin

instituições melhoram a qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, as


-a

instituições sociais – escolas, igrejas, clubes, organizações não


9
-0

governamentais etc. – continuam a cumprir um papel importante na


98
.1

articulação das relações sociais, refletindo diretamente os valores,


56

comportamentos e normas sociais de cada sociedade. Funcionam como


.0
20

referência para as relações sociais, apesar de todas as críticas que vêm


-3

sofrendo (COSTA, 2005).


uza
So

A dinâmica das redes e a melhoria das práticas institucionais As experiências


de

de implementação nos processos das diferentes redes têm gerado inúmeros estudos,
ra
ei

reflexões e, consequentemente, diversos aprendizados sobre aspectos a serem


er
rP

considerados quando trabalhamos ou pretendemos atuar nelas.


lle

A mobilização contínua das redes quase sempre exige


Ze

ancoragem/suporte de uma equipe que se dedique ao trabalho de


e
in

articulação e animação do processo. Em alguns casos, um


Al

financiamento pode ser necessário para a expansão das atividades.


As redes se organizam em processos horizontais, ou seja, não
pressupõem uma hierarquização. Assim, não há chefes ou postos de
comando equivalentes nesse tipo de estrutura.
A participação deve ser sempre objetivada e estimulada, uma vez que
o critério de pertencimento deve ser a adesão livre de todos os
participantes.
O que agrega valor à proposta de uma rede de proteção social é a boa
definição de seu foco de atuação. A existência de um objetivo bem

| 49
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
definido pode ser decisivo para o sucesso dessa rede. Uma “ideia-
força” faz grande diferença!
A rede pressupõe a assunção de papéis e responsabilidades que
podem se alternar no processo, uma vez que o revezamento nesses
papéis adquire um caráter de desenvolvimento permanente de seus
participantes, sem haver sobrecarga para eles.
Os papéis de facilitadores ou mediadores na rede são de grande
importância, pois se faz necessária a competência para organizar as
pautas, a partir das propostas coletivas, moderar as discussões nos

24
encontros e objetivar os diferentes encaminhamentos. O caráter de

9:
adesão muitas vezes confere uma informalidade que não pode incorrer

:5
00
na indefinição das responsabilidades e consequente esfacelamento da

1
rede.

02
/2
A articulação com todas as redes formais e especificamente com as

12
redes de proteção sociocomunitárias é fundamental e ocorre em

6/
-1
diferentes níveis. Para tanto, atores ou grupos que tenham maior

om
habilidade nessa tarefa devem ser identificados e mobilizados a

l.c
colaborar nessas ações. São “os pontos da rede” que assumem

ai
gm
continuamente as ações de articulação internas e externas à rede.
r@

A realização de encontros presenciais, propostos por meio da


le
el

elaboração de uma agenda comum, caracteriza-se como uma


ez

estratégia importante, pois permite o reconhecimento de contornos ao


lin
-a

processo da rede, principalmente, mas não exclusivamente, nos seus


9

momentos iniciais.
-0
98

Com exceção das redes primárias ou informais, as redes mais


.1
56

estruturadas, como as de proteção sociocomunitárias, precisam de


.0

constante mobilização, uma vez que as vantagens de sua existência e


20
-3

ações não revertem automaticamente em ganhos diretos aos


za

participantes. Nesse sentido, a despeito de a rede ter um objetivo


u
So

maior, é importante considerar a possibilidade de propostas de


de

realizações de curto prazo que garantam um conjunto de pequenos


ra

sucessos, como estratégia para manter a rede aquecida.


ei
er

A comunicação é um vetor de extrema importância nos processos


rP

grupais de formação de uma rede. A circulação da palavra e o


lle

acolhimento e a escuta do outro devem ser assegurados e estimulados.


Ze

A expressão das ideias, opiniões e propostas, e o exercício de ouvir e


e
in
Al

compreender o outro contribuem para uma melhor dialogicidade do


processo, permitindo que os diferentes participantes desenvolvam
esquemas conceituais, referenciais e operativos comuns na dinâmica
dos diferentes encontros.
A ocorrência de flutuações na frequência dos participantes aos
encontros programados não é necessariamente um problema.
Podemos considerar tal situação como característica no processo das
redes, desde que haja um acompanhamento e estratégias de
manutenção da adesão, por exemplo: solicitar que as pessoas

| 50
Psicologia para o TJSP 2021/22
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Aula 04
comuniquem previamente sua ausência e, se possível, enviem outros
representantes ou, ainda, a presença de pelo menos dois participantes
por segmento institucional, quando for o caso, independentemente da
presença de representantes.
A comunicação das diversas etapas do desenvolvimento, propostas
e ações no processo da rede deve ser assegurada a todos os
envolvidos, de modo a contribuir no sentimento de pertença e de
pertinência. Sentir-se parte da rede é estar conectado com e no
processo.

24
Os registros precisam de uma atenção especial. Entre os diferentes

9:
papéis a serem assumidos, a tarefa da realização de registros e o

:5
00
rodízio de relatores ao longo do processo é de vital importância, pois

1
assim serão asseguradas a história e a memória dos diversos

02
/2
momentos da rede, sob a riqueza dos diferentes estilos e percepções

12
dos relatores. Os registros são o instrumento de identidade de uma

6/
-1
rede.

om
Os registros podem ter mais de uma dimensão. O uso de diários de

l.c
bordo – registro de cada encontro – pode constituir a memória

ai
gm
documental do processo da rede a médio e a longo prazos e ter a
r@

função de reavivar o clima grupal ao ser lido no início de cada novo


le
el

encontro, o que permite maior coerência entre os encontros, uma vez


ez

que resgata as discussões, as propostas e os encaminhamentos


lin
-a

anteriores.
9

A realização de eventos de mobilização e de comemoração tem, nos


-0
98

processos de rede, uma incrível capacidade de agregação, manutenção


.1
56

da adesão e de promover maior visibilidade das ações da rede. Os


.0

eventos podem ocorrer no início, ao longo do processo e para celebrar


20
-3

e divulgar diferentes resultados alcançados.


za

O trabalho inicial com diferentes atores, grupos ou instituições


u
So

demanda um manejo estratégico que busca assegurar:


de

• o conhecimento, o reconhecimento e o respeito mútuo de


ra

todos os participantes;
ei
er

• a frequente explicitação de que participar de uma rede com


rP

um objetivo comum não constitui ameaça à identidade ou à


lle

especificidade de cada participante; contudo, a participação


Ze

em processos mais amplos como a rede permite, ao longo do


e
in
Al

processo, a revisão de práticas institucionais;


• o reconhecimento da importância de todos os envolvidos,
procurando, sempre que possível, a abertura de um espaço de
pauta nos encontros para a apresentação de notícias dos
grupos ou instituições participantes;
• a identificação das potencialidades contidas nos diversos
participantes, de modo a indicar ou solicitar tarefas específicas
àqueles que apresentarem determinada competência, por
exemplo: se uma ação ou tarefa da rede requerer a entrada em

| 51
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Aula 04
uma comunidade “muito fechada”, aqueles que tiverem mais
habilidade de articulação ou conhecimento do local deverão ser
lembrados para colaborar diretamente;
• que os diferentes papéis na rede não são fixos; assim, o
revezamento constitui uma grande oportunidade para o
desenvolvimento de novas habilidades e competências.
Uma rede de proteção social deve ter como condição inerente à
realização de seus objetivos uma proposta de desenvolvimento
permanente de seus integrantes. Uma maior eficiência e efetividade

24
requerem um aprofundamento maior e domínio sobre o campo em que

9:
se pretende atuar. Assim, momentos de discussão precedidos de

:5
00
estudos das contribuições dos diversos atores, bem como a pesquisa e

1
a busca de novos subsídios para enriquecer o debate, serão de suma

02
/2
importância.

12
A rede demanda uma reflexão contínua sobre as suas formas de

6/
-1
funcionamento e as diferentes estratégias empregadas em sua

om
constante mobilização. Queremos dizer com isso que, em suas

l.c
diferentes etapas, a estrutura deve assegurar relativa flexibilidade para

ai
gm
se adequar às novas necessidades, podendo haver modificações
r@

sempre que o momento assim o justificar.


le
el

Uma rede de proteção social precisa estar focada em seu objetivo e


ez

sua(s) temática(s). Uma generalização para muitos temas pode


lin
-a

incorrer em uma descaracterização, perda de foco e consequente


9

perda de potência da rede. Para tanto, os facilitadores ou animadores


-0
98

da rede podem estar organizados como um intragrupo no contexto da


.1
56

rede, um núcleo animador que zele pelo seu foco e que esteja alerta
.0

para os riscos de descaracterização.


20
-3

Um núcleo animador se posiciona quando um novo tema é proposto


za

na rede e viabiliza estratégias para que possam ser realizados os


u
So

devidos debates e apreciações por todos os envolvidos, de modo a


de

avaliar tal incorporação.


ra

Uma rede de proteção sociocomunitária tende a se fortalecer à medida


ei
er

que são estimuladas parcerias internas e externas.


rP

As parcerias internas potencializam as ações dos diversos atores e


lle

ampliam o grau de adesão entre os participantes e deles com a rede.


Ze

As parcerias realizadas junto a outras redes ou a segmentos


e
in
Al

estratégicos podem assegurar maior visibilidade e fortalecimento


da rede em fóruns mais ampliados.
[...]
Há várias alternativas de classificação das redes sociais. Apresentamos a
seguir um modo de organização de redes baseado em pesquisa de redes sociais de
proteção para crianças e adolescentes em três municípios paulistas.
A pesquisa permitiu estudar e conhecer as redes de base local que garantem
proteção e desenvolvimento integral ao segmento infantojuvenil nos municípios ou
em regiões dentro dos municípios maiores ou metrópoles.

| 52
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Aula 04
A presença de estruturas ainda piramidais e verticalizadas é uma realidade
que gradativamente vem se flexibilizando para permitir a oxigenação das estruturas
que a dinâmica das redes favorece. Nesse processo, atualmente já se podem observar
ações governamentais congregando várias secretarias municipais e a forte atuação
de representantes públicos em movimentos, fóruns e projetos mistos com presença
de organizações e grupos sociais. Um aspecto importante dessa classificação foi o
reconhecimento das redes informais que se “tecem a partir do espaço doméstico, da
família, da vizinhança; da rua, do quarteirão; da pequena comunidade” (GUARÁ,
2000).

24
[...]

9:
À exceção da rede de proteção espontânea, que consideramos uma rede do

:5
00
tipo rede primária, todas as demais podem ser entendidas como redes secundárias

1
de proteção.

02
/2
Segundo Lia Sanicola (2001), as redes secundárias formais (instituições,

12
organizações, serviços) organizam-se sob a base do princípio da igualdade e da

6/
-1
exigibilidade, utilizam a redistribuição como método e caracterizam-se pela troca

om
fundada no direito de cidadania.

l.c
ai
gm
r@
le
el
ez
lin
-a
9
-0
98
.1
56
.0
20
-3
uza
So
de
ra
ei
er
rP
lle
Ze
e
in
Al

Redes primárias ou de proteção espontânea


As redes primárias ou de proteção espontânea são aquelas que se organizam
na perspectiva do apoio mútuo e solidariedade, como nas relações afetivas, de
parentesco, de proximidade com amigos, vizinhos e nas relações entre os indivíduos
de uma mesma comunidade. Essas formas de rede são tecidas no cotidiano,

| 53
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Aula 04
estimuladas pelas demandas de apoio, convivência e, frequentemente, passam
despercebidas pelos sujeitos que nela se inserem e se relacionam.
Essas redes informais independem da presença ou contato com as redes mais
estruturadas, ainda que tais pessoas ou grupos possam estar interligados,
participando de outras redes. As formas primárias de proteção, com o conceito
alargado de família, constituem uma base de segurança do grupo familiar, pois
frequentemente se mantêm quando outras formas de redes se desarticulam.
Essa segurança se esgarça mais comumente em famílias que vivem nas
grandes cidades em situação de pobreza e alta vulnerabilidade, em territórios fora da

24
legalidade da cidade e da cidadania. Vivem em geral em ocupações irregulares,

9:
trabalham no mercado informal, não pagam impostos nem possuem seguros e

:5
00
dependem da assistência social. Nesse caso, as redes primárias que constroem

1
também são frágeis e têm pouca potência de inclusão citadina (CARVALHO, 2008b).

02
/2
A fragilização dos círculos de proteção sustentados por essas redes é um

12
significativo fator de risco para a ruptura do cuidado familiar, sem considerarmos os

6/
-1
graves prejuízos para as crianças e os adolescentes que se encontram em estado de

om
abandono ou negligência.

l.c
[...]

ai
Redes de serviços sociocomunitários gm
r@

As redes de serviços sociocomunitários podem ser compreendidas como redes


le
el

microterritoriais. Elas expressam o grau de coesão e confiança social ativa de seus


ez
lin

habitantes, evidenciando o capital social acumulado por eles.


-a

A efetividade dos serviços das políticas públicas depende de sua inserção nos
9
-0

microterritórios e de uma articulação maior com as redes sociocomunitárias aí


98

presentes. É hoje sobejamente conhecida a importância da relação próxima e


.1
56

participativa dessas redes para construir sentido de pertencimento e de comunidade.


.0
20

O grupo familiar e comunitário constitui a condição objetiva e subjetiva de pertença


-3

e não pode ser descartado quando se projetam processos de inclusão social.


za

Crianças e adolescentes precisam de convivência comunitária. Também a


u
So

cidade carece de comunidade. Carvalho (2008b) nos ajuda a precisar o que hoje se
de

chama de comunidade:
ra

Comunidade e microterritório quase sempre se confundem. O


ei
er

território, como Milton Santos afirma, é o território físico


rP

ocupado, lugar onde pulsa o cotidiano vivido por um coletivo.


lle
Ze

Comunidade refere-se ao coletivo de pessoas que mantêm


e

relações de reciprocidade e proximidade para mover seu


in
Al

cotidiano de vida. O sentido que sempre se atribuiu à noção de


“comunidade” é o de “compartilhamento fraterno”, reafirmando
o direito de todos a um seguro comunitário. Hoje, as novas formas
de se fazer comunidade, as redes sociais e os vínculos relacionais,
ocorrem no território de moradia mas igualmente num território
de vida que extrapola o da moradia (CARVALHO, 2008b).
O Estado, pela via de suas instituições e serviços, tem um papel importante no
fortalecimento da comunidade e do capital social, isto é, na recuperação da confiança
social hoje perdida. Por outro lado, as organizações da comunidade podem conferir

| 54
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Aula 04
legitimidade, confiança e efetividade aos serviços públicos instalados nos territórios
da cidade.
[...]
As redes de serviços sociocomunitários são uma extensão das redes sociais
espontâneas. O que as diferencia é o grau de organização dessas últimas para atender
demandas mais coletivas e menos difusas no espaço comunitário. O que lhes garante
identidade é a relação comunitária cidadã, solidária no acolhimento das demandas
emergentes que resultam da inexistência ou insuficiência das políticas sociais
públicas.

24
9:
Nessas redes, a solidariedade do convívio e do afeto da rede espontânea é

:5
00
substituída pela solidariedade do compromisso e da responsabilidade

1
compartilhada. As redes de serviços sociocomunitários oferecem ajudas pontuais,

02
/2
serviços e programas cuja demanda não tem cobertura dos serviços públicos. Esses

12
serviços apresentam mais flexibilidade e respostas mais ágeis em relação às

6/
-1
demandas, pois, em geral, estão mais próximos à população.

om
O desenvolvimento de uma criança depende não apenas das condições de

l.c
proteção dentro de sua rede primária básica – no microssistema familiar – mas

ai
gm
também, segundo Bronfenbrenner (1979), da interação com o mesossistema, que
r@

se localiza nas redes de serviços sociocomunitários, como a creche, a escola, as


le
el

igrejas, as organizações sociais não governamentais, os grupos organizados e as


ez

pequenas iniciativas não formais de proteção.


lin
-a

[...]
9

Redes sociais movimentalistas


-0
98

Costumamos dizer que as redes sociais movimentalistas oxigenam todas as


.1
56

demais redes nascidas na comunidade/sociedade, conformando-se como


.0
20

movimentos sociais de defesa de direitos, de vigilância e luta por melhores índices de


-3

qualidade de vida. Com sua ação política e de controle social, elas balançam os
za

alicerces corroídos das estruturas e dos serviços que estagnaram, pois são instituintes
u
So

de novas demandas de justiça social.


de

Nessas redes, é comum encontrarmos, em seus integrantes, referências à


ra

participação anterior ou concomitante em redes sociocomunitárias. Identificados


ei
er

politicamente e/ou sensibilizados no seu cotidiano pelo limite e alcance das políticas
rP

públicas setoriais, muitos sujeitos e grupos se organizam de modo a atuar mais


lle
Ze

amplamente transformando suas reivindicações e propostas organizadas em uma


e

agenda ou bandeira comum.


in
Al

Nesse tipo de rede nota-se especialmente a incidência de pessoas atuantes em


diferentes ciclos reivindicativos, com participação concomitante e continuada em
diversos espaços (pastorais, sindicatos, assessorias, ONGs etc.).
A articulação e o apoio às redes movimentalistas, buscando a qualificação e a
efetividade do atendimento de suas demandas, é um dos papéis do Conselho
Municipal/ Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Foram os seminários e
fóruns temáticos promovidos por essa rede movimentalista que ajudaram a
promover as alterações nos indicadores do trabalho infantil no Brasil e nos números

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Psicologia para o TJSP 2021/22
Professor Alyson Barros
Aula 04
da violência doméstica. Foram também responsáveis pela aprovação ou pelo
bloqueio de emendas ou leis regulamentadoras.
A existência dos “fóruns de direitos”, simpósios e debates, nos diferentes
níveis de ação, são estratégias importantes para a rearticulação ou a articulação de
redes sociais movimentalistas instituintes, que tornam visíveis e problematizam as
novas demandas da realidade local ampliando as conquistas legais com a
participação da sociedade civil.

Redes setoriais públicas

24
Denominamos de redes setoriais públicas aquelas que prestam serviços de

9:
:5
natureza específica e especializada, resultantes das obrigações e dos deveres do

00
Estado para com seus cidadãos. Muitos de seus serviços fundamentais,

1
02
especialmente para a população de mais baixa renda, já estão consolidados e são

/2
permanentes, mas podem funcionar também como pontos de resistência a

12
6/
mudanças que exigem a desacomodação das posições e poderes instituídos. Assim,

-1
qualquer ação interinstitucional tende a caminhar de modo mais lento, pois fica à

om
mercê da burocracia e sem conexão real entre programas e serviços.

l.c
ai
O termo “rede” é empregado para se referir ao modo como os serviços
gm
públicos, a partir das políticas setoriais, se organizam. Aqui, a “rede” é um sistema
r@

hierárquico, verticalizado, para o ordenamento de atividades, expresso, por exemplo,


le
el

na expansão quantitativa e descentralizada de escolas e unidades básicas de saúde.


ez
lin

[Cuidado: aqui o conceito de “rede” é verticalizado]


-a

Neste sentido, o emprego do termo define sistemas institucionais de gestão e


9
-0

de prestação de serviços. Tais sistemas tendem à padronização e ao enrijecimento na


98

sua oferta à população. Resulta desse modelo de organização, uma baixa eficiência
.1
56

em responder às necessidades dos segmentos mais vulneráveis da população. A


.0
20

prática de articulação entre as diferentes políticas setoriais ainda é relativamente


-3

incipiente, muito embora algumas propostas tenham sido elaboradas e


za

implementadas por meio de diferentes programas, tais como os programas de


u
So

complementação de renda e de combate ao trabalho infantil, que se articulam com a


de

obrigatoriedade de frequência de crianças e adolescentes em idade escolar em


ra

unidades do sistema educacional.


ei
er

[...]
rP

Rede privada
lle
Ze

A iniciativa privada, o mercado, também adota a organização em redes,


e
in

embora estas sejam bastante distintas do conceito de rede que aqui se discute
Al

preferencialmente. Podem-se citar as redes atacadistas, de varejo, lojas e de


prestação de serviços.
[...]
Embora a rede privada seja acessível somente a parcelas restritas da
população, ela oferece serviços mais especializados e de cobertura ampla. Pequenos
serviços e negócios nas comunidades mais populares são pagos pela população que
tem dificuldade de acesso aos serviços públicos. Essa rede costuma ser estendida
também aos trabalhadores do mercado formal, via convênio, possibilitando assim, a
uma camada da população de baixa renda, o acesso a outras opções de atendimento.

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Aula 04
[...]
A interconexão entre as redes
Ao enfocarmos as redes de proteção social na comunidade, temos de
considerar, necessariamente, a presença de redes informais ou primárias, bem como
a de redes mais estruturadas ou formais. Anteriormente, abordamos separadamente
as distintas redes, de modo a nos determos um pouco mais sobre sua caracterização.
Na prática, as redes podem, na perspectiva dos sujeitos a elas referenciados, coexistir,
variando em seus objetivos, abrangências, estratégias empregadas de articulação e,
consequentemente, nos resultados alcançados.

24
As redes primárias coexistem com todas as outras formas mais estruturadas

9:
:5
de rede. Como as relações nelas se dão de modo espontâneo, tecidas no cotidiano,

00
podemos considerá-las como a capilarização que alimenta outros modos de

1
02
articulação que se formalizam em uma comunidade.

/2
As redes movimentalistas também não encontrariam sua ancoragem e

12
6/
legitimidade não fossem os pontos de contato e articulação com as demandas reais

-1
da população, expressas e organizadas, por meio das redes sociocomunitárias. No

om
contexto da proteção social comunitária, as redes setoriais públicas ora são referidas

l.c
ai
em suas limitações – ausência ou presença parcial do Estado – o que muitas vezes é o
gm
disparador para a organização de redes sociocomunitárias ou movimentalistas, ora
r@

se fazem presentes articulando-se com as demais redes.


le
el

No processo de complementariedade do atendimento, vemos hoje as


ez
lin

organizações não governamentais administrando programas sociais sob convênio


-a

com o setor público, creches comunitárias, abrigos, entre outros programas.


9
-0

Cabe mencionar que, na perspectiva da rede de proteção comunitária, tanto


98

os serviços públicos diretos quanto os conveniados com associações ou entidades


.1
56

religiosas comunitárias, constituem uma trama na qual novos “nós” se formam


.0
20

articulando distintos atores: servidores públicos, profissionais contratados,


-3

lideranças comunitárias e/ou religiosos.


uza
So
de
ra

Bons estudos, pessoal!


ei
er

alyson@psicologianova.com.br
rP
lle
Ze
e
in
Al

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