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MODELO DE VERBETE – Atlas Quilombola

Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito


A comunidade do Barranco foi constituída através da migração de
maranhenses, entre estes alguns ex-escravizados que, em torno de 1890, se deslocaram
de navio da cidade de Alcântara, no Estado do Maranhão, para Manaus. Dentre eles,
estavam Felipe Beckman, um negro descendente de barbadianos, sua esposa Maroca
Beckman e Maria Severa Nascimento Fonseca, ex-escravizada, que veio acompanhada
de seus filhos Raimundo, Manoel e Antônio, trazendo a imagem de São Benedito. Ao
chegarem, estabeleceram-se no bairro atualmente conhecido como Praça 14 de Janeiro,
especificamente na Rua Japurá, nas proximidades do centro.

Paulatinamente, outros migrantes se instalaram no local constituindo uma


comunidade que, inicialmente, ficou conhecida como Colônia dos maranhenses ou
reduto dos negros. Esses movimentos migratórios foram incentivados pelo governador
do Estado do Amazonas Eduardo Gonçalves Ribeiro, um negro maranhense que
implementou o projeto modernização da cidade manauara. Para isso, mobilizou um
contingente de trabalhadores locais, bem como de outras regiões, tendo em vista a
materialização dos ideais de progresso e civilização, principalmente através das
construções arquitetônicas inspiradas na Belle Époque europeia (entre elas estão o
Teatro Amazonas, o Reservatório Mocó, o Palácio da Justiça e a Ponte da Sete de
Setembro que foram consagrados como locais históricos).

Os migrantes maranhenses trabalharam como mestre de obras, carpinteiros,


pedreiros, ferreiros, entre outras. Ademais, atuaram na marinha naval, já as mulheres
exerceram diversos ofícios, como lavadeiras, passadeiras, quitandeiras e cozinheiras.
Além da dimensão do trabalho, as práticas festivo-religiosas desempenharam um papel
significativo na comunidade negra, tendo em vista que possibilitaram a criação de
espaços de sociabilidade e o fortalecimento de suas redes de solidariedade. O Boi
Caprichoso e a Festa de São Benedito foram duas comemorações especialmente
celebradas famílias negras maranhenses e seus descendentes.

A festa do boi que se chamava Caprichoso era organizada por Raimundo


Nascimento Fonseca, filho de Maria Severa. Na perspectiva de Vinícius Alves,
professor e pesquisador da Comunidade do Barranco, a festa do Boi ganhou prestígio
devido à competição que passou a ser realizada em um curral, sendo que o seu principal
concorrente era o boi Mina de Ouro, do bairro Boulevard, que tinha como um dos
fundadores o senhor Elias. Já o Festejo de São Benedito começou a ser celebrado ainda
na cidade de Alcântara, devido a uma promessa realizada por Felipe Beckman. Com a
mudança para o Amazonas, a devoção negra foi trazida e ressignificada.

Para Jamily Silva, quilombola e atual coordenadora da festividade, a


religiosidade a princípio incluía o tambor de crioula, posteriormente passou a incorporar
os batuques, pois era uma prática comum nos festejos de santos da cidade de Manaus. A
festa do santo preto tem sido transmitida de geração a geração entre as famílias negras
maranhenses e seus descendentes, atuando como um “canal de expressão e comunicação
de suas identidades”. O patrimônio cultural negro, juntamente com as histórias e
memórias da Comunidade do Barranco, permitiram a esses sujeitos acionarem o
reconhecimento quilombola pela Fundação Palmares.

O processo teve início através do projeto MPF em movimento, que tinha o


intuito de dialogar com povos tradicionais e movimentos sociais tanto da metrópole,
quanto dos interiores do Amazonas. Através disso, foi possível a identificação da
comunidade negra e no mês outubro de 2013 foi agendada uma visita ao local integrada
pelo procurador Júlio Araújo da Silva, juntamente com alguns membros do MPF/AM,
com o intuito de coletar informações acerca da Festa de São Benedito e outras tradições
culturais do bairro da Praça 14 de Janeiro. A partir disso, constatou-se que o
agrupamento se enquadraria nos critérios de um quilombo, tendo em vista o
compartilhamento de suas experiências, de seus costumes e valores, bem como da
manifestação festivo-religiosa em honras ao santo preto, há mais de um século.

Partindo desse diálogo, alguns comunitários tiveram um entendimento inicial


acerca dos “novos quilombos”, bem como a própria legislação, que asseguraria políticas
públicas de reparação a esses sujeitos. No mês de novembro desse mesmo ano, a
Comunidade do Barranco foi convidada para participar de uma solenidade organizada
pelo MPF durante o mês da Consciência Negra, onde houve a sinalização para o seu
reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares através da recomendação nº
18/2013/5º. No dia 24 de fevereiro de 2014, foi realizada uma visita técnica pelo
historiador Valdicley Villas Boas, que acompanhou as atividades culturais realizadas no
local e teve a oportunidade de conversar com os membros da comunidade negra.
Após concluírem o embasamento para a certificação, passaram-se sete meses e,
no dia de 23 de setembro de 2014, o Diário Oficial da União publicou a autodefinição
da Comunidade do Barranco como remanescente de quilombo, através da Portaria nº
104. A partir disso, foi possível solicitar a titulação oficial de suas terras no Instituto da
Reforma Agrária e Colonização (INCRA), contudo, até o momento não houve a
demarcação desse território e o processo está em aberto. O recebimento da certidão
quilombola suscitou transformações da comunidade negra que levaram à criação da
Associação de mulheres Crioulas do Quilombo em 2014, do Espaço Cultural Pagode do
Quilombo em 2015 e a atribuição de Patrimônio Cultural Imaterial do Amazonas pelo
governo do Estado ao Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito.

Origem do nome: Durante o governo de Plínio Coelho entre os anos 1955 a 1959, o
bairro da Praça 14 de Janeiro teve seu processo de urbanização intensificado. Uma das
principais mudanças foram a abertura de ruas que alteraram a configuração geográfica
da Colônia maranhense. A partir dessa intervenção, a área plana em que se localizava a
o agrupamento foi atravessada por uma rua, dividindo-o em duas partes que se tornaram
barrancos. A partir desse acontecimento, paulatinamente o local passou a ser conhecido
como Comunidade do Barranco.

Processo: Certificada

Município / Localização: Manaus/Bairro da Praça 14 de Janeiro

Número de famílias: 44 famílias

Redação: Karollen Lima da Silva

Pesquisas:

ABREU, M. e MATTOS, H. “Remanescentes das Comunidades dos Quilombos”:


memória do cativeiro, patrimônio cultural e direito à reparação. In: Mauad, Almeida e
Santhiago, História Pública no Brasil. São Paulo, Letra e Voz, 2016.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Cultos de Santos & festas profanos religiosas.
Manaus: Imprensa Oficial, 1983.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Nos meandros da cidade: cotidiano e trabalho na
Manaus da borracha, 1880-1920. Canoa do Tempo: Revista do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas, v. 1, n. 1 (2007b).
Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007b.
ROSA, Vinícius Alves da. A comunidade do Barranco de São Benedito em Manaus:
processos para o reconhecimento do território quilombola. Dissertação (Mestrado
Interdisciplinar em Ciências Humanas), Universidade do Estado do Amazonas, Manaus,
2018.
SAMPAIO, Patrícia Melo (Org.). O fim do silêncio: presença negra na Amazônia.
Belém: Editora Açaí/CNPq, 2011.
___________________. Floresta negra – a experiência e o impacto da escravidão
africana na Região Amazônica. Carta Fundamental, 2014.
SILVA, Jamily Souza. A festa de São Benedito no bairro da praça 14. In: SAMPAIO,
Patricia (Org.) O fim do silêncio: presença negra na Amazônia. Belém: Editora Açaí/
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MPF. Conte sua história. Ministério Público Federal, s/d. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/am/projetos-especiais/memorial/conte-sua-historia/jamily
souza-da-silva>. Acesso em: 20 de setembro de 2018.

Recomendações

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. (coord.). Comunidade Negra de São Benedito
da Praça 14 de Janeiro. Série – Movimentos Sociais e Conflitos nas Cidades da
Amazônia – Fascículo 16. Manaus, 2007.

LIRA, Lúcia Maria Barbosa. Construção identitária da Comunidade do Barranco:


Festa de São Benedito. Tese (Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia),
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2018.

PONTES, Aldrin Bentes. Direito ao reconhecimento de terras ocupadas por


quilombolas em Manaus, 2016. Dissertação. Programa de Pós-graduação em Direito
Ambiental. Universidade do Estado do Amazonas, Manaus.
SANTOS, Daniela Silva dos. Território e Territorialidade: o quilombo do Barranco de
São Benedito - em Manaus. Zona de Impacto. Manaus. Volume 2, n.19 p.91-94,
julho/dezembro, 2017.

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