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29/12/2020
É verdade que os estudos dos finais são muitas vezes deixados de lado pelos jogadores iniciantes-
intermediários. Estes, em um primeiro impulso, partem logo para o tema de aberturas, decorando centenas
de lances. Consequência disso? Não conseguem ir muito longe. Como diz o GM Rafael Leitão, em tom
jocoso: “Para que estudar finais se já perco o jogo na abertura?”. Muitos jogadores pensam assim, mas vou
tentar explicar aqui o por que o estudo de finais é a base de todo jogador.
Na abertura, prevalecem lances baseados em teorias, que muitas vezes são decorados ou, na melhor
das hipóteses, baseados em princípios. Isso nada tem de errado, o estudo da abertura é muito importante e,
mais que isso, imprescindível! Porém, é no final que se encontra o alicerce de todo enxadrista: o poder de
calcular. Isso se deve ao fato dos finais demandarem do jogador um alto nível de concentração e raciocínio.
Se queres ganhar um final, terás que deixar a preguiça de lado e calcular!
Oras, desse modo, conclui-se que, começar pelo estudo de finais, além de desenvolver a capacidade
de raciocínio do enxadrista, também o deixa menos preguiçoso! Brincadeiras à parte, creio que, nesses dois
parágrafos, tenha dado motivos suficientes para que não deixemos de lado o estudo dos finais.
Quando o rei localiza-se longe do seu peão, inicia-se uma corrida, na qual ganha quem chegar
primeiro na última fileira: peão ou Rei adversário. Nessa situação é fundamental que, já na largada, seja feito
um cálculo prévio, antecipando quem concluirá o trajeto primeiro. Uma forma prática de realizar esse
cálculo é utilizando a técnica do quadrado, a qual será explicitada a seguir.
Diagrama 1
REGRA DO QUADRADO
Constitui-se em uma ferramenta muito simples, mas extremamente útil para determinar se o peão irá
coroar, ou se o rei antecipar sua chegada na 8° fileira.
Diagrama 2
Constrói-se um quadrado imaginário (diagrama 2), tendo suas dimensões laterais uma distância
referente a distância que o peão se situa da 8° horizontal. Tomando como base esse quadrado, entende-se
que:
- Sempre que o rei está dentro do quadrado, antecipa a chegada do peão, impedindo a sua promoção.
- Sempre que o rei está fora do quadrado, o peão chega antes à sua casa de promoção.
.
OPOSIÇÃO
Para entender melhor os finais de peões, deve-se ter em mente um dos conceitos chave deste tipo
de posição: o conceito de oposição.
Entende-se que os Reis estão em oposição, quando eles se situam em frente ao outro, separados
apenas por uma casa (ver diagrama 3). Portanto, ganha a oposição quem, no seu lance, posiciona seu rei face
ao Rei adversário. A briga para ganhar a oposição não é nada mais que uma briga por espaço, na qual quem
consegue a oposição, obriga o rei adversário a se deslocar para trás, cedendo terreno.
Diagrama 3
Diz-se que um dos lados (brancas ou negras) ganha a oposição, quando, ao mover o Rei, coloca-o
em oposição ao Rei adversário. Assim, no próximo lance, o adversário será obrigado a recuar.
Nesta situação, haverá empate sempre que o Rei negro jogar de tal maneira que manheta a
oposição, ao entrar na ultima horizontal. Dito de outro modo, as negras só perdem, se errarem, sendo essa
uma posição clássica de empate. Vejamos a continuidade correta:
Agora é o lance crítico, pois se as negras jogarem 2… Re8, segue 3. Re6 (ganhando a oposição), Rd8;
4. d7, Rc7; 5. Re7 e o peão terá como destino a coroação, desenrolando em vitória das brancas.
Portanto, segue como melhor lance para as negras:
2. … Rd8!
3. Re6 Re8 (ganhando a oposição)
4. d7 + Rd8
5. Rd6 +/-
Conclui-se então, que em posições que o rei se situa atrás do peão, sempre haverá empate por
afogamento, a menos que o adversário erre a última oposição. O mesmo vale quando o rei se põe ao lado do
peão.
Diagrama 5
A figura acima demonstra uma exceção em relação à oposição. Aqui, com ou sem a oposição, a
vitória das brancas é inevitável e isso se dá pela entrada do rei branco na 6° horizontal. Aqui vai mais uma
regra: sempre que o rei branco, na frente de seu peão, chegar à sexta horizontal, o peão branco irá coroar.
As brancas conquistam a vitória da seguinte maneira:
1 Re6 Re8
2 d6 Rd8
3 d7 Rc7
4 Re7 1-0
Diagrama 6
Para que as brancas saiam vitoriosas é necessário adentrar a frente do peão, ao mesmo tempo em
que ganha a oposição. Sabemos que a oposição acontece quando um rei se põe frente ao outro, obrigando
ele a ceder espaço. Portanto, na figura 6, o jogador que tiver que realizar o lance seguinte, irá sofrer a
oposição.
Aqui seria possível seguir avançando o peão, pois o rei já se encontra na sexta horizontal e,
conforme vimos, com ou sem a oposição, o peão chega à oitava horizontal.
10. … Rc8
11. Re7 1-0
E se na posição do diagrama 6, fosse lance das brancas? Nesse caso o Rei branco que estaria em
oposição, sendo obrigado a se mover lateralmente (Re4) ou recuar para o lado do peão (Re3 ou Rd3). Em
todo o caso, logo se configura uma posição semelhante ao diagrama 7, na qual o Rei se situa ao lado do peão,
culminando em empate.
Caso seja jogado qualquer outro lance pelas brancas, o desfecho será o mesmo: ou o Rei se
move lateralmente e sofre novamente uma oposição, ou recua, ficando ao lado de seu peão. Em todo o caso,
a situação terminará em empate, seguindo o mesmo raciocínio utilizado na resolução do diagrama 4.
Diagrama 7
Os finais com os peões das torres são diferentes dos demais, devido se localizarem nos cantos do tabuleiro.
A coroação de tais peões ocorre apenas quando o seu Rei consegue ocupar a casa de b7 (diagrama 9). Caso o
Rei do adversário ocupe antes a casa de c8, a posição termina em empate por afogamento (diagrama 10 A e
B).
EM RESUMO
Quadrado: Linha imaginária traçada com o intuito de verificar quem chega antes na 8° horizontal: o Rei ou
o peão.
Oposição: Entende-se que os Reis estão em oposição, quando se situam um frente ao outro, separados
apenas por uma casa. Portanto, ganhará a oposição quem, no seu lance, posicionar seu Rei face ao Rei
adversário.
Rei e peão de torre x Rei Apenas em casos especiais, na qual o Rei do atacante consegue
chegar a casa de b7/g7, antes de seu oponente chegar em
c8/f8, resultará em vitória.
APLICAÇÃO PRÁTICA DO CONCEITO DE OPOSIÇÃO
Embora o conceito de oposição seja considerado uma ferramenta básica de todo enxadrista, é
verdade que até os grandes mestres estão sujeitos a errar, principalmente no apuro do tempo, quando se vê
obrigado a jogar rapidamente. Um exemplo recente é a partida disputada pelo atual campeão mundial
Magnus Carlsen contra a jovem promessa indiana, Firouzja, no torneio “Norway Chess”, disputado nesse
mesmo ano de 2020.
diagrama 8
Após uma troca de peças, terminamos na posição demonstrada no diagrama 8, sendo o próximo
lance das brancas. Aqui, com base no que estudamos sobre oposição, chegamos à seguinte conclusão:
configura-se um empate, desde que as brancas mantenham a oposição, pois assim o rei das negras nunca
conseguirá ganhar o espaço suficiente para adentrar no terreno das brancas.
1 . Rh3 Rh6
2. Rh4 Rg7
3. Rg3 …
Magnus tenta confundir o jovem Firouzja levando seu Rei para longe. Contudo, Firouzja mantém a
oposição, controlando o espaço, mesmo que a distância.
3. ... Rf8
4, Rf2 Re7
5. Re2 Re8
6. Re3 Rd7
7. Rd3 Rd6
8. Rc3?? 0-1
Estava tudo indo bem para o Firouzja, até que derrepente: 8. Rc3??. Um erro gravíssimo! Pois
permite que o Rei negro ganhe a oposição e adquira uma vantagem de espaço decisiva. Feito o lance,
Firouzja abandonou imediatamente, reconhecendo o seu lapso.
Após Rd6, temos um momento crítico, no qual as brancas são obrigadas a triangular para manter a
oposição. O correto seria fazer um leve recuo estratégico para 2° fileira, com os lances Rd2 ou Rc2. Assim,
quando o Rei negro se ocupa da casa de c5, as brancas fariam novamente a oposição através de Rc3,
mantendo o bloqueio.
Este terrível erro surpreendeu a todos e custou a Firouzja o empate contra o jogador mais forte da
atualidade. Frente ao deslize cometido, ficamos com o ensinamento de que até os grandes mestres podem
cometer erros em posições relativamente simples.
EXERCÍCIOS
Uma vez apresentada a teoria, cabe agora fazer os exercícios, a fim de desenvolver o raciocínio e
fixar os conceitos. Lembre-se: os finais de peões exigem certa sutileza, algo que só é possível com muita
atenção e cálculo. Nos problemas seguintes, se jogar de maneira afobada, provavelmente o resultado não
será positivo!
DESAFIO
Será possível, mesmo o peão das negras estando tão distante, que o Rei branco o alcance, obtendo
um empate? Sim é possível. Nessa posição, jogam as brancas e empatam.
Dica: Fique de olho nas diagonais! Embora o olhar seja um dos nossos maiores guias nesse mundo, muitas
vezes ele nos engana. Por incrível que pareça, como nos mostra o chamado “Rei de Einstein” (diagrama x), a
distância percorrida nos dois caminhos traçados de verde é a mesma que na linha reta em vermelho.
Diagrama 9
b5 - c6 - d7 - e6 - f5 - g4
b4 - c4 - d4 - e4 - f4 - g4
Diagrama 10
Numa ideia semelhante, diante do diagrama x, podemos nos perguntar: qual Rei está
mais perto do peão? Em um primeiro olhar, parece ser o Rh7, correto? Contudo, mais uma
vez, nosso olhar nos engana, pois enquanto o Rh7 correria atrás do peão negro enquanto
ele escapa rumo a promoção, o Re6, utilizando a diagonal a8 → h1, consegue antecipar o
peão, capturando-o.
Problema 2:
Aqui, o primeiro pensamento seria partir com o Rei para próximo dos peões com Rf3. No entanto,
isso seria desastroso, pois o Rei das negras está muito mais próximo de ambos os peões. Se 1. Rf3?, seguiria
Re5; 2. Re4, Rxd5; 3. Rd4. Agora, por mais que as brancas estejam com a oposição, conforme visto no
problema anterior, as negras têm um lance reserva. Portanto, seguiria 3 …, Re5; 4. Re3, e6!. Com esse
arranjo, as negras conseguem facilmente a vitória, como já nos é sabido.
Assim sendo, para conseguir o empate, cabe às brancas um lance mais sutil: 1. d6!!. Com esse lance
as brancas obrigam a captura do peão de d6 com 1 …, exd6. No lance seguinte as brancas jogam 2. Rf3
ganhando a oposição e, diferente do cenário anterior, o peão negro se situa mais proximo ao Rei negro, não
deixando um lance reserva. Segue, então: 2…, Re5; 3. Re4, ½ -½ . Desse modo, as brancas conquistam o
empate.
Problema 3:
Seja jogando Rd7 ou avançando o peão branco para d7, a situação apresentada no diagrama será a
de um empate ½ - ½ .
Problema 4:
Conforme a regra do quadrado, conseguimos prever que disparar o peão em a2 → a8
não será possível, pois o Rei de f3 situa-se dentro do quadrado, chegando antes da
coroação do peão. Contudo, existe uma artimanha sutil: jogando 1. d5 as brancas obrigam
1…, exd5. Agora o próprio peão negro de d5 fará um obstaculo para seu Rei, impedindo que
ele chegue a tempo de antecipar a coroação do peão branco. A posição se desenrola da
seguinte maneira: 2. a4, Re4; 3. a5 Re5: 4. a6 Rd6; 5. a7 Rc7: 6. a8 = D 1-0.