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Capitulo

— M-muito bem. Venha por aqui, Mestre. — Gamma continuou como se nada tivesse
acontecido, andando tranquilamente com sapatos totalmente diferentes.

Mas eu não me importo, na verdade. Há apenas duas maneiras de reagir quando uma garota
passa vergonha: fingir que não notou ou ir com tudo e mexer com ela. Mesmo que eu esteja no
primeiro grupo, tem algo que precisava dizer.

— Seu nariz está sangrando.

As garotas rapidamente limparam o sangue.

— P-por aqui, meu lorde.

Olhei para as bochechas vermelhas dela. Não mudou nem um pouco.

Me levou até a cadeira enorme, onde me sentei. A vista era… fantástica.

Magnífica, realmente.

Havia um espaço grande e aberto em que o brilho carmesim entrava pela clarabóia, e duas
fileiras de beldades se ajoelhavam ao lado do tapete vermelho. Era como se eu tivesse me
tornado um rei… o rei do Reino das Sombras. Gamma devia ter gastado uma fortuna para
preparar esse cenário para mim.

Meu coração estava acelerado. Eu estava emocionado ao extremo. Cruzei as pernas, apoiei a
bochecha na mão esquerda e ergui a outra, focando minha magia azul-violeta em minha palma e
a disparando na direção dos céus.

Quase explodiu o teto antes de se dissolver em uma miríade de luzes que inundaram o lugar.

— Recebam sua recompensa…

Foi uma chuva de luz, caindo sobre as garotas ajoelhadas e colorindo temporariamente a pele
delas com um violeta azulado. Aquilo apenas reabastecia a magia, promovia a circulação mágica
e curava ferimentos menores… Em outras palavras, nada importante.

— Lembrarei deste dia para sempre. — A voz de Gamma vacilava enquanto estava ajoelhada ao
meu lado. Sua atuação era bastante convincente.

Entretanto, não era a única que tremia. Todas aquelas moças adoráveis, em ambos os lados do
longo tapete vermelho, tremiam, e algumas até mesmo choravam. A funcionária que me trouxera
até o local fungava o nariz em meio às lágrimas. Gamma era a diretora perfeita para uma trupe
de atrizes.
— Você fez bem, Gamma. A propósito, tenho uma pergunta a fazer sobre esta empresa.

Sim, de volta aos negócios. Do chocolate aos produtos nos andares de vendas até o design
arquitetônico do prédio, não consigo imaginar como sendo deste mundo.

— Pergunte qualquer coisa.

— A empresa Mitsugoshi foi baseada nas minhas histórias?

Gamma sempre foi por algum motivo interessada no meu conhecimento. Toda vez que Delta lhe
dava uma surra, vinha me atazanar chorando, implorando para que lhe contasse uma história. Foi
então que lhe contei sobre a minha Sabedoria da Sombra, a qual incluía histórias embelezadas
sobre chocolate e outros produtos do Japão da minha vida passada.

— Sim, meu lorde. Apenas recriei uma fração do conhecimento divino que você compartilhou
comigo.

— E-entendo.

Eu só tinha falado para ela que poderia fazer chocolate se misturasse alguns grãos amargos e
açúcar, então esperasse até que ficasse duro. Chamar isso de conhecimento era para acabar. E
como recriou isso tudo? Devia ser o que chamam de ter um cérebro. Tipo, ela é muito mais
inteligente do que eu.

Mas isso não me incomoda. O mundo tem sua proporção justa de gênios e idiotas, e ponto final.

Porém, eu tinha uma dúvida.

— Alpha e as outras sabem sobre essa empresa?

— Claro.

Ah, entendi.

Elas acabaram no costume comum de me deixar de fora. Entendo que é complicado incluir o
único cara na panelinha das garotas, mas qual é.

— E-e vocês estão lucrando?

— No momento, temos lojas em todas as cidades maiores, tanto nacionais quanto estrangeiras.
Nossos negócios estão se expandindo a um ritmo veloz. Mas como vamos ser capazes de nos
esconder nas sombras com o disfarce de uma empresa? Essa é a consideração mais importante.
Qual é a dessa atitude brega e desleixada? Não tem necessidade. Vá direto ao ponto!

Basicamente, estava me dizendo que todo mundo estava ganhando a vida com o meu
conhecimento. Todo mundo menos eu. Se tivessem me dado ao menos uma parte pequenininha,
não teria que ficar mendigando por dinheiro ou correndo atrás de moedas como a droga de um
cachorro.

Seja o que for, está tudo bem. As garotas prepararam essa enorme encenação para mim, por isso
não posso reclamar.

Mas se tivessem me dado só uma porçãozinha…

— Hm, espero que não se importe por eu pedir isso, mas poderia pegar alguns zeni
emprestados?

Pagarei de volta algum dia… talvez.

— Sim, irei preparar agora mesmo— Gamma respondeu rápido.

Ela deu ordens para a mulher que me trouxe até aqui.

Sem demora, um carrinho de mão cheio de moedas entrou no salão, formando uma montanha
de moedas. Nunca tinha visto tantas moedas brilhantes em um só lugar. Ali tinha facilmente mais
de um bilhão de zeni.

— I-isso é um tanto…

Não tem como pegar tudo isso emprestado, nunca vou conseguir pagar.

— Gh…! Não é o suficiente? Pedirei por mais agora mesm…

— Não, está tudo bem. — Parei Gamma no meio da frase e estendi a mão até as moedas,
fazendo um espetáculo ao enfiá-la na montanha.

As moedas emitiram um tinido alto.

Agora que a atenção delas estava na minha mão direita, me concentrei com toda a minha força.

— Hmph!
Peguei cerca de quinze moedas com a minha mão direita e mostrei a todas que estavam
presentes ali, antes de lentamente as enfiar no meu bolso direito. Eu tinha acabado de ficar um
milhão e meio de zeni mais rico.

E também tinha outro milhão e meio de zeni no bolso da esquerda.


Enquanto focavam a atenção na minha mão direita, peguei algumas moedas na minha esquerda
com uma velocidade extrema, jogando-as no meu bolso esquerdo antes que qualquer uma
pudesse notar. Alpha ou Delta poderiam ter percebido, mas Gamma nunca teria a chance.

— S-só isso? Você pode pegar tu…

Vê-la assim era hilário pra mim. Achava que eu tinha apenas um milhão e meio de zeni
emprestado, mas, na realidade, peguei três milhões!

— É o bastante por enquanto — falei, segurando a risada.

— Tudo bem. Leve isso de volta. — Gamma bateu palmas, e as mulheres levaram o carrinho de
mão de volta.

Gamma ajoelhou-se diante de mim.

— Meu lorde, acho que sei por que veio hoje. Deve ser devido ao incidente.

— Sim — concordei. Que incidente?

— Minhas sinceras desculpas. Estamos investigando o assunto no momento, porém, não


pegamos o culpado. Pedimos que tenha paciência, por gentileza. Caçarei os assassinos na capital,
os tolos de preto que fingem ser do Jardim das Sombras.

— Hmm…

Foi a primeira vez que ouvi sobre isso.


— Hmm…
Gamma olhava para Shadow enquanto ele ficava em silêncio e começava a pensar. Em alguma
parte dos olhos azuis dela, um traço de inquietação fez-se presente.

Uma lágrima escorreu pelo canto do olho dela sem aviso. Ver aqueles raios azuis-violeta a
lembraram de seu passado.

A vida de Gamma começou com uma luz da mesma tonalidade.

Se ele nunca tivesse aparecido, ela teria morrido como um amontoado de carne podre. Foi
abandonada por sua família, expulsa do seu país natal e perdeu a posse de tudo o que tinha
direito. Caiu em um abismo de dor, desespero e decepção, e quem a resgatou foi o garoto que
produziu a luz azul-violeta. Ela provavelmente jamais se esqueceria daquele brilho pelo resto da
vida. Para Gamma, aquilo representava a luz da sobrevivência.

Alpha uma vez lhe disse que havia vida na luz, e Gamma concordou, não por motivos lógicos, mas
sim por instinto.

Não curava apenas ferimentos externos – mas também uma parte muito mais profunda da alma.
Quando tocou a luz azulada, foi como se tivesse sido libertada de suas algemas, liberada de algo
que a segurava. Ela enfim sentiu como se tivesse recuperado sua identidade.

Naquele dia, renasceu. No momento em que recebeu o nome Gamma, jurou devotar sua nova
vida apenas a ele.

Mesmo que suas intenções fossem sinceras, ela era a mais fraca das Sete Sombras. Foi derrotada
e superada pelos novos membros, deixada rastejando no chão e profundamente humilhada. Em
algum momento ao longo do caminho, percebeu que não era capaz de derrotar suas iguais, não
importava o quanto treinasse.

Estava angustiada. Qual era seu valor? Preferia morrer do que mostrar sua estupidez e arrastar
todos consigo. Mas ele a chamou do nada no dia em que ela planejava acabar com tudo e
compartilhou parte da sua Sabedoria das Sombras.

Este aprendizado lhe mostrou como lutar com sua inteligência ao invés da força, e ela mergulhou
de cabeça no conhecimento dele. E, já que imaginava que essa era a única forma de sobreviver,
colocou sua vida em risco, literalmente, para recriar a Sabedoria das Sombras que pertencia a
ele.

Sempre que Gamma pensava no passado, tinha mais certeza de que ele reconheceu sua dor –
que compartilhou do seu conhecimento, pois sabia que ela sofria e tinha predito que caminho
seguiria na vida.

Isso a fazia se sentir desamparada. Era triste para ela saber que ele estava fora do seu alcance.

Shadow precisa de mim? Lágrimas se formavam em seus olhos sempre que pensava nisso. Mas
era por isso que precisava limpá-las e continuar lutando.

Faria com que o Jardim das Sombras fosse maior e mais forte, uma organização mais adequada
para Shadow… e, quando isso acontecer, acredita que o sonho certamente se tornará realidade.

— Entendo. Interessante. — A voz dele trouxe Gamma de volta para a realidade. — Acho que sei
quem fez isso. Vou dar uma olhada por aí.

O peito de Gamma se apertou ao ouvir o tom onisciente dele.

Falhou em ajudá-lo mais uma vez. Ele foi capaz de pensar na resposta correta com um pequeno
trecho da informação. Mesmo que mobilizasse todas as suas subordinadas, ele poderia
facilmente encontrar pistas que ela nunca conseguiu.
Mas Gamma recusava-se a desistir. Algum dia, ele a notaria… por isso tinha que persistir.

— Nu, venha. — Gamma chamou a mulher de cabelo castanho que o trouxe.

— Ela se chama Nu, membro número treze.

— Uou.

Ele a olhou com olhos entreabertos. Seu olhar era afiado o bastante para ver as profundezas do
seu poder.

— Mesmo que Nu tenha acabado de se juntar a nós, até a Lady Alpha reconheceu a força dela.
Sinta-se livre para usá-la como uma ligação, para tarefas ou qualquer outra coisa que queira.

— Meu nome é Nu. É um prazer conhecê-lo. — Sua voz estremeceu levemente de nervosismo.

— A chamarei caso algo aconteça.

— Entendido. — Curvou-se e deu um passo para trás.

— Acho que estarei indo agora. — Ele se levantou. — Ah, quase me esqueci. Eu gostaria de
comprar um pouco de chocolate… do mais barato. Se puder me dar aquele descontinho amigo,
agradeço.

— Prepararemos os melhores chocolates que temos.

— Hmm… quanto vai custar?

— Com o cupom para amigos e familiares, será um desconto de cem por cento.

— Cem por cento… Isso deixa de graça! Eba, é meu dia de sorte! Neste caso, vou levar três.

— Obrigada pela preferência.

Gamma sorriu ao vê-lo voltar para o papel de Cid Kagenou, o normie.

— Não vamos chegar antes do toque de recolher!

— É porque o Cid demorou demais!

— Eu disse que sinto muito e ainda dei os chocolates.

Nós três corríamos pelas ruas escuras da capital.


Eu com certeza sou um dos dois motivos para estarmos atrasados. Mas as perguntas constantes
de Esquel e Bat sobre a moça eram o outro motivo. Nu, acho que era esse o seu nome? De
qualquer forma, apenas desviei de tudo com um monte de “talvez”.

Dito isso, nunca imaginaria que Alexia era do tipo que se tornaria uma assassina em série da vida
real. Se Delta não era a culpada, tinha que ser Alexia. Eu sabia que era ela no momento que ouvi
sobre os crimes recentes. Era uma princesa que tinha tudo, então o que poderia ter a colocado
nessa vida…?

O coração daquela mulher era um enigma.

Sabe, não desprezo assassinos em massa, já que esse é o ciclo da vida. Mas sujar o nome do
Jardim das Sombras é uma história completamente diferente. Aquelas almas infelizes não sairão
impunes dessa.

— Ei, ouviram isso?

— Não, nada.

Esquel e Bat corriam à minha frente enquanto conversavam entre si.

Não parecia que tinham ouvido também, mas, para mim, foi bem claro.

Era o som de duas lâminas colidindo, o que significava que havia pessoas engajadas em um
combate por perto.

Parei de correr.

— Ei, o que foi?

— Vamos perder o toque de recolher!

Os dois pararam logo depois.

Apontei para um beco.

— Vou soltar um barro.

Eles pareciam não acreditar nem um pouco em mim.

— Se não for agora, vai escorrer pelas minhas pernas enquanto corro.

— É uma emergência.
— Uma questão de toque de recolher ou orgulho.

O rosto deles ficou sério.

— Vocês podem ir na frente. Não quero que ninguém me veja…

— Eca… Entendido! Não vou contar a ninguém que você soltou uma bomba a céu aberto!

— Não importa o que digam… acho que tomou a decisão certa!

— Oof, não consigo mais segurar. Se apressem… e me deixem para trás!

— Cid… Nunca vamos te esquecer!


— Cid… Mesmo que cague do lado de fora, sempre seremos amigos!

— Vão! Vããããããoooo!

Os dois deram meia volta e saíram correndo dali. Depois que os vi sumir de vista, fui para o beco,
seguindo os sons de duelo. Quando cheguei até a fonte, já estava no coração de um beco escuro.

Dois cavaleiros negros estavam no meio de uma batalha feroz.

Não havia dúvidas na minha mente que a pessoa usando o uniforme da escola e saia curta era
Alexia. Mas o outro era um homem mascarado, todo vestido de preto.

Algo obviamente não estava certo. Eu poderia entender se Alexia estivesse de preto e fingindo
ser do Jardim das Sombras, mas não o contrário. Então subi até um telhado e os observei em
segredo.

— Desista de uma vez. Não há como vencer — disse Alexia.

Ela parecia ter a vantagem. O homem de preto não era exatamente fraco; só não conseguia tocar
Alexia, que melhorou bastante com o seu treinamento recente.

O manto preto dele estava rasgado e esfarrapado, e seu sangue manchava os paralelepípedos
com um carmesim escuro. Um último golpe definiria o vencedor.

— Por que está matando inocentes? É por isso que luta?

— Nós somos o Jardim das Sombras…

Agora mesmo, o homem de preto com certeza disse “Jardim das Sombras”.

— É só isso o que sabe dizer? É isso o que aquele tal de Shadow busca?
— Nós somos o Jardim das Sombras… — repetiu o homem de preto.

Não havia dúvidas de que ele era o impostor do Jardim das Sombras.

Sinto muito por duvidar de você, Alexia. Parece que era inocente. Minhas mais sinceras
desculpas.

Mas por que aquele cara estava personificando o Jardim das Sombras?

Essa era a próxima dúvida, obviamente, e eu também sabia a resposta. Podia entendê-lo muito
bem, porque sou igual.

A resposta é adoração.

Esse homem ficou encantado com o Jardim das Sombras… e mentores secretos. Não posso culpá-
lo. Tipo, minha jornada inteira começou porque eu amava agentes das sombras. Me apaixonei
pelos comandantes secretos nos filmes, animes e mangás, então passei a imitá-los.

Esse impostor andava no mesmo caminho e encontrou o Jardim das Sombras. É o primeiro
seguidor do Jardim das Sombras no mundo.

Uma sensação calorosa surgiu em meu peito. Estou feliz por um total estranho ter aceitado a nós
e os nossos métodos. Alegre por saber que escolhi o caminho certo.

Mas isso é imperdoável. Por quê? Porque sou um mentor. Se perdoar aqueles que mancham o
nome da minha organização, deixarei de ser um. Neste exato momento, nós dois podemos nos
chamar de agentes das sombras, e não vou permitir nem aceitar isso.

— É o seu fim.

Quando Alexia impediu o contra-ataque dele ao derrubar sua espada, senti outra energia se
aproximando.

— É o seu fim.

Alexia jogou a espada dele para longe, a qual chocou-se na rua de paralelepípedo.

— Hngh…! — Alexia deu uma cambalhota, esquivando-se do ataque repentino que veio por trás.

Bloqueou outro golpe rápido, deu um chute no estômago do agressor e afastou-se mais do que
depressa. Encarando seu novo oponente, estabilizou sua respiração.

Havia mais dois cavaleiros negros vestidos de preto.


Ela estalou a língua enquanto observava o primeiro homem erguer a espada.

Agora eram três, todos os quais também considerava como fortes.

Poderia vencer com facilidade contra um deles, tendo uma boa chance de derrotar dois.
Entretanto, contra três oponentes…

— Não é muito bacana ter três contra uma jovem delicada.

Rezei para que dessem uma resposta engraçada.

— O que acham de três batalhas de um contra um? Ou não é bom? — sugeriu.

Eles lentamente a cercavam de todos os lados. Ela se certificava de que suas costas estavam
protegidas enquanto se afastava.

— Ei, veja atrás de você. A lua está linda esta noite.

O homem se aproximou das costas dela, e ela o manteve na mira com os olhos. Suas espadas
mexiam-se com movimentos pequenos enquanto tentavam supor as intenções dos outros.

— Minha nossa. Não vai dar uma olhada? Achei que fosse. — Alexia sorriu. Seus olhos vermelhos
brilhavam com o luar. — Pois há uma adorável moça logo atrás de você.

— Gr…!

Ela o pegou. Alexia moveu-se instantaneamente, manejando sua lâmina para cortar o seu
oponente idiota, que se virou na hora para olhar.

Morra. Não disse em voz alta, mas ainda assim zombou dele. Cortou através do manto negro,
fazendo com que jorrasse sangue.

Porém, o corte acabou não sendo profundo o suficiente. Só precisava de mais um golpe para
acabar com ele…

E, naquele momento, sofreu uma pancada no abdômen.

— Augh…!

Uma bota negra atingiu o lado do seu corpo, e ela pôde ouvir o som de suas costelas estalando
com o impacto. Enquanto cuspia sangue e cortava com sua arma, acertou a espada na bota
preta.
Mas o inimigo esquivou-se do seu ataque no último segundo, e sua lâmina ricocheteou nos
paralelepípedos.
Os homens estavam longe demais para um ataque.

Alexia tossiu sangue e limpou a boca, deixando sua mão manchada de vermelho.

Naquele momento, conseguiu distrair um deles, mas ainda tinha um sobrando, o qual lhe deu um
chute e evitou que matasse o outro. Alexia o encarava com desprezo.

Três contra um. Os números não haviam mudado.

No entanto, a situação tinha piorado. Dois deles estavam desarmados e o outro estava
gravemente ferido, mas ainda conseguia usar sua espada. Ela não podia ignorar o último.

Por outro lado, seus pulmões foram perfurados pelas costelas quebradas.

Eles vão me matar, pensou. Acho que é isso.

Tirou uma pílula vermelha do bolso do uniforme. Era uma droga que guardou antes que o
armazém fosse queimado.

Alexia era contra uma esgrima bruta, mas preferia isso do que a morte, por isso levou a pílula à
boca. Enquanto rezava para que a estratégia improvisada funcionasse, ergueu a pílula até a altura
dos lábios.

Naquele momento, algo escuro desceu do céu, pousando tão silenciosamente quanto uma coruja
voando durante a noite.

A lâmina negra cortou um oponente, do qual sangue jorrou. O cheiro sufocante de sangue tomou
conta da viela. Com um movimento hábil da espada, o homem de preto, Shadow, limpou o
sangue da sua espada, formando uma linha vermelha ao longo da parede.

— Para os tolos que zombam do nome do Jardim das Sombras…

Era Shadow, o ser mais poderoso da existência. Foi ele que demonstrou a esgrima perfeita, e
aquele que ela jamais esqueceria.

Shadow está… lutando contra eles?

Era isso o que parecia.

— Paguem por seus pecados com suas vidas… — continuou.


No instante seguinte, os homens de preto moveram-se, tomando uma decisão instantânea de
correr pelos paralelepípedos, saltando pelas paredes e pulando até o telhado, assim fugindo.
— Patéticos… — Shadow preparou-se para persegui-los.

— Espere, por favor…!

A voz dela o parou na mesma hora. Ele se virou lentamente, fixando seu olhar nela.

Sua espada tremia sem parar, pois percebeu que… estava fazendo algo estúpido.

— Me chamo Alexia Midgar, uma das duas princesas deste reino.

Shadow apenas a encarava. Ela sabia que ele poderia tirar sua vida se tivesse vontade.

— Diga-me qual é o seu objetivo. Por que luta? Quem está enfrentando? E… você é uma ameaça
ao meu país?

Shadow virou as costas para ela.

— Fique fora disso. Ignorância é uma benção.

— O q…?! Espere, se está dizendo que vai se opor ao reino…!

— O que você faria se eu dissesse que sim?

Ela foi pega de surpresa pela sede de sangue.

Diante de uma força imensurável, acovardou-se por instinto. Entretanto, desafiar nossos instintos
é o que nos torna humanos.

— Irei enfrentá-lo. Sei que vai tentar matar minha irmã mais velha, mas não deixarei que isso
aconteça.

Shadow deixou o manto esvoaçar atrás dele.

— Compreendo o seu estilo de luta com a espada. Posso não ser capaz agora, mas, algum dia, irei
te…

— Matar? — perguntou.

Com essas palavras de despedida, desapareceu na escuridão.


Alexia murmurou no escuro para si mesma:

— Sim, isso mesmo…

O silêncio voltou à noite. Abandonada e sozinha, Alexia segurava o estômago e encolhia-se. Sua
espada caiu das mãos trêmulas. Sabia que acabara de fazer algo estúpido. Entretanto,
recentemente, descobriu um motivo pelo qual lutar: proteger as poucas coisas que valorizava…
sua única irmã e seu único amigo.

— Não é bom…

Estava prestes a desmaiar.

Sabia que coisas ruins aconteceriam se apagasse na viela, por isso tentou usar a parede para se
apoiar.

— Alexia… Alexia! — Uma voz a chamava de longe.

— Ei, Iris… Iris! Aqui!

— Alexia…!!

O som de passos ficou mais próximo. Algo macio segurou-a em pleno ar antes que seu corpo
atingisse o chão.

— Alexia! O que você fez…?!

— Iris…! — Ela enfiou o rosto no peito da irmã.

— Prepare-se. Farei com que me explique tudo em detalhes depois.

— Tudo… bem.

— Incluindo isso.

— Hã…? — Viu as pílulas vermelhas espalhadas pela rua de paralelepípedo, no local em que as
derrubara. — Ouça, Iris, não sei de nada.

— Silêncio.

— Não sei mesmo. Sério.

— Isso é imperdoável.
— Ai, minha cabeça… — Decidiu desfalecer-se e deixar essas coisas em aberto.

Duas sombras percorriam as ruas escuras da capital.

À medida que se preocupavam com os ataques de trás, os homens de preto viraram em um beco
e pararam. Pareciam estar apressados. Colocaram suas mãos contra a parede, tentando acalmar
a respiração acelerada. Durante um tempo, apenas o som de suas inaladas ásperas ecoava pelo
beco escuro.

Thunk.

Um som veio das profundezas do beco.

Eles rapidamente viraram para encarar a escuridão. Uma silhueta negra tomou forma nas
sombras, andando na direção deles.

Thunk, thunk.

O som das suas botas se aproximava.

Os homens prepararam suas espadas, tomando cuidado. Mas, então, uma lâmina negra perfurou
a cabeça de um deles, instantaneamente passando pelo crânio da pobre alma sem aviso algum.

— Agh… Aghh… Aghhhhh…!

A katana negra foi removida enquanto o homem gritava agoniado, cuspindo sangue e caindo no
chão.

Os impostores que restaram começaram a recuar de medo no momento em que a silhueta saiu
das sombras e fez sua aparição. Em um manto negro, ele possuía uma espada e metade do seu
rosto estava escondida atrás de uma máscara de mágico.

— Os fiz esperar demais? — A voz dele foi profunda, como se ressoasse das profundezas da terra.
— Eek…! — gritou o homem de preto enquanto se afastava.

— Por que está com medo? — perguntou. — Achou mesmo que… poderiam escapar?

O homem de preto se virou para fugir.

— O q…?!

— Ótimo trabalho, Mestre Shadow.

Ele se virou e deu de cara com uma mulher. Ela era sedutora e elegante, usando um vestido
curto.

— Você encurralou o culpado mais do que depressa. Estou maravilhada — comentou.

— É você, Nu?
— Sim — respondeu, continuando a conversa enquanto o inimigo ficava entre os dois.

Ele recuou até uma parede.

— Por favor, deixe o resto comigo. Irei extrair as informações dele.

O homem vestido em roupas negras baixou a espada.

— Não estrague tudo… — avisou.

— Entendido.

Ele deu meia volta e desapareceu na escuridão. A adorável mulher curvou a cabeça enquanto o
via partir.

A bela moça e o homem de preto foram deixados no beco estreito. Ele estava bem armado, mas
ela estava apenas de vestido e saltos.

O homem agiu rápido. Com uma série de cortes rápidos, atacou a garota desarmada.

Pelo menos… era o que esperava fazer.

Com seu vestido dobrado para cima, suas pernas brancas e sensuais se destacavam na noite.

Ka-chan. A espada do homem caiu na rua de paralelepípedo.


Depois de um tempo, oito dedos caíram perto dela.

— A-aghh…!

Era difícil saber se estava tentando recuperar seus oito dedos ou a espada. Com apenas os
dedões restando, estendeu uma das mãos, a qual acabou sendo esmagada por um salto alto.

— Gyah…!

Com isso, uma lâmina negra surgiu da ponta do seu sapato enquanto o sangue dos dedos dele
escorriam sobre os paralelepípedos.

— Não sou tão gentil quanto o Mestre Shadow.

Ele podia ouvir a amargura na voz dela. O homem olhou para cima e deparou-se com um olhar
frio o bastante para matá-lo congelado.

— Não ache que permitirei que morra em paz.


Com a barra do vestido ondulando no ar, acertou o queixo dele com seu joelho branco.

Na manhã seguinte, um cadáver medonho foi encontrado pendurado sobre a rua principal da
capital. Havia uma mensagem escrita com sangue em seu estômago:

O Caminho dos Tolos

O rosto daquele homem morto estava envolto em agonia e medo.

Deitada em uma cama imaculada, Alexia olhou para cima e viu o rosto severo da sua irmã.

— Sei o que aconteceu. — Iris estava sentada ao lado da cama. — Os assassinatos não foram
cometidos pelo Jardim das Sombras, mas sim por impostores de outra organização.
— Shadow disse isso — acrescentou Alexia.

— Shadow, hein…? Ainda não sabemos o que é essa organização. — Iris baixou os olhos,
pensando. — Durante os ataques na capital, identifiquei a existência de uma cavaleira negra que
pode ser do Jardim das Sombras.

— Aquela que se chama Alpha.

Iris concordou:

— Outras fontes indicam que o Jardim das Sombras é uma organização extraordinariamente
poderosa. E o seu relatório confirma o nome deles e a existência de um homem chamado
Shadow. Mas isso é tudo o que sabemos. Todo o resto ainda é mistério. Sequer sabemos qual é o
seu objetivo.

— Shadow estava enfrentando o Culto Diablos. Talvez o propósito deles tenha a ver com o Culto.

— O que torna o Culto nossa pista… — Iris soltou um suspiro.

— Iris…?

— Eu pensei que fosse uma religião normal que acreditava no demônio Diablos, mas parece que
estão puxando as cordas em mais operações do que imaginávamos.

— Como o incêndio?

— Tem isso. E também tem o orçamento para a Ordem Carmesim. Não ganhei permissão para
seguir em frente, por isso estarei pagando com dinheiro do meu bolso.

Alexia franziu o cenho.


— Isso quer dizer que o Culto não só se infiltrou na Ordem dos Cavaleiros como também está
entre os oficiais civis?

— Não sei. São membros do Culto ou estão sendo subornados…, mas não tenho certeza. Afinal
de contas, fui imprudente ao criar uma nova Ordem.

— Vou ajudar a pagar.

— O que vale é a intenção. Sabe quantos membros a Ordem Carmesim tem, certo? — Iris sorriu
amargamente.
— Oito.

— Exato, apenas oito. Com minhas contribuições, podem facilmente sobreviver por mais de dez
anos.

— Então não podemos fazer a Ordem crescer?

— Não faria sentido fazer com que ficasse maior agora. Sequer sabemos quem estamos
enfrentando.

— Iris, hm… — Alexia olhou para sua irmã, apreensiva. — Quem é o inimigo da Ordem Carmesim:
o Jardim das Sombras ou o Culto Diablos?

Iris sorriu.

— Ambos. Recuso-me a permitir qualquer transtorno neste reino.

— Não deveríamos enfrentar Shadow. — Alexia apertou os lençóis.

— Alexia, pare com…

— Iris, você não diria isso se o conhecesse. Sei que viu aquele ataque que coloriu o céu noturno
de toda a capital!

— Já concluímos que foi apenas a queima dos artefatos.

— Mas vi ele usando magia!

Iris aproximou-se de Alexia e olhou direto nos seus olhos vermelhos.

— Aquele tipo de poder é impossível para os humanos. Todo o tempo que passou no cativeiro
deixou sua memória confusa. E eu aposto que todas aquelas drogas estranhas te fizeram alucinar.
Não acredito que esteja mentindo, mas acho que precisa descansar.
— Iris!

Iris colocou ambas as mãos sobre as de Alexia.

— E mesmo que tenha vindo de Shadow, não podemos nos fazer de cegas para ele. Quem irá
proteger nossa nação se eu fugir?

— Iris…

Ela acariciou o cabelo de Alexia, então ficou de pé.


— Descanse até ficar curada.

— Vou te ajudar assim que melhorar.

— Não será necessário.

— Hã?

— Ah, você está em prisão domiciliar. Acho que esqueci de te contar.

— Não pode estar falando sério!

— Por roubar evidências. — Iris lhe mostrou as pílulas vermelhas, e o queixo de Alexia foi ao
chão.

— Pense no que fez.

A porta fechou-se com uma batida quando ela saiu.

Capitulo 5

Eu estava sendo observado.

Senti seus olhares assim que entrei na sala de aula. Todos me olhavam e sussurravam:

— É ele.

— O cara que se cagou enquanto corria…


— Ouvi dizer que soltou uma bomba no meio da rua, onde todo mundo podia ver.

Olhei com raiva para Esquel e Bat, e os olhos deles mexiam-se nervosamente para outras
direções da sala.

— O-ontem foi um verdadeiro desastre.


— B-bom dia. Deve ter sido complicado para você.

— Pois é, bom dia. E hoje está ainda pior.

Ambos tinham um sorriso rígido, e eu soltei um enorme suspiro.

— E-então, trouxeram os chocolates de ontem? — Esquel pegou uma sacolinha.

— Eu sim — disse Bat.

— Sim, eu acho — falei.

— Beleza. Durante o almoço, a Operação: Entrega de Presente começará!

— Ooh, estou tão animado!

— Sim, que seja.

O que nos traz ao almoço.

Seguimos Esquel, que disse que iria nos mostrar como era feito.

Ele estava no corredor, próximo à sala de aula dos alunos do segundo ano enquanto o
observávamos de longe.

— Ele vai direto nas veteranas? Vai lá, Esquel.

— Sim, que seja.


Depois de alguns segundos, uma garota bonita saiu da sala.

— Hã, hmm… aqui. — Esquel estendeu o chocolate.

— Ei, você tem algum assunto com a minha noiva? — Um par de mãos grandes agarrou seus
ombros.

Havia um veterano bombado atrás dele.

— Ah… eu… eu só…

— Vamos lá fora para, sabe, conversar sobre isso.

Nós dois ignoramos o olhar nervoso dele e nos viramos.


— Vamos indo.

— Sim, que seja.

Pude ouvir Esquel gritando atrás de mim.

Bat me levou até a biblioteca. Era um recurso gigantesco compartilhado entre as escolas para
cavaleiros negros e ciências. Naturalmente, não era um lugar que os atletas usavam para dar um
passeio. No entanto, é claro, também não era um lugar para mim.

— Quer dizer que vai atrás de alguém da Academia de Ciência.

— Sim. Não pretendo fazer a mesma abordagem que Esquel. Sabe, fiz uma investigação completa
sobre ela. Conheço seus amigos; comidas favoritas; o número do quarto dela; que banheiro usa;
o número que calça e o cheiro dos seus pés; a cor da sua calcinha; medidas do quadril; busto e
cintura; e também bebi do mesmo copo que ela…

— Beleza, já chega. Vai lá de uma vez.

Arrastei Bat para dentro da biblioteca e me afastei. Não vi o que aconteceu depois.
— Eeeeeeeek!! É aquele cara! O meu stalker!

Quase que na mesma hora, ouvi um grito atrás de mim.

O saquinho de chocolates balançava enquanto eu andava pela biblioteca. Eu quase nunca vinha
aqui, mas era bacana.

Então, falei com a primeira garota da Academia de Ciência que encontrei.

— Para você, são alguns chocolates.

— Hã? — Ela era uma menina bonita de cabelo rosado.

Entreguei o saquinho de chocolates e saí.

— Espera! O quê?

Ouvi ela ficando confusa. Acho que já vi o seu rosto antes, mas não me lembrava onde.

— O que será isso…?

Uma garota bonita com cabelo cor de pêssego, em uma sala de estudo, inclinava a cabeça para o
lado. Ela examinava os objetos marrons na caixa com olhos tranquilos. Mesmo depois de colocar
o objeto de aroma agradável na mão, não foi capaz de identificar o que era. Tinha quase certeza
que o garoto chamou aquilo de chocolate quando lhe deu.

— Sherry, está tudo bem?

Um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos penteado para trás, estava atrás dela.

— Vice-diretor Lutheran…

— Você prometeu que me chamaria de Pai quando estivéssemos a sós.

— Pai adotivo. — Sherry sorriu, desconfortável.


— Como conseguiu essa caixa de chocolate?

— Chocolate? Um garoto da Academia para Cavaleiros Mágicos me deu.

— Não me diga. — Lutheran afagava a barba, pensativo. — Esse é um lanche de luxo. Todas as
garotas estão falando dele, e eu acho que esse garoto te deu de presente.

— O quê? Mas nem o conheço.

— Chamam isso de “amor à primeira vista”. Este é o chocolate mais nobre do mudo. Pode ficar na
fila desde o alvorecer e ainda não ser capaz de comprá-lo. Ele deve ter feito o impossível para
conseguir isso para você.

— Amor à primeira vista… — murmurou Sherry, com as bochechas tingidas de rosa.

— Como irá respondê-lo?

— Responder…?

— Ele deve estar esperando a sua resposta.

— M-mas eu… — O seu rosto ficou corado, e os olhos iam de um lado para o outro.

— Você não está aqui apenas para fazer pesquisas. Devia aprender a interagir com os outros
também. É para isso que serve a escola.

— Eu vou…

Ele sorriu gentilmente para Sherry, que inclinou a cabeça.

— Está indo tudo bem com o artefato?

— Acabei de começar. — Sorriu, preocupada, com as bochechas ainda coradas.


— Isso é completamente compreensível.

— Mas sei de uma coisa: está escrito em um código único.

— Um código único?

Sherry abriu os documentos sobre a mesa.

— Acredito que era usado por um país antigo ou organização. E… é quase idêntico ao da pesquisa
da minha mãe.

— Ah, a pesquisa da Lukreia… Ela era uma grande pesquisadora também. — Lutheran fechou os
olhos, como se lembrasse do passado.

— Preciso desvendar o código que a Mãe pesquisou antes de falecer.

O rosto que examinava era realmente o de uma pesquisadora brilhante, sem dúvidas.

— É o trabalho perfeito para você.

— Obrigada.

Quando Lutheran acariciou a cabeça dela, Sherry ficou envergonhada.

— Onde o artefato está agora? — perguntou ele.

— Um cavaleiro está o protegendo no outro aposento.

— Não está com você?

— Só quando necessário. É importante para mim pensar em paz. Além disso, fico nervosa demais
perto dos cavaleiros.

— Entendo. Cof, cof… P-perdão… — Lutheran virou-se para tossir.

— Pai! Você está bem? — Sherry entrou em pânico e esfregou as costas do homem esquelético e
de bochechas afundadas.

— E-estou bem. Está tudo certo. — Lutheran acalmou a respiração. — E ontem eu ainda estava
me sentindo bem. Acho que a doença pode ser imprevisível.

— Pai…
— Não se preocupe comigo. Mais importante, recebi outra mensagem da cidade acadêmica,
perguntando se você gostaria de estudar no exterior.

— A cidade acadêmica, Laugus…

— O estudioso mais brilhante do mundo reconheceu a sua pesquisa. Se estudar em Laugus, suas
habilidades só irão melhorar. É uma oferta fantástica.

Sherry balançou a cabeça.


— Não posso lhe deixar sozinho e doente, Pai.

— Não precisa se preocupar comigo, Sherry.

— Eu teria morrido se você não tivesse me adotado quando a Mãe faleceu. Vou te ajudar… por
ter me ajudado — disse, com lágrimas se formando nos olhos.

— Sherry… você é uma filha maravilhosa. — Lutheran respondeu com um sorriso gentil. — Boa
sorte na sua pesquisa. E coma o seu chocolate.

— Eu vou…

Lutheran saiu da sala de estudo, e Sherry colocou o chocolate na boca.

— É doce… e delicioso.

Então, pegou um segundo pedaço.

Eu estava voltando para casa depois de um dia sem Alexia, Esquel nem Bat.

O campus havia assumido uma tonalidade laranja com o sol poente. Andava pelo local em que
não tinha muitos alunos, quando uma garota se aproximou repentinamente de mim. O seu
uniforme indicava que estava no segundo ano da Academia de Ciência. Seu cabelo castanho-
escuro formava um coque, enquanto um par de óculos cobria seus olhos castanho-escuros.

Mas um personagem secundário experiente podia ver: ela era uma beldade imperceptível que
fingia ser uma personagem qualquer.

— Ei, posso falar com você por um minuto?

Já tinha ouvido aquela voz antes.

— Nu? — sussurrei, e ela assentiu em resposta.

É uma loucura como uma mudança de penteado e maquiagem podem esconder uma mulher
elegante.

— Está planejando entrar para a escola? — perguntei em voz baixa.

— Não, estou apenas pegando esse uniforme emprestado, já que me ajuda a me misturar com os
outros.

— Entendo.

Não conheço a maioria dos alunos daqui. Contanto que esteja de uniforme, há uma boa chance
de que continuará sem ser descoberta.

— Onde quer conversar?

— Vamos até aquele banco.

Não havia ninguém perto do banco que tinha vista para todo o campus, e nós dois nos sentamos
sob o brilho cintilante do pôr do sol.

Nu observava a academia. Por trás dos óculos, estreitou os olhos.

Se sua vida tivesse sido diferente, estaria no segundo ano. Até o dia em que foi abandonada por
ser uma possuída, sempre acreditou que teria um futuro pacífico e de sucesso.

Mas isso acabou não sendo mais do que fantasia.

Mal sabia ela que tudo o que assumiu como certo – amigos, família, a própria vida – estava no
topo de uma torre fina de gelo. Nu era uma criança feliz que não sabia o que se espreitava por
baixo da estrutura frágil.

Seus olhos observavam os alunos com inveja e tristeza, e ela reconhecia alguns dos seus rostos.

Em muitos círculos sociais, era conhecida como a filha de um marquês, vivendo uma vida
afluente.
Porém, esse tempo passou. Foi apagada da história da sua família, como se nunca tivesse
existido.

Sua dúvida era quantos amigos seus ainda se lembravam dela.

Talvez falassem sobre ela, mas achou que era mais provável que espalhassem rumores de ódio.

Isso era o que acontecia com possuídos.

Não havia motivo para se encontrar com Shadow na escola em plena luz do dia, mas não podia
abandonar seu último fio de esperança. Queria acreditar que tinha um canto tranquilo neste
campus. Queria saborear este sonho tolo.

Nu sorriu.

Ela não tinha lugar para chamar de lar, mas possuía companheiros que compartilhavam do
mesmo objetivo. E, sentado perto dela…, estava o seu amado mestre.

Ele começou lutando sozinho. Mesmo que fosse o último homem do mundo, continuaria a lutar.
Sua existência era o que continuava mantendo o Jardim das Sombras de pé.

Pessoas eram frágeis e queriam confiar em algo definitivo. Se deus fosse essencial para o mundo,
Shadow era essencial para o Jardim das Sombras.

Mas ela acreditava que ele era melhor que deus. Se abrisse os olhos, podia vê-lo… e se
estendesse a mão, podia tocá-lo.

— Hmm? O que foi?

— Tem algo em você. — Nu arrancou um fio puxado do ombro dele e olhou para seu perfil. —
Por favor, não conte a Gamma sobre isso. Ela ficaria irritada se soubesse que entrei de fininho no
campus em plena luz do dia.

— Pode deixar. Mas fiquei bastante surpreso. Essa maquiagem faz você parecer totalmente
diferente.

— Meu rosto é brando, por isso é fácil eu mudar de aparência. Sempre fui boa com maquiagem.
Acho que posso dizer que é um antigo hobby meu.

— Uou, e a sua identidade na Mitsugoshi?

— Quando estou lá, me faço parecer mais velha do que realmente sou.

— Entendo. A propósito, quantos anos tem?

— É segredo. — Nu mostrou um sorriso sedutor. — Estou aqui para reportar sobre o incidente de
ontem com o homem de preto.

— Ótimo.

— Interroguei o impostor, mas não consegui tirar nada dele. Suspeito que uma lavagem cerebral
poderosa tenha destruído sua mente. A julgar pelas outras características físicas, ele é uma
Terceira Criança.
— Hã?

As Crianças do Diablos.

Quando o Culto encontrava órfãos empobrecidos ou jovens cidadãos que possuíssem um pouco
de magia, seus membros os tiravam das ruas e os criavam em um local especial. Lá, as crianças
passavam por um treinamento brutal e lavagem cerebral. Eram enchidos de drogas e menos de
dez por cento deles conseguia se “graduar”.

As Terceiras Crianças eram a parte dos dez por cento que consideravam inúteis. Só existiam para
serem sacrificadas e abandonadas. Com mentes corrompidas demais para vazar informações
secretas, as Terceiras eram mais poderosas do que um cavaleiro comum.

As Segundas eram mentalmente estáveis. As poucas Primeiras na existência eram consideradas


grandes guerreiros no mundo.

Nu não disse isso a Shadow, é claro. Não achava que precisava explicar conhecimento comum
para ele.

— O Culto está claramente envolvido nesses incidentes. Imagino que o propósito deles seja nos
atrair.

— Hmm.

— Mas este não é o seu único objetivo. Outro dia, confirmamos a existência de uma Primeira
Criança Nomeada na capital. Ele se chama Rex, o Jogo de Traição. Estou supondo que estão se
reunindo por um propósito em particular. Neste exato momento, não sabemos onde Rex está,
mas já estamos investigando o problema.

— Hmm?
As Crianças Nomeadas.

Eram as Crianças do Diablos que contribuíram grandemente para o Culto. A maioria dos
Nomeados eram Primeiras Crianças, mas havia casos raros de Segundas. Alguns Nomeados
subiram nos rankings até se tornarem Cavaleiros da Távola Redonda, motivo pelo qual diziam que
este título era a chave para o sucesso.

E um membro do Jardim das Sombras costumava ser uma Primeira Criança Nomeada. Todas as
informações foram dadas por esta mesma mulher.

No entanto, Nu pulou todos estes detalhes, é claro, pois imaginou que ele já soubesse.

— Por favor, tome cuidado. O Culto está tramando algo. Vamos continuar investigando e
reportaremos assim que soubermos de algo.
— Hmm.

O sol do fim da tarde estava sumindo no horizonte. Aquele brilho fraco deixou as nuvens com a
cor carmesim.

Nu abanou o pescoço, o qual estava levemente suado devido ao calor, e se levantou. Depois de se
espreguiçar ao seu lado, Shadow ficou de pé.

Poderia ter existido dias em que conversariam como namorados e passariam seus dias juntos na
escola. Nu sorriu melancolicamente, imaginando como poderia ter sido.

E, mesmo que fosse um momento de indulgência…

— Ei, não sabe como acompanhar uma dama?

— Acompanhar? Você diz assim?

Ele esticou o braço esquerdo, e ela se segurou nele, andando lado a lado, então sorriu.

Este era o futuro que deveria ter tido.

Um aluno gritou de longe:

— Lança bostaaaaaa!!

Nu estalou a língua, irritada.

Reconheceu o garoto que arruinou o clima. Era um pedaço de lixo que sempre dava em cima dela
em seus círculos sociais. Então, decidiu dar uma surra nele depois.
Perto dela, Shadow olhava ao redor, por algum motivo nervoso. Nu então apertou seu braço
esquerdo.

Quem é o cavaleiro negro mais poderoso da escola? Dois anos atrás, a resposta teria sido Iris
Midgar.

Depois que se formou, um novo campeão deveria reinar sobre a Academia Midgar para
Cavaleiros Negros. Pelo menos, era isso que todos pensavam.

Mas um campeão apareceu do nada. Uma pessoa misteriosa, assumindo uma forma incomum de
subida até a ditadura absoluta sobre a academia.

E o seu nome era Rose Oriana.


Era uma aluna transferida da terra da arte e cultura, conhecida como Reino Oriana, onde ela era
filha do seu governante, Rei Raphael Oriana.

O Reino Oriana e o Reino Midgar são aliados. E, embora fosse esperado que se transferisse para a
Academia de Midgar para Cavaleiros Negros, ninguém nunca imaginou que se tornaria a campeã
absoluta da escola.

Para ser franco, não importava se era esperado ou não.

O problema era que Rose Oriana era a minha oponente na primeira rodada do torneio preliminar.

Eu tinha a opção de me retirar.

Esquel teve uma discussão sobre amor com um veterano que usou os punhos. Bat recebeu uma
advertência disciplinar por entrar no dormitório das garotas. Isso basicamente significava que eu
poderia sair das preliminares se inventasse alguma desculpa.

Mas, agora que penso sobre isso, perder para a campeã invencível na primeira rodada era o
padrão absoluto.
Era adequado para um personagem secundário, sem dúvida.

Não iria me retirar. Minha missão era participar da luta mais normie do mundo… de normies para
normies!

Por isso eu estava agora desembainhando minha espada na frente de uma enorme multidão.

A Princesa Rose Oriana estava diante dos meus olhos.

Com seus cabelos cor de mel elegantemente cacheados, Rose usava uma vestimenta de combate
estilosa e portava uma espada fina. As curvas em seu rosto eram gentis, sua silhueta, estelar, e
tudo sobre ela era simplesmente chique. Era o que se esperaria da princesa de um país de artes.

Além disso, Rose também era a presidente do Conselho Estudantil, mesmo que fosse uma aluna
do segundo ano transferida. Graças à sua beleza, força e popularidade, as pessoas torciam por ela
o suficiente para fazer todo o estádio tremer.

Ninguém gritava o meu nome. Eu meio que queria que torcessem por um companheiro de nação,
mas que seja.

Este é o palco para um personagem secundário. O melhor de todos.

Minha espada balançava violentamente na minha mão.

Será que já me senti tão nervoso assim antes de uma luta? Ela poderia vencer, cometer um
assassinato, me vaporizar sem deixar rastros…, mas tudo isso era simples demais. Ninguém
queria ver uma desculpa insatisfatória. Queriam me ver ter uma derrota pior do que a de
qualquer outro.

Como se define “o ato de ser normie”?

Eu estava entrando em um território filosófico.

Mas não tema. Dominei a técnica Quarenta e Oito Estilos do Mistério Secundário em preparação
para este dia.

— Rose Oriana contra Cid Kagenou! — anunciou o juiz.

Faíscas elétricas disparavam de nossos olhos – as íris cor de mel dela e os meus olhos comuns.
Ei, Rose Oriana. Vai conseguir acompanhar?

Mantenha-se na luta suprema com um personagem de fundo!

— Comecem a batalha.

O florete de Rose dançou pelo ar no momento em que a disputa começou. Movia-se belamente,
em espirais afiadas, enquanto se aproximava do meu peito.

Se eu fosse um verdadeiro personagem secundário, não seria capaz de reagir a tempo.

Mas conseguia ver.

Eu vi… e não me movi. Não poderia deixar que ela visse uma única reação.

— Por quê? Porque é assim que agimos.

Não movi um centímetro sequer até que o florete atingisse o meu peito. A ponta da arma era
cega para a rodada preliminar, mas isso não significava que eu sairia ileso.

O florete tocou meu peito.

Naquele momento, me movi.

Sem mostrar qualquer outro movimento, lancei-me para trás usando a força em meus dedos dos
pés e usei o impulso do florete contra o meu peito para iniciar um giro.

De um bolso secreto próximo ao meu pulso, rasguei um saco cheio de sangue que coletei para o
dia de hoje.
Tudo isso levou menos de um segundo.

Eu estava girando para trás enquanto jorrava sangue como uma fonte.

— PLEEEEEEEEEEEEGH!!

Como um tornado vermelho-rubi, criei uma belíssima obra-prima enquanto espalhava sangue.

Chamo essa de Técnica Secreta Normie: Guarda Rotativa, Tornado Sangrento.

Choquei-me desajeitadamente contra o chão e rolei.

Os aplausos da audiência agitaram a arena.


— Guh… guh… gyaaaaaahhhh! — Rasguei outro saco e começou a cuspir sangue para todo lado.

Foi perfeito!

Todo mundo ali com certeza acha que sou um personagem secundário. Quase mostrei um
sorrisão depois da minha demonstração nota dez, mas parei.

Ainda não tinha acabado.

Isso mesmo. Ainda não era o fim.

— Gurg, ga-aaah, AAAAAARGH!! — Fiquei de pé, fingindo estar literalmente a dez segundos da
morte.

Sim… isso porque ainda tinha mais quarenta e sete técnicas para mostrar.

Como ele ainda fica de pé?

Rose Oriana ficou chocada com o garoto que continuava se levantando não importava quantas
vezes era derrubado.

Ele estava encharcado de sangue, e ninguém sabia se ainda poderia erguer a espada. Não parecia
que poderia lutar… Não, o simples fato de conseguir ficar de pé era um milagre.

Embora a espada dela fosse fina, seu ataque certamente não foi leve. A ponta da lâmina podia
ser cega, mas a magia em seu interior era de verdade. Se desse um golpe decente, ele teria
ficado incapacitado.

Mas… quantas vezes tinha atingido ele?


Não foi apenas uma ou duas vezes. Mesmo depois de ter sido atingido pelo menos dez vezes,
ainda se levantava com um vigor implacável.
Como conseguia ficar de pé depois de tudo aquilo? O corpo dele excedera os limites físicos, mas
seus olhos estavam desprovidos de morte.

Seu olhar feroz lhe dizia que ainda tinha algo que deveria fazer.

Isso mesmo. A alma dele superava as limitações do corpo, e sua alma obstinada matinha o seu
corpo quebrado junto.

O seu valor deixou uma impressão profunda em Rose. O quão longe iria para ganhar essa batalha
e por quê? Devia ter um motivo para não jogar a toalha.

Havia uma imensa diferença em habilidade. Não havia uma chance em um milhão de ele vencer,
mas, mesmo assim, recusava-se a desistir.

Seus olhos ferozes encaravam Rose.

Não tinha acabado. Este ainda não era o fim.

Rose ficou comovida com aquele espírito inabalável de um herói que podia desafiar a morte
diante de um oponente invencível. Passou a ter um grande respeito por ele, oferecendo suas
mais sinceras desculpas por assumir que seria uma vitória fácil. Ele certamente era inútil quando
se tratava de uma disputa de espadas, mas, na batalha dos espíritos, Rose perdeu
completamente.

— Você irá cair com o meu próximo ataque.

Foi por isso que escolheu acabar rapidamente. Se continuasse, ele se levantaria até que
morresse. E também… não queria matar um jovem lutador promissor.

Ninguém mais na arena aplaudia. Todos observavam o garoto, horrorizados.

A espada dela atingiu o seu ápice da magia naquele dia. O céu estremeceu, e as pessoas na
plateia, preocupadas, murmuravam entre si.

— Parece que ainda não vai desistir.

Os olhos dele brilhavam cada vez mais, sem um traço sequer de medo do ataque dela,
mostrando uma determinação insaciável para lutar.

Ele não lhe deu outra escolha a não ser liberar todo o seu poder.

A espada de Rose zumbia no ar.

— Parem!! Já basta. A batalha acabou!


O juiz intrometeu-se no meio deles e parou a disputa, pois julgou que continuar seria perigoso
demais.

Rose ficou aliviada com aquilo, mas o garoto sentia algo diferente.

— Qual é! Ainda tenho trinta e três sobrando…

Os seus olhos gritavam ainda posso lutar!

— A vencedora é Rose Oriana!!

Um aplauso poderoso parabenizou Rose, que acenou de volta para a plateia antes de se curvar
profundamente para Cid, que estava imobilizado no chão.

Quase fui levado para a enfermaria depois das preliminares, mas escapei enquanto ninguém
estava olhando.

Essa foi por pouco.

Se alguém tivesse visto que eu não estava ferido, seria uma grande confusão. Se continuasse lá
mais um pouco, teria que começar a me automutilar.

Saí pela entrada dos participantes e andei por um corredor vazio.

Acho que terei que esperar até o ano que vem para mostrar as outras trinta e três técnicas
exotéricas. Ou aposto que terei uma boa oportunidade de usá-las antes disso.

— É…

— Hmm?

Uma aluna desconhecida me chamou do nada. Não reconheci a voz. Não tenho certeza, mas
acho que já tinha visto aquela garota bonita de cabelo cor de pêssego em seu uniforme da
Academia de Ciência antes.
— Está machucado?

— Eu escapei por pouco… nada grave… eu acho? — Eu casualmente fiz uma pose com a mão
sobre o ferimento no peito.

— Fico feliz em ouvir isso. Assisti à sua luta.

— O-oh, sério?

— Normalmente não assisto, mas achei que foi muito maneiro a forma com que continuou se
levantando sem parar.

— Hm, “maneiro”…?

— Sim… — As bochechas dela ficaram rosas enquanto concordava.

Pensar que um normie era maneiro. Caramba, ela tinha um gosto estranho. Acho que tinha várias
pessoas assistindo, então não é tão esquisito ter alguns doidos no meio.

— Hm, aqui… — Ela estendeu um saquinho, tímida.

— O que é isso?

— Fiz alguns biscoitos… para agradecer pelo…

Deve ser um agradecimento pela bela atuação.

— Valeu.

Pensei: Por que não? e os peguei.

Ela sorriu alegremente.

— S-se não se importar, eu gostaria que começássemos como amigos.

— Amigos? Pode ser.

Minha política era não envergonhar mulheres… com algumas exceções.

— Eba! Pai, fiz um amigo!

Pai?

Segui a sua linha de visão e vi um homem de meia-idade se aproximando de nós. Ele tinha um
cabelo preto-acinzentado, penteado para trás. Sabia que tinha visto aquele cara esquelético
antes.

— Vice-diretor Lutheran…

Fiquei sabendo que o vice-diretor dessa escola é um mestre espadachim que venceu o Festival
Bushin.

O que significa que esta garota, que o ama como um pai, deve ser…
— Sherry Barnett…!

— Sim?

De acordo com a minha pesquisa pessoal, ela tem o maior potencial para se tornar a personagem
principal na Academia de Ciência. Acredito que deva estar no papel em que dá conselhos ao
protagonista, resolve grandes mistérios e cria poderosos dispositivos de luta contra Chefões.
Nunca pensei que teria que enfrentar alguém da Academia de Ciência, então, para ser honesto,
não me importei muito e esqueci sobre ela.

— Você deve ser Cid Kagenou. — O vice-diretor Lutheran ficou ao lado de Sherry.

— Sim.

— Tem algum ferimento?

— Eu… eu milagrosamente… Aham. Acho que ela pegou leve comigo, talvez?

O vice-diretor acariciou o queixo, silenciosamente confirmando a suspeita.

— Sim, acho que Rose estava pegando leve. Mas você deve ir ver um médico.

— Aham, com certeza.

Eu com certeza não farei isso.

Lutheran assentiu e colocou uma mão no ombro de Sherry.

— Essa garota sempre esteve com a cara enfiada em sua pesquisa, por isso não tem muitos
amigos.
— Pai!

O vice-diretor apenas riu e continuou falando:

— Eu nem sempre sou capaz de rir assim, sabe? Sherry e eu passamos por muita coisa. Espero
que vocês dois se deem bem, isso é tudo o que um pai poderia desejar.

O rosto de Lutheran estava sério enquanto Sherry permanecia ao seu lado com um sorriso
desconfortável.

Só faço amizades com personagens secundários…, mas não tem como eu dizer isso.

— Parece ótimo…
— Bem, deixarei para os mais jovens. — O vice-diretor bateu no meu ombro e foi embora.

— Hm, é um prazer conhecê-lo oficialmente.

— O prazer é meu.

— Então, o que quer fazer? — Ela inclinou a cabeça. — Ah, é mesmo. Temos que te levar até um
médico antes de mais nada. Sinto muito por ter me deixado levar.

Ela sorriu, apreensiva.

— Não precisa se preocupar comigo. Estou bem.

— Pode ser verdade, porém…

— Não preciso ver um médico. Vou mais tarde. Sério mesmo, eu vou. Pode ser? Sim, vamos
tomar um chá ou alguma outra coisa.

— Tem certeza que está bem?

— Positivo.

— Cavaleiros negros são incríveis.

— Pois é.

Aquela garota bonita me mostrou um sorriso. Ela era a coisa mais distante de ser uma
personagem de fundo.
Depois disso, nós comemos biscoitos e conversamos enquanto bebíamos chá. Partimos em
caminhos separados ao terminar. Ainda que fosse uma garota perfeitamente comum em
conversa, parecia estar cheia de pedidos da Ordem dos Cavaleiros, conduzindo uma pesquisa
sobre um artefato sagrado no momento. Fui adiante e disse que estava impressionado. Ah, a
propósito, seus biscoitos eram simplesmente deliciosos demais, por isso jamais seria capaz de ser
amiga de um normie. No entanto, ela frequenta a Academia de Ciência, então é provável que
nunca mais nos veremos.

No dia seguinte, notifiquei a escola que estaria tirando uma folga de cinco dias devido a
tratamentos médicos para diminuir as suspeitas.

Meus colegas foram um pouco mais legais comigo quando enfim retornei.

Desde que Sherry se tornou amiga de Cid, sentia como se estivesse flutuando.

Cid ficou ausente da escola por causa dos ferimentos que teve durante as preliminares.
Disse que se sentia bem após o torneio e se juntou a ela para um chá, mas parecia ter exagerado,
afinal. Ela estava preocupada com a sua condição.

Pensou em visitá-lo, mas não queria ser um incômodo. Entretanto, algo a deixava inquieta, por
isso precisava conversar.

— Ufa… — Sherry parou de analisar o artefato e soltou um suspiro.

Não conseguia focar no trabalho. Sua cabeça estava além das nuvens.

O brilho do sol da tarde entrava na sala de estudo.

Não importava o que fazia, só pensava nele.

Lembrou do momento em que ele lhe deu os chocolates, sobre sua postura implacável durante
as preliminares, sobre a conversa durante o chá… de novo e de novo.

Pensava nele durante as aulas e enquanto realizava sua pesquisa, até o momento em que ia
dormir.
— O que há de errado comigo…?

Pegou uma caixa de chocolate vazia de uma gaveta em sua mesa.

Mesmo que já tivesse comido o conteúdo, não teve coragem de jogar fora a caixa belamente
decorada.

O aroma doce ainda estava impregnado.

Sherry também estava curiosa sobre um certo rumor.

Pelo que ficou sabendo, Cid e a Princesa Alexia estavam apaixonados.

Ela não sabia sobre os detalhes, mas imaginou que o rumor foi forte o suficiente para sair da
Academia para Cavaleiros Negros e chegar até a Academia de Ciência.

— Hm! — Se espreguiçou enquanto observava uma cortina se mover com o vento. — Tudo bem,
farei isso.

Não conseguia se concentrar em nada, por isso decidiu conversar sobre isso com alguém.

Toc toc.

Sherry deu algumas batidas rápidas em uma porta no dormitório das garotas. Era lá que a aluna
em questão estava, supostamente, sob prisão domiciliar.

— Sou eu, Sherry Barnett, aluna do segundo ano da Academia de Ciência. — Apresentou-se pela
porta e esperou a resposta.

— Olá — respondeu uma voz no mesmo instante em que a porta se abriu. — Tem algo em que
posso ajudar, Sherry?

— Sim. Peço perdão pela visita repentina.

— Entre — sugeriu a residente do quarto, Alexia.

O seu quarto era espaçoso e tranquilo, muito maior do que os alojamentos comuns do
dormitório. Foi dito para que Sherry se sentisse em casa, então se sentou no sofá.

— Gostaria de um pouco de chá preto? Também tenho café. Parece ser bastante popular no
momento.
— Ah, não preciso de nada.

— Não se acanhe.

— T-tudo bem, então vou aceitar o café.

— Perfeito. — Alexia começou a moer o café com graciosidade.

Sherry começou a ficar nervosa. Estou no segundo ano, e ela ainda está no primeiro. Não preciso
ficar agitada. Tranquilizou a si mesma com uma lógica sem sentido, pensando que estava tudo
bem, pois era a veterana de Alexia. No entanto, pensando bem, Alexia era da nobreza.

Talvez não tenha sido uma boa ideia.

Não, não – ela era a veterana ali. Precisava ser confiante.

— Acho que sei por que está aqui, Sherry.

Ela saltou ao ouvir aquelas palavras.

— A-aham…

— É sobre o artefato, certo?

— Bem, não exatamente.

Ouviu-se o clink de uma xícara de café. Alexia colocou-a na mesa, em meio a uma conversa
estranha.

— Prontinho.

— M-muito obrigada.

Alexia sentou-se oposta a Sherry.

— Uou, é amargo… — sussurrou Sherry depois de beber.

— É mais fácil de beber se adicionar leite e açúcar.

— T-tudo bem.

Sherry não queria que Alexia ouvisse aquele comentário, mas parecia que não adiantou. O seu
reflexo automático foi de adicionar bastante leite e açúcar e beber num só gole.
— Eh, que bom.

— Ó-ótimo… Esses são os melhores grãos de café da Mitsugoshi. Fico feliz que tenha gostado.

— Mitsugoshi… Ah, o lugar que vende chocolate. Sabe, é um local bem especial. Esse café é tão
doce e cremoso.

— Hã, sim, com certeza é… — comentou Alexia, parecendo que queria dizer: porque você está
basicamente tomando apenas leite e açúcar.

— Então, o que posso fazer por você?

— Ah, sim, pois é. — Sherry largou a xícara, parecendo ligeiramente aflita enquanto murmurava.
— Na realidade, gostaria de perguntar uma coisa.

— Tudo bem.

— Hmm, tipo… se você teve um namorado recentemente e tal.

— Como é…?

— E-E se você saiu com Cid Kagenou e se ainda estão juntos.

— H-hm… — Alexia analisou o rosto dela para saber se estava falando sério.

Os olhos de Sherry olhavam o quarto, e havia uma tensão óbvia em seus ombros.

Alexia supôs que não pudesse ser boa em conversa em geral. Pensou que estivesse nervosa, mas
não conseguia imaginar o motivo por trás da sua pergunta.

— Nós terminamos — falou Alexia com a maior calma possível.

— Sério? Ufa… — Sherry parecia feliz, como se estivesse se sentindo aliviada do fundo do
coração.

A xícara de Alexia tiniu quando foi baixada.

— Eh, mas… mas isso quer dizer que vocês estavam namorando mesmo…? — O seu tom mudou
drasticamente e parecia inquieto.

— Não foi um relacionamento de verdade. Houveram algumas circunstâncias que exigiram que
nós fingíssemos.
— Ah, entendo. Que bom. — Sherry riu, alegre.

A xícara de Alexia emitiu um tinido mais alto.

— Eu fiz amizade com Cid esses dias.

— O quê? N-não me diga que…

— Sim. Não conseguia parar de pensar na relação de vocês.

— Hm, esse é o único motivo da sua visita?

— Sim! Isso me distraiu demais, e eu não conseguia me focar na pesquisa. Fiquei bastante feliz
em saber que não estão namorando!

— S-sim, ótimo.

Alexia levou a xícara até a boca com uma mão trêmula, mas estava vazia.

— Muito obrigada! Ah, e obrigada pelo café! — Sherry partiu com um sorriso brilhante, uma
expressão exatamente oposta àquela que tinha no momento em que chegou.

Assim que saiu do quarto, houve o som de algo se quebrando, mas Sherry estava animada
demais para conseguir ouvir.

A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 06 – Aquela Cena Em Que Terroristas Invadem a Escola

No dia depois que voltei à escola, minha última aula da tarde terminou um pouco mais cedo.
— Os candidatos ao Conselho Estudantil e nossa atual presidente irão dar seus discursos agora.
Pessoal, por favor, voltem aos seus lugares — disse o instrutor aos alunos que se preparavam
para sair da sala.

— Onde estão os alunos do terceiro ano?

— Sei lá.

Respondi à pergunta randômica de Esquel, que estava sentado perto de mim, com um bocejo.
— Os terceiranistas saíram para um programa pós-escola de uma semana…

Assim que Bat voltou ao seu lugar para nos informar, a porta se abriu. Duas garotas entraram
enquanto o instrutor deixava a sala. Eu conhecia uma delas. Foi a minha oponente no outro dia:
Rose Oriana, a presidente do Conselho Estudantil. Sempre me perguntei como um uniforme de
escola poderia exalar esse glamour quando alguém famoso o usava.

— Hm, hoje, nosso instrutor nos deu esse precioso tempo para falar a vocês sobre a eleição do
Conselho Estudantil… — Uma garota do primeiro ano começou, rígida, como se não estivesse
acostumada a falar em público.

Sou o único que sente como se esse discurso entrasse por um ouvido e saísse pelo outro?

Esquel e eu bocejávamos enquanto continuávamos desatentos ao discurso. Bat parecia estar


anotando.

Espere, tenho certeza que acabei de fazer contato visual com a presidente do conselho. Ficaria
surpreso se ela se lembrasse de um personagem de fundo insignificante que esmagou no
primeiro dia.

— Ei, a presidente do conselho está olhando para mim — disse Esquel, arrumando a franja.

— Aham — respondi.

— Ei, ei. Ela pode querer me levar para o Conselho Estudantil.

— Aham.

— Ei, ei, ei. Entrar para o conselho seria um saco. Eu odiaria.

— Aham.

Foi assim que passamos o tempo. Então, do nada, minha magia ficou estranha.
— Hã?

— O que é isso?

Eu estava constantemente treinando ao manipular partículas mágicas em meu corpo, mas agora
sentia como se não conseguisse mais contê-las. Algo estava bloqueando o meu fluxo mágico.
Provavelmente teria que forçar uma abertura ou fazer com que as partículas ficassem ainda
menores para passar pela barreira.

Enquanto esses pensamentos passavam pela minha mente, senti algo em disparada até a sala.

— Está aqui… — falei ameaçadoramente, apenas porque quis.

Naquele momento, ouvi uma explosão. A porta voou em pedaços, e meus colegas entraram em
pânico. Então, homens de preto entraram na sala com espadas empunhadas.

— Ninguém se mova! Somos o Jardim das Sombras e estamos dominando a escola! — gritaram,
bloqueando a entrada.

— Estão falando sério…? — Meu gemido foi silenciado pelo caos ao meu redor.

Os alunos não conseguiam se mover.

Talvez fosse algum tipo de treinamento especial ou pegadinha… ou era real. A maioria dos alunos
não conseguia compreender que a Academia para Cavaleiros Negros estava sob ataque.

Sou o único que entende completamente o que está acontecendo. O único que sabe que eles
estão falando sério, que estão bloqueando nossa magia e que a mesma coisa está acontecendo
em todas as outras salas de aula.

— Incrível… — falei involuntariamente, admirado.

Esses caras fizeram mesmo. Tipo, realmente estão indo com tudo. Estão fazendo aquilo que
todos os garotos do mundo sonham, o que preenche uma página de fantasias da adolescência
masculina.

Estão reencenando o cenário em que terroristas invadem a escola!

Estão tão comigo que estou tremendo.

Não consigo lembrar de quantas vezes imaginei essa cena. Centenas, milhares… milhões de
vezes. Pensei em inúmeras interações e, logo diante dos meus olhos, meu sonho está se
tornando realidade.
— Fiquem em seus lugares! Ergam as mãos! — Os homens de preto moviam suas espadas e
ameaçavam os alunos, que lentamente estavam percebendo a situação.
Devem ser profissionais de alto nível com alguma tendência do momento. Tipo, escolheram se
aliar aos terroristas.

Mas o foco está, na realidade, nos alunos protagonistas.

O que farão?

Como agirão?

As possibilidades são infinitas.

— Vocês parecem não ter ideia de onde estão. — Uma voz valente ecoou pela sala. Uma garota
com uma espada na cintura os confrontou.

— Dominando a Academia para Cavaleiros Negros? Devem estar loucos.

Rose Oriana estava de frente para eles, completamente sozinha.

— Acho que pedimos para largar a arma, mocinha.

— Não. — Ela empunhou o florete.

— Hmph. Você servirá como uma boa lição para os outros. — Ele preparou sua katana.

Isso é ruim.

Ela ainda não percebeu que não pode usar magia.

— O que diab…? — Com a espada preparada, seu rosto ficou de uma cor vermelha, perplexa.

— Parece que finalmente notou. — Ele zombou por trás da máscara.

A este ritmo, vai ficar muito, muito ruim.

— Mas já é tarde demais.

A lâmina negra disparou na direção de Rose. Ela não poderia se defender a tempo com sua magia
restrita.

Chutei uma cadeira e corri.

— Nr…!
Pare, não faça isso. Processei a situação a uma velocidade incrível, e o mundo ao meu redor ficou
mais lento. Eu estava exausto e furioso naquele momento.

— Aaaahh…!

Se isso continuar, ela será a primeira pessoa morta pelos terroristas, e isso não pode acontecer.
Não deixarei que aconteça.

— Aaaaaaaah, AAAAAAAH!!

Ser a primeira vítima desses terroristas… é o meu dever… como um personagem secundário!

— Paaaaaaaareeeeeeeeeeee!! — Dei um grito ensurdecedor enquanto saltava entre eles.

Enquanto observava a lâmina se aproximando, Rose sabia que era o fim.

Seu corpo frágil não conseguia manter a magia. E ela também não conseguiria bloquear ou se
esquivar do ataque. Tentou curvar o torso para amortecer o golpe, mas até aquele movimento
era frustrantemente lento.

Não conseguiria a tempo.

Sua morte chegaria, essa era a realidade.

Entretanto, naquele momento, um grito ressoou, o qual pôde sentir em seus tímpanos.

— Paaaaaaaareeeeeeeeeeee!!

Algo a tirou do caminho.

— Aaah…! — Ela instantaneamente entrou em uma postura defensiva enquanto caía no chão. Ao
se levantar, seus olhos foram preenchidos por uma visão chocante.

— Mas o quê…?
Diante dela, um garoto ferido estava deitado no chão, impotente. Conseguia ver com clareza a
poça de sangue debaixo dele ficando cada vez maior.

O seu ferimento era grave.

— Nãããããããão!! — Um grito reverberou pela sala de aula.

Indiferente ao sangue que manchava suas roupas, Rose pegou o garoto em seus braços… o
mesmo garoto que deixou uma impressão forte nela.
— Cid Kagenou… — murmurou. O garoto entreabriu os olhos. — Seu idiota, por que me
protegeu?

Haviam apenas se encontrado há alguns dias. Nunca conversaram de maneira apropriada um


com o outro, por isso ela não conseguia imaginar por que ele arriscou sua vida para salvá-la.

O garoto abriu a boca.

— Gack, kaff!

Então vomitou sangue.

— Cid!

O sangue dele foi jorrado nas bochechas de porcelana dela, mas ele sorriu… antes de soltar o
último suspiro. Tinha uma expressão de morte de um homem que completou sua missão.

— Por quê…?

Uma lágrima desceu pelo rosto de Rose, que não a limpou, pois o segurava em seus braços.
Quando olhou para o rosto do garoto morto, sentiu como se tivesse descoberto.

Sabia por que ele foi tão estranhamente persistente durante as preliminares.

Sabia por que seus olhos brilhavam enquanto a encarava.

E também sabia por que deu sua vida para protegê-la.

Tudo estava conectado.

Rose não era idiota. Desde que era jovem, teve pretendentes correndo atrás dela por ser uma
bela princesa, mas nunca foi perseguida com tanto fervor assim. Nenhum pretendente a amou o
suficiente para sacrificar sua vida.

— Obrigada…

Ela jamais poderia lhe dizer como se sentia, porém, jurou vingá-lo.

— Essa será uma bela lição para você. — O homem de preto ficou diante de Rose.

— Gh…! — Rose mordeu o lábio inferior e olhou para cima.

— Ainda está querendo nos desafiar, hein?


— Tsk… Irei obedecer às suas ordens. — Ela baixou a cabeça, sabendo que ainda não era hora
para conseguir sua vingança.

— Hmm. Vão para o auditório! — ordenaram os homens de preto, começando a agir.

Fizeram os alunos ficarem de pé, algemaram suas mãos em fila e os tiraram da sala. Ninguém se
atreveu a resistir.

Dois alunos no final da fila se viraram para trás para olhar a sala.

— Cid…

— Pobre Cid…

Os garotos encaravam o seu rosto rígido e pareciam ter mais a dizer.

— Continuem andando.

Os terroristas forçaram os dois para fora da sala. O som dos passos no corredor foi ficando
distante, até que o silêncio tomou conta mais uma vez.

Então, o braço do suposto cadáver começou a se mover.


Quando confirmei que a sala estava vazia, bati no peito.
Bata! Bata, desgraça!

Bati em mim mesmo várias vezes, forçando-me a sugar o ar.

É agora!!

Até que…

— Cof, hack, gak!

O meu coração, antes parado, se moveu e voltou a pulsar mais uma vez.

Esta era outra técnica esotérica, Morte de Dez Minutos: Coração Partido do Mob.

Com esta técnica, deixo minhas pequenas partículas mágicas entrarem no cérebro a partir do
coração parado, preservando o fluxo de sangue e permitindo que eu fique com uma parada
cardíaca por bastante tempo sem qualquer consequência. É uma técnica arriscada: um deslize e
eu parto dessa para melhor. Mas, às vezes, tenho que colocar minha vida em risco pela arte da
atuação. E foi isso o que aconteceu hoje, nem mais nem menos.

— Oww…
Conferi o corte nas minhas costas. Deixei que me cortasse porque sabia que seria examinado de
perto. Evitei ser ferido gravemente, é claro, e ainda foi profundo o suficiente para ser
convincente.

Tentei usar mais para me curar. Parece que a minha magia pode passar pela barreira se eu a
processar em quantidades minúsculas. Por outro lado, se aplicar pressão e liberar magia, acho
que serei capaz de remover a membrana à força.

— Por enquanto já está bom.

Levaria tempo demais para se curar completamente e eu estaria em uma situação complicada
caso alguém me pegasse no flagra, por isso curei até não ter problemas para me mover e, com a
minha rotina fiel de “sobrevivi milagrosamente de certa forma”, deveria estar tudo bem.

— Beleza — falei, ficando de pé.

Chequei para ver se conseguia controlar meu corpo e magia, limpei o sangue do rosto e ajeitei os
amarrotados do meu uniforme.
As cortinas brancas se abriam com a brisa do meio-dia que entrava pela janela. Enquanto
esvoaçavam e voltavam para trás, as réstias de luz brilhante do sol e as sombras escuras
mudavam de forma.

As cadeiras caídas e mesas jogadas. A porta quebrada e chão ensanguentado. Aquela visão
anunciava o fim de uma vida normal.

Fechei meus olhos e respirei fundo.

— Tudo bem, vamos lá.

Saí da sala de aula e percorri o corredor vazio e silencioso.

Sherry Barnett estava focada demais em decifrar o artefato em formato de pingente para notar a
comoção naquela hora.

— Isso é….

Ela o pegou e analisou de perto, percebendo algo e estreitando seus olhos cor-de-rosa-claro.

— Não… pode ser.

Seu olhar permanecia focado no artefato enquanto sua pena começava a percorrer o papel.

Ela não parecia ter ciência do caos ao seu redor. Os sons explosivos, os passos no corredor – tudo
além do seu alcance de percepção.

— O que está acontecendo?

— Alguém está atacando a escola.

— Não conseguimos usar magia, então não seja descuidado.

Até mesmo a conversa entre dois cavaleiros não chegava aos seus ouvidos.
— Mas como…? Não tem jeito…

Ela estava completamente fixada no artefato. Costumava esquecer dos seus arredores durante
sua pesquisa, mas nunca foi assim tão extremo. Havia algo importante sobre a relíquia, algo que
capturou sua atenção.

A pena fazia movimentos nítidos pelo papel.

Aqueles olhos cor-de-rosa estavam a um passo de descobrir a verdade.

Naquele instante, um homem de preto invadiu a sala de estudo pela janela, destruindo-a. Cacos
de vidro ocasionaram cortes leves no rosto de Sherry.

— Mas qu…?!

— Quem está aí?!

Os dois cavaleiros prepararam suas espadas. A sensação pungente em suas bochechas fez com
que Sherry finalmente percebesse a situação.

— Hã? O quê?

Ela agarrou o artefato e rastejou para debaixo da mesa para se esconder. Depois de tocar a
bochecha, viu um pouco de sangue na mão.

— Somos o Jardim das Sombras. Ou era Jardineiro das Sombras? Ah, quem se importa. Sou Rex.
Rex, o Jogo da Traição. — Ele zombou por trás da máscara. — Essa coisa é um incômodo.

Jogou a máscara de lado, revelando um homem irreverente de cabelo vermelho-escuro, rindo


com os olhos de um cão voraz e feroz.

— Eek. — A máscara caiu perto dos pés de Sherry, fazendo com que ela recuasse, ainda
escondida.

— Vocês são o tal do Jardim das Sombras de que tanto ouvi falar…
— Não sei quais são seus motivos, mas não ache que escapará depois de atacar a escola.

Rex riu.

— Acho que será moleza. Ah, pobre Jardim das Sombras. A propósito… — Ele parou no meio da
frase. — Esqueci por que estamos atacando. — Riu maldosamente.

— Chega de brincadeiras.

— Ah, mas estou falando sério. Ainda que não importe. Meu trabalho é recuperar o artefato e,
quando o fizer, podem lutar e se debater o quanto quiserem…

Rex estreitou bem os olhos.

— Vocês sabem onde está? — Ele olhou para os cavaleiros.

— Não sabemos do que está falando…

— Não sabemos de nada.

Rex sorriu de orelha a orelha.

— A expressão de vocês me diz o contrário…!

O ar estremeceu, e sua magia sobrecarregou o local.

— A…! — Sherry cobriu a boca para evitar que gritasse enquanto rastejava. Estava a uma curta
distância da porta.

— Então, quem vai primeiro? — O olhar voraz e feroz de Rex observava o aposento. — Vamos
começar pela garota.

De repente, desapareceu do nada.

Foi então que Sherry notou que ele estava na sua frente.

— Aaaaaahhhh!

— Adeus.

— Não! — Sherry fechou os olhos e cobriu a cabeça, curvando-se.

— Não vou deixar!


A espada desceu na sua direção e atingiu o piso.

Com medo, ela espiou com os olhos entreabertos e viu um cavaleiro robusto, com uma barba tão
densa quanto a juba de um leão, na sua frente com a espada em posição.
— Eeh, impressionante, ainda mais se considerarmos que está fazendo isso sem magia.

— Magia não é tudo. Se estou enfrentando um fracote, posso facilmente me esquivar de


qualquer ataque.

— Fracote…? Palhaço desgraçado, realmente acha que é mais forte do que eu? — Rex zombou
ferozmente do homem grandalhão.

— Sim.

— Por que não me diz o seu nome?

— Sou Glen, Juba de Leão, vice-comandante da Ordem Carmesim.

Outro cavaleiro ficou ao seu lado.

— Sou Marco, da Ordem Carmesim.

— Não te perguntei.

Naquele último instante, Marco olhou para Sherry.

— Corra.

Então, a batalha começou.

Sherry rastejou até o corredor e começou a correr a toda velocidade. Cobriu os ouvidos para
abafar o som de gritos agoniados atrás dela.

Eu andava sobre um telhado e observava o campus de cima.

Podia ver todo o prédio até o auditório, o qual era um salão gigantesco que podia facilmente
abrigar todos os alunos. Era o local em que a escola organizava as cerimônias de entrada e as
palestras ocasionais de uma figura pública ou apresentação teatral.
A Ordem dos Cavaleiros estava reunida do lado de fora do campus em resposta à comoção, mas
havia uma clara limitação além da qual não estavam avançando. Talvez fosse o limite daquilo que
bloqueava a magia de todo mundo. Não parecia ter ninguém estudando nos prédios da escola,
apenas homens de preto procurando por qualquer um que estivesse se escondendo.
Zombei enquanto olhava para a escola.

Sempre quis fazer isso.

Observei a escola, os alunos algemados e a misteriosa organização terrorista. Agora podia riscar
isso da minha lista.

Olhar para o campus do alto de um telhado. Confere.

Bem, acho que terei um pouco de diversão antes que fique escuro. A verdade é que percebi algo
quando os homens de preto adentraram na sala de aula.

Eles não tinham senso de estilo.

Imagine uma leve brisa, um claro céu azul, uma tarde ensolarada… e alguém entrando em cena
com um longo manto preto. Quem faz isso?

Ninguém.

Eles cometeram um erro grave. Exato… Subestimaram a importância do HLM: tem Hora, Lugar e
Momento para tudo. Se não aderir a isso, o senso de moda estará totalmente fora de lugar. O
desprezo pelo HLM deles é nojento. Tipo, mantos negros só deveriam ser usados à noite.

Estava planejando acabar com eles com tranquilidade e devagar; tempo não é o problema.
Preferia me segurar e saborear a diversão.

Por isso estou indo com a Operação: Devagar e Sempre Até Anoitecer.

Eu pensava em tudo isso enquanto observava o campus, quando vi dois homens de preto
caminhando pelos corredores. Que nojo, usar preto em um dia ensolarado? Que deselegante.

Pois é… me fizeram querer dar uma de atirador de elite.

Arranquei um pedaço de slime do tamanho de um dedão do meu traje. Fiz uma bola com ele e
coloquei magia, larguei no telhado e preparei para dar um bom peteleco.
— Vocês estão na minha linha de tiro, idiotas — murmurei para mim mesmo, então disparei.

Whiz. Zumbindo pelo ar, minha bola de slime atravessou o crânio de um deles.

— Augh…

Da mesma forma, perfurei o coração do outro homem. Já tinha os derrotado com dois golpes.
Inacreditável. Estou decepcionado com isso, então estava a fim de lançar mais uma.
— Ah, bem, meu próximo alvo será…

Com minha bomba de slime pronta, fechei um olho para mirar na próxima vítima.

No prédio da escola à minha frente, vi um imbecil indefeso.

— Alvo na mira. É uma garota de cabelo rosa-claro… Espere, o quê?

Era Sherry.

O que ela estava fazendo lá? Dava uma olhada para trás a cada passo.

— Sherry, você está acabando com a própria cobertura.

Confirmei que um homem de preto corria atrás dela. Mirei a bomba de slime no alvo… e disparei.

Whir.

A cabeça do homem voou.

— Missão completa.

Sem perceber o que aconteceu, Sherry continuou se movendo até desaparecer de vista.

Hmm. O que será que estava acontecendo?

Meus sentidos de normie dispararam, me dizendo que uma cutscene grande estava prestes a
começar. E, então, perto do clímax, devo aparecer no palco como o mentor por trás de tudo…

Ooh, mal posso esperar.


Tudo bem, aí vou eu.

Infundi minhas pernas com magia e saltei enquanto ninguém estava olhando.

— Yahoo!

Pousei em segurança sobre o prédio da escola do outro lado. Depois daquilo, saltei para baixo,
agarrei-me em uma janela e entrei no prédio. Olhei para o corredor… e lá estava ela.

A garota de cabelo rosa-claro olhava para os lados como um esquilo.

— Como eu disse, você está acabando com a sua cobertura.

Havia um homem de preto atrás de Sherry. Logo antes que ele a agarrasse, corri a toda
velocidade na direção dele.

— Hã? — Sherry sentiu algo se movendo e olhou para trás.

Ouviu um whoosh…, mas ninguém estava lá. Um corredor silencioso se estendia à sua frente.

— Talvez eu só esteja paranoica…?

Olhava ao redor, tomando cuidado, enquanto seus sapatos batiam levemente contra o piso e ela
pressionava o artefato contra o peito.

Há pouco, os cavaleiros disseram que não conseguiam usar magia. Se isso fosse verdade,
significava que tinha algo a ver com ela, e poderia saber o que causou. Além disso, com relação
ao artefato…

Sherry o abraçou com força mais uma vez.

— Tenho que fazer algo sobre isso…!

A imagem de dois cavaleiros lutando com bravura para ajudá-la a fugir surgiu em sua mente.
Sabia que não poderia deixar que morressem em vão.
Lutando com esses pensamentos, virou no corredor.

— Ahh!

Havia um homem de preto, o que fez com que ela entrasse em pânico e tentasse se esconder.

Achou que aquele era o seu fim, pois jurava que tinham cruzado os olhos.

Ouviu-se outro whish.

— Está tudo bem. Ainda estou bem… Não fui pega… — Sherry orava conforme olhava para frente
mais uma vez… — Ufa, ainda estou a salvo…

O seu agressor de preto desapareceu.

Brava, mas com cuidado, vasculhava a área enquanto seus sapatos batiam ritmicamente no piso.

— Ah!

Outro inimigo olhou para o corredor pela janela de uma sala.

Sherry tentou se esconder em frenesi, mas foi tarde demais. A porta foi puxada para o lado para
se abrir e um homem de preto apareceu.
— Kyaa! — Ela cobriu a cabeça e fechou os olhos.
Outro whiz.

— O quê? — Ao abrir os olhos nervosamente, viu que ele se fora. — Ufa, não me achou…

Sherry se preparou ainda mais enquanto seus pés batiam suavemente no piso. Checava cada
centímetro do corredor, as salas e, obviamente, suas costas. Seus olhos iam da esquerda para a
direita. Ela observava a área quando tropeçou.

— Oof! — Caiu no chão, olhando para cima a tempo de ver o artefato girando no ar. — Ahhh!
Estava prestes a se chocar com o chão…, mas alguém o pegou. Sherry olhou para cima e viu seu
mais novo amigo.

— Cid!

Mas ele estava coberto de sangue.

— Está tudo bem?! Você está ferido…

— Não se preocupe com isso. Eu escapei milagrosamente da morte. Nada além disso.

Ele parecia exausto por algum motivo enquanto observava Sherry, com os olhos semicerrados.

— Tenho que te dizer algumas coisas, tipo, tem que parar de falar sozinha, de pensar enquanto
corre e começar a olhar por onde anda. — Ele deu um suspiro profundo. — E os seus passos no
corredor são barulhentos demais. Vamos começar tirando esse sapato.

Sherry assentiu em resposta.


Protegi Sherry enquanto andávamos até os fundos do primeiro andar, onde ficava o escritório do
vice-diretor. Ah, e eu secretamente matei mais cinco deles ao longo do caminho.

Abrimos uma porta espessa e entramos.

Havia um salão de bom gosto no centro da sala e uma parede inteira repleta de livros grandinhos.
Arquivos formavam uma pilha alta na mesa ao fundo. A luz do sol entrava gentilmente pela janela
ao norte. Obviamente era um lugar para adultos.

Sherry se sentou à mesa, que parecia conhecer bem, e vasculhou os desenhos.

— Tente não fazer tanto barulho.

Seu cabelo rosa-claro balançou enquanto concordava obedientemente.


— Ufa. — Deitei na poltrona e respirei fundo, pois estava acabado.
Sei que Sherry é a personagem principal, mas não tem como funcionar desse jeito. Ela não vai
conseguir derrotar o Chefão Final. Sob tais circunstâncias, é normal que personagens tenham
auxiliares, entretanto, não vi nenhum aliado por perto. É um enredo falho.

Mas, depois de considerar bastante, decidi intervir como o tipo de personagem de fundo
salvador. Sou um personagem secundário que jamais irá agir onde os outros podem ver… jamais.

— Achei. — Sherry saiu de trás da mesa com uma pilha de documentos, espalhando-os sobre a
mesa de centro.

— O que é isso? — Não sabia nada sobre aqueles estranhos alfabetos, geoformas nem fórmulas.

— Este artefato se chama Olho da Avareza. Acredito que seja isso que esteja bloqueando a nossa
magia no momento.

Ela mostrou um rascunho de uma esfera de aparência ameaçadora do tamanho de uma bola de
tênis de mesa.

— O Olho absorve e armazena a magia ao seu redor. Quando é ativado, fica mais difícil usar
magia na área.

— Mas os homens de preto não tinham problemas para usar magia.

— Eles devem ter programado o Olho para reconhecer o nível de onda mágica deles. Já confirmei
que não consome a magia pré-registrada. Também tem dificuldades para absorver partículas
microscópicas que tenham energia poderosa, mas nenhum de nós já viu isso antes.

Ei.

— E, como se não fosse um incômodo grande o suficiente, também pode usar a magia que foi
armazenada. Suponho que o plano original deles era usar esse artefato como arma, mas não
pode armazenar por longos períodos de tempo. Acho que está defeituoso.

— Entretanto, é efetivo a curto prazo, mesmo que não possa armazenar o poder por tanto
tempo.

— Correto. Agora mesmo, há centenas de cavaleiros negros sendo mantidos como reféns no
auditório. Na teoria, se liberassem a magia do artefato… podem ser capazes de destruir toda a
escola.

— Uou…

— Fui a primeira a decodificar o Olho com a minha pesquisa. Quando percebi o seu perigo,
mantive-o longe de alcance e pedi ao reino para que o guardasse para ser mantido protegido…
Ah, por que isso foi acontecer? — Sherry olhava para mim com gentileza.

— Não é uma réplica nem foi roubado. Tem alguma forma de operá-lo?

— Sim. — Ela assentiu e mostrou um grande pingente.

— É um pingente bem sujo esse seu.

— Parece que isso pode controlá-lo. O Olho não pode se mover sozinho; acredito que só possa
ser usado quando estiver ligado a este dispositivo. Se estiverem juntos, o artefato não será mais
defeituoso nem limitado a armazenar magia a curto prazo.

— Será capaz de manter magia por mais tempo?

— Eu teria que colocar os dois juntos para testar e ter certeza. Mas, sim, acredito que seja
possível.

— Hm.

— Este dispositivo tem o poder para desativar o olho temporariamente. Devemos ser capazes de
libertar as pessoas no auditório a tempo.

— Parece bom. E então?

— Bem, ainda não terminei de examinar o artefato, então gostaria de dar prioridade a isso.

— Entendo.

— Depois que interpretá-lo, podemos levá-lo ativado para mais perto do Olho.

— Como?

— Hm… eles estão patrulhando cuidadosamente o nível do chão, então acho que podemos nos
aproximar pelo subsolo. — Sherry sorriu, um tanto nervosa.

— Subsolo?
— Sim. — Ela tirou alguns livros da prateleira, a qual moveu-se para trás e revelou uma escadaria
levando para um andar mais baixo.

— Boa.

Eu amava esse tipo de truque.


— Ainda há alguns túneis secretos para fuga nas instalações do campus, mas ninguém mais usa
essa passagem faz tempo. — Havia um traço de tristeza em seus olhos. — As escadas estão
empoeiradas… e não tem sinais de pegadas. Eu queria que meu pai tivesse escapado por aqui…

— Ah, o vice-diretor Lutheran. Ele te adotou, certo?

— Ele costumava ajudar minha mãe com a pesquisa dela e tem cuidado de mim desde que eu
consigo me lembrar. Mesmo depois que a minha mãe morreu e eu fiquei sem ter para onde ir, ele
me acolheu e me criou como sua filha.

— Parece ser um cara incrível.

— Sim, ele é. Sempre está me ajudando… e, desta vez, quero que seja eu o ajudando. — Sherry
sorriu.

— Espero que ele esteja bem. Depois que nos aproximarmos pelo subsolo, o que faremos?

— Eh, hmm… passamos pelos túneis e jogamos o artefato ativado dentro do auditório.

— Ele não vai quebrar?

— Mesmo que quebre, ainda irá desativar o Olho temporariamente. Tudo o que precisamos é
que os cavaleiros negros nos deem uma ajuda…

O clímax parecia um pouco fraco, mas eu podia dar uma animada se me transformasse em
Shadow e começasse um alvoroço. Para dizer a verdade, estou grato por ela ter preparado uma
ótima cena para que eu pudesse mostrar do que sou capaz.

— Fantástico. Vamos fazer isso.

— Ótimo! Só preciso me apressar e terminar de decifrá-lo.

— Minhas costas doem, por isso não vou ser de grande ajuda, mas desejo boa sorte.

Fiquei feliz por ela ter uma tática decente. Acho que não vou precisar ser o personagem
secundário de suporte, afinal.

— Cid, não exagere. Farei o melhor que posso. Nunca fui capaz de ajudar ninguém, porém, agora,
é a minha vez de salvar o meu pai e todo mundo.

— Sim, deixo com você. Ah, já volto, tenho que ir ao banheiro.

Deixei Sherry com sua pesquisa para que eu pudesse sair para brincar.
Com os olhos selvagens de um cão faminto, Rex abriu as portas do auditório e passeou
corajosamente pelo lugar enquanto um grupo de homens o seguia.

Os alunos foram forçados a ficarem em seus lugares, de cabeça baixa, quando o grupo se
aproximou deles. Havia três andares no enorme auditório frio, e todas as saídas eram protegidas
por guardas trajados de preto. Os alunos estavam sendo monitorados e não podiam dar uma
olhada sequer. Um sorriso falso estava estampado no rosto de Rex enquanto ele saía do auditório
e ia em direção à sala de espera.

— Como foi? — perguntou um homem de preto assim que Rex fechou a porta.

A voz dele era profunda e digna. Mesmo que escondesse o rosto com uma máscara e estivesse
vestido como os outros, sua superioridade era instantaneamente reconhecida.

— Você não perde tempo mesmo, né, Sir Esbelto? Assumimos o controle de quase toda a escola.
A Ordem dos Cavaleiros está um tumulto só do lado de fora, mas sequer valem o nosso esforço.

— Irrelevante. Estou perguntando se conseguiu o artefato.

— Ah, o artefato. Sobre isso… — Rex deu de ombros enquanto olhava para o Sir Esbelto. — Tenho
quase certeza que está com aquela garota. Sabe, a que tem o cabelo cor de pêssego.

— Está me dizendo que não o recuperou?

Rex coçou a cabeça e desviou o olhar.


— Bem, tipo isso.

— Pare de ficar brincando. — A magia do Sir Esbelto se intensificou, e o ar ao redor ondulou sob
sua pressão.

As bochechas de Rex ficaram rígidas e ele sentiu a sede de sangue do cavaleiro.

— Vai com calma. Já tenho ideia da sua localização e devo recuperá-lo em breve.

— Suas artimanhas estão interferindo nos meus planos. Na próxima vez que falhar, irei decapitá-
lo, entendeu?

— Tudo bem, entendi.

Os olhos perfurantes do Sir Esbelto seguiram Rex, que estava indo em direção à porta com as
mãos erguidas sobre a cabeça.

— Ah, quase esqueci — Rex parou antes de sair. — Podemos estar com problemas.
Ele olhou para trás para ver a reação do Sir Esbelto e recebeu permissão para prosseguir.

— Um monte de Terceiras foi assassinada. Duas das Segundas estão mortas. O coração de um
homem foi esmagado, e outro tinha uma pequena incisão em seus pontos de pressão. Minha
melhor suposição é que o último tenha sido atingido por um florete. Todos eles foram atingidos
apenas uma vez. O inimigo parece ser habilidoso — comentou Rex, rindo como um lobo voraz.

— Ora, ora… talvez seja o Jardim das Sombras. Enfim a isca funcionou.

— Parece ser isso. Talvez você devesse cuidar das costas.

— Keh-heh… Acha que um homem como eu deve tomar cuidado?

— Eh, acho que vai se sair bem, Senhor Ex-Távola Redonda.

— Hmph. Traga-me as cabeças do Jardim das Sombras junto com o artefato.

— Nem precisa pedir. — Rex saiu da sala com o canto dos lábios formando um sorriso.

Sir Esbelto zombou para si mesmo:

— Finalmente, tudo acabará ao mesmo tempo… — Ele pegou o artefato ameaçador do bolso da
frente e o encarou, com suspeitas.

— Isso irá marcar o meu retorno à Távola.


O homem continuou rindo medonhamente para si mesmo.
Quando Rex e seus subordinados estavam andando pelo corredor, algo estranho atacou de
repente enquanto procuravam pelo artefato. Um dos seus subordinados desapareceu diante dos
seus olhos.

— Mas o qu…?

Rex olhou ao redor para determinar o que foi aquilo, mas não havia sombras suspeitas por perto.
A única pista foi um whoosh no ar.

Buzz, zip. Um som cortou o espaço.

— Nng…!

E o capanga ao seu lado se fora.

Mas, desta vez, Rex foi capaz de ter um vislumbre daquilo. Havia um garoto usando o uniforme
da escola… encharcado de sangue. Usando o tenar da mão, o garoto deixou o homem
inconsciente e o levou para longe.
Rex concentrou seu poder, intensificando sua visão ao máximo e focando seu olhar. Só então foi
capaz de detectar os movimentos rápidos.

— Fiquem em alerta! Inimigo por perto! — gritou, observando a área vigilantemente. — Hã…?

Ele ficou parado, aturdido.

Os subordinados que estavam atrás dele se foram. Antes que pudesse perceber, foi deixado
sozinho no corredor.

Então, ouviu um whiz.


Ao ouvi-lo, imediatamente canalizou toda a sua força para proteger o coração.

— Guh…!

A palma de alguém atingiu o seu braço.

Crack. A força trincou os ossos de Rex e o jogou longe.

— Esse… merdinha!! — Ele prontamente reorganizou sua postura e brandiu a espada, mas não
havia ninguém lá. Frustrado, estalou a língua.

Um único golpe de palma quebrou os ossos do seu braço esquerdo, o qual protegia com magia. O
coração teria sido destruído caso não tivesse se protegido daquela forma.

Whish. Rex moveu-se com o som, virando para a presença atrás dele e agitando a espada. O seu
tempo de reação foi perfeito.

O maldito… está ficando mais rápido! Como pode?! Ele perfurou o ar atrás do garoto,
rapidamente reassumindo sua postura com o único objetivo de proteger o coração.

— Agh…!

Sofreu um golpe nas costelas, então pulou para reduzir o impacto enquanto perseguia o garoto
com os olhos. Mal era capaz de ver suas imagens residuais.

— Ts… — Cuspiu uma mistura de saliva e sangue enquanto permanecia na defensiva.

Era quase impossível detectar o inimigo, e contra-atacar estava fora de questão. Apenas ele
estava recebendo dano. De um ponto de vista mais objetivo, não havia situação pior. Porém… Rex
tinha uma boa experiência em treinar entre a espada e a parede.

Pois ele era Rex, uma Criança Nomeada.


— Esse artefato que está usando é bastante útil. — Ele comentou para que seu inimigo pudesse
ouvir que descobriu qual era o seu truque.

Não levou muito tempo para que montasse o quebra-cabeça. Os movimentos do seu oponente
eram mais rápidos do que os limites humanos, o que significava que ele precisava de um poder
extraordinário para se manter assim.

— À primeira vista, eu tinha a desvantagem. Entretanto, não pode me enganar. Já está no seu
limite, não é mesmo?
Com uma velocidade inumana vinha sacrifícios. Ele já via traços disso.

— Ainda não viu que o seu uniforme está coberto de sangue?

Sim… Rex resolveu o problema assim que viu o uniforme vermelho; seu oponente usou o poder
do artefato para atingir uma velocidade que desafiava a lógica e, em troca, isso estava o
destruindo. Ficou claro a partir dos rios de sangue que jorravam dele. O garoto chegaria aos seus
limites. Se Rex pudesse aguentar até lá… a vitória seria sua.

Esse era Rex, o Jogo da Traição, a Criança Nomeada, que podia expor suas vítimas por completo
com o mínimo de informação.

— Eu suponho que só lhe restam mais alguns golpes. Então irá chegar ao limite! — declarou com
uma voz poderosa.

Mas o seu inimigo não respondeu, permanecendo em silêncio desde o momento em que Rex
começou o seu pequeno discurso.

— Acho que acertei em cheio. — Os cantos dos seus lábios formaram um sorriso sinistro.

Ele já conseguia ver a vitória. Mas… não era tão fácil quanto fez parecer. Na realidade, ainda tinha
que se esquivar do golpe indetectável de palma mais algumas vezes.

— Ei, por que está tão quieto? — Começou a se sentir confiante, recusando-se a mostrar
qualquer sinal de fraqueza.

Essa batalha era… uma intensa disputa psicológica.

— Apareça, frangote!

Whoosh.

Justo quando o som cortou o ar, Rex esquivou-se do ataque usando apenas os instintos, girando a
parte superior do corpo para evitar a trajetória da sua mão.
Tão rápido?! Ele usou o braço direito para se proteger no último segundo.

— Gaaaah!!

Ele quebrou em todos os lugares possíveis, e Rex recuou, apertando a espada através de pura
determinação.

Mesmo assim, seu oponente persistia.


Rex vira apenas os movimentos mais básicos do inimigo, o qual se aproximava. Em outras
palavras… esse era o momento em que o jogo virava.

— Venha pra cima de miiiiiimmm!! — gritou enquanto protegia os pontos fracos.

O inimigo chegou ao limite, e a vitória seria sua se pudesse aguentar o último golpe.

Segundos depois, uma palma atingiu o seu estômago.

— Gah!! Aaaaaghhh!!

Ele vomitou sangue enquanto era jogado para trás, destruindo a parede de uma sala de aula,
debatendo-se contra mesas e cadeiras até cair no chão.

— Kah-hak…! — Segurando o estômago, tossiu sangue. Suas costelas rasgaram os órgãos


internos.

No entanto… continuava vivo. Proteger-se com tudo que tinha mostrou resultados.

— Heh-heh… — Os lábios ensanguentados curvaram-se em um sorriso zombeteiro ao erguer a


cabeça.

Foi então que os viu.

— Mas o que diabos é isso…?

Cadáveres formavam uma fila na sala. Todos eram homens de preto, claramente com poucos
ferimentos, a não ser por apenas um corte em cada.

Aquele garoto matou essas Crianças Nomeadas sozinho…?

O som de passos se aproximava.

Ele ouviu alguém caminhando em sua direção no corredor.


Tap, tap.

O som parou na porta.

Silêncio.

Rex percebeu que a mão que segurava sua espada estava anormalmente suada.

Click. A maçaneta girou e quebrou o silêncio. Então, a porta se abriu.


Não havia ninguém lá.

Com um whiz, o braço de Rex foi transformado em pedaços.

Outro zumbido, e o esquerdo foi decepado.

Whoosh.

Whish.

Whiz.

E assim continuou.

Toda vez que se ouvia um som, Rex perdia mais carne.

— AAAAAGH… Aaaaaaghhhh… aghhh…

Logo antes de sua cabeça sair voando, percebeu que o garoto possuía uma quantidade infinita de
poder.

— Você se saiu bem.

Essa foi a voz que ouviu ao morrer.

Na sala de estudo destruída, Nu olhava para um cadáver. Com olhos castanho-escuros que
combinavam com o cabelo, usava um par de óculos e o uniforme da Academia de Ciência como
disfarce para se misturar, mas não podia esconder sua sensualidade.

— Você é Glen, Juba de Leão, da Ordem Carmesim.

O cadáver encarava o nada, usando uma expressão angustiada. Ele parecia ter sofrido
profundamente. Sem magia, ele, cujo nome era conhecido por toda a Ordem dos Cavaleiros, foi
incapaz.
A atenção de Nu foi direcionada para outro lugar. Havia mais um cavaleiro no local, o qual ainda
respirava.

— Marco Granger, você se juntou à Ordem Carmesim.

Ela reconheceu o seu rosto bonito, com um cabelo azul sedoso. Não só era um dos cavaleiros
negros mais fortes, como também diziam que seria o futuro comandante da Ordem. Ela se
lembrava que ele tinha um forte senso de justiça.

Marco era para ser o seu marido em um casamento arranjado.

Enviaram muitas cartas um para o outro e compartilharam danças em bailes. Mas, no fim, ele não
passava do homem que os pais dela escolheram. Nunca soube como ele se sentia sobre a
situação, mas jamais conseguiria amá-lo.

Entretanto, não era como se o odiasse. Podia não ter amado, mas o achava gentil. Não se
importaria de se casar com ele algum dia e até imaginou que se casasse com um homem
respeitável teria levado a um futuro brilhante.

Um caminho arranjado, um parceiro arranjado, um futuro arranjado.

Nu nunca teve muita escolha. No passado, conformou-se com o valor daqueles ao seu redor e
viveu como mandavam. Não se importava com isso antes, mas, ao parar para pensar agora,
passou a achar esse estilo de vida terrivelmente confiante.

Enquanto olhava para o rosto dele, lembrou-se de repente do baile. Nu sorriu ironicamente ao se
lembrar que mostrava o rosto de Marco por aí como se fosse algum tipo de acessório.

De certa forma, memórias sempre se prendem mais quando se tenta esquecer.

— O que foi, Nu?

Ouviu uma voz atrás dela e se virou. O fato de não ter o sentido não foi surpresa, e também o
reconheceu apenas pela voz.

— Mestre Shadow….

Não notou aquele garoto de cabelo preto e aparência comum entrando na sala de estudo, o qual
passou por ela e começou a abrir armário após armário.

— Ele costumava ser o meu noivo arranjado.

— Eh. O que fará?


— Não tenho motivos para matá-lo nem para mantê-lo vivo.
— Está tudo bem assim — disse ele, vasculhando pelos armários e continuando na sua busca.

Nu saiu de perto de Marco e ficou ao lado do garoto.

— Mestre Shadow, sei que é um pouco tarde, mas tenho algo a relatar.

— Vá em frente.

— O Jardim das Sombras se infiltrou no campus. Estamos no aguardo e nos moveremos ao seu
comando.

— Entendido.

— Entretanto, lutar enquanto nossa magia está bloqueada pode ser arriscado. Apenas as Sete
Sombras podem operar na velocidade normal, mas a única delas na capital é Lady Gamma. E…
bem, esse tipo de coisa não é o ponto forte dela…

— Ela não tem habilidade para isso.

— Hm… correto. Quanto a mim, s-só estou com cerca de metade da minha força normal.

— Entendo.

— Lady Gamma está liderando toda a organização, por isso sugeriu que eles não teriam controle
da nossa magia por muito mais tempo e que devíamos esperar até então.

— Tudo bem.

— Os homens de preto estão reunidos no auditório e não se moveram. No momento, não


parecem ter nenhuma demanda. A Ordem dos Cavaleiros cercou o campus, mas Iris Midgar e os
outros comandantes são os únicos fortes o bastante para acabar com eles. Já que não nos
encontraram em momentos pacíficos, não acho que nos ajudariam.

— Tudo bem.

— Está tudo bem mesmo?

— Sim… Ah, espera um pouco.

— Certamente.

— Estou procurando algumas coisas. Preciso de pinças de mithril, pó de osso de dragões da terra
e a pedra encantada de cinzas…
Nu pegou cada um desses itens de um armário.

— Valeu. Ufa, você me quebrou um galho.

— Foi um prazer. Posso perguntar para que precisa deles?

Ele segurava os vários itens com ambos os braços.

— Ah, isso aqui? Vou usar para alterar o artefato.

— Alterar o artefato, hein? — repetiu Nu.

Ela nunca imaginaria que ele era tão experiente com artefatos, mas não seria estranho ele saber
dessas coisas. Por que queria alterá-lo nesta situação complicada?

— Algo chamado Olho da Avareza está impedindo a nossa magia. Atualmente, estou fazendo os
ajustes finais para um artefato diferente a fim de desativá-lo temporariamente.

— Incrível… Você nunca nos decepciona.

Ela ficou surpresa. Ele não só tinha descoberto a fonte do bloqueio de magia, como também
estava preparando para anulá-la. Além disso, desativar um artefato poderoso exigia um
conhecimento extraordinário. Sem a sabedoria de uma das maiores mentes de toda a nação, isso
seria impossível. Ela estremecia na presença da sua mente ilimitada.

— Devo terminar por volta do pôr do sol.

— Entendido. Estaremos preparados para nos mobilizar quando estiver pronto.

— Mal posso esperar.

— Sim.

Nu o observou sair da sala com os itens antes de checar para ver se seu antigo noivo ainda estava
consciente.

Ela passou sua lâmina negra pelo pescoço dele.

A respiração e o pulso estavam normais e estáveis. Ele estava vivo, mas claramente inconsciente.

— Pouparei sua vida.

Nu deixou um corte raso no pescoço dele e desapareceu.


— Voltei.

Ao ver Cid retornar com os ingredientes, Sherry sorriu, pegando-os e colocando-os sobre a mesa.

— Muito obrigada. Agora devo ser capaz de terminar.

— Boa sorte.

Sherry rapidamente começou a trabalhar no artefato. Cid estava deitado no sofá, lendo um livro.

Tudo ficou em silêncio por um momento.

A luz que entrava pela janela lentamente tornou-se carmesim.

Cid levantava vez ou outra para ir ao banheiro. Quando Sherry lhe ofereceu um medicamento
para aliviar a dor de estômago devido suas visitas frequentes, ele aceitou com uma expressão
complicada.

O tempo passou, e o sol começou a se pôr. O tom vermelho se intensificou, e as sombras ficaram
mais escuras. Quando Sherry acendeu a lanterna, tudo ficou com uma sombra mais escura do
lado de fora do aposento. Ela enfim estava chegando perto do fim da sua tarefa, já perto do pôr
do sol.

— Terminei. — Ergueu o pingente e mostrou a Cid.

— Incrível.

— Obrigada. É o melhor que posso fazer.

— Pois é, e é bom que foi antes do pôr do sol. O futuro da escola depende de você. — Cid se
levantou e bateu nas costas dela. — Não posso ajudar mais. Você deve salvar o mundo com as
próprias mãos.

— F-farei o meu melhor — disse ela, nervosa, pegando a lanterna e encarando as escadas. —
Minha mais sincera gratidão. Graças a você, serei capaz de resgatar o meu pai.

Sherry olhou mais uma vez para ele e então baixou a cabeça.

— Não foi nada. Espero que ele esteja bem.

— Obrigada. — Ela sorriu e desceu as escadas.

Depois de uma longa descida pela escadaria, chegou ao fundo. O ar era completamente diferente
da superfície. Os túneis escuros eram iluminados pela luz da lanterna, e os caminhos começaram
a se dividir. Um movimento errado e ela jamais chegaria ao seu destino.

— Hmm… — Pegou um mapa para confirmar a direção até o auditório. — Ir reto e dobrar à
esquerda na terceira curva…

No começo, vagava devagar pelo caminho. Entretanto, lembrou-se de ter caminhado por aqueles
túneis com seu pai adotivo. Mesmo que ela tivesse o incomodado enquanto trabalhava, ele ainda
descia lá para brincar com ela. Essa era uma memória preciosa para Sherry.

A jovem não se lembrava do seu pai biológico, pois ele morrera logo depois que ela nasceu. E a
memória da sua mãe tinha quase sumido por completo da sua mente. Sua mãe foi assassinada
durante um roubo em uma noite, quando Sherry tinha apenas nove anos.

Ela se lembrava da sombra negra que viu pela fresta da porta do armário. Os seus sonhos eram
assombrados pelos gritos da sua mãe e o som da risada medonha.

Durante muitos anos após o incidente, não conseguiu falar. Rejeitou todos aqueles ao seu redor,
preferindo trabalhar no artefato que a sua mãe deixou. Como se seguisse seus passos, Sherry
devotou-se à pesquisa.

O seu pai adotivo era o seu salvador. Ele a acolheu, apoiou a pesquisa dela e lhe deu uma família
amável. Através disso, Sherry enfim reganhou sua voz. Quase todas as suas memórias familiares
eram sobre ele.

Toda sua vida foi apoiada pelo seu pai adotivo, e agora era hora de retribuí-lo.

— Preciso continuar.

Ela caminhava pelo caminho escuro sozinha. Seus passos não eram mais assustados ou tímidos.

E não demorou para que chegasse.

— Acho que estou debaixo do auditório…

O caminho único se dividia em vários: o caminho para o primeiro andar, para o do meio e, então,
para o segundo…

Ela seguiu o mapa.

— Eh…!

Então encontrou.

Era uma pequena saída de ar entre o segundo e terceiro andar. Ainda que uma pessoa não
pudesse servir ali, havia espaço o suficiente para jogar o pingente.

Sherry espiou furtivamente pela saída de ar para ver o que estava acontecendo. Lembrou-se das
palavras de Cid: “quando estiver se escondendo, é importante liberar a tensão do corpo, respirar
devagar e relaxar”.

Havia centenas de alunos sentados dentro do auditório e alguns instrutores, que também
estavam presentes. Também havia vários homens de preto. Sherry acreditava que todos os reféns
poderiam escapar assim que tivessem sua magia livre.

Ela estava pronta.

Primeiro, afastou-se da saída de ar e pegou o pingente. Quando o conectou com a pedra


encantada, uma luz branca e letras brilhantes flutuaram no ar.

Sherry jogou o pingente brilhante pelo buraco sem hesitação alguma.

A Eminência nas Sombras – Vol. 01 – Cap. 07 – Final – Minha Ideia de Comandante Supremo das
Sombras!

Rose observava os homens de preto com seus olhos cor de mel.

Fazia várias horas desde que foi levada até o auditório. O sol já havia se posto, e a luz quente do
telhado iluminava o local.

Ela cortou as restrições dos seus braços com uma pequena faca escondida. Fingindo ainda estar
presa à cadeira, passou a faca para uma garota do Conselho Estudantil, que então entregou para
o próximo aluno na fila.

Rose poderia se mover a qualquer hora, mas estava ciente de que agir no momento seria um
desperdício.

Seus inimigos podiam ser poucos, entretanto, todos eram poderosos demais para se negligenciar.
Além disso, eram terrivelmente eficientes. Do grupo, um homem conhecido como Rex e o seu
superior, Sir Esbelto, eram imensamente mais fortes do que o resto. Os professores que os
subestimaram e se opuseram acabaram mortos, sem conseguirem fazer nada. Mesmo que os
reféns pudessem usar magia, suas chances de vitória seriam questionáveis.

Por sorte, fazia tempo que Rex não voltava. Ela esperava que a Ordem dos Cavaleiros tivesse
acabado com ele lá fora…, mas sabia que um guerreiro feroz não podia ser derrotado tão
facilmente. O pensamento mais honesto dela era que precisava melhorar a situação de alguma
forma antes que ele retornasse.
Enquanto o Sir Esbelto passava a maior parte do tempo na sala de espera, aparecia vez ou outra
para procurar por Rex, o qual xingava baixo por sua ausência prolongada. A julgar pela sua
aparência e magia densa, Rose acreditava que superava um lutador especialista, podendo até
mesmo ser mais forte que Iris Midgar…, não que ela quisesse acreditar nisso. Se fosse verdade, as
chances de Rose derrotá-lo, mesmo que recuperasse a magia, eram praticamente zero.

De qualquer forma, sabia que não era o momento certo para agir ainda. Mas a verdade era que
não tinha tempo.

Conforme os minutos passavam, Rose conseguia sentir a magia saindo do seu corpo. Ela não
sabia o motivo, mas a sua melhor suposição era que estava relacionado ao fenômeno que a
bloqueava. Mesmo que estivesse longe de se sentir fraca, os alunos com menos magia estavam
começando a se sentir doentes. Em mais algumas horas, alguns deles poderiam sofrer de
deficiência mágica, o que significava que perderiam a chance de contra-atacar para sempre.

Havia uma figura que sempre suprimia o pânico e desconforto quando aquilo tomava conta do
coração dela.

Toda vez que Rose se lembrava da postura heroica do garoto que se sacrificou para salvá-la, uma
sensação quente surgia em seu corpo. Ela não deixaria que o desejo dele fosse esquecido.
Enquanto repetia essa promessa a si mesma, esperava pelo momento certo.

E, então, era chegada a hora, inesperadamente.

O auditório se iluminou de repente por uma radiante luz branca.

Rose não sabia o que era aquilo, mas reagiu antes que pudesse pensar.

Não tinha como ligar para de onde vinha. Seus instintos diziam que essa era a última chance.

Enquanto todos estavam cativados pela luz forte, Rose cerrava os olhos enquanto corria na
direção de um dos seus sequestradores. No momento em que envolveu a mão ao redor do
pescoço desprotegido dele, percebeu algo.

Consigo usar magia! Ela arrancou a cabeça dele com as mãos.

Não sabia porque podia usar magia de novo, mas não importava. Pegou a espada da cintura do
homem decapitado, ergueu-a e gritou:

— Temos nossa magia de volta! Pessoal, ergam-se! Essa é a nossa hora de revidar!

O auditório agitou-se.
A garota do Conselho Estudantil se moveu, cortando as restrições que prendiam os alunos, e os
que foram libertados começaram a se mexer. O ar pulsava com a euforia coletiva e efervescente
deles.

Rose nocauteou um homem ao liberar uma onda de magia nele.

Tudo pela vitória, isso era o que estava em sua mente.

Naquele momento, percebeu que era o símbolo da insurreição.

Se continuasse lutando, eles lutariam também. Continuaria lhes mostrando uma vitória
incontestável. Rose manejava sua espada com toda a força sem focar em como estava
distribuindo a magia em seu corpo.

— Sigam a presidente do Conselho Estudantil!!

— Tirem a espada dela!!

Ela era alvo de atenção, ódio e aplausos enquanto assassinava quantidades imensuráveis de
inimigos e libertava todos os alunos, tudo isso enquanto continuava lutando.

Todos admiravam e aspiravam sua valentia.

Mas o seu estilo de combate também era imprudente, e ela não pensava duas vezes em sua
regulagem interna de magia. O seu poder podia ser imenso, entretanto, deixava o seu corpo, e
ela rapidamente se aproximava do seu limite. Podia sentir isso enquanto calmamente prestava
atenção nas suas limitações. Sua magia escapava, fazendo com que a esgrima perdesse força e o
corpo fosse ficando pesado.

Ao invés de matar com um golpe, passou a precisar de dois golpes, então três.

Estou quase terminando… Só mais alguns…, pensava, mas podia sentir que se aproximavam dela.

Só preciso matar mais um. Percebeu algo enquanto se aproximava do seu limite.

O entusiasmo dos alunos consumira o auditório. Mesmo que Rose fosse derrotada, eles não
parariam de lutar.

O garoto passou o seu desejo a Rose, que o distribuiu a todos. Enquanto muitas vidas eram
perdidas em batalha, alguém continuava a carregar a sua tocha.

Não foi um desperdício.

A morte dele, e aquela que a aguarda, não foi em vão.


Rose, do reino das artes, tinha seus motivos para treinar com a espada. Nunca contou a ninguém
sobre eles; não passava de um sonho bobo que tinha desde criança. Mesmo assim, era um sonho
que ela queria realizar a qualquer custo. Esperava ter chegado um pouco mais perto de realizá-lo.

Enquanto estes pensamentos percorrem sua mente, moveu a espada pela última vez.

Estava quase desprovida de magia, sem contar que foi fraca e lenta.

Entretanto, decapitou o inimigo com o golpe mais belo de toda sua vida.

Era a melhor sensação que já teve. Naquele momento, sentia como se enfim tivesse
compreendido algo precioso.

Mas… doía saber que compreendeu isso quando o fim estava próximo. Rose viu espadas vindo na
sua direção de todos os lados, desejando ter vivido só mais um dia.
Então, aquilo se tornou realidade.

Um redemoinho negro chocou-se contra os inimigos, fazendo com que eles cuspissem litros de
sangue e acabando com todos em um piscar de olhos.

O silêncio tomou conta do lugar, com se tudo estivesse parado.

No olho do furacão estava um homem de manto preto.

— Soberbo. Você possui uma esgrima linda… — disse ele para Rose, com uma voz que parecia
ecoar das profundezas da terra.

Ele parecia estar elogiando a forma com que ela manejava a espada, o que a afetou mais do que
palavras poderiam expressar.

— Meu nome é Shadow.

O homem que se chamava Shadow… não era nem um pouco assustador.

— E-eu me chamo Rose. Rose Oriana… — A voz dela tremia, chocada demais para ficar de pé.

A esgrima dele era extremamente superior à dela. Suas habilidades eram o resultado de um
treinamento assíduo, eliminando excessos, de aperfeiçoamento, de integração de técnicas
variadas. Rose sentia como se o tempo tivesse parado. Nunca viu uma esgrima tão perfeita
quanto aquela.

— Venham a mim… minhas servas leais…


Shadow liberou magia com um tom azul-violeta na direção do céu. Enquanto Rose se banhava
naquela luz, um grupo inteiramente vestido de preto adentrou o auditório.

Droga, são reforços deles…? Rose se perguntava.

Mas seus temores foram sanados.

O grupo tocou o chão com graciosidade e entrou em ação.

Não tinha como ser uma disputa interna… Mas também não pareciam ser da Ordem dos
Cavaleiros. Ao observar com maior atenção, notou que a tropa era composta apenas por
mulheres. E, além disso…

— São fortes…
Cada uma delas era poderosa… uma força da natureza.

Cortavam os sequestradores em um piscar de olhos.

As mulheres possuíam as mesmas técnicas de espada que Shadow, o que significava que essas
guerreiras aterrorizantes estavam sob seu comando.

— Mestre Shadow, fico feliz por estar bem.

— Ah, Nu.

Uma mulher vestida de preto se aproximou dele e se curvou.

— O líder deles incendiou o campus e fugiu da área.

— Patético… Deixe-o comigo.

— Entendido.

— Ele acha mesmo que pode escapar…? — Shadow deu uma risada baixa.

Abrindo o manto, cortou as portas do auditório com um único golpe de espada e, de bônus, o
oponente perto dele se tornou um amontoado de carne imóvel.

Ele imitava ligeiramente a esgrima de Rose, movendo sua espada como se a exibisse antes de
desaparecer na noite.

Cada um dos seus movimentos servia como um exemplo perfeito para Rose.

— Está tudo bem? — A garota conhecida como Nu se aproximou dela.


— Sim…

— Aquelas técnicas foram fantásticas — comentou Nu, preparando sua katana preta e engajando
na luta.

A esgrima dela era extraordinária. Ela acabava com os homens de preto, deixando-os de cara no
piso.

Rose podia sentir o seu senso comum – não, seu senso como cavaleira negra – sendo destruído. A
esgrima exibida por aqueles guerreiros não se encaixava em nenhum molde preexistente.
Era uma arte completamente nova.

De onde esse grupo poderoso e metodologia saíram? Ficou chocada por nunca ter ouvido falar
deles antes.

— Fogo! Fogo está vindo nessa direção!

A voz a puxou de volta para a realidade. Podia sentir as chamas aumentando nos fundos do
auditório.

— Fujam se estiverem perto da saída! — gritou, comandando os alunos. Graças ao grupo só de


mulheres, puderam evitar sacrifícios desnecessários.

O fim da batalha estava próximo.

Rose acompanhou os feridos até a saída.

— A Ordem dos Cavaleiros está vindo!!

Todos ficaram aliviados com a mensagem. Ela soltou a tensão do corpo e quase caiu, mas foi
capaz de manter-se de pé com rapidez.

Os alunos estavam sendo evacuados do auditório um por um. O fogo se intensificou, e os homens
de preto foram aniquilados.

Antes que Rose percebesse, o grupo de mulheres de preto se fora.

Elas desapareceram habilidosamente sem serem detectadas, não deixando traços, como se
nunca tivessem estado ali.

Rose ajudou cada aluno a sair do auditório até que ninguém mais restasse e olhou para as
chamas opressoras que consumiam a estrutura.
— Quem eram eles…?

Um incêndio distante lançava um brilho fraco sobre o escritório do vice-diretor à noite.

Uma silhueta se movia na sala escura, tirando vários livros das prateleiras e deixando-os queimar
no chão.

Os livros eram consumidos por um fogo pequeno que iluminava bem o local.

A silhueta pertencia a um homem todo trajado de preto.


— O que você está fazendo vestido desse jeito, Vice-Diretor Lutheran…?

A sombra negra estremeceu. Ele devia estar sozinho ali, mas um jovem garoto foi capaz de entrar
sem que percebesse.

O garoto estava sentado de pernas cruzadas no sofá, lendo um livro. Sua aparência comum e
cabelo preto, um zé-ninguém. Mas ele sequer olhava para as chamas que se espalhavam a partir
das sombras. Seu olhar continuava focado em um livro espesso, e o som das páginas sendo
viradas ecoavam pelo aposento.

— Você tem uma boa percepção — comentou o homem, removendo a máscara para revelar um
rosto de meia-idade.

Era realmente o Vice-Diretor Lutheran, mostrando fios cinzas em seu cabelo penteado para trás.

Lutheran jogou a máscara no fogo, então as roupas pretas, incinerando tudo. A luz se
intensificou.

— Para referência futura, suponho que irá deixar que eu pergunte como descobriu, Cid Kagenou.

Lutheran sentou-se de frente para o garoto.

— Soube no momento em que coloquei os olhos em você.

Cid olhou para Lutheran por um segundo, mas logo voltou a atenção para o seu livro.

— Soube apenas ao me ver, hein? Talvez seja a forma como ando ou meu físico… De qualquer
forma, tem olhos afiados.

Lutheran observava Cid, cujo foco estava voltado ao livro.

As sombras dos dois bruxuleavam com a luz das chamas.

— Posso lhe fazer uma pergunta para a minha referência? — Cid perguntou enquanto encarava o
livro.

Lutheran, em silêncio, fez sinal para que continuasse.

— Por que fez isso? Não parece o tipo de pessoa que gosta dessas coisas.

— Por quê? Bem, começou há muito tempo — murmurou Lutheran, cruzando os braços. — Eu
estava no ápice da minha carreira, antes mesmo de você ter nascido.

— Ouvi dizer que venceu o Festival Bushin.

— Sim, mas esse de longe não foi o meu momento de maior orgulho. O ápice da minha carreira
era maior do que isso. Você não entenderia se eu contasse.

Lutheran riu. Ele não parecia estar falando de maneira irônica, pelo contrário, parecia um tanto
cansado.

— Logo depois de eu chegar no topo, fiquei terrivelmente doente e fui forçado a me aposentar.
Depois de anos lutando, toda a minha honra evaporou no mesmo instante. Enquanto buscava
uma cura para a minha doença, encontrei potencial em uma pesquisadora de artefatos chamada
Lukreia.

— Sinto muito, mas essa história vai demorar?

— Um pouco. Lukreia era a mãe de Sherry, uma mulher azarada, odiada por aqueles em seu
campo por ser inteligente demais. Como pesquisadora, possuía um conhecimento sem igual, e eu
a achei benéfica para mim. Apoiei o seu trabalho e reuni artefatos para ela, e ela focou na
pesquisa, a qual usei depois. Não tinha interesse em fama nem fortuna, por isso nos demos bem.
E, então, me deparei com o Olho da Avareza. Era o artefato que eu buscava. Mas, sabe, Lukreia…
aquela mulher idiota, disse que não era seguro e estava prestes a pedir para que a nação o
guardasse. E foi por isso que a matei. Depois que a cortei das extremidades até o fundo, empalei
seu coração e torci minha lâmina.

O livro de Cid permanecia aberto enquanto ele continuava de olhos fechados e ouvia a história
de Lukreia.

— Adquiri o Olho, mas a pesquisa estava incompleta. Foi então que, convenientemente,
encontrei outra pesquisadora, Sherry, a filha de Lukreia. Ela era ingênua e tola, atendendo a
todos os meus desejos. Nunca soube que eu era o inimigo, aquela criança adorável e estúpida.
Graças à mãe e à filha, o Olho agora está completo. Tudo o que preciso fazer é arrumar o local
para reunir a magia e preparar a camuflagem perfeita. Hoje… será o meu melhor dia, no qual
todos os meus sonhos se realizarão.
Lutheran soltou uma risada maldosa para si mesmo.
— Então, serve como referência para você?

Em resposta, Cid abriu os olhos.

— Acho que entendi grande parte. Porém… há uma coisa que não entendi.

— Pergunte, então.

— Disse que matou Lukreia e usou a filha dela. É realmente verdade? — Cid desviou os olhos do
livro e os fixou em Lutheran.

— Claro que é. Isso te deixa irritado, Cid?

— Você nunca saberá… Posso separar com clareza o que é importante para mim e o que não é,
sabe. — Cid baixou ligeiramente os olhos.

— Posso perguntar por quê?

— Faço isso para continuar focado. Tenho um sonho que sempre quis realizar, sonho este que
costumava ser inalcançável. É por isso que continuo cortando coisas da minha vida.

— Eh?

— Todos nós passamos a vida acumulando coisas que amamos. Adquirimos amigos, amores e
trabalhos… e assim continua. Mas, por outro lado, corto essas coisas da minha vida, decidindo o
que não preciso. Joguei muitas coisas fora. No final do dia, só me resta aquilo que não posso
viver sem. É por isso que vivo, e não me importo tanto com o que acontece fora isso.

Cid fechou o livro com uma batida, ficou de pé e o jogou no fogo.

— Está me dizendo que os destinos daquela mãe e filha idiotas não importavam para você, é
isso?

— Não. Eu disse que não me importo tanto, mas isso não significa que eu realmente não dou a
mínima. Neste exato momento, sinto-me um pouco… incomodado. — Cid brandiu a espada que
estava em sua cintura. — Acho que já está na hora de começarmos. Alguém pode entrar aqui se
demorarmos demais.

— Sim. Infelizmente, temos que nos despedir.


Duas lâminas desembainhadas brilhavam com as chamas, e a batalha terminou no mesmo
instante.

A espada de Lutheran perfurava o peito de Cid, o qual jorrava sangue.


Cid chocou-se contra a porta, jogado no corredor infernal. Em um piscar de olhos, o seu corpo foi
coberto pelas chamas carmesins que o engoliram.

— Adeus, rapaz.

Lutheran guardou a espada enquanto o fogo do corredor entrava na sala, ficando mais intenso,
então se virou, prestes a sair do escritório.

— Aonde pensa que vai?

— Nnr…!

Como se saísse das profundezas de um abismo, uma voz profunda ressoou detrás dele. Quando
olhou para trás, viu um homem de preto usando uma máscara mágica, um capuz e um manto
negro que queimava com um brilho vermelho. O recém-chegado não dava atenção alguma às
chamas que envolviam sua espada.

— Maldito…! — Lutheran apertou a espada.

— Meu nome é Shadow. Me espreito na escuridão e caço as sombras…

— Então é de você que tenho ouvido falar… — Lutheran tinha sua lâmina desembainhada em
mãos.

Agarrando sem muita força o cabo da sua katana, Shadow o confrontou.

Ambos trocaram olhares por um momento, e Lutheran foi o primeiro a olhar para o lado.

— Vejo que é bastante forte.

— Hmm…

— Também vivi com a minha espada. Posso entender tudo ao confrontar o meu oponente… e até
mesmo o fato de que estou em desvantagem neste momento. Sinto muito, mas devo lutar com
todo o meu poder.

Ele pegou uma pílula vermelha do bolso da frente e a engoliu, após isso, pegou o Olho da Avareza
e o seu dispositivo de comando.
— O verdadeiro valor do Olho só se torna aparente quando os itens estão combinados assim.

Um tinido foi ouvido quando os dois artefatos se uniram, emitindo uma luz radiante que formava
uma hélice de palavras brilhantes de um alfabeto antigo. Lutheran ria enquanto colocava o
artefato no peito.
— Neste exato momento, eu renascerei.

O artefato afundou em seu peito, roupas e pele, como se fosse submergido em água.

— AAAAAAAAaaaaaaaaaaah!! — gritou enquanto arranhava o peito.

As letras antigas brilhantes se reuniram ao seu redor, prendendo-se ao seu corpo. Uma
luminescência pintou todo o local de branco.

A luz foi perdendo a intensidade, e Lutheran estava ajoelhado no meio de fumaça branca.

Ele ficou de pé a um ritmo lento. Quando olhou para frente, um conjunto de letras pequenas e
brilhantes grudou em seu rosto como se fosse uma tatuagem.

— Fantástico… Incrível… Meus poderes estão retornando e a minha doença será curada!

Lutheran estava no meio de um redemoinho de chamas que ondulava por causa da força da sua
magia poderosa. As letras brilhantes não estavam apenas gravadas em seu rosto, mas também
em suas mãos e pescoço.

— Você jamais compreenderá minha força frenética! Essa magia está muito além de todas as
limitações humanas — zombou Lutheran. — Deixe-me testá-la com você.

Então, desapareceu.

No instante seguinte, Lutheran atacou Shadow por trás. Ouviu-se um eco agudo, e o ar entre eles
vibrou devido ao impacto.

— Eh, que defesa impressionante.

Shadow bloqueou o ataque com a sua espada negra enquanto continuava olhando para frente.
Lutheran usou toda a sua força para manter-se contra ela, mas a arma do seu oponente não se
movia.

— Eu o subestimei. Entretanto, o que acha disso?

Ele desapareceu mais uma vez. Desta vez, havia sons estridentes em sucessão.
Um, dois, três.

Em todas as vezes, a espada de Shadow apenas se ajustava ligeiramente, com o mínimo de


movimentos possível.

Na quarta vez, Lutheran apareceu na sua frente.


— Eu não achei que bloquearia aquela. Reconheço a sua força. — Ele encarava Shadow e ria
calmamente. — Para respeitá-la de maneira apropriada, liberarei o meu verdadeiro poder. — Ele
mudou de posição.

Focou uma quantidade devastadora de magia na espada erguida sobre a cabeça.

— Na vida após a morte, pode se orgulhar por ter me feito liberar o meu poder.

Aquele golpe foi na direção de Shadow com força e velocidade para pulverizá-lo.

Mas a lâmina negra defendeu com facilidade.

— O quê?!

Uma explosão de faíscas voou entre a lâmina negra e a espada de luz.

— Você conseguiu bloquear essa também?!

— Com o seu nível… sim.

Os dois se encararam de uma distância perigosamente próxima.

— Ksh… Acabei de começar.

A espada de Lutheran cortava rapidamente, deixando para trás uma trajetória belíssima de
imagens residuais brancas no ar.

— RAAAAaaaah!!

Enquanto rugia, a lâmina negra repelia seus ataques.

— AAAAAaauugh!!

Os golpes brancos atingiam a lâmina negra, ambas se chocando como se compusessem uma
música juntas, o que adicionou mais uma camada à noite em chamas.
Mas já estava prestes a terminar.

Com um golpe da lâmina preta, Lutheran voou para trás, chocando-se contra a mesa e caindo no
chão.

— Gak… Impossível…! — Ele apertava o corpo dolorido à medida que ficava de pé. Seus
ferimentos se curariam rapidamente, mas parecia que o texto antigo estava ficando mais fraco.
— Não achei que seria difícil assim. Heh, estou impressionado. Entretanto, não importa o quão
forte seja, acabarei com todos vocês.
— O que quer dizer com isso…?

— Bem, fiz com que os incidentes parecessem ser obra do Jardim das Sombras. Com as
evidências das testemunhas, tudo foi preparado. Independentemente da sua força em batalha,
sofrerá um final trágico.

Lutheran gargalhou, contorcendo o rosto enquanto esperava a resposta de Shadow.

Todavia, Shadow estava rindo. Uma gargalhada aterrorizantemente profunda vinha dele.

— O que é tão engraçado?

— É divertido ver você achando que algo tão insignificante assim poderia acabar conosco.

Lutheran parou de sorrir.

— Só está com medo de admitir a derrota.

Shadow balançou a cabeça como se dissesse: você não sabe de nada.

— Desde o começo, nunca andei no caminho da justiça nem do mal. Fazemos o nosso próprio
caminho.

Shadow ergueu o manto incendiado.

— Você fala bastante. Nos acusa pelos pecados do mundo. Nós os aceitaremos, mas nada irá
mudar. Ainda faremos aquilo que devemos fazer.

— Você diz que não teme se opor contra o mundo? Quanta arrogância essa sua, Shadow!

— Então venha e me faça mudar de ideia.

Lutheran avançou com a espada na direção acima da cabeça de Shadow, que se esquivou do
ataque logo antes de a sua cabeça ser cortada ao meio.

— O quê?!

Sangue fresco jorrou.

A lâmina negra foi cravada no pulso direito de Lutheran, e ele imediatamente moveu a espada na
mão esquerda e começou a recuar.

— Impossível!
Desta vez, a espada negra cortou seu pulso direito. Enquanto Lutheran estava surpreso, a katana
de Shadow vinha em sua direção.

— Guh… gah…!

Lutheran se sujou com o próprio sangue ao falhar em contra-atacar os ataques que seus olhos
não conseguiam perceber. Seus pulsos, pés, antebraços e coxas foram perfurados centenas de
vezes.

A próxima rajada de golpes estava concentrada em seu ponto vital.

— Cortando das extremidades até o fundo…

A voz profunda de Shadow ecoava em cada estocada.

— E torcendo minha lâmina em seu coração, é isso…? — disse, enfiando a lâmina no peito de
Lutheran ao mesmo tempo.

— O q…?!

Mesmo que sangue jorrasse da sua boca, Lutheran agarrou a arma apontada para o seu coração
e resistiu. Os seus olhos encontraram os do garoto, os quais estavam atrás da máscara.

— Não pode ser. Você é Ci…!

No momento em que estava prestes a finalizar sua frase, a lâmina foi torcida.

— Ga… agh… aghh…!

Quando gritou, um rio de sangue foi bombeado para fora do seu peito. A luz em seus olhos e o
texto antigo começaram a desaparecer. Tudo o que restava era o cadáver de um homem de meia-
idade magro.

E, então, a silenciosa batida de passos.

— Pai…?

Sujo da cabeça aos pés de sangue, Shadow se virou e viu… uma garota com cabelo cor de
pêssego.

— Paaaaaaiii!! — Ela passou correndo por Shadow e agarrou o cadáver.

— Não… Como…? Por quê…?!


Ela se debruçou sobre o corpo magro e chorou. O seu pai adotivo não se movia mais, e Shadow
observava as lágrimas dela caírem e molharem o rosto do cadáver, então se virou.

— É melhor não saber…

E, assim, desapareceu em meio às chamas selvagens, deixando os choros dela para trás.

Ela ficou sabendo que o garoto com um ferimento grave nas costas estava sendo tratado na
escola.

Quando essa informação chegou até Rose, ela não aguentou e correu até a barraca de primeiros-
socorros da escola que queimava na escuridão da noite.

Alunos e instrutores que não estavam ocupados ajudavam a apagar o fogo.

A Ordem dos Cavaleiros movia-se para tratar os feridos e perseguir o Jardim das Sombras. E Rose
enfim chegou à barraca depois de passar pela multidão agitada.

O garoto sendo tratado era um cavaleiro negro do primeiro ano com o cabelo preto, e tinha as
mesmas características daquele que ela procurava.

Mas ele devia ter morrido naquela hora, ainda que não tivesse conferido os seus sinais vitais. Ela
não teve tempo nem compostura para tal.

O que significava que, talvez, mas só talvez, ele poderia estar vivo. Poderia muito bem estar
dentro daquela barraca.

Rose não era capaz de abandonar aquela débil esperança.

Sua mente negava a expectativa enquanto o seu coração dizia que era verdade. Rose notou que
isso estava deixando-a fraca.

Dentro da barraca que cheirava a sangue e álcool, o time de primeiros-socorros estava agitado,
atendendo os pacientes. Rose andou pela barraca, checando o rosto de cada um… até que
encontrou o garoto de cabelo preto.

Ele estava deitado de barriga para baixo em uma cama, tendo o ferimento em suas costas
tratado.

O médico conversava com ele, então estava consciente… talvez.

— H-hmmm… Você é Cid Kagenou? — Rose fazia parecer que queria pedir um favor.
— Sim…? — Ele virou a cabeça para olhar. O rosto era o mesmo daquele garoto heroico.

— Estou feliz… tão feliz…

— Espere… hein?!

Ela o abraçou, apertando-o com força enquanto a cabeça dele era pressionada contra seus
peitos. Rose jurou que jamais o perderia de novo.

Algo quente surgiu em seu coração.

— Hm… Estamos no meio do tratamento…

— Ah! É mesmo.

A voz tímida do médico trouxe Rose de volta à realidade, e ela soltou Cid.

— E como estão os seus ferimentos?

— O corte nas costas dele é profundo. É um milagre não ter danificado os nervos nem órgãos
internos, também não é fatal.

— Minha nossa! Sério?!

— Sim, sério.

— Uou! Isso é ótimo! — O corpo inteiro dela tremia de alegria.

— Hm, sim, então acho que consegui escapar do ataque fatal inconscientemente. Não, eu
desmaiei, por isso não sei de certeza, mas foi assim que sobrevivi. — Cid soava defensivo por
algum motivo desconhecido.

— Você deve ter agido por reflexo, graças ao seu treinamento duro. Incrível.

— Hm, não exatamente.

Rose ajoelhou-se diante dele e o olhou direto em seus olhos.

— Tenho certeza que foi. Seus esforços e paixão em sim deram vida a este milagre.

Ela acariciou a bochecha de Cid enquanto olhava para ele, perto o bastante para quase sentir sua
respiração.

— Hmm…
— Não precisa dizer nada. Eu aceitarei os seus sentimentos. — Os olhos dela se enchiam de
lágrimas enquanto o observava, e suas bochechas ficaram vermelhas como uma rosa.

— Está tudo bem contanto que esteja convencida de que eu sobrevivi milagrosamente. Mas
depois não saia por aí dizendo que foi uma anomalia estranha.

— Pode deixar. Agora descanse.

— A negociação está completa. Boa noite.

Rose o observava apaixonadamente enquanto ele fechava os olhos e adormecia. O seu coração
nunca bateu tão rápido assim em toda sua vida.

Badum, badum, batia ele.

Até então, só tinha ouvido falar desse sentimento, porém, agora, enfim estava sentindo-o em
primeira mão.

— Já que salvou minha vida… lhe darei meu coração…


Ela acariciou o cabelo de Cid e ficou ao seu lado até amanhecer.
— Não acha que fizeram um bom trabalho? — perguntou uma elfa loira extremamente bela,
apresentando uma folha de papel.

Em um vestido preto que a fazia parecer a própria escuridão, estava no prédio da Mitsugoshi
tarde da noite.

Gamma pegou o papel da beldade e murmurou:

— Lady Alpha… nem sei o que dizer.

— Sinto muito. É uma pergunta difícil de responder.

Alpha riu para si mesma. O papel que encontrou era um cartaz de procurado que possuía um
rascunho de Shadow em seu manto negro.

— Shadow: inimigo do Reino Real. Procurado por assassinato em massa, incêndio, roubo,
sequestro… Que homem travesso.

— Você também está nos cartazes de procurados do Jardim das Sombras, Lady Alpha. Ainda que
só mencione o seu nome.

— Onde?
Gamma pegou outro papel e entregou a ela para que lesse.

— O Jardim das Sombras… Que organização terrível.

O brilho da lareira iluminava o seu perfil, e sua beleza sobrenatural difundia da escuridão.

— Mas é uma pena. Não acredito que voltamos correndo para cá para chegar quase no fim.

Alpha jogou o cartaz de procurado no fogo, murmurando para si mesma enquanto observava as
chamas o envolverem e o carvão cobrir as bordas do papel.

— Nos acusam pelos pecados do mundo. Nós os aceitaremos, mas nada irá mudar. Ainda
faremos aquilo que devemos fazer. Que lindo…

Alpha olhava o papel se tornar cinzas.

— Lá no fundo, costumava achar que estávamos do lado da justiça. Porém, não era assim.

A luz e sombras ao redor do seu rosto deslumbrante mudam com as chamas bruxuleantes. Às
vezes, parecia uma deusa, e em outras, um demônio. O fogo alternava caprichosamente entre as
duas.

— Ele está preparado, e nós devemos seguir seus passos.

Alpha se virou para Gamma, que engoliu em seco, nervosa, ao ver o seu rosto.

— Reúna todos os membros disponíveis das Sete Sombras.

— Sim, o farei agora mesmo. — Gamma curvou a cabeça. Suor frio escorria pelo pescoço e
desaparecia em seu decote.

Depois de um vento frio da noite passar por ela, ergueu a cabeça, mas não havia ninguém ali.

Tudo o que restava eram as chamas na lareira bruxuleando violentamente.

— Com licença…!

Ao ouvir alguém o chamando na frente do campus queimado, o garoto comum de cabelo preto
se virou.

— Ah, sinto muito, eu estava completamente distraído. O que foi?

— Eu ouvi que poderia te encontrar aqui caso esperasse. Há algo sobre o quê quero conversar…
— admitiu a garota de cabelo cor de pêssego, observando-o.
— Tranquilo. Vai levar um tempo até que as autoridades venham me interrogar mesmo. Além
disso, por enquanto as aulas vão ser canceladas.

— Hm… Obrigada pelo outro dia. — Ela curvou a cabeça ligeiramente. — Você realmente me
salvou, Cid.

— Não foi nada.

— Eu realmente não teria conseguido sem você.

— Está tudo bem. Não se preocupe com isso.

— Além disso, tem algo que preciso te contar. Hm, decidi estudar no exterior.

— Eh, isso explica a bagagem.

Havia filas e mais filas de bagagens atrás dela.

— Sim, pegarei uma carruagem até Laugus.

— Então vai para a cidade acadêmica… Uou, isso é ótimo.

— Eu preciso fazer uma coisa, então irei, pois não sou capaz de conseguir com o conhecimento
que tenho agora.

— Tudo bem. Desejo o melhor a você.

— E também… não tem mais um motivo para continuar aqui. — Ela virou-se para a escola
pesarosamente. — Queria que pudéssemos ter conversado mais, Cid…

— Eu também, mas algum dia nos encontraremos novamente.

— Sim, estou ansiosa por isso. — Ela riu e passou por ele.

— Ah, espere um segundo.

— Sim? — Ela parou ao ouvir sua voz e se virou.

— Posso perguntar o que você tem que fazer?

A garota sorriu, apreensiva.


— É segredo.
— Entendo.

— Mas, quando tudo isso terminar… você ouvirá a minha história?

— Com certeza…

Os dois riram antes de se distanciar um do outro.

Enquanto partiam, nuvens sopradas pelo vento cobriam o sol do verão, e a brisa morna carregava
o cheiro de chuva.

— Eu prometo…

E o vento carregou o sussurro dela até os seus ouvidos.

Ele pareceu ter ouvido tudo, um conjunto de palavras que não eram para os seus ouvidos. Se
virou para olhá-la enquanto ficava cada vez menor, distanciando-se dele.

Pequenas gotas de chuva pingaram do céu, molhando o cabelo rosa-claro dela, e ele continuou
andando como se nada tivesse acontecido.

E nenhum dos dois se virou novamente.

A Eminência nas Sombras – Vol. 02 – Cap. 00 – Prólogo – Para Lindwurm, a Terra Sagrada!

Tudo começou quando Alpha me enviou uma carta, na qual havia apenas uma frase:

“Venha para a Terra Sagrada, se estiver entediado.”


Fim da mensagem.

As férias de verão começaram mais cedo devido ao dano causado pelo incêndio na academia, o
que significava que eu não tinha muito para fazer. Por experiência própria, descobri que aceitar
os convites de Alpha me geravam todos os tipos de momentos divertidos. No dia após ter
recebido a carta, parti para lá.

Lindwurm, a Terra Sagrada. Já estive lá uma vez. É um dos solos sagrados nos Ensinamentos
Divinos, a religião mais famosa do mundo. O papo deles era que a Deusa Beatrix abençoou os
heróis com força e que ela é a única divindade que existe.

Enfim, leva cerca de quatro dias para ir da academia até a Terra Sagrada de carruagem. Ambas
ficam em Midgar, então pode-se dizer que é perto.

Hesitei por um tempo, pensando: “Vou de carruagem, como um personagem de fundo, ou vou
correndo até lá?” No final, decidi assumir o meu papel de maneira correta e usar uma carruagem.
“Deve-se sempre ter consciência sobre as coisas”, eu disse para mim mesmo, passando a
impressão pretensiosa de superioridade.

Uma pena eu não poder voltar no tempo e me dar um soco.

Deveria ter ido correndo. Se tivesse feito isso durante a noite, teria chegado lá num instante.

Porém, por causa da minha decisão, agora estou compartilhando uma carruagem com a nossa
presidente do conselho estudantil, Rose Oriana.

A carruagem é chique e espaçosa para nós dois. Depois de eu ter feito uma parada no meio do
caminho com a minha carruagem vagabunda, me encontrei com ela por acaso, o que acabou com
ela me convidando para ir junto.

Consegui recusar com suavidade, mas não sou páreo para a nobreza. Quando estava tudo pronto,
acabamos indo juntos para a Terra Sagrada.

De acordo com Rose, há um tipo de evento rolando lá chamado Desafio da Deusa, e ela foi
chamada como convidada especial.

Enquanto ouvia sua explicação, percebi que Alpha devia ter pedido para que eu viesse para
assistirmos a essa coisa juntos.

Entretanto, em certo momento ao longo do caminho, parei de dar ouvidos ao monólogo de Rose.

— Teria sido uma tragédia perder um jovem de espírito tão valente como o seu naquele
incidente, Cid. — disse ela, com um sorriso gentil.

Tenho uma boa quantia de refutações para essa afirmação: sou apenas um zé-ninguém, então
tenho certeza de que não sou valente. Além disso, quando foi que ela parou de me chamar pelo
meu nome completo? Bem, pelo menos essa parte ainda faz sentido.

— Quando descobri que você sobreviveu, pude sentir que era a mão do destino. Só estamos
aqui, conversando sobre isso, porque o mundo nos garantiu sua benção.

Aqui é a parte em que para de fazer sentido. Primeiramente, não acredito em “destino”, nem
tenho ideia do que “benção” possa ser. Se me perguntassem sobre isso, eu mandaria tomar
naquele lugar na mesma hora.

— Nosso caminho será, sem dúvida alguma, repleto de espinhos. Ninguém nos dará sua benção,
assim como jamais nos reconhecerão por quem somos.

Você, literalmente, tinha acabado de dizer que o mundo nos deu sua benção.
— Mas é dito que, após receber o poder da deusa, os heróis da lenda ganharam riquezas e fama
das pessoas e puderam se casar com princesas de grandes reinos. Portanto, embora o caminho
seja árduo e penoso, acredito que um futuro reserva um final feliz.

É isso que eles pregam nos Ensinamentos Sagrados? Citar os discrepantes da sociedade — vulgo
heróis — para forçar seu objetivo parece muito coisa de igreja.

— Completar o Desafio da Deusa significará um passo a mais nesse caminho espinhento. Após
isso, serei capaz de fascinar meu pai com histórias de um jovem valente.

O jovem que vai passar no Desafio da Deusa parece um cara sortudo.

— Nós dois podemos trilhar este caminho árduo com um passo de cada vez. Cada um dos quais
servirá para aprofundar ainda mais nosso amor.

Oh, então é tipo… uma corrida de três pernas. O espírito de cooperação mútua, hein? Isso soa
exatamente como algo que os Ensinamentos Sagrados pregariam.

— Temos que manter isso apenas para nós mesmos por enquanto, mas vamos tentar transformar
em realidade este futuro feliz.

— Aham.

Rose me ofereceu a sua mão, e eu a peguei. Não sei muito sobre religiões nem ensinamentos
sobre ela, mas se ela disse que isso serve para trazer um futuro feliz, quem sou eu para negar?
Felicidade é importante, afinal. A minha felicidade, pelo menos.
Enquanto sentia o olhar apaixonado de Rose e suas mãos levemente suadas, percebi que talvez
devesse ter uma certa distância entre nós. Eu não tenho plano algum de tirar sarro da sua fé, mas
isso é meio que uma coisa que ambos deveriam estar de acordo. Quando todos os fanáticos se
reúnem para fazer suas coisas, tudo fica melhor.

— Tempo agradável hoje, não? — eu disse, olhando pela janela da carruagem para o céu limpo e
campos.

Quando você quer sair de uma conversa que está em um assunto cansativo, falar sobre o tempo
sempre é um bom plano.

— Sim. O sol está no alto, e eu imagino que esteja quente lá fora. — respondeu Rose, olhando
para fora da mesma maneira.

Embora a carruagem fosse toda fechada, ainda estava quente o suficiente para fazer que
suássemos. O pescoço liso de Rose já estava brilhando, e seus cachos cor de mel balançavam com
a brisa enquanto ela estreitava os olhos para aguentar a luz do sol.
Por um tempo, falávamos sobre qualquer merda, como escolha e tempo, vez ou outra caindo no
silêncio enquanto procurávamos por novos assuntos.

Havia vários tipos de silêncio, os quais podem ser amplamente classificados em confortáveis e
desconfortáveis.

Embora a opinião popular seja de que momentos silenciosos em conversas sempre são
desagradáveis, eu não acho que sejam tão ruins assim. Afinal de contas, quando você percebe
que ambos trabalham juntos para continuar a conversar, isso lhe dá uma sensação boa de
satisfação. Só há nós dois aqui, e faz uma eternidade que estamos nesta carruagem. É natural
que tenha pausas na conversa. O fato de que estamos trabalhando tão duro para evitar isso é
exatamente o que o torna tão recompensador.

Depois de diversas pausas, Rose decidiu acabar com o silêncio.

O sol da tarde já estava quase completamente posto, e sua luz assumia um tom carmesim.

— Suspeito que há coisas acontecendo por trás dos panos com relação àquele incidente na
academia.

— Hmm?

Ela virou-se na direção do pôr do sol distante.


— Aqueles homens de preto, que intitulavam-se Jardim das Sombras, deviam ser de uma
organização diferente daquela que o homem chamado Shadow faz parte.

— O que te faz pensar isso?

— As técnicas de espada deles são completamente diferentes. Todos os homens de preto


estavam lutando com estilos padrões, mas Shadow e as mulheres sob seu comando manejavam
suas espadas de uma maneira diferente. Nunca vi aquelas técnicas antes, então pode ser que
sejam novas.

— Hm.

— Eu contei isso à Ordem dos Cavaleiros de Midgar, mas mesmo insistindo que Shadow e o grupo
de preto estavam se enfrentando, o aviso público da Ordem que fora revelado era que ambos
eram parte da mesma organização. Nenhuma das razões era convincente. Tenho certeza de que
há muito mais escondido.

— Tem certeza de que só não está pensando demais?

— Espero que eu esteja. Se não estiver… se o Reino Midgar tiver o inimigo errado em mente… a
calamidade estará no horizonte. O Reino Oriana começou uma investigação, pois é melhor
prevenir do que remediar.

Concordei com a cabeça.

Rose sorriu suavemente, assentindo de volta.

— Devemos chegar em breve à cidade de repouso. Vou pedir para que preparem um quarto para
você próximo ao meu.

— Nah, nem se estresse. Vou achar um lugar baratinho pra mim sozinho.

— Não mesmo. É perigoso lá. Vou cuidar da taxa, é claro, então não precisa se preocupar com
nada.

— Oh, não, não, não. Eu não poderia fazer algo assim.

— Não precisa ser modesto.

E foi assim que acabei passando uma noite em um quarto top de linha, daqueles que custam
trezentos mil zeni. Fomos jantar em um restaurante chiquê, escolhemos trajes de gala enquanto
passeávamos e, então, participamos em algumas apostas no cassino antes de voltar para a
estalagem. Tudo aquilo era digno de um rei. A cama era macia, e o quarto até mesmo era uma
suíte. Incrível, de verdade.
Melhor ainda, não precisei gastar um zeni sequer. Talvez o tipo supremo de personagem de fundo
é aquele que se aproveita do amigo rico. Acho que há valor a ser encontrado ao ignorar um
pouco a pregação da bíblia.

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Chegamos à Terra Sagrada, Lindwurm, por volta do meio-dia, dois dias depois.

Lindwurm era onde ficava localizada uma igreja enorme, a qual parecia ter sido esculpida direto
na montanha, e a vista da cidade abaixo dela mostrava seus edifícios esbranquiçados. A rua
principal, que percorria toda a cidade, estava repleta de turistas e terminava em uma longa
escadaria que levava direto até a igreja.

Depois de almoçar em um dos estabelecimentos de alta classe, como sempre, visitamos as


barracas da rua enquanto andávamos pela calçada principal.
Enquanto o fazíamos, vi uma pequena bugiganga. Parecia uma correntinha de metal com um
dragão envolto ao redor uma espada, semelhante àqueles que você encontra em locais de
turistas no Japão. Acho que algumas coisas ainda são iguais, até mesmo em mundos diferentes.
O que chamou a minha atenção, no entanto, foi descobrir que não era um dragão envolto ao
redor de uma espada, mas sim um braço esquerdo de aparência tenebrosa, o que me fez pegá-lo.

— Gostou?

— Um pouco. Por que todos têm braços ao redor?

Rose olhou para as minhas mãos.

Com licença, moça, mas está um pouco quente demais para você ficar se debruçando sobre o
meu ombro. O calor não é tão grande a essa altitude e tal, mas ainda estamos no verão, saca?

— É a espada do herói Olivier e o braço esquerdo do demônio Diablos. Dizem que o grande herói
cortou o braço esquerdo de Diablos e o selou nestas terras. Olhe lá. — disse Rose, apontando
para além da escadaria, na direção da igreja no pico. — No topo daquela montanha existem
ruínas chamadas Santuário, e é lá que o braço esquerdo de Diablos está selado. Claro, não passa
de um conto de fadas. — Ela sorriu. — É uma lembrancinha popular entre os homens.

— Até imagino. Com licença, vou querer um desses, pode ser?

Comprei um para dar de presente para Esquel. Admito que três mil zenis me pegou um tanto de
surpresa, mas tive a vergonha na cara de pagar.

Quanto a Bat, ele me deu uma lista de porcarias que queria. Parecia ser um pé no saco, por isso
nem olhei ainda.

Depois de guardar aquele negócio no bolso, voltamos a passear. O agito dos turistas e
vendedores me faziam sentir uma nostalgia.

De repente, Rose puxou a minha mão.

— Parece que Natsume, a autora, está dando autógrafos. Sou a maior fã dela!

Havia uma multidão enorme na nossa frente, e parecia que estavam todos na frente de uma
livraria, mas eu não via placa alguma.

— Se importaria se eu fosse para a fila? Pode levar um tempinho, mas… — Rose olhou para mim
com olhos de cachorro sem dono.

— Sim, pode ir. Vou esperar aqui.


— Oh, obrigada! Não quer vir junto?

— Nah, estou tranquilo.

Rose comprou um dos livros à mostra e entrou na fila.

Sem nada melhor para fazer, peguei um dos livros e o abri.

“Eu sou um dragão”1

Espere, isso aqui é um plágio descarado.

Não. Algum gênio literário deve ter milagrosamente conseguido a mesma sensibilidade estética
neste outro mundo. Me recompus e peguei outro livro.

Romeo e Julietta.

Retiro o que disse. Com certeza foi roubo, e não era o único.

Cinzarella.

Chapeuzinho Carmesim.

Alguns daqueles livros até tinham histórias tiradas de filmes de Hollywood, mangás e animes.
Naquele momento, pensei em algo.

Outra pessoa também devia ter reencarnado ali.

Comprei um livro e entrei na fila para ganhar um autografo dessa tal Natsume.

Só queria saber mais sobre essa autora.

A fila continuava a se mover à medida que eu pensava na minha abordagem e, sem demora, a
autora apareceu à vista. Era um pouco difícil de ver por causa do capuz que cobria sua cabeça,
mas com certeza era uma mulher.

O seu elegante cabelo cor de prata chegava até os ombros, emoldurando seus olhos felinos azuis
e a pinta debaixo deles. Sua blusa estava aberta no busto, deixando a clavícula à mostra.

— O que diabos ela está fazendo?

Era um rosto que eu conhecia muito bem. Massageando minhas têmporas, balancei a cabeça e
tentei sair da fila.
— Com licença, senhor, para onde pensa que vai?

Entretanto, não consegui. Ela deve ter me visto logo antes de a ter reconhecido.

A fila andou e eu acabei de frente para Natsume. A elfa de cabelos lisos e prateados e eu nos
encaramos. Sim, eu conheço bem essa elfa.

Era Beta.

— O livro, por favor. — Ela fingiu não saber quem eu era, então pegou o meu livro com um
sorriso enorme no rosto.

Enquanto eu a via assiná-lo com movimentos precisos e práticos, não pude deixar de perguntar:

— E como vai os negócios? — sussurrei baixinho.


— Podiam estar melhores. Mas estou ganhando uma boa reputação.

Oh, entendi. Temos mais uma aqui.

Ela também está ganhando dinheiro com a minha sabedoria.

No passado, eu costumava a contar histórias do meu mundo original para Beta. Já que parecia
gostar de literatura, achei que ela pudesse usar os contos da Terra como base para bolar enredos
incríveis sozinha, mas nunca imaginei que plagiaria tudo e juntaria uma grana no processo.

Querida Beta, estou decepcionado com você.

Olhei-a de cima, com um olhar frígido enquanto ela me devolvia o livro autografado.

— Sou uma convidada de honra aqui, por isso fui capaz de conseguir acesso a informações
internas. Anotei os detalhes dos planos na dedicatória. — informou ela enquanto eu me
levantava para sair, movendo a boca o mínimo que podia.

Então nos separamos sem mais do que uma troca de olhares. Isso era demais. Parecia que eu
estava em um filme de espião.

Talvez eu tenha sido muito duro com você, querida Beta.

Ao sair da loja, me deparei com Rose estranhamente alegre.

— Eu sabia que você também era um fã da Natsume, Cid.

— Não, eu…
— Entendo. Deve ser difícil conseguir admitir, já que a maioria dos fãs dela são mulheres. Mesmo
assim, ainda que quase todo mundo que tenha vindo para pegar autografo seja mulher, Natsume
ainda tem uma boa porção de homens como fãs.

— Aham… eu acho.

— As histórias são tão atraentes, pois são inventivas! Os enredos também são novos, a nova
visão que eles têm são novidade, e os personagens possuem valores fascinantes e frescos.

Novo, novidade e fresco? Pois é, eu aposto que sim.

— E Natsume é versada em tantos gêneros: romance, mistério, ação, histórias infatis, ficção
literária… É quase como se cada história fosse escrita por uma pessoa diferente. Essa diversidade
foi o que permitiu que essas obras ganhassem o coração de tantos leitores.

É porque elas foram escritas por pessoas diferentes.

— Oh, e veja esse autógrafo. Consegui pedir para que Natsume escrevesse o meu nome. — disse
Rose alegremente enquanto abria o livro. Dentro estava o seu nome e o autógrafo da Fraude,
Natsume.

Agora que paro para pensar, ela disse algo sobre ter escrito os detalhes de algum plano no meu.
Então, abri o livro.

— Essa são… letras antigas? — perguntou Rose, dando uma olhada.

— Pois é, me parece que sim.

E não consigo ler nada disso.

— Consegue ler?

— Pior que não. Tive dificuldade para aprender a como ler textos antigos. Só consigo diferenciar
alguns símbolos, e parece que essa aqui está escrita em um estilo moderno de cursiva, por isso
não tenho certeza se consigo, mesmo se fosse fluente.

— Ooh.

Incrível, é tipo um criptograma. Desisti de tentar aprender a ler o alfabeto antigo, por isso fiquei
bastante fascinado ao ver isso.

— Por que ela escreveu com letras antigas?


— Porque parece da hora.

— Parece?

— Acho que é o tipo de coisa que atrai a atenção dos homens.

Em seguida, fizemos check-in em um hotel de luxo, mas Rose precisava cumprimentar algumas
pessoas importantes ou sei lá, por isso nos separamos.

Ela disse que não podia me apresentar, porque ainda éramos apenas amigos da escola por
enquanto. Não sei o que ela quis dizer com “por enquanto”. Está planejando me converter,
talvez?
Infelizmente para ela, tenho uma politica de não me envolver com religião. Eu só consideraria
isso se fosse para fundar uma.

Sou o tipo de cara que não tem muitas coisas que gosta ou que desgosta… principalmente
porque a maioria dessas coisas não valem o meu tempo.

Não estou dizendo que não tenho preferências. Nenhuma delas é particularmente importante, e
eu com certeza poderia me virar sem elas, mas ainda gosto das coisas que gosto e desgosto das
que desgosto. Mesmo quando tenta fazer essa separação usando da lógica, não pode fazer isso
com suas emoções.

Chamo essas coisas de gostos sem importância e desgostos sem importância.

Por coincidência, um desses gostos sem importância é fontes termais.

Na minha vida anterior, teve um tempo em que eu não tomava banho. Naquela época,
considerava o tempo que levava para tomar um banho um desperdício. Claro, eu tinha a minha
vida de extra inexpressivo a considerar, por isso tomava duchas de três minutos todos os dias,
eliminando todo o tempo na banheira para que pudesse treinar mais.

Isso foi por volta da época em que eu estava rompendo os limites da raça humana, a propósito.
Em outras palavras, tinha que fazer cada minuto valer a pena. Tipo, foi durante o período em que
eu estava planejando pra valer repelir mísseis nucleares com meu soco de direita.

Quando enfim percebi que estava perdendo a cabeça, voltei a tomar banho. O gatilho para isso
foi uma fonte termal. Água quente tranquiliza a alma, o que acabou sendo um efeito direto sobre
o meu treinamento. Essa foi a razão para eu conseguir fazer os exercícios mentais e perceber que
precisava encontrar magia ou auras vibracionais.

Enfim, só estou tentando dizer que estou em uma fonte termal agora.

Lindwurm é famosa pelas suas fontes, motivo pelo qual eu estava secretamente bastante
animado.

Era cedo da manhã. Esse era o meu horário favorito para me banhar em fontes termais. Eu
certamente não recusaria tomar um banho à noite, mas as manhãs são bem melhores. Afinal de
contas, não tem tantas pessoas por perto. Às vezes, até mesmo consigo ficar totalmente sozinho.

Vim hoje na esperança de que isso acontecesse, mas, infelizmente, parece que outra pessoa
também teve a mesma ideia. E, para complicar a situação, era Alexia.

O seu cabelo platinado estava amarrado, e seus olhos vermelhos se arregalaram por um
momento ao verem os meus próprios. Nós dois desviamos o olhar no mesmo instante.

Depois, concordamos tacitamente de não intervir um com o outro e fingir que o outro não existe.
A fonte termal era designada para a nobreza, o que significa que poucas pessoas a usavam, ainda
mais de manhã cedo. Por isso todos os divisores foram retirados, tornando este um banho misto,
deixando o lugar espaçoso. Tudo abaixo do nível dos olhos estava coberto por vapor, e o sol
estava começando a nascer. Teria sido perfeito se eu estivesse sozinho. Me banhava na água e na
luz do sol da manhã.

Alexia e eu estávamos em extremidades opostas do banho a céu aberto com a melhor vista,
observando o sol nascer com um silêncio desconfortável.

De soslaio, vi a pele branca de Alexia se mover. Ondulações se espalharam pela superfície da


água.

Droga, pensei, acho que terei que acelerar esse banho. Justo quando o pensamento passou pela
minha mente, Alexia quebrou o silêncio.

— Todos os seus ferimentos já estão curados?

A sua voz foi baixa, mesmo para os seus padrões.

— Pois é, estou bem melhor. — respondi, me perguntando sobre o que ela estava falando.

— Eu acabei pegando pesado quando te cortei. Fico feliz que tenha sobrevivido.

— Valeu, eu acho.

Ah, aqueles ferimentos.

Passei tanto tempo perto dela que posso dizer que essa é a sua tentativa de pedir desculpas. No
começo, eu duvidava que alguém tivesse a ensinado o que era um pedido de desculpas, mas
acho que essa é a sua versão.
— Já que estamos nos desculpando, sinto muito por ter suspeitado que você era uma assassina
em série.
Água quente se chocou contra o meu rosto.

— É claro que não sou.

— Pois é, né? Mas, então, o que está fazendo em Lindwurm?

— Sou uma convidada para o Desafio da Deusa. E você?

— Uma amiga falou que algo animado estava rolando aqui. Minha suposição é que ela esteja
participando do Desafio da Deusa. Você sabe o que é isso?

Pude ouvir Alexia suspirar.

— Você veio para cá sem saber? O Desafio da Deusa é uma batalha que ocorre uma vez a cada
ano, quando a porta do Santuário se abre. Memórias de guerreiros antigos despertam, e
desafiantes vêm para lutar contra elas. Qualquer cavaleiro negro que se inscreve antes pode
participar, mas não há garantia de que um guerreiro antigo irá responder ao chamado. Várias
centenas de cavaleiros negros entram todos os anos, mas apenas uns dez acabam conseguindo
lutar.

Parece interessante. Aposto que Alpha está planejando participar.

— Como são selecionados?

— Supostamente, é baseado se é há um guerreiro apropriado para o desafiador. Na maioria das


vezes, o guerreiro é um pouco mais forte que o desafiante, por isso é chamado de Desafio da
Deusa. Dez anos atrás, todos estavam comentando sobre como Venom, o Espadachim Errante,
conseguiu invocar o grande herói Olivier.

— Ooh, ele ganhou?

— Perdeu, pelo que fiquei sabendo. Bem, eu não vi, então quem sabe? Também não posso ter
certeza se era realmente Olivier ou não.

— Hm.

Alpha seria capaz de invocar um herói lendário? Se conseguisse, aposto que seria maneiro.

— Você não vai participar? — perguntei. — Estão falando que você ficou mais forte.

— Não posso. Estou ocupada demais esse ano. Há alguns rumores ruins por aí sobre o arcebispo
local, então eu deveria investigá-lo.
— Rumores ruins?

— Não vou dizer novamente. Se quiser saber, junte-se à Ordem Carmesim.

— Não, valeu.

— Quando você se formar, ordenarei que se junte.

— Não, valeu.

— Irei submeter a inscrição por você.

— Não faça isso, por favor.

— Você é tão teimoso.

Neste momento, a conversa foi interrompida.

Ficamos sentados em silêncio por mais um tempo. Desta vez, não era mais tão desagradável
como antes.

Então, vi de soslaio Alexia se mover. Suas pernas longas flutuavam na superfície, formando ainda
mais ondulações na água morna.

— Eu esperava que você estivesse babando em cima de mim, mas suponho que estava enganada.

Ela não mencionou para o que imaginou que eu estaria olhando.

— Alguém aqui parece confiante.

— Quando se é tão linda como eu, é um incômodo ter que aturar os olhares ferozes.

Palavras grandes vindas de alguém que estava pelada.

— Tento evitar de olhar para outras pessoas quando estou nas fontes termais. Desta forma, nós
todos podemos compartilhar o banho em paz.

— Que admirável.

— E, sendo assim, poderia fazer o favor de parar de espiar a minha Excalibur?

— Pfft. — Alexia riu. Era como se estivesse tirando sarro de mim. — Excalibur, hein? Você tem
certeza que não quis dizer Minhoquinha?
— Se é isso o que pensa, não é problema meu. Minhoca, Excalibur, para mim tanto faz, mas
deixe-me lhe dar um aviso.

Me levantei, fazendo ondas na fonte.

— Você não devia julgar as coisas se baseando nas aparências. Às vezes, uma minhoca só não
saiu da bainha ainda.

E, com minhas partes à mostra ao mundo, me virei e saí da água.

— O… O que quer dizer…? — gritou Alexia. Suas bochechas estavam com uma tonalidade rosada.

— Quando a lâmina sagrada é retirada da bainha, sua lâmina de marfim será libertada, enviando-
a a uma jornada em direção ao Jardim do Caos…

Com essa frase sugestiva, dei uma forte batida com a toalha, fazendo-a ir por entre minhas
pernas até bater contra a minha bunda, emitindo um som alto.

Velhotes faziam isso toda vez ao saírem do banho, e eu não me cansava de fazer o mesmo. Não
havia necessidade nem motivo para tal, mas a experiencia nas fontes terminas não parecia
completa sem que fosse feito. Depois da terceira batida, fui para a sala de troca.

Quando terminei de me trocar, pude ouvir o som de estouro vindo da fonte termal.

A luz quente da lamparina que iluminava a catedral majestosa a fazia parecer mais etérea.

Apenas uma pessoa estava lá dentro: uma belíssima elfa loira. Ela usava um vestido negro, e seus
olhos azuis estavam fixados na estátua do grande herói Olivier.

Ela poderia ser a luz que brilhava radiantemente contra a escuridão da noite. Seu nome era
Alpha.

— Tudo o que queremos saber é a verdade. — orava ela, quase como se falasse com a estátua. —
Grande herói, o que fez no Santuário? Toda vez que removemos uma camada da nossa história
sombria, nos deparamos cada vez mais com verdades e mentiras entrelaçadas.

Seus saltos altos estalaram quando começou a andar, ressoando pela catedral enquanto
caminhava sobre o piso de mármore, indo em direção à massa vermelha lá atirada.

— Arcebispo Drake, o que estava escondendo? Uma pena não poder falar. Eu gostaria muito de
ter uma resposta.

A massa vermelha era composta de sangue e pedaços de carne. O homem corpulento estava em
seu último suspiro após ter sido destroçado.
Os saltos altos pararam sobre a poça de sangue. Pernas brancas se estendiam do vestido dela,
que ia até o joelho.

— Quem o matou? Quem é que poderia facilmente se livrar de um homem do seu status?

Os olhos do arcebispo que morria estavam preenchidos pela luz sublime da sepultura. Rumores
sombrios sobre ele chegaram até a capital real, e era provável que fosse investigado num futuro
próximo. Antes que isso pudesse acontecer, entretanto, se livraram dele.

— Amanhã, esperaremos pela abertura da porta do Santuário.

Depois de olhar uma vez mais para a estátua de Olivier, Alpha virou-se.

Do outro lado das portas da catedral, as vozes de pessoas procurando pelo arcebispo se
aproximavam.

Não se preocupando com elas, Alpha abriu aquelas mesmas portas e saiu.

À medida que o som dos saltos sumiu na distância, sendo substituído pelo som dos paládios da
Igreja entrando na catedral.

Embora tenham encontrado o corpo do arcebispo deles, ninguém falou nada sobre a elfa loira.
Sequer perceberam que ela tinha passado por eles…
… mas as marcas de sangue do salto agulha continuavam no corredor de mármore.

Era a noite antes do grande evento, e eu observava Lindwurm do topo da sua torre do relógio.

O Desafio da Deusa era amanhã, e todo mundo estava agitado. Barracas tomavam conta da rua
principal, e luzes ao longo da rua a faziam parecer um rio autêntico.

Rose estava em uma festa da igreja, para qual não fui convidado, mas também não era como se
eu quisesse ir.

Sorri, enquanto meu cabelo dançava com o vento noturno.

Devo dizer que estou amando essa série de acontecimentos em que posso olhar as pessoas e
lugares de cima de um lugar alto. O fato de estar de noite e ter um evento rolando lá embaixo
deixa tudo ainda melhor.

— Começou… — murmurei, dando um impulso no ânimo. — Então… eles tomaram uma


decisão…

Estreitei os olhos.
— Portanto, farei minha parte para enfrentá-los.

Rapidamente, transformei-me em Shadow.

— Pois esta é uma decisão que não posso tolerar…

Com isso, saltei em direção ao céu noturno. Meu manto cor de obsidiana esvoaça atrás de mim
antes de eu fazer meu pouso.

Meu destino era um beco isolado das celebrações. Um homem mascarado estava diante de mim.

Ele parecia suspeito, por isso fiquei de olho nele desde o momento em que saiu correndo de
dentro da igreja. Provavelmente era um ladrão ou algo do tipo.

Não, espere, eu sinto cheiro de sangue nele.

Um assaltante, talvez?

— Você realmente achou que poderia escapar…? — perguntei.

O homem mascarado deu um passo para trás.

— À noite, o mundo escurece, transformando-se em nosso domínio…

Ele desembainhou a espada.

— … e ninguém pode escapar.

O homem assumiu uma postura com a espada em mãos.

Deixei minha katana fora da bainha, esperando pelo momento.

Então, aquilo aconteceu. Assim que o homem mascarado tentou mover sua lâmina, sua cabeça
voou alto.

Observei em silêncio enquanto esperava a mulher atrás do cadáver se aproximar.

— Já faz um bom tempo, meu lorde.

A mulher ajoelhada diante de mim era Epsilon, quinto membro das Sete Sombras.

Ela descobriu o rosto que escondia com o traje, então olhou para mim. Era uma elfa com cabelo
na cor de um lago claro, e seus olhos eram um pouco mais escuros.
A beleza vinha de várias maneiras, e a dela era chamativa. Sua aparência era acentuada pelas
suas características faciais bem definidas, e sua silhueta também era exagerada. O corpo dela
balançava com cada passo que dava. O suficiente para chamar a atenção de qualquer um, fosse
homem ou mulher, estando interessados ou não. Mas eu conheço o seu segredo.

— Um corte limpo. Bom trabalho.

— Estou honrada. — As bochechas de Epsilon ficaram um pouco vermelhas enquanto ela sorria.
Seu tom decidido podia a fazer parecer arrogante para alguns, mas eu não achava que soava
ruim. Me lembrava um piano.

Dentre todos os membros das Sete Sombras, ela era a melhor em controlar magia com precisão.
Magia pode ser extremamente difícil de controlar assim que sai do corpo, mas ela não tem
problema algum em atacar de longe.

O seu apelido era Epsilon, a Fiel.

Tinha um orgulho imenso e uma personalidade intensa, mas mostrava maturidade perto de mim.
Embora pudesse ser rápida para entender errado as coisas, costumava preparar chá para mim. É
uma menina gentil e segue obedientemente as ordens de Alpha. Sei que ela é do tipo que
respeita a hierarquia.

Para ser honesto, faz um bom tempo desde a última vez que a vi e tenho muita coisa para
perguntar. Pelo seu comportamento, entretanto, posso ver que está no seu modo Jardim das
Sombras.

Bem, isso também pode funcionar. Neste caso, é melhor eu responder da mesma maneira.

— Como está indo o plano?

Epsilon fez uma leve carranca. Aposto que está desesperadamente pensando em um enredo
adequado para a nossa brincadeira de faz-de-conta.

— O Carrasco do Culto eliminou o nosso alvo. Lidamos com os capangas, mas o Carrasco em
questão desapareceu.

— Entendo…

Então é um Carrasco, hein? Gostei.

— Estamos mudando de estratégia.

Oh, então é um daqueles enredos em que o plano A dá errado e colocamos nossas apostas no
plano B.

— Muito bem. Mas você sabe o que isso significa…

— Estamos prontas. Nos preparamos para ser inimigos da Igreja e para que a nossa reputação
seja arrastada pela lama…

— Agirei sozinho agora. Não falhe comigo…

— Sim, senhor.
Lancei um olhar de soslaio para Epsilon enquanto ela se curvava, então saí do palco ao esconder
a minha presença e deslizar para a escuridão.

A Eminência nas Sombras – Vol. 02 – Cap. 01 – Momentos Divertidos no Desafio da Deusa!

Que desagradável, Alexia murmurou silenciosamente para si mesma.

Ela estava sentada em um dos assentos para os convidados especiais, esperando pelo início da
cerimônia de abertura do Desafio da Deusa. Os assentos em questão eram ocupados por
Natsume, Alexia e Rose. Havia muitos outros convidados logo atrás, mas elas eram a atração
principal. Era dolorosamente óbvio que estavam sendo usadas como garotas propaganda para
atrair a plateia, mas ela podia fazer vista grossa para isso.

Havia duas coisas que achava desagradáveis.

A primeira era Nelson. O arcebispo representante estava ocupado enquanto cumprimentava a


todos pomposamente no centro da arena. Quando conversou com ele antes sobre o assassinato
do arcebispo no dia anterior, ele recusou-se com teimosia a deixar que investigasse o assunto.

Tudo começou quando Nelson falou algumas bobagens sobre a inspeção ter sido cancelada, pois
o assunto já tinha morrido. Alexia tinha respondido ao idiota que aquilo tornava a investigação
ainda mais necessária, embora, obviamente, tenha usado de uma linguagem mais diplomática.
Nelson insistiu que ela precisava fazer com que o seu pedido fosse aprovado de novo se quisesse
conduzir uma inspeção.

Mesmo que apressasse, levaria três dias para voltar à capital, uma semana, no mínimo, para
conseguir aprovação e mais três dias para voltar a Lindwurm. Quem sabe quanto tempo levaria
para que Nelson aceitasse sua permissão quando enfim trouxesse a ele? Dependendo do humor
dele, poderia acabar facilmente fazendo com que ela esperasse mais uma semana. Nem
precisava dizer que, depois de todo o tempo que passou, provas cruciais poderiam estar perdidas
para todo o sempre.

Dito isso, Alexia sabia que estava agindo como uma representante do seu país, por isso não
poderia forçar demais. Os Ensinamentos Sagrados não eram praticados apenas no Reino Midgar,
mas em todas as nações próximas também. Se tentasse pressionar o assunto, era capaz de
receber represália dos países vizinhos, sem contar a perda de apoio da população. Religião era
uma aliada útil, mas, como inimiga, era um incômodo absoluto.

Ela olhou para o Arcebispo Representante Nelson enquanto ele jovialmente continuava dando
seu discurso. Pelo menos lamente um pouco, careca, murmurou baixinho para si mesma. A morte
do arcebispo não foi reportada ao público, mas ainda assim… Oh, a propósito, Nelson era careca.

Alexia suspirou, então olhou de soslaio para a mulher, chamada Natsume ou algo assim, sentada
ao seu lado.

Natsume é a outra coisa que a incomodava.

Ela estava sentada de maneira educada ao seu lado, respondendo aos aplausos da multidão com
um grande sorriso. Seu elegante cabelo prateado emoldurava seus olhos felinos azuis e pinta ao
lado deles, e suas características serviam para aumentar seu carisma.

Graças ao sorriso de pérola e aceno majestoso, aparência adorável e conduta graciosa, ela acaba
sendo freneticamente popular.

Quanto mais Alexia olhava para ela, mais tinha certeza de que havia algo de estranho.

Talvez Natsume fosse o tipo de autora genial que só aparece uma vez a cada milênio, ou talvez
não, mas o fato é que Alexia não ouviu muito sobre ela antes daquele dia. Verdade, ela nunca
teve interesse algum em literatura, mas, como princesa, colocou um pouco de esforço para saber
quem era quem. Em outras palavras, Natsume devia ter ascendido à proeminência
recentemente.

Uma novata tem uma presença tão grande, se porta tão bem e é popular assim? Isso é estranho.

Ela não estava com ciúmes! Se fosse algo, seria o tipo de ódio que surge por serem muito
parecidas.

Alexia sabia como se portar de maneira impecável diante do público. Ela vivia sua vida
reprimindo seu verdadeiro eu e fazendo papel de uma princesa perfeita. A maioria das pessoas
em posições de poder atuam, de certa forma, mas é difícil se encontrar com alguém disposto a se
sacrificar para executar isso na perfeição. É uma aposta segura dizer que, quanto mais o ator
sacrifica para executar uma apresentação suprema, mais sombrio era o seu outro lado.

— Obrigada a todos. — disse Natsume para a multidão, o que fez Alexia estalar a língua.

Ela achava aquela voz suave e tranquila de Natsume irritante. Seu peito exposto estava friamente
calculado enquanto se inclinava para mostrar o decote… Bem, você não é a mais fofa?
Enquanto falava mal de Natsume internamente, acenava para a multidão, com um sorriso
imutável.

Entretanto, ficou claro que a reação da multidão foi melhor com Natsume. Por um momento, a
bochecha de Alexia se contorceu, e ela cruzou os braços. Enquanto usava eles para erguer mais
os peitos, inclinou-se para frente, mas apenas um pouco.

Os gritos da multidão aumentaram um pouquinho mais.

Ênfase no pouquinho mais.

B-Bem, meu decote não é tão baixo, então não é minha culpa, assegurou-se em silêncio
enquanto voltava ao seu assento.

Ela lançou um olhar fugaz para a sua direita, onde Rose sorria alegremente, passando a manhã
toda assim.

Depois, por precaução, a princesa olhou para a esquerda.

Naquele instante, viu algo: os cantos dos lábios de Natsume ergueram-se em um sorriso
desdenhoso.

Algo dentro de Alexia quebrou.

Que desagradável, Beta murmurou baixinho para si mesma enquanto desempenhava o papel de
Natsume, a escritora.

Há apenas uma coisa que ela achava incômoda, a qual estava sentada à sua direita: Alexia
Midgar. Ela era o verme que usou da sua posição como princesa e amiga para se aproximar do
amado mestre de Beta.

Tudo é estranho sobre essa mulher, agindo como uma princesa modelo ao bajular a multidão
com sua voz doentiamente suave e insinuante e acenando para eles com aquele sorriso
duvidoso. Quando se trata de mulheres que fingem ser perfeitas por hábito, era uma aposta
segura dizer que elas tinham um lado sombrio.

Não havia dúvidas na mente de Beta que o seu mestre jamais se apaixonaria por uma prostituta
como essa, mas ainda podia haver uma chance em um milhão.

E, mesmo que isso não acabasse sendo um problema, a mulher ainda era um incômodo, cuja a
presença era a mais indesejada nas páginas de As Crônicas do Mestre Shadow de Beta.

Quando ela ficou sabendo que Shadow salvou aquela mulher durante O Caso da Princesa
Sequestrada, seu sangue ferveu. Isso a encheu de raiva por não ter sido ela que… é, espere, hã…
pelo fato de todo o problema que a garota causou ao seu mestre. Certo. Não foi ciúmes,
obviamente!

A fim de conter sua fúria, Beta reescreveu aquela passagem, substituindo o papel da vítima salva
por Shadow por uma adorável elfa de cabelo prateado e olhos azuis que tinha uma pinta. Ela
ficou até tarde da noite lendo e relendo a mesma parte várias vezes.

Mas, agora, a vagabunda estava ameaçando se enfiar em As Crônicas do Mestre Shadow


novamente. Beta era mais poderosa, bonita e devotada ao seu mestre, então por que aquela
mulher achava que podia ir se enfiando? I-Isso era ridículo!

Enquanto Beta, internamente, cuspia ácido sobre a princesa vulgar, ela respondia aos gritos da
multidão no modo automático.

Quando deu uma olhada para o lado, viu, dentre todas as coisas, que a princesa safada estava
tentando erguer o peito fajuto para agradar as massas.

Doentio.

E, além disso, aquelas coisas não chegavam nem perto dos dela em questão de volume. Estavam
apenas na média.

Completamente satisfeita por ter saído vitoriosa mais uma vez, Beta olhou para seu decote farto
e deu uma leve bufada.
Oops. Alexia ouviu aquilo?

Virou-se e fez-se de inocente, e foi exatamente nesse momento em que uma dor aguda
percorreu o seu pé direito.

— Ah…? — Ela abafou o grito e olhou para baixo, então viu o salto de Alexia sobre seu pé.

Enquanto tentava manter-se calma, dirigiu-se a ela com tranquilidade:

— Com licença, Princesa Alexia, por gentileza, poderia mover o seu pé?

Alexia a encarava à medida que retirava o salto, fingindo ter acabado de perceber o que fizera.
Então, sem ao menos pedir desculpas, teve a coragem de dar uma risadinha.

Seu pedaço de merdaaaaa!!

Beta estava prestes a gritar em voz alta, mas, devido à sua devoção para com seu mestre e
lealdade ao Jardim das Sombras, conseguiu controlar-se.
Mas foi por pouco.

Uma gota de sangue escorreu dos lábios dela.

Rose continuava a sorrir alegremente.

Eu observava sem muito interesse o Desafio da Deusa a partir da arquibancada.

Estava cedo ainda, então as coisas recém tinham começado. Eles ainda estavam dando discursos,
apresentando os convidados e marchando em uma parada. O evento principal, o verdadeiro
Desafio, não iria começar até o pôr do sol.

No momento, eu estava no meio da plateia, como só mais um rosto na multidão. Dei um suspiro
ao olhar para as três garotas se dando bem na área dos convidados.

Quero fazer alguma coisa.


De preferência algo digno de um agente das sombras. Rebaixar-me ao papel de um espectador
normal durante um evento incrível estava me matando.

Tipo, eu deveria estar participando daquele enredo padrão, no qual eu entraria no Desafio com a
minha identidade secreta ou algo do tipo. Sabe, aquele negócio em que eu faço uma grande
demonstração dos meus poderes e a galera fica: quem é aquele cara?!

Se isso aqui fosse um torneio, seria adorável. Mas, infelizmente, todo mundo só tem uma rodada,
e, depois de algumas pesquisas, descobri que é difícil se sair bem enquanto mantenho minha
identidade escondida. Considerei entrar à força, mas acho que é melhor deixar isso para algo
mais importante.

Enquanto lutava com ideias inúteis sem parar, o evento continuou.

Às vezes é assim mesmo que funciona. Não consegui pensar em um plano decente ontem, e não
era como se estivesse esperando alguma ideia brilhante surgir de repente. E, embora pareça que
eu estou desistindo, ainda serei capaz de aproveitar na maneira normie. Faltam eventos grandes
neste mundo, por isso me vi tendo momentos de folga surpreendentemente bons. Até mesmo
consegui ganhar uns trocados apostando.

No fim, o sol fez o seu caminho até se pôr, e a atração principal começou. Uma luz brilhante
preencheu o local, e as letras antigas subiram do chão na arena.

Em seguida, elas criaram um domo de luz branca, o que fez a multidão ir à loucura.

Quando o desafiante entrasse naquele domo, o Santuário escolheria um oponente apropriado,


então a batalha começaria. É isso. Ninguém ao redor é capaz de interferir até que um dos lados
esteja incapaz de continuar. Pelo que fiquei sabendo, até já teve gente que morreu.
O lance todo de ser forçado a lutar até que um lado não consiga mais faz com que eu reavalie os
méritos de fazer o papel de um personagem de fundo neste evento. Há um risco real de a minha
força ser descoberta caso eu entre.

Enquanto isso, o primeiro desafiante entra no domo após as instruções. Ele é um cara fortão da
Ordem dos Cavaleiros.

Mas o domo não responde.

O homem xinga e deixa a arena.

Não se pode culpar esse cara: a taxa de entrada é de cem mil zeni, afinal. E, ao que tudo indica,
tem mais de cento e cinquenta participantes este ano.
Faz sentido, de certa forma. Passar pelo Desafio da Deusa é, supostamente, uma grande honra. É
recebida uma medalha comemorativa, e eu fiquei sabendo que todos vão naquela de “você
passou pelo Desafio da Deusa? Uou! Aqui, fique com esse emprego!” para o vitorioso.

À medida que vejo os desafiantes irem um por um, pego-me pensando sobre quanto tempo vai
levar até a vez da Alpha.

O primeiro guerreiro antigo que apareceu para lutar foi para o desafiante sortudo número
quatorze.

Annerose é uma viajante de Velgalta, um país que valoriza a esgrima, e, quando entrou no domo,
uma inscrição antiga reagiu e começou a brilhar. A luz tomou uma forma humanoide, um
guerreiro translúcido. De acordo com os comentaristas, ele era Borg, um guerreiro dos tempos
antigos.

Os dois tiveram uma batalha bastante normal, e Annerose também conseguiu uma vitória
bastante normal. Eu estava animado para ver do que os guerreiros antigos eram capazes, mas
fiquei decepcionado com o quão mundano acabou sendo a luta. Dedos cruzados para que os
próximos sejam mais fortes.

E, enquanto o evento continuava, me caiu a ficha de que eu estava enganado. Annerose era forte.
Oito guerreiros tinham sido invocados até o momento, mas ela foi a única desafiante que venceu
até agora. Quando parei para pensar, percebi que Borg deve ter sido casca grossa também.

A noite chegou, e o grupo de desafiantes que restavam tinha diminuído para apenas alguns.

Quando senti que o evento estava prestes a chegar à sua conclusão, ouvi o nome do próximo
desafiante sendo chamado.

— Nosso próximo desafiante é da Academia Midgar para Cavaleiros Negros: Cid Kagenou!
Cid Kagenou? Quem é esse? Espera… sou eu!

Com certeza sou Cid Kagenou, da Academia Midgar para Cavaleiros Negros, mas… eu não lembro
mesmo de ter me registrado.

— Vamos dar as boas-vindas ao nosso bravo desafiante!

Não! Parem! Tempo!


Uma onda de aplausos caiu sobre mim. Alguém até mesmo assobiou, e gritos eufóricos tomaram
conta do estádio.

Não estou gostando da vibe aqui. Minhas bochechas se contorciam enquanto eu pensava.

Dada a situação, tenho três opções:

Opção um: posso desistir e ir lá para lutar. Se nada acontecer, minha posição como um ninguém
estará segura, mas, caso um guerreiro super poderoso apareça, corro risco de ter os meus
poderes descobertos.

Opção dois: posso dar no pé. Sou apenas um zé-ninguém da Academia para Cavaleiros Negros,
afinal. Ninguém sabe como eu me pareço, então será moleza. Infelizmente, eu estaria irritando a
Igreja. E se eles reclamarem com a minha escola, posso acabar sendo expulso.

Opção três: posso fazer a merda rolar solta. Parece que essa é a minha única opção.

Apaguei a minha presença, correndo a toda velocidade para encontrar um lugar para me
esconder. Quando tive certeza de que estava sozinho, transformei-me em Shadow e saltei.

Sou um crente fervoroso da filosofia de que não há problema algum que não possa ser resolvido
com uma explosão.

E, sendo assim…

Início da Operação: Um Fodão Misterioso Faz a Merda Rolar Solta!

Quando pisei sobre a plataforma do domo, meu manto longo flutuou atrás de mim.

— Meu nome é Shadow. Espreito-me na escuridão e caço as sombras…

A multidão se agitou.

— Memórias antigas estão adormecidas dentro do Santuário…


As escrituras antigas reagiram e começaram a tomar a forma humanoide.

— E, hoje à noite, as libertaremos…

Puxei minha katana negra e cortei o céu noturno.


Do assento dos convidados, a boca de Beta estava bem aberta!

— Shadow!!

— Shadow?!

— Mest—?!

Ao perceber que estava prestes a chamá-lo de Mestre Shadow, Beta parou no meio da frase na
mesma hora.

Felizmente para ela, todo mundo na cabine dos convidados tinha os olhos grudados em Shadow,
por isso não a ouviram. Alexia, Rose e até mesmo o Arcebispo Representante Nelson estavam
visivelmente abalados pela aparição do intruso repentino.

Quando fechou a boca arreganhada, começou a pensar. Isso não fazia parte do plano.

Ao mesmo tempo, entretanto, percebeu algo. Sabia que o seu amado mestre jamais tomaria
essas medidas sem um bom motivo. Devia haver alguma razão para suas ações, e era o seu
trabalho como apoio descobrir qual era.

Algum tempo depois, Beta ficou calma e reservada novamente.

O que ela deveria fazer?

Qual era a melhor atitude a tomar?

— Entendo, então é o Shadow. — murmurou Nelson. — Não sei o que ele está tentando fazer,
mas os paladinos da Igreja estão todos estacionados ao redor da arena. Você se superestimou,
tolo. Não deixaremos que fuja.

Nelson deu sua ordem para que os paladinos se reunissem.

Eles eram cavaleiros selecionados desde o batismo para proteger a Igreja. Cavaleiros comuns
nem podiam se comparar em força. Quando ela era criança, sofreu para conseguir derrotar um
enquanto salvava um “Compatível”. Hoje em dia, é claro, não deixaria que algo tão impróprio
acontecesse.

— Por que Shadow está aqui…? — murmurou Alexia.


— Ele está bem? Espero que não tenha sido pego no meio disso tudo… — disse Rose. Mantendo
um olho em Shadow, ela vasculhava sem parar a área.

De repente, a arena se iluminou de branco.

As letras antigas brilharam, então tomaram a forma de um guerreiro.

Beta juntou as descrições minuciosas marcadas nas letras antigas e leu em voz alta:

— Aurora, a Bruxa da Calamidade…

— Aurora? Impossível…

As vozes de Beta e Nelson se sobrepuseram.

Quando a luz se desfez, uma mulher surgiu no lugar. Seu cabelo era longo e preto, e seus olhos
tinham uma coloração vívida de violeta. Ela usava um manto preto e fino, e seu vestido roxo-
escuro e pele clara eram quase translúcidos. Havia uma beleza artística nela, como se fosse uma
escultura que veio à vida.

— Aurora? Quem é essa? — Alexia perguntou a Nelson, ignorando Beta de propósito.

— Ela é a Bruxa da Calamidade. Há muito tempo, causou caos e destruição ao nosso mundo.

— A Bruxa da Calamidade… Nunca ouvi falar dela.

— Nem eu. Senhorita Natsume, acredito que você tenha, correto? — perguntou Rose.

— Sim, mas não muito mais do que o nome. — respondeu Beta.

O que era verdade.

Aurora, a Bruxa da Calamidade. Toda vez que Beta descobria mais sobre a história antiga, o nome
de Aurora aparecia. Mesmo assim, ela não tinha ideia de que tipo de caos Aurora semeou, nem a
destruição que causou. O Jardim das Sombras estava dedicando os maiores esforços na pesquisa
sobre a história dela, depois dos mistérios que cercavam Diablos.

E, agora, ela estava ali pessoalmente. Essa era uma descoberta avassaladora. Beta puxou seu
caderno de anotações do espaço em seu decote e desenhou um esboço rápido de Aurora. Então
desenhou Shadow prestes a enfrentá-la. Ela usou um tempo consideravelmente maior neste
último.

— Reunindo ideias para seus romances? — comentou Rose.


— … Algo assim.

Depois de escrever “Mestre Shadow estava sublime como sempre”, fechou o bloco de notas.

— Se não se importar, poderia me falar um pouco mais sobre a Aurora? — perguntou ela,
sedutoramente.

Nelson se encheu de orgulho.

— Não posso culpar vocês duas pela ignorância. Na verdade, estou mais surpreso pelo fato de a
Senhorita Natsume ter ouvido falar sobre ela. Apenas um pequeno grupo de pessoas sabe sobre
a Aurora, até mesmo dentro da Igreja. — disse ele, com um sorriso. O seu olhar não deixou de
espiar o decote de Beta em momento algum. — Ainda assim, acho que não precisaremos dos
paladinos. A sorte de Shadow parece ter esgotado.

— Aurora é tão forte assim? — perguntou Rose.

— Ela é a mulher mais poderosa da história. Poderia esmagar alguém como ele com uma mão
amarrada atrás das costas. Infelizmente, isso é o máximo que posso contar.

Nelson ficou em silêncio, como se dissesse vejam por si mesmas.

Beta ficou indignada, pois não havia dúvidas em sua mente de que o seu lorde iria sair vitorioso,
mas não queria dizer que estava completamente livre de preocupações.

Aurora, a Bruxa da Calamidade, era resiliente o suficiente para fazer o seu nome ficar marcado
nos anais da história. Se a batalha contra esse inimigo cansasse o seu mestre, os paladinos
poderiam se aproveitar desta oportunidade e…

É impensável…, mas não impossível.

Além disso, tempo o suficiente passou para que Beta tivesse uma ideia sobre o plano de Shadow.
Ele mencionou algo sobre libertar as memórias adormecidas do Santuário, então invocou Aurora.
Devia haver algum mérito ao fazer isso.

Se o seu mestre julgava que Aurora era a chave disso tudo, Beta pretendia seguir a sua liderança.

Ela tocou gentilmente a pinta na bochecha. Este era o sinal que indicava uma mudança de planos.
Espreitando-se em algum lugar na área, Epsilon provavelmente percebeu o sinal. Mesmo que não
tivesse, Beta tinha confiança de que Epsilon agiria de maneira apropriada.

— Está prestes a começar.


Avisada por Nelson, Beta virou o olhar em direção à arena. Lá em cima, viu Shadow com sua
katana negra e Aurora de braços cruzados e sorriso tranquilo. Isso a fazia parecer tão viva e linda,
sendo difícil acreditar que era composta por apenas memórias distantes.

— Acho difícil acreditar que Shadow cairá com facilidade… — sussurrou Alexia. A sua expressão
estava séria, e ela observava Shadow com atenção.

Beta viu-se um tanto impressionada. Alexia não era tão cega assim, pelo menos.

O ar no estádio ficou tenso. O silêncio era sufocante.

Shadow. Aurora. Eles continuavam parados, encarando-se.

Talvez o momento fosse crítico para eles. Talvez estivessem tentando entender um ao outro
antes.

No fim, com um ar de relutância aparente, a batalha começou.

Não me sentia dessa forma há muito tempo.

Enquanto estava diante de uma mulher de olhos violeta, cerrei os dentes por trás da máscara.

Ela também estava sorrindo.

Não havia dúvidas na minha mente que ela sentia a mesma coisa que eu.

Na minha opinião, cada batalha é uma conversa.

Um tremor na ponta da espada, uma mudança de olhar, a posição dos pés… Havia sentido a ser
encontrado em todas essas coisas minuciosas, e buscar esses sentidos e descobrir qual é a
melhor maneira de lidar com eles é do que se trata a luta.

Não é exagero dizer que os mais habilidosos em combate têm o poder de perceber o propósito
nas menores ações e preparar uma resposta superior.

É por isso que considero uma conversa.

Com habilidades de comunicação mais fortes, você pode antecipar muito mais à frente,
permitindo que responda de maneira apropriada, o que eles podem supor antes que você possa
dar sequência e reagir, e assim por diante, em uma troca sem fim.

Por outro lado, se suas habilidades de conversa são fracas, ou se a diferença entre você e o outro
cara são grandes demais, não será capaz de conseguir que um diálogo se inicie.
Um lado, ou, às vezes, os dois, irá agir por impulso até que a luta acabe.

Isso não é conversa, nem mesmo um processo, apenas um resultado. Na minha opinião, se
planeja ter uma discussão, pode também ir em frente e decidir a sua luta em um belo jogo de
pedra, papel e tesoura. Delta, estou falando de você aqui. As regras dela fazem com que a pedra
dê uma surra ferrada no papel e na tesoura.

Dito isto, dificilmente estou em posição de falar alguma coisa. Faz muito tempo que tive algo que
se parecesse com uma conversa.

Diferentemente de Delta, entretanto, eu, pelo menos, tento me comunicar… O problema é que
sempre termina comigo jogando pedra e esmagando o rosto deles.

É por isso que essa mulher está me deixando mais animado do que já estive há muito tempo. Ela
me observa. A ponta da minha espada, meu olhar, meu jogo de pés… Enquanto finge sorrir
despreocupadamente, observa cada movimento sútil que eu faço.

Acho que a chamarei de Violet. Minha querida e amada Violet.

Durante os primeiros momentos, nossa conversa consistiu em apenas observar um ao outro.

Pouco a pouco, aprendíamos. Ela é do tipo que gosta de manter sua distância, e eu, a princípio,
sou do tipo que gosta de acompanhar o ritmo do meu oponente. Com toda certeza não sou
daqueles que gostam de esmagar o oponente com a pedra.

E, por causa disso, comecei a nossa conversa ao ceder a iniciativa.

Depois de você, impliquei.

No instante seguinte, saltei para trás com o impulso da perna que estava mais à frente.

Quando o fiz, algo parecido com uma lança vermelha irrompeu do chão onde meu pé estava.

Recuei meio passo e, devo dizer, não esperava que o primeiro ataque dela viria do chão.

A lança vermelha dividiu-se em duas, disparando na minha direção de ambos os lados.

O primeiro passo era observar.

Quero julgar a velocidade, mobilidade e capacidade destrutiva.

Por estes motivos, esquivei-me da lança na minha esquerda, então bloqueei a da direita com
minha katana. O impacto foi forte, o suficiente para me matar.
A lança da qual me esquivei continuou a se dividir. Havia, provavelmente, mil fios vermelhos
agora, e todos pareciam afiados como agulhas.

Então, convergiram na minha direção.

Reuni magia em minha lâmina e derrubei todos com um corte da minha lâmina, obliterando a
lança vermelha por completo.

— Um enxame de mosquitos jamais irá derrubar um leão. — eu disse a ela.

Violet sorriu com graça. Voltamos a nos encarar por um tempo.

Com habilidades de comunicação mais fortes, leva menos tempo para avaliar o adversário,
incluindo grande parte de sua condição.

Sei como essa batalha irá terminar. Violet talvez saiba também.

De repente, o silêncio é quebrado quando uma série de lanças, tão espessas quanto troncos de
árvore, irrompem do chão.

Havia nove delas ao todo.


Sou capaz de me esquivar das maiores, mas elas podem mudar de forma como tentáculos e
continuam vindo — tentando me perfurar com lanças, envolvendo-me com fios, mordendo como
se tivesse presas.

Essa é a forma com que ela gosta de lutar: um jogo letal e unilateral com esses tentáculos que
mudam de forma.

Continuei observando. Enquanto assistia como elas operam, refinava meus movimentos.

Ao fazer isso, sou capaz de remover quaisquer movimentos desnecessários ao me esquivar. Um


passo completo torna-se um meio passo. Dois movimentos tornam-se um.

Mesmo que me esquive para sempre, não posso vencer, mas a esquiva é o primeiro passo
necessário para o contra-ataque.

Quanto menos tiver que me mover para me esquivar, mais rápido virá o meu contra-ataque.

No fim, minha evasão e contra-ataque irão se coincidir.

Com um único passo, vou direto até a frente de Violet.

Em certo momento, uma foice apareceu nas mãos dela, a qual cortou na minha direção.
Enquanto evitava o golpe com minha katana, chutei-a na perna.

Uma espada de slime estendeu-se da ponta do meu pé e a perfurou. Até hoje, estive usando isso
mais como uma apresentação para quando quisesse ser mais teatral, mas é inestimável contra
inimigos fortes, pois faz com que percam o equilíbrio.

Por um momento, ela parou de se mover, e isso era tudo o que eu precisava.

Violet sorriu, aceitando o resultado.

— Queria ter lutado com você quando estava com a sua força total.

À medida que sangue jorrava no ar, sussurrei em voz baixa, algo que apenas Violet pôde ouvir.

— Como eu disse, Shadow não tem chance alguma. — disse Nelson, orgulhoso, mas Alexia o
ignorava.

Desde o começo da batalha, Aurora esteve pressionando Shadow sem parar. Alexia observava em
choque a velocidade aterrorizante das gavinhas vermelhas.

Aquelas coisas eram diferentes de qualquer arma que já vira. Podiam trocar de forma com
tamanha liberdade, era como se fossem uma extensão do próprio corpo de Aurora. Ela poderia,
talvez, até mesmo estendê-las ainda mais e atingir um grupo inteiro de uma só vez.

Qualquer um que insistisse em enfrentá-la com uma espada estaria condenado desde o começo.

Então esse era o poder de antigas técnicas de batalha. Alexia foi forçada a admitir que não seria
párea para Aurora.

— Ele é mais persistente do que imaginei, mas a diferença de habilidade é clara.

Você está enganado. Alexia rejeitou em silêncio a observação de Nelson.

Embora pudesse parecer que Shadow estava sendo pressionado pelos ataques de Aurora, ele
ainda não havia tentado atacar. Estava apenas observando, analisando esses golpes diferentes.

Aurora era forte, sem dúvidas. Era poderosa o suficiente para dar a Shadow uma luta decente,
afinal.

Mas aquelas lanças vermelhas ainda não haviam encostado nele uma vez sequer.

— Um enxame de mosquitos não pode derrubar um leão.

Quando Shadow falou, derrubou mais de mil dardos finos com um único golpe.
As lanças vermelhas se reagruparam, formando bastões grossos, e dispararam até ele de todas as
direções.

Elas zumbiam pelo ar enquanto caíam sobre ele com força o bastante para matar um leão,
separando-se e mordendo como se fossem presas.

Mas elas simplesmente não eram capazes de alcançá-lo.

Muito pelo contrário, com cada passada, as evasivas de Shadow ficavam mais suaves.

Em cada vez que parecia que não poderiam ser mais eficientes, acabavam ficando.

Em cada momento, Alexia pensava que a batalha chegara ao ápice, mas tudo era reescrito com
um ápice ainda maior.

— Incrível…

— Como sempre…

Alexia e Natsume sussurram juntas.

Os fortes de verdade são capazes de levar seus oponentes a um beco sem saída apenas com a
defesa. O instrutor de Alexia lhe disse isso uma vez.

Essa luta era o exemplo perfeito.

— O que você está fazendo, sua bruxa estúpida? Acabe logo com ele! — gritou Nelson, em um
tom provido de irritação.

Mas era chegado o momento.

Aurora já não era mais capaz de parar Shadow.

A luta foi decidida em um piscar de olhos.

Alexia foi capaz de apenas distinguir uma fração da disputa.

Shadow se aproximou, Aurora moveu sua foice e, antes que Alexia percebesse, sangue jorrou
para todo lado.

E quem caiu… foi Aurora.

O resultado foi rápido e insatisfatório. Foi como assistir a um leão quebrar o pescoço de um
cordeiro.

Ninguém sabia dizer o que Shadow tinha feito, nem o que aconteceu naquele último golpe, por
isso foi tão decepcionante.

O estádio ficou em um silêncio mortal, como se uma luta feroz jamais tivesse tomado lugar ali.

— Ela… acabou de perder? Isso é impossível! Ela estava na ofensiva! — gritou Nelson.

Talvez ele tenha pensando que Aurora fosse a favorita até o último momento.

Quando o jogo virou em questão de um instante, levou um minuto para que as pessoas
processassem a situação. Nelson não estava sozinho nessa, pois a maioria dos espectadores
ainda não tinha certeza que não tinham confundido o derrotado com o vitorioso.

— P-Pare aí mesmo! Peguem ele! Não deixem que fuja! — gritou Nelson depois de voltar a si.

Os paladinos, confusos, passaram a se mover e correram na direção de Shadow.

Alexia percebeu de repente que esteve segurando a respiração. Quando exalou, tentou
memorizar o trabalho de espada dele para que não esquecesse.

— Os truques dele continuam incríveis como sempre… — A voz de Rose escapa como um suspiro.

Justo quando Alexia estava prestes a concordar, uma luz cegante surgiu na arena.

A Eminência nas Sombras – Vol. 02 – Cap. 03 – Quando as Coisas Ficarem Chatas, É Hora dos
Explosivos!

A batalha começou com Cid sendo jogado para trás.

Ele bateu com violência contra a parede de pedra e tossiu uma bocada de sangue.

Mesmo com ele parecendo a ponto de desmoronar, Olivier não parou. Ela balançou sua espada
sagrada e a mirou no pescoço do garoto.

E então deu um corte limpo – ou assim pareceu naquela troca rápida.

Inclinando-se para a frente, Cid mal se esquivou do golpe de Olivier. Em vez de nele, ela esculpiu
uma profunda linha horizontal na parede.

Ainda assim, Cid sabia que o próximo ataque logo chegaria. Foi por isso que logo deu um passo à
frente, diminuindo a distância entre os dois.

Entretanto, sua resistência fora em vão.

Cid deu um passo inteiro para a frente, mas o meio passo de Olivier para trás foi muito mais
rápido.

Como ele não tinha terminado o seu passo, ficou indefeso diante do golpe dela.

Metal bateu com metal, e a espada de Cid estalou.

Ele mal conseguiu se proteger, com sua espada descartável sendo dividida em duas enquanto seu
corpo saltava e rolava no chão de pedra.

Isso dificilmente seria classificado como uma luta. O domínio estava de um só lado.

Mas já era de se esperar.

Não tinha nada a ver com técnica. A força, velocidade, resiliência e poder total dela só estavam
em dimensões diferentes das dele.

Assim como um adulto não pode ter uma luta justa contra um bebê, o resultado final já era
predeterminado quando um jovem incapaz de usar magia enfrentava um herói que podia usá-la.

O próprio fato de isso não ter acabado em um só golpe era praticamente um milagre.

— Olivier, acabe com esse garoto! — exigiu Nelson, estalando a língua, aborrecido.

Enquanto Olivier parava de se mover, Cid se levantou com dificuldade. Seu rosto estava coberto
de sangue que saía do seu nariz e, quando cuspiu, também foi algo vermelho.

Ele olhou para sua espada seccionada, fazendo um balanço leve para testá-la. Era quase como se
achasse que teria outra chance de usá-la.

— O que você acha que está fazendo?

— Hmm? — respondeu Cid à pergunta de Nelson, inclinando a cabeça.

— Você ainda acha que pode fazer algo com esse pedaço de lixo?

— Talvez. Mas com certeza não tenho muitas opções.


— Qual é o seu problema?

— Hmm?
— Por que você está sorrindo?

Cid respondeu ao estender a mão e tocar na sua bochecha. É claro, havia um sorriso ali.

— Não há nada que eu odeie tanto quanto um homem que não reconhece o seu lugar. A única
razão pela qual você ainda está vivo é a sorte — latiu Nelson.

Com um rápido movimento da mão de Nelson, Olivier avançou.

Ela deslizou para trás de Cid com a maior facilidade do mundo, então baixou sua lâmina sagrada
sobre ele.

Nenhum contra-ataque, autodefesa ou truque evasivo poderia ser feito a tempo.

A única coisa que ele poderia fazer era jogar o corpo para frente.

O sangue jorrou das costas de Cid.

O golpe rompeu a sua pele e rasgou a sua carne, mas ele conseguiu evitar um ferimento fatal.
Mas tudo que ele conseguiu fazer foi prolongar a sua vida.

Olivier mais uma vez avançou sobre o jovem indefeso.

Seu ataque foi impiedoso, não deixando brechas para um contra-ataque.

O sangue jorrou das feridas que marcavam o corpo de Cid.

Mas ele sobreviveu.

— Impossível… — murmurou Nelson. Seu tom estava carregado de um considerável grau de


choque. — Como você continua vivo?

Cid verificou para ter certeza de que não havia nenhum outro ataque em sua direção, então
forçou seu corpo ensanguentado a ficar de pé.

— Batalhas sem diálogos são tão vazias. É por isso que continuo vivo.

— Mas que tolice você está balbuciando?

— Ela não tem coração, então não está respondendo a nenhuma das minhas perguntas. — O
sorriso de Cid estava tingido de decepção e sua boca, coberta de sangue.

— Basta disso! Mate-o! — Os olhos de Nelson eram como os de um homem perturbado.


Olivier entrou em movimento, mas alguém interrompeu no último momento.

— Por favor, pare.

A mulher em questão tinha cabelos negros e olhos violeta. Aurora apoiou o ombro de Cid e o
ajudou a se levantar.

— Qual o problema?

— Por favor. Você precisa parar. — implorou Aurora a ele.

Ela sabia desde o início que isso aconteceria. No momento em que Aurora pôs os olhos em
Olivier, ela soube quão poderosa era a elfa.

As memórias dela não estavam completamente intactas. Cobriam apenas cerca de metade da sua
vida, mas mesmo que Olivier não aparecesse nelas, por algum motivo, Aurora sabia que ela era
perigosa. Apesar de não conhecer Olivier, seu coração tremia, quase como se a conhecesse.

Era por isso que Aurora estava desesperada para impedir Cid. Porém, contrariando as suas
expectativas, ele lutou.

Ele talvez possa…

Ela não o parou a tempo, impedida por aquela vaga esperança.

Mas isso já lhe era o suficiente.

Durante toda a sua vida fora desprezada, e nenhuma vez os outros colocaram suas vidas em risco
por ela. Ela criou uma memória que jamais esqueceria, e isso já lhe era o suficiente.

— Você não precisa morrer. Eu posso cuidar do resto.

Nelson riu.

— O que uma bruxa pode fazer sem a sua magia?

— Posso ao menos garantir a fuga dele. — Aurora avançou enquanto protegia Cid.
— Uma bruxa salvando um humano? Mas que surpresa. Porém… se você concordar em me
ajudar, posso ser convencido a poupar a vida do garoto.

— Ajudar?

— Isso mesmo. Você tem cooperado tão pouco, isso nos causou muitos atrasos.
— Do que está falando?

— Ah, você é só uma memória incompleta. Não importa. Tudo o que precisa fazer é concordar
em cooperar. Não demore, ou vou matar o garoto.

Aurora lançou um breve olhar para o rosto de Cid.

— Certo, farei isso…

Cid os interrompeu, sua voz estava livre de qualquer medo.

— Ei, vocês não poderiam parar de sair decidindo as coisas sozinhos por aí?

Aurora olhou para trás e o encarou.

— Sabe, estou fazendo isso por você…

— Estou bem.

Cid deu um passo para a frente de Aurora.

— Então, estive escutando e realmente apreciaria se vocês parassem de pensar que eu vou
perder. Está começando a me irritar.

— Que jovem mais lamentável. E imaginar que ele estaria tão por fora da situação. Parando para
pensar… se você só calasse a boca e fizesse o que mandam, eu poderia deixar você sobreviver.

— Já falei… estou bem. — Cid se virou e olhou para Aurora. — Quanto a você, só senta e assiste.

— Chega. Mate-o.

— Não!! — Aurora estendeu a mão, mas não conseguiu detê-lo.

Cid já tinha dado um passo à frente e alcançou Olivier.


Assim que ele cegamente foi à frente, ela o recepcionou com sua espada sagrada.

Ela aproveitou o momento para um impulso.

O ataque cortou o ar com um barulho afiado, e então perfurou o abdômen dele.

O golpe impiedoso o atravessou.

— Peguei. — Enquanto era apunhalado, um sorriso se espalhou pelo rosto tingido de sangue de
Cid.

Ele agarrou o braço de Olivier e o puxou com toda a sua força. Seus músculos incharam, gritando
enquanto excediam seus limites.

Por apenas um instante, os movimentos de Olivier ficaram travados no lugar.

E ela estava no alcance perfeito para uma espada quebrada.

A lâmina de Cid cortou em direção às artérias de seu pescoço, e Olivier se curvou para trás para
evitar o golpe.

Entretanto, isso arruinou o seu centro de gravidade.

Jogando a sua espada de lado, Cid agarrou Olivier e a imobilizou.

E então mordeu a sua artéria carótida.

Seus dentes empalaram o pescoço esguio dela, e então afundaram em suas veias.

Ele a segurou com força e pressionou seus braços que resistiam enquanto mordia. Cada vez que
seus dentes cavavam a artéria, o corpo de Olivier convulsionava.

No fim, ela quebrou como um espelho. Quebrou-se em pedaços e depois desapareceu.

O único de pé era Cid, coberto de sangue.

— I-isso não pode estar acontecendo… Olivier não pode…! Maldito seja! Como pode ainda estar
vivo depois de ser empalado?!

O ferimento no peito de Cid deveria ser fatal. Sem dúvidas.

O fato de ele estar vivo era estranho, e derrubar Olivier enquanto estava naquele estado era algo
praticamente desumano.
— As pessoas morrem tão fácil. Na maioria das vezes, um golpezinho na nuca já resolve. E, olha,
eu não sou diferente. Uma batidinha no meu crânio, e posso estar acabado. — Cid se levantou,
acariciando a sua ferida, como se quisesse ter certeza de que seu corpo continuava inteiro. —
Mas, contanto que você proteja seus órgãos vitais, pode ficar surpreendentemente forte. Pode
até ter o seu peito empalado, mas se proteger as artérias e órgãos mais importantes, não
morrerá. Bem útil, não acha?

— “Útil”…?

— Claro. Você pode eliminar o tempo que gastaria se esquivando antes de contra-atacar. E só
precisa dar um soco bem na cara do oponente enquanto ele soca a sua. Rasgue o pescoço do
outro enquanto ele estiver apunhalando o seu estômago. Ataque e defesa acabam se tornando a
mesma coisa, e o ritmo dos contra-ataques pode acelerar até chegar ao limite. Isso os torna
quase inevitáveis.

— Há… algo de errado com você. — Nelson contraiu o rosto, como se estivesse olhando para algo
grotesco.

— Você está bem…?

Como resposta a Aurora, Cid deu um aceno de cabeça.

— Então a elfa já era. E aí, Tiozão, sua vez?

Nelson engoliu em seco, claramente perturbado.

— E-entendi. Nunca imaginei que você derrotaria Olivier! Você é claramente muito poderoso. Eu
estava errado. Sinto muito mesmo!

Nelson se curvou, mas uma risada logo escapou por seus lábios.

— Heh, achou mesmo que eu diria isso…? Claro, fiquei surpreso ao ver um garoto desprovido de
magia sendo capaz de derrubar Olivier. Você não é uma criança qualquer, e sua vitória foi pura
sorte. Mas uma vitória ainda é uma vitória. Parabéns.

Nelson levantou a cabeça, batendo palmas.

— Mas não fique arrogante por derrotar uma única cópia de baixa qualidade. Você jamais
poderia imaginar a quantidade de magia adormecida dentro do Santuário. E é por isso que posso
fazer até isso. — Nelson balançou o braço e a área foi inundada por luz.

Quando ela sumiu, lá estava Olivier.

E não estava sozinha.

Um incalculável número de Oliviers, o suficiente para preencher toda a ruína, estava onde a luz
estivera.

— Isso não pode ser verdade…! — gemeu Aurora.

O ferimento de Cid podia até não ser fatal, mas isso não significava que não era sério. Ele não
estava em condições para lutar.

— Este é o poder do Santuário!! — Todas Oliviers correram em direção a Cid.


Ele soltou uma risadinha.

— Sinto muito, mas… seu tempo acabou.

As Oliviers estavam atacando de todas as direções, mas… ele as atropelou.

— O quê?!

Não estava claro quando foi que apareceu, mas Cid estava usando uma katana negra na mão.

— De onde você tirou isso…? Espera… você consegue usar magia?! — O corpo dele estava
explodindo com um energia roxo-azulada.

A magia era tão incrivelmente concentrada que chegava a ser visível. Brilhava de uma forma
linda, comprimida a um grau inimaginável.

— Se a minha magia está sendo sugada, tudo o que preciso fazer é condensá-la até que esteja
densa demais para ser absorvida. Demorou um pouco, mas é bem simples, na verdade.

Com certeza não era simples. Aurora era uma bruxa reconhecida, mas essa técnica estava além
do seu alcance.

— N-não pode ser…!! Como você pode fazer isso?! R-rápido! Matem-no!! — gritou Nelson, seu
rosto estava congelado de medo.

As Oliviers voltaram a atacar.

Entretanto, Cid esticou sua lâmina negra como azeviche e as derrotou com um único golpe.

— Isso não deveria… Olivier não deveria…!!

— Eu falei… o tempo acabou.

Uma após a outra, as Oliviers atacaram Cid.

Embora a espada negra as atingisse, a maioria não desaparecia de imediato. Depois de bloquear
os ataques com as suas espadas sagradas, corriam de volta até Cid.

— Cara, vocês são bem fortes e continuam vindo.

As Oliviers se aglomeraram e Cid as varreu. O padrão se repetia mais rápido do que os olhos
poderiam acompanhar.
Em cada vez o sangue espirrava da ferida dele e seu rosto se contorcia com a dor.

O equilíbrio não duraria muito. Esse fato estava tão claro quanto o dia.

— Ha-ha! Bom! Bom! Continuem assim!! — Nelson riu, mas seu rosto tinha adquirido uma
aparência assustadora.

Enquanto Aurora observava a situação de Cid piorando, lágrimas brotaram em seus olhos.

— Por favor… Não morra…

Ela só queria que ele sobrevivesse.

— Devíamos desembainhar a espada sagrada, cortar as correntes e destruir o núcleo, certo? —


Em meio à sua batalha desesperada, Cid chamou por Aurora.

— O quê? Digo, sim… — respondeu Aurora, confusa.

— Isso soa como algo com muitos passos. E se eu simplesmente mandar tudo pelos ares?

— Seria bom, mas… você não está falando sério, né? — Cid sorriu, atacando em todas as
direções.

As Oliviers estavam todas espalhadas, dando a ele um breve momento de descanso. Ele virou sua
espada para segurá-la com um aperto por baixo, então a manteve acima da cabeça.

Espirais de energia roxo-azulada surgiram ao seu redor, acumulando-se por toda a extensão de
sua katana obsidiana.

— EU SOU…

— O-o que é isso?! N-não! Pare!!! — As Oliviers atacaram.

A que estava na frente atacou com a sua espada sagrada.

E perfurou o peito indefeso de Cid com força total.

Mais especificamente, atingiu a localização onde estaria o seu coração. Coberta de sangue, a
lâmina dela saiu pelas costas dele.

Aurora gritou e estendeu a mão.

— ATÔMICO. ATAQUE EM ÁREA.


Com o peito empalado, ele abaixou a espada e acertou o chão.

— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!!

A magia roxo-azulada logo preencheu toda a visão.

As Oliviers desapareceram, Nelson se desintegrou e a espada sagrada derreteu.

Então, a magia continuou sendo engolida por todos os arredores.

Seu ataque era uma técnica esotérica projetada para aniquilar tudo dentro de um pequeno
alcance em todas as direções.

E, naquele dia, o Santuário foi completamente destruído.

Quando voltou a si, Cid se viu rodeado pela escuridão.

Mesmo estreitando os olhos, tudo o que conseguia ver era um abismo negro sem fim.

Mas, em meio à escuridão, onde esquerda e direita, cima e baixo, e até mesmo a percepção de si
mesmo começa a desvanecer, ele sentiu algo flutuando.

Era um medonho braço esquerdo preso por correntes.

Parecia estar muito longe, mas se estendesse a mão, parecia que estaria quase perto o bastante
para tocá-lo.

De repente, as correntes soltaram, seus fragmentos caíram formando uma cascata.

O braço, então livre, se estendeu como se fosse agarrar Cid.

Ele preparou sua lâmina obsidiana, e o mundo… foi envolvido por luz.

Era cedinho e Cid se encontrava em uma floresta. Era o lugar onde estivera quando entrou pela
porta.

Olhou ao redor, mas o braço não estava em lugar algum. Ele apertou os olhos assim que foram
atingidos pela luz da manhã.

— Seu coração foi apunhalado, mas não parece nada mal. — gritou uma voz por trás dele. Ele se
virou para se deparar com Aurora, parecendo um tanto confusa.

— Eu mudei o percurso. Mas estou um pouco cansado…


Ele olhou para o céu da manhã, suspirou e se apoiou em uma árvore enquanto se sentava.

— Você é uma caixinha de surpresas. Um pouquinho mais do que a velha eu… — Aurora se
sentou ao seu lado, estendendo a mão para tocar a ferida em seu peito.

Porém, quando foi afastar a mão, não havia sangue. Sua mão o atravessou.

— Você está desaparecendo, hein?

— Parece que sim.

Os dois sentaram lado a lado e contemplaram o esplendor do nascer do sol.

— Fui eu quem te chamou lá. Sinto muito por ter mentido.

— Está tudo bem.


— Também menti sobre outras coisas.

— Está tudo bem.

Passarinhos começaram a chilrear. O orvalho da manhã brilhou à luz do sol.

— Por muito tempo, eu só queria acabar com isso tudo e desaparecer. Eu queria esquecer de
tudo.

— Mm.

— Mas, agora, fui capaz de fazer uma memória que não quero esquecer. Mesmo se eu
desaparecer, espero levá-la comigo. — Ela sorriu. — Obrigada por me dar algo tão precioso.

Com isso, ela começou a desaparecer. Seu sorriso forçado era pesaroso.

— Ei, eu também me diverti. Obrigado por isso.

— Se, por acaso, você encontrar o meu verdadeiro eu… — Ela segurava a bochecha de Cid
enquanto falava, mas ele nem conseguia mais vê-la.

Não havia nada diante dele, exceto a floresta silenciosa e solitária.

— “Por favor, me mate”, hein…?

Cid estendeu a mão e tocou a própria bochecha enquanto murmurava as palavras finais de
Aurora. Ele ainda podia sentir o calor dela.
Alfa e Epsilon olharam para Lindwurm do topo de uma montanha.

O vestido de Alpha balançava ao vento, expondo suas pernas pálidas.

— O Santuário foi aniquilado.

— Percebi. — Alpha apertou a ponta do nariz. — Fomos capazes de recuperar a espada sagrada?

— Ela evaporou.

Suspirou.

— E quanto à amostra do núcleo?

— Também já era.

Alpha balançou a cabeça.

— Ele escolheu a solução mais simples e decisiva. É a cara dele.

— É isso que o torna o Mestre Shadow, afinal — respondeu Epsilon triunfantemente.

— O seu caminho é o que devemos seguir. — A luz do sol da manhã refletia no cabelo loiro de
Alpha, fazendo-o brilhar. Ela olhou na direção de Lindwurm, lá longe. — E Beta?

— Ela está guiando as princesas. Disse que, se jogar as cartas direito, pode conseguir se infiltrar
em seu grupo.

— Entendo. E a pesquisa do Santuário?

— Concluímos tudo que podíamos.

— O que sabemos? — Alpha fechou os olhos enquanto ouvia o relatório de Epsilon.

Sua cabeça estava clara e ela foi capaz de classificar as informações na mesma hora.

— Isso é o bastante. E quanto ao outro assunto?

— Parece que nossa hipótese estava correta. — Epsilon hesitou por um momento, então deu sua
resposta da forma mais simples possível. — Aurora, a Bruxa da Calamidade… também é
conhecida como o demônio Diablos.

Os olhos azuis de Alpha estavam fixos no distante nascer do sol.


— Entendo… Isso explica porque ele…

Mais uma peça do quebra-cabeça se encaixara.

Depois que Alexia deixou o Santuário, deparou-se em uma floresta.


Quando olhou ao redor, descobriu que Rose e Natsume estavam paradas ao seu lado.

Quando fugiram do Santuário, estavam as três perto uma da outra.

Rose inclinou a cabeça.

— Onde estamos…?

— Floresta de Lindwurm, eu acho. Posso ver a cidade lá longe — respondeu Natsume. As outras
duas verificaram e, claro, também puderam ver a cidade.

Era impressionante que ela tivesse notado, dada a dificuldade para enxergar entre as poucas
brechas entre as árvores.

— Acho que devemos voltar.

— Concordo.

Antes que Rose e Natsume pudessem ir longe, entretanto, Alexia gritou para detê-las.

— Espera.

— O que foi?

— Algum problema?

As duas pararam e a encararam.

— Ei, vocês não odeiam isso?

— Do que está falando…?

— Receio que não entendi direito.

Alexia olhou de uma para a outra.

— Estávamos completamente impotentes lá. Mas o pior não é isso. Não podíamos sequer dizer
quem era bom ou mau. Éramos espectadoras inúteis que não conseguiam nem distinguir o certo
do errado…
— Alexia…

— Se continuarmos assim, se ficarmos no escuro, então com certeza podemos acabar perdendo
tudo o que amamos. Não posso ser a única que pensa assim, não é…?

— Alexia, a verdade é… que isso também está na minha mente. Na época em que a academia foi
atacada, acho que havia organizações poderosas puxando as cordas por baixo dos panos. Afinal,
não sabemos nada sobre o Jardim das Sombras nem daqueles que se opõem a eles…

— Entendo como você se sente, mas o que está planejando fazer, Princesa Alexia?

Alexia cruzou os braços.

— Somos fracas e nos faltam informações vitais, mas, com certeza, há pelo menos algo que
podemos fazer juntas. Sou uma princesa do Reino Midgar e Rose é a princesa do Reino Oriana.
Você é uma autora, então, graças a isso, deve ter criado algumas conexões. O que acham de
coletarmos informações e, depois, compartilhá-las?

— Você traçou a base de um plano. Qual o objetivo?

— Isso depende do que encontrarmos, mas se nós três unirmos forças, provavelmente
poderemos lutar ou fazer algo. Ou podemos ao menos tentar juntar aliados, ou…

— Seu plano parece assustadoramente vago.

Quando Natsume apontou isso, Alexia olhou para ela.

— É-é por isso que estou dizendo que precisamos coletar informações, para que possamos
examiná-las e decidir o que fazer com base nelas!

— Isso funciona muito bem se você for esperta o suficiente para analisar a informação. —
murmurou Natsume bem baixinho.

— Sinto muito, você disse algo?

— Ah, nada.

Alexia continuou olhando feio, e Natsume mostrou um enorme sorriso. As duas se encararam por
um tempo.

— Então, e aí? Vocês vão ou não formar uma aliança comigo?

Rose foi a primeira a estender a mão.


— Conte comigo. Vou tentar descobrir tudo que puder no Reino Oriana.

Em seguida, Natsume colocou a mão sobre a de Rose.

— Também vou usar minhas conexões como autora para descobrir as coisas por aí.

Por fim, Alexia colocou a mão junto.

— Então está decidido. De agora em diante, somos aliadas. Somos de diferentes países e origens,
e nenhuma de nós realmente sabe o que se passa no coração uma da outra, mas tenho fé de que
estamos do mesmo lado.

Rose sorriu.

— Gosto de como isso soa. Aliadas tentando desvendar as verdades ocultas do mundo… É como
o início de uma lenda ou coisa do tipo.

— Temos os cargos de herói, sábia e peso morto, todas presentes e contabilizadas. — comentou
Natsume, sorrindo para Alexia.

— Com você sendo o peso morto, é claro. — rebateu Alexia, sorrindo para Natsume.

Com o pacto selado, as três caminharam lado a lado.

Lá longe, o sol da manhã brilhava forte na cidade de Lindwurm.

A maior parte do trabalho de Gamma era ocupada pelo gerenciamento comercial da Mitsugoshi
Ltda.

Estivesse ela contente com isso ou não, o fato da questão é que sua falta de destreza em
combate a deixava com poucas opções.

Na verdade, ela sonhava em lutar ao lado de seu mestre, mas esse era o seu segredinho.

Era isso que a compelia a passar mais um dia zelosamente cuidando dos assuntos da Mitsugoshi.

Seu trabalho a levou a Madlid, que ficava nos arredores do Império Velgalta. No momento, ela
estava no meio de uma negociação com um senhor feudal, a respeito da abertura de uma nova
filial da Mitsugoshi.

— Srta. Luna, eu, pessoalmente, recomendo esta propriedade.


O sorriso do guia de Gamma, Rude, era bem chamativo. Ele era o filho mais velho do senhor em
questão.

Luna era o nome que Gamma usava em público quando atuava como a presidente da Mitsugoshi.

— Fica de frente para a estrada principal e recebe uma luminosidade excelente. A propriedade
também possui uma fachada generosa. O lote custava cento e quarenta milhões de zeni, mas,
como um favor especial, posso fazer por cento e vinte. Ficaríamos muito felizes em ter a
Mitsugoshi aqui.

— Entendo.

O homem estava certo; a localização era excelente. O prédio também não era ruim. Era um
pouco velho, mas tinha três andares, era espaçoso e sua construção era robusta.

Uma reforma era tudo que seria necessário para estabelecer uma vitrine utilizável. Demolir o
antigo e construir um novo também era uma opção. Afinal, a maior parte do valor da
propriedade era devido à localização.

Entretanto, o problema estava no fato de que ele estava disposto a abrir mão de um imóvel de
primeira por apenas 120 milhões de zeni.

Um lote idêntico na capital do Reino Midgar seria facilmente avaliado em dez vezes isso, e
mesmo em outras áreas provinciais semelhantes, custaria cerca de cinco vezes mais.

Entretanto, havia uma razão perfeitamente boa para esta barganha ainda estar no mercado.

A questão não era o terreno, mas a cidade como um todo.

Madlid era uma região menor do Império Velgalta e, para falar com franqueza, sua população
estava em declínio. Existiam vários motivos para isso, mas, deles, havia dois mais proeminentes.

O primeiro era a sua localização. Era horrível.

Uma carruagem carregada de mercadorias levaria mais de um mês para ir de Madlid até a cidade
mais próxima. Considerando o tempo e custo envolvidos, logo ficaria claro por que a cidade não
era adequada ao comércio.

O segundo era que a capital imperial de Velgalta estava passando por uma nova onda de
prosperidade, atraindo todos os jovens e mercadores de Madlid para ir para lá e mudar de vida.

Bem, muito disso se devia à abertura de uma filial da Mitsugoshi na capital e à subsequente
reconstrução, mas tanto ela quanto Rude estavam evitando mencionar esse fato.
De qualquer forma, por essas razões, Madlid carecia de mérito como uma cidade.

Além disso, as filiais seriam as únicas que gostariam de comprar um lote tão ridiculamente
grande na rua principal da cidade. Lotes semelhantes poderiam ser encontrados por toda a
cidade.

Em outras palavras, abrir uma nova loja seria suicídio financeiro, a menos que encontrasse uma
maneira de resolver esses problemas mais fundamentais.

— Adoraríamos que você abrisse uma loja aqui!

Rude estava visivelmente desesperado. Ele tinha, é claro, ouvido rumores sobre o efeito que a
Mitsugoshi teve na capital imperial.

Se a rede varejista abrisse uma loja em Madlid, isso impediria que a população da cidade
continuasse caindo, e o gráfico de sua situação financeira decadente melhoraria repentinamente
– ou, pelo menos, era nisso que ele se iludia em pensar.

Mas não era assim que as coisas funcionavam.

Até que os problemas paralelos fossem resolvidos, uma nova filial nada mais seria do que uma
gota no oceano.

— Será…?

— Eu… te ouço alto e claro. Estou disposto a reduzir para cem milhões de zeni!

Vendo a indecisão de Gamma, ele reduziu ainda mais o preço.

Entretanto, Gama não tinha intenção de dar uma resposta diante da redução de apenas vinte
milhões de zeni. Ela já tinha passado mais de uma semana indecisamente andando pelos imóveis
da cidade e ainda não tinha dado nenhuma resposta definitiva.

Ela já tinha visto tudo o que precisava.

Agora estava apenas esperando.

— Srta. Luna… — E pronto. Uma jovem atraente, vestida com um uniforme da Mitsugoshi,
chegou por trás de Gamma e sussurrou ao seu ouvido. — Terminamos a pesquisa.

— E?

— Vai dar certo.


— Aqui?

— Petróleo? Temos certeza disso.

— Entendo…

Naquele dia, Gamma pela primeira vez sorriu para Rude.

— Vou ficar com esse.

— Minha nossa, vai mesmo?! Nesse caso…

— Na verdade, vou ficar com todos os lotes que estão por aqui.

— Como é…?

— Estou dizendo que se estiver disposto a atender às nossas condições, podemos transformar
Madlid na melhor cidade de todo o império.

— O quê…?

— Estaria disposto a expandir os afluentes do Rio Nyle e construir um canal?

— Um… sim?

— Ótimo, então vamos começar. — Gamma começou a dar ordens à sua subordinada. — Compre
todas as terras que forem necessárias por perto do Nyle. Estamos prestes a tomar uma bolha
imobiliária em nossas mãos…

Com isso, começaram com tudo. No fim, só Rude, pasmo, ficou para trás.

Ele ficou olhando para os lados, boquiaberto, então murmurou:

— Ah, certo… Tenho que reportar isso ao Pai…

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“Os fracos são inúteis”.

Nascida e criada como uma teriantropa, ela aprendeu essa lição com a sua família.

Seu clã era grande, mesmo para teriantropos do tipo canino, e seu pai – o chefe – tinha mais de
cem filhos com seu nome. Ela era fruto de uma das amantes de baixo escalão, então ninguém
esperava muito dela.

Na hora das refeições, suas porções eram escassas e ela vivia magra e faminta.

Quando fez três anos, pararam de lhe dar qualquer alimento.

Na primeira vez que cambaleou para a floresta, por iniciativa própria, para caçar, não era muito
além de pele e osso. Lá, matou um javali com o dobro do seu tamanho ao bater no crânio dele,
então tomou seu sangue e se empanturrou com seus órgãos.

Então percebeu que não apenas poderia se sustentar com as suas próprias mãos, como isso era
surpreendentemente fácil.

Por fim, soube que era isso que significava viver.

A comida que lhe era entregue era inútil.

Só tinha valor se caçasse pessoalmente.

Depois que voltou para a sua aldeia, encharcada do sangue de sua presa, a notícia começou a se
espalhar.

Mesmo entre os teriantropos, uma garota de três anos matando um javali não era lá muito
normal.

Entretanto, era exatamente isso que ela fez.

Seus sentidos e força física eram superlativos, e ela podia usar até mesmo magia, apesar de
nunca ter feito qualquer treinamento formal.

Se uma criança da idade dela aparecesse para brigar, seria derrubada com um único golpe e,
sempre que sentia fome, saía para caçar a sua própria comida.

Seu corpo desnutrido logo foi enchendo e, em pouco tempo, ela cresceu e se tornou uma jovem
bonita e com músculos flexíveis.

Quando completou doze anos, a única pessoa em seu clã que poderia vencê-la era o chefe.
Dentro de apenas mais alguns anos – ou de só um – poderia muito bem superar inclusive ele.

Entretanto, isso nunca aconteceu.

Em vez disso, hematomas pretos começaram a se espalhar por todo o seu corpo.

Ela era… uma das possuídas…

E os possuídos tinham que ser expulsos da matilha… Essa era uma lei de ferro.

Depois de fugir com todo o seu corpo infestado de doenças, começou a caçar pela floresta e a
vagar sem rumo.

Amava caçar.

Caçar era a razão do seu viver. Cada instinto do seu corpo dizia que havia nascido para caçar.

Consequentemente, ser expulsa da matilha não a incomodou tanto.

Contanto que pudesse continuar vivendo e caçando, estava tudo bem.

Entretanto, a doença chegou a ela. Seu corpo adoeceu e foi gradualmente ficando tão fraca que a
caça se tornou algo impossível.

Desabou perto de um riacho na floresta e olhou para o céu.

— Eu… ainda… posso… caçar…

Ainda podia sentir o cheiro das bestas, sentir seus passos, ouvir seus rugidos.

A floresta era enorme, mas ela podia distinguir os rastros das presas distantes como se
estivessem bem na sua frente. Se seu corpo apenas se movesse como ela queria, poderia caçar
todas as bestas sem dificuldades.

— Minha presa… me chama…

Porém, mesmo estendendo sua mão podre e enegrecida, tudo o que conseguiu alcançar foi o ar.

— Eu ainda… consigo… caçar…

Aos poucos, sua visão escureceu.

Sabendo que não tinha muito mais tempo de vida, sorriu quando ouviu um lobo uivando por
perto.
O lobo tinha aparecido para caçá-la.

Essa era a sua chance.

Não podia mais se mover, mas poderia atrair a presa em sua direção.

No momento em que o lobo tentasse mordê-la, ela arrancaria a sua garganta com os dentes.

Ela prendeu a respiração e esperou pela chegada do lobo.

Mas isso nunca aconteceu.

— Por… quê…?

A presença do lobo se distanciou e uma elfa loira apareceu no seu lugar.

— Já progrediu muito… Você deve ter muita força de vontade para continuar consciente mesmo
nesse estado — observou a elfa. Ela ofereceu a mão, mas foi freneticamente forçada a puxá-la de
volta quase na mesma hora.

Chomp.

As presas da garota teriantropa encontraram apenas o ar.

Ela virou o rosto inflamado para a elfa, olhou para ela e sorriu.

— Parece que… encontrei uma… das grandes…

Com todo o resto de suas forças, colocou-se de pé.

Animais não eram as únicas presas que ela conhecia. Conflitos entre tribos teriantropas eram
bem comuns, e caçar inimigos era outra das coisas pelas quais ela vivia.

No momento em que colocou os olhos na elfa, soube: A garota diante dela era o tipo de desafio
que fazia o seu sangue ferver.

— O quê…?! Como ainda consegue ficar de pé…?! — A elfa começou a recuar.

— Grah!! — E então a garota teriantropa se lançou sobre ela. Nenhuma pessoa doente deveria
ser capaz de se mover com tanta rapidez.

— …?!
A elfa se esquivou de suas presas e recuou um bom tanto, mas a teriantropa forçou seu corpo
instável a persegui-la.

— Pare com isso! Estou tentando ajudar…! Parece que falar não está servindo para nada. Posso
acabar te machucando, então parece que vou precisar pedir a ajuda dele… — murmurou ela,
então virou-se e partiu.

— E-espera… es… pera… — A teriantropa deu alguns passos em perseguição, então colapsou e
caiu de cabeça.

Ela não tinha mais forças para uma perseguição.

A luta havia drenado todo o resto de sua energia… justo quando pensou que teria sua última
chance de caçar uma das grandes… Desanimada, fechou os olhos.

Por um tempo, tudo que ouviu foi o silencioso ambiente florestal, até que passos próximos
chegaram aos seus ouvidos. Ela abriu os olhos, surpresa.

Parado ao lado dela estava um garoto de cabelo escuro todo vestido de preto. Ela não conseguia
sentir a sua presença.

— Meu nome é Shadow…

Quando olhou nos olhos dele, todo o seu corpo tremeu.

“Não venceria”.

Não seria capaz de vencê-lo, não importa o quanto tentasse.

O que lhe disse isso não era a lógica, mas o instinto, e compreendeu na mesma hora.

A única pessoa mais forte que ela era o seu pai, o chefe do clã, e nem mesmo ele a assustava.

Mas o garoto era diferente.

Sua força como criatura viva estava fundamentalmente além da dela.

Quando a garota viu o seu corpo tonificado, pôde ver que era moldado para o combate.

Quando sentiu suas habilidades mágicas afiadas, pôde ver que eram potentes o bastante para
explodir toda a área do reino.

Quando olhou para seus olhos acerados, soube que ele poderia dizer exatamente qual era o nível
da força dela.
O abismo entre suas capacidades era tão vasto, porém, mesmo assim, ela não conseguiu juntar
forças para lutar.

Temia a sua força e, naturalmente, obedecia ao que seus instintos diziam para fazer diante de um
ser mais poderoso.

Em outras palavras — se rendeu.

— Purr…

Ela tombou, expondo a barriga e abanando o rabo.

— Ela parece bem dócil…

— Quando tentei me aproximar, foi bem hostil. — O garoto e a elfa compartilharam de uma
conversa intrigada.

— Eh, tanto faz. Vou curá-la.

— Permita-me ajudar.

Com isso, o garoto cercou a teriantropa com sua magia azul-escura. A elfa tentou ajudar, mas foi
sem jeito.

— Purr…

Enquanto faziam as coisas, a teriantropa não parava de abanar o rabo enquanto mostrava a
barriga.

Um pouco mais tarde, após o término da primeira rodada de tratamento, receberam a


companhia de mais duas elfas, uma de cabelo prateado e outra azulado.

A garota não estava totalmente curada, mas havia se recuperado o suficiente para ser capaz de
voltar a andar.

— Me chamo Alpha. Sinto muito por jogar isso sobre você, mas gostaria de explicar algumas
coisas sobre a nossa organização e o seu corpo…

Quando a elfa chamada Alpha começou a tagarelar alguns absurdos incompreensíveis, a


teriantropa examinou o corpo dela.

Graças à magia do garoto Shadow, ela se recuperou de forma notável.


Nunca esqueceria a força e o calor da sua magia.

Ela, então, poderia voltar a caçar.

— E, por causa disso, nós lutamos contra o Culto…

Ela não se tornou uma seguidora cega, mas entendeu que esta era a sua nova matilha.

E não tinha objeções a isso.

Afinal, seu chefe, Shadow, era o ser mais forte que conhecia. Servir aos fortes era o seu orgulho.

Enquanto tivesse Shadow, esta matilha se tornaria a mais forte do mundo.

Rumo à dominação mundial!! Esse pensamento brilhou em sua mente.

— Delta. De agora em diante, esse será o seu nome.

— Del-tuh… O nome que o Chefe me deu…

Ela gostou muito mais desse do que do seu antigo nome. Afinal, era algo que o Chefe tinha lhe
dado.

O Chefe era incrível! Ele era o mais forte. Para ela, ele era o melhor do mundo!

Era por isso que existia algo que precisava fazer.

Ela olhou para as três elfas paradas ao seu redor. A azul nem era desafio. A prateada era mais ou
menos. A loira, porém, era forte.

Shadow era o chefe da matilha, indiscutível, o que significava que Alpha com certeza era a
número dois.

Em outras palavras, Delta precisava…

— Ei, Loira! — Com um olhar penetrante, Delta apontou para Alpha. — De agora em diante, eu
sou a número dois!

Para os teriantropos, lutar para estabelecer a hierarquia da matilha era extremamente


importante.

— Submeta-se e me mostre a sua barriga!

— Como é …?
Ouvindo isso, a magia de Alpha começou a dilatar.

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As manhãs de Epsilon começavam bem cedo.

Ela se levantava ao nascer do sol e ficava parada na frente de um enorme espelho, vestindo sua
camisola.

Só dormia por três horas. Entretanto, seu mestre lhe ensinara uma técnica que removia o
cansaço com magia enquanto dormia, então três horas eram o suficiente. Amplo sono da beleza.

Por dormir só três horas diárias, era capaz de passar as outras vinte e uma de forma produtiva.

Cuidava de seu treinamento e missões, é claro, mas sua maior prioridade era o
autoaperfeiçoamento.

Era por isso que acordava bem cedo para ficar diante do espelho.

A primeira coisa que precisava inspecionar eram seus seios com acolchoamento de slime.

Em pé, diante do espelho, via as enormes bolhas de slime em suas mãos.

Estavam corpóreos e bem torneados?

Eles estavam firmes, mas macios ao toque?

Mais importante ainda, pareciam naturais?

Com certeza não poderia deixar ninguém descobrir seu segredinho do acolchoamento.

Eles tinham que ser mais reais do que os reais, mais naturais do que os naturais. Esse era o
motivo pelo qual segurava os peitos enquanto inspecionava o slime.

Depois de passar quase uma hora apalpando e massageando, ela terminava sua inspeção e
melhorias.
Depois, garantia que sua silhueta estava bem proporcionada.

O espartilho em sua cintura projetava uma silhueta apropriada?

Seus quadris estavam grossos e bonitos?

E quanto à magreza da sua bunda… o comprimento de suas pernas…?

No momento em que terminava todas as suas verificações, o sol da manhã já havia nascido há
muito tempo.

Ela então tirava o roupão, vestia um vestido casual por cima do slime, aplicava a maquiagem e
arrumava o cabelo.

Nesse ponto, finalmente estava pronta para aparecer na frente dos outros.

Como toque final, ficava em frente ao espelho por uma última vez, girava e preparava sua Técnica
Oculta do Estilo Epsilon: Pose de Encanto do Mestre Shadow.

— Linda como sempre. — Suspirou com um sorriso. Sua voz estava cheia de confiança.

Tudo isso para o bem de seu mestre. Era esta a extensão da seriedade com qual levava a sua
rotina diária.

Entretanto, desta vez manteve a Pose de Encanto do Mestre Shadow por mais tempo do que o
normal. Enquanto mantinha a posição, que servia para enfatizar os seus seios de slime, um
sorriso desagradável se espalhava pelo seu rosto.

— Heh-heh… Heh-heh-heh… Ah-ha-ha-ha-ha-ha! — Estava sorrindo porque estava relembrando.

Especificamente, estava pensando em algo que aconteceu em Lindwurm no outro dia, quando se
reuniu com seu mestre após um longo tempo.

Ela elegantemente despachou um dos assassinos do Culto enquanto o derrotava bem na frente
do Lorde Shadow.

Sempre que se reunia com o seu mestre, seu coração batia ainda mais forte do que o normal.
Desta vez, porém, ele estava olhando direto para ela…

E seu olhar feroz travou nos seus seios…!

A beleza, o glamour e o esforço de Epsilon finalmente chamaram a atenção do seu mestre.

Suas bochechas ficaram vermelhas, mas ela fingiu não notar o fervoroso olhar de seu mestre.
Assim que ele saiu, porém, seus sentimentos chegaram ao máximo e ela soltou um poderoso
grito de vitória

— Eu ganhei! Eu derrotei a Mãe Natureza!

Logo depois, voltou aos seus sentidos.

Esta não era Lindwurm, a Terra Sagrada. Era o quarto dela.

Entretanto, a memória estava gravada em seu coração: aquele momento fugaz com o olhar de
seu mestre queimando em seu peito…

— Heh-heh! Heh-heh-heh…

Por fim, liberou a Pose de Encanto do Mestre Shadow. Entretanto, o sorriso malicioso continuava
estampado em seus lábios.

Aquele dia, naquele momento, foi, sem dúvidas, o ápice da sua vida.

Parando para pensar, ela podia retornar ao pico de sua existência.

Se sentia como uma fênix, voltando de novo e de novo… Assim, o dia de Epsilon mais uma vez
começava em seu zênite.

Depois de sair de seu quarto, ela caminhou pelo corredor e, pela primeira vez em muito tempo,
se deparou com Beta.

Trocaram saudações superficialmente amáveis.

— Bom dia, Beta.

— Bom dia, Epsilon.

A troca foi casual. Entretanto, nenhuma das duas olhou para o rosto de sua companheira por um
instante sequer.

Seus olhares estavam focados em outro lugar – nos seios uma da outra.

Cada um de seus seios se projetava como um par de foguetes, e encaravam os ativos da


oponente como se olhassem para uma arquinimiga.

Então, ambas estufaram os peitos.

Cada uma sugou o máximo de ar que pôde, projetando os seios para frente até não conseguirem
mais.

Esta era uma batalha que nenhuma mulher estava disposta a perder.

Os seios protuberantes e o slime se chocaram, depois balançaram.

— Heh-heh…

— Rrr…

Mais uma vez, a vencedora foi Epsilon. Afinal, ela moldou seu slime especificamente para
derrotar Beta.

A princípio, sua batalha havia sido uma hostilidade unilateral da parte de Epsilon.

Entretanto, como ela usou seu slime para fazer o boing boing, um sentimento de rivalidade criou
raízes em Beta e, então, Epsilon não era mais a única com algo preto e feio enfiado em seu seio.

Ainda assim, elas eram companheiras de equipe.

Elas sofriam durante um treinamento duro e lutavam lado a lado, e as duas definitivamente
compartilhavam de um senso de camaradagem.

Cada uma confiava e considerava a outra importante.

Na maioria das vezes, conseguiam conviver de forma pacífica.

Palavra-chave: na maioria das vezes.

Normalmente, depois de se cumprimentarem, só passavam e seguiam seus caminhos. Tendo


passado incontáveis horas juntas desde a infância, sentiam pouca necessidade de compartilhar
gentilezas prolongadas.

Entretanto, dessa vez foi diferente.

O montanhoso orgulho de Epsilon se recusava a simplesmente deixar que sua rival fosse embora
em silêncio.

— Sabe, recentemente me aconteceu algo bem surpreendente…

— O quê?

Epsilon quebrou o gelo e Beta congelou. Os seios e o slime continuavam naquela colisão macia
enquanto as garotas falavam.
— Aconteceu esses dias, durante a missão na Terra Sagrada… Senti o olhar de nosso senhor
queimando um buraco em mim…

— O quê?!

— Senti um olhar quente… focado… bem… aqui… — As bochechas de Epsilon ficaram vermelhas
e ela se agitou inquietamente enquanto falava.

— O-o-o-o-o…? S-sem chances! V-você deve ter se enganado!

— Ah, não, erro meu. Você deve saber, Beta. Ficamos bem atentas quando as pessoas nos olham.

— Rrr… V-você está certa…

As duas tinham curvas da cabeça aos pés e se viam recebendo olhares de homens o tempo todo.
Ambas ficavam naturalmente conscientes de quando isso estava acontecendo.

— Foi isso que achei tão surpreendente. Nunca pensei que ele fixaria um olhar daqueles em
alguém como eu…

— Gh… Nosso lorde…? Sem chances… — Mortificada, Beta encarou Epsilon.

— Digo, é mesmo adequado que nosso lorde se apaixone por alguém tão humilde quanto eu…?
— Epsilon soltou uma risadinha ao colocar ênfase em suas palavras.

— Bom, pense nisso. Sua silhueta é muito mais bonita do que a minha, Beta, e você também é
muito mais linda!

— O q…?!

Epsilon estava dominando Beta.

Seu rosto triunfante deixava bem claro que ela não se considerava nada humilde.

Era a falsa modéstia da vencedora.

Suas palavras eram a proclamação de uma mulher cuja silhueta é melhor, cuja aparência é mais
forte e que conquistou o afeto de seu senhor. Cada um de seus elogios era um ataque.

Epsilon falava de uma posição de superioridade. Estimulada pelo seu orgulho, sempre o fazia.

— Seus seios são tão grandes…


— Urk…

— E sua cintura é tão fina…

— Urrrk…

— E suas pernas são tão compridas…

— Urrrrrk.

— Ora, você é tão bonita!

— Urrrrrrrk…

Para fazer o argumento decisivo para sua inimiga ferida, Epsilon revelou a Técnica Oculta ao Estilo
Epsilon: Pose de Encanto do Mestre Shadow e exibiu seu poder esmagador bem diante dos olhos
de Beta.

As lágrimas logo começaram a brotar.

— Você com certeza já deve ter sentido aquele olhar quente dele em você, não é?

— Eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu…

— Não me diga que não.

— Eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu…

— Não pode ser verdade…

— Eu-eu-eu-eu-eu-eu-eu … eu, eu … Boo-hoo! — Beta chorava enquanto fugia.

— Heh-heh-heh… Todas as naturais deviam ser eliminadas do mundo… Agora vou receber o
carinho dele… Somente eu… — Epsilon sorria enquanto observava Beta fugindo.

Alguns diziam que seu amado mestre uma vez murmurou em um cômodo vazio: “A cabeça de
Epsilon está tão cheia quanto seus enchimentos de slime.”

Assim como ele disse, o orgulho dela estava além dos céus. Se seu ego não fosse tão grande, ela
seria incrivelmente doce e atenciosa.

Isso é, se não fosse tão orgulhosa…

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