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MINISTÉRIO DA J U S T I Ç A

A L F R E D O BUZA ID

RUMOS POLÍTICOS
DA R E V O L U Ç Â O
BRASILEIRA

1970
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

ALFREDO BUZAID

RUMOS POLÍTICOS
DA R E V O L U Ç Â O
BRASILEIRA

1970
ALOCUQAO PROFERIDA PELO
PROFESSOR ALFREDO BUZAID, MI-
NISTRO DA JUSTINA, NO DIA 1" DE
ABRIL DE 1970. ATRAVÉS DE RÉDE
DE TELEVISAO E RADIO, NA SEMA-
NA COMEMORATIVA DO SEXTO
ANIVERSARIO DA REVOLU^ÁO DE
31 DE MARQO DE 1964
RUMOS POLÍTICOS DA REVOLUgAO
BRASILEIRA

«TEMOS UMA CONSTITUIDO QUE NAO


SE MODELOU EM NENHUMA OUTRA, MAS
QUE, ANTES, É UM MODELO PARA AS
OUTRAS.» (PÉRICLES) (i)

I - CONSIDERAgóES PRELIMINARES
SUMARIO: - 1. O P O V O Q U E SE REENCONTRA
A O ELAEORAR O CÓDIGO POLITICO - 2. A PALAVRA
RKVOLUCAO. SEUS SIGNIFICADOS - 3. O QUE JA
R E A I I Z O U A R E V O L U g A O DE 31 DE M A R C O ÑAS
MAIS VARIADAS AREAS.

1 — Estas palavras do genial estadista grego,


invocadas como epígrafe, tém o mérito de definir, em
urna síntese, a consciéncia de um povo, que procura
reencontrarse consigo ao compor o seu Código Político,
determinar a estrutura orgánica dos Poderes e legislar
sobre o complexo dos direitos e deveres sociais. A
melhor Constituido nao é aquéle documento ideal elabo-
rado para reger seres imaginários, mas a lei fundamental
de um povo adequada á sua formagao política e capaz
de traduzir os seus anseios.

1. PÉRICLES, e m T U C I D I D E S , Histoviae, vol. II, pág. 37.


À luz desta observaçâo preliminar, intento discorrer
sobre alguns aspectos da filosofia política da Revoluçâo
de 31 de margo de 1964, demarcando-lhe as raias do
conteúdo doutrinário e subministrando urna idéia de
vários principios que a inspiraram e dos propósitos que
busca realizar.
A Revoluçâo nâo nasceu de urna quartelada; foi um
brado de independencia do povo e das Forças Armadas,
que se identificaram num ideal comum. O povo saiu à
rua em marchas eloqüentes por Deus, pela Pàtria e pela
Familia. As Forças Armadas, cuja política de segurança
fôra preparada pela Escola Superior de Guerra, puseram
abaixo um Govèrno sem moral, sem dignidade e sem
decoro. A vitória da Revoluçâo anuncia urna aurora de
paz e de confiança.

2 — A palavra Revoluçâo está na ordem do día.


Fala-se de Revoluçâo a cada passo nos mais variados
sentidos: — revoluçâo política, revoluçâo social, revo-
luçâo económica, revoluçâo cultural, revoluçâo tecnoló-
gica. Tem-se usado e abusado déste vocábulo, que nos
tempos atuais fascina sobremodo os jovens. Muitas vê-
zes os revolucionários nâo sabem o que querem; nâo sâo
capazes de definir os s'eus ideáis. Nâo se apresentam
com urna doutrina clara, ordenada e metódica. Por isso
se limitam a dizer o que nâo querem, isto é, o que lhes
repugna na ordem política e social vigente. N â o querem
a corrupçâo, que avilta administradores, juízes e legisla-
dores; nâo querem a subversâo, porque eia é uma forma
de violencia que degrada a criatura humana; nâo querem
a submissáo do Govèrno a grupos económicos de pres-
sao, porque eia sujeita o Estado ao jógo de meros inte-
rèsses materiais.
Que desejam entào? A historia das revolugóes é bem
conhecida e os seus ensinamentos vém de todos os
tempos. Sob o aspecto subjetivo, urna plèiade de idea-
listas prepara a revolugào; a revolugào vitoriosa forma
os seus homens. Os revolucionários tèm o poder de
destruir a ordem instituida, mas nào raro carecem da
vontade de construir a ordem nova, porque jamais se
aparta dèles a idéia de revolver.

Sob o aspecto objetivo, de tòdas as revolugóes


conhecidas históricamente só algumas apresentaram urna
filosofia política. A maior parte délas significou uma
ruptura com o passado sem assumir um compromisso
ideológico com o futuro.

3 — A Revolugào de 31 de margo de 1964 é uma


revolugào no sentido verdadeiro da palavra, porque traz
uma mensagem de renovagào. N o dominio económico
deu as bases de uma política de desenvolvimento, apta
a libertar o país de vínculos que o submetiam ao imperio
de nagóes poderosas. N o dominio financeiro saneou a
moeda, contendo o processo inflacionário, cujo desen-
volvimento deu lugar a um progresso mais aparente que
real. N o dominio agràrio promoveu uma reforma subs-
tancial, outorgando o Estatuto da Terra, que sistematiza
a cultura da propriedade rural e a aplicagào de novas
técnicas para explorar os bens de produgào. N o dominio
educacional incrementou a alfabetizado, ampliou os
colégios e reformou o sistema universitário, instituindo
a carreira do magisterio superior, organizando os depar-
tamentos e revalorizando os vencimentos dos professòres.
N o dominio da saúde determinou um plano de assistència
individual, de saneamento de regiòes insalubres e de
erradicagào de doengas tropicais, que dificultam o pro-
gresso em certas zonas. N o dominio das relagoes entre
patròes e trabalhadores assegurou um clima de com-
preensào e coexistencia pacífica, evitando a exploragáo
dos operarios, dando-lhes protegáo pelo tempo de servido
e amparando-lhes a velhice através de legítima aposen-
tadoria. No dominio da justiga pòs os seus órgaos junto
ao povo para a reparagào dos direitos violados e pro-
moveu urna reforma substancial de Códigos e leis. N o
dominio das reservas naturais explorou as riquezas do
subsolo, extraindo o petróleo e os minérios, que utiliza
na economia interna ou exporta para várias nagòes. N o
dominio dos transportes rasgou o país de estradas por
onde circulam os produtos da terra e das fábricas. N o
dominio das comunicagòes substituiu o obsoleto sistema
de telefonia pela discagem direta e ampliou a rède de
televisáo, que já cobre dois tergos do territorio em
transmissao simultànea. N o dominio do planejamento
organizou programas de investimento, criou os ornamen-
tos plurianuais e implantou urna política de desenvolvi-
mento racional, que substitui as antigas plataformas ela-
boradas sob a inspiragao de solugoes imediatistas. No
dominio das Fórgas Armadas, o Exército, a Marinha e
a Aeronáutica, como instituigòes nacionais, executam a
política de seguranga nacional, defendendo a Pàtria e ga-
rantindo os poderes constituidos, o primado do direito e
a observancia da lei. Ñas relagoes internacionais man-
teve urna política de paz e amizade com os povos deste e
de outros continentes.

II — A R E V O L U g À O POLÍTICA

SUMARIO. — 4. A REVOLUgÀO DEMOCRATICA


BPASILEIRA ENCETA, NO SEU TERCEIRO GOVERNO,
A RACIONALIZAQAO DOS PODERES. O PRINCIPIO
CONSTITUCIONAL DE QUE TODO O PODER EMANA
DO POVO E EM SEU NOME B EXERCIDO - 5. GO-
VERNO DIRETO E REPRESENTAgAO POPULAR -
6. O ESTADO DEMOCRATICO DEVE CONVOCAR OS
MELHORES PARA REPRESENTAREM O POVO.

4 — A Revolugao Democrática Brasileira, em seu


terceiro Govèrno, enceta agora, no plano das instituigóes
políticas, a racionalizagáo dos Poderes, em que se exprime
a soberania nacional. Afirma a Constituigáo que "todo
o poder emana do povo e em seu nome é exercido" ( 2 ) .
Éste principio constitucional se desdobra em duas partes.
Na primeira se declara que "todo o poder emana do
povo". O povo é, assim, o primeiro elemento da demo-
cracia . Se democracia significa, como diz K E L S E N ,
identidade de dirigentes e de dirigidos, do sujeito e do
objeto do Estado e governo do povo pelo povo, entáo

2. C o n s t i t u i d o d a R e p ú b l i c a F e d e r a t i v a d o B r a s i l , a r t . 1', § 1". Este


é u m p r i n c i p i o n í t i d a m e n t e d e m o c r á t i c o r e c o n h e c i d o pelas constituigòes moder-
n a s : R e p ú b l i c a F e d e r a l d a A l e m a n h a , a r t . 20, § 2"; A u s t r i a , a r t . I o ; B é l g i c a ,
a r t . 25; F i n l à n d i a , a r t . 1", § 2°; F r a n g a , a r t . 5°; I r l a n d a , a r t . 6°; Italia,
a r t . 1?; T u r q u i a , a r t . 3 ? .
que é o povo? ( 3 ) . Segundo a concepçâo dominante nos
séculos X V I I I e X I X , entenderse por povo a entidade
homogénea constituida pela reuniâo de cidadâos. Assim
a vontade do povo reside no ser coletivo naçâo. Esta
é designada por soberanía nacional. Sob èsse nome, eia
é a base da democracia chamada clàssica, porque histó-
ricamente é a primeira forma sôbre a quai foi instituido
o govèrno do povo e que constituiu, durante mais de um
século, de modêlo às instituiçôes dos países livres. O
regime democrático liga-se, portanto, à idéia de soberanía
nacional ( 4 ) .
5 — N a segunda parte do preceito constitucional se
diz que os representantes do povo exercem o poder em
seu nome. A essência déste principio está em que o povo,
reconhecendo quâo difícil é exprimir imediatamente a sua
vontade, escolhe pessoas ou grupos de pessoas para
desempenharem em seu nome as funçôes do Estado. A
idéia de um Govèrno direto, em que o povo como corpo
de cidadâos se identifica com o Estado, já nao corres-
ponde às exigencias da organizaçâo política moderna
nao só pela complexidade de sua estrutura, como também
pela multiplicidade de seus problemas. Dai a necessi-
dade de urna representaçâo em que o povo manifesta a
sua soberanía através de mandatários, cujas deliberaçôes
guardam a mesma força e autoridade como se emanassem
do pròprio corpo de cidadâos ( 5 ) .

3. HANS KELSEN, Von Wcsen und Wert dee Demokratie, 1963, p á g . 14.
4. BURDEAU, La Democratie, pág. 36.

5. PINTO FERREIRA, Principios Gérais de Direifo Constitucional Moderno,


§ 14; MANOEL GONÇALVES FERREIRA F I U I O , Curso de Direito Constitucional,
2® e d . , p á g . 53 e segs.
Éste dogma do liberalismo político tem, contudo,
em nossa opiniao, apenas valor genérico, porque enuncia
a fonte do poder, mas n a o a maneira de exercé-lo. O que
preocupa, no entanto, a moderna doutrina é particularizar
o modo como se exprime a vontade popular, tanto mais
que, como observou B U R D E A U , se É sempre o povo que
governa, nao é sempre o mesmo povo ( 6 ) .
6 — Já escrevia TOCQUEVILLE em 1835 que "para
os partidarios da democracia importa menos encontrar
o meio de fazer o povo governar do que de fazer com
que o povo escolha os mais capazes" ( 7 ) . Os publi-
cistas punham a sua confianza na selegáo dos melhores,
a fim de lhes entregar o governo. " O Estado democrá-
tico", opina FERNEUIL, "convoca o govèrno dos melhores.
O futuro do govèrno popular está subordinado a essa
condigao expressa de que as massas democráticas adqui-
riráo pela educagào e pela pràtica das instituigòes livres a
clarividéncia necessària para discernir entre suas prefe-
rèncias os elementos mais saos, os mais vivazes e lhes
confiar o poder" ( 8 ) .
Éste problema preocupou sobremodo os grandes
políticos americanos que fundaram a República. MADISON

dizia que "a finalidade de qualquer constituigáo é ou


deve ser, primeiro, conseguir para governantes homens
que possuam no mais alto grau a sabedoria para distinguir

6. BURDEAU, La Dcmocratie, pág. 23.


7. TOCQUEVILLE, Oeuvrcs Completes, voi. VI, pág. 54.
8. FERNEUIL, Les Principes de 1789, pág. 130.
e a virtude para realizar o bem comum da sociedade; e,
em segundo lugar, tomar as precaugoes mais eficazes
para conservá-los virtuosos enquanto continuarem a
exercer o cargo" ( 9 ) .

III - DO FUNCIONAMENTO DOS PODÊRES

SUMARIO: ~ 7. TRES SAO OS PODERES D O ESTADO


ATRAVÉS DOS QUAIS SE MANIFESTA A V O N T A D E
D O P O V O : - LEGISLATIVO, EXECUTIVO E JUDICIÁRIO.
PARA C O M P R E E N D E R BEM OS DEFEITOS DA REPRE-
SENTAÇAO NOS DOIS PRIMEIROS, É PRECISO CO-
NHECER A HISTORIA DOS PARTIDOS POLITICOS N O
BRASIL — 8. OS PARTIDOS POLITICOS N O IMPERIO —
9. O PARTIDO REPUBLICANO E A POLITICA DOS
G O V E R N A D O R E S - 10. IMPLANTAÇAO DE PARTIDOS
POLITICOS NACIONAIS - 11. PEQUEÑOS E GRANDES
PARTIDOS — 12. O DRAMA DOS PARTIDOS POLI-
TICOS — 13. O PODER JUDICIARIO E SISTEMA DE
ESCOLHA DOS JUIZES.

7 — A regra, enunciada no art. I o , § I o , da Consti-


tuiçâo, consagra o principio de que o povo escolhe os
que o representara e devem desempenhar, em seu nome,
as funçôes estatais. Très sâo os Poderes do Estado
através dos quais se manifesta a vontade do povo: —- o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário ( 1 0 ) . A um
simples relance de olhos, o que se observa é que a
representaçâo nâo é uniforme nos très Poderes. Salvo
a eleiçâo do Presidente da República ( 11 ), os manda-
tários do povo, no Poder Legislativo e no Poder
Executivo, sâo escolhidos por sufrágio direto e universal
dentre nomes indicados pelos partidos políticos. Cabe a

9. Federalisí, n9 57.
10. Constituiçâo, art. 6'.
11. Constituiçâo, art. 74.
èstes, portante, a responsabilidade de selecionar quantos
devem ser apresentados ao julgamento do povo. M a s
nao foi das mais edificantes a éste respeito a experiencia
brasileira.
Para se compreender bem o defeito da represen-
t a d o no Poder Legislativo e no Poder Executivo, è de
todo conveniente bosquejar, ainda que em rápidas pince-
ladas, a historia do Partido Político no Brasil, assinalando
a evolugao por que passou desde os esforgos dos esta-
distas do Impèrio até as organizares que dominaram
a República.

8 — N o primeiro Reinado nao houve pròpriamente


partidos senáo grupos ou facgòes. A divisáo entre éles
se dava sob a forma de grupo do govèrno e grupo da
oposigáo ( 1 2 ) . N o segundo Reinado nao mudou muito
a situagáo. A formagáo do Partido Liberal e do Partido
Conservador veio abrir apenas uma frouxa luz na nossa
vida constitucional ( 1 3 ) . Parece que só no último quartel
do século X I X o Partido Liberal, cujo programa foi
redigido por N A B U C O DE A R A Ú J O e apresentado sob sua
responsabilidade, já procura delinear um plano de idéias
com largueza de vistas. " N o campo político", escreve
AFONSO ARINOS, "eleigáo direta, temporariedade do
Senado, restrigóes ao Poder de Polícia, descentrali-

12. AFONSO ARINOS, T e o r í a e Pràtica, do Partido Politico, pág. 20;


OTÁVIO TARQUÍNIO DE SOUSA, José Bonifacio, p á g . 215.
13. D i z i a NABUCO DE A R A U J O , n o S e n a d o , e m m e a d o s d e 1861: « C o n -
sidero extintos os p a r t i d o s políticos q u e m i l i t a v a m o u t r o r a ; n a o v e j o n o pre-
sente p o s s i b i l i d a d e d e se f o r m a r e m p a r t i d o s p r o f u n d o s , p a r t i d o s transmissíveis
d e g e r a ? 3 o a g e r a g á o , c o m o f o r a m ésses q u e o u t r o r a h o u v e e m F r a n g a " .
(JOAQUIM NABUCO, Um Estadista do Impèrio, voi. I, p á g . 350).
zaçao com maior autonomia das provincias, reforma
do Conselho de Estado, garantía à liberdade religiosa,
independência do Judiciário, reduçâo das forças militares,
aboliçâo da guarda nacional e do recrutamento, limitaçâo
do poder do clero; no campo económicp, emancipaçâo
gradual dos escravos, melhoramento da situaçâo do
operariado, derruiçâo de monopolios e privilégios eco-
nómicos, liberdade de comércio e indùstria; no campo
cultural, incremento, organizaçâo e ampia liberdade de
ensino — eis os tópicos principáis deste avançado pro-
grama que incorporava firmemente às suas reivindicaçoes
as experiencias do liberalismo europeu desde a grande
crise de 1848" (14).
Surge, finalmente, o Partido Republicano, dominado
sob o aspecto filosófico pelo positivismo, impulsionado
sob o aspecto económico pelo surto de produçâo do café
e prestigiado sob o aspecto militar pelos jovens oficiáis,,
que desejavam abater a Monarquía a fim de corrigir os
vicios inerentes à pràtica do sistema representativo ( 1 5 ).
9 — Implantada a República, o Govèrno Provisorio
debate a proposta, feita por G L I C É R I O , de se criar um
partido nacional ( 16 ) . Logo surgem dificuldades que
refletem, em grande parte, as tendencias assinaladas
na Constituinte de 1891 acèrca do regime federativo.
Altos representantes do Govèrno, notadamente C A M P O S
S A L E S , se manifestam por urna ampliaçâo dos podères do
Estado-Membro; R u i B A R B O S A defende o fortalecimento

14. AFONSO ARINOS, o p . cit., pág. 48 e segs.


15. AFONSO ARINOS, op. cit., pág. 56.
16. CAMPOS SALES, Da Propaganda à Presidencia, pág. 63.
da Uniâo ( n ) . Sob o aspecto teórico, a historia
demonstra que R u i B A R B O S A tinha razâo, pois a evoluçâo
dos acontecimentos conduziu à centralizaçâo; mas sob o
aspecto político, vingou a doutrina de C A M P O S S A L E S ,
com a chamada "política dos governadores".
O Partido Republicano se organiza em cada Estado
para onde se desloca, até 1930, o eixo da política. A
autoridade da Uniâo depende do apoio dos governado-
res. Tudo isso ocorre, porque durante a primeira Repú-
blica nao houve partidos nacionais. Com a vitória da
Revoluçâo de 1930 entra em declínio a "Política dos Go-
vernadores", recebendo o seu golpe mortal com a outorga
da Constituiçâo de 1937.
10 — A primeira tentativa de implantaçâo de
partidos nacionais surge com a Constituiçâo de 1946 ( 18 ) .
Formaram-se sob o regime constitucional vários par-
tidos, très dos quais eram nacionais: — o PARTIDO SOCIAL
DEMOCRÁTIO (PSD), a UNIÂO DEMOCRÁTICA NACIONAL
( U D N ) E O PARTIDO T R A B A L H I S T A B R A S I L E I R O ( PTB ) . Os
dois primeiros nâo se distinguem substancialmente por
programas ou doutrinas. Aquêle, com incluir o adjetivo
"social", nâo era avançado senâo tradicionalista. Éste
também era de nítida formaçâo democrática. À míngua de
programas diversos, os dois partidos se preocupavam com
o eleitorado sobre o qual exerciam influencia os chefes
locáis. A escolha dos dirigentes municipais se dividiu

17. AGENOR ROURE, A Constituíate Republicana, v o l . I , p á g . 69 e s e g . ;


RAÚL MACHADO HORTA, A Autonomía do Estado-Membro no Diveito Consti-
tucional Btasileiro, p á g . 76 e segs.
18. C o n s t i t u i í a o de 1946, a r t . 110, § 1 ' . O D e c . - l e i n ' 7.586, de 28
de m a i o de 1945, preanuncia a forma^ao de partidos n a c i o n a i s .
entre advogados, médicos, dentistas, agricultores e
demais pessoas gradas ( 1 9 ) .
O PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) paSSOU a
atuar nos sindicatos diretamente sobre os operarios, ace-
nando-lhes promessas de melhoria do bem-estar. O s
comunistas procuravam dominar o P A R T I D O T R A B A L H I S T A
B R A S I L E I R O ( PTB ) na esperança de levantar as massas tra-
bajadoras para a revoluçâo social. A razâo disso estava
em que nao podiam organizar-se em partido legítimo, pois
lhes obstava a êsse propósito o art. 141 § 13, da Consti-
tuiçâo de 1946, que proibia o funcionamento de partido
político, cuja doutrina ou açâo contrariava o regime demo-
crático baseado na pluralidade dos partidos e na garantía
dos direitos fundamentáis do homem.
11-— Nos últimos vinte anos a situaçâo política se
agrava consideràvelmente com a formaçâo, à margem
dos grandes partidos nacionais, de pequeños partidos de
pouca ou nenhuma significaçâo eleitoral. As chapas dos
grandes partidos ofereciam dificuildades nos pleitos,
disputados por empresários que punham recursos consi-
deráveis para a conquista de cadeiras e derrotando, em
conseqüéncia, os candidatos oriundos de áreas inte-
lectuais. Estas acabaram por se retrair,, abandonando
a política ou pelo menos déla se desinteressando. O s
pequeños partidos, que operavam como satélites dos
grandes, mal podiam preencher a chapa, constituida em
grande parte por pessoas de pouco relêvo na sociedade.
Estes problemas deram lugar ao florescimento de
duas categorías de políticos: — uns que velavam por
seu reduto eleitoral, mantendo-o, à força de distribuiçâo

19. AFONSO ARINOS, op. cit., pág. 102.


de empregos; e outros que se valiam de promessas aos
trabalhadores, embaindo-lhes a boa-fé. Os da primeira
categoría se chamavam empreguistas; os da segunda,
demagogos.
Dentro déste contexto, cumpre, todavia, ressalvar
a presen«^, quer nos grandes partidos, quer nos pequeños,
de elementos de alto valor intelectual, inspirados pela
idéia de promover a política científica do Estado e
realizar o bem comum.
12 — Com excegao da atividade revolucionária dos
comunistas, que possuíam urna doutrina, os partidos
políticos de feigao democrática eram geralmente pobres
de idéias renovadoras. Elementos conservadores se ins-
creviam tanto no partido do govérno como no partido da
oposigáo. Pessoas filiadas á doutrina marxista também
se integravam nos partidos conservadores, ocupando ca-
deiras no Congresso Nacional, ñas Assembléias Legisla-
tivas e ñas Cámaras de Vereadores. A competigao se de-
senvolvía numa luta de homens em busca de mandatos
eletivos.

O grande drama dos partidos políticos brasi-


leiros consistiu em desenvolver assim urna política de ho-
mens. Estes se uniam ou se separavam sem obediencia a
urna doutrina. A representado popular foi, em conse-
qüéncia, entrando em vertiginoso declínio. Governadores
de Estado conspurcavam a administrado, organizando
famosas "caixinhas". Deputados de poucas letras e ne-
nhum escrúpulo passavam a negociar votos ao sabor dos
mais reprováveis interésses. As Assembléias Legislativas
festejavam a orgia das sessóes extraordinárias, distri-
buíam automóveis aos deputados, empregavam número
considerável de funcionarios e autorizavam vilegiaturas
por conta dos cofres públicos.
13 — Enquanto nos Poderes Legislativo e Executivo
a representagao popular nao alcangou o desejado pro-
gresso científico, já as coisas se passavam de modo
diverso com o Poder Judiciáriq, que recebe cuidadoso
tratamento dos últimos legisladores constituintes.
O Poder Judiciário nao é constituido por ma-
gistrados eleitos pelo voto popular. O ingresso na
magistratura se realiza mediante concurso de provas e
títulos. Uns sao da Justiga estadual; outros, da Justiga
federal. Os que integram a primeira categoría ascendem
às entráncias superiores mediante promogáo por mereci-
miento e antiguidade até atingirem o Tribunal de
Justiga. Constituí excegáo a esta regra geral, dominante
na Justiga estadual, a escolha dos Ministros do Supremo
Tribunal e de outros altos Tribunais da República, que
obedece a critèrio diferente. O Presidente da República
os nomeia dentre brasileiros de notável saber e reputagáo
ilibada após a aprovagáo de seu nome pelo Senado ( 20 ) .
Mas o cuidado de selecionar tais representantes do
povo nao pára ai. O Poder Judiciário instituí um
Cons'elho Superior da Magistratura, cuja fungáo consiste
em fiscalizar, por via administrativa., o procedimento dos
juízes. Isso equivale a dizer que, nao contentes com as
providencias que cercam o ingresso mediante a selegáo
por concurso, o controle dèsses órgaos do Poder Judi-
ciário prossegue ao longo da carreira, podendo o Estado

20. Constituigao, art. 118, § único; art. 121; art. 128; a r t . 141, § I o , « a » .
afastar aqueles que se tornaram indignos da repre-
sentado ( 21 ) .
14 — Esta racionalizado do Poder Judiciário nao
nasceu por acaso nem por encanto; foi o resultado de
um paciente processo de aperfeigoamento da instituigáo
reclamado pela natureza da atividade jurisdicional e
dignidade dos seus órgáos. Entenderam nossos consti-
tuintes que só deviam confiar a magistrados cultos,
honestos e capazes, o julgamento das causas relativas á
liberdade e á fazenda.
Aos publicistas que se preocuparam com o Poder
Judiciário, um dos meios de selecionar os melhores para
o exercício da fungao se afigurou o concurso de provas
e títulos. Pode nao ser o único sistema. Mas sem
dúvida é aínda um dos melhores na democracia, porque
assegura a todos a possibilidade de conquistar, por
merecimento próprio, tao elevada fungao. Respeitava-se
assim o principio da igualdade.
A experiencia brasileira demonstrou as inequívocas
vantagens désse processo seletivo de valores. Desde a
implantagao do sistema de concurso, já ninguém pensa
noutra solugao, nem outra melhor surgiu nos monumentos
legislativos contemporáneos. A ligáo que se tira dessa
conquista brasileira nao está, porém, apenas em exaltar
os méritos do processo de selegáo, mas especialmente
em cotejar a conquista do Poder Judiciário, pondo-a em
confronto com a escolha de representantes do povo nos
dois outros Poderes.

21. Constituigáo, a r t . 113.


IV - D O SISTEMA CONSTITUCIONAL
VIGENTE

SUMARIO: - 14. CRITERIO PARA ELEICÁO DOS


REPRESENTANTES DO P O V O N O PODER LEGISLATIVO
E N O PODER EXECUTIVO - 15. OBJETIVOS DA LEI
COMPLEMENTAR DE INELEGIBILIDADE. O PRIMEIRO É
A P R E S E R V A g A O D O REGIME DEMOCRATICO - 16. O
SEGUNDO OBJETIVO É PRESERVAR A PROBIDADE
ADMINISTRATIVA - 17. O TERCEIRO OBJETIVO É
PRESERVAR A N O R M A L I D A D E E A LEGITIMIDADE DAS
ELEigOES - 18. O QUARTO OBJETIVO É GARANTIR
A M O R A L I D A D E PARA O EXERC1CIO D O M A N D A T O -
19. LEI DE INELEGIBILIDADE E LEI DE HLEGIBILI-
DADE - 20. O P O V O JAMAIS QUIS ESCOLHER, C O M O
SEUS REPRESENTANTES, OS MAUS ELEMENTOS -
21. EXEMPLOS ELUCIDATIVOS - 22. UM DOS MERITOS
DA R E V O L U g A O DE 31 DE M A R g O É O DE CON-
SIDERAR A POLITICA C O M O CIENCIA E INSTITU-
CIONALIZA-LA C O M O ÉTICA.

15 — D o confronto que acaba de ser feito, bem se


vé, que, dentre os Poderes do Estado em que se manifesta
a soberania nacional, um déles procurou racionalizar-se,
assegurando urna representado do povo qualitativa-
mente excelente, porque escolhida mediante concurso de
provas e títulos. Naturalmente ninguém está pensando
em propor, na eleigáo dos representantes do povo no
Poder Executivo e no Poder Legislativo, que se consagre
o mesmo método. Mas todos fácilmente intuem que nao
pode subsistir o sistema vigente pelos defeitos que tem
e sao reconhecidos pelos publicistas e políticos.
A Revolugáo de 31 de margo considerou táo impor-
tante a reforma das instituigóes políticas que, na Emenda
Constitucional n° 1, consignou:
" A r t . 151. Lei complementar estabele-
cerá os casos de inelegibilidade e os prazos
dentro dos quais cessará esta, visando a pre-
servar: — I — o regime democrático; II — a
probidade administrativa; III — a normalidade
e legitimidade das eleigÓes contra a influencia
ou o abuso do exercício de fungáo, cargo ou
emprégo público da administrad 0 direta ou
indireta ou do poder económico; I V — a mora-
lidade para o exercício do mandato, levando
em considerado a vida pregressa do candi-
dato."

O que consagra esta norma constitucional é da


maior importancia para os novos rumos da política bra-
sileira. Lei complementar deve estatuir regras visando
a preservar quatro objetivos.

1 6 — O primeiro é o regime democrático. En-


tende-se por regime democrático no sistema constitu-
cional brasileiro aqüéle: a) fundado na representado
popular e na pluralidade de partidos ( 2 2 ); b) em que
a ordem económica tenha por fim realizar o desenvolvi-
mento nacional e a justiga social, com base na liberdade
de iniciativa, valorizado do trabalho como c o n d i d ° da
dignidade humana, f u n d o social da propriedade, har-
monía e solidariedade entre as categorías sociais de
p r o d u d o e repressáo ao abuso do poder económico ( 2 3 );
c) e que mantenha a Federado e a República ( 24 ) .

22. Constituic,5o, a r t . 152, I; KELSEN, Von Wesen und Wert der Demo-
kratie, p ä g . 20: — " D i e Demokratie ist n o t w e n d i g u n d vermeidJich ein Par-
teinstaat" .
23. Constitui^äo, a r t . 160.
24. Constituigäo, art. 47, § 1".
17 — O segundo objetivo é preservar a probidade
administrativa. Por esta expressáo se há de designar a
inteireza do caráter que leva á observancia estrita dos
deveres do homem público. Se a leí complementar visa
a preservar a probidade administrativa, a escolha de
candidatos ao exercício de fungao eletiva supóe que éles
sejam politicamente capazes, porque carece de retidáo
quem é investido em mandato para cujo desempenho nao
está apto. A probidade administrativa concerne, pois, á
competencia funcional, que se demonstra nao pela fólha
corrida de inexistencia de antecedentes crimináis, mas
por atos ou fatos inequívocos que atestem o mérito no
exercício de fungao eletiva. Esta idéia nao é nova;
constituiu sempre uma preocupagáo dos publicistas. Já
em trabalho publicado em 1886 V . E . ORLANDO
dizia que "a representaqáo pressupóe a selegáo dos
capazes para lhes confiar o exercício das mais altas fun-
goes da vida pública". Mas, compreendendo as dificul-
dades da representado, esclarece: " N a o pretendemos
que a Cámara deva ser composta de imortais; mas que-
remos falar de capacidade específica em relagao á forma
de atividade de que se trata: em uma palavra, de capa-
cidade política" ( 25 ) . O mérito do direito brasileiro
foi o de erigir a probidade administrativa á eminencia
de principio constitucional, impondo aos partidos a res-
ponsabilidade de escolher os que melhor e mais digna-
mente podem ser os mandatários do povo.
18 — O terceiro objetivo é preservar a normali-
dade e a legitimidade das eleigoes. A Constituidlo
25. V.E. ORLANDO, Diritto Pubblico Gencrale, Milano, 1940, p á g s . 456
e 454.
considerou que dois fatòres podem concorrer para per-
turbar a seriedade dos pleitos. U m é a pressáo de
grupos económicos. Outro é a influencia de quem abusa
do exercicio de cargo, fungào ou emprègo público na
administrado direta ou indireta. Para evitar qu'e uns e
outros violassem o principio da igualdade de todos na
disputa eleitoral, a lei de inelegibilidade lhes exigiu a
desincompatibilizagáo de modo que ambos fóssem desar-
mados dos meios de que poderiam valer-se.
19 — O quarto objetivo é a moralidade para o
exercício do mandato, levando em consideralo a vida
pregressa do candidato. Esta cláusula quer significar
que aquèle que nao tem vida pregressa moralmente irre-
prochável, nào pode ser indicado ao eleitorado. A o
considerar esta condigao requisito autònomo, a Constitui-
d o quis distinguir claramente a probidade administrativa
da moralidade para o exercício do mandato. A primeira
supòe candidato politicamente capaz; a segunda, moral-
mente digno. Nao se trata de condigSes alternativas,
mas concorrentes, ou em outras palavras, o candidato
deve reunir as duas qualidades para legitimar-se na
disputa de mandato eletivo.

20 —• D o conjunto destas prescrigoes constitucio-


nais se infere que o Código dos Partidos há de dispor
rigorosamente acerca da selegáo dos candidatos. Mais
do que urna lei de inelegibilidade, o que a Constituido
quis recomendar ao legislador foi que elaborasse urna lei
de elegibilidade. A primeira é necessària, porque indica
quem nao pode ser candidato, por lhe carecerem os
requisitos mínimos para inclusáo em chapa; a segunda
seleciona quem pode ser candidato, porque a sua escolha
preserva nao só a probidade administrativa, como tam-
bém a moralidade para o exercício do mandato. O
Código de Partidos há de prever, portanto, as condigózs
negativas e positivas para a selegáo dos candidatos.
21 — N a o se pense que tais exigencias constituem
um limite á liberdade de representado. O povo jamais
quis escolher, como seus representantes, os maus elemen-
tos¡. M a s pode ser enganado por candidatos fecundos
de promessas falaciosas. Depois do engano vem o
desengano. M a s já é tarde. Quantas vézes o eleito
pratica atos de improbidade, que raramente sao punidos!
Quantas vézes negocia o seu voto ñas composigSes polí-
ticas, na votagáo de projetos de lei, ou na disputa de
lugares no diretório! E, quantas vézes, formando a clien-
tela, organiza bom servido de comunicagoes através dos
quais consegue até reeleger-se! O povo ignora tudo e
continua sendo enganado.
Veio a Revolugáo para expurgar da política tais
vicios, preconizando novo sistema de escolha de repre-
sentantes do povo. Assim procedendo, nao inventa urna
coisa surpreendente; limita-se a aplicar ao mundo político
urna verdade elementar adotada sem discrepancia pela
nossa legislagao. Se nao, vejamos.

22 •—• Para o exercício da medicina, exige a lei


diploma de médico expedido por Faculdade oficial ou
reconhecida. A sociedad'e moderna nao tolera que
alguém recorra a curandeiro ou charlatáo para tratar
de sua saúde. D o mesmo modo nao permite a lei que
o litigante postule em juízo senáo representado por
advogado inscrito na Ordem. A defesa dos direitos
perante o Poder Judiciário nao pod"e ser confiada a
quem nao tenha o grau de bacharel em ciencias jurídi-
cas . A construgao de um edificio nao pode ficar a cargo
de mestre-de-obra, mas de engenheiro, cujo diploma lhe
habilite o exercício da profissáo. Os exemplos poderiam
mültiplicar-se. Éles servem para mostrar que, na socie-
dade moderna, quem nao tem capacidade, reconhecida
por lei, nao pode exercer profissáo.

23 — Mas, se tantas exigencias sáo feitas para o


exercício de profissoes que interessam a toda a socie-
dade, como nao se proceder a racionalizado dos man-
datos eletivos, impondo-se a escolha dos mais capazes
e dignos na representado popular? N a verdade, a partir
da Constituido de 1967, o povo tem direito a urna
legislado, que o oriente e o ampare na selegáo dos seus
mandatários. Um dos méritos da Revolugao de 31 de
Margo foi o de considerar a política como urna ciencia
e institucionalizá-la como ética. Antes disso, a política
teve entre nós o fadário de se desenvolver como agáo
meramente empírica, variando segundo as vicissitudes
ou contingencias dos fatos. Por isso todos sre arrogavam
o direito de questionar e opinar sobre os temas da ordem
do dia, oferecendo solugoes geniais.
Quando a política se reduz á simples competigao
de interésses, déla se pode falar como arte dos casos
ocorrentes na vida social. Quando, porém, a política é
entendida como doütrina e como corpo de principios, a
¿gao do Govérno traduz urna Filosofía do Estado e urna
concepgao geral do homem.
v — A POLÍTICA C O M O CIENCIA
SUMARIO-. - 23. A POLITICA COMO CIENCIA
PRATICA - 24. O FIM D O ESTADO É A REALIZAgAO
DO BEM COMUM — 25. PARA REALIZAR O BEM
COMUM, A DEMOCRACIA PRECISA TECNICIZAR AS
FUNgOES DO ESTADO.

— Consoante a ligáo de S . T O M Á S , as ciencias


24
se dividem em especulativas e práticas. O que as distin-
gue é que as primeiras sao ordenadas ao conhecimento
puro da verdade, enquanto as segundas se estendem até
a agao humana. A ciencia política, considerando a boa
ordenagáo dos homens, versa sobre a sua a<jao e assim
se incluí entre as disciplinas moráis ( 2 6 ) .
A ciencia política, escreve ARANGUREN, abrange a
um tempo o comportamento político e as estruturas polí-
ticas. A primeira se volta a urna investigarlo eminente-
mente psicológica; a segunda encara o fenómeno sob o
aspecto sociológico. A ciencia política é uma ciencia
positiva que deseja conhecer a realidade do político sob
a sua aparéncia formal, jurídica e institucional. Prosse-
gue o referido autor, acentuando que a realidade política
é constituida, antes de mais nada, pela estrutura e fun-

26. S. TOMÁS DE A Q U I N O , in LIB. — Ethicorum ad Nicomachum, lib. 1,


lect 1, n ° 1; i n Politicorum, proem, ns. 5 e 6. O v o c á b u l o m o r a l , c o m o ob-
serva LACHANCE, d e s i g n a antes u m a o r d e m q u e u m saber p a r t i c u l a r (LACHANCE,
L'Humanisme Pctlitique de Saint Thomas d'Aquin, pág. 355). Daí o dizer
S. TOMÁS q u e a filosofía m o r a l se classifica em tres p a r t e s . A primeira, que
se c h a m a t a m b é m monástica, considera as operagóes d o h o m e m ¡solado, e n q u a n t o
o r d e n a d o a u m f i m . A s e g u n d a considera as operagóes d o grupo doméstico: —
é a tarefa d o económico. A terceira, e n f i m , q u e se c h a m a política, se ocupa
com o a g i r específico d a sociedade civil ( S . TOMÁS, Ethicorum ad Nicomachum,
lib. 1, lect, 1, n ' 6).
cionamento do poder. Naturalmente, em lugar do poder,
é lícito falar de "Estado" ou "Govèrno". O vocábulo
"Estado" conduz o estudo para categorías jurídicas, isto
é, categorías puramente formáis, quando justamente o
que importa é separar bem, desde o inicio, a Ciència
Política da Teoria Geral do Estado. Por outro lado, o
que preocupa a Ciencia Política é o que existe "atrás"
do Estado, ou seja, as fórgas políticas reais. Os gover-
nantes sao freqüentemente pessoas interpostas, as insti-
tituigoes jurídico-políticas urna "super-estrutura" e os
podéres chamados "legislativo" e "executivo" delegagoes
do verdadeiro Poder ou dos verdadeiros Podéres. Ora,
é a estrutura désse fenomeno que, em cada comunidade,
interessa à ciència política ( 27 ) .
25 — O verdadeiro fim do Estado, segundo a con-
cepgáo tomista, é a realizagao do bem comum. Ora, o
bem comum é o fim tanto do povo quanto do individuo.
«Oportet eundem finem esse multitudinis humanae, qui est
hominis unius" ( 28 ) . Governar é, pois, cuidar do bem
comum e do bem individual e nao do bem particular do
governante. Se o Govèrno se ordena para realizar o bem
comum, o regime será reto e justo; se, ao contràrio, se
ordena ao bem privado do regente, o Govèrno será
injusto e perverso. "Si igitur liberorum multitudinis e

27. ARANGUREN, Etica e Política, p á g . 41 e segs. S e g u n d o J E L U N E K ,


a p o l í t i c a c o m o ciencia a p l i c a d a se d i s t i n g u e d a d o u t r i n a g e r a l d o E s t a d o .
E s t a c o n t é m essencialmente j u í z o s de c o n h e c i m e n t o : — a q u e l a tem p o r con-
t e ú d o j u í z o s d e v a l o r . A p o l í t i c a c o m o ciencia p r à t i c a é, a o m e s m o t e m p o ,
urna d o u t r i n a d e arte e p o r isso v o l t a d a a o f u t u r o ; e n q u a n t o a d o u t r i n a d o
E s t a d o , c o m o d o u t r i n a d o q u e é, se v o l t a a o p a s s a d o e a o presente (JELLINEK,
AUgemeine Staatslehre, c a p . I, § 3 ' ) .

28. S. TOMÁS DE A Q U I N O , De Regimine Principum, I, XIV, n* 60.


regente ad bonum commune multitudinis ordinetur, erit
regimen rectum et justum, quale convenit liberis. Si vero
non ad bonum commune multitudinis, sed ad bonum
privatum regentis ordinetur, erit regimen injustum atque
perversum" ( 2 9 ) .
estudando o conceito de bem comum,
DABIN,
observa que "toda a atividade do Estado, todas as suas
atribuigoes e quaisquer fungoes estáo submetidas á
norma do bem comum; sua atividade jurídica nao pode
constituir excegáo á regra. É a necessidade social, a
exigencia e, por conseguinte, o bem da comunidade que
reclama a intervengáo do Estado para o efeito de regu-
lamentar as relagóes humanas; é o mesmo bem comum
qu'e vai determinar a medida, o modo e o sentido de
intervengáo. Justificando a regra, o bem comum é cha-
mado a justificar-lhe todo o conteúdo positivo e nega-
tivo, quantitativo e qualitativo. E desde entao a verdade
jurídica pode definir-se, pelo menos teóricamente: a ade-
qua?áo da disposigáo e da coagáo do Estado as exigen-
cias do bem comum" ( 3 0 ) .

26 — Para realizar o bem comum, a democracia


moderna procura tecnicizar as fungoes do Estado, subs-
tituindo os políticos empíricos por políticos capazes,
geralmente economistas e professóres, que se preocupam
em preparar o plano de desenvolvimento. De acórdo
com esta nova perspectiva, surge um conceito funcional

29. S. TOMÂS DE A Q U I N O , De Regimine Principum, 1, 4.


30. DABrN, La Philosophie de L'Ordre Juridique Positif, pâg. 154. Se-
gundo S . TOMÂS DE A Q U I N O , « L e x est o r d i n a t i o r a t i o n i s a d b o n u m commune».
(S. TOMÂS c e AQUINO, Summa Theologica, 1', I I ' Q. 90).
de Govèrno ( 31 ), que tende à desmitologizagao ou
32
desmitizagao da autoridade ( ) . É que a democracia
ocidental, como esclarece ARANGUREN, se acha em fun-
d o do desenvolvimento econòmico da nagao e da par-
ticipado suficiente de todos os cidadáos na renda
nacional. A democracia (sempre no sentido ocidental)
é impossível ou instável quando grupos inteiros se sentem
explorados econòmicamente ou inseguros e quando o
país é pobre e nao desenvolvido" ( 3 3 ) .

A valorizado do elemento econòmico nao significa


urna diminuido do elemento político. Significa, ao con-
tràrio, urna ampliado do campo da política, que passa a
abranger o plano do desenvolvimento e da expansao como
urna das metas para atingir o bem comum. A política
incluí, pois, entre as suas atividades primordiais a reno-
v a d o científica da administrado pública. Assim, os par-
tidos, que pretenderti transmitir urna mensagem ao povo,
tèm de lhe submeter, para a escolha de seus representan-
tes, nao os nomes de carreiristas, de demagogos ou de
salvadores carismáticos, mas sim os programas de desen-
volvimento capazes de sensibilizar o povo ( 34 ) . Ai se
reafirma a necessidade de promover urna política de idéias
e nao de homens.

31. KARL M A U N H E I M , Liberdadc, Poder e Planificagáo Democrática,


pág. 67 e segs.

32. ARANGUREN, Ética e Política, pág. 159.

33. AHANGUREN, Ética e Política, pág. 169.

34. « A f i n a l i d a d e dos p a r t i d o s políticos é c h e g a r a o p o d e r p a r a por em


execu<;áo urna d o u t r i n a o u p r o g r a m a » . (LINARES, QUINTANA, LOS Partidos
Políticos, 1945, p á g . 69).
VI _ POLÍTICA E MORAL

SUMARIO: ~ 26. NAS RELAÇÔES ENTRE A POLITICA


E A M O R A L HA DUAS POSIÇOES - 27. A i.IÇAO DE
LOCKE E DE POLIN - 28. A POLITICA RECEBE DA
MORAL OS PRINCIPIOS QUE A DEVEM REGER ~
29. POSIÇAO D O CRISTAO E D O ATEU N O M U N D O
POLITICO - 30. INSTITUCIONALIZAÇAO DA M O R A L
NA POLITICA.

27 — N o estudo das relaçôes entre a política e a


moral, aponta a doutrina duas posiçôes distintas. Urna
é a daqueles que sustentam que a moral e a política sâo
inconciliáveis, de tal sorte que quem pretende participar
da política d<eve renunciar positivamente às exigencias
dos imperativos moráis. " O homem tem que ser moral;
também tem que ser político; e nâo o pode ser conjunta-
mente. Atormentado por estas duas forças contrarias —
a exigencia do ético e a resistencia do político, — vê-se
desgarrado e dividido; condenado à inabilidade e fra-
casso políticos, por tentar responder ao chamado da
moral; condenado moral, porque, em definitivo, o simples
fato de "entrar" no jôgo político já é imoral" ( 3 5 ) .
Outra posiçâo é daqueles que, mesmo sem levar
em conta o homem quanto à sua moral individual, reco-
nhecem que é perfeitamente lícito indagar da natureza
da política e estabelecer a sua relaçâo com a ética.
S . T O M Á S sustenta que a ética é o genero, do quai a
política é a espécie. A política se contém na ciencia que

35. ARANGUREN, Ética e Política, p á g . 56 e segs. « E s t a p r i m e i r a p o s i ç â o


se s u b d i v i d e em v á r i a s correntes de o p i n i ó e s , d a s q u a i s se p o d e m destacar, p o r
sua i m p o r t a n c i a , o realismo político, o positivismo e o marxismo. P a r a o rea-
l i s m o p o l í t i c o n â o h á em v e r d a d e urna f o r m a l o p o s i ç â o entre a ética e a p o l í t i c a :
c a d a q u a i é u m a ciencia i n d e p e n d e n t e , q u e se rege p o r leis p r ó p r i a s ; à p o l í t i c a
s â o , p o r t a n t o , indiferentes as leis m o r á i s " . (ARANGURF.N, Ëtica e Política,
pág. 66).
trata dos entes moráis. É urna ética especial, urna forma
de saber moral. Supondo-se já conhecidos os caracteres
gerais do agir humano, bem como seus principios e suas
leis, eia se concentra sòbre o agir coletivo e lhe considera
as condigòes de existencia e eficacia ( 3 6 ) . A ética sub-
ministra, portanto, à política seus principios, ou, como
diz S . T O M Á S , "quia in hac scientia traduntur principia
politicae" ( 37 ) . A ética, observa L A C H A N C E , procura as
causas possíveis da virtude; a política determina os meios
concretos de arraigá-las ñas almas ( 38 ) .
A ética e a política tém, pois, o caráter de ciencias
práticas. "Necesse est hanc scientiam (politicam) sub
practica philosophia contineri, cum civitas quodam totum
cujus humana ratio non solum est cognoscitiva sed etiam
operativa" ( 3 9 ) .
28 — Para L O C K E , a moral e a política constituem
dois dominios distintos, mas inseparáveis ( 4 0 ) . P O L Í N ,
ao sintetizar o pensamento de L O C K E , observou que um
individuo pode esforgar-se por viver e pensar moral-
mente sem se preocupar de política; mas pelo fato de
viver em urna comunidade política, de que nao pode
deixar de ser solidàrio, seus atos e seus pensamentos,
malgrado suas intengoes, assumem sentido político, acar-
retam conseqüéncias políticas ( 4 1 ) .
P O L Í N acentúa que uma coisa pode náo ser moral;
mas outra e bem diversa é dever ser moral. " D o mesmo
36. LACHANCE, L'Humanisme Politique de Saint Thomas d'Aquin, p á g . 358
e segs.
37. S . TOMÁS DE AQUINO, in Ethiconm, L i b . I, lect. 19, n* 225.
38. LACHANCE, op- cit. p á g . 362.
39. S . TOMÁS DE AQUINO, Politicorum, Prologus.
40. POLÍN, La Politique Morale de John Locke, p á g . 5 e seg.
41. POLÍN, La Politique Movale de John Locke, p á g . 7 .
modo que a vida individual pode nâo ser moral e que o
homem, frágil por sua liberdade, pode corromper-se,
assim também a vida política, o uso da força pública
podem nâo ser moráis. Mas urna e outra devem
42
së-lo" ( ).

Ainda que se considere que a política nâo seja


natural e necessàriamente ética, a verdade é que deve
sé-lo, porque, dada a versatilidade dos atos humanos, há
urna luta inegável entre a pràtica do bem 'e do mal. O r a
a éste propósito convém lembrar um mandamento trans-
crito por M A X W E B E R : " T U deves opor-te ao mal pela
força, se nâo serás responsável por seu triunfo ( 43 ) .
29 — A política se distingue, porém, da moral. A
política contempla e tende a solucionar problemas vários,
que nâo concernem estritamente a atos individuáis ou
coletivos, cujo comportamento interessa à ética; também
se ocupa com questóes económicas, administrativas, geo-
gráficas, em suma, questóes técnicas, alheias à ordem
dos valores moráis ( 4 4 ) . Mas, em tudo que se refere
ao comportamento humano, a política recebe da ciencia
moral os principios g'erais que a devem reger. Dai dizer
S . T O M Á S DE A Q U I N O que "Cum ratio quaedam operetur
per modum factionis operatione in exteriorem materiam
transeunte, quod propie ad artes pertinet, quae mecani-
cae vocatur, utpote fabrilis et navifactiva et simplis;
quaedam vero operatur per modum actionis operatione
manente in eo qui operatur, sicut est consiliari, eligere,

42. POLÍN, La Politique Morale de John Locke, pág. 7.


43. MAX WEBER, Le Savant et le Politique, pág. 185.
44. ARANGUREN, Ètica e Politica, pág. 102.
velie et hujusmodi quae ad moralem scientiam pertinenti
manifestimi est politicam scientiam, quae de hominujm
considerai ordinatione, non contineri sub factivis scien-
tiis, qua!e sunt artes mechanicas, sed sub activis quae
sunt scientias morales" ( 45 ) .
30 — Chegando a èste ponto, è indispensável fazer
urna breve digressao sòbre a posigáo do cristào em face
do problema das relagoes entre a moral e a política. O
cristao è urna criatura sujeita à Lei de Deus enunciada
ñas Escrituras Sagradas. Dos Evangelhos a página mais
eloqüente è o Sermáo da Montanha, que funda a dou-
trina do amor, condena a violencia e prega a caridade.
A moral crista traga aos fiéis a pràtica das virtudes. Eia
sabe que a criatura humana peca, pratica o mal e erra
milhares de vèzes. Eia sabe que a criatura humana nao
é perfeita. Eia sabe que atingir a plenitude moral é
privilègio dos santos. Mas lhe impÒe a obrigagáo, mal-
grado os seus erros, males e pecados, de nao se afastar
dos principios moráis. O que lhe compete fazer como
pessoa nao é, portanto, diverso do que tem de fazer
como cidadao e como homem público.

A política é eminentemente diatètica, mas nao exo-


nera a pessoa do dever de cumprir as leis éticas. A
posigáo do cristao, posta em confronto com a do ateu,
é verdadeiramente dramática. O ateu pode ter altas
virtudes, ser homem honrado, praticar conduta exem-

45. S . TOMÁS DE AQUINO, Polii. 1, 1, lect. 14. P a r a os cristáos n a o


se pode separar a moral da politica, £ certo que n a o se encontrará em
S . TOMÁS a expressao política crista. M a s S . TOMÁS deu todos os meios
p a r a se construir urna política fundada n a ética ( c f . CHARLES JOURNET,
V u e s chrétiennes sur la Politique, p á g s . 43 e 1 4 0 ) .
piar. Mas, sujeito apenas aos frouxos lagos impostos
pela convençâo social, está sempre livre de agir de modo
diferente, rompendo com os compromissos que espontá-
neamente aceitou, porque a sua obrigaçâo moral nâo se
funde numa ordem sobrenatural. O cristâo, ao contrário,
é obrigado a cumprir as normas de uma moral, cujos
principios lhe foram transmitidos pela mensagem divina
da fé revelada ( 4G ) .
46. A s idéias expostas n o texto j á mereceram a mais cuidadosa análise
"dos filósofos ( c f . M A X W E B E R , Le Savant et te Politique, p á g . 184; FÉLIX
LE DANTEC, L'Athéisme, p á g . 112 e segs.; LEONARDO V A N ACKER, Anuario
da Faculdade de Filosofía de Sâo Bento, 1926, p á g . 44; e Anuario da
Faculdade de Filosofía Sedes Sapientiae, 1967-1968, p á g . 39). Todavia,
merece ser reproduzida, a éste respeito, u m a liçâo d o CARDEAL MERCIER„
Pages Choisies, p á g . 153 e s e g s . :
« L ' h u m a n i t é donc, considérée dans son histoire et dans toutes mani-
festations de sa vie spontanée, chez les incivilisés aussi bien que chez les
civilisés, est religieuse et, dès lors, ce n'est pas là que les partisans de la
morale sans D i e u trouveront des autorités ni des témoins.
E n trouveront-ils chez les athées de l'heure présente? — C a r enfin, l'on
ne peut nier qu'il y ait des athées. . . E t o n ne le niera pas d a v a n t a g e ,
p a r m i ces partisans de l'athéisme, la moralité n'a pas cessé d'être en h o n n e u r .
D è s lors, nous voici ramenés, semble-t-il, à une morale non solidaire d ' u n e
religion, même naturelle.
R e g a r d o n s bien cette objection en face, car elle est le sup-ême refuge
de la morale sans D i e u .
E h bien, oui, il y a des athées; les uns le sont par philosophie, les
autres p a r entrainement.
E t ces athées ne sont assurément pas tous sans morale; qui le r.ontesterait?
M a i s la question délicate et qui appelle des précisions est de savoir,
dans quelles conditions ces athées professent et pratiquent la moralité.
Se contentent-ils de suivre le courant général des sociétés civilisées et
d'obéir à la morale, parce que d'autres y obéissent, parce que la mode est
de régler sur elle la conduite de sa vie?
N o u s ne les blâmerons pas d'agir ainsi; nous les féliciterons même
de l ' h o m m a g e qu'ils rendent, malgré eux, au christianisme qui les enveloppe
et d o n t ils portent dans leurs entrailles l'emp-einte héréditaire.
L o n g t e m p s après qu'il a disparu de l'horizon, le soleil réchauffe encore
les nuits et la végétation en ressente l'influence prolongée, sinon même
l'action fécondante.
Les ténèbres, pourtant, ni ne réchauffent, ni ne fécondent.
A i n s i en va-t-il de ceux que la religion pénètre, à leur insu ou m a l g r é
eux, parce qu'ils la respirent partout dans l'ambiance séculairement chrétienne
31 — Encerrada a digressâo, podemos dizer que,
nas relaçÔes entre a moral e a politica, deu o direito
constitucional brasileiro, sob a inspiraçâo revolucionâria,
um passo decisivo. N â o cuidou apenas da moral indivi-

o ù ils ont grandi et o ù ils se laissent de toutes parts, aujourd'hui encore,


enlacer dans le réseau social.
L'exemple de cette honnêteté inconsciente est u n témoignage sans portée
dans le débat qui, en ce moment, nous occupe.
L e problème des relations de la morale avec l'affirmation o u la négation
d'un D i e u absolu relève de la conscience réfléchie et n o n de l'instinct, si
noble que vous le supposiez dans ses aspirations.
L a vraie position d u problème, l'unique position d u problème consiste
à rechercher si l'homme qui nie la subordination de sa nature a une fin
absolue, supérieure à lui et souveraine par rapport à lui, si est homme
est tenu, en conscience, après réflexion, de professer et de pratiquer une
loi morale. j
Or, à cette question, nous répondons hardiment: — Non.
N o n , l'athée conscient de son athéisme n'a pas l'obligation d'être honnête
et j'ose l'ajouter, celui qui, sans y être obligé, met des chaînes à sa volonté
libre est un naif, o u un insensé.
Certes, il y a , D i e u merci, des athées inconséquents ou timides qui
sont m o r a u x , comme il y a, hélas, des hommes religieux qui, par inconséquence
o u par faiblesse, sont i m m o r a u x .
E t c'est p o u r ce motif, entre autres, que les statistiques comparatives
des crimes commis en p a y s religieux ou dans des régions o ù domine
l'indifférence religieuse seront toujours un instrument défectueux de contrôle,
entre les mains de celui qui voudrait s'en servir p o u r ou contre !a thèse
de la solidarité de la morale et de la croyance religieuse.
Il est impossible, en effet, dans les statistiques q u i tablent sur des faits
extérieurs, matériels, de faire la part de la faiblesse o u de l'illogisme de
la conscience m o r a l e .
M a i s supposé, p a r impossible, qu'une société p û t devenir athée et le
rester assez longtemps p o u r neutraliser en elle les bienfaisances rncestrales
de la civilisation religieuse et chrétienne, alors la logique de l'athéisme
développe ait sans entraves ses conséquences et, a u bout d'un certain nombre
de générations, ces hordes humaines sans frein religieux seraient sans frein
moral; chacun, en toute raison et en toute justice, revendiquerait pour soi
et p o u r ses instincts et p o u r ses lubies une indépendance souveraine, et les
spectateurs de ces moeurs nouvelles assisteraient stupéfaits à une ruée violente
ou astucieuse de passions sensuelles ou féroces.
D e tout quoi nous tirons la conclusion, que le lib'-e penseur athée qui
prétend à la devise: — « P a s de D i e u , pas de maître!» o u encore: « J e vis
ma vie, à m a guise», a pour lui la logique.
Les honnêtes gens sans religion n'ont pas qualité pour opposer obliga-
toirement l'ordre à l'anarchie.
Depuis un siècle, les faits ont parlé».
dual do político antes de assumir as suas funçôes no
Estado, quando escolhido pela vontade popular. Se con-
siderasse o político apenas sob éste aspecto, a moral
estaría fora do Estado. Mas a Revoluçâo de 31 de
Março objetivou institucionalizar a moral dentro do
Estado, sustentando que a política sem ética se torna
vazia de valores, passa a ser antes urna ciéncia de
dados da experiéncia que ciéncia do comportamento
social ( " ) .
47. DESQUIRAT (L'Enseignement «politique» de L'Église, v o l . I , p á g . 219
e segts • ) , d e p o i s de a f i r m a r q u e u m E s t a d o sem m o r a l p a s s a a ser sempre u m
E s t a d o sem m o r a l i d a d e , esclarece q u e " t ô d a c o n s t i t u i ç â o s u p ô e urna filosofia
do homem e do cidadâo, ainda que n â o contenha preámbulo nem declaraçâo
d e d i r e i t o s " ( p â g . 219) . E e n t r a n d o a a p l i c a r o p r i n c i p i o aos p a r t i d o s p o l í t i c o s ,
sustenta: — " A neutralidade moral é impossível aos partidos políticos" (pá-
gina 220) .
A d o u t r i n a d o s p a p a s entende q u e h á u m a n o r m a u n i v e r s a l de r e t i d â o
m o r a l q u e se a p l i c a à v i d a p o l í t i c a , u m sistema de p r i n c i p i o s éticos u n i v e r s a i s
q u e o b r i g a m súditos e g o v e r n a n t e s ; urna lei m o r a l , enfim, q u e preside o desen-
volvimento da conduta humana s e g u n d o a consciência (ALBERTO MARTIN
A R T A J O M , Doctrina Politica de los Papas, p á g . 12 e 1 2 4 ) . D a afirmaçâo
c o n f i d a n o texto se p o d e fàcilmente inferir a d o u t r i n a d a eticidade d o E s t a d o .
OLGIATI, p a r a analisá-la em seus d e v i d o s termos, f a z a i n d a g a ç â o s e g u i n t e :
а) É o E s t a d o u m p u r o fato, u m a força q u e o i n d i v i d u o d e v e considerar
c o m o opressora, u m a a u t o r i d a d e q u e é u m a c a d e i a ;
б) o u , a o c o n t r à r i o , deve ser u m v a l o r , u m a expressâo de r a c i o n a l i d a d e
e de e t i c i d a d e . S e fòsse v e r d a d e i r a a p r i m e i r a teoria, seria l ó g i c o o procedi-
m e n t o d o a t o m i s m o i n d i v i d u a l i s t a , q u e p r o c u r o u p o r todos os m o d o s l i m i t a r
a autoridade e a competencia do Estado, reduzindo-lhe a f u n ç â o à s e g u r a n ç a
d a l i b e r d a d e dos i n d i v i d u o s e freqiientemente d o s seus egoísmos m a i s desenfrea-
dos. O E s t a d o - p o l i r i a n â o t i n h a s e n â o essa f i n a l i d a d e . O E s t a d o , neste caso,
é força, ù n i c a m e n t e força, p r i v a d o d e s e n t i d o é t i c o . Se é v e r d a d e i r a a se-
g u n d a tese> é nossa o b r i g a ç â o m o r a l p a r t i c i p a r m o s d o o r g a n i s m o c o m o seus
m e m b r o s , s u p e r a n d o o e g o í s m o e t e n d o a consciência da r e s p o n s a b i l i d a d e q u e
n o s c a b e c o m o c i d a d â o s e isto non solum propter iram p e l o t e m o r d a f o r ç a c
d a p e n a ; sed etiam propter conscientiam. O fim d o E s t a d o n â o é j-uramente
n e g a t i v o ; o E s t a d o n â o é protetor de interésses p r i v a d o s e d a l i b e r d a d e enten-
d i d a i n d i v i d u a l m e n t e ; m a s tem e l e v a d í s s i m a s finalidades, p a r a c u j a a t u a ç â o
todos e c a d a u m d e v e m levar a c o o p e r a ç â o , m e d i a n t e a v e r d a d e i r a liberdade,
q u e consiste em r e a l i z a r o p r ò p r i o d e v e r s e g u n d o o i m p e r a t i v o r a c i o n a l d a
lei d o ser. N â o s ó . M a s o E s t a d o , neste caso, é a l g o de g r a n d e ; é u m a
r e a l i d a d e d i g n a d e reverencia, m e r e c e d o r a d e o b s é q u i o , d e respeitó, d e dedi-
c a ç â o q u a s e h e r o i c a ; n â o é cadeia e m u i t o m e n o s c â o de g u a r d a , m a s asa q u e
e l e v a e p r o m o v e os v ô o s m a i s a u d a c i o s o s (OLGIATI, 11 Concetto di Giuridicità
in San Tomaso d'Aquino, p á g . 119 e s e g s . ) .
VII — CONCLUSAO

SUMARIO: - 31. RACION ALIZAQAO DA REPRE-


SENTAgAO NO PODER LEGISLATIVO E NO PODER
EXECUTIVO - 32. A REVOLUCAO ESTA EM MARCHA -
33. O ESTADO DE JUSTIQA.

32 — Para concluir éste estudo, vou retomar urna


idéia exposta ao inicio. É incontestável que o Brasil
adota um regime democrático, ao afirmar que os Poderes
do Estado emanam do povo; que o grande problema nao
está em dizer o que o político é, mas como o político deve
ser; que a solugao da crise da representado política nao
consiste em proclamar o que o povo pode fazer, mas
como deve fazev. Ninguém duvida que é preciso alterar
a fdnna de repte sentagáo, de modo que permita selecio-
nar os mais capazes para exercerem o poder em nome
do povo.
A racionalizado da representad 0 do povo no Poder
Legislativo e no Poder Executivo deve ser a grande
l i d ° do Terceiro Govérno da Revoludo- Para torná-la
efetiva, é indispensável, primeiro que tudo, formar o
homem público em todas as áreas do saber e confiar o
poder aos que tém aptidáo para exercé-lo em nome do
povo C 8 ) . O povo nao quer escolher quaisquer manda-

48. JUSTINIANO ROCHA, cm estudo escrito a o t e m p o d o I m p e r i o , p r o c u r o u


d e m o n s t r a r que n a o n o s f a l t a v a m capacidades; m a s n o s f a l t o u urna escola p r á t i c a
brasileira de f o r m a ^ S o p o l í t i c a : " A I n d e p e n d e n c i a era m u i t o recente e a i n d a
n a o h a v i a t e m p o de ter-se c r i a d o urna escola p r á t i c a brasileira; se nSo f a l t a v a m
c a p a c i d a d e s , f a l t a v a m h a b i l i t a r e s a d q u i r i d a s p a r a as g r a n d e s func¿5es estatais"
(JUSTINIANO ROCHA, A$áo, Reafáo, Transagáo, p á g . 2 4 ) . OLIVEIRA VIANA,
que perfilha o c o n c e i t o á c i m a citado, p o n d e r a ; " E r a exata, pois, a o b s e r v a g á o
de JUSTINIANO R O C H A . O q u e f a l t a v a a o nosso p o v o eram escolas práticas de
educagáo democrática". (OLIVEIRA VIANA, InstituRFoes Políticas Brasileiras,
v o l . I , p á g . 332) .
tários, mas aqueles que intelectual e moralmente sejam
dignos de representá-lo.
33 — A Revolugao, que age com ésse intento, é
verdadeiramente democrática, porque surpreende a von-
tade do povo ñas suas fontes verdadeiras, desperta a
sua vocagao para participar nos destinos da historia e o
identifica com os governantes na mais pura das repre-
sentares. Esta Revolugao constitui urna nova atitude
do homem em face dos problemas fundamentáis da
Pátria. Para realizá-la, há necessidade de tempo, tra-
balho e perseveranga no ideal.
A Revolugao está em marcha. Urna Revolugao que
surgiu para valer por decenios nao pode exaurir-se num
único lustro. A idéia de revolver é substituida pela idéia
de evolver. Compete aos mogos tomar agora a bandeira
da renovagao de costumes. Éles devem preparar-se para
a vida pública, conhecendo os problemas políticos que
interessam ao Brasil e ao M u n d o . A historia reserva-
lhes urna tarefa decisiva nos destinos da Pátria, a partir
do momento em que, preparados intelectual e moralmente
para a vida pública, forem investidos nos altos cargos
do Estado. O que lhes cabe, agora, é estudar. Depois
saberáo agir sem agitar, resolver os problemas sem ter-
giversar, construir o futuro sem malograr.
Urna geragao de mogos, que nao participa da vida
política, que se omite, que busca o luxuário, que se
compraz no gozo dos bens materiais, carece de espiri-
tualidade, de calor humano, de nobreza de ideáis.
Cumpre-lhe, portanto, ingressar na vida pública. Um
partido está fadado ao exterminio, se nao se refaz perió-
dicamente, atualizando idéias e conquistando elementos
novos. É preciso reanimá-lo com sangue jovem. Velhos
e novos devem compor-se para a realizagáo do bem
comum, aproveitando a um tempo a experiencia daqueles
e o entusiasmo déstes.
34 — O que se infere de todo o exposto é que a
Revolugáo de 31 de Margo, entre varios caminhos, esco-
lheu o da democracia. Será demodracia real o tipo que
preconiza? Diz-se democracia real aquela em que o povo
tem participagáo ativa no govérno, em que as eleigóes
traduzem a vontade da nagáo, em que os mandatários
honram as fungoes que lhes foram cometidas e em que
a probidade administrativa e a moralidade dos candida-
tos sejam um penhor de confianga no cumprimento dos
deveres. Esta concepgao de democracia contém o cha-
mado Estado de Direito, mas o supera porque tende a
constituir-se em Estado de Justiga, que organizará a
produgáo, manterá a ordem, realizará o equilibrio dos
interésses e assegurará a liberdade (411) .

Porém, num Estado de Justiga ninguém pode admi-


tir urna liberdade individual que gere o desassosségo
coletivo, urna liberdade de terroristas que infunda o
pánico na sociedade, urna liberdade de facínoras que
assaltam a economía alheia, matam guardas, roubam
metralhadoras e desafiam a autoridade constituida.
Contra a idéia de liberdade para a prática do mal opóe
a Revolugáo a idéia de liberdade para manter a ordem
e promover o bem comum. O objetivo da Revolugáo, ao

49. ARANGUREN, Ética e Política, pág. 206 e segs.


disciplinar a liberdade individual, nao é o de lhe limitar
o uso legítimo senào o de organizá-la em fungao da
seguranza nacional.
A democracia, assim entendida, nào é um fenò-
meno estático, náo é urna expressáo única, invariável e
definitiva de instituirá 0 política. Está permanentemente
in [ieri, na ànsia de aperfeigoar-se, banhando os seus
fundamentos com valores éticos de validade universal.
Portanto, a democracia nao pode contentar-se com o
que já alcangou; precisa avanzar sempre e sempre numa
atualizagao de idéias que acompanham a evolugáo dos
povos.

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