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___________________
Prof. Dr. Rogério Gesta Leal
Professor Orientador
___________________
Prof. Dr. Inácio Helfer
___________________
Prof. Dr. José Alcebíades de Oliveira Júnior
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, ao professor, doutor Rogério Gesta Leal, meu orientador,
pela paciência e profissionalismo, imprescindíveis para a consecução deste trabalho, além da
sabedoria e encorajamento na realização deste trabalho.
Também agradeço ao professor Robert Alexy, pela sua paciência e disponibilidade em
responder meus e-mails e inclusive me enviar materiais (livros e cópias de textos).
Aproveito para agradecer a todos os professores e colegas do Programa de Pós-Graduação
em Direito – Mestrado, pelo ensinamento e amizade.
E, por fim, agradeço a todas as pessoas que de algum modo me auxiliaram e, que
compreenderam as ausências e silêncios da jornada. Em especial, aos meus pais e ao meu irmão,
pelo amor, incentivo, exemplo e aprendizado proporcionados, que possibilitaram que eu
alcançasse mais este objetivo.
5
RESUMO
Este trabalho tem como foco central a teoria dos direitos fundamentais de Alexy. Desta forma,
a teoria de Robert Alexy é analisada – através de uma pesquisa bibliográfica - sendo
estabelecidas as diretrizes da mesma, e usada como referencial teórico da dissertação. Como
um contraponto, são expostas algumas críticas à referida teoria. A partir disto são analisados
casos específicos em relação ao direito à saúde, no que pertine ao fornecimento de
medicamentos e/ ou tratamento médico pelos Entes Federados, do Supremo Tribunal Federal
do Brasil, bem como aqueles do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desde primeiro de
janeiro de 2000 até 31 de outubro de 2007. São analisados hard cases que dizem respeito ao
direito à saúde, que têm relação com a linha de pesquisa de políticas públicas. Enfatiza-se que
as decisões são trazidas como forma de exemplificar a aplicação da teoria de base da
dissertação não tendo o intuito de exaurir o tema, por esta razão são analisados apenas alguns
casos. Através do método de abordagem dedutivo se desenvolve uma pesquisa sob a
perspectiva monográfica e crítica. Com isto se estuda e analisa a Teoria de Direitos
Fundamentais de Robert Alexy, para verificar a possibilidade de sua aplicação a casos
concretos no Brasil. Desta forma, e tendo em vista que a teoria tem sofrido muitas críticas, se
verifica como a teoria de base do trabalho pode ser usada para se solucionar os referidos
casos concretos que dizem respeito ao direito da saúde no Brasil, bem como de que forma
pode ser operacionalizada tal teoria. Para tanto, se procura identificar a ferramenta de
argumentação que possibilite a aplicação ao caso concreto. Dentre as hipóteses levantadas no
início da pesquisa estão: que a utilização da teoria nos casos que envolvessem direitos
fundamentais no Brasil poderia ter uma solução diferente do que vinha sendo feito; que se a
teoria pudesse ser operacionalizada seria através do discurso jusfundamental, o que
possibilitaria ao Judiciário tomar decisões melhor fundamentadas sob a perspectiva de uma
argumentação jurídica. Também se expõe as críticas feitas à teoria de Robert Alexy, como
forma de estabelecer um contraponto e demonstrar a validade e coerência da teoria. E por fim
são analisados casos que tratam do fornecimento de medicamentos e tratamento médico no
Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ou seja, decisões
que obrigam a implementação e concretização de políticas públicas no âmbito do Direito à
Saúde, consagrado na Constituição Federal de 1988 do Brasil. Portanto, a dissertação é
dividida em três capítulos, nos quais são colocados a explicação da teoria de Robert Alexy; as
críticas e perspectivas de seus críticos (Jürgen Habermas e Ronald Dworkin); e a análise de
casos concretos no Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
ABSTRACT
This work has as main focus Robert Alexy’s Constitutional Rights Theory. On this way,
Robert Alexy’s theory is analyzed – throughout a bibliographical research – establishing, so,
its bases, and using it as the theoretical reference. As a counterpoint, some critiques to the
theory are explained. With these perspectives in mind, specific cases are analyzed, related to
the right to health, mainly the one’s about the supplying of medicine and/ or health care by the
Government, from Brazil’s Supreme Federal Court, as well as from the Court of Justice of
Rio Grande do Sul, during the period of January the first 2000 and October the 31st 2007. The
hard cases analyzed are about the right to health, what is related to the research scope of
Public Policy of the Master in Law of UNISC. It must be made clear that the decisions used
here are brought as examples of appliance to the base theory of the dissertation, for this reason
the theme is not analyzed to the exhaustion and only some cases are mentioned. The research
is developed through a deductive method of approach under a monographic and critical
perspective. With this Robert Alexy’s Constitutional Rights Theory is studied and analyzed to
verify the possibility of its appliance to real cases in Brazil. For this reason, bearing in mind
that the Theory has had many critiques, it intends to verify how the Theory can be used to
solve the referred real cases which concern the right to health in Brazil, as well as how it can
be put into use. For this, it intends to identify the argumentation tool that can make its
appliance to real cases possible. Among the hypotheses thought at the beginning of the
research are: that the use of the theory on constitutional rights in Brazil could bring a different
solution from what had been done; that if the theory could be put into use it would be done
through the jusfundamental discourse, what would enable judges to better justify their
decisions in a legal argumentation manner. As a way of establishing a counterpoint and
demonstrating the theory’s validity and coherence the critiques to the theory are also
explained. At last, the cases involving the supplying of medicine and/ or health care from
Brazil’s Supreme Federal Court and the Court of Justice of Rio Grande do Sul are analyzed,
that is, the decisions chosen compel the implementation and concretion of public policies on
the right to health, which is guarantied at the Brazil’s Federal Constitution of 1988. Hence,
the dissertation is divided into three chapters, in which are explained: Robert Alexy’s theory;
the critiques and perspectives of its critics (Jürgen Habermas and Ronald Dworkin); and the
analyzes of real cases from Brazil’s Supreme Federal Court and the Court of Justice of Rio
Grande do Sul.
Key-words: Constitutional Rights; Robert Alexy; Public Policies into Courts; Right to Health
Implementation.
8
LISTA DE ABREVIATURAS
AC Ação Cautelar
ADIN-MC Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade
AI Agravo de Instrumento
AI-AgR Agravo Regimental no Agravo de Instrumento
L. Lei
RE Recurso Extraordinário
STA Suspensão de Tutela Antecipada
STF Supremo Tribunal Federal
TJ/RS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11
INTRODUÇÃO
Questões a respeito de quais direitos tem o indivíduo como pessoa e como cidadão de
uma comunidade, e a que princípio está sujeita a legislação estatal, assim como o que é
exigido para a realização da dignidade humana, a liberdade e a igualdade, são grandes temas
da filosofia prática e pontos polêmicos centrais de lutas políticas passadas e presentes.
Percebe-se que a polêmica sobre os direitos humanos fundamentais e direitos civis adquire um
novo caráter devido a sua positivação como direito de vigência imediata, não perdendo sua
profundidade e sutileza. Uma razão para isso está no significado vago das formulações do
catálogo de direitos fundamentais. Robert Alexy explica que a possibilidade dos direitos
possuírem um significado vago não é uma explicação suficiente da intensidade das discussões
sobre os direitos fundamentais. Uma norma, por mais vaga que seja, possui um amplo
consenso com respeito à matéria que regula, e não provoca maiores discussões. Mas se sua
vagueza gerar um dissenso sobre os objetos da regulação, ocorrerá uma grande polêmica. Isto
é o que geralmente acontece no caso dos direitos fundamentais.
O rol de direitos fundamentais regula de uma forma muito vaga questões muito
discutidas da estrutura normativa básica do Estado e da sociedade. Isto se percebe com
especial clareza no caso dos conceitos dos direitos fundamentais da dignidade, da liberdade, e
da igualdade. Se a eles são adicionados conceitos de fim do Estado e conceitos estruturais da
democracia, do Estado de direito e do Estado social, se obtém um sistema de conceitos que
compreende as fórmulas centrais do direito racional moderno.
Diante desta situação, a ciência dos direitos fundamentais se vê instigada a dar respostas
racionalmente fundamentadas para questões vinculadas com direitos fundamentais. Tendo
isso em vista Robert Alexy produziu a Teoria dos Direitos Fundamentais que, conforme o
12
Neste contexto, tendo em vista que a Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy vem
sofrendo muitas críticas, o presente estudo busca analizá-la e quer-se verificar em que medida
a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy pode ser usada para a solução de casos
concretos envolvendo direitos fundamentais no Brasil. Também se quer verificar de que
forma se poderia operacionalizar tal teoria aos casos concretos no Brasil, principalmente no
que diz respeito ao direito à saúde.
Deste modo, a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy é analisada - a partir
de uma pesquisa bibliográfica se estabelece o entendimento de Robert Alexy sobre a teoria
dos direitos fundamentais, o que é usado como referencial teórico da dissertação. Como um
contraponto, são expostas algumas críticas à referida teoria. A partir disto são analisados
casos específicos em relação ao direito à saúde, no que pertine ao fornecimento de
medicamentos e/ ou tratamento médico pelos Entes Federados, do Supremo Tribunal Federal
do Brasil, bem como aqueles do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desde primeiro de
janeiro de 2000 até 31 de outubro de 2007. São analisados hard cases que dizem respeito ao
direito à saúde, que têm relação com a linha de pesquisa de políticas públicas. Enfatiza-se que
as decisões são trazidas como forma de exemplificar a aplicação da teoria de base da
dissertação, não tendo o intuito de exaurir o tema.
13
Percebe-se que o judiciário vem sendo muito utilizado para a concretização de políticas
públicas no âmbito do direito à saúde. Este fenômeno tem sido chamado de a judicialização
das políticas públicas em relação ao direito à saúde. Com o estudo se levantaram as seguintes
hipóteses para a resolução do problema: com a utilização da teoria dos direitos fundamentais
de Alexy os casos que envolvem direitos fundamentais no Brasil podem ter uma resolução
diferente do que vem sendo feito; se a utilização da teoria de Alexy pode ser operacionalizada
ela o será pelo discurso jusfundamental, que é um procedimento argumentativo através do
qual se consegue obter resultados jusfundamentais corretos para a base apresentada; a teoria
dos direitos fundamentais de Alexy pode ser usada na solução de casos na medida em que
faria com que o Judiciário tomasse suas decisões com base em uma argumentação jurídica
mais fundamentada.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar a teoria dos direitos fundamentais de
Robert Alexy, bem como as possibilidades de sua aplicação em decisões e casos concretos no
Brasil. Como objetivo específico se quer analisar a Teoria de Direitos Fundamentais de
Robert Alexy, e comparar o tratamento dado a matéria no âmbito do STF e TJ/RS, através de
decisões pertinentes relativas ao direito à saúde; expor as críticas feitas à teoria de Robert
Alexy; verificar de que forma se pode operacionalizar a Teoria dos Direitos Fundamentais de
Robert Alexy para a solução dos casos concretos no Brasil; e identificar qual o instrumento de
argumentação de Robert Alexy para aplicação ao caso concreto.
Faz-se uma pesquisa bibliográfica assim como são estudados alguns casos pertinentes
do Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Utiliza-se a Teoria
dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy como referencial teórico, sendo dada uma
abordagem dedutiva, ou seja, partindo-se do geral para o particular, explicando-se a Teoria
dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy minuciosamente, suas críticas e, por fim, são
analisados alguns casos pertinentes do STF e TJ/RS fazendo-se uma crítica de como teria sido
a decisão se a teoria fosse utilizada.
Neste contexto, a dissertação está dividida em três capítulos. Sendo que no primeiro a
teoria de base da dissertação é explicada. Neste capítulo se pode entender o que Robert Alexy
propõe e a partir do que a teoria é baseada. Explica-se o entendimento de Robert Alexy sobre
norma, regras e princípios, e como estes conceitos são usados no momento em que há colisão
de princípios ou conflitos de regras. A partir destes conceitos se explica também como é feita
a ponderação em relação a três princípios especificados na Constituição Alemã e que Robert
Alexy traz em suas explicações: liberdade, igualdade e direitos a ações positivas do Estado.
Em um segundo momento se mostra a fórmula que Robert Alexy cria para colocar a sua teoria
em prática e se traz argumentos contra as críticas e que solidificam cada vez mais a teoria
referida.
políticas públicas pelos entes federados (Distrito Federal; União; Estados e Municípios). No
primeiro ponto são explicados casos pertinentes julgados no Supremo Tribunal Federal e por
fim são vistos os casos julgados no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Demonstram-se
os casos fazendo também um panorama sobre o que acontece em cada um dos referidos
tribunais. Após se verificar o tratamento dado a matéria em cada um dos órgãos citados, se
procede a análise sob o ponto de vista da teoria de base da dissertação.
Por fim, antecipando as conclusões, a teoria dos direitos fundamentais de Alexy traz
uma fórmula funcional para a argumentação jusfundamental – o que possibilita a vinculação
da ponderação com a argumentação jurídica racional. Em um contexto de crescentes
demandas judiciais1 onde os magistrados se vêem cada vez mais compelidos a decidirem
quanto à implementação de políticas públicas na área da saúde, assim como em outras áreas
aqui não abrangidas, referida teoria deve ser no mínimo estudada.
1
Ver notícia sobre o relatório do Banco Mundial que aponta sobrecarga de trabalho para juízes brasileiros.
Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/12/06/materia.2007-12-
06.6246855393/view>. Acesso em: 7 dezembro 2007.
16
2
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. Quando se fizer menção ao autor na dissertação será mencionado seu sobrenome:
Alexy.
3
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de Lógica
e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. ___. On necessary relations between law and
morality. Ratio Juris, Bologna, v. 2, n. 2, p. 167-183, Jul. 1989. ALEXY, R.; DREIER, R. The concept of
jurisprudence. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1, p. 1-13, March 1990. ALEXY, R.; PECZENIK, A. The concept
of coherence and its significance for discursive rationality. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1 – bis, p. 130-147,
March 1990. ___. Rights, legal reasoning and rational discourse. Ratio Juris, Bologna, v. 5, n. 2, p. 143-152, jul
1992. ___. Justification and application of norms. Ratio Juris, Bologna, v. 6, n. 2, p. 157-170, July 1993. ___.
Discourse theory and human rights. Ratio Juris, Bologna, v. 9, n. 3, p. 209-235, Sep. 1996. ___. Concetto e
validità del diritto. Torino: Einaudi, 1997. Traduzione di Fabio Fiore. ___. El concepto y la validez del
derecho. Tradução de Jorge M. Seña. 2 ed., Espanha: Gedisa, 1997. ___. Teoria dell’argomentazione giuridica:
la teoria del discorso razionale come teoria della motivazione giuridica. Tradução de Cosimo Marco Mazzoni e
Vincenzo Varano. Milano: A. Giuffre, 1998. ___. Derecho injusto, retroactividad y principio de legalidad
penal: La doctrina del Tribunal Constitucional Federal Alemán sobre los homicídios cometidos por los
centinelas del Muro de Berlin. Doxa, n. 23, p. 197-230, 2000. ___. On the structure of legal principles. Ratio
Juris, Bologna, v. 13, n. 3, p. 294-304, Sep. 2000. ATIENZA, Manuel. Entrevista a Robert Alexy. Doxa -
Cuadernos de filosofía del derecho, n. 24, Espanha: Universidad Alicante, p. 671-687, 2001. ___. Libertà
fondamentali in John Rawls. Tradução de Fabrizio Sciacca. Milano: A. Giuffre, 2002. ___. The nature of
arguments about the nature of law. Rights, Culture, and the Law. Oxford, p. 3-16, 2003. ___. La naturaleza de
la filosofía del derecho. Associations, 7, 1, p. 63-75, 2003. ___. Justicia como corrección. Cuadernos de
filosofia del derecho. Doxa, n. 26, p. 161-171, 2003. ___. La fundamentación de los derechos humanos em
Carlos S. Nino. Cuadernos de filosofia del derecho. Doxa, n. 26, p. 173-201, 2003. ___. Tres escritos sobre los
derechos fundamentales y la teoria de los princípios. Tradução de Carlos Bernal Pulido. Serie de Teoria
jurídica y filosofia del derecho, n. 28, Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2003. ___.
Constitutional rights, balancing and rationality. Ratio Juris, Bologna, v. 16, n.2 p. 131-140, Jun. 2003. ___. On
balancing and subsumption. A structural comparison. Ratio Juris, Bologna, v. 16, n. 4, p. 433-449, Dec. 2003.
___. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Carlos Bernal Pulido. Madrid: Centro de
Estúdios, 2004 e Revista Española de derecho constitucional, año 22, n. 66, p. 13-64, Sep – Dic. 2002. ___.
Agreements and disagreements. Some introductory remarks. Anales de la cátedra Francisco Suarez.
Universidad de Granada, n. 39, p. 737-742, 2005. ___. La formula per la quantificazione del peso nel
bilanciamento. Annuario di ermeneutica giuridica: Valori, principî e regole. CEDAM, n. 10, p. 97-123, 2005.
___. Teoria del discurso y derechos constitucionales. Tradução de Pablo Larrañaga. México: Fontamara, 2005.
17
A Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy é uma teoria jurídica geral sobre os
direitos fundamentais da Lei Fundamental. Tem como base a teoria dos princípios e a teoria
das posições jurídicas. O que Alexy quer fazer é reabilitar a axiologia6 dos direitos
fundamentais, para demonstrar que não é possível uma prática adequada dos direitos
fundamentais sem uma teoria dos princípios. Em sua teoria Alexy traz alguns problemas
centrais da prática dos direitos fundamentais, como a teoria do pressuposto de fato, a teoria
___. Balancing, constitutional review, and representation. I-CON, v. 3, n. 4, p. 572-581, 2005. ___.
Ponderación, control de constitucionalidad y representación. Teoría del discurso y derechos constitucionales.
México: Fontamara, 2005. p. 89-103.
4
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002.
5
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002.
6
Ou seja, recuperar os valores dos direitos fundamentais.
18
das restrições, o direito geral de liberdade7, assim como o de igualdade, os direitos a proteção
e a organização, o devido processo legal, os direitos sociais fundamentais e o efeito em
relação a terceiros ou efeito horizontal. Da mesma forma, o autor trabalha o papel dos direitos
fundamentais e das suas normas no sistema jurídico e a argumentação e decisão sobre tais
direitos. O que o autor quer demonstrar é que a positivação dos direitos fundamentais
constitui uma abertura do sistema jurídico em relação ao sistema da moral, o que é razoável e
pode ser colocado em prática com meios racionais.8
Alexy propõe, desta forma, uma teoria geral que integra, de maneira ampla, enunciados
gerais, verdadeiros e corretos que possam ser formulados nas dimensões analítica, empírica e
normativa e as vincule. Esta seria uma teoria ideal dos direitos fundamentais, ou seja, uma
teoria integrativa, que proporcionaria mais que uma enumeração de pontos de vista. Uma
teoria integrativa, pois se trata de uma teoria estrutural, na qual primeiro se investigam as
7
“Intendere la libertà come un diritto generale alla libertà ha dunque il ruolo fondamentale di affermare che il
primo posto spetta alla libertà non per tradizione o convenzione, non perché condividiamo la stessa storia, o
addirittura gli stessi valori, ma per un’esigenza di imparzialità verso agenti morali che si riconoscono in
quanto tali, ma che non condividono le stesse valutazioni morali.” ALEXY, Robert. Libertà fondamentali in
John Rawls. Tradução de Fabrizio Sciacca. Milano: A. Giuffre, 2002. p. 89.
8
Alexy tem alguns artigos nos quais explica a relação entre Direito e Moral, ver: ALEXY, Robert. Sistema
jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de Lógica e Informática Jurídicas,
San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. ____. On necessary relations between law and morality. Ratio Juris,
Bologna, v.2, n. 2, p. 167-183, July 1989. ____. The nature of arguments about the nature of law. Rights,
Culture, and the Law. Oxford, p. 3-16, 2003. ___. La naturaleza de la filosofía del derecho. Associations, 7, 1,
p. 63-75, 2003. ___. Agreements and disagreements. Some introductory remarks. Anales de la cátedra
Francisco Suarez. Universidad de Granada, n. 39, p. 737-742, 2005.
9
Alexy explica os conceitos da jurisprudência a partir da relação da teoria do direito e da teoria da ciência do
direito em: ALEXY, R.; DREIER, R. The concept of jurisprudence. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1, p. 1-13,
March 1990.
10
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002.
19
estruturas, tais como os conceitos dos direitos fundamentais, a influência dos direitos
fundamentais no sistema jurídico e a fundamentação dos direitos fundamentais, e sua matéria
mais importante é a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sendo guiada pela pergunta
sobre qual a decisão correta. Entretanto, quando “no existe claridad acerca de la estructura
de los derechos fundamentales y de las normas sobre derechos fundamentales, no es posible
lograr claridad en la fundamentación iusfundamental.”11 Portanto, para que se possa fazer
uma fundamentação jusfundamental clara deve-se ter uma percepção clara da estrutura dos
direitos fundamentais e de suas normas. E o que a teoria estrutural pretende é verificar a
contínua tradição analítica da jurisprudência de conceitos.
Neste sentido, para se poder fazer uma análise da base jurisprudencial brasileira
baseando-se na teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy, se deve entender a estrutura da
mesma. A estrutura da teoria de Alexy é o que se expõe neste primeiro momento, para se
entender as estruturas, os conceitos dos direitos fundamentais, a influência dos direitos
fundamentais no sistema jurídico e a fundamentação dos direitos fundamentais, e como isto se
dá na jurisprudência do Tribunal Constitucional, sendo guiada pela pergunta sobre a decisão
correta.
Uma norma de direito fundamental não existe somente quando outorgue um direito
fundamental subjetivo a um indivíduo, isto porque uma norma de direito fundamental é um
conceito mais amplo que direito fundamental. Sempre quando se pensa sobre a existência de
um direito fundamental se pressupõe a vigência de uma norma de direito fundamental
correspondente.12
[...] la conveniencia de buscar un modelo de norma que, por una parte, sea lo
suficientemente fuerte como para constituir la base de las ulteriores
consideraciones, y por otra, lo suficientemente débil como para ser conciliable con
el mayor número posible de decisiones en el indicado campo de problemas. Estas
11
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 41.
12
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002.
20
exigencias las satisface un modelo semántico, conciliable con las más diferentes
tesis de la teoría de la validez.13
Desta forma, para se entender o conceito de norma de direito fundamental se deve ter
claramente o que se entende por norma para que se possa seguir na teoria. Alexy acredita que
se pode chegar a um conceito de norma através das modalidades deônticas14 - do mandato, da
proibição e da permissão. Com base nestes conceitos se pode elaborar uma teoria dos direitos
fundamentais. Pode-se dizer que toda norma pode ser expressa por um enunciado normativo.
A princípio o que se vê é o conceito de norma sem levar em consideração a validade15 da
mesma, ou seja, se verifica o conceito semântico de norma, que serve para verificar questões
como a de saber se duas normas são compatíveis, como deve ser interpretada e aplicada tal
norma, se é válida e quando deveria ser.16
13
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 49.
14
Através de princípios e sistemas de moral.
15
Em relação ao conceito de validade ver terceiro capítulo da obra: ALEXY, Robert. Concetto e validità del
diritto. Torino: Einaudi, 1997. Traduzione di Fabio Fiore. “Un concetto di validità giuridica che prescinde
dagli elementi della efficacia sociale e della giustezza materiale, è stato sopra classificato come concetto di
validità in senso stretto. [...] Lo strumento piú importante per risolvere la circolarità del concetto di validità
giuridica in senso stretto è la norma fondamentale. [...] Una norma fondamentale è una norma che fonda la
validità di tutte le norme di un sistema giuridico all’infuori di se stessa.” p. 97 e 98.
16
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 32.
17
Friedrich Muller critica este conceito de norma, tendo em vista que para ele esta maneira de conceber as
normas jurídicas válidas como objetos lingüísticos identificados de acordo com critérios de validez formaria
normas de decisão somente com a ajuda de dados lingüísticos. O que Alexy refuta. Ver em ALEXY, Robert.
Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2002. p. 76 e 77.
21
18
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 1, p. 27 – 34.
19
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 69.
20
Um autor que explica a idéia de constituição como cultura, que abrange os conceitos de cultura constitucional
e cultura dos direitos fundamentais é Peter Haberle na obra: HABERLE, Peter. Costituzione e identità
culturale: tra Europa e stati nazionali. Tradução de Igino Schrafel. Milano: Giuffre, 2006.
21
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 1, p. 35 – 47.
22
O próprio Alexy traz em seu livro dois critérios que possibilitam a distinção das normas
de direito fundamental das outras, um critério empírico e outro normativo. Conforme o
critério empírico as normas atribuídas seriam aquelas normas diretamente estatuídas como
sendo de direito fundamental, às quais a jurisprudência e a ciência do direito atribuem tal
status, mas para Alexy este não é um critério adequado. Para que uma norma atribuída seja ou
não uma norma de direito fundamental depende da argumentação jusfundamental para que a
torne possível. Mas uma fundamentação correta varia conforme a norma de direito
fundamental que se tem diante de si, direta ou indiretamente estatuída. Assim sendo, as
normas atribuídas estipulam que a argumentação jusfundamental tem um papel decisivo na
resposta à questão sobre o que vale do ponto de vista dos direitos fundamentais.22
O que se tratou até o momento foi o conceito de norma de direito fundamental, e para se
entender o raciocínio de Alexy se deve verificar a estrutura dos direitos fundamentais. Neste
caso, para Alexy o pleito mais importante é a distinção entre regras e princípios, tendo em
vista que constitui a base da fundamentação jusfundamental e a chave para soluções de
problemas centrais da dogmática de direitos fundamentais. Alexy entende que a distinção
entre regras e princípios é o marco de uma teoria normativo-material dos direitos
fundamentais, e desta forma, o ponto de partida para responder a pergunta sobre a
possibilidade e os limites da racionalidade em relação aos direitos fundamentais. Muitas
referências sobre a distinção entre regras e princípios já foram feitas23, entretanto, Alexy
argumenta que nunca uma distinção foi feita de forma precisa, e o que falta é justamente uma
distinção mais pontual e sua utilização sistemática.24
Alexy explica que regras e princípios são normas porque dizem o que deve ser, e a
distinção entre eles se dá em dois tipos de normas. O critério mais freqüente para a
diferenciação de regras e princípios é o critério da generalidade, que diz que “los principios
son normas de un grado de generalidad relativamente alto, y las reglas normas con un nivel
22
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 2, p. 48 e ss.
23
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
24
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 81 e ss.
23
Para Alexy os princípios são tidos como mandatos de otimização, ou seja, são normas
que determinam que algo seja realizado mais amplamente possível, dentro de possibilidades
jurídicas e reais existentes. Desta forma, eles podem ser cumpridos em diferentes graus
dependendo das possibilidades. Já as regras somente podem ser cumpridas quando elas forem
válidas e assim se faz o que dizem, ou seja, as regras são determinações no âmbito do
possível, fática e juridicamente.27
25
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 83.
26
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 115 e ss.
27
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 88.
24
A lei de colisão estabelece que os interesses opostos devem ser ponderados, e deve ser
verificado qual dos interesses possui maior peso no caso concreto. Desta forma, se estabelece
uma relação de precedência condicionada - onde se determinam condições para que um
princípio preceda ao outro; ou incondicionada - onde não se determinam condições para que
um princípio preceda ao outro. Pode-se mencionar também relações abstratas ou absolutas de
precedência. Mas o importante nas colisões de princípios é saber sob quais condições um
princípio tem precedência sobre o outro, e é aqui que o Tribunal mencionará as condições de
precedência e a fundamentação da tese, que sob estas condições um princípio precede ao
outro.30
Portanto, a lei de colisão, estabelece que: “Las condiciones bajo la cuales un principio
precede a otro constituyen el supuesto de hecho de una regla que expresa la consecuencia
jurídica del principio precedente.”31 Os princípios, assim, são considerados mandatos de
otimização, não havendo relações absolutas de precedência e nem se referindo às ações não
quantificáveis. Os objetos de ponderação podem ser caracterizados como valores
constitucionais. E a condição de precedência pode estabelecer exceções também de acordo
com a proposição de preferência estabelecida. As condições de precedência acabam se
tornando o que Alexy chama de uma regra jusfundamental atribuída (regla jusfundamental
adscripta). Como normas de direito fundamental atribuídas se entendem as normas com cuja
atribuição é possível uma fundamentação jusfundamental correta.32 É o que Alexy explica:
28
A dimensão do peso dos princípios é tratada também por Dworkin em DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. cap. 2.
29
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de Lógica
e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. e ___ Teoria de los derechos fundamentales.
Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2002. cap. 3.
30
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 89 e ss.
31
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 94.
32
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 95.
25
puede ser subsumido el caso. Por lo tanto, aun cuando todas las normas de derecho
fundamental directamente dictadas tuvieran exclusivamente carácter de principios –
algo que, como se mostrará, no es así – existirían entre las normas de derecho
fundamental tanto algunas que son principios y otras que son reglas.33
Os princípios, desta forma, estabelecem que algo deve ser realizado em uma maior
medida possível. Mas não tem um caráter definitivo, já que dependendo da situação pode ser
substituído por outro princípio. Assim, o que falta a eles é um conteúdo de determinação em
relação aos princípios contrapostos e às possibilidades fáticas. As regras, por sua vez, contêm
uma determinação34, e só deixarão de ser aplicadas se forem consideradas inválidas, ou se
houver uma cláusula de exceção, e neste caso a regra perde seu caráter definitivo.35
Portanto, um princípio é deixado de lado se outro princípio tem um peso maior, mas
uma regra não é deixada de lado se um princípio oposto tem maior peso do que aquele
princípio que apóia a regra. Existem os princípios formais que estabelecem que regras
impostas por determinadas autoridades devam ser seguidas. E quanto mais peso o
ordenamento jurídico confere aos princípios formais maior será o caráter prima facie36 das
regras. Se não fosse dado nenhum peso aos princípios formais, as regras e os princípios teriam
o mesmo caráter prima facie. Este caráter prima facie dos princípios pode ser reforçado
introduzindo uma argumentação a favor de alguns princípios ou tipos de princípios. O que
quer dizer que quando existem razões boas ou em caso de dúvida se dá preferência a um
princípio em relação a outro.37
33
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 98.
34
Para Dworkin as regras válidas seriam aplicáveis de uma maneira do tudo ou nada, enquanto os princípios
somente indicariam uma direção para a decisão e não uma determinação. DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. cap.1 e 2.
35
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 101 e ss.
36
Alexy explica o caráter prima facie de direitos constitucionais em seu artigo: ALEXY, Robert. Rights, legal
reasoning and rational discourse. Ratio Juris, Bologna, v. 5, n. 2, p. 143-152, July 1992.
37
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3. e ___. Rights, legal reasoning and rational discourse. Ratio Juris, Bologna, v. 5,
n.2, p.143-152, July 1992.
26
um juízo concreto do dever ser que tem que pronunciar e não admite exceção, então é uma
razão definitiva. E os princípios são sempre razões prima facie.38
Isto porque, conforme Alexy, os princípios são e sempre serão enunciados gerais/
amplos que dispõem seu conteúdo valorativo mais facilmente que as regras. Podem ser
derivados de normas detalhadas e de decisões judiciais, e não precisam ser estabelecidos
explicitamente. O autor explica que há três objeções contra o conceito de princípio, a primeira
é que haveria colisões de princípios solucionáveis através da declaração de invalidez dos
princípios; a segunda, que existiriam princípios absolutos que não poderiam ser colocados na
relação de preferência; e a terceira, que o conceito de princípio seria amplo demais e inútil,
uma vez que abrangeria todos os interesses que podem ser levados em consideração pela
ponderação.40
Alexy concorda que quando, em um ordenamento, aparece um princípio que colida com
outros princípios ele deve ser declarado inválido, e explica que a possibilidade de existirem
princípios válidos ou inválidos não afeta a teoria da colisão, mas simplesmente revela um de
seus pressupostos. Em relação aos princípios absolutos, Alexy explica que estes seriam
princípios fortes que em caso de colisão não poderiam ser substituídos por outros, e neste caso
a teoria da colisão não seria aplicável. Quanto à amplitude do conceito de princípio, este pode
se referir tanto a direitos individuais quanto a bens coletivos. Quando estes princípios se
referem aos bens coletivos eles ordenam a criação ou manutenção de situações que os
38
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 98 e ss.
39
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 101 e ss.
40
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 104 e ss.
27
satisfaçam, de acordo com possibilidades jurídicas e fáticas. Pode-se, assim, estar diante da
proporcionalidade41 em sentido estrito, o que quer dizer que o mandato de ponderação,
relativiza as possibilidades jurídicas, e faz uma ponderação no sentido da lei de colisão.
41
“[...] è necessario utilizzare il principio di proporzionalità nell’applicazione. In questo modo le direzioni della
libertà e della tutela dei diritti fondamentali, qualora non indirizzino più solo il rapporto diretto fra Stato e
cittadino, vengono resi compatibili fra loro. Come esposto da Alexy, bisogna trovare un determinato rapporto
di priorità per ogni caso concreto. E ciò porta alla proporcionalità.” BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang.
Stato, costituzione, democrazia: studi di teoria della costituzione e di diritto costituzionale. Tradução de
Michele Nicoletti e Omar Brino. Milano: Giuffre, 2006. p.241
42
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 129 e ss.
43
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 135.
28
No basta concebir a las normas de derecho fundamental sólo como reglas o sólo
como principios. Un modelo adecuado al respecto se obtiene cuando a las
disposiciones iusfundamentales se adscriben tanto reglas como principios. Ambas
pueden reunirse en una norma de derecho fundamental con carácter doble.44
Assim, o autor acredita que as normas de direito fundamental devem ser compreendidas
tanto como regras e como princípios. O próprio Alexy esclarece que se pode sustentar que a
teoria dos princípios traria uma insegurança que não poderia ser sustentada, pois ela também
estaria vinculada a valores. Para ele os princípios e os valores se diferenciam somente pelo
seu caráter deontológico (âmbito do dever ser) e axiológico (âmbito do bom). Os valores e os
princípios não auto-regulam sua aplicação, ou seja, a ponderação dos mesmos está sujeita ao
arbítrio de quem a realiza. O resultado da ponderação é um enunciado de preferência
condicionado. Conforme a regra de colisão, a partir de enunciados de preferência
condicionados se seguem regras que, quando se dão as condições, dispõem sobre a
conseqüência jurídica do princípio que tem precedência.45
Alexy sustenta que a lei da ponderação é útil, pois diz o que é importante nas
ponderações, ou seja, o grau ou a intensidade da não satisfação ou afetação de um princípio,
assim como o grau de importância da satisfação de outro princípio. A ponderação se trata de
uma tarefa de otimização. O modelo de ponderação como um todo proporciona um critério ao
vincular a lei da ponderação à teoria da argumentação jurídica46. A teoria dos princípios e dos
valores dos direitos fundamentais se comporta de forma neutra frente a liberdade jurídica.47
44
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 138.
45
ALEXY, Robert. La formula per la quantificazione del peso nel bilanciamento. Annuario di ermeneutica
giuridica: Valori, principî e regole. CEDAM, n. 10, p. 97-123, 2005. e ___. Teoria de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2002. cap. 3, p. 138 e ss.
46
Sobre a teoria da argumentação jurídica ver: ALEXY, Robert. Teoria dell’argomentazione giuridica: la teoria
del discorso razionale come teoria della motivazione giuridica. Tradução de Cosimo Marco Mazzoni e
Vincenzo Varano. Milano: A. Giuffre, 1998.
47
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 3, p. 141 e ss.
29
ao Estado. E para saber se o indivíduo tem direito são requeridas premissas adicionais, o que
pede valorações independentes.48
Para Alexy, em uma teoria estrutural dos direitos fundamentais o que importa são
questões analíticas, ou seja, principalmente a distinção entre norma e posição. Uma norma é o
que é expresso por um enunciado normativo, que é geral. Já as posições são verificadas
quando se adequa à prática tal enunciado geral. Quando se compreendem os direitos
subjetivos como posições e relações jurídicas é possível diferenciar as razões para os direitos
subjetivos; os direitos subjetivos como posições e relações jurídicas; e a imposição jurídica
dos direitos subjetivos. Quando não se distinguem bem estes três pontos não se chega a um
conceito de direito subjetivo. Para se definir o direito subjetivo Alexy aconselha utilizar a
expressão direito subjetivo seguindo o uso existente como um conceito geral para posições
diferentes, e dentro deste conceito traçar distinções e fazer caracterizações terminológicas.49
A base da teoria analítica dos direitos se divide em três posições de direitos, os direitos
a algo, as liberdades e as competências. Em relação ao direito a algo o que interessa é seu
objeto, que é sempre uma ação do destinatário, e envolve um titular, um destinatário e um
objeto. Um indivíduo, quando tem direito a algo frente ao Estado, se depara com direitos a
ações negativas e direitos a ações positivas. No âmbito do direito às ações negativas estão
compreendidos os direitos ao não impedimento de ações; a não afetação de propriedades e
situações; e a não eliminação de posições jurídicas. No âmbito das ações positivas estão
compreendidos os direitos a ações positivas fáticas e a ações positivas normativas. Sempre
falando em relação ao seu objeto.50
Alexy faz uma análise deôntica da lógica do direito a algo e explica que para a teoria
dos direitos fundamentais o interesse maior recai sobre o conceito de permissão – que seria a
negação da proibição. Para ele, para se chegar a uma decisão em casos controvertidos são
necessárias valorações e conhecimento empírico, mas a análise deôntica constitui uma base
necessária para a argumentação jurídica racional que traz uma clareza. O autor se volta a
48
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 4, p. 173 – 246.
49
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 4, p. 173 – 177.
50
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 4, p. 186 e ss.
30
outro grupo de posições jurídicas básicas que é a liberdade, o qual pode ser conceituado de
duas maneiras: como uma manifestação ampla de liberdade ou como um conceito
constitutivo, o da permissão jurídica. A criação de uma liberdade jurídica requer tão somente
uma omissão do Estado, uma ação negativa, e para garantir esta liberdade negativa o que se
requer é um direito de defesa. Para se evitar confusões se deve especificar que tipo de
liberdade as normas de direito fundamental devem assegurar.51
O autor explica que as normas de direito fundamental são normas permissivas explícitas
na medida em que permitem algo através delas. As normas permissivas de direito
fundamental pertencem às normas de grau constitucional, normas de máxima hierarquia, já as
normas proibitivas e prescritivas são normas de caráter inferior. Assim, as normas
jusfundamentais permissivas tem uma função de fixar os limites do dever ser com respeito às
normas de grau inferior. Olhando através da perspectiva do titular do direito fundamental, as
normas jusfundamentais se apresentam como normas que conferem permissões. A liberdade
jurídica não protegida é uma permissão de fazer algo e de omiti-lo, não está assegurada
através de normas e direitos que protejam a liberdade. A proteção jusfundamental da
liberdade consiste em um catálogo de direitos a algo e também de normas objetivas que
asseguram ao titular do direito fundamental a possibilidade de realizar ações permitidas. Desta
maneira, se uma liberdade está vinculada a tais direitos ou normas é uma liberdade
protegida.53
Para se avaliar as competências dos cidadãos se tem que especificar sua relação com os
direitos a algo e com as liberdades. O direito a uma competência está vinculado com o
conceito de uma garantia institucional e com o conceito de liberdade. A garantia institucional
seria, então, à primeira vista, uma proibição dirigida ao legislador de não eliminar
determinadas competências do cidadão. Se a esta proibição não corresponde nenhum direito
do cidadão, a proteção é meramente objetiva, ao contrário, se em relação à proibição
correspondem direitos do cidadão, então a proteção é também subjetiva.55
O direito fundamental como um todo pode ser entendido como quatro definições
diferentes, tais como: um catálogo de posições definitivas; um catálogo de posições
definitivas incluindo as relações existentes entre elas; um catálogo de posições definitivas e
prima facie; e um catálogo de posições definitivas e prima facie incluindo as relações
existentes entre elas. O direito fundamental como um todo é, então, um catálogo de posições
definitivas e prima facie, vinculadas reciprocamente nestas três formas descritas e atribuídas a
uma disposição jusfundamental. O direito fundamental como um todo é um objeto muito
complexo, composto por elementos com uma estrutura bem definida, com posições distintas
de cidadão e Estado e relações claramente determináveis, como as de precisão, as de meio e
fim e as de ponderação.58
57
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 4, p. 234 e ss.
58
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 4, p. 236 e ss.
33
seja, a capacidade juridicamente protegida para exigir prestações positivas do Estado. E por
fim o status ativo, que lida com a competência. Este status está vinculado a outro status, pois
o exercício de uma competência está sempre ordenado ou proibido (status passivo), ou é livre
(status negativo).59 A citação a seguir ilustra este assunto:
Apesar das críticas por suas obscuridades e algumas deficiências, a teoria do status é
uma teoria analítica, no âmbito dos direitos fundamentais, muito reconhecida. Através de
normas de direito fundamental, o cidadão é colocado em status com certos conteúdos, entre
outros no status negativo jusfundamental. O objeto da teoria do status é a estrutura formal da
posição jurídica total do cidadão. Dentro da análise da teoria do status o que se introduziu foi
um conceito de espaço de liberdade, ou seja, uma classe de determinadas liberdades.61
Existem restrições aos direitos fundamentais, e como bem lembra Alexy, para a teoria
dos direitos fundamentais é importante especificá-las. Quando se parte do modelo dos
princípios se restringe não somente um bem protegido das normas de direito fundamental,
mas também um direito prima facie garantido por normas jusfundamentais. As restrições de
direitos fundamentais são normas que restringem posições jusfundamentais prima facie. E
uma norma somente pode ser uma restrição de direito fundamental se for constitucional. É
importante distinguir-se regras e princípios quanto às restrições. Uma regra (de acordo com a
Constituição) é uma restrição de um direito fundamental quando, com sua vigência, no lugar
de uma liberdade jusfundamental prima facie, aparece uma não liberdade definitiva ou um
não direito definitivo de igual conteúdo. Os princípios também podem restringir direitos
fundamentais quando direitos fundamentais de terceiros entrarem em colisão com outros
valores jurídicos do rol constitucional e limitarem direitos fundamentais. Para se chegar às
restrições causadas por princípios se deve fazer uma ponderação entre o princípio de direito
fundamental e os princípios que o restringem. Os princípios contrapostos restringem
59
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 5, p. 247 e ss.
60
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 260.
61
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 5, p. 261 e ss.
34
Uma restrição dos direitos fundamentais só seria admissível se no caso concreto com
princípios opostos eles correspondam a um peso maior do que do princípio jusfundamental.
Pode-se dizer, assim, que os direitos fundamentais são restrições a sua restrição e
restringibilidade. A Constituição Alemã tem a garantia do conteúdo essencial64 em um de seus
artigos, mas tal garantia não formula nenhuma restrição adicional à restringibilidade dos
direitos fundamentais em relação ao princípio da proporcionalidade. A garantia do conteúdo
essencial proíbe afetar os direitos fundamentais em seu conteúdo essencial. Entretanto, como
62
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 267 e ss.
63
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 272 e ss.
64
Para verificar a garantia do conteúdo essencial no Brasil ver: BIAGI, Cláudia Perotto. A garantia do conteúdo
essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Sérgio Fabris,
2006.
35
Alexy explica que, além das restrições, se deve entender o lado positivo da garantia
fundamental, verificando o pressuposto de fato e seu âmbito de proteção. No caso de normas
jusfundamentais permissivas os conceitos de pressuposto de fato e âmbito de proteção não
causam dificuldades, e ambos coincidem. Já nos direitos de defesa não se pode fazer uma
conexão entre o pressuposto de fato e seu âmbito de proteção tão facilmente. O pressuposto
de fato nas normas permissivas descreve o bem protegido, e nas normas de defesa, descreve o
bem protegido e a intervenção. Os conceitos de bem protegido e de intervenção não precisam
necessariamente determinar os passos para um exame de direito fundamental. Assim, só se
sabe se um direito está ou não jusfundamentalmente proibido quando se recorre diretamente
ao respectivo princípio jusfundamental.66
Para que uma norma produza uma conseqüência jurídica ela deve cumprir todas suas
condições. Uma norma jusfundamental, para que produza uma conseqüência jurídica
jusfundamental definitiva tem que satisfazer o pressuposto de fato e não satisfazer a cláusula
restritiva. Deste modo, a conseqüência jurídica de uma norma se produz quando se cumprem
todas suas condições. Pode-se construir um conceito de pressuposto de fato de direito
fundamental que abranja a totalidade das condições de uma conseqüência jurídica
jusfundamental definitiva. Alexy entende que as teorias estreitas do pressuposto de fato são
fracas, pois não constroem a exclusão definitiva da proteção jusfundamental como um jogo de
razões e contra-razões. Ou seja, não atuam como o resultado de uma ponderação entre
princípios, mas ao contrário numa série de casos, como o resultado da aplicação de critérios
supostamente livres de ponderação. Estes critérios, quando conduzem a resultados
justificados, seriam o resultado de ponderações corretas. Isto pode ser generalizado. Os juízos
de direito fundamental seriam corretos somente se pudessem ser o resultado de uma
ponderação correta. Se forem fundamentados sem ponderação, sua correção depende de que o
65
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 276 e ss.
66
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 277 e ss.
36
resultado fundamentado sem ponderação possa também ser o resultado de uma ponderação
correta.67
67
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 282 e ss.
68
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 286 e ss.
37
rechaçada pela comissão de juízes, por não existirem suficientes probabilidades de êxito.
Outro filtro seria constituído pela decisão de aceitação do Senado. Quando a denegação da
aceitação fosse fundamentada, uma referência às restrições seria, pelo menos, tão convincente
como uma referência ao fato de que não estaria abrangido pelo pressuposto de fato.69
Alexy lembra que nem todas as normas de direito ordinário que têm como objeto uma
questão que é abrangida por um direito fundamental são restrições deste direito fundamental.
Para se saber quais normas são restritivas e quais não são, no âmbito dos direitos
fundamentais, se deve verificar a relação que a norma tem com o direito fundamental. E,
assim, entender estas restrições é importante para se constatar os efeitos de tais restrições.
Uma norma que não restringe um direito fundamental não tem que ser justificada como
restrição frente a este direito fundamental. Uma norma não restritiva no âmbito de um direito
fundamental é uma norma que tem algo a ver com o que abrange o direito fundamental, ou
seja, é uma norma que o configura.70
69
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 292 e ss.
70
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 298 e ss.
71
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 6, p. 321 e ss.
38
Para se compreender a teoria, Alexy72 explica sua aplicação em relação aos direitos
garantidos na Constituição alemã, que podem servir aqui de exemplo, uma vez que também
são regulados pela Constituição Brasileira. A Constituição alemã confere direitos a
determinadas liberdades assim como direitos frente a determinadas restrições. Alexy
demonstra como toda a argumentação sobre a estrutura das normas jusfundamentais e dos
direitos fundamentais podem contribuir para a solução de alguns problemas, considerando o
direito geral de liberdade, e também considerando o mesmo como princípio marco na
interpretação. A liberdade geral de ação seria a liberdade de fazer e omitir o que o indivíduo
queira. Entende-se que cada um tenha prima facie, na medida em que não intervenham
restrições, um direito frente ao Estado que este não impeça suas ações e omissões. Abrange-
se, deste modo, todas as ações dos titulares de direito fundamental e todas as intervenções do
Estado nas ações dos titulares de direito fundamental. Ainda, com estes direitos se protegem
não somente ações como também situações e posições jurídicas do titular do direito
fundamental, isto porque, as intervenções em situações e posições jurídicas de um titular de
direito fundamental afetam indiretamente sua liberdade de ação.
Frente ao direito geral de liberdade, Alexy explica que se pode ponderar usando o
princípio da proporcionalidade, o que justifica sua não carência de substância. A lei da
ponderação exige, quando se aumenta a intensidade de uma afetação da liberdade, um peso
crescente das razões que justifiquem a afetação. Pode-se dizer que a proibição de uma ação
em todas as suas formas representa sempre prima facie uma afetação realmente intensa. Para
se poder justificar a liberdade geral se usa o princípio da dignidade da pessoa. Tal princípio é
tão vago como o conceito de dignidade da pessoa. Mas o Tribunal Constitucional Federal
Alemão define a concepção da pessoa como um ser ético-espiritual que aspira a se determinar
e se desenvolver em liberdade, e a Lei Fundamental entende esta liberdade como a de um
indivíduo vinculado e referido a uma comunidade. Percebe-se que esta liberdade não é
ilimitada, e assim se trata de uma liberdade negativa.73
[...] justamente esto es el contenido del principio de la libertad negativa ya que éste,
en tanto principio, no otorga una permisión definitiva de hacer u omitir lo que se
quiera, sino que tan sólo dice que cada cual puede hacer u omitir lo que quiera en
la medida en que razones suficientes (derechos de terceros e intereses colectivos) no
72
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap.7, p. 331 – 380.
73
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 7, p. 335 e ss.
39
Assim, o princípio da liberdade negativa limita as ações dos indivíduos nos direitos de
terceiros e dos interesses coletivos. Exigindo sempre uma razão para tal restrição. O princípio
da liberdade negativa tem outros princípios materiais que somados aparecem em ponderações
e determinam seu peso. Alexy menciona a teoria das esferas e a teoria das liberdades tácitas,
que indicam as esferas de proteção. Dentro destas esferas se diferenciam a intensidade de
proteção, existem as esferas: mais interna; privada ampla; e social. Tal teoria é o resultado de
ponderações do princípio de liberdade negativa com outros princípios e princípios opostos.
Na esfera mais interna prevalecem os princípios que dizem respeito à proteção, aplicando-se
assim a lei da ponderação. Existem circunstâncias sob as quais o resultado da ponderação é
tão seguro que se pode falar em regras asseguradas em alto grau, que protegem o âmbito mais
interno. No âmbito da esfera privada mais ampla e da esfera social a proteção jusfundamental
é tanto mais forte quanto maior peso tiverem os princípios que se aderem ao princípio da
liberdade geral de ação e que protejam a privacidade.75
A teoria dos direitos de liberdade tácitos se apóia na teoria das esferas, mas vai além.
Deve-se primeiro saber se o bem protegido é uma ação ou uma situação do titular do direito
fundamental. Em caso de ação pode-se formar uma norma permissiva, e em caso de situação
se pode formular proibições dirigidas aos destinatários de direitos fundamentais. A segunda
distinção se dá no âmbito dos direitos de liberdade tácitos abstratos e concretos. A terceira
distinção se refere à diferença entre posições prima facie e definitivas. Os direitos de
liberdade tácitos podem ser entendidos como reações da jurisprudência constitucional às
ameaças da liberdade consideradas como inquietantes.76
74
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 347.
75
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 7, p. 349 e ss.
76
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 7, p. 358 e ss.
40
ou não expressar a própria opinião, entre outras ações. O sistema é considerado fechado na
medida em que o direito geral de liberdade protege amplamente prima facie a liberdade
negativa. De outro lado é considerado aberto na medida em que a existência do direito geral
de liberdade mantém aberta a possibilidade de novos direitos definitivos, assim como novos
direitos tácitos.77
Alexy acredita que com a lei de ponderação, o direito geral de liberdade é introduzido
na situação total de liberdade de forma tal que a “referência da pessoa e a vinculação com a
comunidade” pode ser levada em consideração sem maiores problemas e se mantém os
elementos de liberdade necessários para a “independência da pessoa” na vida moderna.78
Toda norma de direito fundamental é uma norma constitucional material, e assim, toda
intervenção à liberdade negativa seria uma lesão ao artigo da Constituição alemã quando
violasse alguma norma de direito fundamental. Isto faz com que haja um problema circular de
interpretação. Para se solucionar este problema, Alexy explica que se deve ponderar os
princípios frente aos princípios que falam sobre a intervenção, os sub-princípios formais e
materiais devem ser examinados com um mesmo grau. Soluciona-se o problema da
argumentação circular com o exame do direito fundamental determinado dentro do marco
deste mesmo direito fundamental. Após isto se verifica se os direitos fundamentais são de um
mesmo titular ou de outros titulares, se são direitos de um mesmo titular se verifica se, dentro
do marco do direito geral de liberdade, se trata de direitos de liberdade ou não. No caso de
outros direitos de liberdade do mesmo titular é possível reduzir o problema fazendo referência
à subsidiariedade do marco de direito fundamental que se está examinando. Neste caso se
pode fazer isto, pois o pressuposto de fato do marco fundamental em discussão abrange
também os pressupostos de fato dos direitos especiais.79
Outro direito conferido pela Constituição Alemã81 e tomado como princípio marco é o
direito geral de igualdade. Neste caso, como no do direito geral de liberdade é necessário
diferenciar o direito geral de igualdade dos direitos especiais de igualdade. Neste caso a idéia
é de que toda a norma jurídica seja aplicada a todo caso que estiver sob seu pressuposto de
fato e a nenhum caso que não esteja sob ele, o mandato de igualdade na aplicação do direito
exige o que vale se as normas são válidas. O direito geral de igualdade exige que todos sejam
tratados igualmente pelo legislador, mas esta igualdade é tida como tratar de forma igual os
iguais e de forma desigual os desiguais, em relação à matéria.82
Alexy explica que, para se solucionar o pleito da valoração vinculada com a máxima
material geral da igualdade, busca-se o conceito de arbitrariedade. Neste sentido, há duas
linhas de interpretação: uma que sustenta que a máxima geral de igualdade deve ter sempre
uma comparação; e a outra que reduz a máxima geral de igualdade a uma proibição geral de
arbitrariedade. O Tribunal Alemão usa como fio condutor o seguinte:
80
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 7, p. 370 e ss.
81
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 381.
82
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 8, p. 380 – 418.
42
Desta forma, ocorre violação da máxima da igualdade quando o tratamento desigual for
arbitrário. Uma diferenciação é arbitrária quando não se pode encontrar uma razão qualificada
de um determinado modo, isto é, quando não há uma razão que permita um tratamento
desigual, pois se presume que não havendo razão para diferença, o tratamento deve ser igual.
Assim, a máxima geral de igualdade pode ser interpretada como um princípio de igualdade
que, prima facie, exige um tratamento igual e permite um tratamento desigual se houver
razões para tanto. Para se saber quais são razões suficientes que permitem um tratamento
desigual são necessárias valorações. Em relação a igualdade se fala sempre em ponderações.
Observa-se que o direito geral a igualdade pode ser entendido pelo princípio da igualdade de
iure, que é um direito prima facie à omissão de tratamentos desiguais; assim como pelo
princípio da liberdade fática, que é o direito prima facie a ações positivas do Estado. E a
interpretação do direito geral de igualdade não pode se dar somente no sentido de um direito
de status negativo, mas sim tem que atribuir um catálogo de direitos subjetivos com estrutura
diferente, e só isso pode definir o direito fundamental de igualdade.84
Alexy também menciona que os indivíduos têm frente ao Estado direitos a ações
positivas, que pressupõem um conceito amplo de prestação85, bem como direitos a ações
negativas. As questões que se colocam são quanto às prestações do Estado, se e em que
medida às disposições de direitos fundamentais devem ser atribuídas normas que conferem
direitos a prestações.86
Um direito prima facie se torna definitivo quando os princípios opostos a ele não
exigirem outra coisa. A capacidade do titular individual de um direito fundamental no sentido
de poder impor frente ao poder público a norma básica de decisão valorativa pertence ao
83
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 391.
84
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 8, p. 398 e ss.
85
A questão do direito fundamental e Estado das prestações é tratada no terceiro capítulo da obra: HÄBERLE,
Peter. Cultura dei diritti e diritti della cultura nello spazio costituzionale europeo. Traduzione a cura della
cattedra del Prof. Häberle (Università di Bayereuth), revisione della traduzione a cura di Luca Pirozzi. Milano:
Giuffre, 2003.
86
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 9, p. 419 – 502.
43
conteúdo de direito fundamental individual, cuja efetividade fica reforçada. Se as normas que
conferem direitos prima facie têm cláusulas restritivas, elas assumem um caráter de normas
que devem ser concretizadas, mas que atribuem direitos definitivos.87
87
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 9, p. 426 e ss.
88
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 9, p. 435 e ss.
89
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. p. 453.
44
Em relação aos direitos sociais fundamentais, Alexy explica que eles podem ser
vinculantes ou não vinculantes, subjetivos ou objetivos, definitivos ou prima facie. Não se
pode tratar o assunto como tudo-ou-nada91. O principal argumento a favor dos direitos
fundamentais sociais seria a liberdade. De acordo com a teoria dos princípios se deve
interpretar que o catálogo de direitos fundamentais expressa, entre outras coisas, princípios
que exigem que o indivíduo possa se desenvolver livre e dignamente na sociedade, o que
pressupõe uma liberdade. Para o autor os direitos fundamentais sociais são muito vagos, e
desta forma se partiria do argumento de que eles não seriam judiciáveis ou seriam em um
modo reduzido. Isto porque a competência para tais direitos seria do legislador, ou seja, os
tribunais só poderiam decidir sobre o que o legislador já houvesse decidido. Tudo devido ao
custo destes direitos92. Isto sob uma ótica formal.93
90
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 9, p. 482 e ss.
91
Como defende Dworkin.
92
A respeito do tema o custo dos direitos ver: HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. Il costo dei diritti:
perché la libertà dipende dalle tasse. Bologna: il mulino, 2000. Traduzione di Elisabetta Caglieri.
45
sistema jurídico material pela Constituição. O segundo diz respeito ao caráter de princípios
que as normas jusfundamentais têm, o que implica em ponderações e que em cada caso a
solução será derivada de uma valoração diferente, deixando o sistema jurídico aberto. O
terceiro efeito diz respeito ao tipo de abertura, ou seja, é um sistema aberto frente a moral,
pois incorporou conceitos básicos jusfundamentais: dignidade, liberdade e igualdade.96
96
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 10, p. 515 e ss.
97
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 10, p. 524 e ss.
98
A respeito da teoria do discurso e sua relação com direitos humanos ver: ALEXY, Robert. Discourse Theory
and Human rights. Ratio Juris, Bologna, v. 9, n. 3, p. 209-235, September 1996.
99
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 10, p. 529 e ss.
47
100
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. ___. Teoria de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2002. cap. 10, p. 532 e ss.
48
Neste sub-capítulo, serão tratadas melhor algumas observações publicadas por Alexy103
após ter recebido críticas principalmente de Jürgen Habermas104, que pensa que a construção
de Alexy enfraqueceria a noção de Direito Fundamental e deixaria um campo muito amplo à
liberdade do legislador, bem como a de Böckenförde que pensa que a teoria de Alexy anularia
a liberdade por inteiro e faria da Constituição algo que contivesse tudo e assim o legislador
ficaria a mercê do juiz.
101
Alexy explica a diferença entre um discurso de aplicação de normas e um discurso de justificação de normas
em: ALEXY, Robert. Justification and application of norms. Ratio Juris, Bologna, v. 6, n. 2, p. 157-170, July
1993. Alexy explica a estrutura do discurso moral em: ___. La fundamentación de los derechos humanos em
Carlos S. Nino. Cuadernos de filosofia del derecho. Doxa, n. 26, p. 173-201, 2003. Alexy também comenta
sobre o discurso para obter a justiça em: ___. Justicia como corrección. Cuadernos de filosofia del derecho.
Doxa, n. 26, p. 161-171, 2003.
102
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 10, p. 553 e ss.
103
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. e
___. Balancing, constitutional review, and representation. I-CON, v. 3, n. 4, p. 572-581, 2005.
104
Alexy comenta também as críticas em: ___. Constitutional rights, balancing and rationality. Ratio Juris,
Bologna, v. 16, n.2 p. 131-140, Jun. 2003.
105
ATIENZA, Manuel. Entrevista a Robert Alexy. Doxa - Cuadernos de filosofía del derecho, n. 24, Espanha:
Universidad Alicante, p. 671-687, 2001, p. 675.
49
Alguns autores109 vão contra este estabelecimento dos princípios exercerem mandatos
de otimização. Os princípios, como já abordado anteriormente, são mandatos de otimização
porque ordenam que algo se realize na maior medida possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas. Isto indicaria que o mandato possui na verdade um caráter
definitivo, pois somente pode ser cumprido ou descumprido, e quando é cumprido deve ser
plenamente. Desta forma os mandatos de otimização teriam uma estrutura de regras. “Con
todo, esto no significa en modo alguno que la teoría de los principios se desmorone cuando
adopta la forma de la tesis de la optimización. Más bien, lo que ocurre es que esta propiedad
atribuye a esta teoría una luz más aguda.”110Com esta sutileza atribuída pela otimização
deve-se ver a diferença entre os mandatos que se otimizam dos mandatos de otimização. Os
mandatos que se otimizam são objetos da ponderação, e podem ser denominados como um
“dever ser ideal” ou ideais. Este ideal deve ser otimizado e através da otimização se
transforma em um dever ser real, e se encontra no nível dos objetos em relação à otimização.
Já os mandatos de otimização se encontram em um meta-nível, no qual é estabelecido o que
se deve fazer com o que existe no nível dos objetos. Estes mandatos ordenam que seus objetos
sejam realizados na maior medida possível. Assim, como mandatos de otimização eles não se
otimizam mas se cumprem quando otimizam seus objetos.111
106
Alexy esclarece o que entende por mandatos de otimização: “[...] los principios entran en colisión con
frecuencia y, [...] la solución de colisiones entre principios no es posible sin ponderación. […] lo que defiendo
es un concepto de optimización que pone en conexión dos ingredientes: las exigencias que derivan del óptimo
de Pareto y el postulado de paridad.” ATIENZA, Manuel. Entrevista a Robert Alexy. Doxa - Cuadernos de
filosofía del derecho, n. 24, Espanha: Universidad Alicante, p. 671-687, 2001, p. 677 e 678.
107
Habermas, Klaus Günther, Dworkin, Böckenförde.
108
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
1, p. 14 e ss.
109
Os mesmo citados na Nota de rodapé 106.
110
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 108.
111
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
1, p. 16 e ss.
50
Alexy explica que os princípios, como objetos da otimização, não são mandatos de
otimização, e sim mandatos que se otimizam, tendo, deste modo, um dever ser ideal. Todavia,
para o autor, chamar os princípios de mandatos de otimização é uma forma mais simples de se
referir a eles, expressando tudo aquilo que se relaciona com os princípios e que se torna
significativo do ponto de vista prático. Há uma relação entre o dever ser ideal, o princípio em
si, e o mandato de otimização, como regra, uma vez que o dever ser ideal requer o mandato de
otimização da mesma forma que o mandato de otimização requer o dever ser ideal.112
Outra crítica é que o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico mudaria, uma
vez que como direitos fundamentais clássicos tinham seu alcance à parte do sistema jurídico
que dizia respeito à relação entre Estado e cidadão, e em contrapartida entendidos como
princípios teriam efeitos em todo o ordenamento jurídico. Teriam uma eficácia horizontal, ou
seja, frente a terceiros. Além disso, se argumenta que o legislador perderia sua autonomia,
pois deveria somente decidir com base no já decidido pela Constituição.114
Com isso os críticos115 argumentam que só existiria uma alternativa: decidir-se pelos
direitos fundamentais como princípios e a favor de um Estado jurisdicional, ou decidir-se pela
redução dos direitos fundamentais aos direitos de defesa e a favor do Estado de legislação
parlamentar. Alexy acredita que se a teoria dos princípios fosse examinada a partir da posição
de que todos os princípios e possibilidades de equilíbrio já estivessem contidos na
Constituição seria uma vítima fácil, uma vez que o legislador seria forçado a declarar sob a
vigilância da jurisdição o que já teria sido decidido pela Constituição. Tal problema suscita a
112
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
1, p. 18 e ss.
113
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 110.
114
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004.
cap.1, p. 20 e ss.
115
Principalmente Habermas e Böckenförde.
51
dúvida de se a teoria dos princípios implicaria em uma ordem fundamental que eliminaria a
liberdade legislativa.116
Em resposta a isto Alexy explica conceitos de ordem marco e ordem fundamental, para
explicar que a teoria dos direitos fundamentais respeita o campo de ação do legislador.
Quando a Constituição é entendida como uma ordem marco se compreende que o que está
ordenado pela Constituição é constitucionalmente necessário, o que está proibido é
impossível, e o que é confiado à discricionariedade do legislador é constitucionalmente
possível. Neste caso se trata de considerar a existência de um âmbito constitucionalmente
possível. Para os opositores da teoria dos princípios, a idéia deste âmbito seria incompatível
com a otimização117. De outro lado, a Constituição vista como ordem fundamental, pode ser
entendida de duas maneiras, uma que para tudo tenha previsto um mandato ou uma proibição,
e outra quando através da Constituição se decidem assuntos fundamentais para a comunidade.
Esta segunda concepção é compatível com a definição de ordem marco.118 Neste sentido:
Desta forma, uma constituição será uma ordem marco se ordenar e proibir algumas
coisas estabelecendo um marco e se dispor outras questões à discricionariedade do poder
público, deixando aberta uma margem ou um campo de ação. E, será uma ordem fundamental
se através de seus mandatos e proibições decidir questões fundamentais para a sociedade, que
podem e devem ser decididas por uma Constituição. O que se questiona é se tais postulados
podem ser atendidos, se os direitos fundamentais são aceitos com a estrutura de princípios.120
116
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
1, p. 20 e ss.
117
“The idea of optimization is necessary if we are to comprehend the dimension of weight in the case of a norm,
in contrast to its validity. This has a great many consequences in legal dogmatics.” ALEXY, Robert. On the
structure of legal principles. Ratio Juris, Bologna, v. 13, n. 3, p. 294 -304, September 2000. p. 299.
118
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
2, p. 22 e ss.
119
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 30.
120
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
2, p. 24 e ss.
52
Percebe-se que o problema surge quando a Constituição não ordena nem proíbe que o
legislador faça algo, pois deixa margem a um campo de ação do mesmo. “Los problemas de
la constitucionalización pueden resolverse mediante la construcción de una dogmática de los
márgenes de acción. Esta dogmática descansa sobre dos columnas.”121 Para se resolver as
questões impostas pela constitucionalização usam-se os campos de ação: existem o campo de
ação estrutural e o campo de ação epistemológico.122
Este margen de acción [estructural] está mucho más exento de problemas que el
margen de acción epistémico. No necesita ninguna fundamentación afirmar que el
Legislador es libre para actuar cuando la Constitución no lo ha obligado a nada.
En cambio, no es un asunto evidente afirmar que el Legislador es libre para actuar
cuando se presentan problemas para reconocer si en realidad es libre para
actuar.123
121
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 87. e ___. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales.
Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap. 2, p. p. 26 e ss.
122
Todos los márgenes de acción son o bien de tipo estructural o de tipo epistémico. El margen de acción
estructural se forma a partir de los límites de aquello que la Constitución ordena y prohíbe. Dentro de este
margen cae todo lo que ella no ordena ni prohíbe, sino que depara a la discrecionalidad de los poderes
públicos. El margen de acción epistémico se forma a partir de los límites de la capacidad para reconocer lo
que la Constitución por una parte, ordena y prohíbe, y por otra, no ordena ni prohíbe. ALEXY, Robert. Tres
escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá: Universidad Externado de
Colombia, 2003. p. 89.
123
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 32.
124
“[...] “campo de acción estructural” no plantea problemas graves con respecto a la cuestión de la
justiciabilidad. Estos surgen sólo debido a los problemas de evaluación y de efectividad estrechamente
entrelazados con el campo de acción estructural. El campo de acción estructural está vinculado con otros
campos de acción de un tipo totalmente distinto, es decir, con un campo de acción cognitivo con respecto al
problema normativo de la ponderación y con un campo de acción cognitivo con respecto al problema empírico
de la efectividad. En el problema de la efectividad se trata esencialmente del efecto de medidas actuales en el
futuro, es decir, de problemas de pronósticos. Por lo tanto, la ponderación del problema de la justiciabilidad
depende del papel que juegue el problema de la ponderación y el del pronóstico dentro del marco de los
derechos a protección.” ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios
políticos y constitucionales, 2002. p. 449.
125
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 60.
53
condutas positivas, e para tanto se devem eleger meios para alcançar tais objetivos. “Este
margen deriva de la estructura de los deberes positivos.”126 O campo da ponderação127 ocorre
quando a decisão depende de ponderações e da identificação de quais meios favorecem ou
prejudicam os princípios que entram em jogo. A crítica128 argumenta que na teoria dos
princípios o uso da otimização excluiria este campo de ação estrutural da ponderação, pois
como admitiriam soluções que proporcionassem a máxima realização possível de todos os
bens implicados, excluiria uma margem de decisão. Para se entender a otimização conforme a
teoria dos princípios se deve verificar a definição de princípio.129
Los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida
posible, de acuerdo con las posibilidades fácticas y jurídicas. Una de las tesis
fundamentales expuestas en la Teoría de los derechos fundamentales, es que esa
definición implica el principio de proporcionalidad con sus tres subprincipios:
idoneidad, necesidad y proporcionalidad en sentido estricto, y viceversa: que el
carácter de principios de los derechos fundamentales se sigue lógicamente del
principio de proporcionalidad.130
126
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 61.
127
El margen para la ponderación se origina a partir de la circunstancia de que no todas las colisiones entre
principios – aunque, bien es cierto, sí un buen número – pueden decidirse mediante la ponderación y con
fundamento en la Constitución. Una colisión no puede resolverse de esta manera, y por lo tanto, se enmarca
dentro del margen para la ponderación, cuando se presenta un empate en la ponderación. Esto sucede cuando
la satisfacción de los principios que entran en colisión es igualmente importante a los dos lados de la balanza.
El margen para la ponderación también comprende la elección entre los diferentes niveles de intervención y de
protección de los principios respectivos, en que puede darse un empate. Ahora bien, sólo es posible establecer
si algo cae dentro del margen para la ponderación o no, si es posible operar con escalas de rangos. Por lo
tanto, los empates en la ponderación y, como consecuencia, los márgenes para la ponderación sólo tienen un
significado práctico, si esas escalas son poco refinadas. Este tipo de escalas son correlativas a la naturaleza
del derecho constitucional. Las escalas triádicas (leve, medio, grave) constituyen el mejor punto de partida
para construir una escala poco refinada. Los empates en la ponderación y el carácter de marco de la
Constitución. ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios.
Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 90.
128
Habermas, Klaus Günther, Dworkin, Böckenförde.
129
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004.
cap.3. e ___. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 2003.
130
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 38.
131
“The implications of the proportionality principle turn on the definition of the concept of principle. Principles
qua optimization commands demand realization as far as is possible relative to the actual and legal
possibilities. A relativization in the direction of the actual possibilities leads to the principles of
appropriateness and necessity. [...] The principles of appropriateness and necessity stem from the obligation of
a realization as great as possible relative to the actual possibilities. They express the idea of Pareto-optimality.
The principle of proportionality in a narrow sense stems from the obligation of a realization as far as possible
54
entender por ponderação, conforme a teoria dos princípios. Conforme Alexy, para saber,
assim, se a otimização é incompatível com o caráter marco da constituição, se deve saber se o
princípio da proporcionalidade o é, e para tanto, devem ser verificados os sub-princípios da
adequação e da necessidade. Tais sub-princípios expressam as exigências para se atingir a
maior realização possível dependendo também das possibilidades fáticas.132
A idéia de otimização é a de que, quando se tem dois princípios em jogo, usar o sub-
princípio como a adequação e a necessidade para verificar se o meio adotado favorece ou
impede um ou outro princípio. Quando o meio adotado não favorece um princípio e impede o
outro, se pode omitir o meio e assim não serem causados custos nem para um nem para outro
princípio, ou adotar o meio e resultarem custos para um princípio. Quando se renuncia o meio
os dois princípios podem ser realizados em sua maior medida conforme possibilidades
fáticas.133
relative to the legal possibilities, that is, relative most of all to the counter-vailing principles.” ALEXY,
Robert. On the structure of legal principles. Ratio Juris, Bologna, v. 13, n. 3, p. 294-304, September 2000. p.
298.
132
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 39 e ss.
133
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004.
cap.3, p. 48 e ss.
134
BUSTAMANTE, Thomas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas. Análise das críticas de
Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista de informação legislativa,
v.43, n.171, p.81-90, jul./set.2006. p. 87.
135
“[...] la deducción de la máxima de la adecuación. Si M1 no es adecuado para la promoción u obtención del
fin F exigido por P1 o idéntico con P1, entonces M1 no es exigido por P1, es decir, para P1 es igual si se utiliza
M1 o no. Si, bajo estas circunstancias, M1 afecta la realización de P2, entonces, por lo que respecta al aspecto
de la optimización con relación a las posibilidades fácticas, M1 está prohibido por P2. Esto vale para todos los
principios, fines y medios. Por lo tanto, también la máxima de la adecuación se sigue del carácter de principio
de las normas de derecho fundamental.” ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid:
Centro de estudios políticos y constitucionales, 2002. p. 114.
136
“Para mostrar como la máxima de la necesidad se infiere del carácter de principio, habrá de considerarse
aquí la constelación más simple de un examen de necesidad. […] el Estado fundamenta la prosecución del fin
F con el principio P1 o F é idéntico a P1. Existen, por lo menos, dos medios, M1 y M2, que son igualmente
55
exige que dos dois meios adequados seja escolhido o mais benéfico ao direito fundamental
afetado, ou seja, que não provoque sacrifícios desnecessários ao direito fundamental afetado.
Desta forma, se selecionam meios através dos quais serão aplicados os princípios. Entretanto,
tal exame não traz sempre respostas tão fáceis, principalmente porque estes sub-princípios
trazem relações meio/ fim, e o ajuizamento supõe problemas de pareceres. “El reconocimiento
de la competencia del Legislador para la apreciación de fenómenos empíricos es equivalente,
en cuanto al resultado, al reconocimiento de la competencia para restringir los derechos
fundamentales.”137 A questão da interpretação se dá, desta forma, quanto a campos de ação
cognitivos ou epistemológicos.138
Também podem aparecer meios mais benéficos ao direito fundamental afetado, que
favoreçam o fim perseguido pelo legislador, mas isto traria o risco de se restringir um terceiro
princípio ou fim. Para se escolher o princípio mais adequado ao caso se deve perguntar se a
Constituição no caso específico admite uma intervenção intensa no direito fundamental, para
que um dos princípios não seja afetado demais, ou se exige uma afetação maior para que outro
princípio possa ser realizado com uma intervenção menor do direito fundamental. Assim, se
sairia do âmbito da otimização relativa para possibilidades fáticas, o que levaria à maior
realização possível em relação às possibilidades jurídicas. Verificar se dois princípios
justificam a intervenção em um princípio, que a proibição de determinado meio representa é
um problema de ponderação.139
Alexy explica que para se resolver esta discussão entraria em jogo outro sub-princípio
do princípio da proporcionalidade, que é o sub-princípio da proporcionalidade em sentido
estrito. Este sub-princípio expressa o que significa a otimização em relação aos princípios
adecuados para lograr o promover F. M2 afecta menos intensamente que M1, o no afecta en absoluto, la
realización de aquello que exige una norma iusfundamental con carácter de principio, P2. Bajo estos
presupuestos, para P1 es igual que se elija M1 o M2. P1 no exige que se elija M1 en lugar de M2 o M2 en lugar
de M1. Para P2 no es igual el que se elija M1 o M2. En tanto principio, P2 impone una optimización tanto por lo
que respecta a las posibilidades fácticas como jurídicas. Con respecto a las posibilidades fácticas, P2 puede
ser realizado en una medida mayor si se elige M2 y no M1. Desde el punto de vista de la optimización con
respecto a las posibilidades fácticas, bajo el presupuesto de la validez tanto de P1 como de P2, sólo M2 está
permitido y M1 está prohibido. Lo dicho vale para cualesquiera principios, fines y medios.” ALEXY, Robert.
Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2002. p. 113.
137
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 45.
138
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 46 e ss.
139
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 48 e ss.
56
opostos. A otimização que é feita com princípios opostos se trata igualmente de ponderação.
A ponderação pode ser dividida em três passos: primeiro se define o grau de não satisfação ou
de afetação de um dos princípios; depois se define a importância da satisfação do princípio
oposto; e então se define se a importância da satisfação do princípio contrário justifica a
afetação ou a não satisfação do outro.140
Com estes passos da ponderação é possível emitir juízos racionais sobre as intensidades
das intervenções nos direitos fundamentais, assim como sobre os graus de importância da
satisfação dos princípios, e sobre a relação que existe entre um e outro. E os direitos
fundamentais, entendidos como princípios, admitiriam tudo, com exceção de meios ilegítimos
através dos sub-princípios de adequação e necessidade. A ponderação não exige sempre uma
decisão exata do Legislador, e assim, existem campos estruturais para a mesma. A teoria dos
direitos fundamentais defende que a ponderação não é um procedimento que conduz cada
caso a um único resultado. Desta forma, com a ajuda da ponderação em alguns casos se pode
estabelecer um resultado de maneira racional, através de juízos racionais sobre as intensidades
das intervenções nos direitos fundamentais e sobre os graus de realização dos princípios.141
Para tanto, Alexy entende que se pode formular uma escala com graus de intensidade:
leve, médio e grave, e assim, ponderar o peso das razões que justificam uma intervenção ou
não. Quando as razões pesam intensamente seu peso é alto. Desta forma, se fixa a intensidade
de intervenção e o grau de importância da razão que justifica a intervenção e se chega a um
resultado. Se a razão para a intervenção pesa intensamente e justifica uma intervenção leve
como conseqüência o dever de fazer algo não prejudica o princípio de liberdade. O resultado a
que se chega com o exame de proporcionalidade em sentido estrito não é somente um
resultado plausível, mas sim um resultado evidente de acordo com os dados presentes no caso
(intensidade de intervenção e peso da razão que a justifique).142
fundamentais, interpretados como princípios, que têm intensidades que estabelecem limites
dentro da estrutura da ponderação, tornando possíveis juízos racionais sobre os graus de
intensidade e de importância que são afetados os princípios e que estes juízos podem ser
relacionados entre si para fundamentar um resultado. Existem razões plausíveis que
respaldam os juízos de intensidade de intervenção no direito fundamental e do grau de
importância do princípio oposto. Como se trata de uma aplicação dentro de um marco de uma
argumentação ela não pode ser considerada não refletida, já que os argumentos é que
expressam e tornam visíveis as reflexões. Também podem ser estabelecidos limites à atuação
estatal com a lei da ponderação, de forma racional.143
Quanto ao âmbito de aplicação da lei da ponderação e seu campo de ação deve-se dar
atenção ao modelo triádico de classificação144, ou seja, a classificação em leve, médio e grave.
Na lei da ponderação o grau da não satisfação ou da afetação de um princípio, assim como a
importância da satisfação do outro são valorados com esta classificação. Além da expressão
do grau de satisfação ou da afetação se usa a intensidade da intervenção. O princípio cuja
vulnerabilidade se avalia é colocado como variável. As intervenções nos princípios são
sempre concretas, por isto a intensidade da intervenção também é concreta. Quando se faz a
ponderação é necessário especificar se se trata de algo abstrato ou concreto, colocando as
circunstâncias do caso que são relevantes à decisão, e que têm um papel central na lei de
colisão.145
Outro ponto sobre a lei da ponderação diz respeito à importância da satisfação de outro
princípio. Esta não precisa ser de forma concreta como a intensidade da intervenção, pois se
pode construir um conceito de importância integrando uma questão concreta, bem como uma
abstrata. Na ponderação os pesos abstratos146,147 têm um papel de influência na decisão, mas
143
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 60 e ss.
144
“The three steps or classes of the triadic model represent a scale which attempts to systematize classifications
which can be found both in everyday practice and legal argumentation. Such a three-class system is far
removed from a metrification of intensities of interference and degrees of importance on a cardinal scale such
as a scale from 0 to 1, and it has to be far removed, because intensities of interference and degrees of
importance are not capable of metrification on such a scale.” ALEXY, Robert. On balancing and subsumption.
A structural comparison. Ratio Juris, v. 16, n. 4, p. 433-449, December 2003. p. 443.
145
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 61 e ss.
146
“Quanto maior for a contribuição de um dado princípio para a coerência do ordenamento jurídico, maior será
a sua importância e, por conseguinte, o seu peso abstrato.” Em: BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e
58
quando os pesos são iguais, a decisão depende dos pesos concretos, o que torna necessária a
elaboração de um conceito de importância concreto. A importância concreta do princípio
depende das circunstâncias do caso.148 Deste modo,
Los elementos del caso concreto que resultan esenciales para la decisión son la
medida examinada y las consecuencias que su ejecución y su no ejecución tienen
para los principios implicados. La no ejecución pertenece a estos elementos, porque
con la decisión se trata de establecer si la medida está permitida o prohibida por
los derechos fundamentales, y la prohibición es correlativa a la circunstancia de
que la medida deba ser omitida.149
Assim, são os elementos do caso concreto que importam e vão fazer a diferença na
decisão, uma vez que especificarão a medida examinada e quais as conseqüências para os
princípios relacionados. Para se determinar a importância da satisfação de um princípio se
deve verificar seu sentido contrário, ou seja, o que significaria para um direito se a
intervenção no princípio fosse omitida ou não fosse executada. E com isso a importância
concreta do princípio se mede de acordo com o grau de intensidade da intervenção no
princípio que a não intervenção no princípio vulnerável produza.150
Alexy entende que a importância da satisfação do outro princípio quer dizer que a
contraposição da intensidade da intervenção no princípio vulnerável do caso concreto é a
importância do princípio contrário no caso concreto. Desta forma se estabelecem os objetos
que devem sofrer a valoração. Então se começa a ponderação, que tem três passos. O primeiro
é valorar a intensidade da intervenção, o segundo valorar a importância do princípio oposto e
o terceiro passo consiste em verificar qual das duas valorações relacionadas deve prevalecer.
O princípio vulnerável adquire precedência quando a intensidade for grave ou média e na
relação a importância for média ou leve, ou seja, o princípio vulnerável precede o princípio
oposto como uma forma condicionada. Por outro lado, acontece a precedência do princípio
a fórmula de ponderação de Alexy: um modelo funcional para a argumentação jurídica? Revista de direito
constitucional e internacional, São Paulo, v. 14, n. 54, p. 76-107, jan./mar., 2006, p. 102.
147
Alexy explica os critérios da coerência e como mantê-la quando princípios colidem, ou seja, na ponderação,
para aprofundamentos ver: ALEXY, R.; PECZENIK, A. The concept of coherence and its significance for
discursive rationality. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1 – bis, p. 130-147, March 1990.
148
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 62 e ss.
149
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 62.
150
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 64 e ss.
59
oposto quando a intensidade for leve ou média e a importância for média ou grave, quando a
precedência condicionada será do princípio oposto em relação ao princípio vulnerável.151
Existem também casos de empate, nos quais a intensidade do princípio vulnerável tem o
mesmo valor que a importância do princípio oposto. Nestes casos se pode adotar outra
fórmula que ajuda a expressar o peso de um princípio sob circunstâncias do caso concreto, ou
seja, seu peso concreto. Esta é a fórmula do peso que complementa a lei de colisão e a lei da
ponderação.152
La fórmula del peso incluye sólo magnitudes concretas. Por consiguiente, esta
fórmula representa la situación en que el peso depende únicamente de dichas
magnitudes. Como ya se advirtió, esto ocurre cuando los pesos abstractos de los
principios implicados son iguales. Si estos difieren entre sí, entonces también deben
ser incluidos en la fórmula.153
151
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 66 e ss.
152
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004.
cap.3. e ___. ___. La formula per la quantificazione del peso nel bilanciamento. Annuario di ermeneutica
giuridica: Valori, principî e regole. CEDAM, n. 10, p. 97-123, 2005.
153
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 67.
154
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 74.
60
ação se torna estrutural quando sua validade é produzida por direitos fundamentais. O campo
de ação estrutural se desenvolve de acordo com a linha em que se apresentam os empates.155
Alguns críticos157 à teoria dos princípios dizem que a tese do empate na ponderação é
um truque, ou que se existissem seriam mínimos ou raros, e argumentam que seria possível a
criação de ordens mais refinadas que o modelo triádico158. É possível refinar a escala de
valoração, mas esta escala tem limites, uma vez que pode se tornar incompreensível. Isto
porque se colocariam mais três níveis em cada nível e seria difícil explicar o que se entenderia
por grave, ou medianamente leve, por exemplo. Entretanto, uma versão mais refinada da
escala poderia resolver alguns casos de empate, mas não os eliminaria. Questiona-se se seria
possível terminar com os empates através do peso das magnitudes do caso concreto sem usar
nenhum tipo de escala. Seriam admitidas as relações de primazia, as de inferioridade e as de
equivalência, nas quais os resultados em que houvesse empate seriam entendidos como
impossíveis.159 Mas isto não é algo que se possa aceitar e leva a perguntar se
155
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 74 e ss.
156
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 76 e ss.
157
Habermas, Klaus Günther, Dworkin, Böckenförde.
158
Em: ALEXY, Robert. Ponderación, control de constitucionalidad y representación. Teoría del discurso y
derechos constitucionales. México: Fontamara, 2005. p. 89-103. Alexy explica que “La estructura de la escala
triádica no es suficiente para mostrar que la ponderación es racional. Para ello, es necesario que se tenga en
cuenta también que en la ponderación se encuentra implícito un sistema de inferencias; el cual, a su vez, está
intrínsicamente conectado al concepto de corrección. En tanto que un sistema de inferencias, la subsunción en
una regla puede expresarse mediante un esquema deductivo llamado “justificación interna”; el cual se
construye con la ayuda de las lógicas proposicional, de predicados y deóntica. Es de central importancia para
la teoría del discurso jurídico que en el caso de la ponderación de principios exista una contraparte de este
esquema deductivo. Este esquema podría llamarse “fórmula del peso”.” p. 94.
159
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 78 e ss.
61
Para se ter uma estrutura tal que eliminasse a possibilidade de empate, seria necessária
uma estrutura com escalas compostas por diversos números de classes. O que seria quase
impossível existir de verdade. Pois é difícil dividir os direitos fundamentais em segmentos tão
finos que eliminassem a possibilidade de empates estruturais. E assim, se percebe que há um
campo para a ponderação.161
160
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p. 79.
161
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
3, p. 80 e ss.
162
“Un principio formal central es la competencia de decisión del legislador legitimado democráticamente. Este
principio excluye la concepción según la cual todo el sistema del derecho ordinario sólo tiene que ser el
conocimiento correcto de aquello que exigen los principios constitucionales. Conjuntamente con otros
principios procedimentales, procura una relativa independencia del derecho legislado ordinario y es una
razón esencial de los numerosos márgenes de acción que el Tribunal Constitucional Federal deja al
legislador.” ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Tradução de Jorge M. Seña. 2 ed., Espanha:
Gedisa, 1997. p. 169.
163
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 82 e ss.
62
Os campos de ação epistemológicos, como dito antes, têm uma proximidade muito
grande com os campos estruturais para a ponderação. Os campos de ação epistemológicos de
tipo empírico têm uma estrutura mais fácil. Os direitos fundamentais podem ficar sem
proteção uma vez que o Legislador está autorizado a basear sua intervenção em premissas
inseguras, o que faz pensar que os direitos fundamentais teriam uma maior proteção se não se
recorresse ao campo de ação cognitiva do Legislador. Como os direitos fundamentais
enquanto princípios exigem uma máxima realização possível, o reconhecimento deste campo
do legislador faria com que os direitos não fossem realizados no seu máximo, o que poderia
acarretar em uma não aceitação da existência deste campo de ação cognitiva pelo princípio
jusfundamental considerado como mandato de otimização.166
Neste caso, o que se deve ver é o princípio formal de competência do legislador para
decidir. Quando a decisão depende de apreciações empíricas, a competência decisória do
legislador, estabelecida pelo princípio formal, abrange também a competência para decidir em
condições de incerteza. E assim, pode haver uma colisão entre o princípio formal e princípio
jusfundamental material, um princípio daria competência e o outro excluiria a competência ao
164
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 84 e ss.
165
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 86 e ss.
166
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 88 e ss.
63
legislador. Para se resolver esta colisão, em que haveria uma tensão entre os direitos
fundamentais e a democracia, se poderia optar por duas soluções. A primeira seria dar
primazia ao princípio jusfundamental material nos casos de incerteza empírica e desta forma o
legislador somente poderia se basear em premissas sobre as quais tivesse certeza. A
conseqüência disto implicaria na eliminação da liberdade de ação do legislador em diversos
âmbitos da vida política – o que não seria compatível com os princípios da separação dos
poderes e com o princípio democrático. A segunda solução extrema seria a de permitir que o
legislador interviesse nos direitos fundamentais, mesmo estando baseados em avaliações
incertas. Contudo, para Alexy estas duas soluções seriam extremas e não poderiam ser aceitas,
para isto deveriam se formar soluções intermediárias, que exigissem um mesmo grau de
certeza para cada intervenção nos direitos fundamentais ou que as intervenções tivessem
diversos graus de certeza. Os direitos fundamentais enquanto princípios seriam compatíveis
com esta última solução.167
Esta solução leva a uma segunda lei da ponderação, que estabelece que quanto mais
intensa for uma intervenção em um direito fundamental, maior deve ser a certeza das
premissas que sustentam a intervenção. Esta lei atribui maior ênfase às razões sobre as quais
se baseia a intervenção. A primeira lei da ponderação se preocupa com a intensidade da
intervenção – o grau da não satisfação ou da afetação, enquanto esta última se refere ao peso
da intervenção.168
O peso da intervenção pode ser definido com a fórmula do peso através do produto da
intensidade da intervenção e do peso abstrato do princípio. Pode-se também excluir o peso
abstrato quando o que se quer observar é a relação entre a intensidade da intervenção e a
certeza das premissas que a sustentam. Também de um ponto de vista sistemático podem ser
incluídos elementos epistemológicos junto à razão material para a intervenção. Isto acontece
obedecendo a regra que diz que a importância concreta da satisfação do princípio oposto tem
uma menor capacidade para justificar a intensidade da intervenção no princípio vulnerável
quanto menor a certeza de conseguir a satisfação do princípio oposto. Assim, o peso concreto
167
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 90 e ss.
168
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 92 e ss.
64
169
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 94 e ss.
170
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 96 e ss.
171
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los principios. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 91.
65
Os campos de ação epistemológicos, desta forma, fariam com que os princípios formais
fossem incompatíveis com a vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Tanto no
campo de ação epistemológico normativo, quanto no empírico os princípios formais têm o
papel de contribuir com a divisão de competências para decidir que existem entre o Tribunal
Constitucional e o legislador quando existem incertezas sobre a relação existente entre os
princípios materiais. O campo de ação cognitivo de tipo empírico demonstra que os princípios
formais ameaçam os direitos fundamentais na mesma medida que fazem os princípios
materiais opostos. O papel destes na parte material corresponde aos princípios formais na lei
epistemológica da ponderação.175
172
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 98 e ss.
173
Cada margen de acción epistémico da lugar a la posibilidad de que existan vulneraciones de los derechos
fundamentales que no pueden ser establecidas y sancionadas por la Corte Constitucional Federal. Esto
significa la divergencia entre normas de acción y normas de control. ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los
derechos fundamentales y la teoría de los principios. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 91.
174
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 100 e ss.
175
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 102 e ss.
66
Percebe-se, desta maneira, que os princípios formais não interferem nos campos de ação
e assim tais campos permitem ponderações racionais. As constituições que possuem um
catálogo de direitos fundamentais representam uma tentativa de organizar a ação coletiva e
assegurar direitos individuais. Com este duplo caráter o legislador tem a atribuição de
restringir os direitos fundamentais, e para isso existem campos de ação que se somam às
restrições materiais que o legislador impõe aos direitos fundamentais. O campo de ação acaba
se integrando ao direito fundamental e se internalizando. A divergência permanece, desta
forma, impregnada no princípio jusfundamental material.177
Diante das informações sobre a otimização e ponderação, pode-se dizer que a teoria dos
direitos fundamentais de Alexy não enfraquece os direitos fundamentais. A construção teórica
176
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. p.
109.
177
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 104 e ss.
178
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4, p. 106 e ss.
67
usada por Alexy, que entende os direitos fundamentais como princípios, tem uma
funcionalidade para a prática jurídica e traz a possibilidade de justificar os resultados da
ponderação a partir de parâmetros que vêm da racionalidade prática179. Sem a ponderação de
princípios a justificação jurídica se transforma em um tipo de decisionismo. O que a teoria
dos direitos fundamentais de Alexy vem trazer é um modelo de fundamentação e evitar um
mero decisionismo.180
A lei de colisão faz referência somente ao resultado das colisões, mas é a ponderação
dos princípios que resolve como as colisões devem ser resolvidas. Desta forma, através da
ponderação se solucionam os conflitos, afastando-se o princípio que diante das condições
fáticas e jurídicas do caso concreto tenha menor peso, levando em consideração o princípio
oposto. O modelo de ponderação com sua fórmula dos pesos não traz em si um método de
resolução definitivo de casos. Mas traz critérios que vinculam a ponderação e a argumentação
jurídica racional. Desta forma, o modelo estrutural de ponderação é importante, pois provoca
um avanço em relação à argumentação jurídica, uma vez que traz dados através dos quais se
pode fundamentar a argumentação jurídica.
179
“El Estado constitucional democrático supone la mejor forma de conectar la argumentación con la decisión
desde la perspectiva de los ideales de libertad e igualdad fundamentados discursivamente. […] Ahí juega un
papel esencial la ponderación en cuanto forma de aplicación de los derechos fundamentales. De esta manera,
cabría llamar <<institucionalización de la razón>> a este sistema completo en formación.” ATIENZA,
Manuel. Entrevista a Robert Alexy. Doxa - Cuadernos de filosofía del derecho, n. 24, Espanha: Universidad
Alicante, p. 671-687, 2001, p. 685.
180
Alexy explica sobre a justificação das regras do discurso e dos direitos humanos em: ___. Discourse theory
and human rights. Ratio Juris, Bologna, v. 9, n. 3, p. 209-235, Sep. 1996.
68
No capítulo anterior a teoria dos direitos fundamentais de Alexy foi abordada e se pôde
entender a estrutura da teoria. Compreende-se, assim, que a distinção entre regras e princípios
é percebida mais claramente nas colisões de princípios e nos conflitos de regras. Os princípios
para Alexy são mandatos de otimização que devem ser realizados o mais amplamente
possível. A teoria de Alexy traz critérios para se resolver as questões quando ocorrem colisões
entre princípios. Tais critérios vêm englobados na ponderação de determinados princípios
através de peso que cada princípio fundamental pode ter.
181
CADERMATORI, Luiz H. U. Hermenêutica principiológica e colisão de direitos fundamentais: teorias de
Aléxy e Dworkin e os aportes de Habermas. Novos Estudos Jurídicos. Vale do Itajaí, v. 11, n. 1, p. 135-141,
março 2006. p. 136.
69
Habermas tem sido um dos maiores críticos a respeito da teoria dos direitos
fundamentais de Alexy. A tese decisiva se refere aos limites desses direitos, pois como trazem
princípios como mandatos de otimização tirariam força dos direitos fundamentais.183 Alexy
resolve esta polêmica limitando tais direitos a partir de uma teoria dos princípios, cuja base é
a tese de que os direitos fundamentais, enquanto normas, possuem a estrutura de mandatos de
otimização, como já se expôs no primeiro capítulo, o que coloca a máxima da
proporcionalidade no centro da dogmática dos direitos fundamentais. A principal
conseqüência prática disto é a ponderação axiológica (através de critérios de adequação,
necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito) na limitação de tais normas184.
182
Habermas também usa algumas concepções do autor Klaus Günther.
183
HABERMAS, Jürgen. On law and disagreement. Some comments on “interpretative pluralism”. Ratio Juris,
Bologna, v. 16, n.2, p. 187-194, June 2003.
184
Como explicado no ponto anterior.
70
If principles manifest a value that one should optimally realize, and if the norms
themselves do not dictate the extent to which one must fulfill this optimizing
prescription, then the application of such principles within the limits of what is
factually possible makes a goal-oriented weighting necessary. Because no value can
claim to have an inherently unconditional priority over the other values, this
weighting operation transforms the interpretation of established law into the
business of realizing values by giving them concrete shape in relation to specific
cases.185
Com referida citação se percebe que Habermas não concorda com tal teoria, pois para
ele a ponderação orientada por objetivos pode fazer com que, caso as circunstâncias
exigissem, os indivíduos usassem os princípios como trunfos para defenderem suas pretensões
diante do risco de que seus direitos sejam tomados por fins coletivos,186 fazendo com que os
direitos fundamentais perdessem sua firmeza, que só poderia ser garantida por uma estrutura
com caráter de regras. Para Habermas a ponderação coloca em risco a força dos direitos
fundamentais porque os submete a juízos irracionais.187
Neste contexto, Habermas comenta sobre moralidade e direito. Para ele a opinião e
formação de opinião dependem de uma rede de discurso e negociação e não simplesmente de
discursos morais. Tampouco como a busca de validade normativa, focada em comandos
185
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
254.
186
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas. Revista de
informação legislativa. Brasília, ano 43, n. 171, p. 81-90, jul/set 2006.
187
ALEXY, Robert. La formula per la quantificazione del peso nel bilanciamento. Annuario di ermeneutica
giuridica. Valori, principî e regole. Padova, n. 10/2005, p. 97-123, marzo 2006.
188
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
218 e ss.
71
In summary, we can say that law has a more complex structure than morality
because it (1) simultaneously unleashes and normatively limits individual freedom of
action (with its orientation toward each individual’s own values and interests), and
(2) incorporates collective goal-setting, so that its regulations are too concrete to be
justifiable by moral considerations alone. […] Law, as it were, compensates for the
functional weaknesses of a morality that, from the observer perspective, frequently
delivers cognitively indeterminate and motivationally unstable results. […] Indeed,
moral reasons enter into law by way of the legislative process. Even if moral
considerations are not selective enough for the legitimation of legal programs,
politics and law are still supposed to be compatible with morality – on a common
postmetaphysical basis of justification.190
189
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. p. 135-150. In: DEFLEM, Mathieu (ed.).
Habermas, modernity and law. London: Sage publications, 1996.
190
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. p. 135-150. In: DEFLEM, Mathieu (ed.).
Habermas, modernity and law. London: Sage publications, 1996. p. 139 e 140.
191
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996.
192
Para ver mais a fundo o que Klaus Günther entende por estes discursos ver: GÜNTHER, Klaus. Teoria da
argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de Cláudio Molz. São Paulo: Landy,
2004.
193
Deve-se enfatizar que apesar de Habermas trazer este modelo de Günther os dois possuem algumas
divergências entre suas teses: para Günther há a especificidade da moral e do direito entre a justificação e a
aplicação; e para Habermas entre direito e moral há uma relação de co-originariedade normativa e de
complementariedade funcional. Ver GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral:
justificação e aplicação. Tradução de Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 11
194
Alexy explica a diferença entre um discurso de aplicação de normas e um discurso de justificação de normas
em: ALEXY, Robert. Justification and application of norms. Ratio Juris, Bologna, v. 6, n. 2, p. 157-170, July
1993. A estrutura do discurso moral é explicada em: ___. La fundamentación de los derechos humanos em
Carlos S. Nino. Cuadernos de filosofia del derecho. Doxa, n. 26, p. 173-201, 2003. Alexy também comenta
sobre o discurso para obter a justiça em: ___. Justicia como corrección. Cuadernos de filosofia del derecho.
Doxa, n. 26, p. 161-171, 2003.
195
From Günther, Habermas has adopted the idea of a discourse of application. According to this idea, the
decision of a case is correct, if it adequately considers all relevant norms and all features of the case. The
perfect fulfillment of this task would require the construction of an “ideally coherent system of norms” This
task, however, would overtax even a “professionalized administration of justice.” “In the place of the ideal
we (therefore) find paradigms.” These are supposed to lighten the burden of the “hypercomplex task of
taking an unordered set of prima facie principles and relating it – directly and with ´the naked eye´ - to the
relevant features of a situation apprehended as fully as possible”. ALEXY, Robert. Basic rights and
democracy in Jürgen Habermas´s procedural paradigm of the law. Ratio Juris, Bologna, v. 7, n. 2, p. 227-
238, July 1994. p. 235.
72
normas, sendo regras ou princípios, possuem objetivos diversos e são orientadas por
princípios norteadores específicos. Somente a fundamentação de normas seria orientada pelo
princípio da universalidade, idealizado por Habermas196 – e representado por Günther como U
– uma vez que a aplicação de normas já fundamentadas aos casos concretos exigiria uma
perspectiva distinta. Como objetivo, seria simplificar o momento da fundamentação tirando o
excesso de tarefas que tornariam as críticas sobre a inviabilidade prática do princípio da
Universalidade corretas. O próprio Habermas aceitou a necessidade de reformulação do
princípio da Universalidade nos termos em que Klaus Günther197 propõe. Como se pode notar
na citação a seguir:
As Klaus Günther has shown,73 contexts of justifying norms, practical reason comes
into play through testing the universalizability of interests, in contexts of applying
norms, through an adequate and sufficiently complete comprehension of relevant
contexts in the light of competing rules. The legal procedures through which the
impartiality of the administration of justice is supposed to be institutionalized must
accord with this regulative idea.198
196
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
109. “This investigation leads one to distinguish various types of discourse (and their corresponding sorts of
reasons) according to the logic of the question at issue; it also leads to a distinction between discourse and
procedurally regulated bargaining. Specifically, one must show for each type which rules would allow
pragmatic, ethical and moral questions to be answered. We might say that these various rules of
argumentation are so many of operationalizing the discourse principle. For the justification of moral norms,
the discourse principle takes the form of a universalization principle.”
197
Como a tese de Günther sobre os discursos de aplicação e justificação é bastante questionada e traz uma
postura metafísica pois não se constitui por juízos e argumentos racionais – voltando um ao outro. Não se
utilizarão suas idéias aqui, somente se menciona para citar aos leitores que o referido autor também trata
sobre estas questões.
198
HABERMAS, Jürgen. Law and morality (The Tanner lectures on human values). Tradução de Kenneth
Baynes. p. 61. Disponível em: <http://www.tannerlectures.utah.edu/lectures/documents/habermas88.pdf>.
Acesso em: jun. 2007.
199
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996.
200
The idea that a norm deserves universal approval elucidates what it means for norms of action to be valid in
terms of a rational acceptability that is not just local. This explication of normative validity pertains to the
process of justification, not application, of norms. Thus the comparison with a maxim of judicial decision
making is out of place. HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg.
Cambridge: Mit press. 1996. p. 565.
73
vem do imperativo de se considerar todos os interesses dos afetados pela norma em questão.
Na polêmica da justificação de uma norma se verificam possíveis casos pertinentes, quanto a
aspectos gerais e exemplares. Vem à tona, desta forma, uma série de conseqüências
possíveis.201 A grande diferença em relação à teoria de Alexy é que neste caso a discussão
desses casos possíveis acontece na medida em que é possível generalizá-los, ou seja,
selecionam-se os fatos a partir do critério de características em comum com outras hipóteses
entendidas como relevantes e não a partir do aspecto particular de cada situação.
Habermas argues, ‘at the post-traditional level of justification only those laws count
as legitimate that could be accepted by all legal consociates in a discursive process
of opinion – and will – formation. […] In the second stage, law is a means of social
integration while at the same time one of legitimating political power. Thus, the
state is allowed to make legally binding decisions which simultaneously organize
society.202
201
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. E
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.
202
RASMUSSEN, David. M. How is valid law possible? In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity and law:
London: Sage publications, 1996. p. 30.
203
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 13.
204
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996, p. 146.
74
This formula does not specify the different ‘norms of action’ (and corresponding
normative statements) or the different ‘rational discourse’ (on which, incidentally,
bargaining depends insofar as its procedures must be discursively justified). This
provides enough latitude, however, for deriving the democratic and moral principles
by appropriately specifying the discourse principle. Whereas the democratic
principle is applied only to norms that display the formal properties of legal norms,
the moral principle – according to which valid norms are in the equal interest of all
persons – signifies a restriction to the kind of discourse in which only moral reasons
are decisive.206
Alexy não especifica formas de argumentação, mas estabelece passos a serem seguidos
que possibilitem uma melhor interpretação e consequentemente uma melhor justificação e
argumentação para a decisão. Para se considerar o interesse de todos, são necessárias
condições ideais de tempo e de conhecimento que, geralmente, não se confirmam na
realidade. É impossível prever todas as conseqüências decorrentes da aplicação de uma
norma.207 Mesmo que se dispusesse de conhecimento ilimitado quanto as possíveis
conseqüências, este não seria útil para se fazer uma norma geral e abstrata de caráter
universal. Há um problema de se determinar quais são os interesses dos participantes de um
processo de justificação de uma norma uma vez que os interesses das pessoas mudam e se
restringem a determinados horizontes históricos e sociais. Embora nesse processo as
205
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
217 e 218.
206
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996, p. 146.
207
Poder prever todas as situações de aplicação de uma norma e todos os interesses envolvidos é por demais
contrafático. Inexiste operacionalidade possível. Na verdade, essa impossibilidade é mesmo inevitável diante
do estágio de evolução da consciência moral, na passagem do nível convencional para o pós-convencional,
em que são numerosos os entrecruzamentos de perspectivas comuns. LEAL, Fernando. Klaus Günther, 1957.
In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo/ Rio de Janeiro:
Unisinos/ Renovar, 2006. p. 400.
75
Deste modo, a exigência ideal da consideração de todos os interesses deve ser satisfeita,
na medida do possível. Assim, num primeiro momento, o discurso de justificação de uma
norma atenderia ao critério da universalização em sua "versão fraca", o qual significa que
“uma norma é válida se as conseqüências e os efeitos colaterais de sua observância puderem
ser aceitos por todos, sob as mesmas circunstâncias, conforme os interesses de cada um,
individualmente.”210 O que se verifica aqui é a concordância de todos os interessados sobre a
antecipação das conseqüências previsíveis dentro de certos limites de tempo e cognição. Em
um segundo momento, Günther211 procura compensar a "versão fraca" do princípio da
universalidade, através do discurso de aplicação de uma norma válida.
[...] the justification of a singular judgment must be based on the set of all
appropriate normative reasons that happen to be relevant for the case at hand in
view of a complete interpretation of the situation. Thus if the “collision” between
norms being weighed in the interpretive process led one to infer a “contradiction”
within the system of norms itself, then one would be confusing the norm’s “validity,”
which it enjoys in general insofar as it is justified, with its “appropriateness” for
application in particular cases. If instead one explains the indeterminacy of valid
norms in terms of argumentation theory, then a contest of norms competing as prima
facie candidates for application in a given case makes good methodological sense:
“The collision of norms cannot be reconstructed as a conflict of validity claims
because colliding norms or competing semantic variants enter a relation with one
another only in a concrete situation. A discourse of justification would have to
abstract from just this situational dependency of collision problems… What other
norms or semantic variants are possibly applicable can only be known in the
particular situation itself.212
208
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 59-74 passim.
209
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
162.
210
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 67.
211
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 69-74.
212
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
218.
76
Isto é, a justificação de cada decisão deve ser feita de acordo com cada caso, quando
acontece uma colisão e se acha uma contradição na verdade se confunde com a validade da
norma. E quando se faz esta justificação através da teoria da argumentação se pode de uma
melhor forma abstrair a melhor norma ou princípio a ser aplicado.213 Assim, deve-se enfatizar
que a aplicação de normas frente a casos singulares é, antes de tudo, uma forma de discurso, e
assim segue os critérios da ética do discurso, tal como formulados por Habermas214. No
processo de aplicação também prevalecem o princípio da não-contradição, da consistência
semântica, da veracidade, da simetria na participação dos sujeitos do discurso, entre outros. O
objetivo do discurso de aplicação também é o de garantir a prevalência do melhor
argumento.215
The idea that a norm deserves universal approval elucidates what it means for
norms of action to be valid in terms of a rational acceptability that is not just local.
This explication of normative validity pertains to the process of justification, not
application, of norms. Thus the comparison with a maxim of judicial decision-
making is out of place.216
213
“Habermas has recently sharpened this reservation and made it more precise: “This specific reservation with
which we consider well-substantiated norms of action only to be prima facie valid in a sense needing to be
complemented, can also be explained by the limitedness o four actual knowledge, but not by its fallibility.
The more far-reaching reservation of incompleteness can be explained… by the existential provinciality in
view of the historic changes of the things themselves… (and) finally by the fact that the social world… is
ontologically constructed in a different way”” Ver: ALEXY, Robert. Justification and application of norms.
Ratio Juris, Bologna, v. 6, n. 2, p.157-170, July 1993. p. 158.
214
O papel que o princípio da universalização assume nos discursos de fundamentação é assumido pelo princípio
da adequação nos discursos de aplicação. Só quando se toma estes dois princípios em conjunto é que se
esgota a idéia de imparcialidade. HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda
Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. p. 138.
215
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
172.
216
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996, p. 150.
77
O discurso de aplicação trabalha com normas válidas e aplicáveis prima facie e o que se
verifica é a adequação das mesmas a um determinado caso. Uma norma aplicável prima facie
é aquela que verifica além dos fatos descritos na norma e a descrição do caso concreto e
singular considera os fatos não previstos. Faz-se a aplicação do princípio da imparcialidade no
âmbito do discurso. Há uma diferença sutil da imparcialidade no discurso de justificação e no
de aplicação. No discurso de justificação, a imparcialidade existe quando se consideram todos
os interesses envolvidos. No discurso de aplicação, entretanto, a imparcialidade é assegurada
pela consideração de todos os fatos relevantes do caso. A idéia de imparcialidade permite a
consideração do interesse do acusado, que pode encontrar respaldo em uma norma.218
217
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
229.
218
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 89.
219
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 65.
220
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996, p. 150. “For a norm to be valid, the consequences and side-
effects that its general observance can be expected to have for the satisfaction of the particular interests of
each person affected must be such that all affected can accept them freely.”
78
221
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p.89 e 103
222
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p.283.
79
Günther224 explica que algumas hipóteses podem criar dúvidas sobre a adequação de
uma norma, pois descaracterizam os pressupostos de fato que autorizam a sua aplicação, ou
seja, negam a existência de tal enquadramento. Pode haver também uma hipótese que não
negue o enquadramento na norma, mas que afirme a existência de um fato não previsto
normativamente que pode desautorizar a aplicação daquela norma. Assim, pode surgir um
dado novo que caracteriza o pressuposto de fato de uma outra norma aplicável prima facie. O
que gera uma colisão de normas aplicáveis prima facie.
Percebe-se que é com relação à colisão que ocorre uma discordância fundamental de
Habermas com as teses de Robert Alexy. Para este último, um conflito normativo deste
gênero se resolve por meio de uma ponderação de valores verificada através de ambos os
princípios colidentes. Já para o primeiro, contrariamente, não se trata de uma disputa entre
valores, mas da determinação de uma norma mais adequada ao caso concreto, cuja
determinação não passa pelo processo de ponderação de valores.
Neither rules nor principles have a teleological structure. Contrary to what legal
methodologies tend to suggest when they refer to “weighing values”
(Güterabwägung), principles must not be understood as optimizing prescriptions,
because that would eradicate their deontological character. Rules and principles
both serve as arguments in the justification of decisions, though each has a different
status in the logic of argumentation.229
226
ALEXY, Robert; PECZENIK, Aleksander. The concept of coherence and its significance for discursive
rationality. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1 bis, p. 130-147, March 1990.
227
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. cap. 5.
228
As categorias deônticas correspondem às de proibição; obrigação e permissão, dentro de um quadro lógico
que não admitiria, em princípio, intermediações ou graduações entre elas, vale dizer, o que é proibido não
pode ser permitido e assim por diante. Disponível em:
<http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/colisao>. Acesso em: set. 2007.
229
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
208.
81
Para Habermas230, a diferença entre princípio e regra não se avalia pela dimensão de
peso, tornando-se possível afirmar que não se trata de uma diferença morfológica. Para ele as
regras e princípios representam dois tipos diferentes de razões para se fundamentar a ação:
razões prima facie e razões comparativas. Princípios, ao contrário das regras, são gerais e
abstratos, e precisam ser especificados diante de um caso concreto, por intermédio de um
esforço discursivo-interpretativo, não sendo aplicáveis em qualquer situação que ocorram as
circunstâncias de aplicação. No momento de aplicação de um princípio é preciso levar em
conta a sua adequação à realidade material. Assim, podem-se entender os princípios como
pontos de partida da própria realidade em que serão posteriormente desenvolvidos pela
argumentação no processo interpretativo e judicial, não se deixando de lado a própria
realidade. Desta forma, este autor acredita que não se poderiam interpretar os princípios
transformando-os em valores e usando-os como mandatos de otimização.
If principles manifest a value that one should optimally realize, and if the norms
themselves do not dictate the extent to which one must fulfill this optimizing
prescription, then the application of such principles within the limits of what is
factually possible makes a goal-oriented weighting necessary. Because no value can
claim to have an inherently unconditional priority over other values, this weighting
operation transforms the interpretation of established law into the business of
realizing values by giving them concrete shape in relation to specific cases. 231
230
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996.
cap. 5.
231
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
254.
232
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
255.
82
collectivities, are considered worth striving for and can be acquired or realized through goal-
directed action.”233
Quanto à doutrina dos valores Habermas acredita existir uma postura autoritária da
jurisprudência de valores:
[...] if the Constitutional Court can justify its role as one which depends on a
doctrine of values, the assumption is that it can only do so authoritatively. The
argument hinges on the distinction between norms and values, a distinction derived
from the earlier discourse ethics. Values are conceived of as particular, historical
and context-limited. Values are asserted against other values. They are not the same
as norms. Habermas argues that the reconceptualization of norms as values relies
on a certain conceptual confusion. Norms are obligatory while values are
teleological. Above all, norms require rational justification while values refer to
recommended behaviors.234
Conforme Habermas235 as normas tem uma validade binária, pois podem ser válidas ou
inválidas, em que a decisão pode ser somente de sim ou não. Enquanto que os valores trazem
em si relações de preferências, que impõem que determinado valor seja mais atrativo que
outro, podendo valorar algo com maior ou menor intensidade. O dever ser das normas traz um
sentido absoluto com uma obrigação incondicional e universal, ou seja, pretende ser bom para
todos. Por sua vez a ponderação de valores tem um sentido relativo, já que a apreciação é feita
no âmbito de uma cultura ou forma de vida, trazendo preferências. As normas também não
contradizem umas às outras, elas formam um sistema em um contexto coerente, e os valores,
ao contrário, concorrem entre si formando configurações flexíveis e tensas. Isto pode ser visto
na seguinte passagem:
Norms and values therefore differ, first, in their references to obligatory rule-
following versus teleological action; second, in the binary versus graduated coding
of their validity claims; third, in their absolute versus relative bindingness; and
fourth, in the coherence criteria that systems of norms and systems of values must
respectively satisfy. The fact that norms and values differ in these logical properties
yields significant differences for their application as well.236
233
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
255.
234
RASMUSSEN, David. M. How is valid law possible? In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity and law:
London: Sage publications, 1996. p. 37.
235
ALEXY, Robert. Basic rights and democracy in Jürgen Habermas’s procedural paradigm of the law. Ratio
Juris, Bologna, v. 7, n. 2, p. 277-238, July 1994.
236
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p..
255.
83
Neste contexto, seguindo esta orientação, se verifica que a solução dada ao caso
concreto será diferente se orientada por normas ou valores. Partindo-se de normas se pode
decidir o que deve ser feito, e em relação aos valores se pode somente saber qual o
comportamento recomendável. Tanto em relação às normas quanto em relação aos valores o
que se quer é chegar à solução correta, no caso das normas o correto acontece quando a partir
de normas válidas, a solução é boa para todos; já no caso dos valores o correto se verifica
através do comportamento que, a longo prazo é considerado bom para a comunidade. Quando
se fala em princípios do direito ou bens jurídicos a diferença é desconsiderada, uma vez que o
direito positivado vale para certas áreas jurídicas e determinados destinatários.237 Os direitos
fundamentais enquanto normas regulam uma matéria do interesse de todos, e como valores
formam uma ordem simbólica expressando a identidade e a forma de vida de uma
comunidade jurídica particular.
No doubt values or teleological contents also find their way into law, but law
defined through a system of rights domesticates, as it were, the policy goals and
value orientations of the legislator through the strict priority of normative points of
view. Anyone wanting to equate the constitution with a concrete order of values
mistakes its specific legal character; as legal norms, basic rights are, like moral
rules, modeled after obligatory norms of action – and not after attractive goods.238
Para Habermas239 aqueles que têm a mesma visão do direito proposta por Dworkin240 –
concessão deontológica do direito, e aceitam a teoria da argumentação desenvolvida por
Alexy241, deveriam concordar também com as teses de que o discurso jurídico não pode ser
auto-suficiente em um universo fechado, mas que deve permanecer aberto em relação a
argumentos de origem diversa (em particular os da razão prática, ética e moral que ocorrem
no processo legislativo e se fixam na pretensão de legitimidade das normas). Da mesma
forma, a correção das decisões jurídicas se mede em último caso pela satisfação das condições
de comunicação da argumentação que tornam possíveis um juízo imparcial. Entretanto, se
237
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996.
cap. 6.
238
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
256.
239
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996.
cap. 6; BUSTAMANTE, Thomas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas. Revista de
informação legislativa, Brasília, ano 43, n. 171, p. 81-90, Julho/ setembro 2006.
240
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. cap. 1.
241
ALEXY, Robert. Teoria dell’argomentazione giuridica: la teoria del discorso razionale come teoria della
motivazione giuridica. Milano: A. Giuffre, 1998. Traduzioni di Cosimo Marco Mazzoni e Vincenzo Varano.
84
O autor defende que desta prioridade do discurso prático-moral não implicaria que o
discurso jurídico fosse pensado como um conjunto de argumentos morais. Pois contra tal tese
houve diversas objeções. A princípio Alexy243 defendeu o discurso jurídico como caso
particular do discurso moral “tesi che Alexy ha dapprima ritenuto genericamente valida sia
per i discorsi fondativi che applicativi”244. Algumas objeções são as seguintes:
(a) Sembra che le specifiche limitazioni cui si sottopone in tribunale l’agire forense
delle parti non consentano di ricondurre in generale l’andamento del processo ai
criteri del discorso razionale. Le parti non sono obbligate alla ricerca cooperativa
della verità. Interessate come sono a un esito favorevole del procedimento, esse
possono anche <<spingere avanti – in maniera strategicamente scaltra – argomenti
suscettibili di consenso>>. A ciò si può rispondere plausibilmente che tutte le
persone coinvolte nel processo, da qualunque motivo siano guidate, portano il loro
contributo a un discorso che nella prospettiva del giudice serve a individuare il
giudizio imparziale. Però solo questa prospettiva del giudice è essenziale nella
fondazione della decisione.245
A primeira grande objeção, como se percebe, diz respeito ao agir das partes no
processo, atitude esta que não aplicaria os critérios do discurso racional. Uma vez que as
partes procurariam favorecer sempre a sua ótica, o que serviria para contribuir com a
formação da opinião do juízo imparcial. Outra objeção seria:
242
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa.
243
ALEXY, Robert. Discourse theory and human rights. Ratio Juris, Bologna, v. 9, n. 3, p. 209-235, September,
1996.
244
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 274.
245
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 275.
85
(c) Alexy sa bene che decisioni giuridiche discorsivamente fondate non possono
essere <<giuste>> nello stesso senso dei giudizi morali validi. <<Nella misura in
cui è circoscritta dalle leggi, la ragionevolezza dell’argomentazione giuridica è
sempre relativa alla ragionevolezza della legislazione. Un’assoluta ragionevolezza
della decisione giuridica presupporrebbe la ragionevolezza della legislazione>>.
Nella misura in cui questa condizione non è soddisfatta, la consonanza presupposta
anche da Alexy tra diritto e morale ha per spiacevole conseguenza quella non solo
di relativizzare, ma di mettere interamente in questione la giustezza della decisione
giuridica. Le pretese di validità hanno un codice binario e non tollerano un <<di
più>> o un <<di meno>>. <<Infatti, la ragionevolezza di un’argomentazione
riferita a una legge irragionevole non è qualcosa di meno, bensì qualcosa di
qualitativamente altro dalla ragionevolezza materiale d’ogni decisione trovata
seguendo le regole del discorso pratico-razionale>>. Per sfuggire a questa
obiezione dobbiamo affrontare, come fa Dworkin, l’impresa di ricostruire
razionalmente il diritto vigente. La decisione giuridica sul singolo caso può essere
giusta solo se s’inserisce in un sistema giuridico coerente.248
Ou seja, Habermas249 acredita que Alexy entende que decisões com base em discurso
não têm o mesmo caráter de justiça que juízos morais válidos. Por esta razão Alexy escreve a
teoria dos direitos fundamentais, para estabelecer critérios racionais para aplicação de
princípios e juízos morais que tornem o discurso e a decisão justos. Para Habermas quando se
apóia em uma teoria procedimental se verifica a legalidade das normas jurídicas pela
246
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 276
247
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. Cap. 5.
248
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 277
249
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. Cap. 6
86
Este autor explica que na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal tem qualificado
os direitos fundamentais como uma ordem jurídica geral e desta maneira tem ampliado sua
proteção uma vez que traz uma proteção dinâmica do direito fundamental, ligando conteúdo
objetivo e subjetivo. E desta forma, admite que há uma mudança na conceitualização dos
direitos fundamentais. Habermas usa também as idéias de outro crítico de Alexy,
Böckenförde, para reforçar suas idéias.251
In the name of giving the principles behind basic rights the force of law, it reaches
the point where – in typological terms – parliament and constitutional court
coordinate and converge in their development of law. The former is demoted from
originary lawmaking to the provision of concrete specifications, the latter is
promoted from the interpretative application of law to its creative, concrete
specification…. To this extent the earlier qualitative difference between legislation
and adjudication is leveled out. Both … carry on the development of law by making
it more concrete, and they compete in doing so. The legislator has a [temporary]
lead in this competition, but the constitutional court has [authoritative] priority….
The question this raises is that of the legitimation of the constitutional court.252
250
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 289.
251
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. Cap. 6.
252
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: Mit press. 1996. p.
249. Ver também: BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Stato, costituzione, democrazia: studi di teoria della
87
[...] Nel caso di principi o beni giuridici questa differenza è spesso trascurata,
perché il diritto positivo vale comunque solo per un determinato ambito territoriale
e dunque per un cerchio ben definito di destinatari. Ma se prescindiamo da questa
delimitazione fattuale dell’ambito di validità, noi vediamo che i diritti fondamentali
acquistano senso diverso a seconda che li si intenda (alla maniera di Dworkin)
come principi giuridici deontologici oppure (alla maniera di Alexy) come dei beni
giuridici ottimizzabili. Come norme essi disciplinano una materia nell’eguale
interesse di tutti; come valori essi configurano – insieme ad altri valori – un ordine
simbolico esprimente identità e forma di vita di una particolare comunità giuridica.
Certo nel diritto immigrano anche contenuti teleologici; ma, essendo definito dal
sistema dei diritti, il diritto addomestica per così dire i programmi e gli
orientamenti di valore del legislatore attraverso una supremazia rigorosa del punto
di vista normativo. Perciò chi vuole identificare la costituzione con un ordine
concreto di valori ne tradisce il carattere specificamente giuridico. Come norme
giuridiche, i diritti fondamentali sono foggiati analogamente alle regole morali, vale
a dire secondo il modello di norme d’azione obbligatorie e non secondo il modello
di beni attraenti.253
costituzione e di diritto costituzionale. Milano: Giuffre, 2006. A cura di Michele Nicoletti e Omar Brino
(tradutores).
253
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 304, 305.
254
Ver ELY, John. Democracy and distrust. A theory of judicial review. 13 ed. Cambridge: Harvard University
Press, 2001. Para uma distinção entre a compreensão deontológica dos direitos fundamentais e a teoria dos
valores.
255
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. cap. 6.
88
Habermas acredita que a teoria do discurso seria um método mais eficaz para
interpretação. Como visto na citação acima Habermas vê a ordem de valores como o perigo
para decisões irracionais e acredita que argumentos funcionalistas prevaleceriam sobre os
normativos. E os direitos fundamentais não poderiam ser analisados através de valores. Para
ele, estes direitos encontrariam a determinação evidente em um discurso de aplicação, ou seja,
se verificaria entre as normas aplicáveis prima facie a que se adaptasse melhor a situação de
aplicação.257
Così la concezione proceduralista del diritto privilegia quale unica fonte della
legittimazione i presupposti di comunicazione e le condizioni procedurali d’una
democratica formazione dell’opinione e della volontà. Il che risulta inconciliabile
sia con l’idea platonica di un diritto positivo attingente legittimità da un diritto
superiore sia con la negazione empiristica di qualsiasi legittimità oltrepassante la
contingenza della decisioni del legislatore. Se vogliamo dimostrare l’interna
connessione esistente tra Stato di diritto e democrazia, dobbiamo perciò chiarire
come mai il diritto positivo non si lasci semplicemente subordinare alla morale
(sezione 2), in che modo sovranità popolare e diritti umani si presuppongano a
vicenda (sez. 3), e in che senso infine il principio democratico abbia radici sue
proprie, indipendenti dal principio morale (sez. 4).258
256
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 490.
257
ALEXY, Robert. Basic rights and democracy in Jürgen Habermas’s procedural paradigm of the law. Ratio
Juris, v. 7, n. 2, p. 227-238, July 1994. e ALEXY, Robert. Constitutional rights, balancing and rationality.
Ratio Juris, v. 16, n. 2, p. 131-140, June 2003.
258
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 532.
89
Desta maneira, se percebe que Habermas defende que o direito não se subordina à moral
e que o princípio democrático tem raízes próprias independentes do princípio moral.
Entretanto, diz que os direitos humanos podem continuar a ser fundados como direitos
morais.
I diritti umani possono certo continuare ad essere fondati come diritti morali. Non
appena però li pensiamo come parte del diritto positivo, diventa evidente che non li
possiamo più far cadere paternalisticamente dall’altro sul legislatore sovrano. I
destinatari cui il diritto si rivolge non potrebbero pensare d’esserne anche gli autori
ove il legislatore reperisse i diritti umani come preesistenti <<dati di fatto>>
morali che si tratterebbe solstanto di <<positivizzare>>. D’altro canto, nonostante
tutta la sua autonomia, questo legislatore non deve poter decidere nulla che offenda
i diritti umani. Tentando di risolvere questo dilemma, ci risulta ora di vantaggio il
fatto che, caratterizzando il diritto come un medium <<sui generis>>, noi lo
abbiamo prima distinto dalla morale per via delle sua quantità formali.259
Com tudo o visto neste sub-capítulo se percebe que para Habermas diante de um Estado
Democrático de Direito não é possível otimizar de modo absoluto os princípios
constitucionais, pois todos eles têm sua importância. Desta forma, o autor entende que seria o
conjunto deles, e não apenas um, que revelaria a identidade jurídica de uma dada sociedade,
através da teoria do discurso e da teoria da aplicação. A solução dos casos concretos, para este
autor, deveria ocorrer sem se descartar a priori qualquer dos princípios constitucionais e
gerais de Direito, apenas aplicando-os de modo relativo e dependente das necessidades do
caso concreto.
The judges obligation to decide the individual case in the light of a theory justifying
valid law as a whole on the basis of principles reflects a prior obligation of citizens,
attested by the act of founding the constitution to maintain the integrity of their life
in common by following principles of justice and respecting each other as members
of an association of free and equal persons.260
259
HABERMAS, Jürgen. Fatti e norme: contributi a una teoria discorsiva del diritto e della democrazia. Milano:
Guerini e Associati, 1996. A cura di Leonardo Ceppa. p. 537.
260
RASMUSSEN, David. M. How is valid law possible? In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity and law:
London: Sage publications, 1996. p. 35.
261
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996.
90
Desta forma, se percebe que Habermas acredita que uma teoria deve seguir uma
metodologia e se basear na idéia de auto-compreensão da democracia constitucional
encontrando expressão em práticas relevantes. Ou seja, para ele a priori não se devem
destacar princípios constitucionais, mas devem ser aplicados de acordo com o caso concreto.
No sub-capítulo a seguir é verificada a perspectiva de Dworkin sobre a teoria de Alexy.
Dworkin não fez propriamente uma crítica a Alexy, isto porque ele fez sua teoria antes
de Alexy e em um outro contexto, distinguindo em sua teoria regras, princípios e políticas e
também trabalhando com a hipótese da única resposta correta. Alexy de alguma forma utiliza
a teoria de Dworkin como base para sua construção teórica.263 Para Dworkin264 as decisões
judiciais principalmente em casos difíceis são baseadas em princípios e em outros padrões que
se adaptam a cada caso concreto trazendo uma resposta correta de acordo com cada caso. Este
autor pretende compreender o Direito através da interpretação da prática jurídica265, com a
262
HABERMAS, Jürgen. Postscript to between facts and norms. In: DEFLEM, Mathieu. Habermas, modernity
and law: London: Sage publications, 1996. p. 148.
263
CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais uma análise comparativa das perspectivas de
Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de direito constitucional e internacional. N 52, ano 13, p. 51-67,
jul/ set. 2005.
264
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 38.
265
“La piedra angular de su teoría del funcionamento y del cambio de las prácticas sociales es la “actitud
interpretativa” que los participantes desarrollan sólo en ciertas circunstancias de su evolución. [...] La
actitud interpretativa requiere la concurrencia de dos presupuestos básicos. El primero es la creencia de los
participantes de que la práctica no sólo existe, sino que tiene un sentido o valor. El segundo, es la
convicción de que las exigencias que se pueden derivar de la práctica dependen del sentido que se le asigne
91
As principais teses defendidas por Dworkin podem ser, assim, elencadas: a tese dos
direitos (the rights thesis), cuja ênfase está na discussão e distinção que o autor
estabelece entre princípios (principles) e políticas (policies). [...] A tese da resposta
certa (the right answer thesis) conduz à concepção do Direito como cadeia (the
chain of law), a qual se constrói a partir da analogia do Direito com a narrativa
literária e, conseqüentemente, do juiz com o autor/ crítico literário.268
Deste modo, Dworkin269 fez um estudo com a finalidade de fazer um ataque geral ao
positivismo, principalmente em relação ao modo aberto de argumentação permitido pela
aplicação do que ele definiu como princípios. Para ele, as regras são aplicadas do modo “tudo
ou nada” (all-or-nothing)270, no sentido de que se a hipótese de incidência de uma regra é
preenchida, ou a regra é válida e a conseqüência normativa deve ser aceita ou ela não é
considerada válida. Quando ocorre colisão entre regras, uma delas deve ser considerada
inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam a vinculação da decisão, mas somente
contêm fundamentos, que devem ser usados com outros fundamentos vindos de outros
princípios. Se pode, através disto, dizer que os princípios, diferentemente das regras, possuem
uma dimensão de peso, que se demonstra na hipótese de colisão entre os princípios, caso em
que o princípio com peso relativo maior em relação ao caso concreto será sobreposto ao outro,
sem que este perca sua validade271. Deste modo, a distinção trazida por Dworkin não se trata
de uma distinção de grau, mas sim de uma dissociação orientada por critérios classificatórios
em relação à estrutura lógica da norma-princípio, ao invés de adotar critérios comparativos
como os de Alexy.272
[...] los criterios de Dworkin para la distinción entre reglas y principios afectan
ciertamente a puntos importantes, pero no al núcleo. Si se los analiza a fondo,
queda claro que una teoría de los principios por sí sola no está en condiciones de
sostener la tesis de la única respuesta correcta, lo que, sin embargo, no hace que
disminuya su importancia para la filosofia jurídica, la metodología jurídica y la
dogmática jurídica.273
Quando ocorre a colisão dos princípios, um deles tem que ceder perante o outro. Mas
isto não significa declarar inválido o princípio que não prevaleceu, nem que se deva colocar
no mesmo uma cláusula de exceção. Isso significa que o conflito de regras se dá na mesma
dimensão de validade e o de princípios na dimensão de peso. E essa idéia de peso expressa
que o conflito entre princípios será resolvido de acordo com uma hierarquização dos mesmos.
Quando os princípios são aplicáveis ao caso, eles não determinam necessariamente a decisão,
mas sim proporcionam razões a favor de uma ou outra decisão. Não se trata de hierarquização
absoluta, mas de uma hierarquização relativa que tem uma relação com o caso concreto,
realizada pelo procedimento de ponderação dos princípios envolvidos na solução, na qual esta
vai verificar qual princípio possui maior peso no caso concreto.274
271
“Of course constitutional principles often conflict with other important values.[…] The common law tradition
insists, however, that judges must respect the law's integrity in making those decisions; they must not
recognize some particular principle as important and weighty in one case and then wholly ignore it or treat
it as inconsequential in another, refusing to apply it even though no other, competing principle of
comparable power is involved. That kind of incoherence is hypocrisy; someone who is unwilling to apply a
principle consistently does not really accept it, and so has no genuine justification even for those decisions in
which he claims to be following it. He cites the principle then only to disguise the fact that his decision has
some other, less creditable, basis.” FRIED, Charles; DWORKIN, Ronald. Revolution in the court. V.38, n.
14. august 1991. Disponível em: <http://www.nybooks.com/articles/3177>. Acesso em: out. 2007.
272
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
273
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. p. 140.
274
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
93
Para Alexy275, a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada no modo de
aplicação proposto como “tudo ou nada” por Dworkin, mas deve se resumir, sobretudo, a dois
fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios que colidem apenas têm
sua realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é
solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção
que exclua tal antinomia; e a diferença quanto à obrigação que instituem, uma vez que as
regras instituem obrigações absolutas, quando tais regras não forem superadas por normas
contrapostas, enquanto que os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em que
podem ser superadas ou derrogadas em função de outros princípios colidentes.276
Já Dworkin277 acredita que os princípios não devem ser concebidos como contraditórios
no plano da justificação, mas devem ser vistos assim no plano da sua aplicação. Para tanto, o
conceito de integridade278 deve ser definido, o que na teoria de Dworkin é responsável pela
atribuição de legitimidade a um sistema jurídico. Assim, se verifica que a integridade se
conecta diretamente com os conceitos de justiça, imparcialidade e de igualdade279,280 , de
275
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988. p. 141.
276
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
277
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
278
“Law as integrity” is Dworkin’s label for his particular conception of law. It is contrasted with
conventionalism (legal positivism) on one side and with pragmatism (legal realism) on the other side.
Political integrity is an ideal comparable to personal integrity. […] Political integrity is a collective version
of this ideal of wholeness. The legal practices of a community show integrity to the extent that they can be
portrayed as proceeding from a coherent set of principles to which the community is committed. This ideal of
the integrity of the community serves as Dworkin’s general conception of law, within which particular legal
systems are to be interpreted. p. 23. HEHLEY, Kenneth. Protestant Hermeneutics and the rule of law:
Gadamer and Dworkin. Ratio Juris. Bologna, v. 3, n. 1, p. 14-28, March 1990.
279
[...] Ma, tuttavia, la nostra teoria si fonda su un concetto di eguaglianza inteso come eguaglianza nei diritti
individuali anziché nei diritti dei gruppi. Non nel senso, ovviamente, che tutti avrebbero a loro disposizione
una porzione di risorse da usare senza aver alcun interesse a quello che sarebbe degli altri. Al contrario la
nostra teoria collega tra di loro le diverse sorti della gente mediante quegli strumenti a disposizione
dell’ipotetico mercato. La nostra teoria deve essere, invece, interpretata nel senso che è volta a definire le
relazioni tra cittadini individualizzandole, in modo da aver riguardo al punto di vista di ogni singola persona
e, al contempo, di chiunque altro nella continuità. p. 81. DWORKIN, Ronald. Il mercato: diritti, etica ed
economia. Torino: G. Giappichelli, 1999. Tradução de Simona C. Sagnotti.
280
Dworkin tem uma bela obra na qual fala sobre a teoria da igualdade: DWORKIN, Ronald. Virtù sovrana:
teoria dell’uguaglianza. Milano: Feltrineli, 2002. “In questo libro, la posizione di Dworkin si cartterizza per
il rigore del suo argomentare contro la possibilità che un sistema di princìpi relativi ai diritti del singolo
possa essere contradetto dall’applicazione di criteri dettati dalla preoccupazione per il benessere generale o
l’interesse pubblico. Alla base di questa posizione è la teoria secondo la quale gli individui sono titolari di
diritti fondati su princìpi – primo fra tutti l’“uguale considerazione e rispetto” – che vengono prima degli
obiettivi espressi dalle decisioni politiche. In questo senso, Dworkin sostiene una versione del liberalismo
che deriva valori e diritti non dalla nozione di libertà, ma da quella di uguaglianza. Ciò sulla base di un
94
maneira que todo caso possui uma resposta correta, o que garante a integridade do sistema
jurídico. A idéia de integridade serve como uma justificação para as práticas jurídicas para os
juízes na dimensão política da interpretação281. A integridade impõe que tanto a legislação
quanto as decisões judiciais sejam moralmente coerentes.282
Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover
ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da
moralidade.283
“individualismo etico” informato da due concetti umanistici fondamentali: il concetto di pari importanza,
per il quale ciascuno deve essere messo nelle condizioni di poter attuare pienamente le proprie aspirazioni, e
il concetto di responsabilità particolare, per il quale ciascuno è responsabile delle scelte che compie a tal
fine.”
281
“I do not mean myself to endorse the view that social justice depends on the best interpretation, even in the
sense Hercules uses, of the past practices of the community. On the contrary the essential difference between
the concepts of law and justice, I believe, is that while both invoke morality, justice is more radically
independent of the past.” WALZER, Michael; DWORKIN, Ronald. Spheres of justice: an exchange. V. 30,
n.12, July 1983. Disponível em: <http://www.nybooks.com/articles/6158>. Acesso em: out. 2007.
282
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge: The MIT Press,
1998. cap. 5.
283
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 36
284
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
285
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 40.
286
HEHLEY, Kenneth. Protestant Hermeneutics and the rule of law: Gadamer and Dworkin. Ratio Juris.
Bologna, v. 3, n. 1, p. 14-28, March 1990.
95
Este autor entende que os princípios não são espécies da norma jurídica, mas sim
proposições que descrevem direitos apesar de virem do campo da moral como padrões de
valores consagrados em uma comunidade de princípios287. Tais princípios se refeririam a
justiça e eqüidade, e diante de um hard case – caso controverso - quando as normas e
precedentes fossem insuficientes para a solução do caso interagiriam com o direito.288
Os juristas estão discutindo esse tema há décadas, não porque ignoram o tipo de
decisões que os juízes tomam ou as razões em que as sustentam, mas porque não
vêem com clareza o que realmente significa o conceito de seguir regras. Nos casos
fáceis [...] parece correto dizer que o juiz está aplicando uma regra preexistente a um
novo caso. Mas podemos dizer isso quando a Suprema Corte derruba um precedente
e ordena que as escolas sejam dessegregadas ou declara ilegais procedimentos que,
com a tolerância dos tribunais, a polícia vinha adotando há décadas? Nesses casos
dramáticos a Suprema Corte apresenta razões – ela não cita leis escritas, mas apela
para princípios de justiça e política pública.290
287
Dworkin ha spesso riconosciuto la necessità di compiere un bilanciamento fra un diritto e l’altro; ha
riconosciuto altresì l’occasionale necessità di sacrificare diritti altrimenti rilevanti in nome di altri valori
sociali in contrasto con essi, ma considerati prevalenti. Se non si può derogare a un diritto invocando
genericamente la nozione di interesse generale, egli scrive, <<un ordinamento può essere legittimato a
derogare o limitare la portata di un diritto sulla base di argomenti diversi>>: <<il più importante... di
questi è la consapevolezza dell’esistenza di diritti concorrenti col primo la cui tutela sarebbe messa a
repentaglio qualora il diritto in questione non venisse limitato>>. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R.
Il costo dei diritti: perché la libertà dipende dalle tasse. Bologna: il mulino, 2000. Traduzione di Elisabetta
Caglieri. Edizione italiana a cura di Carlo Fusaro. p. 106.
288
DWORKIN, Ronald. Law's empire. Cambridge: Harvard University, 1986.
289
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
290
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 8.
96
“Hércules”291, que tem capacidades e paciência sobre humanas e competência para escolher as
hipóteses de interpretação dos casos concretos levando em consideração o filtro da
integridade.
Entende que cada juiz deve interpretar o que foi escrito no passado tentando chegar a
uma opinião do que foi feito coletivamente, devendo interpretar o que foi feito, sempre com
base no melhor princípio ou política que possa justificar a prática adotada.293
Deste modo, no momento em que o intérprete percebe que existem regras positivas
vagas ou indeterminadas, cabe a ele, dentro das pretensões das partes, decidir de maneira a
não privá-las daquilo a que elas têm direito, ao invés de adotar o entendimento de que sua
decisão gerará um novo elemento de legislação. Para que o juiz consiga garantir os direitos
institucionais das partes, ou seja, aqueles que existem além dos direitos criados por uma
decisão judicial ou prática social expressa, deverá usar princípios, provenientes da norma
jurídica, que funcionarão por meio de um juízo de ponderação no sentido de reflexão,
diversamente do sentido que Alexy usa na sua teoria.295
291
The interpreter as hero – this aspect of modernity has never been better personified than in Dworkin’s
philosophical Judge Hercules, who struggles to encompass all in a coherent interpretation that fits and
justifies our practices, and that settles the case at hand with certainty. HENLEY, Kenneth. Protestant
hermeneutics and the rule of law: Gadamer and Dworkin. Ratio Juris, Bologna, v. 3, n. 1, p. 14 – 28, March
1990. p. 25.
292
WALZER, Michael; DWORKIN, Ronald. Spheres of justice: an exchange. V. 30, n.12, July 1983. Disponível
em: <http://www.nybooks.com/articles/6158>. Acesso em: outubro 2007.
293
HENLEY, Kenneth. Protestant hermeneutics and the rule of law: Gadamer and Dworkin. Ratio Juris,
Bologna, v. 3, n. 1, p. 14 – 28, March 1990.
294
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 127.
295
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
97
I said that a principle underlies a body of rules if it provides the best available
justification for those rules, and I emphasized that this is not simply a mechanical
test of counting how many past decisions "fit" the proposed principle. I said that if
different schemes of interpretation each fit a great many rules but are inconsistent
with others then Hercules must choose, as the "correct" interpretation, that which in
his view comes closest to what abstract justice would require.296
Assim, Dworkin propõe uma teoria dos direitos pragmática, entendendo que exista
somente uma resposta correta para cada caso concreto apresentado ao juiz. Esta resposta
correta, a ser empregada nos hard cases, deve estar fundada em princípios individuais, e o
juiz, assim, deve estabelecer o conteúdo moral de sua decisão, e não apenas aplicar a lei de
forma mecânica à hipótese de fato ou ainda ter a liberdade para selecionar a solução que
julgar mais certa dentre as diversas soluções ofertadas pelo ordenamento jurídico.297
[...] Dworkin sostiene que no importa el grado de abstracción que tenga la cuestión
interpretativa que se esté considerando, toda interpretación consiste en mostrar al
material interpretado como lo mejor que puede ser. En el caso del derecho, para
elegir entre diversas interpretaciones se debe apelar al conjunto de principios de
moralidad política que justifiquen mejor al derecho como un todo. La distinción
entre el derecho que es y el derecho que debe ser, de acuerdo a la mejor teoría de la
moralidad política capaz de ajustarse a los principales hechos de la práctica
jurídica, ya no puede ser establecida. La formulación de una teoría jurídica, en la
296
WALZER, Michael; DWORKIN, Ronald. Spheres of justice: an exchange. V. 30, n.12, July 1983. Disponível
em: <http://www.nybooks.com/articles/6158>. Acesso em: outubro 2007.
297
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. ; PECES-BARBA, Gregório. Fundamental rights: between morals and politics. Ratio Juris, Bologna,
v. 14, n. 1, p. 64-74, March 2001.
298
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
299
“Dworkin sostiene, parafraseando a Rawls, que la interpretación de una práctica social puede ser entendida
como la búsqueda de un equilibrio, a partir del contenido identificado en la perspectiva “preinterpretativa”,
entre su justificación y las exigencias postinterpretativas que de ella se pueden derivar.” BONORINO,
Pablo Raúl. El imperio de la interpretación – Los fundamentos hermenéuticos de la teoría de Dworkin.
Cuadernos Bartolomé de las casas. Madrid: Dykinson, 2003. p. 25.
300
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
98
Para Dworkin a distinção lógica entre regras e princípios quer dizer que tanto um como
o outro são conjuntos de normas ou padrões (standards) que levam a decisões particulares
sobre obrigações jurídicas numa particular circunstância. Entretanto, se diferenciam no caráter
da direção que apontam. As regras, como já dito, são aplicáveis na forma do tudo-ou-nada, ou
seja, são independentes, aplicam-se ou não se aplicam ao caso. Por sua vez, os princípios,
embora muito se pareçam com as regras, não indicam uma conseqüência legal que deva ser
seguida automaticamente quando existem certas condições.302
Um princípio apresenta uma razão que leva a uma direção, porém, não exige uma
decisão específica naquele mesmo sentido apontado. Um princípio pode não prevalecer, no
entanto isso não significa que não seja um princípio do Direito. Trata-se de um dos princípios
que os operantes do sistema precisam levar em conta, se for relevante, como uma
consideração que leva para uma outra direção. Uma outra diferença é que princípios têm uma
dimensão de peso ou importância. Se duas regras estão em conflito, uma não poderá ser
válida, já em relação aos princípios, será aplicado aquele que tiver maior peso ou importância
naquela circunstância. Quando os princípios entram em colisão deve haver uma ponderação,
verifica-se qual princípio possui um peso maior no caso concreto, o de peso menor não é
declarado inválido, entretanto é deixado de lado.303
Alexy304 entende que Dworkin não esclarece de forma eficaz a diferença entre regras e
princípios. Para aquele autor os princípios devem ser entendidos como mandatos de
otimização. Isto aparece de forma mais clara em relação aos princípios constitucionais. A
tarefa de otimização tem uma base moral, deste modo a teoria dos princípios forneceria um
ponto de partida adequado para contrapor a tese positivista da separação entre Direito e moral.
301
BONORINO, Pablo Raúl. El imperio de la interpretación – Los fundamentos hermenéuticos de la teoría de
Dworkin. Cuadernos Bartolomé de las casas. Madrid: Dykinson, 2003. p. 31.
302
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
303
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
304
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
99
Desta forma, Dworkin entende que uma variação da teoria dos princípios considerada
fraca seria aquela na qual se fizesse uma relação de prioridade entre os princípios, tornando-se
somente um catálog de pontos de vista. Em contrapartida, uma variação mais forte conteria
além de todos os princípios, todas as relações de prioridade abstratas e concretas entre os
princípios, determinando em sentido único a decisão em cada caso. Se fosse possível uma
teoria deste tipo, a teoria de uma única resposta correta de Dworkin funcionaria.306
O grande desafio, posto hoje aos direitos fundamentais, no meu modo de entender,
continua a ser a descoberta de que o Direito moderno não regula nem a si mesmo. O
direito moderno só se dá a conhecer por meio de textos e textos, por definição; são
manipuláveis. [...] Dworkin, ao contrário, buscará responder a esse desafio, no
contexto do atual conceito de ciência, optando pelo enfoque da hermenêutica
filosófica. Se são possíveis várias leituras de um mesmo texto, para ela, a saída
encontra-se na concretude e na singularidade dos eventos sociais que o Direito
regula. A situação vivencial concreta levada ao Judiciário é única, irrepetível, por
definição. No campo social, os eventos não se repetem e não se repetem em grau
definitivo, porque se o fizerem já não são os mesmos, uma vez que nós que os
vivenciamos somos pessoas diferentes do antes fôramos, já que aprendemos
vivencialmente com eles. Somos pessoas mais vivenciadas, mais vividas, mais
experientes e as nossas expectativas em relação a eles são distintas. É nesse sentido
305
“Daí não se segue, por certo, que a tese de que “não há resposta correta” esteja errada. Se alguma teoria
filosófica nos forçar a admitir que uma proposição só pode ser verdadeira se houver um critério consensual
de verificação mediante o qual sua verdade possa ser demonstrada, tanto pior para a experiência comum,
inclusive para a experiência jurídica comum. Felizmente, porém, a situação é totalmente outra. O argumento
teórico comum não é tão imperioso que nos force a rejeitar a experiência comum. Ao contrário, nem fica
claro o que significa a tese de que “não há resposta correta” tal como a interpreta o argumento teórico.”
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 434.
306
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
307
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
100
que Ronald Dworkin pôde afirmar que há uma única decisão correta para cada caso,
não é em termos de só seja possível uma única leitura de um texto legal.308
Diante disto, ficaria uma interrogação se frente a idealizações semelhantes seria possível
uma única resposta correta para cada caso ou se as diferenças antropológicas dos participantes
no discurso pesariam nas idealizações e poderiam existir casos que não fosse possível uma
única resposta correta. De qualquer forma, para Alexy309, não há um procedimento que
possibilite chegar, em cada caso, a uma única resposta correta com a segurança necessária. Já
que em um discurso jurídico o que deve ter pleno sentido e estar fundamentado é a pretensão
de que a resposta que uma parte pretende seja a única correta, independente de haver uma ou
não. A idéia de única resposta deve ser uma idéia regulativa, de tal forma que pressuponha
que em alguns casos há uma única resposta correta, mas não se sabe em que casos, e assim,
vale a pena tentar encontrar em cada caso a única resposta correta. As respostas que forem
encontradas em cada caso, sob esta tentativa, com base no nível da regra e dos princípios, bem
como critérios da argumentação jurídica racional, respondem as exigências da razão prática,
mesmo que não sejam consideradas as únicas respostas corretas.310
[...] el punto de partida de la teoría jurídica debe ser los discursos justificatorios de
los jueces. De esta manera expresa una de sus creencias básicas respecto del
derecho, una de las tesis que ha mantenido a lo largo de toda su producción
308
DE CARVALHO NETTO, Menelick. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos
fundamentais. p. 159. In: SAMPAIO, José A. L. (org.) Jurisdição constitucional e direitos fundamentais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 141-163.
309
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
310
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
311
Eppure, secondo Dworkin, il ragionamento giuridico consiste nel portare sui singoli problemi giuridici una
vasta rete di principi di derivazione giuridica e di moralità politica: <<non si può pensare a una risposta
corretta (correct) ai singoli problemi giuridici a meno che non si sia pronti [...] a pensare nei termini di un
ampio avvolgente sistema teorico di complessi principi sulla natura della responsabilità civile per esempio, o
della libertà di espressione in una democrazia, o della migliore comprensione del diritto alla libertà di
coscienza e alle proprie personali moralli>>. PALOMBELLA, Gianluigi. L’autorità dei diritti: i diritti
fondamentali tra istituzioni e norme. Roma-Bari: Laterza, 2002. p. 89.
101
académica sin excepción: que la teoría jurídica no es más que el prólogo silencioso
de la labor de aplicación judicial del derecho.312
Para tanto, Dworkin313 explica que se deve verificar como as convicções morais dos
juízes314 são colocadas nos seus julgamentos sobre o que é o direito. Para chegar a estas
informações o autor traz a idéia do conceito de direito diferenciando o conceito da doutrina e
o conceito sociológico de direito.
The doctrinal concept of law figures among the boundaries of the sociological
concept in this way: nothing is a legal system in the sociological sense unless it
makes sense to ask what rights and duties the system recognizes. That is an
important interconnection between the two concepts. But that relation is not
reciprocal: not every set of norms that deploys rights and duties is a case of law.315
312
BONORINO, Pablo Raúl. El imperio de la interpretación – Los fundamentos hermenéuticos de la teoría de
Dworkin. Cuadernos Bartolomé de las casas. Madrid: Dykinson, 2003. p. 42.
313
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006.
314
“Los jueces, al justificar sus decisiones, no entablan disputas sobre la verdad de ciertas proposiciones
jurídicas (entendidas como proposiciones normativas), sino que utilizan dichas proposiciones jurídicas, esto
es, para emitir otras normas. Aun cuando se aceptara, como señalamos anteriormente, que también cuando
expresan normas dichas proposiciones pueden ser consideradas verdaderas o falsas, los razonamientos
judiciales deberían ser considerados de manera diferente a los argumentos producidos en una disputa
jurídica ordinaria.” BONORINO, Pablo Raúl. El imperio de la interpretación – Los fundamentos
hermenéuticos de la teoría de Dworkin. Cuadernos Bartolomé de las casas. Madrid: Dykinson, 2003. p. 44.
315
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 4.
316
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006.
317
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
102
Outro tópico enfatizado pelo autor é que se deve também prestar atenção aos diferentes
pontos em uma teoria geral do direito nos quais o tema do papel da moralidade pode ser
levantado. Para tanto se deve verificar os diferentes estágios de uma teoria geral que possam
oferecer uma relação compreensível de quais questões de direito são verdadeiras no caso. Para
decidir qual dos métodos de decisão sobre o que o direito diz é o método correto se deve
desenvolver uma teoria geral do direito. Tal teoria seria uma consideração geral do conceito
doutrinário do direito que seria útil para responder tal questão.318
Para Dworkin319 não está claro como esta teoria seria construída, a grande polêmica
seria que práticas e hipóteses devem ser compartilhadas pelas pessoas para que elas partilhem
o conceito doutrinário e possam concordar ou não na sua aplicação. Desta forma, o autor
verifica como poderiam ser criados conceitos que ajudariam na teoria a partir de algumas
questões. Em relação à semântica o autor acredita que as pessoas compartilham conceitos
somente quando elas concordam com uma definição que estabeleça critérios para a correta
aplicação de determinado termo ou frase. Uma teoria útil deve ser uma interpretação da
prática na qual o conceito aparece. Conceitos são feitos designando-se valores e objetivos a
prática, e opiniões são formadas sobre as verdadeiras condições de exigências particulares que
as pessoas fazem na prática por seus objetivos e valores. Quanto à questão jurisprudencial se
pode construir uma teoria que seja apropriada dependendo do conceito na questão semântica,
assim, Dworkin320 interpreta a prática verificando uma relação de valores gerais que melhor
justificam esta prática e que deveriam servir de guias para que a prática continue. Dworkin
fala em hipótese valorativa e atribui a ela um caráter trivial, uma vez que é abstrata e
necessária para se reconhecer sobre o que diversas teorias estejam em desacordo.
[...] Dworkin cree que la hipótesis valorativa no es tan débil como parece, pues
traeaparejadas diversas consecuencias de importancia. Primero, permite mostrar a
las teorías sobre la interpretación no como ellas mismas se presentan, esto es como
análisis alternativos de la idea misma de interpretación, sino como teorías sobre el
valor en el dominio del que se trate. De esta manera, se puede entender que las
diferentes teorías de la interpretación son concepciones rivales respecto del
concepto de interpretación (tal como lo establece la hipótesis valorativa). Segundo,
pone en evidencia que sólo existe una diferencia en el nivel de abstracción entre
ofrecer una teoría de la interpretación y ofrecer una interpretación en particular.
318
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
319
DWORKIN, Ronald. Reply to Paul Ricoeur. Ratio Juris, Bologna, v.7, n.3, p. 287-290, December 1994.
320
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
103
Morality plays a role in a legal theory within this new structure at two points: at the
jurisprudential stage, when value is attributed to legal practice; and at the
adjudicative stage, when judges are urged to do justice and told that justice requires
market-share damages. But the two infusions of morality are distinct. In my own
view, to the contrary, the value of integrity that we should attribute to legal practice
flows through the doctrinal stage into the adjudicative stage because, I argue,
integrity requires judges to look to morality in some cases […] to decide both what
the law is and how to honor their responsibilities as judges. Once again, the
difference is not between theories that include and those that exclude morality, but
between theories that introduce morality at different stages of analysis with different
consequences for the final political judgment in which a complete legal theory
terminates.323
Todas estas questões levantadas servem como um esquema útil para identificar e
distinguir diversos tipos de teorias do direito. Dworkin324 esclarece algumas teorias para
distinguir algumas concepções e posições. Ele começa pelo que chama de pragmatismo
jurídico. Tal teoria é geralmente descrita como teoria da decisão judicial, e estabelece que
juízes sempre deveriam decidir os casos levando em consideração as conseqüências de suas
321
BONORINO, Pablo Raúl. El imperio de la interpretación – Los fundamentos hermenéuticos de la teoría de
Dworkin. Cuadernos Bartolomé de las casas. Madrid: Dykinson, 2003. p. 87.
322
DWORKIN, Ronald. Reply to Paul Ricoeur. Ratio Juris, Bologna, v.7, n.3, p. 287-290, December 1994.
323
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 20.
324
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
104
decisões no futuro, não importando as práticas passadas. Esta teoria é radical na história do
pensamento do direito, mas ao mesmo tempo uma teoria de muita importância na prática
jurídica contemporânea. Existem mais de uma corrente de pragmatismo, uma que é mais
influente na academia, por ser menos filosófica e mais prática, estabelece que qualquer um
com poderes políticos deveria usar seu poder para tentar melhorar as coisas de qualquer
maneira possível de acordo com sua posição política e o grau de seu poder. Outra teoria citada
por Dworkin é o pluralismo moral – uma teoria de conflito de valores morais que desafia o
ideal da integridade325 no seu nível mais básico. A relação interpretativa da prática jurídica de
Dworkin supõe que os valores que justificam a prática jurídica, mesmo sendo variados e
complexos, formam um conjunto integrado e podem guiar a integridade nas questões
doutrinárias e de decisão judicial. 326
325
Dworkin reforça seu entendimento sobre o que ele quer dizer com ideal de integridade na seguinte passagem:
“judicial integrity does not ask judges to decide on political grounds which of their past decisions "must be
extended to the limits of...its logic" and which to curtail by declaring "thus-far-and-no-further." Rather
integrity asks them to find and apply the principles of constitutional morality that provide the best
justification of their past decisions, not just one by one, but as a body of constitutional law.” ALLAN, J.;
FRIED, C.; DWORKIN, R. The supreme court Phalanx: an exchange. v.54, n.19, December 2007.
Disponível em: <http://www.nybooks.com/articles/20877>. Acesso em: dez. 2007.
326
DWORKIN, Ronald. Reply to Paul Ricoeur. Ratio Juris, Bologna, v.7, n.3, p. 287-290, December 1994.
327
DWORKIN, Ronald. Reply to Paul Ricoeur. Ratio Juris, Bologna, v.7, n.3, p. 287-290, December 1994.
105
Com este enfoque Dworkin329 instiga que questões jurisprudenciais sejam vistas como
questões morais quanto a quando, quão longe e por qual razão decisões impositivas e
coletivas e convenções especializadas deveriam dar a última palavra em nossas vidas. Por
isso, ele explica que não se teria dúvida que a justiça tem um papel importante em fixar o que
o direito é; e desta forma se deveria concentrar em especificar que papel que é este.
328
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
329
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
330
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. IV Jornada Internacionales de
Lógica e Informática Jurídicas, San Sebastián, p. 139-151, Sep. 1988.
331
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
332
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006.
106
To think within a practice is to have one’s very perception and sense of possible and
appropriate action issue “naturally” – without further reflection – from within one’s
position as a deeply situated agent… To think with a practice – by self-consciously
wielding some extrapolated model of its working – is to be ever calculating just what
one’s obligations are, what procedures are “really” legitimate, what evidence is in
fact evidence, and so on. It is to be a theoretician.333
O autor, entretanto, entende que na prática não exista diferença em pensar dentro de
uma prática ou com ela, e acredita que um bom juiz perceberá naturalmente que seu trabalho
exige que ele esteja atento e seja auto-crítico para se dar conta de quais são suas obrigações
reais, identificar as evidências e provas e assim por diante. O que não significa que eles façam
teoria o tempo todo, mas sim que eles reconhecem o caráter argumentativo até mesmo sob as
óticas que tem sem refletir muito e entendem que até mesmo estes pontos de vista são
vulneráveis a desafio teórico que eles devem satisfazer da maneira mais razoável possível.334
O autor também explica o papel da teoria no raciocínio e na prática jurídica. Uma visão
incrustada da teoria que o autor tenta explicar é uma causa do raciocínio jurídico de como se
argumenta propriamente quanto ao significado do que é o direito. E também é uma causa do
que a verdade consiste em tais questões. Para Dworkin o raciocínio jurídico significa
disseminar determinados problemas jurídicos distintos, uma ampla rede de princípios de
origem jurídica ou moralidade política. Na prática, para se pensar em respostas corretas
quanto a questões de direito deve-se operar através de um vasto sistema teórico de princípios
complexos sobre a natureza de alguns direitos e princípios. Dworkin acredita que uma decisão
judicial é uma ocasião política, e assim, advogados, juízes e todos os envolvidos deveriam
direcionar suas atenções para problemas práticos imediatos colocados por qualquer ocasião
política. Não é automaticamente um argumento sobre as responsabilidades de juízes em casos
comuns ou até mesmo casos constitucionais. O autor quer dizer que o direito é envolto em
teoria, mesmo que advogados que reflitam não concordem sobre em qual teoria ele esteja.
Mais do que isso, Dworkin esclarece que a prática jurídica possui princípios embutidos nela, o
que quer dizer que os princípios que servem de base as ações também oferecem a melhor
justificação na prática jurídica geral na área doutrinária na qual o caso surge.335
333
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 47.
334
Pode-se verificar isto quando Dworkin analisa um caso concreto, ver em: DWORKIN, Ronald. Taking rights
seriously in the abortion case. Ratio Juris, Bologna, v.3, n.1, p.68-80, March 1990.
335
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 52.
107
It is perfectly intelligible to insist that our judges should not be charged with final
and authoritative interpretation of the Constitution. If you fear too great judicial
power, that is what you should say. It is a serious confusion to disguise your dislike
of judges having great power, which can be remedied, in theory, by changing their
jurisdictional power, as a false theory of legal reasoning.336
O autor também traz algumas teorias as quais usam argumentos que autores têm contra
o uso da teoria moral ou abstrata na argumentação legal, para tanto Dworkin fala em algumas
objeções a abordagem incrustada de teoria: metafísica, pragmática e profissional. Dworkin
afirma que a forma do relativismo filosófico, que agora é popular fora da filosofia acadêmica,
é que a verdade sobre a moral política em geral e em particular é criada por nossas práticas, e
que não há verdade sobre estas questões que seja independente de uma cultura ou língua
específicas. Para este autor se defronta hoje em dia com uma revolta contra teoria. Dworkin
concorda que nem todos os juízes entendem de filosofia. Mas se deve fazer com que eles
enfrentem tais questões.
[...] So my last words hope to remind you of why integrity is so important. Every
contemporary democracy is a divided nation, and our own democracy is
particularly divided. We are divided culturally, ethnically, politically, and morally.
We nevertheless aspire to live together as equals, and it seems absolutely crucial to
that ambition that we also aspire that the principles under which we are governed
treat us as equals.337
Para ele a integridade338 é muito importante e reforça que se deve garantir que deveres
soberanos se nós exigimos uma regra do direito que não seja apenas um instrumento para
conquistas econômicas e paz social, mas sejam um emblema e espelho de relação pública
igual que dê direito a se reivindicar por uma identidade.339
336
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 57.
337
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 73.
338
Dworkin comenta que a virtude do direito constitucional é a integridade: “The first, essential virtue of
constitutional law is integrity: the law must allow all citizens the benefit of whatever constitutional principles
protect some of them. That is what equal citizenship means and demands. Lower courts must sometimes
respect superior court decisions that they cannot overrule but that have been isolated by intervening doctrine
and should therefore be interpreted narrowly. But for the Supreme Court stare decisis—respect for
precedent—means something deeper and more important. It means respect not for the narrow holding of
earlier cases, one by one, but for the principles that justify those decisions.”. DWORKIN, Ronald. The
supreme court Phalanx. V. 54, n. 14, September 2007. Disponível em:
<http://www.nybooks.com/articles/20570>. Acesso em: out. 2007.
339
HENLEY, Kenneth. Protestant Hermeneutics and the rule of law: Gadamer and Dworkin. Ratio Juris.
Bologna, v. 3, n. 1, p. 14-28, March 1990.
108
I should add – though I hope it goes without saying – that judges need not choose
between weighing consequences in that personal way and ignoring consequences
completely. No one supposes that judges could or should decide cases “by an
algorithm intended to lead [them] by a logical or otherwise formal process to the
One Correct Decision, utilizing only the canonical materials of judicial decision
making, such as statutory or constitutional text and previous judicial opinions.”
That account of adjudication is a straw man and always was. Of course judges must
take the consequences of their decisions into account, but they may only do so as
directed by principles embedded in the law as a whole, principles that adjudicate
which consequences are relevant and how these should be weighed, rather than by
their own political or personal preferences.343
Dworkin traz a tona o pluralismo moral para explicar e embasar sua tese sobre o juiz
Hércules e a resposta correta, para tanto, o autor fala sobre os argumentos de Isaiah Berlin,
que trata sobre valores e a colisão de valores. Os valores citados são liberdade, igualdade.
Para o autor o argumento necessário para defender o pluralismo deve ser longo e complexo, e
deve demonstrar, no caso de cada valor que leva em consideração, estar de algum modo em
340
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 3.
341
Os argumentos deste autor podem ser vistos também no artigo a seguir no qual ele analisa o caso concreto de
Monica Lewinsky e Bill Clinton e depois Dworkin responde às críticas e análises. Ver: POSNER, R;
DWORKIN, R. ‘An affair of state’: an exchange. V. 47, n. 7, april 2000. Disponível em:
<http://www.nybooks.com/articles/135>. Acesso em: out. 2007.
342
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 3.
343
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 104.
109
conflito um com o outro, e porque o entendimento daquele valor que produz o conflito é o
mais adequado. Nada é mais fácil do que compor definições de liberdade, igualdade,
democracia, comunidade, e justiça que conflitem uma com a outra. Mas nada é mais duro, em
filosofia, do que demonstrar porque estas são definições que deveriam ser aceitas. Dworkin
acredita que isto não pode ser demonstrado por um atalho. Talvez, os conceitos mais atrativos
de principais valores liberais que ficariam juntos no modo correto, pelo menos é esta a
esperança do autor.344
If the correct interpretation is the dated one, these questions would be out of place,
at least as part of an exercise in textual fidelity, because the only questions a dated
understanding would pose is the question of what the framers or their audience
thought.345
Dworkin traz estes exemplos para mostrar sua opinião de que julgamentos morais
exigidos para se aplicar princípios morais abstratos da constituição são constringidos pela
história e precedentes, que por causa de comandos de integridade legal, não são adquiridos
por esta história.
I have already insisted that we must look to the author’s semantic intentions to
discover what the clauses of the Constitution mean. […] In fact, however, taking
that further step is a serious intellectual confusion and constitutional mistake. It is a
fallacy to infer from the fact that the semantic intentions of historical statesmen
inevitably fix what the document they made says that keeping faith with what they
said means enforcing the document as they hoped or expected or assumed it would
be enforced.346
344
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 4.
345
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 121.
346
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 124.
110
Para Dworkin a contribuição mais fundamental para a moralidade política dos Estados
Unidos é a grande idéia triangular de que a democracia é uma parceria de auto governo, e que
a parceria é estruturada e tornada possível por uma constituição moral garantindo aos
indivíduos os pré-requisitos para se tornarem membros, e por fim que todos estejam
comprometidos com sua história a uma estratégia institucional pedindo a juízes que reforcem
as garantias de uma cidadania igualitária.347
O autor em seu raciocínio sobre o juiz Hércules e sua teoria também traz a crítica de
Hart a teoria deste autor sobre filosofia política, Dworkin argumentava que uma teoria geral
sobre como um direito válido deve ser identificado, como a própria teoria de Hart, não é uma
descrição neutra da prática legal, mas uma interpretação dela que tem como objetivo não só
descrevê-la, mas justificá-la – para mostrar por que a prática é valiosa e como deveria ser
conduzida para proteger e acentuar tal valor. Assim, uma teoria moral permaneceria em
convicções e julgamentos éticos e morais. Hart insiste que Dworkin estava errado em dizer
como juízes deveriam decidir casos difíceis no direito, pois sua opinião era de cunho moral e
comprometida, porque estava criticando e avaliando suas atividades.348
347
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 5.
348
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 6.
349
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 183.
350
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 7.
111
[...] We must develop appropriate conceptions of equal concern and respect. But
when we do, we must take into account that one dimension of an appropriate
procedure is consequentialist in the broad sense: We must design procedures that,
among other things, promote substantive justice. That assumption provides the best
defense of constitutionalism, but I cannot begin upon that large claim now.352
[...] that the moral principles that judges often cite to justify their legal decisions
[...] are also legal principles and that taxonomic positivists are therefore wrong to
separate legal from moral principles in the way they do. […] My point was not that
‘the law’ contains a fixed number of standards some of which are rules and others
principles. Indeed, I want to oppose the idea that ‘the law’ is a fixed set of standards
of any sort. My point was rather that an accurate summary of the considerations
lawyers must take into account, in deciding a particular issue of legal rights and
duties, would include propositions having the form and force of principles, and that
judges and lawyers themselves, when justifying their conclusions, often use
propositions which must be understood in this way.353
Portanto, com toda esta discussão sobre conceitos, Dworkin quer dizer que valores
morais são levados em consideração e usados como justificação e embasamento para decisões
judiciais. Sua idéia é se opor a polêmica de que o direito seria um conjunto de padrões
estabelecidos de qualquer tipo, e trazer algumas considerações que deveriam ser levadas em
conta pelos operadores do direito. Ou seja, Dworkin não quis apenas dizer que o direito
possui regras e princípios.
351
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. cap. 8. e Law’s empire
352
DWORKIN, Ronald. Reply to Paul Ricoeur. Ratio Juris, Bologna, v.7, n.3, p. 287-290, December 1994. p.
289.
353
DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge/ London: Harvard University, 2006. p. 234.
112
Assim, verificando os argumentos dos dois críticos de Alexy se percebe que entre eles
não há uma homogeneidade em relação às críticas, enquanto Habermas entende que a
ponderação de princípios traz consigo interpretações falsas e deixa questões não esclarecidas;
Dworkin fala na fundamentação de decisões através de princípios, entretanto não esclarece
muito bem como seria feita a escolha entre um ou outro princípio. Habermas defende o uso da
teoria do discurso com a teoria da aplicação para se encontrar uma melhor solução para casos
concretos e Dworkin o uso de uma interpretação construtiva que leve a uma resposta correta
para cada caso, mantendo a integridade do texto constitucional bem como de seus princípios.
Percebe-se que, assim, Habermas e Dworkin possuem uma visão diversa sobre os
valores morais que um tribunal pode usar e como acontece a ponderação de princípios. Para
Habermas isto tornaria o tribunal autoritário e as decisões acabariam sendo relativizadas pela
cultura de uma comunidade, o que tornariam as decisões mais incertas. Para Dworkin é
possível a utilização de valores nas decisões – levando em conta as conseqüências das
mesmas e usando princípios.
113
Antes de se começar a análise dos casos, faz-se necessário lembrar o que são políticas
públicas. Pode-se dizer que políticas públicas são respostas do Estado às demandas vindas da
sociedade, e que são um compromisso público de atuação em determinada área, em longo
prazo.354
[...] aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral em
melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que
certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual
deve ser protegido contra mudanças adversas).355
354
CUNHA, E.; CUNHA, E. Políticas públicas sociais. In: CARVALHO, A. et al. Políticas públicas. Belo
Horizonte: UFMG-PROEX, 2002, p. 11 - 25, passim.
355
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 36.
114
De qualquer modo, o tema das políticas públicas no Brasil parece passar despercebido
pelo menos para grande parte da população. De um lado, porque o próprio Estado nacional
não teve, ao longo de sua história, uma preocupação muito real com estas questões; e por
outro, porque a sociedade civil sempre ficou à margem destes assuntos, tidos como de
competência única das instituições estatais. O Estado Administrador brasileiro tem agido nos
últimos 50 anos como se tivesse domínio absoluto e exclusivo sobre os interesses públicos,
uma vez que institucionalizou as ações para definir e atender os interesses públicos. Tal
comportamento fez com que a sociedade civil ficasse limitada a passividade. Sem haver
interatividade entre poder público e sociedade civil a administração teve dificuldades em
formular mecanismos que atendessem às demandas sociais. O que se percebe é que o Estado
agia muito mais com ações curativas do que com ações preventivas.358,359
Foi a partir dos anos 80 que houve uma maior mobilização da sociedade civil, como
conseqüência foi editada a Carta Constitucional de 1988. Ocorreu de forma gradual uma certa
politização do social fazendo com que a separação entre o público e o privado ficasse cada
vez mais tênue. A conseqüência disto foi a mudança da mobilização e participação políticas,
que antes se davam a partir do Estado e que agora se inseriam também à partir da
sociedade.360 Desta forma, a análise de políticas públicas não se refere somente às políticas
geradas pelo Estado, mas também às políticas geradas por determinadas instituições não
estatais. Ou seja, o tema políticas públicas passa a ser um assunto multidisciplinar que se
refere à organização, planejamento, execução e avaliação constante de ações direcionadas ao
356
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006. p.58.
357
Neste sentido vai o texto de BOHMAN, James. Public Deliberation: Pluralism, Complexity and Democracy.
Cambridge: MIT Press, 1996, pg.71 e seguintes.
358
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006. e BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas.
São Paulo: Saraiva, 2002.
359
LIMA Jr., Olavo B. de; SANTOS, Wanderley G., Esquema geral para a análise de políticas públicas: uma
proposta preliminar. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v.10, n.2,
p.241-256, abr/jun. 1976.
360
KLIKSBERG, Bernardo. Social Management: some strategic issues. New York: United Nations, 1998.
115
atendimento das demandas sociais, sendo elas realizadas pelo Estado, por particulares ou pelo
próprio mercado.361,362
361
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006.
362
Para uma perspectiva mais ampliada da discussão: MORAND, Charles-Albert. Le Droit neo-moderne des
politiques publiques. Paris: LGDJ, 2001; MARTINS, Ana Luiza. República: um outro olhar. São Paulo:
Contexto, 1992; MOISÉS, José Alvaro. Cidade, povo e poder. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea/Paz e Terra, 1982; MOURÃO, Cezar Roberto. A República e as repúblicas. São Paulo:
Civilização Brasileira, 1972.
363
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001; ___. Teoria do Estado: cidadania e poder político na modernidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
364
SARLET, Ingo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002.
365
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006. p.64.
366
A este respeito ver os textos: XESTA, Fernando y VAZQUEZ, Ernesto. La Orden Civil de la Republica.
Ciudadania y distincion en el Estado Igualitario. Madrid: Civitas, 2001, p.92; ENTERRÍA, Eduardo García
de. Democracia, Jueces y Control de la Administración. Madrid: Civitas, 2001.
116
administrativas com foco na conseqüência ao invés de foco na causa; ou seja, medidas que
ajudam a gerir o caos no qual a cidadania se encontra.367
A Constituição traz consigo diretrizes para a garantia deste mínimo existencial por ela
mesmo estabelecido. Tais diretrizes se referem, em suma, à construção de uma Sociedade
livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da
marginalização; à redução de desigualdades sociais e regionais; à promoção do bem de todos,
sem preconceito de qualquer natureza. O que pode ser garantido através do estabelecido ao
longo de todo o texto constitucional. E as políticas públicas, desta forma, tem o objetivo de
intermediar o sistema jurídico constitucional e o que se pretende instituir no país.368
Para cada garantia constitucional é preciso haver políticas públicas que as possam
concretizar. E quando não ocorrem tais políticas públicas o poder judiciário é acionado. Todas
as competências demandam, obrigatoriamente, ações estratégicas de todas as entidades
federativas, abrangendo um leque enorme de responsabilidades e campos de demandas.
Quando inexistentes tais políticas de atendimento, há interesse legítimo constitucional a ser
acionado às suas defesas. As garantias constitucionais dizem respeito – direta ou
indiretamente – à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial já referido (saúde,
educação, moradia, pobreza).369
367
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006. Para refletir sobre as incoerências da operacionalidade do sistema capitalista,
em economias demasiadamente dependentes, ver: UNGER, Roberto Mangabeira. Democracy Realized. New
York: Verso. 1998.
368
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006.
369
LEAL, Rogério G. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Revista
de derecho, v.9, p.53-66, 2006.
370
BRASIL. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº45, de 29/04/2004, rel. Min. Celso de Mello.
Distrito Federal. Arguinte: PSDB; Argüido: Presidente da República, pg.02. Disponível em:
<www.stf.gov.br/dj/>. Acesso em: out. 2007.
117
371
Como quer por exemplo ELY, John Ely. Democracy and Distrust. 13 reimp. Massachusetts: Harvard
University Press, 2001. Para este autor – e vários seguidores - Judicial review is necessary to safeguard
minority rights, but democracy is the principle around which this nation's government was formed. p.16.
Mais tarde, alerta o autor que […] we can reason about moral issues, but reasoning about ethical issues is
not the same as discovering absolute ethical truth. So we’re where we were: our society does not, rightly
does not, accept the notion of a discoverable and objectively valid set of moral principles, at least not a set
that could plausibly serve to overturn the decision of our elected representatives. p.54.
372
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
373
O autor Mauro Cappelletti fala o poder dos juízes e esta nova perspectiva da atuação dos mesmos:
CAPPELLETTI, Mauro. Les pouvoir des juges: article choisis de droit judiciaire et constitutionnel compare.
Paris: Econimica, 1990. Traduction per René David. « L’activité des juges doit prendre un aspect nouveau
dans sa manière d’interpréter les lois, en vue de donner un contenu concret à la législation et aux droits
sociaux. Une évaluation est déjà perceptible à ce sujet. On continue bien à dire qu’entre le rôle traditionnel
des juges et celui qui leur est è présent demandé il n’y a qu’une différence de degré et non de substance : il
est vrai en effet, comme nous l’avons déjà dir, que toute interprétation est, dans une certaine mesure
création, un minimum de pouvoir discrétionnaire étant inévitable toujours dans l’activité du juge. » p. 45.
118
Diante disto, pode-se dizer que questões judiciais sobre a saúde trazem incutidas nelas o
tema de políticas públicas, neste caso específico, são verificadas decisões que dizem respeito
à concessão de medicamentos e tratamentos de saúde pelo poder judiciário, e por esta razão se
entra no tema da judicialização das políticas públicas. Por judicialização da política375 pode-se
entender a utilização de procedimentos judiciais para a resolução de conflitos de ordem
política, tais como controvérsias a respeito de normas, resoluções e políticas públicas em
geral, adotadas/implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.376 Como já
mencionado, há quem defenda a busca da eficácia de políticas públicas através do judiciário,
ou da judicialização da política.
eleitos. Todavia, isso não implica – ou ao menos não deveria implicar – que os juízes têm o
poder de legislar, podendo-se traduzir em criação de leis a sua função de intérpretes da
Constituição. Entretanto, não se pode dizer que há uma melhora da eficácia das políticas
públicas devido a judicialização da política, tendo em vista que quando acontece o controle
difuso, ou seja, de um caso específico pelos tribunais estaduais, somente a pessoa que entrou
com a ação é favorecida.378 Esta não é a melhor forma de implementação de políticas
públicas, pois acaba impondo ao cidadão, que precisa da política, que entre no judiciário e
demande pela política pública. E por causa do grande número de demandas frente ao
judiciário para que o mesmo implemente as políticas públicas não implementadas pelo
executivo é que o judiciário está abarrotado de processos causando morosidade para todos379.
378
ARANTES, Rogério. Judiciário: entre a justiça e a política. In AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio
(organizadores). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Rio de janeiro/ São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer/ Unesp, Cap. 3, p. 79-108, 2004.
379
E relação a implementação de direitos sociais pelo judiciário ver o livro: DEMOCRATIZAÇÃO do Poder
Judiciário brasileiro: ato público. Porto Alegre: AJURIS, 2002.
380
CARVALHO, Ernani R. de, A judicialização da política no Brasil: Apontamentos para uma nova abordagem.
In: 4º. Encontro Nacional da ABCP – Painel 1 – Direitos, Justiça e Controle, 21 – 24 julho 2004, PUC – Rio
de Janeiro.; FREY, Klaus, Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise
de políticas públicas no Brasil. In: Planejamento e políticas públicas, n 21, p. 211-259, jun 2000.; FARAH,
Maria F. S.. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas locais. Cadernos gestão pública e
cidadania, v. 18, p. 3-31, abr 2000.
381
Em número cada vez maior de ações judiciais, nossos juízes vêm ordenando aos serviços públicos de saúde,
em todos os níveis da Federação, que financiem tratamentos originariamente não contemplados na política de
saúde elaborada pelas respectivas secretarias e Ministério da Saúde. Esses tratamentos muitas vezes são de
elevadíssimo custo, disponíveis apenas no exterior e, freqüentemente, tão ou menos eficazes que os
disponíveis no sistema público de saúde. Diante da escassez de recursos, a conseqüência dessa interpretação
não é, ao contrário do que se poderia imaginar, a ampliação do acesso a serviços de saúde a camadas da
população anteriormente excluídas. O resultado inevitável é, na verdade, uma substituição parcial das
prioridades de investimento estabelecidas pelos especialistas em saúde pública do Poder Executivo. Ou seja,
puxa-se o cobertor da saúde pública para aqueles que conseguiram acessar o Judiciário e se descobre parte
120
O propósito desta dissertação não é verificar se esta é uma boa opção ou não de
implementar políticas públicas e sim verificar se é possível operacionalizar a teoria dos
direitos fundamentais de Alexy para a solução de casos concretos no Brasil. Neste sentido são
analisados casos específicos em relação ao direito à saúde, mais especificamente casos que
dizem respeito ao fornecimento de medicamentos e tratamento médico no STF e no TJ/RS, no
período de janeiro de 2000 a outubro de 2007.
daqueles que a política estatal havia originariamente decidido contemplar. FERRAZ, Octávio Luiz Motta.
Direito à saúde, escassez e o Judiciário. In Folha de São Paulo. 10/08/07.
382
Para detalhes históricos deste o início até 2001 ver: LAGO, Laurenio. Supremo Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal Dados biográficos (1828-2001). Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2001. Ver
também: DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 112-120.
383
BRASIL. Constituição Federal 1988. art. 12 § 3º, IV.
384
BRASIL. Constituição Federal 1988. art. 101.
385
BRASIL. Constituição Federal 1988. art. 103-B, I
386
BRASIL. Constituição Federal 1988. art. 119, I, a
387
CONHEÇA o STF. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfInstitucional>. Acesso em: set.
2007. e BRASIL. Congresso. Câmara dos deputados. O legislativo e a organização do Supremo Tribunal no
Brasil. Brasília; Rio de Janeiro: Fundação Casa de rui Barbosa, 1978.
121
destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República,
o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o
Procurador-Geral da República, entre outros. Em grau de recurso, sobressaem-se as
atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o
habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais
Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso extraordinário, as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição. A
partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, foi introduzida a possibilidade de o Supremo
Tribunal Federal aprovar, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, súmula com
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal388.389
Neste contexto, a pesquisa foi feita no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
através do sistema de pesquisa de jurisprudência do próprio site392. Para verificar as decisões
pertinentes existentes neste tribunal foram usados como expressão de busca os argumentos:
“políticas públicas de saúde”, “tratamento de saúde”, “tratamento médico” e “fornecimento de
medicamento”. Além do argumento de busca se restringiu a pesquisa no tempo colocando
como data inicial primeiro de janeiro de 2000 e data final 31 de outubro de 2007.
388
BRASIL. Constituição Federal 1988. art. 103-A
389
Ver também BRASIL. Presidência da república. Gabinete civil. Os três poderes da República: legislativo,
executivo, judiciário. Brasília: Secretaria de Imprensa e Divulgação, 1984.
390
BRASIL Supremo Tribunal Federal. Regimento interno no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1984. art.3º.
391
BRASIL Supremo Tribunal Federal. Regimento interno no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1984. art.4º, § 1º.
392
PESQUISA de jurisprudência. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: dez 2006 a nov 2007.
122
Para o argumento tratamento de saúde foram encontradas 418 decisões, divididas em:
14 acórdãos396, 247 decisões monocráticas397 e 157 decisões da presidência398. Nestas
decisões encontra-se o termo saúde de forma genérica se referindo, principalmente no que
tange aos acórdãos, a tratamentos no sistema prisional. A maioria de tais decisões também
não tem relação com o assunto da dissertação e somente os pertinentes são mencionados em
nota explicativa para ilustrar os casos existentes em relação ao tema.
393
ADIN-MC 1931/DF, trata-se de uma ADIN, mas que não tem relação com o tema da dissertação, pois se
refere a planos de seguro privados de assistência à saúde.
394
Ver Anexo A.
395
Ver Anexo A.
396
Ver Anexo B.
397
Ver Anexo B.
398
Ver Anexo B.
399
Os acórdãos dizem respeito a assistência médica de preso, ou outro assunto que não diz respeito a concessão
de medicamentos ou tratamento médico pelo judiciário.
400
Ver Anexo C.
401
Ver Anexo C.
402
Curiosamente a maioria das decisões é proveniente do Rio Grande do Sul: ver Anexo D.
123
Depois desta introdução sobre as decisões se percebe que no período pesquisado não há
nenhum controle concentrado de constitucionalidade feito pelo STF, o que se verifica é que
dentro da matéria pesquisada existem recursos e suspensões de liminares. Como se trata de
decisões parecidas até por dizerem respeito a precedentes do STF, serão mencionadas apenas
algumas das decisões, lembrando que para verificar sua ementa ou inteiro teor, basta acessar o
endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal e colocar os dados das decisões (siglas e
números), bem como requerer o inteiro teor por email.
403
Ver Anexo D.
404
Ver Anexo D.
405
BRASIL. STF – RE271286/RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 02.08.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(271286.NUME.%20OU%2027128
6.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: dez 2006. Ver íntegra no Anexo E.
124
Esta decisão colacionada acima é bastante comentada em outros julgados e usada como
precedente nos mesmos.
Nestas duas decisões expostas acima, pode-se notar que apesar de terem sido julgadas a
primeira no ano 2000 e a segunda em 2007, as decisões seguem a mesma linha. Em ambos os
casos se trata de paciente acometido por doença grave, e sem recursos financeiros para
adquirir os medicamentos, o qual aciona o judiciário para ter seus direitos à vida e à saúde
respeitados pelo Estado. O primeiro caso vem sendo citado nos demais pesquisados como
exemplo de decisão. No primeiro caso em tela, tanto o município de Porto Alegre quanto o
Estado do Rio Grande do Sul recorrem da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul que condenou os mesmos a fornecerem medicamentos ao paciente.
406
BRASIL. STF – RE509569/SC – Rel. Min. Celso de Mello – J. 01.02.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(509569.NUME.%20OU%2050956
9.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra no Anexo F.
407
BRASIL. STF – RE271286/RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 02.08.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(271286.NUME.%20OU%2027128
6.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: dez 2006. Ver íntegra Anexo E.
125
Com efeito, basta examinar-se o acórdão ora recorrido, para confirmar-se tal
asserção (fls. 371): "Por derradeiro, a licitação não se faz necessária para a aquisição
dos medicamentos, pois ela é dispensada nos casos de emergência ou de calamidade
pública, quando caracterizada a urgência do atendimento de situação que possa
causar prejuízo ou comprometer a segurança das pessoas. Também com estes
argumentos afastam-se as assertivas de inexistência de previsão orçamentária." De
qualquer maneira, no entanto, mesmo que tais aspectos formais pudessem ser
afastados, ainda assim revelar-se-ia inacolhível a postulação recursal deduzida pelo
Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Porto Alegre, especialmente em
face do mandamento constitucional inscrito no art. 196 da Constituição da
República.408
No recurso os recorrentes alegam que o município não poderia ser compelido a fornecer
medicamento uma vez que este projeto não estaria incluído na lei orçamentária anual.
Argumento rejeitado pelo relator. O ministro esclarece que a norma constitucional do art. 196
é clara quando estabelece que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
408
BRASIL. STF – RE271286/RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 02.08.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(271286.NUME.%20OU%2027128
6.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: dez 2006. Ver íntegra Anexo E.
126
Desta forma, é obrigação dos entes federados em garantir a proteção à saúde. E diante
de um caso concreto, quando se vê, o julgador, compelido a decidir entre de um lado a
proteção à vida e à saúde, um direito subjetivo inalienável assegurado pela Constituição, e de
outro a proteção de um interesse financeiro e secundário do Estado, o que ele escolhe é o
respeito à vida e à saúde, principalmente por estar consubstanciado por leis estaduais que
garantem a efetividade a preceitos fundamentais da Constituição Federal. Para o ministro o
direito à saúde representa um direito de prerrogativa indisponível, e o poder público deve
formular e implementar políticas sociais e econômicas para garantir tal assistência. Como reza
o art. 197410 da Constituição. E, assim, o ministro entende que o Ministério Público e o Poder
Judiciário são legitimados para na hipótese de não respeitado o mandamento constitucional
compelir o Poder Público a efetivar as ações e serviços de saúde.
409
BRASIL. Constituição. Constituição Federal: 1988. São Paulo: Lex, 1988. Art. 196.
410
BRASIL. Constituição. Constituição Federal: 1988. São Paulo: Lex, 1988. Art. 197. São de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
411
BRASIL. STF – RE271286/RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 02.08.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(271286.NUME.%20OU%2027128
6.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: dez 2006. Ver íntegra Anexo E.
127
Portanto, o egrégio Supremo Tribunal entende que é dever do poder público tornar
efetivas as prestações de saúde, não bastando somente a declaração do direito pelo seu
reconhecimento formal.
Neste acórdão tanto o ministro relator quanto o ministro que avalia o caso entendem que
o objetivo do Estado é proporcionar uma vida segura com o conforto suficiente para atender a
preservação da dignidade do homem.
412
BRASIL. STF – RE271286 – AgR /RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 12.09.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=335538&codigoClasse=539&numero=271
286&siglaRecurso=AgR&classe=RE>. Acesso em: dez 2006. p.10. Ver íntegra Anexo E.
413
BRASIL. STF – RE271286 – AgR /RS – Rel. Min. Celso de Mello – J. 12.09.2000. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=335538&codigoClasse=539&numero=271
286&siglaRecurso=AgR&classe=RE>. Acesso em: dez 2006. p. 10. Ver íntegra Anexo E.
414
BRASIL. STF – RE509569/SC – Rel. Min. Celso de Mello – J. 01.02.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(509569.NUME.%20OU%2050956
9.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra Anexo F.
128
Percebe-se que prevalece o direito à saúde que traz em seu íntimo o direito à vida,
mesmo sob o alegado caráter programático do art.196 da Constituição Federal.
415
BRASIL. STF – AI634282/PR – Rel. Min. Celso de Mello – J. 30.04.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(634282.NUME.%20OU%2063428
2.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra Anexo G.
129
Mais uma vez fica evidente que diante de uma omissão do Estado o poder judiciário é
instado a se manifestar e como muito bem esclarece o ministro Joaquim Barbosa na decisão
acima, é dever do Supremo Tribunal Federal controlar difusa ou concentradamente a
constitucionalidade das leis para garantir a máxima eficácia da Constituição.
Fazendo uma análise do que explica Alexy em sua teoria e do exposto no primeiro
capítulo desta dissertação se verifica que em todos os casos de direitos baseados em princípios
devem ser avaliadas as possibilidades fáticas e jurídicas – fazendo-se distinções entre
416
BRASIL. STF – RE 400040/MT – Rel. Min. Joaquim Barbosa – J. 06.06.2005. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(400040.NUME.%20OU%2040004
0.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra Anexo H.
417
BRASIL. STF – RE411557/DF – Rel. Min. Cezar Peluso – J. 24.09.2004. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(411557.NUME.%20OU%2041155
7.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra Anexo I.
130
posições prima facie e posições definitivas. Refinando-se o modelo básico são verificados os
meios para o cumprimento do dever de proteção e analisados com um princípio oposto quais
os meios são ineficazes e quais são eficazes. Depois disso se avalia se o princípio que se está
seguindo tem um peso maior que seu princípio oposto e assim se a utilização de determinados
meios são justificados. Se nenhuma das possibilidades puder se realizar então não se pode
usar nenhum dos meios para se realizar o dever de proteção prima facie. Entretanto, se pelo
menos dois meios puderem ser justificados através de um princípio frente a outro, então existe
um campo de ação de modelo básico. Mas isto pode não funcionar quando os dois meios são
igualmente eficazes com relação a um princípio e um dos meios afetar o princípio oposto mais
intensamente que o outro meio. A escolha do meio que afeta mais o princípio oposto seria
uma afetação não necessária, o que justificaria a escolha do outro meio, mas que por afetar
menos o princípio oposto não daria um campo de ação para a realização do princípio
norteador. Assim, o campo de ação não coloca problemas sobre o tema da justiciabilidade,
eles surgiriam devido a problemas de avaliação e efetividade. Tais problemas estão ligados à
questão normativa da ponderação e a questão empírica da efetividade. A ponderação do
problema da justiciabilidade dependeria do papel que tenham o problema da ponderação e o
do prognóstico, efetividade, dentro do marco dos direitos a proteção.418
De certa maneira o que o Supremo Tribunal Federal tem feito é uma ponderação de
princípios, como pôde ser verificado em todas as decisões os relatores comentam que tendo-se
que sopesar entre o direito à saúde que remete ao direito à vida e uma questão financeira do
Estado escolheria o primeiro. Nestes casos não há conflitos de direitos fundamentais, mas há
conflitos de princípios, e em certa medida o STF já vem fazendo uma otimização dos
mesmos. Entretanto, nos recursos analisados pelo STF o mesmo não faz análise dos fatos em
si. Pois, em grau de recurso o que o Tribunal faz é verificar se houve ou não violação a
Constituição.
418
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos y
constitucionales, 2002. cap. 9.
131
Na referida decisão, a recorrente agravou regimentalmente depois que teve seu recurso
extraordinário e agravo de instrumento não admitido e negado seguimento pelo STF. A
recorrente não se conformava com a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que
entendeu não ser excepcional o medicamento pleiteado por ela. Sua sustentação é de que “o
Estado não pode se eximir da obrigação de fornecer medicamentos sob o fundamento de que
deve guardar recursos para os demais necessitados”420. E no caso a relatora entendeu que a
obrigação do Estado em fornecer medicamentos aos pacientes hipossuficientes não se dá de
maneira automática, pois a parte deve provar a excepcionalidade dos medicamentos e sua
indispensabilidade para a sobrevivência. Além disso, o que lhe havia sido negada era tutela
antecipada e estava informado no processo que a Secretaria da Saúde poderia incluí-la em um
programa específico para tratamento de seu problema de saúde. Ou seja, apesar de ser
diferente dos outros casos, nos quais os entes federados recorreriam com o intuito de não
serem forçados a prestação de medicamentos, neste caso também houve uma ponderação, na
qual, apesar de não poder otimizar as possibilidades fáticas já feitas pelo tribunal a quo, negou
seguimento ao recurso enfatizando que a recorrente poderia ter seu direito garantido através
de programa oferecido pela própria secretaria de saúde, já que, quando se faz a ponderação é
necessário especificar o caso concreto, colocando as circunstâncias do caso que são relevantes
à decisão, e que tem um papel central na lei de colisão. Assim, a importância concreta do
princípio depende das circunstâncias do caso. Ou seja, os elementos do caso concreto que
importam e fazem a diferença na decisão, uma vez que especificam a medida examinada e
quais as conseqüências para os princípios relacionados. Para se determinar a importância da
satisfação de um princípio se deve verificar seu sentido contrário, ou seja, o que significaria
para um direito se a intervenção no princípio fosse omitida ou não fosse executada.
419
BRASIL. STF – AI-AgR562703/RS – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 20.04.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(562703.NUME.%20OU%2056270
3.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: jul. 2007. Ver íntegra Anexo J.
420
BRASIL. STF – AI-AgR562703/RS – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 20.04.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(562703.NUME.%20OU%2056270
3.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: jul. 2007. p. 2. Ver íntegra Anexo J.
132
E é isso o que o Supremo Tribunal Federal tem feito diante das decisões que dizem
respeito ao fornecimento de medicamentos aos pacientes hipossuficientes. Os julgadores
ponderam se devem atender ao direito à saúde e não o fazendo quais as conseqüências que
aconteceriam. Desta maneira, usando o modelo estabelecido por Alexy se verifica o caso
concreto e os princípios que estão em jogo em cada caso. Depois de verificados os princípios
são analisados e a cada um é atribuído um peso ou importância em relação ao caso concreto
para que possibilite a escolha. Então se chega ao grau de intervenção no princípio que a não
intervenção produz no princípio vulnerável. Os três passos acontecem um seguido do outro e
de forma quase simultânea, depois de verificada a intensidade de intervenção se verifica a
importância do princípio oposto e o terceiro passo é determinar qual das duas valorações deve
prevalecer. Nos casos analisados se verifica que o direito à saúde teve valoração maior que o
princípio financeiro do Estado.
Como já dito anteriormente, os princípios formais não interferem nos campos de ação e
assim tais campos permitem ponderações racionais. As constituições que possuem um
catálogo de direitos fundamentais representam uma tentativa de organizar a ação coletiva e
assegurar direitos individuais. Com este duplo caráter o legislador tem a atribuição de
restringir os direitos fundamentais, para isso existem campos de ação que se somam as
restrições materiais que o legislador impõe aos direitos fundamentais. O campo de ação acaba
se integrando ao direito fundamental e se internalizando. A divergência permanece, desta
forma, impregnada no princípio jusfundamental material. 421
Diante do exposto, pode-se dizer que a teoria dos direitos fundamentais de Alexy não
enfraquece os direitos fundamentais, e pode ser usada nos tribunais para resolução de casos,
tal teoria não traz resultados prontos, o que é bom porque cada caso tem sua peculiaridade.
Como já dito a teoria de Alexy tem uma funcionalidade para a prática jurídica, pois traz a
possibilidade de justificar os resultados da ponderação a partir de parâmetros racionais.
Através da ponderação se solucionam os conflitos, afastando-se o princípio que diante das
condições fáticas e jurídicas do caso concreto tenha menor peso, levando em consideração o
princípio oposto. O modelo de ponderação com sua fórmula dos pesos não traz em si um
método de resolução definitivo de casos. Mas traz critérios que vinculam a ponderação e a
argumentação jurídica racional. Desta forma, o modelo estrutural de ponderação é importante,
421
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. cap.
4.
133
pois provoca um avanço em relação à argumentação jurídica, uma vez que traz dados através
dos quais se pode fundamentar a argumentação jurídica.
3. O Município alega que o acórdão recorrido teria contrariado os arts. 2º, 23, inc. II,
196, e 198, da Constituição da República. Afirma que "os princípios fundamentais -
nos quais se enquadra o direito à saúde - são mandados de otimização, isto é, podem
ser cumpridos em diferentes graus, sendo a intensidade de seu cumprimento adstrita
às possibilidades fáticas ou jurídicas. Ordenam, portanto, a realização de algo (ou
permitem ou proíbem) na maior medida do possível, dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes. Trata-se de um juízo de ponderação e não de validade e
que surge diante de um caso concreto." (fl. 25) Sustenta, também, que "no presente
caso, a pretensão é de fornecimento de medicamento de competência exclusiva do
Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista constar na listagem de medicamentos
excepcionais, de responsabilidade daquele ente público, conforme organização
estabelecida para o Sistema..." (fl. 26). E ainda, que a Constituição da República
estabelece competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (inc. II do art. 23) para o fornecimento de medicamentos, a qual não se
confunde com responsabilidade solidária Apreciada a matéria trazida na espécie.422
5. Ademais, o direito à vida compreende o direito à saúde, para que seja possível dar
concretude ao princípio do viver digno. A Constituição da República assegura o
direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e, em sua esteira, todos os
meios de acesso aos fatores e condições que permitam a sua efetivação. Esse
princípio constitui, no sistema constitucional vigente, um dos fundamentos mais
expressivos sobre o qual se institui o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º,
III). O direito de todos à saúde, "O direito de todos à saúde, "garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação", conforme se contém no art. 196 da Constituição da
República, compatibiliza-se, ainda, com o princípio constitucional da igualdade, daí
422
BRASIL. STF – AI597141/RS – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 29.06.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(597141.NUME.%20OU%2059714
1.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: ago. 2007. Ver íntegra Anexo K.
134
Ou seja, foram usados, para justificar a decisão, princípios que protegem os cidadãos,
como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, que mesmo
tratando sobre um direito social à prestação, neste caso de medicamentos – direito à saúde
vincula-se ao princípio da igualdade. Isto é, se considera o direito à saúde como um objetivo
do Estado que adquire condição de norma programática e que impõe políticas públicas. Desta
forma, no caso concreto se deu mais importância a dignidade da pessoa que para ser efetivada
deve possibilitar que o indivíduo tenha acesso a fatores e condições que permitam sua
efetivação. E também o princípio da igualdade o qual estabelece que todos devem ter acesso
de igual forma aos recursos disponíveis para o tratamento que necessitem. Neste contexto o
fornecimento a esta pessoa do medicamento, garantiria a aplicação do princípio.
Neste caso, o princípio da independência dos poderes é alegado pelo município que
recorre da decisão que o forçou a fornecer medicamento. No entanto, o STF não acolhe tal
argumento entendendo que esta medida não infringiria o princípio e ainda explicita que o
poder judiciário tem o poder e dever de reparar uma lesão a direito. Neste contexto de
ponderação o STF deu maior peso ao princípio do viver digno e da dignidade da pessoa
423
BRASIL. STF – AI597141/RS – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 29.06.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(597141.NUME.%20OU%2059714
1.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: ago. 2007. Ver íntegra Anexo K.
424
BRASIL. STF – AC1827/RJ – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 29.10.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(1827.NUME.%20OU%201827.D
MS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo L.
135
humana para negar seguimento ao recurso e manter decisão anterior que privilegia o cidadão
que requereu medicamento.
A alegação do Município de que essa decisão teria gerado grave prejuízo ao erário e,
ainda, que teria desequilibrado o orçamento não se mostra suficiente a demonstrar o
fumus boni iuris e a viabilidade do recurso extraordinário quando contraposto à
saúde do cidadão, conforme o que por mim já decidido: "o direito à vida
compreende o direito à saúde, para que seja possível dar concretude ao princípio do
viver digno. A Constituição da República assegura o direito à dignidade da pessoa
humana (art. 1º, inc. III) e, em sua esteira, todos os meios de acesso aos fatores e
condições que permitam a sua efetivação. Esse princípio constitui, no sistema
constitucional vigente, um dos fundamentos mais expressivos sobre o qual se institui
o Estado Democrático de Direito ([Constituição da República], art. 1º, III).425
425
BRASIL. STF – AC1827/RJ – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJ 29.10.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(1827.NUME.%20OU%201827.D
MS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo L.
426
BRASIL. STF – RE562630/ES – Rel. Min. Cezar Peluso – DJ 11.10.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(562630.NUME.%20OU%2056263
0.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo M.
136
Deste modo, se pôde verificar que a linha de raciocínio do STF vem sendo no sentido de
ponderar entre o melhor princípio que se adecue ao caso, entretanto, nem todas as decisões
dispuseram em seu corpo sobre os princípios explicitamente, somente ocorrendo isto com
algumas. No próximo ponto são analisados casos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
e como pode ser aplicada a teoria de Alexy a eles.
427
BRASIL. STF – STA91/AL – Rel. Min. Ellen Gracie – DJ 05.03.2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(91.NUME.%20OU%2091.DMS.)
%20E%20S.PRES.&base=basePresidencia>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo N.
428
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007.
137
Catarina, Tribunal da Relação de Porto Alegre teve sua jurisdição sobre o território do vizinho
Estado interrompida.429
Em 1937, com a Constituição desta data, a Corte Suprema voltou a ter a denominação
de Supremo Tribunal Federal, e os Tribunais dos Estados passaram a serem chamados de
Tribunais de Apelação. Com a queda do Estado Novo, e promulgada a nova Constituição
429
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007.
430
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007.
431
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007. Para mais detalhes sobre a
magistratura na formação do direito brasileiro ver: LENZA, Vítor Barboza. Magistratura ativa. Goiânia: AB,
2000.
138
Foi com a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em 1989, que o
Tribunal de Justiça passou a ter autonomia para prover os cargos de Juiz de Carreira da
Magistratura Estadual, sob sua jurisdição, o que até então era prerrogativa do Poder
Executivo. E em 1997, aconteceu a unificação do Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada.
No mesmo ano o Diário Oficial do Estado publicou a Emenda Constitucional nº 22, que
unificou as duas Cortes. Quanto à unificação, de fato, das duas Cortes de 2º grau, ocorreu em
sessão solene realizada no Teatro do Sesi, em 25 maio de 1998, quando 60 magistrados, todos
procedentes do Tribunal de Alçada, foram empossados Desembargadores do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.433
Neste contexto, a pesquisa foi feita no endereço eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul através do sistema de pesquisa de jurisprudência do próprio site434. Para
verificar as decisões pertinentes existentes neste tribunal foram usados como expressão de
busca os mesmos critérios usados na pesquisa junto ao Supremo Tribunal Federal: “políticas
públicas de saúde”, “tratamento de saúde”, “tratamento médico” e “fornecimento de
medicamento”. Além do argumento de busca, se restringiu a pesquisa no tempo colocando
como data inicial primeiro de janeiro de 2000 e data final 31 de outubro de 2007 quanto a data
de julgamento.
432
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007.
433
HISTÓRIA do Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/tj/historia.php>. Acesso em: set. 2007.
434
PESQUISA de jurisprudência. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/index.php>. Acesso
em: dez 2006 a nov 2007.
435
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS. Apelação Cível Nº 70019513431, Vigésima Segunda Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 27/09/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo O.
436
Ver Anexo P.
139
437
Das quais somente as estão no Anexo Q dizem respeito ao assunto da dissertação.
438
Dentre estes também somente o seguinte está de acordo com o assunto da dissertação: Apelação e Reexame
Necessário Nº 70003442274.
439
Dentre os quais, somente estes se enquadram na pesquisa: Apelação e Reexame Necessário Nº 70005152384;
Agravo de Instrumento Nº 70003655412; Apelação e Reexame Necessário Nº 70002975829.
440
Dentre os quais somente os que estão no Anexo Q estão entre os pertinentes.
441
Das quais somente as do Anexo Q estão de acordo com o tema da dissertação.
442
Dentre as quais as do Anexo Q tem relação com o tema.
443
Dos quais os do Anexo Q dizem respeito ao tema da pesquisa.
444
Dentre os quais os do Anexo Q tem relação com o tema da pesquisa.
445
Ver Anexo R.
140
446
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA RS. Apelação Cível Nº 70019513431, Vigésima Segunda Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 27/09/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo O.
447
BRASIL, TJ/RS. Apelação Cível Nº 70020524856, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 12/09/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo S.
141
Outra decisão sobre tratamento de saúde é a seguinte, que não contém os mesmos
argumentos em relação a princípios, mas serve para se verificar como tem acontecido as
decisões sobre este tema, uma vez que a decisão a seguir é de 2004.
Esta decisão diz respeito a cidadão portador de problemas no joelho que procurou a
Secretaria Municipal de sua cidade e foi encaminhado a capital do Estado e depois de dois
anos e 10 meses nada havia sido feito em relação a sua saúde. O agravante explica que não
havia nem mesmo sido examinado.
O relator do processo entende que não há como o agravante esperar pelos entraves
burocráticos para ter seu pedido atendido na via administrativa. E que apesar de nesta via
administrativa não ter tido o pedido negado a inércia pode causar graves danos à saúde do
agravante. Para o relator a obrigação do Estado em auxiliar no tratamento de saúde do
448
BRASIL, TJ/RS. Apelação Cível Nº 70020524856, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 12/09/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo S.
449
BRASIL, TJ/RS. Agravo de Instrumento Nº 70009343013, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 21/12/2004. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: out 2007. Ver íntegra Anexo T.
142
agravante está garantida pelo exposto nos artigos 196450 e 198451 da Constituição Federal de
1988, bem como no artigo 1º da Lei 9.908/93452.
Desta maneira, se percebe que o Estado e o município devem agir de forma solidária e a
obrigatoriedade ao atendimento dessa política em relação a saúde pública é inegável. A
responsabilidade é, assim, do Estado e do município, que devem garantir saúde aos seus
cidadãos com os meios necessários para tanto.
450
BRASIL. Constituição. Constituição Federal: 1988. São Paulo: Lex, 1988. Art. 196: Art. 196. A saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
451
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem
um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única
em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será
financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela
Emenda Constitucional nº 29, de 2000) § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de
percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I - no caso da União, na
forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29,
de 2000) II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere
o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas
que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) III
- no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art.
156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000) § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,
estabelecerá:(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I - os percentuais de que trata o § 2º;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) II - os critérios de rateio dos recursos da União
vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a
seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 29, de 2000) III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com
saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de
2000) IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.(Incluído pela Emenda Constitucional
nº 29, de 2000)§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de
saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e
complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. .(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 51, de 2006)§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das
atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 51, de 2006) (Vide Medida provisória nº 297. de 2006) Regulamento § 6º Além das
hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça
funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder
o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006) In: BRASIL. Constituição. Constituição Federal: 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: setembro
2007.
452
Art. 1º. O estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem
prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio
sustento e de sua família. Parágrafo único – Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem
ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente. In: RIO
GRANDE DO SUL. Lei ordinário 9.908/93. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/legis/>. Acesso em:
out. 2007.
143
453
BRASIL. TJRS. AI Nº 70007321847, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson
Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 12/02/2004. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php >. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo U.
144
O relator no caso em tela se refere expressamente aos artigos 196 e 198 da Constituição
Federal para justificar que se trata de uma discussão de direito fundamental em espécie, que
se sobrepõe a qualquer outro. Neste caso cita-se a portaria no. 863/2002 que define os casos
nos quais deve ser utilizado o medicamento requisitado na demanda – o relator, entretanto,
entende que não deve ser acolhido tal argumento, pois deve-se analisar o caso particular e
verificar as situações do mesmo e avaliações do médico particular. E mais uma vez lança os
mesmos argumentos da decisão anterior455.
No caso a seguir, julgado pela oitava câmara cível o caso ocorre com criança:
Percebe-se que o Estado não concordando com a imposição do judiciário em ter que
fornecer medicamentos aos menores apela alegando a ilegitimidade do Ministério Público e
também a impossibilidade financeira do Estado, a interferência na esfera administrativa do
Poder Executivo e a não necessidade de se buscar o judiciário, uma vez que a apelada havia
buscado a via administrativa que seria suficiente. O relator esclarece que apesar de haver o
454
BRASIL. TJRS. A I Nº 70008313165, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson
Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 01/07/2004. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php >. Acesso em: out. 2007. Ver íntegra Anexo V.
455
O mesmo ocorre em outros casos decididos pelo mesmo desembargador: Apelação e Reexame Necessário Nº
70008157109; Apelação Cível Nº 70009775503
456
BRASIL. TJRS. Apelação Cível Nº 70016386815, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Rui Portanova, Julgado em 05/10/2006. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em nov. 2007. Ver íntegra Anexo W. No
mesmo sentido vem a decisão: Apelação Cível Nº 70017598129, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 14/12/2006.
145
Nota-se que o relator se preocupa em referir que o Judiciário está atento aos problemas
financeiros que os Entes Federativos possuem, e que não cabe a este poder discutir a
implementação ou não de políticas públicas, ou até mesmo impor programas ou direcionar
recursos financeiros para um ou outro fim457. O relator enfatiza que o poder judiciário deve
dar efetividade à lei e, assim, quando ela não é observada ou até mesmo desrespeitada o
Judiciário intervém458. A jurisprudência do Tribunal é no sentido da aplicação plena das
normas constitucionais que dizem respeito ao direito à saúde, e que independente de o
beneficiário ser o indivíduo se trata de um direito público.
457
Quanto a esta questão há autores com a preocupação de que o acesso ao judiciário só é garantido a poucos, e
há uma diferença quanto aos meios disponíveis para atender as necessidades. Neste sentido ver: AMARAL,
Gustavo Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro. Renovar. 2001. Assim como: FERRAZ, Octávio Luiz
Motta. Direito à saúde, escassez e o Judiciário. In Folha de São Paulo. 10/08/07. e HOLMES, Stephen;
SUNSTEIN, Cass R. Il costo dei diritti: perché la libertà dipende dalle tasse. Bologna: il mulino, 2000.
Traduzione di Elisabetta Caglieri. Edizione italiana a cura di Carlo Fusaro.
458
Neste sentido: “a justiça distributiva no Brasil. (...) Se até agora sua formação intelectual, ideológica,
profissional habilitou-o, com tantas e tantas insuficiências, claro está, a exercer suas funções em casos
marcados por disputas de trocas justas ou injustas, hoje o problema principal é o de distribuir justamente as
vantagens e desvantagens aos cidadãos todos. Com a devida atenção ao fato de que o Judiciário subordina-se
à lei de um lado, e de outro precisa estar preparado para reconhecer os limites e os avanços legais no que diz
respeito aos direitos subjetivos à distribuição dos recursos sociais, e com a devida atenção ao que já se pode
saber dos efeitos perversos que decisões judiciais podem trazer, seja negando reiteradamente a justiça
distributiva, seja reforçando as posições adquiridas sob um regime iníquo econômica e politicamente, há um
papel problemático na sua função tradicional”. Em: FARIA, José E. (org.) Direitos humanos, direitos sociais
e justiça. 1 ed. 2 tiragem. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 154.
146
459
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70018968008, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Arno Werlang, Julgado em 21/03/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo X.
460
BRASIL. TJRS. Apelação e Reexame Necessário Nº 70020870960, Terceira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 11/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Y.
147
O que está em debate aqui, pelos termos do prisma constitucional, é o que posso
chamar de mínimo existencial à dignidade da vida humana: a saúde. Enquanto
princípio fundante de todo o sistema jurídico – a iniciar pelo constitucional -, tenho
que a vida humana digna espelha e se vincula ao ideário político, social e jurídico
predominante no país, ao mesmo tempo em que, na condição de princípio
fundamental, em face de sua característica de aderência, ele opera sobre os
comportamentos estatais ou particulares de forma cogente e necessária. Por tais
razões tenho sustentado que: (a) todas as normas do sistema jurídico devem ser
interpretadas no sentido mais concordante com este princípio; (b) as normas de
direito ordinárias desconformes à constituição e seus princípios fundacionais (dentre
os quais destaco o sob comento), não são válidas.461
A partir desta perspectiva se entende que os Entes Federados devem buscar os meios
necessários para preservar a saúde de seus cidadãos, através de critérios para verificar aqueles
que efetivamente precisam de ajuda para ter suas demandas atendidas. Desta forma, quando se
verifica que há a necessidade e a falta de recursos para o requerente conseguir manter sua
saúde por conta própria a justiça deve atender o pedido. Deste modo, o que se verifica aqui é a
utilização do princípio da proporcionalidade explicado por Alexy.
Na outra decisão, há a mesma ponderação, porém com uma argumentação que vai em
outro sentido, uma vez que neste caso se verifica que a agravante não comprova que sua
família não tem condições de arcar com as despesas dos medicamentos que requer ao Estado.
O desembargador enfatiza que está revendo sua posição do “dever absoluto e exclusivo do
Estado arcar com o fornecimento de medicamentos à população”462.
461
BRASIL. TJRS. Apelação e Reexame Necessário Nº 70020870960, Terceira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 11/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Y.
462
BRASIL. TJRS. Apelação e Reexame Necessário Nº 70020870960, Terceira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 11/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Y.
463
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70020884086, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Z.
148
É por esta razão que doutrinadores como Ingo Sarlet são incisivos ao afirmar que o
Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o objeto das prestações
reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais, de tal sorte
que a questão da limitação dos recursos constitui um certo limite fático à efetivação
desses direitos. De outro lado, o Estado também deve ter a capacidade de dispor
destes recursos para o cumprimento daqueles direitos.465
Deste modo, o que o relator sugere é que haja uma ponderação para se verificar de que
forma e até que ponto deve existir esta reciprocidade do Estado quanto aos direitos sociais,
tendo em vista o custo da saúde aos cofres públicos, contudo este argumento não basta para
justificar a não aplicação de recursos e a não implementação de políticas públicas em relação
464
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70020884086, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Z.
465
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70020884086, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Z.
149
à saúde. A saída seria “fazer uma leitura integrada do dever estatal para com o universo que
ele alcança”466, isto é, analisar o caso e verificar as co-responsabilidades societais – o dever da
família, da sociedade e do Estado. A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul estabelece
que o indivíduo e sua família devem participar no custeio da saúde pública, há também uma
lei-RS 9.908/93 que estabelece ainda o fornecimento de medicamentos especiais ou
excepcionais aos cidadãos que comprovem estado de carência e também de sua família.
Penso que a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul precisa ser interpretada
conforme à Constituição Federal, no sentido de ratificar este sentido solidarístico
que chama à responsabilidade a família para contribuir na mantença do sistema
republicano e federativo de saúde, dando sua quota-parte, seja ela qual for, na
medida de sua possibilidade e diante da necessidade do parente enfermo.467
Em face do exposto, se percebe que na maior parte das decisões pesquisadas já não se
discute a responsabilidade do Estado pelo fornecimento de medicamentos ou tratamentos,
tampouco se exclui a responsabilidade do Poder Público pelas alegações de prejuízo ao
orçamento; ofensa à independência dos Poderes; ou ofensa à lei de licitações. No entanto, as
decisões também mostram que o Judiciário se preocupa em atuar através de dois guias: o
princípio da reserva do possível468 e os critérios de repartição das competências. 469 O que se
466
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70020884086, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Z.
467
BRASIL. TJRS. Agravo de Instrumento Nº 70020884086, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/10/2007. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: nov. 2007. Ver íntegra Anexo Z.
468
Em relação à reserva do possível e sua aplicação no Brasil ver: KRELL, Andreas J. Direitos sociais e
controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional "comparado".
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002. p. 51 a 57.
469
“Na prática, sucede que os limites da reserva do possível não são tão cristalinos, exigindo da autoridade
judiciária uma análise que dê á questão um certo grau de objetividade, de modo a que se estabeleça um
critério “justo”. Destarte, inclino-me pelo entendimento de que o Estado (gênero), não é responsável por todo
e qualquer serviço relativo à saúde, mas apenas por aqueles a que ele, por meio da legislação
infraconstitucional e normas administrativas, expressamente se obrigou, com base em opções políticas
daqueles a quem cabe a elaboração, aprovação e execução das políticas orçamentárias (Poder Legislativo e
Poder Executivo), a respeito das quais não cabe ao Judiciário se manifestar, sob pena de invadir, sem motivo,
150
vê, como no caso desta última decisão analisada é que se começa a questionar esta
responsabilidade absoluta do Estado em fazer prestações no âmbito da saúde. No entanto, se
frisa que em cada uma das decisões sempre se atém a real necessidade do demandante.
Ou seja, o judiciário se preocupa em não ofender aos outros poderes com suas decisões
sempre prezando pela melhor satisfação dos direitos dos demandantes, sem ofender as
disponibilidades dos outros poderes. Mais do que se basear em princípios constitucionais o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se baseia em leis infraconstitucionais bem como em
portarias que estabelecem, por exemplo, uma lista de medicamentos que cabe ao Estado ou ao
Município prestar a população – evitando a responsabilização de um Ente enquanto cabe à
outro fazê-lo. E em relação à assistência médica existem normas que estabelecem uma
responsabilidade provisória do Estado, enquanto o Município não possuir a gestão do sistema
municipal.
Desta forma, pode-se dizer que a utilização da Teoria dos Direitos Fundamentais de
Alexy viria para complementar a justificação dos acórdãos no Tribunal de Justiça. Sendo um
modo adicional para justificar a proteção a um princípio de direito fundamental. As decisões
não mudariam, pois todas analisam as especificidades do caso concreto e ponderam sobre as
situações que ali aparecem. Percebe-se que o princípio fundamental do direito à saúde
prevalece nas mesmas e a proteção do direito à vida é mais importante quando confrontado
com as questões financeiras do Estado.
Alexy traz passos da ponderação tornando possível emitir juízos racionais sobre as
intensidades das intervenções nos direitos fundamentais, assim como sobre os graus de
importância da satisfação dos princípios, e sobre a relação que existe entre um e outro. E os
direitos fundamentais, entendidos como princípios, admitiriam tudo, com exceção de meios
ilegítimos através dos sub-princípios de adequação e necessidade. A teoria dos direitos
fundamentais defende que a ponderação não é um procedimento que conduz cada caso a um
único resultado. Desta forma, com a ajuda da ponderação em alguns casos se pode estabelecer
um resultado de maneira racional, através de juízos racionais sobre as intensidades das
intervenções nos direitos fundamentais e sobre os graus de realização dos princípios. A
ponderação deve ser vista do ponto de vista dos princípios da proporcionalidade: verificando a
adequação, necessidade (ou exigibilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito.
Apesar de, na sua maioria, não o fazerem explicitamente, se percebe que a ponderação
ocorre implicitamente nos julgados. A Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy traz
critérios que vinculam a ponderação e a argumentação jurídica racional. Assim o modelo
estrutural de ponderação é importante, pois provoca um avanço em relação à argumentação
jurídica uma vez que traz dados através dos quais se pode fundamentar a argumentação
jurídica. E coloca nas decisões argumentos no sentido de justificar a utilização de um
princípio ou outro. O modelo de Alexy, assim, estabelece estruturas para justificar as
valorações e para saber como trabalhar com elas, o que torna a fórmula adequada e funcional
470
LEAL, Rogério Gesta. A efetivação do direito à saúde por uma jurisdição serafim: limites e possibilidades.
Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n.25 , p.89-104, jan./jun. 2006.
152
CONCLUSÃO
O estudo possibilita, deste modo, a verificação do que se entende por direito válido e
como se dá a utilização de premissas empíricas na argumentação jurídica. Com esta teoria se
pode expor melhor os pontos de vista. Através dela se tem uma melhor compreensão de toda
estrutura dos direitos fundamentais, ou seja, os conceitos, a influência dos mesmos e sua
fundamentação, pois para conseguir uma fundamentação clara deve-se ter um entendimento
objetivo de toda a estrutura dos direitos fundamentais e de suas normas.
No que diz respeito à diferença entre o conflito entre princípios e aquele entre regras se
tem presente que a solução de um conflito entre princípios consiste em atribuir prioridade a
um deles, sem que o outro seja considerado inválido, ou melhor, a eliminação da
inconsistência normativa ocorre sem a declaração de nulidade de uma das normas envolvidas.
Entretanto, esta característica dos princípios é válida somente na hipótese de os princípios
estabelecerem fins excludentes. Nas situações em que eles se dirigem para a uma mesma
relação, apontando para o mesmo fim, mas com a implementação de meios diversos, se deve,
então, declarar a prioridade de um princípio sobre outro com a conseqüente não-aplicação de
um deles para aquele caso concreto. A solução é idêntica à dada para o conflito entre regras
com determinação de uma exceção, hipótese em que as duas normas ultrapassam o conflito
mantendo sua validade.
O direito fundamental é visto, por Alexy, como um catálogo de posições com diferentes
conteúdo e forma. E o autor acredita que é importante especificar o status deste catálogo para
identificar suas restrições. Para se verificar quais as normas são restritivas ou não, é preciso
verificar a relação desta norma com o direito fundamental. Isto é feito através da ponderação,
orientada pelo princípio da proporcionalidade. Sempre que há a necessidade deve ser usado
referido princípio para melhor fundamentar as restrições que possam existir frente ao direito
fundamental.
Percebe-se que o tribunal possui um limite de atuação de que está conforme ao que é
devido pelo Estado e fixado no direito fundamental, podendo influir inclusive na interpretação
do direito privado. Uma posição jusfundamental correta depende de uma argumentação
jusfundamental, que pode ser caracterizada como uma argumentação jurídica geral com
termos de lei, precedente e dogmática. Ou seja, a argumentação deve se sujeitar à lei, uma vez
que as disposições jusfundamentais vinculam a argumentação jusfundamental; os precedentes
atuam como um controle racional da fundamentação jusfundamental; e as teorias são a base
para a argumentação jusfundamental, sendo possibilitada pela teoria dos princípios – ou seja,
pela ponderação, na qual se verifica e justifica o cumprimento de um e o não cumprimento de
outro.
Alexy entende que não há como formular uma resposta correta para cada caso, pois esta
teoria possibilita o estabelecimento de uma ordem de relações concretas de prioridade que
expressam o peso dos princípios em determinado caso. Isto porque criar uma teoria que
trouxesse uma solução de cada caso exigiria a criação de uma lista completa e concreta de
regras para todo e qualquer caso que se pudesse imaginar – o que seria impossível, tendo em
vista a mudança contínua de comportamentos e evolução da sociedade.
Esta teoria, por ser geral e trazer critérios de ponderação, garante a fundamentação de
decisões através da razão prática vinculando a argumentação e a decisão de uma forma
racional. Para tanto, Alexy estabelece critérios de como utilizar os mandatos de otimização.
Tais critérios servem para justificar a tomada de decisões pelos tribunais, fazendo então que
os princípios se otimizem. Alexy acredita que a constituição pode ser compreendida como
ordem marco e ordem fundamental e o problema surge quando a própria constituição não
proíbe nem ordena que o legislador faça algo. Para resolver tal polêmica se usam os campos
de ação, sendo que Alexy explica o campo de ação estrutural e o epistemológico.
156
A teoria dos princípios estabelece como se deve entender a ponderação, que é melhor
entendida através dos sub-princípios da proporcionalidade, ou seja, a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Isto é, o sub-princípio da adequação é
um critério negativo através do qual se pode estabelecer que meios não são adequados para
chegar ao fim determinado por um princípio jurídico. O sub-princípio da necessidade faz com
que se escolha, entre os meios adequados, o meio mais benéfico ao direito fundamental em
questão. E como estes dois sub-princípios não trazem respostas fáceis, entra em jogo o
terceiro sub-princípio, que é o da proporcionalidade em sentido estrito e que explica melhor
como fazer otimização na ponderação. Neste contexto, primeiro se define o grau de não
satisfação ou de afetação de um dos princípios; então se define a importância de satisfação de
um princípio oposto; e assim se verifica e se define se a importância da satisfação do princípio
contrário justifica a afetação ou a não satisfação do outro.
Desta forma, se pode emitir juízos racionais sobre a intensidade das intervenções nos
direitos fundamentais. Com isso, Alexy entende que através da formulação de uma escala com
graus de intensidade se pode ponderar melhor sobre as razões de justificação para uma
intervenção ou não. A aplicação dentro de um marco de argumentação possibilita a criação de
limites à atuação do Estado de forma racional. A importância do princípio depende de cada
caso concreto. A partir disto, então, se pode verificar a intensidade de intervenção; a
importância do princípio oposto e qual das duas posições deve prevalecer no caso concreto.
Portanto, o peso concreto do princípio deve ser verificado em cada caso concreto.
Para Habermas o apoio em valores torna o Tribunal autoritário, pois valores são,
conforme sua concepção, teleológicos, se referindo a comportamentos recomendados
enquanto as normas exigem uma justificação mais racional. A ponderação de valores traz o
problema da relativização da decisão, que dependerá da cultura estabelecida em uma
comunidade. E a decisão a partir de valores leva a uma solução recomendável e não a algo
mais certo, se fossem usadas somente as normas. Este autor acredita, então, que só se pode
atingir satisfatoriamente a interpretação e os princípios jurídicos por uma teoria do discurso
quando todo o processo de legislação for analisado.
Dworkin, por sua vez, não traz uma crítica propriamente à teoria de Alexy, entretanto
estabelece alguns pontos que devem ser considerados. Deste modo se verifica que Dworkin
procura em sua teoria trabalhar a partir de uma interpretação construtiva. Com ênfase no
momento no qual se aplica a teoria. O primeiro aspecto que se percebe é que Dworkin faz
uma crítica forte ao positivismo usando os princípios como sistema de aplicação da
argumentação.
A idéia de única resposta correta é uma idéia regulativa, que se pode entender quando,
em alguns casos, possa existir uma única resposta correta, não se sabendo em quais, o que
estimula a procura pela única resposta correta em cada caso. À resposta correta se chegaria
através da integridade do direito, devendo o juiz se manter aberto e sensível ao caso. Dworkin
faz uma análise de como as convicções morais dos juízes podem influenciar esta tomada de
decisão. Também se deve ater em quais pontos de uma teoria que a questão da moralidade e
de seu papel pode ser levantada – verificando os estágios de uma teoria que possam oferecer
uma relação compreensível de quais questões são verdadeiras no caso. Para Dworkin não é
bem claro como poderia ser criada esta teoria. No entanto, ele acredita que a partir da criação
de conceitos que fossem compartilhados por algumas pessoas se poderia estabelecer critérios
para a correta aplicação de determinado termo.
Dworkin interpreta a prática a partir de valores que melhor justificam tal prática. Para
este autor a hipótese valorativa possuiria um caráter trivial e seria necessária para verificar em
que as teorias entram em desacordo. Explicando um pouco como acontece a interpretação o
autor fala do debate doutrinário que constrói condições verdadeiras através de valores
identificados na jurisprudência. Sem dúvida a interpretação é complexa, e precisa ser
161
Para esclarecer suas idéias sobre a resposta correta o juiz Hércules Dworkin traz
argumentos de como os pragmáticos atuam, e também qual o papel de uma teoria no
raciocínio e na prática jurídica. O autor também demonstra algumas opiniões contra o uso da
teoria moral na argumentação jurídica. Sempre reforçando a idéia do conceito de integridade
,que para ele é muito importante. Dworkin acredita que os juízes não deveriam decidir através
de um algoritmo ou processo lógico ou formal que levaria a uma decisão correta, mas sim
deveriam levar em conta as conseqüências de suas decisões, sendo guiados por princípios
mais do que por suas preferências pessoais ou políticas.
Para tanto, é necessário manter a integridade do texto constitucional, no entanto isto não
quer dizer que esta fidelidade esgote a interpretação constitucional. Os princípios morais estão
vinculados à história e precedentes. Nos Estados Unidos Dworkin acredita que o que contribui
para a moralidade política é a parceria de auto-governo possibilitada por uma constituição
moral que admite que indivíduos se tornem membros e requeiram a juízes o reforço das
garantias de cidadania igualitária e todos estejam comprometidos com uma estratégia
institucional.
Portanto, Dworkin entende que se deva fazer uma análise do caso de forma que tenha
relação com a prática e valores e princípios morais compartilhados pelos atores envolvidos
nos casos. Uma forma de saber quais são os valores compartilhados por determinados agentes
é verificar e distinguir diferentes conceitos sobre o direito. Dworkin explica que os conceitos
são importantes para se verificar a função do pensamento e do discurso daqueles que atuam
162
nesta área, pois, se estabelecendo concepções que sejam usadas por todos e de igual forma
possibilita-se o desenvolvimento de procedimentos adequados para se obter uma justiça
substancial.
Portanto, com toda esta discussão sobre conceitos, Dworkin quer dizer que valores
morais são levados em consideração e usados como justificação e embasamento para decisões
judiciais. Sua idéia é se opor à idéia de que o direito seria um conjunto de padrões
estabelecidos de qualquer tipo, e trazer algumas considerações que deveriam ser levadas em
conta pelos operadores do direito. Ou seja, Dworkin não quis apenas dizer que o direito
possui regras e princípios.
Foram encontradas no total 809 decisões entre os termos de busca e dentro da data
mencionada. Algumas destas decisões, apesar de conterem os termos de buscas, não têm
relação com o tema proposto a ser analisado nesta dissertação, as decisões que têm relação
com a dissertação podem ser verificadas nos anexos. Uma vez que a análise de todas as
decisões tornaria o trabalho demasiadamente extenso foram escolhidos somente alguns casos
como forma de exemplificar o tratamento dado à matéria no âmbito do direito à saúde
principalmente em relação ao fornecimento de medicamento e/ ou tratamento de saúde. Desta
forma se coloca em anexo somente a íntegra dos casos que foram analisados, os demais
constam em lista nos anexos e podem ser consultados diretamente no endereço eletrônico do
Supremo Tribunal Federal.
De certa forma, o STF faz uma otimização entre princípios, entretanto não analisa fatos
em si já que em fase recursal seu papel é verificar a ocorrência ou não de violação da
Constituição. Outro caso analisado demonstra o entendimento do STF de que a obrigação do
Estado em fornecer medicamento a pacientes hipossuficientes não é um pleito que ocorre de
maneira automática, pois se deve provar além da hipossuficiência a excepcionalidade dos
medicamentos e sua indispensabilidade. Neste caso em específico foi feita ponderação do que
seria melhor faticamente com os dados que havia no caso.
Desta forma se verifica que o STF tem agido no sentido de ponderar o melhor princípio,
de acordo com cada caso. E se percebe, assim, que a teoria dos direitos fundamentais de
Alexy não enfraquece os direitos fundamentais, podendo ser usada para a solução de casos. A
teoria não traz uma solução pronta, o que é visto de forma positiva, pois cada caso deve ser
avaliado de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Através da teoria de Alexy se
pode justificar melhor os resultados da ponderação. Assim, o modelo estrutural de ponderação
é importante, pois provoca um avanço em relação à argumentação jurídica, uma vez que traz
dados através dos quais se pode fundamentar a argumentação jurídica.
Diante dos argumentos pesquisados foram encontradas um total de 5.974 decisões, nas
quais a maior parte dizia respeito ao argumento fornecimento de medicamento, no entanto,
nem todas as decisões, apesar de conterem tal expressão, tinham relação com o tema. Da
mesma forma como feito anteriormente só se comentam alguns casos de maneira
exemplificativa e nos anexos só são colocadas as íntegras dos casos citados. Citam-se
também somente o número das outras decisões em anexo, o que facilita a procura pela íntegra
das mesmas no site do Tribunal.
Na outra decisão o relator esclarece que está revendo sua posição em relação ao dever
absoluto e exclusivo de o Estado arcar com o fornecimento de medicamentos à população.
Novamente se argumenta com os princípios do mínimo existencial e da dignidade da pessoa
humana, entretanto também se enfatiza a necessidade de verificar as possibilidades fáticas e
jurídicas para não correr o risco de prejudicar a sociedade como um todo na tentativa de
atender à demanda de uma única pessoa. Para tanto, se deve fazer uma ponderação sobre até
que ponto deva existir a reciprocidade do Estado em relação aos direitos sociais e analisando
o caso verificar as co-responsabilidades societais, isto é, o dever da família, da sociedade e do
Estado.
Deste modo, se percebe que no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não se discute
a responsabilidade do Estado em fornecer medicamentos ou tratamentos de saúde, o que se
faz é analisar a partir do princípio da reserva do possível e dos critérios de repartição das
167
Portanto, se percebe que a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy serve de
complemento à argumentação e justificação para os acórdãos no Tribunal de Justiça. Utilizar
a teoria não mudaria as decisões, uma vez que elas analisam os casos concretos e ponderam
sobre as situações específicas de cada caso, prevalecendo o direito à vida e o princípio da
dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
Diante de tudo o visto se verifica que a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert
Alexy, apesar de suas críticas, pode ser utilizada para a solução de casos concretos que
envolvam direitos fundamentais, neste trabalho em específico o direito è saúde, na medida em
que esta teoria torna possível a emissão de juízos racionais quanto às intensidades de
intervenções nos direitos fundamentais, assim como o grau de satisfação dos princípios. Com
os juízos racionais a respeito das intensidades das intervenções e dos graus de realização dos
princípios se pode formar um resultado racional. Usar os sub-princípios da proporcionalidade,
como a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito facilita a
ponderação e a escolha do melhor princípio para a decisão.
Os objetivos deste trabalho foram atingidos uma vez que se analisou a Teoria dos
Direitos Fundamentais, assim como sua possibilidade de aplicação nos casos concretos em
relação ao direito à saúde. Os objetivos específicos também foram atingidos, porque se
analisou a teoria, assim como tratamento dado a matéria no âmbito do STF e TJ/RS através
das decisões pertinentes relativas ao direito à saúde. Expuseram-se as críticas à teoria e se
verificou de que forma a teoria poderia ser operacionalizada. Por fim, se identificou como a
168
teoria poderia ser aplicada aos casos concretos e que inclusive em alguns casos já tinha sido
aplicada.
REFERÊNCIAS
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Julgamento
02/08/2000
Publicação
DJ 23/08/2000 P - 00052
Despacho
EMENTA: AIDS/HIV. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. LEGISLAÇÃO COMPATÍVEL COM A TUTELA
CONSTITUCIONAL DA SAÚDE (CF, ART. 196). PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A legislação que assegura, às pessoas carentes e
portadoras do vírus HIV, a distribuição gratuita de medicamentos destinados ao tratamento da AIDS qualifica-se como ato concretizador do dever
constitucional que impõe ao Poder Público a obrigação de garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde.
Precedentes (STF). - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa
brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável
comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de
maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que
visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República. DECISÃO: Trata-se de recursos extraordinários,
que, interpostos pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Porto Alegre, buscam reformar decisão proferida pelo Tribunal de Justiça local (fls.
369/372), consubstanciada em acórdão que reconheceu incumbir, a essas unidades federadas, com fundamento no art. 196 da Constituição da
República, a obrigação de fornecerem, gratuitamente, medicamentos necessários ao tratamento da AIDS, nos casos que envolverem pacientes
destituídos de recursos financeiros e que sejam portadores do vírus HIV. Sustenta-se, na presente sede recursal extraordinária, que o acórdão ora
questionado teria desrespeitado o princípio da legalidade, circunstância essa que justificaria a reforma da decisão emanada do Tribunal a quo. Entendo
não assistir razão aos ora recorrentes, eis que eventual interpretação desfavorável das leis não pode ser invocada pela parte sucumbente como ato
caracterizador de ofensa ao postulado constitucional da legalidade (Ag 159.081-SP (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO). No caso, a alegação de ofensa
ao princípio da legalidade não basta, só por si, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária. É que a interpretação judicial de normas legais - por
situar-se e projetar-se no âmbito infraconstitucional - culmina por exaurir-se no plano estrito do contencioso de mera legalidade, desautorizando, em
conseqüência, a utilização do apelo extremo, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (Ag 192.995-PE (AgRg), Rel. Min.
CARLOS VELLOSO). Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já acentuou que o procedimento hermenêutico do Tribunal inferior -
que, ao examinar o quadro normativo positivado pelo Estado, dele extrai a interpretação dos diversos diplomas legais que o compõem, para, em razão da
inteligência e do sentido exegético que lhes der, obter os elementos necessários à exata composição da lide - não transgride, diretamente, o princípio da
legalidade (Ag 161.396-SP (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO). É por essa razão - ausência de conflito imediato com o texto da Constituição - que a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem enfatizando que "A boa ou má interpretação de norma infraconstitucional não enseja o recurso
extraordinário, sob color de ofensa ao princípio da legalidade (CF, art. 5º, II)" (RTJ 144/962, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei). Há, ainda, a incidir na
presente causa, como obstáculo insuperável ao conhecimento do recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, o enunciado
inscrito na Súmula 283/STF, cujo teor revela ser inadmissível o apelo extremo, quando a decisão recorrida - como no caso - assentar-se em mais de um
fundamento suficiente, apto, por si só, a conferir, a tal ato decisório, existência autônoma. Com efeito, o acórdão emanado do Tribunal local, como
assinalado, também possui fundamento de caráter infraconstitucional (fls. 370/371), pois o julgamento nele consubstanciado encontra suporte em
legislação ordinária editada pela União Federal (Lei nº 9.313/96) e pelo Estado do Rio Grande do Sul (Lei nº 9.908/93): "O direito à saúde é direito
fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são auto-aplicáveis, dado a importância dos
referidos direitos. Não há como afastar a responsabilidade dos entes públicos para com o problema da saúde. A responsabilidade do Estado em fornecer
os medicamentos excepcionais às pessoas carentes está por demais clara, tendo em vista o disposto na Lei-RS 9.908/93. Esta Lei, não é demais
ressaltar, impõe ao Estado a distribuição dos medicamentos de forma gratuita às pessoas que não puderem prover as despesas dos referidos
medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento de sua família. O estabelecimento, pela Lei 9.313/96, de solidariedade
passiva entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios pelo tratamento dos doentes de AIDS e portadores do HIV não tirou a responsabilidade do
Estado. O que esta Lei fez foi determinar que estes entes são solidários na resolução do problema em questão, permitindo que os doentes possam optar
entre um ou todos os integrantes do SUS. Por via de conseqüência, o Município de Porto Alegre também é parte legítima. Os convênios celebrados
implementam o Sistema Único de Saúde, permitindo que o Estado repasse as verbas recebidas ao Município, o que não significa que o administrador
estadual possa se eximir de suas obrigações para com a saúde da população, estando incluídos nesta os pacientes HIV/AIDS. A responsabilidade de um
órgão público não exime a de outro." (grifei) Ressalte-se, por necessário, que o Estado do Rio Grande do Sul, embora podendo questionar, em sede de
recurso especial, esse fundamento de índole meramente ordinária, deixou de fazê-lo, viabilizando, desse modo, em função da própria ausência de
impugnação recursal específica, a subsistência autônoma do acórdão emanado do Tribunal local. Cabe destacar, ainda, que a alegação de desrespeito ao
art. 37, XXI e ao art. 167, I e VI, ambos da Constituição Federal, não basta, só por si, para legitimar o acesso à via recursal extraordinária, pois, acaso
configurada a suposta transgressão, esta importaria, quando muito, em situação caracterizadora de conflito indireto com o texto da Carta Política,
insuficiente para justificar a utilização do apelo extremo (RTJ 105/704 - RTJ 127/758 - RTJ 132/455). Com efeito, basta examinar-se o acórdão ora
recorrido, para confirmar-se tal asserção (fls. 371): "Por derradeiro, a licitação não se faz necessária para a aquisição dos medicamentos, pois ela é
186
dispensada nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada a urgência do atendimento de situação que possa causar prejuízo
ou comprometer a segurança das pessoas. Também com estes argumentos afastam-se as assertivas de inexistência de previsão orçamentária." De
qualquer maneira, no entanto, mesmo que tais aspectos formais pudessem ser afastados, ainda assim revelar-se-ia inacolhível a postulação recursal
deduzida pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Porto Alegre, especialmente em face do mandamento constitucional inscrito no art. 196
da Constituição da República, que assim dispõe: "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação." (grifei) Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado,
consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se
ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da
efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento dos pleitos recursais ora deduzidos na presente causa. Tal como pude enfatizar, em
decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC),
entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria
Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do
Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que
privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de
distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes. A legislação gaúcha - consubstanciada nas Leis nºs 9.908/93, 9.828/93 e
10.529/95 -, ao instituir esse programa de caráter marcadamente social, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º,
caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente
daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Cumpre não perder de
perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria
Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a
quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência
médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol.
VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever,
por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder
Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas
- preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu
art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos
básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação
positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude,
a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais -
que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ
AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo
institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável
inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte
das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente
respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de
que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância
pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em
que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social,
seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Todas essas considerações -
que ressaltam o caráter incensurável da decisão emanada do Tribunal local - levam-me a repelir, por inacolhível, a pretensão recursal deduzida pelo
Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Porto Alegre, especialmente se se considerar a relevantíssima circunstância de que o acórdão ora
questionado ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal no exame da matéria (RE 236.200-RS, Rel. Min.
MAURÍCIO CORRÊA - RE 247.900-RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 264.269-RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.): "ADMINISTRATIVO. ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL. DOENTE PORTADORA DO VÍRUS HIV, CARENTE DE RECURSOS INDISPENSÁVEIS À AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS DE QUE
NECESSITA PARA SEU TRATAMENTO. OBRIGAÇÃO IMPOSTA PELO ACÓRDÃO AO ESTADO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, I, E 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio
Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas
carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. Recurso não conhecido." (RE 242.859-RS, Rel. Min.
ILMAR GALVÃO - grifei) "PACIENTE COM HIV/AIDS. PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196). PRECEDENTES (STF). - O direito público
subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular -
e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. - O
caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano
institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever,
por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. - A legislação editada pelo Estado do
Rio Grande do Sul (consubstanciada nas Leis nºs 9.908/93, 9.828/93 e 10.529/95), ao instituir programa de distribuição gratuita de medicamentos a
pessoas carentes, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu
alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a
consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (RE 232.335-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - grifei) Sendo
assim, pelas razões expostas, e considerando, ainda, os precedentes mencionados, não conheço dos presentes recursos extraordinários. Publique-se.
Brasília, 02 de agosto de 2000. Ministro CELSO DE MELLO Relator 8
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(271286.NUME.%20OU%20271286.DMS.)%20NA
O%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: dez 2006.
187
Julgamento
01/02/2007
Publicação
DJ 14/03/2007 PP-00074
Despacho
EMENTA: PACIENTE PORTADOR DE HEPATITE "B" E "C". PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À
SAÚDE. NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO
ESSENCIAL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. DEVER
CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196). PRECEDENTES (STF). RE CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO: O
presente recurso extraordinário busca reformar decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,
consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 98): "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO COM O OBJETIVO DE COMPELIR O ESTADO DE SANTA CATARINA A FORNECER O MEDICAMENTO INTERFERON PEGUILADO
A CIDADÃO PORTADOR DE HEPATITE DOS TIPOS 'B' E 'C'. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - RECURSO PROVIDO -
EXTINÇÃO DO FEITO. Em que pese o fato de se tratar a saúde de direito indisponível, não se vislumbra na presente demanda,
proposta para resguardar o direito à saúde de apenas um cidadão, o caráter de homogeneidade, necessário para se possa reconhecer
a legitimidade ativa 'ad causam' ao MinistEm que pese o fato de se tratar a saúde de direito indisponível, não se vislumbra na presente
demanda, proposta para resguardar o direito à saúde de apenas um cidadão, o caráter de homogeneidade, necessário para se possa
reconhecer a legitimidade ativa 'ad causam' ao Ministério Público. CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ISENÇÃO." Entendo
assistir plena razão ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, pois o desacolhimento de sua pretensão recursal poderá gerar
resultado inaceitável sob a perspectiva constitucional do direito à vida e à saúde. É que - considerada a irreversibilidade, no momento
presente, dos efeitos danosos provocados pela patologia que afeta o paciente Lindolfo Gomes (que é portador de hepatite "B" e "C") -
a ausência de capacidade financeira que o aflige impede-lhe, injustamente, o acesso ao tratamento inadiável e ao fornecimento do
medicamento a que tem direito e que se revela essencial à preservação de sua própria vida. Na realidade, o cumprimento do dever
político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a
proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que
seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever
constitucional autoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar em decisão por mim
proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC),
entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela
própria Constituição da República (art. 5º, "caput" e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao
julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Cumpre não perder de
perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas
pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos
cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense
Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide,
sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das
pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por
finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O O sentido de fundamentalidade
do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões
mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por
cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação
efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos
sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua
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eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai,
sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a
permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado
de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria
Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que,
para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente
naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão
de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar,
finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância
pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário
naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe,
arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de
comportamento governamental desviante. Todas essas razões levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida nos presentes autos,
ainda mais se se considerar que o acórdão ora recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal
Federal firmou no exame da matéria em causa (RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - AI 462.563/RS, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO - AI 486.816-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 532.687/MG, Rel. Min. EROS GRAU - AI 537.237/PE, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 198.263/RS, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 237.367/RS,
Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 242.859/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 246.242/RS, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE
279.519/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM - RE 297.276/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RE 342.413/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE
353.336/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO - AI 570.455/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): "PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA
DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER
CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O
DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - - O direito público
subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da
República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o
Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à
saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de- O reconhecimento judicial da validade
jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance,
um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não
ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO
DE MELLO) Sendo assim, pelas razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º -
A), em ordem a restabelecer a r. sentença proferida pela magistrada estadual de primeira instância (fls. 49/52). Publique-se. Brasília,
1º de fevereiro de 2007. Ministro CELSO DE MELLO Relator 1
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00005 "CAPUT"
ART-00196
ART-00197
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00557 PAR-0001A
****** CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Observação
Legislação feita por:(SFP).
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(509569.NUME.%20OU%2050
9569.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007.
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AI 634282 / PR - PARANÁ
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a)
Min. CELSO DE MELLO
Partes
AGTE.(S): ESTADO DO PARANÁ
ADV.(A/S): PGE-PR - CÉSAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): TRANQUILA SEMPREBOM DE AZEVEDO
ADV.(A/S): WAGNER DE OLIVEIRA BARROS E OUTRO(A/S)
Julgamento
30/04/2007
Publicação
DJ 24/05/2007 PP-00096
Despacho
EMENTA: PACIENTE COM HIPERPROLACTINEMIA. PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS DE USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE PESSOA CARENTE. DEVER CONSTITUCIONAL
DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196). PRECEDENTES (STF). - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e
implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-
hospitalar. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos
que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir,
de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado. Precedentes do STF. DECISÃO: O recurso extraordinário, a que se refere o presente
agravo de instrumento, busca reformar decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, consubstanciada em acórdão
assim ementado (fls. 45): "REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO ESTADO.
DIREITO À SAÚDE CONSAGRADO CONSTITUCIONALMENTE (ART. 196, CF), ASSEGURANDO-SE AO JURISDICIONADO OS MEIOS
NECESSÁRIOS PARA A FRUIÇÃO DESSE DIREITO DE FORMA PLENA E GRATUITA. SENTENÇA QUE, CONFIRMANDOA LIMINAR,
CONCEDEU A SEGURANÇA A FIM DE GARANTIR O RECEBIMENTO DO MEDICAMENTO ENQUANTO DURAR O TRATAMENTO. DECISÃO
CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO." Entendo não assistir razãoEntendo não assistir razão ao Estado do Paraná, pois o eventual
acolhimento de sua pretensão recursal certamente conduziria a resultado inaceitável sob a perspectiva constitucional do direito à vida e
à saúde. É que essa postulação - considerada a irreversibilidade, no momento presente, dos efeitos gerados pela patologia que afeta a
ora agravada (que é portadora de hiperprolactinemia) - impediria, se aceita, que a paciente, pessoa destituída de qualquer capacidade
financeira, merecesse o tratamento inadiável a que tem direito e que se revela essencial à preservação de sua própria vida. Na
realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na
obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-
se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A
impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente
causa. Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto
assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como
direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput" e art. 196), ou fazer prevalecer,
contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema -
que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e
à saúde humanas. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente
tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar -
políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O
caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem,
no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988",
vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob
pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei
Fundamental do Estado. Nesse contexto, Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as
prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -,
que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a
Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos
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direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público
um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem
providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se,
desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação
constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder
Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real
efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação
estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das
entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele
integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se
qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas
impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que
o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a
legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente,
deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável
omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Todas essas considerações - que
ressaltam o caráter incensurável da decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - levam-me a repelir, por
inacolhível, a pretensão recursal deduzida pela parte agravante, especialmente se se considerar a relevantíssima circunstância de que o
acórdão ora questionado ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no exame da matéria
(RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 198.263/RS, Rel. Min. SYDNEY
SANCHES - RE 237.367/RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 242.859/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 246.242/RS, Rel. Min. NÉRI
DA SILVEIRA - RE 279.519/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM, v.g.): "PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS
FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO
PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE
REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem
incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles
portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito
à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode
mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA
CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por
destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas
pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A
PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a
pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da
República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à
saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de
sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Sendo assim, e pelas razões
expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.
Publique-se. Brasília, 30 de abril de 2007. Ministro CELSO DE MELLO Relator 1
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00005 "CAPUT" ART-00196 ART-00197
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Observação
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(634282.NUME.%20OU%2063
4282.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007.
191
Relator(a)
Partes
Julgamento
06/06/2005
Publicação
DJ 20/06/2005 PP-00031
Despacho
DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado
do Mato Grosso cuja ementa tem o seguinte teor: "MANDADO DE SEGURANÇA - PRELIMINARES AFASTADAS - FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO DA SUBSTÂNCIA INTERFERON PEGUILADO PARA TRATAMENTO DE HEPATITE "C" - PESSOA SEM RECURSOS PARA
SUA AQUISIÇÃO - DEVER DO ESTADO - DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAL E LEGAL QUE GARANTEM O DIREITO À VIDA - SEGURANÇA
CONCEDIDA. Se o Secretário Estadual de Saúde é o Gestor do Sistema Único de Saúde no âmbito estadual e sua gestão é de natureza
plena, não obstante subordinada às regras previamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde (Gestor Nacional do Sistema), e nessa
qualidade, nega o fornecimento de medicamento de alto custo a pessoa sem recurso para o adquirir, é ele a autoridade diretamente
responsável pelo ato omissivo, sendo, portanto, parte legítima para figurar no pólo passivo de ação mandamental e competente será a
Justiça Comum. A saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício, inclusive com a distribuição de medicamentos, quando a pessoa não dispuser dos recursos necessários. (Fls. 158) 2. Alega o
recorrente que a decisão recorrida viola o disposto nos arts. 5o, LXIX, 196, 197, 198 e 200, I da Constituição, porque inexiste omissão
do Estado no fornecimento de medicamentos aos pacientes que não possuem meios para adquiri-los, o que ocorre é que o
medicamento solicitado não está na lista de compra estabelecida pelo Ministério da Saúde. Aduz, ainda, que seria dezarrazoado exigir
que o estado fosse compelido a prestações não previstas no planejamento da Saúde do estado sem que exista a prévia dotação
orçamentária para tais ações. 3. Sem razão a parte recorrente. O acórdão impugnado, ao garantir o acesso da recorrida, pessoa de
insuficientes recursos financeiros, a tratamento médico condigno do quadro clínico apresentado, resguardando-lhe o direito à saúde,
decidiu em consonância com o que ficou assentado no julgamento do RE 271.286-AgR (rel. min. Celso de Mello), cuja ementa tem o
seguinte teor: "PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE -
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) -
PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL
INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas
as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA
NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático
da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional,
a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de
programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
192
efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance,
um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não
ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (Grifos originais) 4. No mesmo
sentido, os seguintes precedentes: RE 411.557 (rel. min. Cezar Peluso, DJ 26.10.2004), AI 373.976 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ
02.12.2004), RE 342.413 (rel. min. Ellen Gracie, DJ 09.11.2004) e AI 452.312 (rel. min. Celso de Mello, DJ 23.06.2004). 5. Incumbe ao
Supremo Tribunal Federal, no exercício dos controles concentrado e difuso da constitucionalidade das leis, velar pela concretização da
eficácia máxima da Constituição federal. Nesse sentido, devem ser rechaçadas técnicas interpretativas, como a de que se vale o ente
público ora recorrente, as quais têm como conseqüência prática a inoperância de certos dispositivos da Constituição. 6. Do exposto,
nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 06 de junho de 2005. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(400040.NUME.%20OU%2040
0040.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007.
193
Julgamento
24/09/2004
Publicação
DJ 26/10/2004 P - 00054
Despacho
DECISÃO: 1. Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão que condenou o Ministério da Saúde a custear tratamento médico de
pacientes portadores de doença ocular progressiva, a ser realizado no exterior. 2. Inadmissível o recurso. A recusa do Estado em
custear o tratamento médico coloca em risco a saúde do paciente e representa desrespeito ao disposto no art. 196 da Constituição
Federal, que determina ser a saúde direito de todos e dever do Estado. Essa regra constitucional tem por destinatários todos os entes
políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro. O acórdão impugnado decidiu em estrita conformidade com a
jurisprudência assentada da Corte sobre o tema, como se pode ver à seguinte ementa exemplar: "EMENTA: PACIENTE COM HIV/AIDS
- PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS
- DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito
público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição
da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o
Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à
saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da
Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço
à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria
humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF" (RE nº 271.286-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24.11.2000.
No mesmo sentido, cf. AI nº 418.320, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 11.06.2003; RE nº 259.415, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, DJ de 10.03.2003; RE nº 198.263, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 30.03.2001; RE nº 242.859, Rel Min. ILMAR
GALVÃO, DJ de 17.09.1999). Ademais, verificar se o tratamento médico disponível no Brasil substituiria o que é realizado no exterior,
dependeria de reexame de fatos e provas, ao que não se presta a via extraordinária (súmula 279). 3. Ante o exposto, nego seguimento
ao recurso extraordinário (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília,
24 de setembro de 2004. Ministro CEZAR PELUSO Relator. fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(411557.NUME.%20OU%2041
1557.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: jul. 2007.
194
STF
195
196
197
198
199
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=562703&classe=AI-AgR>.
Acesso em: jul. 2007.
200
Relator(a)
Partes
Julgamento
11/06/2007
Publicação
DJ 29/06/2007 PP-00174
Despacho
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e
implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência
farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas -
representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua
atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena
de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA
PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra
inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a
organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE
SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade
jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da
Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de
apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria
humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso
do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato
de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito
evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui
função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como
instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes" (RE 393.195-AgR, Rel. Min. Celso de
Mello, Segunda Turma, DJ 2.2.2007). E ainda: AI 604.949-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 24.11.2006; AI 486.816-AgR, Rel. Min. Carlos
Velloso, Segunda Turma, DJ 6.5.2005; RE 242.859-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 17.9.1999; e RE 509.569, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 14.3.2007. 5. Ademais, o direito à vida compreende o direito à saúde, para que seja possível dar concretude ao
princípio do viver digno. A Constituição da República assegura o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e, em sua
esteira, todos os meios de acesso aos fatores e condições que permitam a sua efetivação. Esse princípio constitui, no sistema
constitucional vigente, um dos fundamentos mais expressivos sobre o qual se institui o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III).
O direito de todos à saúde, "O direito de todos à saúde, "garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação", conforme se contém no art. 196 da Constituição da República, compatibiliza-se, ainda, com o princípio constitucional da
igualdade, daí a norma constitucional assecuratória do acesso universal e igualitário a todos os recursos disponíveis para garantia de
condições de saúde. 6. Pelo exposto, não havendo divergência da decisão agravada com o quanto firmado como jurisprudência pelo
Supremo Tribunal, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 11 de junho de 2007. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00001 INC-00003 ART-00005 "CAPUT"
ART-00023 INC-00002 ART-00102 INC-00003
LET-A ART-00196 ART-00198
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00557 PAR-00002
CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
LEG-FED RGI ANO-1980
ART-00021 PAR-00001
RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Observação
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(597141.NUME.%20OU%2059
7141.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: ago. 2007.
202
Relator(a)
Partes
Julgamento
19/10/2007
Publicação
Despacho
DECISÃO AÇÃO CAUTELAR. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. DESTRANCAMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO RETIDO NA ORIGEM. SEGUIMENTO
NEGADO. Relatório 1. Ação Cautelar, com pedido de tutela antecipada, ajuizada neste Supremo Tribunal Federal, pelo Município de Armação dos Búzios,
em 2.10.2007, com fundamento nos arts. 34, inc. V, e 288 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (sic), e 796 e seguintes do Código de
Processo Civil, pela qual se busca a antecipação dos efeitos da tutela recursal para "destrancar o Recurso Extraordinário [n. 2007.134.07779] ... retido
pela Terceira Vice-Presidente do Tribunal de Justiça" do Rio de Janeiro e a concessão de efeito suspensivo a ele (fl. 2). 2. Roberto Carvalhal de Moura,
ora interessado, ajuizou ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, para que o Município de Armação dos Búzios fornecesse medicamentos que lhe
foram prescritos. Em 16.11.2006, o juiz da Comarca de Armação dos Búzios deferiu a antecipação da tutela e determinou que aquele Município
fornecesse, gratuitamente, os medicamentos receitados (Processo n. 2006.078.001974-0, Petição Avulsa STF n. 162770/2007). Em 19.6.2007, o
Município de Armação dos Búzios interpôs agravo de instrumento com pedido de "concessão de efeito suspensivo ativo ... com o fim de suspender
liminarmente a eficácia da decisão de primeira instância, até o julgamento" do agravo (Agravo n. 15.703/2007, Petição Avulsa STF n. 162770/2007). Em
26.6.2007, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou seguimento ao recurso de agravo e, interposto agravo regimental, a ele
negou provimento, em 25.7.2007, ao fundamento de que "Não há que se limitar a responsabilidade do Agravante à validade da lista da farmácia básica"
(Petição Avulsa STF n. 162.770/2007). Em 3.9.2007, o Município de Armação dos Búzios interpôs recurso extraordinário e requereu "a concessão do
efeito suspensivo ao presente recurso, até o julgamento final do mesmo, e ... a reforma integral do acórdão que ora se recorre" (Petição Avulsa STF n.
162.770/2007). Em 11.9.2007, a Terceira Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que ficasse retido o recurso extraordinário
do Município (art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, Petição Avulsa STF n. 160585/2007). 3. Contra essa decisão o Município de Armação dos Búzios
ajuíza a presente ação cautelar para "destrancar Recurso Extraordinário proposto diante do não provimento do Recurso de Agravo de Instrumento [n.
15.703/2007] que manteve a decisão de Primeira Instância da Comarca de Armação dos Búzios que determinou, liminarmente, [nos autos da Ação
Ordinária n. 2006.078.001974-0], (...), a entrega, pelo Município, da medicação excepcional relacionada à Hepatite C, em total arrepio ao Convênio
firmado entre os 3 Entes da Federação e o Ministério da Saúde...." (fl. 8). Assevera que o "fornecimento a todos os pacientes portadores de hepatite C
crônica, fora dos parâmetros estabelecidos no programa do Ministério da Saúde inviabilizaria [o] orçamento financeiro do Município, já que esses
pacientes encontram-se sob a responsabilidade político-financeira do Estado, pelo método do [Sistema Único de Saúde]..." (fl. 9). Argumenta que "o
Judiciário não pode editar norma genérica e impessoal que substitui o documento do Ministério da Saúde, sob pena de invasão de competência do Poder
Executivo, o que não [seria] permitido pelo artigo 2º da [Constituição da República], que encerra o princípio da independência dos poderes" (fl. 10, grifos
no original). Insiste que "a competência para fornecimento de medicamentos excepcionais é exclusiva do Estado, restando ao Município apenas a
competência para fornecimento de medicamentos de atenção básica segundo a Política Nacional de medicamentos" (fl. 15, grifos no original). Sustenta
ser necessário dar efeito suspensivo ao recurso, "sob pena de gerar grave prejuízo ao Erário Público, e a quebra do equilíbrio orçamentário-financeiro do
Município de Armação dos Búzios ..." (fl. 5, grifos no original). Requer "seja a presente Medida Cautelar recebida e, conseqüentemente acolhida, com a
concessão de tutela antecipada, com a finalidade precípua de destrancar o Recurso Extraordinário admitido e retido pela Douta Terceira Vice-Presidente
do Tribunal de Justiça do [Rio de Janeiro], e a concessão de efeito suspensivo ao Recurso, uma vez que a demora no julgamento do recurso causar[ia]
danos irreparáveis à Administração Pública...." (fl. 21). Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 4. Este Supremo Tribunal Federal tem
admitido as ações cautelares ajuizadas para o fim de destrancar o recurso extraordinário retido, quando o Recorrente se insurge contra a aplicação do
art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil. No julgamento da Questão de Ordem na Petição n. 2.222-PR, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal
Federal decidiu: "EMENTA: 1. Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de medidas
cautelares de [Recurso Extraordinário], quando nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do [Código de Processo Civil]: incidência do
disposto no parágrafo único do art. 800 do [Código de Processo Civil] (''interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal''):
hipótese de medida cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na instância a quo, diversa do problema do início da jurisdição
cautelar do Supremo para conceder efeito suspensivo ao [Recurso Extraordinário]. 2. Medida cautelar: indeferimento: ausência de fumus boni juris: caso
de recurso extraordinário contra decisão concessiva de tutela antecipada em ação civil pública, não cabível, por não se tratar de decisão definitiva:
[Código de Processo Civil], art. 273, § 4º" (Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 12.3.2004). Em seu voto, o Relator Ministro Sepúlveda Pertence
consignou: "no julgamento da PET 2.151 (DJ 7.12.00), também relator o Ministro Octavio Gallotti, decidimos que seria aplicável às medidas cautelares
ajuizadas para afastar a incidência do disposto no art. 542, § 3º, [Código de Processo Civil], a orientação adotada pelo Tribunal a propósito das medidas
cautelares objetivando a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário. Lê-se no voto condutor do acórdão: ''Ao negar provimento ao Agravo
203
Regimental na Petição nº 1.903, relator o eminente Ministro NÉRI DA SILVEIRA, definiu o Plenário do Supremo Tribunal a competência do Presidente da
Corte de origem para conceder, ou não, a medida cautelar (art. 800 do Código de Processo Civil), entre a interposição do recurso e a prolação do seu
juízo de admissibilidade. Razão não há para excluir desse critério a hipótese da retenção do recurso extraordinário (art. 542, § 3º, do Código de Processo
Civil), que só faz alongar o interregno do seu processamento, sem falar na inevitável prejudicialidade a resultar do julgamento concomitante do outro
recurso extraordinário que vier a ser interposto, por qualquer das partes, contra a decisão definitiva. Isto posto, e sendo a competência para apreciá-lo,
não do Supremo Tribunal, mas do Presidente, ou Vice-Presidente, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não conheço do pedido.'' Reexaminando a
matéria, tenho como acertada a afirmação da competência do Tribunal para o julgamento de medidas cautelares de [Recurso Extraordinário], quando
nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, [do Código de Processo Civil]. De fato, não se cuidará aí da atribuição de efeito suspensivo a
recurso extraordinário pendente de apreciação na instância de origem, mas simplesmente de determinar o processamento do recurso nessa instância -
isto é, a intimação da parte contrária para o oferecimento de contra-razões e a prolação do juízo de admissibilidade: logo, não há razão para afastar-se a
incidência do disposto no parágrafo único do art. 800 [do Código de Processo Civil], segundo o qual ''interposto o recurso, a medida cautelar será
requerida diretamente ao tribunal''. Nessas hipóteses, com efeito, a concessão da medida liminar não interfere minimamente na competência do
Presidente do tribunal a quo para decidir sobre a admissibilidade do [Recurso Extraordinário], ao contrário do que ocorreria se o Tribunal concedesse
efeito suspensivo a [Recurso Extraordinário] ainda não submetido a juízo de admissibilidade, caso em que, segundo se tem frisado, o Presidente do
tribunal a quo estaria compelido a admitir o recurso, qual acentuado pelo em. Min. Moreira Alves na PET(QO) 1.863. Conheço, pois, da presente medida
cautelar". 5. Embora o disposto no § 3º do art. 542 do Código de Processo Civil seja taxativo quanto às hipóteses de retenção do recurso extraordinário
interposto contra decisão interlocutória, nos processos de conhecimento, cautelar ou embargos à execução, o Ministro deste Supremo Tribunal Federal
poderá determinar o processamento do recurso extraordinário quando entender que exista plausibilidade jurídica do pedido a justificar que este seja
destrancado. Nesse sentido, ao decidir a Ação Cautelar n. 1.764-MG, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, explicou que a norma do § 3º do art. 542 do
Código de Processo Civil "deve ser interpretada com temperamentos, pois não deve incidir indiscriminadamente sobre qualquer decisão interlocutória,
que muitas vezes podem causar prejuízos irreparáveis às partes. Assim, a regra do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, poderá ser afastada nas
hipóteses em que esteja comprovada a possibilidade de ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação às partes e demonstradas a viabilidade
processual do recurso extraordinário e a plausibilidade das razões alegadas" (decisão monocrática, DJ 20.9.2007). À unanimidade, esse entendimento foi
confirmado pela Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do Agravo Regimental na Ação Cautelar n. 133-RS, decidiu que
"Não basta a existência do periculum in mora, para justificar o excepcional destrancamento do recurso extraordinário. É também necessária a
configuração da viabilidade do recurso" (Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 7.5.2004). 6. No presente caso, entendo que o Autor não tem razão de direito
quanto à sua pretensão. A decisão proferida nos autos da Ação Ordinária n. 2006.078.001974-0 contra a qual se insurge, na origem, o Município de
Armação dos Búzios tem o seguinte fundamento: "...DETERMINO que o município de Armação dos Búzios, por seu SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE,
disponibilize imediatamente ao autor [ora Interessado] os medicamentos Pegasys 180 mgc - Interferon Peguilato Alfa - 2 A e Ribavirina 250 mg.,
observando a quantidade necessária para as vinte e quatro semanas de prolongamento do tratamento e os prazos para a entrega. Diante das insistentes
e inaceitáveis resistências e recusas da autoridade municipal, fica o Secretário Municipal de Saúde advertido de que não será tolerada nova manifestação
de desobediência. Os medicamentos deverão estar disponibilizados para o autor até as 11:00 horas do dia 30 de maio de 2007, sob pena de prisão e da
instauração do competente processo penal..." (fl. 8 e sítio do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). A alegação do Município de que essa decisão teria
gerado grave prejuízo ao erário e, ainda, que teria desequilibrado o orçamento não se mostra suficiente a demonstrar o fumus boni iuris e a viabilidade
do recurso extraordinário quando contraposto à saúde do cidadão, conforme o que por mim já decidido: "o direito à vida compreende o direito à saúde,
para que seja possível dar concretude ao princípio do viver digno. A Constituição da República assegura o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inc. III) e, em sua esteira, todos os meios de acesso aos fatores e condições que permitam a sua efetivação. Esse princípio constitui, no sistema
constitucional vigente, um dos fundamentos mais expressivos sobre o qual se institui o Estado Democrático de Direito ([Constituição da República], art.
1º, III). O direito de todos à saúde, ''garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação'', conforme se contém no art. 196 da Constituição da
República, compatibiliza-se, ainda, com o princípio constitucional da igualdade, daí a norma constitucional assecuratória do acesso universal e igualitário
a todos os recursos disponíveis para garantia de condições de saúde" (RE 399.664, DJ 16.8.2007). Ademais, a assente jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal " já está consolidada no sentido de que não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar ou que mantém
liminar concedida em primeira instância (Súmula n° 735 do [Supremo Tribunal Federal]), decisão que, baseada meramente na ocorrência dos
pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, não representa pronunciamento definitivo sobre os fundamentos constitucionais da ação (RE
232.387, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 17.5.2002; AI-AgR 439.613, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.10.2003; RE-Agr 398315/AP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ
20.4.2006; RE-AgR 337.739/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 31.10.2002, dentre outros)" (Ação Cautelar n. 1.642-RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes,
DJ 26.6.2007). 7. Pelo exposto, diante da ausência da fumaça do bom direito e do periculum in mora inverso, nego seguimento à presente Ação Cautelar
(art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Junte-se a Petição Avulsa STF n. 162.770/2007. Publique-se. Brasília, 19 de outubro
de 2007. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00001 INC-00003 ART-00003 ART-000196
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00273 PAR-00004 ART-00542 PAR-00003
ART-00800 PAR-ÚNICO
****** CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
LEG-FED LEI-010406 ANO-2002
ART-00796
CC-2002 CÓDIGO CIVIL
LEG-FED RGI ANO-1980
ART-00021 PAR-00001
RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED RGI ANO-1989
ART-00034 INC-00005 ART-000288
REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ
LEG-FED SUM-000735
SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
Legislação feita por:(AAS).
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(1827.NUME.%20OU%201827.DMS.)%20NAO%2
0S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: nov. 2007.
204
Relator(a)
Partes
RECTE.(S): UNIÃO
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECDO.(A/S): SUELY MENDES DE OLIVEIRA
ADV.(A/S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Julgamento
26/09/2007
Publicação
Despacho
DECISÃO: 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e assim
ementado: "CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ZOLADEX 10,8 mg. LEGITIMIDADE DOS 3
ENTES DA FEDERAÇÃO. 1. Ilegitimidade passiva rejeitada, posto que a saúde é direito de todos e dever do Estado, na forma do art.
196 da CR/88, entendendo-se por Estado as 3 esferas de governo, na forma do art. 9º da Lei 8.080/90. 2. Interesse processual
inequívoco. Alegação de necessidade de recurso prévio à esfera administrativa rejeitada ante o princípio da inafastabilidade do Poder
Judiciário. 3. Incompetência alegada pelo Estado do Espírito Santo também rejeitada, posto que o litisconsórcio passivo com outros
entes além dos mencionados no art. 6º, II, da Lei 10.259/01. Aplicação analógica do Enunciado nº 4 das Turmas Recursais do Rio de
Janeiro, integrante desta 2ª Região. 4. Recursos da União, do Estado do Espírito Santo e do Município de Vitória improvidos,
condenando-se cada em honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais). Sentença mantida na íntegra." ( fl. 203) A
recorrente, com fundamento no art. 102, III, a, alega violação ao disposto nos arts. 37, caput, e 198, I, da Constituição Federal. 2.
Inconsistente o recurso. O acórdão impugnado decidiu a causa com base só na interpretação da legislação infraconstitucional, de modo
que eventual ofensa à Constituição Federal seria, aqui, apenas indireta. Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de não
tolerar, em recurso extraordinário, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de
normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República. Ainda que assim não fosse, a recusa do Estado em
fornecer o medicamento coloca em risco a saúde de paciente necessitado e representa desrespeito ao disposto no art. 196 da
Constituição Federal, que determina ser a saúde direito de todos e dever do Estado. Essa regra constitucional tem por destinatários
todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro. Em caso análogo, decidiu a Segunda Turma no
julgamento do RE nº 271.286-AgR, rel. Min. CELSO DE MELLO. Da ementa do acórdão consta: "EMENTA: PACIENTE COM HIV/AIDS -
PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS -
DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito
público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição
da República (art. 196) . Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o
Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à
saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da
Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço
à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria
205
humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." No mesmo sentido, confiram-se: AI nº 418.320, rel. Min. CARLOS
VELLOSO; RE nº 259.415, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; RE nº 198.263, rel. Min. SYDNEY SANCHES; RE nº 242.859, rel Min. ILMAR
GALVÃO. Por outro lado, dissentir do julgado, exigiria, pois, como é óbvio, reexame de provas, a cuja luz foi à causa decidida, o que é
vedado na instância extraordinária (súmula 279). 3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da
Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 26 de setembro de 2007. Ministro CEZAR PELUSO Relator
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00005 "CAPUT" ART-00037 "CAPUT"
ART-00102 INC-00003 LET-A ART-00196
ART-00198 INC-00001
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00557
CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
LEG-FED LEI-010259 ANO-2001
ART-00006 INC-00002
LJEF-2001 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS NA
JUSTIÇA FEDERAL
LEG-FED LEI-008080 ANO-1990
ART-00009 ART-00038
LEI ORDINÁRIA
LEG-FED RGI ANO-1980
ART-00021 PAR-00001
RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUM-000279
SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
LEG-FED SUM-000004
SÚMULA DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS
FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO, RJ
Observação
fim do documento
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(562630.NUME.%20OU%2056
2630.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em: nov. 2007.
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STA 91 / AL - ALAGOAS
SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Relator(a)
Min. PRESIDENTE
Presidente
Partes
Julgamento
26/02/2007
Publicação
DJ 05/03/2007 PP-00023
RDDP n. 50, 2007, p. 165-167
Despacho
1. O Estado do de Alagoas, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92 e no art. 1.° da Lei 9.494/97, requer a suspensão da execução
da tutela antecipada concedida na Ação Civil Pública n.° 001.06.014309-7 (fls. 27/47), que determinou àquele ente federado o
fornecimento de medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados
(fls. 23/26) . O requerente sustenta, em síntese: a) cabimento do presente pedido de suspensão, visto que o Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de Alagoas indeferiu o pedido de suspensão de tutela antecipada ajuizada perante aquela Corte estadual (fls. 88/94),
negando seguimento ao agravo regimental intempestivamente interposto (fls. 110/112) e, posteriormente, ao próprio pedido de
reconsideração (fls. 116/118); b) ocorrência de grave lesão à economia pública, porquanto a liminar impugnada é genérica ao
determinar que o Estado forneça todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e pacientes renais
crônicos, impondo-lhe a entrega de "(...) medicamentos cujo fornecimento não compete ao Estado dentro do sistema que regulamenta
o serviço, (...)" (fl. 08). Nesse contexto, ressalta que ao Estado de Alagoas compete o fornecimento de medicamentos relacionados no
Programa de Medicamentos Excepcionais e de alto custo, em conformidade com a Lei n.° 8.080/90 e pela Portaria n.° 1.318 do
Ministério da Saúde. c) existência de grave lesão à ordem pública, vista aqui no âmbito da ordem jurídico-administrativa, porquanto o
fornecimento de medicamentos, além daqueles relacionados na Portaria n.° 1.318 do Ministério da Saúde e sem o necessário
cadastramento dos pacientes, inviabiliza a programação do Poder Público, o que compromete o adequado cumprimento do Programa
de fornecimento de medicamentos excepcionais. 2. O Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Barros Monteiro, ao afirmar
que a causa de pedir, na ação ordinária, ostenta índole constitucional, porque envolve a interpretação e aplicação dos arts. 23, inc. II e
198, inc. I da Constituição Federal negou seguimento ao pedido e determinou o envio dos presentes autos ao Supremo Tribunal
Federal (fls. 121/122). 3. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento do pedido (fls. 128/134). 4. Inicialmente,
reconheço que a controvérsia instaurada no mandado de segurança em apreço evidencia a existência de matéria constitucional:
alegação de ofensa aos arts. 23, inc. II e 198, inc. I da Constituição da República e aos princípios da dignidade da pessoa humana e da
solidariedade. Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar
questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme
jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Ministro Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl
497-AgR/RS, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS
2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004. 5. A Lei 8.437/92, em seu art. 4º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão de
execução de liminar para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Verifico estar devidamente
configurada a lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões como a ora
impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma
regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a
fim de atingir o maior número possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o
207
direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe
acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à
reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os
efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "(...) e outros medicamentos
necessários para o tratamento (...)" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde
básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela concedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem
observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da
Constituição Federal. Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl.
59). É que, conforme asseverou em suas razões, Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer
tratamento aos associados (fl. 59). É que, conforme asseverou em suas razões, "(...) a ação contempla medicamentos que estão fora
da Portaria n.° 1.318 e, portanto, não são da responsabilidade do Estado, mas do Município de Maceió, (...)" (fl. 07), razão pela qual
seu pedido é para que se suspenda a "(...) execução da antecipação de tutela, no que se refere aos medicamentos não constantes na
Portaria n.° 1.318 do Ministério da Saúde, ou subsidiariamente, restringindo a execução aos medicamentos especificamente indicados
na inicial, (...)" (fl. 11). 6. Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido para suspender a execução da antecipação de tutela, tão
somente para limitar a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos
contemplados na Portaria n.° 1.318 do Ministério da Saúde. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 26 de fevereiro de
2007. Ministra Ellen Gracie Presidente 1
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00023 INC-00002
ART-00196
ART-00198 INC-00001
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-008038 ANO-1990
ART-00025
LEI ORDINÁRIA
LEG-FED LEI-008080 ANO-1990
LEI ORDINÁRIA
LEG-FED LEI-008437 ANO-1992
ART-00004
LEI ORDINÁRIA
LEG-FED LEI-009494 ANO-1997
ART-00001
LEI ORDINÁRIA
LEG-FED PRT-001318 ANO-2002
PORTARIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - MS
LEG-FED RGI ANO-1980
ART-00297
****** RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
Observação
fim do documento
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<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(91.NUME.%20OU%2091.DM
S.)%20E%20S.PRES.&base=basePresidencia>. Acesso em: nov. 2007.
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ACÓRDÃO
Acordam as Desembargadoras integrantes da Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à
unanimidade, dar provimento aos recursos.
Participaram do julgamento, além da signatária, as eminentes Senhoras DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA
(PRESIDENTE E REVISORA) E DES.ª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS.
RELATÓRIO
MORGIANA GAVIOLI ajuizou ação objetivando compelir o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE
MARAU ao fornecimento gratuito de “IMUNOGLOBULINA HUMANA 12g ou ENDOBULIN”, para tratamento de “alteração imunológica com
conseqüente aborto de repetição”.
209
Ao relatório da r. sentença (fls. 160-169), do qual se parte, acrescenta-se que a ação foi julgada procedente, ao efeito de “CONDENAR
os réus (...) solidariamente a fornecer o medicamento imunoglobulina humana 12mg, na quantidade buscada na inicial e CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA DOS EFEITOS DA SENTENÇA, devendo os entes públicos comprovar o fornecimento do medicamento, no prazo de cinco dias, sob pena de
bloqueio de valores”. No capítulo acessório, dispôs: “Condeno os réus no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no valor de
R$ 1.000,00 face ao trabalho desenvolvido”.
Inconformados, os réus apelam.
O MUNICÍPIO DE MARAU argúi nulidade da sentença, relacionando-a com supressão da oportunidade de produzir provas,
especialmente pericial, a seu juízo, indispensável à demonstração da necessidade do produto, bem como da existência de fármacos similares
disponibilizados pela rede pública, e adequados ao tratamento. Ainda, reafirma sua ilegitimidade para a causa. Sucessivamente, torna a
controverter sua legitimidade para a causa, considerando, com fundamento na “Portaria 22/2003” e na “Lei Estadual nº 9.908/93”, que ao Estado
do Rio Grande do Sul incumbe a dispensação da droga postulada. Sustenta que o “fornecimento dos medicamentos, da forma como se apresentou,
provocará a utilização de verbas escassas, coloca em risco a saúde da comunidade, ofendendo o programa global”. Argumenta, por fim: “ante a carência de
recursos financeiros dos entes públicos como um todo, faz-se necessária a aplicação do Princípio da Reserva do Possível, no âmbito da análise, pelo Poder
Judiciário, dos Direitos e Garantias Fundamentais pleiteados”. Requer “fixação” de verba honorária “nos termos do art. 20, §4º, do CPC” (fls. 176-188).
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por sua vez, reedita preliminar de carência de ação, que situa na falta de interesse
de agir, extraída da possibilidade de atendimento do pedido na via administrativa. Insurge-se contra a ordem de “bloqueio de valores” em sua
conta bancária. Denuncia violação aos artigos 2º, 5º, II, 100, §§ 2º, 167, II, VII, VIII, e 168 da Constituição Federal e 461, §§ 4º e 5º, 461-A e
731 do CPC. Lembra que os bens públicos estão protegidos pela “inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade e impossibilidade de
oneração”. Controverte a condenação “a desembolsar valores a título de honorários advocatícios com profissionais de atividade privada, quando tem quadro
próprio remunerado para essa finalidade”, postulando a “redução do valor fixado pela sentença”. Transcreve precedentes (fls. 193-205).
A douta Procuradoria de Justiça emitiu parecer no sentido do parcial provimento do apelo do Estado e desprovimento do
recurso do Município (fls. 223-253).
É o relatório.
VOTOS
DA VALIDADE DA SENTENÇA
A despeito da pertinência entre os fatos a provar (necessidade do fármaco e existência de similares disponibilizados pela rede pública) e
aquele constitutivo do direito alegado pela autora (adequação da Imunoglobulina Humana ou Endobulin, para tratamento de alteração imunológica com
conseqüente aborto de repetição), não se vê relevância na elucidação desta questão para a solução de mérito da demanda, porquanto o diagnóstico da moléstia
e a indicação terapêutica do fármaco, amparados em prova técnica (fls.13 a 15), não foram controvertidos pelos réus. Ademais, a Imunoglobulina Humana está
listada no Anexo II da Portaria nº 2.577 do Ministério da Saúde, de 27 de outubro de 2006, entre os “IMUNOTERÁPICOS” de dispensação excepcional.
Destarte, a supressão da oportunidade de prova pericial, porque desnecessária471, apenas cumpriu a regra do art. 130 do CPC, não
incidindo em nenhuma ofensa a princípio ou regra constitucional ou infraconstitucional.
DO INTERESSE PROCESSUAL
O interesse de agir decorre da necessidade de acesso ao judiciário para obtenção do bem da vida, o qual não pressupõe
prévio recurso ou esgotamento da via administrativa.
A pertinência da obrigação, que o Município controverte no plano da legitimidade, diz com o mérito da causa, segundo
entendimento que se vitoriou no Col. Décimo Primeiro Grupo Cível da Corte local, e assim será examinada a seguir.
471
“Diante de um fato controvertido, o primeiro cuidado do julgador deve ser examinar sua pertinência; subseqüentemente,
sua relevância, se acaso admitido como pertinente; por último, a pertinência e a relevância não mais do fato em si mesmo, sim
da prova que sobre esse fato a parte pretende produzir. (...) O juízo sobre a pertinência não é de dificuldade apreciável. Para
esse fim, cumpre atentar-se na relação existente entre o fato a provar e os fatos constitutivos do pedido do autor ou da objeção
do réu (art. 333) ou representativos da exceção ou objeção do réu” (JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS. Comentários
ao CPC. 6ª ed. Rio: Forense, 3º vol., 1989, p. 496).
210
A Constituição Federal de 1988 consagrou, entre outros direitos sociais, o “relativo à saúde” (paralelamente aos direitos relativos à
previdência e à assistência social), consolidou o sentido da seguridade social (art. 194472), como um conjunto de ações (e, implicitamente, serviços), voltados à
promoção, proteção e recuperação deste direito, impondo ao poder público o correlato dever de garanti-lo através de políticas sociais e econômicas, a serem
implementadas com observância dos princípios da igualdade e da universalidade (art. 196473), através de um sistema público único, descentralizado e
hierarquizado (art. 23, II,474 e 198475).
Efetivamente, num país pobre, de dimensões continentais, a justa distribuição de recurso nesta, como em outras áreas, exige
planejamento técnico, que tenha em conta a economicidade das ações e o custo-benefício dos tratamentos, sob pena de prejuízo à assistência de um grande
contingente da população carente476.
Visando adequar a assistência farmacêutica a tais diretrizes, o Ministério da Saúde estabeleceu, através da Portaria nº
2.577, de 27 de outubro de 2006, parâmetros para seleção/aquisição/dispensação de medicamentos excepcionais; e da Portaria nº 2.475, de
13 de outubro de 2006, para aquisição/dispensação de medicamentos essenciais (definidos na Portaria 3.916/98 como “aqueles produtos
472
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes
objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos
trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”.
473
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
474
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e
assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”.
475
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde
recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos
de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos
recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades
regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União”.
476
“a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o
benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários.
... a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de
políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não situações
individualizadas.” (STF. Suspensão de Tutela Antecipada – STA 91/AL, relatora a Senhora Ministra ELLEN GRACIE, j. em
26.02.2007).
211
considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população, e compõem uma relação nacional de referência que servirá
de base para o direcionamento da produção farmacêutica e para o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como para definição de listas de
medicamentos essenciais nos âmbitos estadual e municipal, que deverão ser estabelecidas com apoio do gestor federal e segundo a situação epidemiológica
respectiva”).
No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, foram editadas a Lei Estadual nº 9.908, de 16 de junho de 1993 (que dispõe
sobre o fornecimento de medicamentos excepcionais para pessoas carentes e dá outras providências), o Decreto Estadual nº 35.056, de 07 de
janeiro de 1994 (regulamentando a Lei nº 9.908, de 16 de junho de 1993, que dispõe sobre o fornecimento de medicamentos e dá outras
providências), e a Portaria nº 238, de 17 de maio de 2006, da Secretaria da Saúde (que define medicamentos especiais a serem dispensados
pelo Estado).
A regra orçamentária das ações e serviços públicos de saúde encontra-se nos artigos 195 e 198, ambos da Constituição
Federal.
Outrossim, conforme deflui das disposições do Capítulo III da Lei nº 8.080/90, que regula a gestão financeira, os recursos
serão depositados em contas específicas e repassados para estados e municípios. Cada aparelhamento administrativo das diferentes
unidades terá responsabilidade pela correta gestão destes recursos.
Em resumo: a proclamada solidariedade, que presidiu a consolidação do sistema público único de saúde no plano
constitucional, não importa responsabilidade solidária total e permanente de todos os órgãos da cadeia hierarquizada. A cada gestor compete
um conjunto de ações e serviços de assistência e proteção à saúde no âmbito de sua atuação (Federal, Estadual ou Municipal).
DA IMPUTABILIDADE DA OBRIGAÇÃO
De acordo com esse entendimento, não pode prevalecer a condenação do Município ao fornecimento de “IMUNOGLOBULINA
HUMANA”, listada no Anexo II da Portaria nº 2.577, do Ministério da Saúde, de 27 de outubro de 2006 (entre os IMUNOTERÁPICOS, de dispensação
excepcional).
DA HIPOSSUFICIÊNCIA
Em relação ao Estado, o pleito da autora carece de outro requisito: prova da incapacidade para suportar os custos do tratamento.
Diante da afirmação de que é “sócia proprietária de renomada joalheria, além de sócia de não menos renomado curso de inglês
(CCAA)”, e proprietária de “automóvel, cujo valor de mercado supera R$ 30.000,00” (fls.75-76), a autora alegou que a “joalheria mencionada é de
propriedade de seu pai ... trabalha [ali] como funcionária ... é casada, e vem enfrentando sérios problemas financeiros no custeio do tratamento, que só está
sendo realizado graças à boa vontade de seus familiares ... a escola de idiomas constitui-se na principal fonte de renda da autora e seu marido ... não garante
rendimentos superiores a R$ 2.300,00 (valor de cada dose)”. Mas não apresentou o mínimo substrato probatório, indispensável a respaldar tais afirmações.
Imprestáveis, por óbvio, a esse efeito, os recibos de pro labore e salário, passados a “CASSIANO LONGO” e “MORGIANA GAVIOLI” por “COM. DE
MATERIAIS DIDATICOS”, relativos à “FOLHA MENSAL DE 30/06/2006” e “FOLHA MENSAL DE 31/05/2006”, respectivamente (fls.145-146).
E não há a mínima dúvida que o conjunto de ações e serviços mantido pelo SUS, em rede regionalizada e hierarquizada, visa assegurar
assistência à saúde daqueles que não dispõem de recursos próprios para esse fim, em conformidade com os princípios consagrados nos artigos 3º, inciso IV, e
196 da Constituição Federal, e artigo 7º, inciso IV da Lei nº 8.080/90.
DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Diante da solução final de mérito aqui proposta, ficam suprimidos os efeitos antecipados na r. sentença.
DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA
A presença de sinais indicativos de situação diversa da afirmada pela autora, para obtenção da gratuidade (fl.42)477, milita contra a
presunção conferida no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/50, impondo-se a revogação do benefício.
DA SUCUMBÊNCIA
Sucumbente, a autora suportará as custas do processo e honorários arbitrados em R$ 450,00 (quatrocentos e cinqüenta
reais), de acordo com a regra da eqüidade.
477
Trata-se daqueles sinais externos, que, segundo o conceito de GUASP, invocado por LORENA BACHMAIER, ‘estarían
constituidos por cualquier manifestación o muestras que sirva para indicar el estado y condición económica de una persona.’
(La Asistencia Jurídica Gratuita. Granda: Editorial Comares, 1997, p. 82).
212
DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA - Presidente - Apelação Cível nº 70019513431, Comarca de Marau: "DERAM PROVIMENTO.
UNÂNIME."
Agravo deeInstrumento
Apelação Reexame Necessário Nº 70012305041
70012870788
Apelação
Agravo deeInstrumento
Reexame Necessário Nº 70012221685
70012735452 Apelação Cível Nº 70014238901
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70012494134
70011509163 Apelação Cível Nº 70014129290
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70012437877
70013310297 Apelação Cível Nº 70013960331
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70013123286
70013298021 Agravo de Instrumento Nº 70013877576
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70013234612
70012923728 Agravo de Instrumento Nº 70013877139
Apelação e Reexame Necessário Nº 70012169256
70013144449 Agravo de Instrumento Nº 70013833140
Agravo de Instrumento Nº 70013057872
70013762695 Agravo de Instrumento Nº 70013731484
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70013326194
70013004585 Agravo de Instrumento Nº 70013643168
Apelação
Agravo deeInstrumento
Reexame Necessário Nº 70012323002
70012963781 Agravo de Instrumento Nº 70013550884
Apelação
Agravo deeInstrumento
Reexame Necessário Nº 70012318721
70012634341 Agravo de Instrumento Nº 70013506118
Apelação eCível
Reexame Necessário Nº 70011850385
70012494639 Agravo de Instrumento Nº 70013459185
Agravo de Instrumento Nº 70013393996
70012482840 Agravo de Instrumento Nº 70013384730
Agravo de Instrumento Nº 70012444337
70012991261 Agravo de Instrumento Nº 70014688071
Apelação Cível Nº 70012262200
70011905221 Agravo de Instrumento Nº 70014105381
Apelação eCível
Reexame Necessário Nº 70011317658
70012979225 Apelação Cível Nº 70014014849
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70012968863
70011262524 Apelação e Reexame Necessário Nº 70013678990
Apelação Cível Nº 70011196854
70012886313 Agravo Nº 70014365001
Apelação e Reexame Necessário Nº 70012873253
70011071982 Agravo Nº 70014198329
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70011842788
70012120598 Agravo Nº 70014142905
ReexamedeNecessário
Agravo Instrumento Nº 70011714300
70013447198 Agravo Nº 70014142889
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70013079439
70011541745 Agravo Nº 70014077515
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70012930426
70011392875 Agravo de Instrumento Nº 70014028286
Reexame Necessário
Apelação e Reexame Necessário Nº 70011835923
70011261583 Apelação Cível Nº 70014022883
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70010796720
70011244936 Apelação Cível Nº 70013975065
Apelação eCível
Reexame Necessário Nº 70011132545
70011752201 Agravo Nº 70013838339
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70011096765
70011117264 Mandado de Segurança Nº 70013970603
Apelação Necessário
Reexame e Reexame Necessário Nº 70011116597
70011035177 Apelação Cível Nº 70014158885
Apelação
Agravo deeInstrumento
Reexame Necessário Nº 70010963759
70010998839 Agravo de Instrumento Nº 70014476733
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70010980100
70010652998 Apelação Cível Nº 70014178404
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70010950848
70010593580 Apelação e Reexame Necessário Nº 70014542096
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70011647427
70010929719 Recurso Cível Nº 71000833939
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70010843639
70010889566 Agravo de Instrumento Nº 70014922587
Apelação Cível Nº 70010865517
70011893955 Agravo de Instrumento Nº 70014432769
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70010849701
70011705043 Agravo de Instrumento Nº 70014131346
Reexame Necessário
Apelação Cível Nº 70010849214
70011414711 Apelação Cível Nº 70014548754
Agravo deeInstrumento
Apelação Reexame Necessário Nº 70010848034
70011299922 Mandado de Segurança Nº 70013095393
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70010221091
70011244357 Agravo de Instrumento Nº 70014798359
Agravo deeInstrumento
Apelação Reexame Necessário Nº 70010194561
70011228277 Agravo de Instrumento Nº 70014226112
Agravo deNecessário
Reexame Instrumento Nº 70010834745
70010879013 Agravo de Instrumento Nº 70014190144
Apelação Necessário
Reexame Cível Nº 70011460441
70010823771 Agravo de Instrumento Nº 70014174999
Agravo de Instrumento Nº 70010813244
70010645489 Agravo de Instrumento Nº 70014118699
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70010759843
70011674801 Agravo de Instrumento Nº 70014081822
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70011560968
70010751147 Agravo de Instrumento Nº 70014060875
Apelação Cível
e Reexame Necessário Nº 70010737666
70011426921 Agravo de Instrumento Nº 70014057533
Apelação eCível
Reexame Necessário Nº 70011294774
70010726586 Agravo de Instrumento Nº 70014033955
Apelação
Agravo deCível
Instrumento Nº 70010825909
70010999258 Agravo de Instrumento Nº 70014030548
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70020955472
70020973004 Agravo de Instrumento Nº 70014029029,
Apelação e Reexame Necessário Nº 70020909677
70020715314 Agravo de Instrumento Nº 70014001762
Agravo deeInstrumento
Apelação Reexame Necessário Nº 70020870960
70021639562 Agravo de Instrumento Nº 70013978739
Agravo deeInstrumento
Apelação Reexame Necessário Nº 70020339966
70021621966 Agravo de Instrumento Nº 70013971502
Apelação eCível
Reexame Necessário Nº 70020285136
70021388988 Agravo de Instrumento Nº 70013958020
Agravo deNecessário
Reexame Instrumento Nº 70021273040
70021567730 Apelação Cível Nº 70014479570
Agravo deCível
Apelação Instrumento Nº 70021200027
70019159532 Apelação Cível Nº 70014476691
Apelação Cível Nº 70021174339 Agravo de Instrumento Nº 70014272173
Apelação Cível Nº 70021167218 Agravo de Instrumento Nº 70014175921
Apelação Cível Nº 70020991410 Agravo de Instrumento Nº 70014519318
Agravo de Instrumento Nº 70014187801
Agravo de Instrumento Nº 70014105837
220
AMM
Nº 70020524856
2007/Cível
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS. CID: K 21.0, I 10 E I 20.0. VERAPAMIL 80mg, CLORTALIDONA 50mg, OMEPRAZOL 20 mg e
SUSTRATE 10mg. DIREITO À SAUDE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. ART. 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IDOSO. LEI 10.741/2003. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
O art. 196, Constituição Federal, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo serem fornecidos
gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o seu tratamento de saúde.
Demonstrados os requisitos do art. 1º e 2º, da Lei Estadual nº 9.908/93, necessidade de uso continuado do medicamento
requerido, indispensável à vida da autora, assim como falta de condições financeiras para aquisição do fármaco.
Negaram provimento ao apelo. Unânime.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO (PRESIDENTE E REVISOR) E
DES. WELLINGTON PACHECO BARROS.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos autos da ação ordinária movida por OTILES GUEDES DOS
SANTOS, da sentença de fls. 89/96, que julgou procedente o pedido, para condenar o demandado a fornecer para a autora os medicamentos (Verapamil 89mg, Clortalidona
50mg, Omeprazol 20mg e Sustrate 10mg) que necessita para tratamento das patologias de CID K 21.0, I 10 e I.20.0. Sem condenação de custas e honorários advocatícios.
O demandado, em suas razões de apelo (fls. 100/105), aduz que a norma constante do art. 196, da Constituição Federal, não é auto-aplicável, não
havendo direito público subjetivo de a parte autora pretender obter gratuitamente determinado tratamento, tendo em vista que a norma constitucional é no sentido de que seja
propiciado o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Sustenta que ausente previsão orçamentária para custear as despesas médico-hospitalares da
autora, sob pena de violação ao disposto nos artigos 165, parágrafo único, e 167, I e IV, da Constituição Federal, uma vez que não há prévia autorização legislativa. Alega que
não pode o judiciário se imiscuir em tarefa típica do Executivo, impondo a destinação de recursos a situações individualizadas, abandonando os planos e metas
administrativas traçadas pelo Estado, uma vez que tal atitude implica em infringência ao art. 2º e 37, da Constituição Federal.
Com parecer pela Procuradoria de Justiça (fls. 123/132), no sentido de que seja negado provimento ao apelo, vieram os autos, conclusos, para
julgamento.
É o relatório.
225
VOTOS
Tem-se apelo da sentença de fls. 89/96, que julgou procedente o pedido, para condenar o demandado a fornecer para a autora os medicamentos
(Verapamil 89mg, Clortalidona 50mg, Omeprazol 20mg e Sustrate 10mg) que necessita para tratamento das patologias de CID K 21.0, I 10 e I.20.0. Sem condenação de
custas e honorários advocatícios.
O Estado alega, em suma, que o art. 196 da Constituição Federal é norma programática, não sendo possível a destinação de recursos para situações
individualizadas, uma vez que a garantia ao direito à saúde deve ser realizada mediante políticas sociais e econômicas, vinculadas a planos orçamentários prévios, ante à
ausência dos recursos previstos na Lei Estadual nº 9.908/03, não podendo, assim, o Poder Judiciário imiscuir-se nas tarefas típicas do Poder Executivo.
Resta evidenciado, do contido nos autos, que a autora é portadora de patologias codificadas respectivamente com CID: K 21.0, I 10 e I 20.0,
necessitando de uso contínuo dos fármacos Verapamil 89mg, Clortalidona 50mg, Omeprazol 20mg e Sustrate 10mg, nos termos da prescrição (fls. 14/13) exarada por médico
que atua no Serviço Ambulatorial, da Secretaria Municipal de Saúde, do Município de Restinga Seca, bem como conforme encaminhamento realizado pelo Serviço Social
daquele Município (fl. 17), não possuindo condições financeiras para a compra destes, conforme documento de fl. 10, que demonstra o recebimento de pensão mensal de R$
351,33, uma vez que o custo mensal para a aquisição de tais medicamentos importa em R$ R$ 46,00. Demonstrado, assim, os fatos constitutivos do seu direito (art. 333, I, do
CPC). Comprovada a necessidade do fornecimento da medicação postulada pela autora,
De outro lado, não há nos autos qualquer prova em contrário quanto aos fatos narrados e demonstrados pela demandante, não tendo, assim, o
demandado se desincumbido, a contento, do ônus imposto pelo art. 333, II, do CPC.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, dispõe sobre as garantias fundamentais, assegurando o direito à vida, em seu art. 6º, no que diz
respeito aos direitos sociais, garante o direito à saúde, sendo que em seu art. 196 estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, devendo sua
promoção ser realizada mediante políticas sociais e econômicas que busquem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços.
A Lei nº 8.080/90, em consonância com o preceito constitucional transcrito dispõe, em seus artigos 2º, 4º e 7º, que:
"Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem
à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e
igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação ..."
“Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de
Saúde (SUS). “
"Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema
Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos,individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; ..."
Depreende-se, da conjugação dos dispositivos constitucionais mencionados com a legislação infraconstitucional transcrita, que o Sistema Único de
Saúde - SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade.
Assim, estando devidamente comprovadas as doenças de que está acometida a requerente, a necessidade de uso contínuo dos fármacos Verapamil
89mg, Clortalidona 50mg, Omeprazol 20mg e Sustrate 10mg, para tratá-las, bem como a sua impossibilidade financeira para a aquisição deste, deve o medicamento ser
fornecido pelo Estado, a fim de que seja atendido um princípio maior, que é a garantia à vida digna, à qual é fundamental o direito à saúde.
Salienta-se,ainda, que a hipótese dos autos preenche os requisitos dos artigos 1º e 2º, da Lei Estadual nº 9.908/93, sendo que o fato de que
eventualmente os medicamentos descritos na inicial não estejam arrolados no Decreto 35.056/94, alterado pelo Decreto 35.220/94, que relaciona os medicamentos
excepcionais, não importa para o deslinde da causa, porquanto não se cuida de rol exaustivo, bem como por se estar frente ao direito à vida, garantido constitucionalmente.
226
Configurada a necessidade da autora ver atendida a sua pretensão, uma vez que legítima e constitucionalmente garantida, deve ser assegurado o
direito à saúde e, em última instância, à vida, uma vez que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Assim já se posicionou esta Câmara, conforme se infere das ementas que ora se transcreve:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA C/C TUTELA
ANTECIPADA. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DOENÇA DE ALZHEIMER EM ESTÁGIO
AVANÇADO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. GARANTIA CONSTITUCIONAL NA FORMA DO ART. 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. PRECEDENTES DO STF E DESTA CORTE. PRELIMINAR REJEITADA. PARCIAL
PROVIMENTO A APELAÇÃO. 1. Ilegitimidade Passiva ad causam. A União, Estado e Município são solidariamente
responsáveis pela prestação do direito à vida, que é obrigação do Estado, em abstrato, desimportando qual a esfera de
poder estatal que a realiza. Não-acolhimento. 2. Mérito. É consabido que a Saúde Pública é obrigação do Estado em
abstrato, desimportando qual a esfera de poder que, efetivamente, a cumpre, pois a sociedade que contribui e tudo paga,
indistintamente, ao ente público que lhe exige tributos cada vez mais crescentes, em todas e quaisquer esferas de poder
estatal, sem que a cada qual seja especificada a destinação desses recursos. Nesse contexto, o direito à vida e o direito à
saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo ¿primado supera restrições legais¿. Não
provimento. 3. Honorários Advocatícios à conta do Estado do Rio Grande do Sul. É de ser reduzida a verba honorária,
consoante posicionamento reiterado deste Órgão recursal. Provimento. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70017752668, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Wellington Pacheco Barros, Julgado em 21/03/2007)
Não há falar em ausência de previsão orçamentária, mero quadro organizatório, e de valor constitucional de menor densidade em comparação com o
direito a saúde, objeto da presente demanda.
Não há nos autos prova da impossibilidade financeira do demandado em fornecerem o medicamento pretendido pela autora, sendo que o art. 1°, da
Lei Estadual 9.908/93 assegura o direito da apelada, que logrou provar os requisitos da Lei Estadual, que dizem com a incapacidade financeira, necessidade do medicamento
e continuidade do uso
Mostra-se aplicável ao caso dos autos o princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), sem que haja qualquer violação ao princípio
da independência dos Poderes (art. 2° da Constituição Federal), tendo em vista que os recursos para o custeio do medicamento fornecidos, nos termos do art. 5° da Lei
9.908/93, correrão por conta dos recursos destinados no inciso IV, do artigo 2º, da Lei 9.828/93 (revogado pelo art. 13 da Lei 10.529/95), não havendo, assim, violação ao
disposto no art. 167 e 168, da Constituição Federal,
Há que se ter presente, ainda, que o art. 24, IV, da Lei 8.666/93, dispensa licitação em casos de urgência e do comprometimento à segurança das
pessoas, como é o caso dos autos.
No sentido de que desnecessidade de prévia dotação orçamentária para o fornecimento de medicamento essencial à vida, já decidiu esta Corte, em
especial às Câmara que compõe 2º Grupo Cível deste Tribunal, v.g.:
DETERMINAÇÃO LEGAL (...). Apelo parcialmente provido.” (Apelação Cível Nº 70019487123, Quarta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 20/06/2007)
O direito da autora está fulcrado em preceitos constitucionais, na Lei federal nº 8.080/90 e na Lei estadual nº 9.908/93, sendo irrelevante que se traga
à baila discussão acerca de verbas ou de previsão orçamentária, tendo em vista que a saúde e a vida se constituem a fonte fundamental e primeira de todos os outros bens
jurídicos, sendo obrigação do Poder Público assegurar sua realização, não podendo ser invocada a vontade da Administração Pública no sentido de promover a efetiva e
suficiente previsão orçamentária para o atendimento de deveres constitucionais
Também não há violação ao princípio da independência dos poderes, ante o dever que tem a autoridade judiciária de reparar uma lesão de direito (art.
5º, XXXVI da Constituição Federal). A impossibilidade de ser postergado o dever constitucional de assegurar a saúde (CF, art. 196) e a impossibilidade de dispensar
assistência aos desamparados constituem fatores, que, associados à solidariedade humana, enfraquecem e desmerecem os obstáculos levantados pelo Estado do Rio
Grande do Sul.
Ademais, a possibilidade de o Judiciário intervir na esfera da Administração, já foi objeto de análise pelo STF, conforme se infere da decisão proferida
nos autos do AI nº. 570455/RS, da relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, julgamento em 1º/02/2006, DJ de 15/02/2006, p. 00111, a seguir transcrita, em parte:
“... Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da lei Fundamental do Estado,
consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de
solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa
organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional autoriza o acolhimento do pleito
recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência
do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a
inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria
Constituição da República (art. 5º, ‘caput’ e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem
ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Cumpre não
perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais
e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter
programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem,
no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, ‘Comentários à Constituição
de 1988’, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode converter-se em promessa constitucional
228
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao
que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à
saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de
saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que
os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a
eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento
governamental desviante...”
Há que se ter presente, ainda, que incide, na hipótese dos autos, a Lei 10.741/2003, tendo em vista que a autora possui mais de 60 ano de idade,
demandando especial atenção. Sendo que a referida Lei, dispõe em seu art. 15, § 2º, que incumbe “ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos,
especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”.
DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO - Presidente - Apelação Cível nº 70020524856, Comarca de Restinga Seca: "NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
ACÓRDÃO
Acordam os Magistrados integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade,
em dar provimento ao agravo de instrumento .
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. MARCO AURÉLIO HEINZ (PRESIDENTE)
E DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO.
RELATÓRIO
DR. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK (RELATOR) - Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, manejado por
SÉRGIO LUIZ DE SOUZA, em face da decisão que indeferiu a antecipação de tutela pleiteada por ele.
Sustentou o agravante que: (1) é portador de ruptura meniscal do joelho direito, sofrendo fortes dores; (2) procurou a
secretaria Municipal de Saúde de Cachoeirinha e que foi encaminhado para Porto Alegre em 05/02/2002 e até o presente momento nada foi
feito e, (3) o Departamento Médico Judiciário apenas analisou os documentos acostados aos autos, sem sequer examinar o agravante.
Requereu a concessão do efeito suspensivo e o provimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
DR. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK (RELATOR) - Conheço do recurso, uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade.
Efetivamente, não pode o agravante aguardar todos os entraves burocráticos para ter seu pedido atendido na via
administrativa, na medida em que seu estado de saúde precisa de proteção imediata, que até pode não lhe ter sido negado
administrativamente, mas pelo perigo da demora e frente ao descaso, poderá lhe causar danos irreversíveis, sendo de considerar-se que o
Município de Cachoeirinha encaminhou o agravante para tratamento médico, junto a Clínica Sultrauma, em 05/02/2002, tendo sido dito-lhe
então, que aguardasse vaga para a realização da artroscopia, estando no aguardo desde então, num período que já vai para três anos,
sofrendo dores e correndo risco de ter a saúde agravada.
Por outro lado, ainda que se considere que a cirurgia não era de urgência, certamente é indispensável para a recuperação
230
da saúde do recorrente, que não pode ter o seu atendimento relegado para as calendas gregas.
Ocorre que a obrigação do Estado é depreendida do art. 198 e art. 196 da Constituição Federal e do art. 1º da Lei
9.908/93, que reza:
“Art. 1º - O estado deve fornecer, de forma gratuita, mediamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as
despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua
família.
Parágrafo único – Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma
permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente.
Tenho como irrefutável a obrigatoriedade do Estado pelo atendimento dessa política na área da saúde pública, alcançando
aos carentes aquela medicação excepcional e de difícil acesso a quem não pode adquiri-la, já que, existe no caso em tela a necessidade de se
correr contra o tempo.
Ainda no mesmo sentido, RE nº 264.269-0, 1ª Turma do STF, Rel. Min. Moreira Alves, decisão de 11.04.2000, conforme a seguir
transcrita:
-Recurso Extraordinário. Doente portador do vírus HIV. Lei 9.908/93 do Estado do Rio Grande do Sul.
“ADMINISTRATIVO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DOENTE PORTADORA DO VÍRUS HIV, CARENTE DE
RECURSOS INDISPENSÁVEIS A AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS DE QUE NECESSITA PARA SEU TRATAMENTO.
OBRIGAÇÃO IMPOSTA PELO ACÓRDÃO DO ESTADO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, I, E 196 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio Grande do
Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a
pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados.
Recurso não conhecido.
Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido.
Recurso extraordinário não conhecido.
Em face de tal situação, fica clara a responsabilidade do Estado e do Município de Cachoeirinha em arcar com os meios
necessários para garantir saúde aos seus cidadãos, já que este é um direito fundamental, garantido no art. 2º da Carta Magna.
Agravo de instrumento nº 70009343013, de porto Alegre - Conheceram do agravo de instrumento e deram-lhe provimento. Unânime.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL diante da
decisão lançada nos autos da ação que lhe move NEUZA CAMBOIM DA SILVA, que deferiu pedido de tutela
antecipada concernente ao fornecimento de medicação especial (INTERFERON PEGUILADO) à agravada (fl. 29).
Em suas razões, sustentou que não há estudos científicos dando conta da eficácia do
tratamento pretendido pela agravada, fornecimento de medicamentos pela Administração que não pode ser
indiscriminado. Asseverou que um dos requisitos à prescrição da droga postulada é a presença do vírus da
Hepatite “C” do genótipo 1, conforme normas do Ministério da Saúde, não sendo esse o caso da agravada.
Assinalou, por fim, que o pedido veio instruído por receita médica particular, que não pode prevalecer
frente às manifestações dos técnicos em saúde do Poder Público. Propugnou fosse agregado efeito suspensivo
ao recurso e seu final provimento, cassando-se a decisão interlocutória vergastada.
Após a resposta da agravada (fls. 45-48), os autos foram com vista ao Procurador de
Justiça, seu parecer pelo conhecimento e improvimento do agravo (fls. 50-3).
É o relatório.
VOTO
Ressalto, inicialmente, que a agravada é portadora de “Hepatite Crônica, pelo vírus “C” -
HCV, de genótipo 2”, conforme faz certo o relatório médico do Dr. Hugo Cheinquer, acostado na fl. 17 dos
autos, necessitando do medicamento Interferon Peguilado, tratamento que não está a seu alcance em função
da sua situação financeira (fls. 23-4).
Dito isso, lembro que se lida com direito fundamental na espécie, corretamente tutelado na
Carta Política da República como superdireito (art. 196) que se sobrepõe a qualquer outro, consoante
decidiu o egrégio Tribunal de Justiça, no REsp nº 127.604-RS, atribuída a sua responsabilidade
genericamente ao Estado, assim compreendidas as pessoas jurídicas de direito público dos três níveis em
que a Federação está organizada. De outro lado, o texto constitucional, ao falar genericamente em Estado,
tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos
orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados (art. 198, parágrafo único, da CF-88),
regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de
descentralizar e garantir sua efetividade.
De outro lado, não é no agravo de instrumento que o relatório fornecido pelo Dr. Cheinquer
vai ser discutido. Aquele profissional é bastante conhecido e sua qualificação não foi posta em dúvida em
momento algum pelo agravante. Se receitou a medicação, dizendo-a adequada ao caso da agravada, mesmo não
sendo o vírus correspondente ao genótipo 1, não é o Poder Judiciário, sem prova robusta em sentido
contrário, que vai desconsiderar o que foi dito com tamanha clareza (fl. 17).
De qualquer forma, cumpre realçar novamente que está na legislação um conjunto de regras
que asseguram ao indivíduo o acesso aos mecanismos de prevenção, proteção e defesa da saúde, sob
responsabilidade do Estado. Exatamente por isso é que foi concedida a tutela antecipada e negado o efeito
suspensivo preconizado pelo agravante, sendo de se destacar os quatro argumentos centrais que sempre são
examinados nos casos que aqui chegam, pois o Estado deve mesmo fornecer a medicação, a uma, porque assumiu
deliberadamente o encargo por sua legislação, não podendo simples decreto contrariar o texto expresso da
Lei-RS nº 9.908/93, de 16JUN93, devendo ser buscadas outras fontes de custeio, pois os recursos retirados
por força da Lei-RS nº 10.529/95 não são empecilho para o integral cumprimento da obrigação posta na lei;
a duas, porque a sua responsabilidade decorre das relações jurídicas de direito público regularmente
mantidas com os pacientes portadores de graves moléstias, que necessitam de medicação e não tem recursos
para adquiri-la, tudo como aconteceu no caso concreto; a três, porque na hipótese se dispensa licitação
(art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93); e, a quatro, porque não há ofensa alguma ao princípio da separação dos
poderes, mas antes imposição do cumprimento de dever que os entes públicos insistem em desatender.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da
decisão de fls. 45-6, que deferiu a antecipação de tutela ao efeito de determinar o fornecimento dos
medicamentos Interferon Peguilado e Ribavirina, pleiteados nos autos ação movida por ANTÔNIO CARLOS
CARVALHO.
Nas razões, o agravante argüiu que a decisão objurgada não considerou a norma médica-
técnica, ou seja, a Portaria nº 863/02, ao deferir o medicamento Interferon Peguilado, cuja eficácia não é
comprovadamente melhor do que a do Interferon tradicional, fornecido pelo Estado. Afirmou que a referida
portaria resulta de consenso científico acerca do uso do medicamento requerido em pacientes com hepatite
viral inicial, e por isso o indeferimento do pleito na via administrativa. Acrescentou ainda, que o
Interferon Peguilado, ao contrário do Interferon convencional, possuiu efeito colaterais que não
justificam sua utilização indiscriminada.
É o relatório.
VOTO
Recordo que se trata de agravo de instrumento manejado pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em
face da decisão de fls. 45-6, que deferiu a tutela antecipada para determinar o fornecimento dos
medicamentos Interferon Peguilado e Ribavarina ao agravado ANTÔNIO CARLOS CARVALHO, portador do vírus da
Hepatite C e também da AIDS.
Digo isso, porque a condição de saúde do agravado impõe a concessão da tutela antecipada.
Antônio Carlos Carvalho é portador do vírus HIV, o que já torna seu estado de saúde delicado. Após,
descobriu-se portador do vírus da Hepatite C, vindo a utilizar os medicamentos Interferon Alfa
Recombinante e Ribaverina, não logrando sucesso nos resultados da terapia. Foi-lhe prescrito assim, o uso
do Interferon Peguilado como única opção para evitar o agravamento da doença (Hepatite C).
Além disso, o agravado afirmou na inicial que não possuiu condições de arcar com os custos
da medicação, fato não contestado pelo agravante.
Dito isso, lembro que se lida com direito fundamental na espécie, corretamente tutelado na
Carta Política da República como superdireito (art. 196) que se sobrepõe a qualquer outro, consoante
decidiu o egrégio Tribunal de Justiça, no REsp nº 127.604-RS, atribuída a sua responsabilidade
genericamente ao Estado, assim compreendidas as pessoas jurídicas de direito público dos três níveis em
que a Federação está organizada. De outro lado, o texto constitucional, ao falar genericamente em Estado,
tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos
orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados (art. 198, parágrafo único, da CF-88),
regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de
descentralizar e garantir sua efetividade.
Outrossim, não há que acolher o argumento do agravante quanto a Portaria nº 863/2002, que
define os casos em que deve ser utilizado o Interferon Peguilado. Ainda que os estudos médicos realizados
para a conclusão da mencionada pesquisa pública acerca da utilização do medicamento sejam científicos, não
há que se afastar a análise do caso particular, confiando-se o tratamento do paciente ao médico
responsável pelo tratamento do agravado. Conforme afirmado na inicial, o paciente não logrou êxito
utilizando o Interferon tradicional, sendo-lhe indicado o uso do medicamento Interferon Peguilado,
situação que não pode ser ignorada ante a norma genérica. Os efeitos colaterais e a eficácia do
medicamento requerido são de responsabilidade do médico que subscreveu a medicação, não cabendo ao Poder
Judiciário arcar com o peso desta decisão.
Reforço a tese, consubstanciada na Jurisprudência desta Corte que assim vem decidindo em
casos idênticos:
De qualquer forma, cumpre realçar novamente que está na legislação um conjunto de regras
que asseguram ao indivíduo o acesso aos mecanismos de prevenção, proteção e defesa da saúde, sob
responsabilidade do Estado. Exatamente por isso é que foi concedida a tutela antecipada e negado o efeito
suspensivo preconizado pelo agravante, sendo de se destacar os quatro argumentos centrais que sempre são
examinados nos casos que aqui chegam, pois o Estado deve mesmo fornecer a medicação, a uma, porque assumiu
deliberadamente o encargo por sua legislação, não podendo simples decreto contrariar o texto expresso da
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Lei-RS nº 9.908/93, de 16JUN93, devendo ser buscadas outras fontes de custeio, pois os recursos retirados
por força da Lei-RS nº 10.529/95 não são empecilho para o integral cumprimento da obrigação posta na lei;
a duas, porque a sua responsabilidade decorre das relações jurídicas de direito público regularmente
mantidas com os pacientes portadores de graves moléstias, que necessitam de medicação e não tem recursos
para adquiri-la, tudo como aconteceu no caso concreto; a três, porque na hipótese se dispensa licitação
(art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93); e, a quatro, porque não há ofensa alguma ao princípio da separação dos
poderes, mas antes imposição do cumprimento de dever que os entes públicos insistem em desatender.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Ação civil pública proposta pelo MINISTÉRI PÚBLICO em favor de PALOMA, menor, representada por sua mãe, ROSÂNGELA.
A sentença condenou o ESTADO ao fornecimento de um par de próteses auditivas no prazo de 30 dias.
Apela o ESTADO. Alega: a) preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público por se tratar de direito individual; b) a impossibilidade financeira do
ESTADO para suprir a necessidade; c) que a decisão interfere na esfera administrativa do Poder Executivo e; d) que a apelada já efetuou o pedido pela via
administrativo não havendo necessidade de buscar as vias judiciais.
Pede o provimento do agravo retido para declarar a ilegitimidade do Ministério Público e o provimento do apelo para julgar improcedente a ação.
O Ministério Público neste grau de jurisdição manifestou-se pelo improvimento de ambos os recursos.
É o relatório.
VOTOS
O AGRAVO RETIDO
Legitimidade Ativa.
A orientação dessa Corte é tranqüila no sentido do Ministério Público ter legitimidade ativa para postular direito de criança
e/ou adolescente. São exemplos os julgados nº 70010049690, 70009491218, 70002062057.
A APELAÇÃO
237
Pedido Administrativo
A alegação do apelante de que já foi formulado pedido administrativo está ligada à possível carência de ação por ausência
de interesse processual.
Mas não lhe assiste razão. Um dos princípios que regem a jurisdição é o da inafastabilidade do controle jurisdicional,
assegurado pelo inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição da República.
Por este princípio se garante ao cidadão o acesso à Justiça independentemente de prévio esgotamento, ou provocação, da
via administrativa, somente exigível na hipótese do § 1º, do artigo 217, da Constituição da República, e em causas de índole previdenciária, por
orientação jurisprudencial.
Convém salientar que o Judiciário não é insensível aos graves e agudos problemas financeiros por que passam os entes
federativos, notadamente na tarefa executiva, de administrar e gerir os recursos públicos.
Contudo, não cabe ao Judiciário discutir a implementação ou não de políticas públicas, ou impor programas políticos, ou
direcionar recursos financeiros para estes ou aqueles fins por ele determinados.
Entretanto, ao Judiciário cabe dar efetividade à lei. Ou seja, se a lei não for observada, ou for desrespeitada pelo poderes
públicos, o Judiciário é chamado a intervir e dar resposta efetiva às pretensões das partes.
Note-se, da mesma forma que o sistema constitucional brasileiro veda a ingerência absoluta do Judiciário nos assuntos
legislativos e nos executivos, veda também, através do próprio ordenamento processual civil, que o Judiciário se esquive de julgar (vedação ao
non liquet, previsto no artigo 126 do Código de Processo Civil, cabendo “aplicar as normas legais”).
No caso concreto, há desrespeito da Administração em cumprir a Lei n.º 8.069/90 e a Constituição da República. E é por
isso que o Judiciário é provocado a decidir, para fazer cumprir a lei que se alega desrespeitada.
Direito à Saúde
PALOMA tem atuaLmente 08 anos. É portadora de deficiência auditiva severa. A enfermidade compromete seu
desenvolvimento e está devidamente comprovada pelos atestados médicos de fls. 27/34 e 148/157.
Os pais de PALOMA não têm condições econômicas para adquirir o aparelho, pois tem renda familiar por volta de R$
560,00 (fl. 19). O valor do aparelho está em torno de R$ 4.600,00.
Logo, tanto a necessidade no fornecimento do aparelho quanto a impossibilidade da autora de adquiri-lo está devidamente
comprovada.
Contudo, nesse particular, a jurisprudência dessa Corte é no sentido de aplicabilidade plena das normas constitucionais
que tratam do direito à saúde. São exemplos os julgados 70011124328 e 70010483238.
A saúde é direito social e, portanto, seu atendimento pelo Poder Público firma o interesse público da ação. Ou seja, não se
trata de direito individual, mas de direito público, social, ainda que o beneficiário seja o indivíduo.
É tamanha a garantia do direito à saúde na ordem constitucional, que o não atendimento a aplicação orçamentária na área
da saúde dá ensejo à intervenção federal ou estadual, respectivamente, consoante letra “e”, inciso VII, do artigo 34, e inciso III, do artigo 35 da
Constituição da República:
E é a própria Constituição da República, no artigo 227, que lança a prioridade devida à criança e ao adolescente, a qual é
esmiuçada pela legislação infraconstitucional, por intermédio a Lei n.º 8.069/90:
Logo, na esteira da Constituição da República vem o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), que deixa
explícita a especificidade e prioridade do direito à saúde em relação à criança e o adolescente.
Nesse passo, cabe ao Estado, na administração dos seus recursos, atender da melhor maneira possível ás necessidades
na área da saúde. Por tal razão, é completamente infundada a alegação de inexistência de previsão orçamentária para o atendimento á
necessidade da menina.
Em processos como o presente temos presenciado situações que se repetem desnecessariamente. Estou me referindo ao
fato de o Estado sempre opor embargos de declaração após a decisão do recurso.
Por isso, para evitar o pedido embargatório com a finalidade única de pré-questionamento, declaro desde logo que a
presente decisão não está negando vigência aos artigos 2º; 5º, II; 100, §§ 2º e 5º; 167, II e VII; e 168, todos da Constituição da República; e
aos artigos 461, 461-A, 730 e 731, todos do CPC.
238
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - Presidente - Apelação Cível nº 70016386815, Comarca de Panambi: "NEGARAM PROVIMENTO A
AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME."
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
1. Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto pelo MUNICÍPIO DE CANELA nos autos
da ação de rito ordinário com vistas ao fornecimento de medicamento que lhe move ORACINA ROSA DOS SANTOS, em face da decisão de
fl. 83 que rejeitou as preliminares de ilegitimidade passiva e chamamento ao processo do Estado do Rio Grande do Sul, por já ter havido
decisão do Tribunal de Justiça a respeito.
Alegou o agravante, que o julgamento referido pelo Juízo a quo diz respeito ao agravo de instrumento interposto contra a
decisão que deferiu a antecipação de tutela, que nada tem a ver com preliminares suscitadas posteriormente na contestação relativas à
ilegitimidade ativa, passiva e necessidade de chamamento do Estado ao processo. Neste sentido, sustentou a nulidade da decisão recorrida
por não ter se manifestado quanto à preliminar de ilegitimidade ativa, a qual entende restar caracterizada nos autos, tendo em vista que a
agravada instruiu a inicial com receita prescrita por médico particular, contrariamente ao que dispõe o artigo 4º da Lei nº 8.080/90. Asseverou,
em razão do que dispõe o artigo 196 da CF, art. 77do CPC e a Lei nº 8.080/90 (art. 15), que o Estado também deve figurar no pólo passivo da
demanda, porque é co-responsável solidário do Município na prestação dos serviços de proteção à saúde, principalmente quando o
medicamento requerido for complexo e não está presente na lista de medicamentos de competência do Município. Ressaltou que determinar
ao agravante o fornecimento da medicação de que necessita a agravada, viola o princípio da legalidade e onera as finanças municipais.
Postulou o provimento do recurso.
É o relatório.
2. Primeiramente, não merece ser conhecida a irresignação relativa à ilegitimidade ativa, porquanto, não havendo
manifestação do Magistrado a quo a respeito, deveria o agravante ter se utilizado do recurso cabível (embargos de declaração) no prazo de lei,
sendo descabida sua análise em sede de agravo de instrumento, sob pena de indevida supressão de um grau de jurisdição.
Quanto à invocada ilegitimidade passiva e chamamento do Estado ao processo merece ser confirmada a decisão recorrida,
porquanto, embora o agravo de instrumento nº 70017485442 tenha sido interposto contra decisão que indeferiu a antecipação de tutela
pleiteada para determinar ao agravante o fornecimento do medicamento Manivasc 10mg, o fundamento daquela irresignação foi exatamente a
ausência de responsabilidade do Município para o fornecimento medicamento que não faz parte da gestão básica de atendimento à saúde de
sua responsabilidade, o que equivale à pretensão de ver reconhecida sua ilegitimidade passiva, ora em apreço. Desta forma, com o julgamento
do agravo de instrumento nº 70017485442 operou-se a preclusão a respeito de tal matéria e, inclusive, sobre o pedido de chamamento ao
240
processo do Estado, porque aquela decisão foi suficientemente clara ao referir que “a responsabilidade para cuidar da saúde e da assistência
pública é compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios (CF, art. 23, II), sendo o sistema de saúde, instituído pelo SUS,
administrado sob a forma de co-gestão, portanto, nada impede que o cidadão exija o cumprimento da obrigação de qualquer dos entes
públicos. Ademais, a responsabilidade pela saúde pública, imposta pela Constituição Federal, é uma obrigação do Poder Público, qualquer que
seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira (AgRg no RE 259.508-0-RS, 2ª Turma, STF, RT
788/194), assim, no caso, tanto cabe ao Estado como ao Município, indistintamente o fornecimento do medicamento solicitado, não se fazendo
necessário acionar ou chamar ao processo os demais entes, bastando que se acione um deles”.
Diante do exposto, na forma do artigo 557, caput, do CPC, conheço em parte do recurso e, nesta, nego provimento.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO (DIREITO À SAÚDE). AÇÃO ORDINÁRIA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA.
1. A promoção da saúde constitui-se em dever do Estado, em todas as suas esferas de Poder, caracterizando-se a
solidariedade entre União, Estados e Municípios. Exegese dos arts. 5º, XXXV e 196, ambos da Constituição Federal.
Precedentes desta Corte.
2. Comprovadas a enfermidade e a necessidade do tratamento médico, bem como a insuficiência financeira do
postulante a arcar com tal despesa, sem prejuízo do próprio sustento, é de ser acolhida a pretensão.
PRELIMINAR REJEITADA. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME
NECESSÁRIO.
ACÓRDÃO
Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em
rejeitar as preliminares, negar provimento à apelação e confirmar a sentença em reexame necessário.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO DE TARSO VIEIRA
SANSEVERINO (PRESIDENTE) E DR. MÁRIO CRESPO BRUM.
RELATÓRIO
Trata-se de Reexame Necessário e Apelação Cível interposta pelo MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, em face da sentença
que julgou procedente a ação ordinária manejada por ALEXANDRE JUNIOR BOTONE, em que o demandante postulava a condenação do
requerido ao fornecimento dos medicamentos INSULINA GLARGINA (LANTUS) e NOVORAPID, bem como das canetas e agulhas para a
aplicação do fármaco, de utilização de forma contínua e permanente. Por fim, condenou o réu ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Em suas razões de apelação (fls. 141/153), o Município de Caxias do Sul argüiu a sua ilegitimidade passiva para figurar no
feito, referindo que o medicamento pleiteado é fornecido pelo Estado. No mérito, destacou que o Município possui prioridades que se
242
constituem na assistência de um numero expressivo de pessoas e não apenas de casos isolados que consomem a verba que seria destinada
para toda comunidade.
Subiram os autos.
Em Parecer Ministerial (fls. 167/181), o Procurador de Justiça, Dr. Luiz Fernando Calil de Freitas, opinou pelo
desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTOS
Avaliados, preliminarmente, os pressupostos processuais subjetivos e objetivos da pretensão deduzida pelo apelante,
tenho-os como regularmente constituídos, bem como os atinentes à constituição regular do feito até aqui, conhecendo do recurso em termos
de propriedade e tempestividade.
I. Da legitimidade passiva:
Em primeiro plano, não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam do Município de Caxias do Sul.
Consoante determina o artigo 196, da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, em todas as
esferas de governo, cumprindo igualmente à União, aos Estados e aos Municípios, de forma solidária, a elaboração de políticas públicas
voltadas a sua promoção e preservação.
Desta forma a jurisprudência desta Corte:
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO À PACIENTE IDOSO QUE PADECE
DE SEQÜELA DE AVC ISQUÊMICO E TRAQUEOSTORNIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO DE
PASSO FUNDO E DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. FALTA DE INTERSSE DE AGIR ARGÜIDA PELO
MUNICÍPIO AFASTADA. DESACOLHIMENTO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADAS
PELOS ENTES PÚBLICOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FADEP. IMPOSSIBILIDADE QUANTO AO ESTADO. 1.
Direito à saúde que detém proteção especial na Carta Política. Responsabilidade solidária de todos os entes
gestores do SUS em nível nacional, regional e municipal. Pretensão que pode ser deduzida contra qualquer deles.
Fontes de custeio e questões orçamentárias e fiscais que não devem embaraçar o direito à vida e saúde. (...)
NEGARAM PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO AUTOR E DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E DERAM PARCIAL
PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MUNICÍPIO (Apelação Cível n. 70011615390, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Nelson
Antonio Monteiro Pacheco, j. 04.08.2005).
De igual sorte: Apelação Cível n. 70012292587, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j.
25.08.2005; Apelação e Reexame Necessário n. 70011852548, 22ª Câmara Cível, Rel. Desa. Rejane Maria Dias de Castro Bins, j. 25.08.2005;
e Agravo de Instrumento n. 70012092680, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, j. 24.08.2005.
A Constituição Federal, em seus artigos 6º e 196, dispõe:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
O conceito a saúde é amplo, assim considerados, desde o atendimento médico, hospitalar e cirúrgico, até o fornecimento
de medicamentos ou similares, sendo indispensável, no entanto, que sejam necessários à manutenção ou recuperação da saúde e vida do
postulante.
De outra parte, no que diz respeito às alegações do apelante no sentido da necessidade de denunciação da lide do Estado
do Rio Grande do Sul, tenho que melhor sorte não lhe socorre.
Veja-se que mesmo sendo incidente o artigo 77, III, do CPC à espécie, entendo que tal proceder neste momento
processual somente retardaria a solução da lide, bem como o alcance do bem pretendido, qual seja, a saúde da postulante.
243
Ademais, conforme já referido acima, a responsabilidade entre os entes públicos é solidária, podendo o credor escolher
contra quem demandar, garantido, contudo, eventual direito de regresso contra os demais entes devedores solidários.
Ademais, entendo que se faz necessário o exame a respeito do dever dos entes públicos em fornecer os meios
necessários para manutenção da saúde de seus administrados, razão pela qual passo a tecer considerações sobre o tema.
478
Neste sentido ver o texto de HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991, pág. 39.
244
Justifica-se tal postura em face de que a saúde como condição de possibilidade da dignidade da pessoa humana, em verdade, passa a
constituir o que chamo de indicador constitucional parametrizante do mínimo existencial479, porque se afigura como uma das condições indispensáveis à
construção de uma Sociedade livre, justa e solidária; à garantia o desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da marginalização, bem como à
redução das desigualdades sociais e regionais; à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Na verdade, estes postulados estão dispersos ao longo de todo o Texto Político, consubstanciando-se nos direitos e garantias
fundamentais, individuais e coletivos, nos direitos sociais, nos direitos à educação, à saúde, à previdência, etc. Por sua vez, os Poderes Estatais e a própria
Sociedade Civil (através da cidadania ou mesmo de representações institucionais dela) estão vinculados a estes indicadores norteadores da República, eis que
eles vinculam todos os atos praticados pelos agentes públicos e pela comunidade, no sentido de vê-los comprometidos efetivamente com a implementação
daquelas garantias.
Se isto é verdade, quero sustentar que qualquer política pública no Brasil tem como função nuclear a de servir como esfera de
intermediação entre o sistema jurídico constitucional (e infraconstitucional) e o mundo da vida Republicano, Democrático e Social que se pretende instituir no
país. Em outras palavras, é através de ações estatais absolutamente vinculadas/comprometidas com os indicadores parametrizantes de mínimo existencial
previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a
Sociedade Real no Brasil.480
Isto me leva a crer na existência daquilo que vou chamar de políticas públicas constitucionais vinculantes, aqui entendidas como aquelas
ações que o Texto Político atribui aos Poderes Estatais como efetivadoras de direitos e garantias fundamentais, e todas as decorrentes delas, haja vista os níveis
compartidos de responsabilidades entre as entidades federativas brasileiras e a cidadania envolvendo a matéria. Considerando ainda crer, no particular, não
existirem normas constitucionais despossuidas de concreção no sistema jurídico pátrio481, resulta claro que a responsabilidade de que estamos falando aqui é,
diferenciadamente, pró-ativa dos poderes instituídos, merecendo imediata implementação.
No caso concreto, é a vida humana que está periclitando em termos de seu mínimo existencial (mantença da saúde),
razão pela qual se impõe medidas de eficácia objetiva a resguardar e promover tal interesse público indisponível, tal como a de determinar que
o Estado preste imediatamente a pretensão deduzida, quando for o caso efetivamente.
De outro lado, as ações públicas voltadas à densificação material deste direito de todos integram um sistema único em
todo o país (art.198, CF/88), financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, bem como de outras fontes.
Esta Corte tem reconhecido, de forma reiterada, o dever do Estado, independente da esfera de poder, em garantir ao
cidadão o direito à saúde, insculpido no artigo 196, da Constituição Federal.
No âmbito do dever público para em alcançar os meios necessários a preservação da saúde, o que temos de ter em conta
são os critérios utilizados para determinar quem efetivamente necessita do auxílio do Estado para prover suas demandas a este título e quem
não precisa, o que de plano se sabe não existir ao menos em numerus clausulus, porque impossível a matematização desta questão em face
de sua natureza complexa e mutável. Assim é que cada caso submetido ao Estado é merecedor de uma apreciação e ponderação em face de,
no mínimo, duas variáveis necessárias: (a) a variável normativa-constitucional e infraconstitucional, enquanto direito fundamental assegurado à
sociedade brasileira; (b) a variável orçamentária, em face da previsão do gasto público para tanto.
Estas duas variáveis mínimas elencadas não são limitativas umas das outras, mas seqüenciais, eis que a primeira é
condicionante da segunda, e esta, condição não exclusiva (mas importante) da efetividade da medida. Daí porque aferir, primeiro, a natureza
axiológico-constitucional do mandamento normativo sob comento, tendo ciência que ele se dirige à toda a comunidade, e não uma parcela dela
(os mais doentes, ou somente aqueles que possuem enfermidades letais, ou somente os que necessitam de farmacológicos curativos, etc).
Significa dizer que, quando se fala em saúde pública e em mecanismos e instrumentos de atendê-la, mister é que se
visualize a demanda social e universal existente, não somente a contingencial submetida à aferição administrativa ou jurisdicional, isto porque,
atendendo-se somente aqueles que acorrem de pronto ao Poder Público (Executivo ou Judicial), pode-se correr o risco de esvaziar a
possibilidade de atendimento de todos aqueles que ainda não tomaram a iniciativa de procurar o socorro público, por absoluta falta de recursos
para fazê-lo.
479
Desenvolvo este argumento no livro LEAL, Rogério Gesta. Estado, Sociedade e Administração Pública: novos
paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
480
Há uma reflexão bastante interessante sobre as incoerências da operacionalidade do sistema capitalista, notadamente em
economias demasiadamente dependentes, em UNGER, Roberto Mangabeira. Democracy Realized. New York: Verso. 1998.
481
Direção em que caminha a melhor doutrina constitucional do país, ex vi o percuciente trabalho de STRECK, Lênio Luis.
Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
245
Se a Administração Pública não construiu critérios razoáveis e ponderados para escalonar minimamente o atendimento
cada vez mais massivo de perquirições envolvendo o oferecimento de medicamentos, internações hospitalares, tratamentos médico-
ambulatorias e cirurgias, à população carente, então isto deverá ser feito na esfera da judicialização do debate, pois, caso contrário, a
satisfação de um problema imediato poderá inviabilizar centenas de outros tão importantes e legítimos quanto este, haja vista que os recursos
financeiros e materiais para tanto, é inexorável, são finitos.
Para tal raciocínio, estou a utilizar aqui o que Konrad Hesse chama de princípio da concordância prática ou da
harmonização, o qual impõe ao intérprete do sistema jurídico que os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência,
devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na prática do
texto.482 Tal princípio parte exatamente da noção de que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais; destarte, o
resultado do ato interpretativo não pode ser o sacrifício total de uns em detrimento dos outros. Deve-se, na interpretação, procurar uma
harmonização ou concordância prática entre os bens constitucionalmente tutelados.
Numa perspectiva integrada do sistema jurídico, estou a dizer, ainda com Hesse, que na resolução dos problemas jurídico-
constitucionais, deve-se dar prioridade às interpretações ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e possibilitem o
reforço da unidade política, porquanto essas são as finalidades precípuas da Constituição.
A partir de tais considerações é que a matéria vertente precisa ser enfrentada, ponderando os bens jurídicos que estão em
jogo e que demandam abordagem à solução do caso: o bem jurídico vida da parte-autora, envolvendo a moléstia de que está acoimada,
correlato ao dever do Estado para com a saúde pública; o bem jurídico saúde pública de toda a Sociedade para com quem este mesmo Estado
possui o dever de tutela.
Há que se estabelecer, aqui, um juízo de ponderação destes bens, valores e interesses, para se chegar a alguma
conclusão. Para tanto, pretendo me valer de critérios constitucionalmente consagrados para a delimitação dos índices de fundamentalidade
desses direitos, a saber, os que densificam o princípio da proporcionalidade dentre eles.
Na dicção de Robert Alexy, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três aspectos fundamentais: a) adequação; b)
necessidade (ou exigibilidade); c) proporcionalidade em sentido estrito. A adequação significa que o intérprete deve identificar o meio
adequado para a consecução dos objetivos pretendidos. A necessidade (ou exigibilidade) significa que o meio escolhido não deve exceder os
limites indispensáveis à conservação dos fins desejados. A proporcionalidade em sentido estrito significa que o meio escolhido, no caso
específico, deve se mostrar como o mais vantajoso para a promoção do conjunto de valores, bens e interesses em jogo483.
Quanto à necessidade dos fármacos postulados, esta restou comprovada pelos documentos de fls. 18 e 47, tendo sido
provada, de igual sorte, a impossibilidade do autor em adquirir os referidos medicamentos, sem prejuízo do próprio sustento (fl. 09), o que se
afigura suficiente para demonstrar a necessidade do tratamento, pois o princípio constitucional insculpido no artigo 196, busca, na verdade, a
preservação da saúde, e não determinar a intervenção estatal somente em casos terminais.
Na espécie, penso que cabia ao ente público demonstrar que o tratamento não seria necessário, ou então apresentar outro
meio mais adequado para se conseguir atender o problema apresentado pelo demandante, em face da necessidade de se perquirir outras
maneiras e fórmulas de atendimento da demanda, porque milhares de postulações estão acorrendo aos cofres públicos neste momento.
Assim, comprovada a necessidade do tratamento médico, somada à falta de recursos do autor em custeá-lo sem prejuízo
do próprio sustento, o que, registre-se, não foi afastado pelos demandados, cumpre ao Judiciário a acolhida da pretensão.
III. Do dispositivo:
Pelo exposto, voto para rejeitar a preliminar argüida e negar provimento ao apelo do Município de Caxias do Sul,
confirmando a sentença em reexame necessário.
É o voto.
Des. Rogério Gesta Leal
482
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001, p.119. Fala o autor, aqui e na verdade, da
tese de que, na interpretação constitucional, deve-se dar primazia às soluções ou pontos de vista que, levando em conta os
limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e
permanência constante.
483
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2000, p.126.
246
DES. PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO - Presidente - Apelação Reexame Necessário nº 70020870960, Comarca de Caxias do Sul:
"REJEITARAM AS PRELIMINARES, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E CONFIRMARAM A SENTENÇA EM REEXAME
NECESSÁRIO. UNÂNIME."
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO (DIREITO À SAÚDE). AÇÃO ORDINÁRIA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
1. A promoção da saúde constitui-se em dever do Estado, em todas as suas esferas de Poder, caracterizando-se a
solidariedade entre União, Estados e Municípios. Exegese do artigo 196, da Constituição Federal. Precedentes desta
Corte.
2. Inexistindo oportunidade prévia para que fosse demonstrado que a família da paciente tem capacidade econômica
para custear o tratamento médico, é de ser mantida, no caso concreto, a ordem judicial para que o Estado forneça os
remédios pleiteados pela demandante-agravada.
3. Comprovadas a enfermidade e a necessidade dos medicamentos, bem como a insuficiência financeira da postulante
para arcar com tal despesa, sem prejuízo do próprio sustento, é de ser acolhida a pretensão.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento ao agravo de instrumento.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO DE TARSO VIEIRA
SANSEVERINO (PRESIDENTE) E DR. MÁRIO CRESPO BRUM.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Novo Hamburgo em face de decisão que concedeu a
antecipação de tutela na ação ordinária ajuizada por Valéria Rubiana dos Santos contra o ora agravante e o Município de Novo Hamburgo, em
que o demandante pretende que os entes públicos forneçam-lhe a alimentação especial e demais produtos de que necessita, exarada nos
seguintes termos:
“Vistos.
(...)
Nessa senda, pois, defiro a liminar ao efeito de determinar que os requeridos concedam gratuitamente à autora os itens
descritos no atestado médico da fl. 11, dos quais dependem a vida e a saúde da mesma, devendo o fornecimento se dar
248
em 72 horas, na consideração de que a Constituição Federal assegura em concreto o direito ora postulado (art. 194 e
195).
(...)
Juiz de Direito” (fl. 61).
Em suas razões (fls. 02-36), o agravante defendeu, em síntese: (a) a ilegitimidade passiva do Município no caso concreto,
visto cumprir ao Estado, de modo exclusivo o fornecimento dos produtos pleiteados pela demandante; (b) o dever da família de custear o
tratamento médico da autora-agravada; (c) que o fornecimento dos produtos pleiteados constitui responsabilidade exclusiva do Estado; (d) a
ausência de previsão orçamentária para realização da despesa; e (e) a irregularidade do direcionamento de recursos públicos para uma
situação particular. Invocou o princípio da reserva do possível, e pediu a concessão de efeito suspensivo e o provimento do recurso. Juntou
documentos (fls. 26-114).
O Sr. Procurador de Justiça, Dr. Antonio Augusto Vergara Cerqueira, lançou parecer pelo desprovimento do recurso (fls.
133-138).
É o relatório.
VOTOS
Avaliados, preliminarmente, os pressupostos processuais subjetivos e objetivos da pretensão deduzida pelo autor, tenho-os como
regularmente constituídos, bem como os atinentes à constituição regular do feito até aqui, conhecendo do recurso em termos de propriedade e tempestividade.
A Sra. Valéria Rubiana dos Santos (absolutamente incapaz, representada por seus pais Doracy David dos Santos e Artidor
dos Santos), narrou ser portadora de patologias inscritas no CID sob os números G 04.2 e G 80.9, com seqüelas motoras e cognitivas,
tratando-se de pessoa totalmente inválida, não possuindo condições econômicas para aquisição dos seguintes produtos e medicamentos,
prescritos por seu médico:
Não possuindo condições financeiras de arcar com os custos de aquisição, ajuizou ação ordinária pretendendo o
fornecimento dos referidos produtos pelos entes públicos, tendo sido deferida a antecipação de tutela, objeto do presente instrumento.
Destaco que estou revisando meu posicionamento a respeito do dever absoluto e exclusivo do Estado arcar com o
fornecimento de medicamentos à população, pelas razões que passo a alinhar.
Reiteradamente tenho dito que o tema da saúde pública constitucionalmente vem definido como direito de todos e dever do
Estado (aqui entendido em todas as suas dimensões federativas, ou seja, União Federal, Estados Membros, Municípios, etc.) – art.196 –,
devendo ser garantida mediante políticas públicas sociais e econômicas comprometidas à redução do risco de enfermidades e de outros
agravos484.
484
LEAL, Rogério Gesta. A Efetivação do Direito à Saúde – por uma jurisdição Serafim: limites e possibilidades. In Direitos
Sociais e Políticas Públicas:desafios contemporâneos. Vol.6. LEAL, Rogério Gesta & REIS, Jorge Renato dos. Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2006, p.1525.
249
O que está em debate aqui, pelos termos do prisma constitucional, é o que posso chamar de uma das dimensões do
mínimo existencial à dignidade da vida humana: a saúde. Enquanto princípio fundante de todo o sistema jurídico – a iniciar pelo constitucional -
, tenho que a vida humana digna espelha e se vincula ao ideário político, social e jurídico predominante no país, ao mesmo tempo em que, na
condição de princípio fundamental, em face de sua característica de aderência, ele opera sobre os comportamentos estatais ou particulares de
forma cogente e necessária. Por tais razões tenho sustentado que: (a) todas as normas do sistema jurídico devem ser interpretadas no sentido
mais concordante com este princípio; (b) as normas de direito ordinárias desconformes à constituição e seus princípios fundacionais (dentre os
quais destaco o sob comento), não são válidas.485
Justifica-se tal postura em face de que a saúde como condição de possibilidade da dignidade da pessoa humana, em
verdade, passa a constituir o que chamo de indicador constitucional parametrizante do mínimo existencial486, porque se afigura como uma das
condições indispensáveis à construção de uma Sociedade livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; à erradicação da
pobreza e da marginalização, bem como à redução das desigualdades sociais e regionais; à promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Na verdade, estes postulados estão dispersos ao longo de todo o Texto Político, consubstanciando-se nos direitos e
garantias fundamentais, individuais e coletivos, nos direitos sociais, nos direitos à educação, à saúde, à previdência, etc. Por sua vez, os
Poderes Estatais e a própria Sociedade Civil (através da cidadania ou mesmo de representações institucionais dela) estão vinculados a estes
indicadores norteadores da República, eis que eles vinculam todos os atos praticados pelos agentes públicos e pela comunidade, no sentido
de vê-los comprometidos efetivamente com a implementação daquelas garantias.
Se isto é verdade, quero sustentar que qualquer política pública no Brasil tem como função nuclear a de servir como esfera
de intermediação entre o sistema jurídico constitucional (e infraconstitucional) e o mundo da vida Republicano, Democrático e Social que se
pretende instituir no país. Em outras palavras, é através de ações estatais absolutamente vinculadas/comprometidas com os indicadores
parametrizantes de mínimo existencial previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o
Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a Sociedade Real no Brasil.487
Isto me leva a crer na existência daquilo que vou chamar de políticas públicas constitucionais vinculantes, aqui entendidas
como aquelas ações que o Texto Político atribui aos Poderes Estatais e à comunidade como um todo como efetivadoras de direitos e garantias
fundamentais, e todas as decorrentes delas, haja vista os níveis compartidos de responsabilidades entre as entidades federativas brasileiras e
a cidadania envolvendo a matéria. Considerando ainda crer, no particular, não existirem normas constitucionais despossuidas de concreção no
sistema jurídico pátrio488, resulta claro que a responsabilidade de que estamos falando aqui é, diferenciadamente, pró-ativa dos que têm tal
responsabilidade, merecendo imediata implementação.
De outro lado, as ações públicas voltadas à densificação material deste direito de todos (saúde) integram um sistema único
em todo o país (art.198, CF/88), financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, bem como de outras fontes.
No âmbito do dever público para alcançar os meios necessários à preservação da saúde, o que temos de ter em conta, a
uma, são os critérios utilizados para determinar quem efetivamente necessita do auxílio do Estado para prover suas demandas a este título e
quem não precisa, o que de plano se sabe não existir ao menos em numerus clausus, porque impossível a matematização desta questão em
face de sua natureza complexa e mutável. A duas, quem é responsável por tal mister. Assim é que cada caso envolvendo prestação de saúde
pública submetido ao Estado é merecedor de uma apreciação e ponderação em face de, no mínimo, duas variáveis necessárias: (a) a variável
485
Neste sentido ver o texto de HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991, pág.39.
486
Desenvolvo este argumento no livro LEAL, Rogério Gesta. Estado, Sociedade e Administração Pública: novos
paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
487
Há uma reflexão bastante interessante sobre as incoerências da operacionalidade do sistema capitalista, notadamente em
economias demasiadamente dependentes, em UNGER, Roberto Mangabeira. Democracy Realized. New York: Verso, 1998.
488
Direção em que caminha a melhor doutrina constitucional do país, ex vi o percuciente trabalho de STRECK, Lênio Luis.
Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
250
normativa-constitucional e infraconstitucional, enquanto direito fundamental assegurado à sociedade brasileira; (b) a variável responsabilidade
institucional e familiar dispostas na estrutura normativa constitucional e infraconstitucional brasileira.
Daí porque aferir, primeiro, a natureza axiológico-constitucional do mandamento normativo sob comento, tendo ciência que
ele se dirige a toda a comunidade, e não uma parcela dela (os mais doentes, ou somente aqueles que possuem enfermidades letais, ou
somente os que necessitam de farmacológicos curativos, etc.). Em segundo, de que forma o sistema jurídico atribui responsabilidades
envolvendo esta matéria.
Significa dizer que, quando se fala em saúde pública e em mecanismos e instrumentos de atendê-la, mister é que se
visualize a demanda social e universal existente, não somente a contingencial submetida à aferição administrativa ou jurisdicional, isto porque,
atendendo-se somente aqueles que acorrem de pronto ao Poder Público (Executivo ou Judicial), pode-se correr o risco de esvaziar a
possibilidade de atendimento de todos aqueles que ainda não tomaram a iniciativa de procurar o socorro público, por absoluta falta de recursos
para fazê-lo.489
Se a Administração Pública não construiu critérios razoáveis e ponderados para escalonar minimamente o atendimento
cada vez mais massivo de perquirições envolvendo o oferecimento de medicamentos, internações hospitalares, tratamentos médico-
ambulatorias e cirurgias à população carente, então isto deverá ser feito na esfera da judicialização do debate, ao menos naqueles casos em
que a periclitação da vida é tal que se impõe esta intervenção, pois, caso contrário, a satisfação de um problema imediato poderá inviabilizar
centenas de outros tão importantes e legítimos quanto este, haja vista que os recursos financeiros e materiais para tanto, é inexorável, são
finitos – e ainda sem falar dos demais responsáveis por tal mister.
Para tal raciocínio, estou a utilizar aqui o que Konrad Hesse chama de princípio da concordância prática ou da
harmonização, o qual impõe ao intérprete do sistema jurídico que os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência,
devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na prática do
texto.490 Tal princípio parte exatamente da noção de que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais; destarte, o
resultado do ato interpretativo não pode ser o sacrifício total de uns em detrimento dos outros. Deve-se, na interpretação, procurar uma
harmonização ou concordância prática entre os bens constitucionalmente tutelados.
Numa perspectiva integrada do sistema jurídico, estou a dizer, ainda com Hesse, que na resolução dos problemas jurídico-
constitucionais, deve-se dar prioridade às interpretações ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e possibilitem o
reforço da unidade política, porquanto essas são as finalidades precípuas da Constituição.
A partir de tais considerações é que a matéria vertente precisa ser enfrentada, ponderando os bens jurídicos que estão em
jogo e que demandam abordagem à solução do caso: o bem jurídico vida do cidadão, envolvendo a moléstia de que está acoimado, correlato
ao dever do Estado e da família para com a saúde pública; o bem jurídico saúde pública de toda a Sociedade para com quem este mesmo
Estado possui o dever de tutela.
Há que se estabelecer, aqui, um juízo de ponderação destes bens, valores, interesses e competências, para se chegar a
alguma conclusão. Para tanto, pretendo me valer de critérios constitucionalmente consagrados para a delimitação dos índices de
fundamentalidade desses direitos, a saber, os que densificam o princípio da proporcionalidade dentre eles.
489
Além disto, é preciso lembrar que the Courts are not well positioned to oversee the tricky process of efficient resource
allocation conducted, with more or less skill, by executive agencies, nor are they readily able to rectify past misallocations.
Judges do not have the proper training to perform such functions and they necessarily operate with inadequate and biased
sources of information. ALEINIKOFF, T. Alexander. Constitutional Law in the Age of Balancing. In Yale Law Journal, nº96,
1987, pp.982..
490
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001, p.119. Fala o autor, aqui e na verdade, da
tese de que, na interpretação constitucional, deve-se dar primazia às soluções ou pontos de vista que, levando em conta os
limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e
permanência constante.
251
Na dicção de Robert Alexy, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três aspectos fundamentais: a) adequação; b)
necessidade (ou exigibilidade); c) proporcionalidade em sentido estrito. A adequação significa que o intérprete deve identificar o meio
adequado para a consecução dos objetivos pretendidos. A necessidade (ou exigibilidade) significa que o meio escolhido não deve exceder os
limites indispensáveis à conservação dos fins desejados. A proporcionalidade em sentido estrito significa que o meio escolhido, no caso
específico, deve se mostrar como o mais vantajoso para a promoção do conjunto de valores, bens e interesses em jogo491.
A partir de tais elementos de interpretação dos possíveis sentidos e significados do direito à saúde no Brasil, mister é que
se perquira se efetivamente é o Estado o único garantidor/concretizante destas prerrogativas.
É preciso, para tanto, chamar à colação aqui a Teoria da Constituição, para que se possa compreender, por óbvio, que a
partir de uma eleita matriz teórica fundante, o que implica reconhecer o Direito à Saúde como direito fundamental no sistema jurídico brasileiro.
Neste ponto quero afirmar, com Alexy, que tal direito se apresenta com posição de tal modo importante que a sua garantia ou não garantia
não pode ser deixada à simples maioria parlamentar contingencial492. Ademais disto, afigura-se também como uma posição jurídico-
prestacional, já que envolve ações concretas para viabilizar o acesso e a concretização de seus comandos normativos.
Todavia, na dicção de Canotilho, é preciso sobre tais direitos nos dar conta de que:
Acresce que o facto de se reconhecer um direito à vida como direito positivo a prestações existenciais mínimas, tendo
como destinatário os poderes públicos, não significa impor como o Estado deve, prima facie, densificar este direito.
Diferente do que acontece no direito à vida na sua dimensão negativa – não matar -, e na sua dimensão positiva – impedir
de matar -, aqui, na segunda dimensão, positiva, existe um relativo espaço de discricionariedade do legislador (dos
poderes públicos) quanto à escolha do meio (ou meios) para tornar efectivo o direito à vida na sua dimensão existencial
mínima.493
Adverte o autor português, com acerto, que aquele espaço de discricionariedade não é, todavia, total, haja vista que
existem determinantes constitucionais heterônomas que estão a vincular os poderes instituídos (como a dignidade da vida humana, por
exemplo).
De qualquer sorte, quero sustentar que o Direito à Saúde, enquanto direito fundamental constitucionalizado, dever do
Estado, em primeiro plano, que é a todos garantido, configura-se como verdadeiro direito subjetivo, outorgando fundamento para justificar o
direito a prestações, mas que não tem obrigatoriedade como resultado de uma decisão individual494. Diz-se direito subjetivo prima facie pelo
fato de que, conforme ainda Canotilho, não é possível resolvê-lo em termos de tudo ou nada495, e também pelo fato de constituírem, numa
certa medida e na dicção de Dworkin, direitos abstratos, isto porque representam:
491
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2000, p.126. Mais
adiante, o autor alemão vai fazer questão de frisar que há algumas circunstâncias fáticas que devem informar as possibilidades
das ações estatais prestacionais em nível de direitos sociais, como o da saúde, a saber: quando imprescindíveis ao princípio da
liberdade fática (lato senso entendida); quando o princípio da separação dos poderes, bem como outros princípios atinentes aos
direitos fundamentais de terceiros forem atingidos de forma relativamente diminuta. Op.cit.,p.469.
492
Idem, p.406 e seguintes.
493
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p.58.
494
Nossos Tribunais ainda não conseguiram uniformidade sobre tal percepção do direito à saúde, todavia, o Supremo Tribunal Federal
já teve oportunidade de afirmar que se trata este direito de direito público subjetivo, não podendo ser reduzido à promessa
constitucional inconseqüente – Agravo Regimental no RE nº271.286-8/RS. De igual sorte a decisão do Superior Tribunal de Justiça
que asseverou que os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente
consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da
pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais - REsp 836913/RS; Recurso Especial nº2006/0067408-0. 1ª
Turma, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 08/05/2007, publicado no Diário de Justiça de 31.05.2007 p. 371.
495
Aduz Canotilho que: A questão da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen), da ponderação necessária a efectuar
pelos poderes públicos (Abwägung) relativamente ao modo como garantir, com efectividade, esse direito (optimização das
capacidades existentes, alargamento da capacidade, subvenções a estabelecimentos alternativos) conduz-nos a um tipo de
direito prima facie a que corresponde, por parte dos poderes públicos, um dever prima facie. Op.cit.,p.66. Ver neste sentido a
reflexão de SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, notadamente na
p.304, em que o autor sustenta estar esta reserva do possível parametrizada por três variáveis, a saber: (a) dizendo com a
efetiva disponibilidade fática dos recursos à efetivação dos direitos fundamentais; (b) dizendo com a disponibilidade jurídica
dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão à distribuição das receitas e competências federativas
252
Finalidades políticas generales cuyo enunciado no indica de qué manera se ha de comparar el peso de esa finalidad
general con el de otras finalidades políticas, en determinadas circunstancias, o qué compromisos se han de establecer
entre ellas. Los grandes derechos de la retórica política son abstractos en este sentido. Los políticos hablan de derecho a
la libertad de expresión, a la dignidad o a la igualdad, sin dar a entender que tales derechos sean absolutos, y sin aludir
tampoco a su incidencia sobre determinadas situaciones sociales complejas. 496
E por que não se pode resolver tal matéria em termos de tudo ou nada? Pelo fato de que ela envolve um outro universo de
variáveis múltiplas e complexas, a saber: disponibilidade de recursos financeiros alocados preventivamente, políticas públicas integradas em
planos plurianuais e em diretrizes orçamentárias, medidas legislativas ordenadoras das receitas e despesas públicas, etc. Todas estes
condicionantes, por sua vez, encontram-se dispersos em diferentes atores institucionais, com competências e autonomias reguladas também
pela Constituição.
Decorre daqui a tese de que a garantia de um padrão mínimo de segurança social não pode afetar de forma substancial
outros princípios ou interesses constitucionais igualmente relevantes, assim que, somente quando a garantia material do padrão mínimo em
direito social (previamente delimitada como prioritária em termos de sociedade) estiver efetivamente sendo ameaçada no caso concreto, é que
se poderá levar a cabo uma necessária ponderação de interesses em face da potencial restrição de bens jurídicos – fundamentais ou não –
colidentes com tais demandas ou pretensões. Caso contrário, dever-se-á buscar a plena integração mantenedora da incolumidade normativa e
concretização de todos os bens jurídicos tuteladas pelo sistema jurídico.497
Ocorre que, como referiu o Superior Tribunal de Justiça no Brasil, a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais -
além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo
financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-
financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do
comando fundado no texto da Carta Política.498
É por esta razão que doutrinadores como Ingo Sarlet são incisivos ao afirmar que o Estado dispõe apenas de limitada
capacidade de dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais, de tal sorte que a
questão da limitação dos recursos constitui um certo limite fático à efetivação desses direitos. De outro lado, o Estado também deve ter a
capacidade de dispor destes recursos para o cumprimento daqueles direitos.499
(tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas); (c) dizendo com a proporcionalidade da prestação, em especial no
tocante à sua exigibilidade e razoabilidade.
496
DWORKIN, Ronald. Tomando los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1989, p.162. Denomina o autor de direitos
concretos son finalidades políticas definidas con mayor precisión de manera que expresan más claramente el peso que tienen
contra otras finalidades en determinadas ocasiones. Num texto mais recente (DWORKIN, Ronald. Justice in Robes.
Massachussets: Harvard University Press, 2006), o autor americano ratifica esta sua assertiva.
497
Ver o texto de SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op.cit.,p.371, oportunidade em que adverte
acertadamente o autor que, com isso, traçou-se um claro limite ao reconhecimento de direitos originários a prestações sociais,
de tal sorte que, mesmo em se tratando da garantia de um padrão mínimo (no qual a perda absoluta da funcionalidade do
direito fundamental está em jogo), o sacrifício de outros direitos não parece ser tolerável.
498
É bem verdade que, nesta mesma decisão, manifestou-se o STJ no sentido de reconhecer que não se mostrará lícito, no
entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-
administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de
existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. REsp 811608/RS;
Recurso Especial nº2006/0012352-8. 1ª Turma, Relator Min. Luis Fux, julgado em 15/05/2007, publicado no DJ 04.06.2007 p.
314.
499
SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op.cit, p.303. Mais tarde, vai afirmar Ingo que: o que a Constituição
assegura é que todos tenham, em princípio, as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde, mas não que
qualquer pessoa, em qualquer circunstância, tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado
ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde. (p.347 – da mesma forma na p.376). Na mesma direção
ver o texto de BOYNTON, Brian. Democracy and distrust after twenty years: Ely's process theory and constitutional law from
1990 to 2000. Stanford: Stanford University Press, 2005, p.51 e seguintes.
253
O problema é que, historicamente, no Brasil, até em face das particularidades de exclusão social, miserabilidade e
fragilização de sua cidadania, o Estado fora chamando para si, de forma concentrada, um universo de atribuições com caráter protecionista,
paternalista e assistencialista, promovendo ações públicas de sobrevivência social no âmbito notadamente da saúde, com poucas políticas
preventivas, educativas e de co-gestão com a sociedade dos desafios daqui decorrentes, induzindo a comunidade a uma postura letárgica e de
simples consumidora do que lhe era graciosamente presenteado, sem nenhuma reserva crítica ou constitutiva de alternativas das mazelas
pelas quais passava e ainda vive.
O cenário hoje é, todavia, diferente, a uma, pelos níveis de inclusão social construídos no país nos últimos 15 (quinze)
anos, propiciando cenários materiais e formais de maior participação da cidadania na gestão de seu cotidiano; a duas, em face do processo
descentralizador da governança institucional que nestes últimos tempos vem ocorrendo, ensejando a abertura gradativa dos poderes
instituídos e da administração pública dos interesses coletivos.500
Mesmo em tal quadro, a relação Estado x Sociedade é ainda marcado significativamente por graus de dependência
hierárquica e alienada da segunda para com o primeiro, provocando o que Canotilho chama de introversão estatal da socialidade, ou seja:
1. os direitos sociais implicam o dever de o Estado fornecer as prestações correlativas ao objeto destes direitos; 2. os
direitos sociais postulam esquemas de unilateralidade, sendo que o Estado garante e paga determinadas prestações a
alguns cidadãos; 3. os direitos sociais eliminam a reciprocidade, ou seja, o esquema de troca entre os cidadãos que
pagam e os cidadãos que recebem, pois a mediação estatal dissolve na burocracia prestacional a visibilidade dos actores
e a eventual reciprocidade da troca.501
Sustenta o autor, e com ele concordo, que é tempo já de se descobrir os contornos da reciprocidade concreta e do
balanceamento dos direitos sociais, até porque tais direitos envolvem patrimônio de todos quando de sua operacionalidade e concreção, e já
que a todos são dirigidos tais prerrogativas, deve-se perquirir sobre a quota parte de cada um neste mister, sob pena de constituirmos o que o
jurista lusitano denomina de uma aproximação absolutista ao significado jurídico dos direitos sociais, ou seja, confiar na simples interpretação
de normas consagradoras de direitos sociais para, através de procedimentos hermenêuticos, deduzir a afetividade dos mesmos direitos,
produzindo resultados pouco razoáveis e racionais.
Quero dizer que é preciso levar em conta que todo e qualquer exercício de direito social como a saúde, em tese, custa
dinheiro – e não é pouco em nenhuma parte do mundo. Assim é que Peter Häberle, na primeira metade da década de 1970, já formulava a
idéia da reserva das caixas financeiras para o atendimento de direitos sociais prestacionais, para exatamente evidenciar o fato de que estes
direitos estão também vinculados às reservas financeiras do Estado, na medida em que devessem ser custeados pelo Erário.502
É claro que o simples argumento da escassez de recursos dos cofres públicos não pode autorizar o esvaziamento de
direitos fundamentais, muito menos os relacionados à saúde, eis que diretamente impactantes em face da vida humana e sua dignidade
500
Trato disto em meu livro LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. Talvez se possa dizer que, em verdade, é toda uma concepção de Estado que entra em
mutação a partir daquele período histórico, caracterizado por seus matizes mais sociais e compromissados com o
restabelecimento de equilíbrios necessários em face das diferenças gritantes e desestabilizadoras de uma ordem mínima de
civilidade. Isto não implica um único modelo de Estado Social, mas vários, eis que se formam ora com viés mais paternalista e
assistencialista (tal qual o modelo de Estado Getulista no Brasil), ora com feições mais curativas e compensatórias (tal qual o
Welfare State e o L’État d’Providence), ora com natureza de classe social (tal qual o Estado Soviético). Ver também o texto
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na Democracia Contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, e também o texto de SANDULLI, Armando Mantinni. Stato di Diritto e Stato Sociale. Napoli:
Giappichelli, 2004.
501
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Op.cit.,p.102.
502
HÄBERLE, Peter. Grunderecht im Leistungstaat. In VVDSTRL, 30 (1972). Neste ponto concorda Canotilho, quando
assevera que: Parece inequívoco que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais se caracteriza: (1) pela
gradualidade da realização; (2) pela dependência financeira relativamente ao orçamento do Estado; (3) pela tendencial
liberdade de conformação do legislador quanto às políticas de realização destes direitos; (4) pela insusceptibilidade de
controlo jurisdicional dos programas político-legislativos a não ser quando se manifestem em clara contradição com as
normas constitucionais, ou transportem dimensões manifestamente desrazoáveis. Reconhecer estes aspectos não significa a
aceitação acrítica de alguns dogmas contra os direitos sociais. Op. Cit.,p.108. Ver o texto de GALDINO, Flávio. Introdução à
teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
254
mínima, e por isto estarão sujeitos ao controle jurisdicional para fins de se aferir a razoabilidade dos comportamentos institucionais neste
sentido, devendo inclusive ser aprimorados os parâmetros, variáveis, fundamentos e a própria dossimetria concretizante do direito em xeque.
Não se afigura simples, pois, trazer-se à colação argumentos do tipo princípio da não reversibilidade das prestações
sociais, ou o princípio da proibição da evolução reacionária, como fórmulas retóricas e mágicas para poder garantir, a qualquer preço – que
nem se sabe o qual -, tudo o que for postulado por segmentos da comunidade (indivíduos) em termos de saúde, pelo simples fato de que o
Estado está obrigado a tanto, isto porque o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a
insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social.503
É verdade que este estado de coisas tem como um dos fundamentos o fato de que o catálogo de diretos econômicos,
sociais, e culturais, forjado nos dois pós-guerras do século XX, compromissados com a reconstrução do próprio tecido social, elevou à máxima
exaustão as expectativas de poder e ação dos poderes instituídos em prol de tais demandas, acreditando que poderiam dar concreção a tudo
isto sozinhos, causando o que Arthur chama de vitimização do Estado por seu próprio sucesso.504
Todas estas crises identificadas, ainda no plano do diagnóstico, não me fazem propugnar pela descrença total no Estado
como espaço público de gestão de interesses coletivos, mas, tão-somente, no Estado instituição tradicional, concebido a partir e
exclusivamente de seu locus insulado e tecno-burocrático de fala oficial, unilateral e arbitrariamente imposto a uma cidadania ainda mais
expectadora dos acontecimentos.
Mas então, qual a saída para um cenário como este em que as forças prestacionais do Estado de Bem Estar se
esmorecem em face de crises globais de recursos naturais e econômicos (ora concentrados demasiadamente, ora fragilizados
demasiadamente)?
No momento em que a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art.196, que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, não há como negar que tal dever é relacional e
condicionado a garantia de acesso universal e igualitário (a todos) das ações consectárias nesta direção. Isto significa, salvo melhor juízo, que
qualquer política pública, ou ação preventiva e curativa, necessitam levar em conta a demanda global que envolve tais interesses, sob pena de
atender uns e desatender muitos.
Daí que proponho uma leitura mais integrada deste dever estatal para com o universo que ele alcança, ou seja, direito
social da população como um todo que envolve, inclusive, co-responsabilidades societais importantes (constitucionais e infraconstitucionais).
Estou falando, por exemplo: (a) do dever da família (da Sociedade e do Estado) em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, a dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão505; (b) os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
503
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Op.cit.,p.112. Ver no Brasil, uma boa
abordagem do tema em DERBLI, Felipe. Proibição de Retrocesso Social: uma proposta de sistematização à luz da
Constituição de 1988. In A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.433 e
seguintes.
504
ARTHUR, John. The unfinished Constitution: philosophy and constitutional practice. Belmont: Wadsworth Publishing
Company, 1989, p.118 e seguintes. Com base nesta crítica, adverte o autor que uma cidadania social se conquista não através
da estatização da socialidade, mas através da civilização da política (a social citizenship is not conquered through the
nationalization of the sociality, but through the civilization of the politics). Ao lado disto, para não conhecer de sua ineficiência
ou fracasso, o Estado prefere, em algumas oportunidades, negar a existência de inúmeras tensões sociais que se avolumam sem
respostas satisfativas, ou ainda, lançá-las à clandestinidade ou ilicitude, tratando-as como anomalias comportamentais que
precisam ser severamente coagidas, tais como os movimentos dos sem-terra, dos sem-teto, a questão dos parcelamentos
clandestinos do solo urbano, a violência generalizada, a prostituição, o narcotráfico, etc. .
505
Art. 227, da Constituição Federal de 1988.
255
na velhice, carência ou enfermidade506; (c) a família (a Sociedade e o Estado) tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida507.
Com tal perspectiva já se pôde asseverar que a prestação alimentar não deva subsistir até os 21 anos, mas estender-se,
com base no princípio da solidariedade familiar, além da maioridade508. Como o Novo Código Civil Brasileiro reduziu para dezoito anos o
começo da maioridade, com maior razão este entendimento se justifica.509
Mesmo no plano da infraconstitucionalidade, temos como deveres familiares (notadamente entre os cônjuges), dentre
outros, a mútua assistência e o sustento dos filhos, sendo que eles são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos
do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial510. Ao lado disto, ainda é de se ressaltar
que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros, pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível
com a sua condição social, nos termos do art.1.694, do novo Código Civil Brasileiro511. Veja-se que, quando faltam neste dever, os familiares
podem ser enquadrados inclusive nas disposições do art.244, do Código Penal, que disciplina:
Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o
trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou
faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de
socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.512
Mesmo nas situações em que as famílias se desconstituem, fenômeno acelerado em nossa época, a legislação infra-
constitucional confirma o disposto no Texto Político de 1988, ao assegurar que o cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao
outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar, sendo que para manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão
na proporção de seus recursos. Para assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá ainda determinar a constituição de garantia
real ou fidejussória, ou mesmo que a pensão consista no usufruto de determinados bens do cônjuge devedor. Ainda, a obrigação de prestar
alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor.513
Dentre outras questões que poderiam causar espécie nesta reflexão é a que diz com a ampliação cada vez maior do
conceito de obrigação alimentar e seus liames de responsabilidade parental.
506
Art. 229, da Constituição Federal de 1988.
507
Art. 230, da Constituição Federal de 1988.
508
In RT, 698/156; 727/262.
509
Neste sentido, ver o texto de SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Os alimentos no novo Código Civil. In Revista Brasileira de
Direito de Família nº 16 - JAN-FEV-MAR/2003, pág. 12. Neste texto, o autor lembra que a extensão e a característica da
reciprocidade da obrigação alimentar encontram-se previstas nos arts. 1.696 e 1.697, que repetem, ipsis litteris, o que já
dispunham os arts. 397 e 398, do Código de 1916. Assim, a obrigação alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar,
aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se
que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau
mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a
obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-
se a completar o valor que por estes possa ser prestado.
510
Consoante as disposições dos arts.1566 e 1568, ambos do novo Código Civil Brasileiro. Ver o texto de OLIVEIRA, José
Lamartine e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de família (direito matrimonial). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,
1990.
511
Uma discussão mais ampla desta perspectiva pode ser encontrada em: VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Atlas, 2002, p. 365; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2002, p. 427;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 139.
512
Redação dada pela Lei nº 10.741, de 01.10.2003, DOU de 03.10.2003, com efeitos a partir de 90 dias da publicação. A pena
prevista aqui é detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País,
consoante a redação dada pela Lei nº 5.478, de 25.07.1968.
513
Consoante disposições dos arts.19, 20, 21 e 23, da Lei nº 6.515/77.
256
De certa forma a doutrina e jurisprudência brasileiras têm operado muito bem na direção de demarcar um conceito de
alimentos conforme à Constituição, ou seja, atenta para o fato de que o direito a alimentos deve corresponder não somente ao indispensável
para a subsistência, mas também ao que for necessário para o alimentando viver de modo compatível com sua condição social.514
Mesmo na processualística a definição dos contornos conceituais de alimentos vem sofrendo profunda ampliação,
exatamente para cumprir com que designa a norma civil (art.1.694, e seguintes, do NCCB), no sentido de que sejam fixados na proporção das
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, conforme disciplina Talamini: O sentido constitucional de ‘alimentos’,
portanto, vai necessariamente além do direito de família: abrange indenizações, pensões, salários e outras verbas - desde que
esssencialmente destinadas ao sustento do titular do crédito.515
Por esta razão é que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já teve oportunidade de asseverar que deve a
obrigação alimentar ser fixada de modo a incluir, também, valores gastos pela alimentada com saúde, não se mostrando possível a escolha do
plano de saúde que será pago pelo alimentante, bem como devendo ser retirada a condenação do alimentante ao pagamento de multa pela
sua não inclusão em referido plano.516
Nos termos da responsabilidade dos avós paternos ou maternos, a jurisprudência é iterativa no sentido de que a obrigação
alimentar (1.696, do CCB), somente se justifica se restar comprovado que os genitores não possuem condições financeiras de suprir as
necessidades do alimentando, dada a natureza subsidiária e complementar de tal obrigação. Vale dizer, o ordenamento jurídico pátrio impõe
aos parentes o encargo alimentar de forma supletiva, uma vez esgotada a possibilidade dos principais obrigados em prestá-los.
Para facilitar o cumprimento de tais obrigações alimentares, o Código Civil Brasileiro de 2002, reitera o princípio da
divisibilidade da obrigação alimentar, carreando a cada devedor, de mesmo grau de parentesco, a responsabilidade pelo pagamento de sua
quota-parte da dívida, que será fixada previamente, segundo as suas possibilidades financeiras (art. 1.698).
Sequer a maioridade do alimentando, repito, tem sido razão de afastamento do dever alimentar, eis que
O instituto dos alimentos entre parentes compreende a prestação do que é necessário à educação independentemente da
condição de menoridade, como princípio de solidariedade familiar. Pacificou-se na jurisprudência o princípio de que a
cessação da menoridade não é causa excludente do dever alimentar. Com a maioridade, embora cesse o dever de
sustento dos pais para com os filhos, pela extinção do poder familiar (art. 1.635, III), persiste a obrigação alimentar se
comprovado que os filhos não têm meios próprios de subsistência e necessitam de recursos para a educação.517
Em face disto, se se toma que o dever alimentar não é solidário, mas divisível, em caso de ação judicial para concretizá-lo,
a ação deve, em tese, ser proposta contra todos os co-responsáveis, visando, com isso, a delimitar a parcela de responsabilidade de cada qual
na dívida. Diz a doutrina especializada que, em tese, a ação deverá ser ajuizada contra todos os co-responsáveis pela obrigação alimentar,
porque, do contexto extraído do art. 1.698, este suposto dever é, na realidade, uma faculdade do credor de alimentos.518
Está-se falando, em verdade, também do dever de solidariedade que a Constituição Brasileira de 1988 impõe a estas
relações, chamando à responsabilidade de cada qual para que contribuam na constituição de uma sociedade justa e democrática, condição de
possibilidade de uma República e Estado de Direito.
Impõe-se, agora, a volta ao tema da natureza constitucional dos deveres da família para com seus pares, em especial no
âmbito da saúde, objeto desta abordagem, em especial no que tange à Constituição Estadual do Rio Grande do Sul de 1989, no seu art.241,
que dispõe sobre a saúde em seu território, a partir, por certo, da dicção da Constituição Federal de 1988, asseverando que:
Art. 241 - A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.
514
TJPE – AgRg 93939-5/01 – Rel. Des. Leopoldo de Arruda Raposo – DJPE 29.10.2003. Na mesma direção os trabalhos
clássicos de GONÇALVES, Luiz da Cunha. Princípios de direito civil luso-brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1951, p.
1.287; BORDA, Guilhermo A. Manual de derecho de família. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2002, p. 403. De igual forma as
decisões jurisprudenciais antigas e recentes no país: RE 102877, STF, 2ª T., Rel. Min. DJACI FALCÃO, J. 14.09.1984; REsp
184807/SP, STJ, 4ª T., Rel. Min. BARROS MONTEIRO, J. 24.09.2001.
515
TALAMINI, Eduardo. Prisão Civil e Penal e ‘Execução Indireta’ - A Garantia do Art. 5º, LXVII, da Constituição Federal.
In Revista de Processo, São Paulo, 23(92)37-51, out./dez. 1998. Nesta direção reforça SPENGLER, Marion. Fabiana.
Alimentos – da ação à execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, que quando se discute a verba alimentar, é
sempre imprescindível atentar para o fato de que não se trata de uma obrigação simples, mas uma obrigação com
peculiaridades, pois diz respeito à manutenção do ser humano.
516
Apelação Cível Nº 70007665268, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Carlos Stangler
Pereira, Julgado em 20/05/2004.
517
Comentário ao art. 1.694, do Novo Código Civil, feito por TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. In Novo Código
Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1503.
518
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 240-241.
257
Parágrafo único - O dever do Estado, garantido por adequada política social e econômica, não exclui o do indivíduo, da
família e de instituições e empresas que produzam riscos ou danos à saúde do indivíduo ou da coletividade.
O Estado do Rio Grande do Sul introduziu em sua Constituição a participação do indivíduo e de sua família no custeio da
saúde pública, sendo que, com base nestes pressupostos, foi editada a Lei-RS nº 9.908/93, determinando que o Poder Público estadual deve
fornecer medicamentos especiais ou excepcionais aos seus cidadãos, desde que comprovem o seu estado de carência e também de sua
família:
Art. 2º - O beneficiário deverá comprovar a necessidade do uso de medicamentos excepcionais mediante atestado médico.
Parágrafo único - Além do disposto no "caput" deste artigo, o beneficiário deverá comprovar por escrito e de forma
documentada, os seus rendimentos, bem como os encargos próprios e de sua família, de forma que atestem sua condição
de pobre.
Este parâmetro normativo apresenta-se como condição de possibilidade da prestação de medicamentos excepcionais, mas
pode servir para regulamentar o fornecimento de medicamentos normais? E o que distingue um fármaco normal em face de um excepcional?
Penso que a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul precisa ser interpretada conforme à Constituição Federal, no
sentido de ratificar este sentido solidarístico que chama à responsabilidade a família para contribuir na mantença do sistema republicano e
federativo de saúde, dando sua quota-parte, seja ela qual for, na medida de sua possibilidade e diante da necessidade do parente enfermo.
Como se fará isto em nível de demandas judiciais que envolvem a prestação de medicamentos, internações hospitalares,
etc.? Por via simétrica – respeitada sempre a urgência e especificidades da matéria – à forma e prova judiciária que instrumentalizam os feitos
que envolvem a efetivação de obrigações alimentares, oportunizando e reivindicando a demonstração da necessidade do enfermo e a
possibilidade de contribuição para o atendimento da demanda dos seus familiares, tomando aqui como referência os vínculos parentais
estatuídos pelo próprio sistema jurídico, a saber:
A extensão e a característica da reciprocidade da obrigação alimentar encontram-se previstas nos arts. 1.696 e 1.697, que
repetem, ipsis litteris, o que já dispunham os arts. 397 e 398, do Código de 1916. Assim, a obrigação alimentar, pela
ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim
germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação
de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos
em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e
complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-se a completar o valor que por estes possa ser
prestado.519
Com Canotilho, tenho que efetivamente é chegada a hora dos constitucionalistas se darem conta dos limites da jurisdição e
reconhecer, com humildade, que a Constituição já não é o lugar do superdiscurso social, levando em conta que a eventual colisão de discursos
reais de aplicação da Constituição terão de ser supervisionados a partir de colisões de valores ideais (a vida, a segurança, a integridade física,
a liberdade, a saúde de todos e não de alguns) que integram o justo de uma comunidade bem- ou mal – ordenada.520
Assim, o direito à saúde não pode se concretizar, ou pelo menos não se concretiza somente através de uma política
constitucional, eis que esta é, prima facie, uma projeção imperativa sobre órgãos constitucionais do Estado das contingências de várias esferas
da sociedade.
Em face de tudo isto, precisa-se urgentemente encontrar uma forma de contemporizar tão diferentes desafios no âmbito do
direito à saúde, partindo do pressuposto de que tal mister incumbe a todos e não somente a alguns.
No entanto, no caso concreto, tenho que o recurso deve ser desprovido, haja vista a ausência de qualquer ordem judicial
anterior nos presentes autos acerca da necessidade de comprovação da capacidade econômica da família da paciente para custear o seu
tratamento médico.
É o voto.
519
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Os alimentos no novo Código Civil., op.cit.
520
Idem, p.129. Ver igualmente o excelente texto de BURT, Robert A. The constitution in conflict. Cambridge: Harvard
University Press, 2002, p.81 e seguintes.
258
DES. PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70020884086, Comarca de Novo Hamburgo:
"NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME ."