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M A G IS TÉ R IO FO R M A Ç Ã O E TR A B A LH O P E D A G Ó G IC O ONMLKJIHGFEDCBA

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EDUCAÇAO CONTINUADA

1111
2ª Edição 1111
PAPIRUS
Abel S ilv a B o rg e s utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é doutorando pela
PUC-São Paulo, universidade onde atuou
como docente. Atuou durante vários anos
na elaboração, implantação, no acompa-
nhamento e na avaliação de projetos de
seminários e cursos, produção de vídeos
e publicações para formação continuada
de profissionais da Educação no estado EDUCAÇÃO CONTINUADA
de São Paulo. Atualmente, é docente na REFLEXÕES, ALTERNATIVAS
Uniso/Sorocaba. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A ld a J u n q u e ira M a rin (o rg .) é livre-


docente em Educação. Atua como profes-
sora e pesquisadora no Programa de
Estudos Pós-graduados em Educação:
História, Política, Sociedade na PUC-São
Paulo e no curso de Pós-graduação em
Educação Escolar, na Unesp-Araraquara.

C la u d ia C ris tin a F ió rio G u ilh e rm e é


mestre pela Universidade Federal de São
Carlos e atualmente se dedica ao douto-
rado na Unesp-Araraquara. Atuou como
docente no Instituto de Biociências da
Unesp-Rio Claro.

D irc e C h a ra ra M o n te iro participa do corpo


docente do curso de Pós-graduação em
Educação Escolar da Unesp-Araraquara.
Também é professora na Uniara-
Araraquara. Atua na área de ensino de lín-
guas e alfabetização.

E is a G a rrid o é docente e pesquisadora


na Faculdade de Educação da USP, onde
atua também no curso de Pós-graduação
em Educação. Tem estudos e publicações
na área de formação de professores.

J o s e ly K o b a l d e O liv e ira é docente na


Unesp-Araraquara e doutoranda no Pro-
grama de Pós-graduação em Educação
Escolar na mesma universidade.
ALDA JUNQUEIRA MARIN CORG.)

EDUCAÇÃO CONTINUADA
COLEÇÃO REFLEXÕES, ALTERNATIVASWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
MAGISTÉRIO: FORMAÇÃO E TRABALHO PEDAGÓGICOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Esta coleção que ora apresentamos visa reunir o melhor do pensamento


teórico e crítico sobre a formação do educador e sobre seu trabalho, expondo
através da diversidade de experiências dos autores que dela participam um
leque de questões de grande relevância para o debate nacional sobre a Edu-
cação.

Trabalhando a partir de duas vertentes básicas - magistério/jormacão


profissional e magistério/trabalho pedagógico - os vários autores ONMLKJIHGFEDCBA
e n fo c a m

diferentes ângulos da problemática educacional, tais como: a orientação na


pré-escola, a escola de ]O grau: currículo e ensino, a escola no meio rural, a
prática pedagógica e o cotidiano da escola, estágio supervisionado, didática
do ensino superior etc.

Esperamos assim contribuir para a reflexão dos profissionais da área


de educação e do público leitor em geral, visto que neste campo o questiona-
mento é o primeiro passo na direção da melhoria da qualidade do ensino, o que
afeta a todos nós e ao país.

lIma Passos Alencastro Veiga


••
• utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
Coordenadora PAPIRUS EDITORA
Capa: utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Femando Cornacchia
F o to d e c a p a : Rennato Testa
C o p id e s q u e : litiane Moreira Santos
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Revisão: M a ria L ú c ia A . M a y e r

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Educação continuada: Reflexões. alternativas / Atda Junqueira


Marin (org.). - Campinas, SP : Papirus, 2000 - (Coleção Magistério:
Formação e Trabalho Pedagógico)

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 85·308·0584.4

1. Educação continuada - Brasil 2. Professores - Formação


profissional- Brasil I. Marin, Alda Junqueira. 11.Série.

()().O531
CDD-374 SUMÁRIO
[ndlces par. catálogo sistemático:

1. Educação continuada 374

APRESENTAÇÃO ................... 7ONMLKJIHGFEDCBA

l. FORMAÇÃO CONTINUADA:
A PRÁTICA PEDAGÓGICA RECORRENTE . . . . . . . . . . 11zyxwvutsrqponmlkjihgfe
Yeda da Silva Porto

2. ANÁLISE DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS


PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE
ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO _ 39
Abel Silva Borges

2! Edição 3. A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA DOS CENTROS


2004
DE FORMAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE ESCOLAS .... 63
Rui Canário
.' ,
Proibida a reprodução total ou parcial
da obra de acordo com a lei 9.160/98.
Editora afiiiada à Associação Brasileira 4. A PESQUISA COLABORATIVA NA ESCOLA
dos Direitos Reprográficos (ABDR).
COMO ABORDAGEM FACILITADORA PARA O
DESENVOLVIMENTO DA PROFISSÃO DO PROFESSOR . . 89
DiREITOS RESERVADOS PARA A lÍNGUA PORTUGUESA:
C M.R. Cornacchia e Editora Lida. - Papirus Editora EIsa Garrido, Selma Garrido Pimenta e
Fone/fax: (19) 3272-4500 - Campinas - São Paulo _ Brasil
Errnail: e d ito ra @ p a p iru s .c o m .b r - w w w .p a p iru S .c o m .b r Manoel Oriosvaldo de M o u ra
5. EDUCAÇÃO CONTINUADA E INVESTIGAÇÃO-AÇÃO:
DA RELEVÂNCIA DE UMA FASE EXPLORATÓRIA . . 113zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
11/utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Alda Junqueira Marin, Claudia Cristina Fiório Guilherme,

I Josely Kobal de Oliveira, Maria Cristina de Senzi Zancul e


Maria Iolanda Monteiro

6. FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES:


O DESAFIO METODOLÓGICO . . . . . . . . .. ..... 129
Dirce Charara Monteiro e Luciana Maria Giovanni

7. EDUCAÇÃO CONTINUADA NO APRESENTAÇÃO


ENSINO DE MA TEMÁ TICA . . . . . . . . . . . . . . .. 145
Mauro Carlos Romanatto

Como se vê pela relação dos autores inscritos no sumário, esta é


uma obra realizada a muitas mãos. São mãos que auxiliam, ou já
auxiliaram, nos processos de educação continuada. Nesses textos, são
mãos que escreveram acerca das reflexões que seus autores fazem ou
fizeram, ou, ainda, acerca de análises que empreeenderam sobre a
temática.
A perspectiva genérica que perpassa os textos é muito interessan-
te. Ela vem reforçar uma tendência produtiva em diversos aspectos na
área da educação continuada. Vejamos o porquê de tal assertiva.
Embora não tivéssemos essa denominação, e também não a foca-
lizássemos nos diversos espaços e tempos passados, a verdade é que
aqueles que se dedicaram ao trabalho em geral - e à educação em
particular - sempre passaram por um processo de educação continuada.
Pressionados pelas necessidades ou por influência das diferentes relações
que mantinham, os trabalhadores, com maior ou menor consciência
disso, sempre se formaram em graus diferenciados dentro de sua área de
atuação. Hoje nós o sabemos.

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Por outro lado, ao longo deste século começaram a aparecer obras pluralidade de perspectivas sobre a educação continuada. No projeto edito-
com proposições de processos dessa natureza, sobretudo sob a nomen- rial, apenas se definiram a temática e a idéia de ser um trabalho que trouxesse
clatura dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
educação permanente. A bibliografia disponível, então, foi algum tipo de avanço. Os autores, porém, ficaram livres para expor suas
constituída, predominantemente, por textos teórico-propositivos. reflexões, para trazer a público os fundamentos e as experiências que
Durante algumas décadas, portanto, essa área padeceu de uma consideraram relevantes. Dessa possibilidade resultou um conjunto de
caracterização tripla, relativamente desconectada. Numa das vertentes, textos que vai da sistematização teórico-metodológica ao relato de uma
estavam as reflexões teóricas, conceituais, propositivas, sob diferentes experiência bem específica com professores de matemática.
pontos de vista e de acordo com diversificados fundamentos. Em outra Yeda da Silva Porto abre esta coletânea. Seu denso texto, oriundo
vertente, bastante desligadas, estavam as ações do dia-a-dia nas institui- de sua dissertação de mestrado, sintetiza diferentes idéias e concepções
ções em que os processos aconteciam, sem que maiores atenções fossem sobre a formação em geral e a formação continuada em particular, em
dadas a eles, sem que houvesse o interesse em seu estudo, em sua análise suas relações com as práticas pedagógicas.

ou no estabelecimento das relações entre tais práticas e os estudos Na seqüência, encontra-se o texto de Abel Silva Borges, apresen-
teóricos que avançavam. Na terceira vertente, aconteciam as proposições tando reflexões sobre os pressupostos teóricos de formação docente que
de medidas e ações de órgãos públicos ou particulares, voltadas para nortearam algumas práticas de capacitação de educadores em serviço,
bem como as políticas educacionais no estado de São Paulo, situando-as
alterações nas instituições educacionais ou empresariais sem, contudo,
no contexto das políticas públicas.
fazer referência explícita às demais vertentes, quer as teóricas, quer as
práticas. O terceiro texto, elaborado por nosso colega português Rui Caná-
rio, aborda fundamentos e faz um balanço da experiência portuguesa com
De uns anos para cá - sobretudo na década de 1990 -, firmou-se,
os Centros de Formação das Associações de Escolas. Criados para
na área educacional, a tendência de focalizar os processos práticos e seus
viabilizar a formação contínua dos professores em 1993, estavam estrei-
contextos, de examinar a bibliografia, de buscar, por inumeráveis cami-
tamente ligados à reforma do ensino pela qual passou o país. Esses
nhos, a efetivação de processos que visassem à melhoria do desempenho Centros constituíam a promessa de uma inovação na área, pois contavam,
dos trabalhadores da educação. Assim é que temos visto a educação entre outros pressupostos, com uma organização territorial em que as
continuada se tornar uma área da qual muito se fala, pelos mais diversos escolas se associariam para, num processo interno, enfrentar os proble-
motivos, e também, no interior da qual muito se tem feito.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É uma área, mas das mudanças necessárias.
no entanto, ainda pouco sistematizada e analisada.
Um grupo de pesquisadores apresenta o quarto texto. EIsa Garrido,
Há que se buscar dar espaços para divulgar os estudos descritivos e Selma Garrido Pimenta e Manoel Oriosvaldo de Moura relatam e anali-
analíticos, que se norteiem pelas tentativas de relacionamento entre as sam aspectos de parceria entre a universidade e centros de formação de
vertentes anteriormente apontadas. Penso que esta coletânea tem esta professores, no âmbito do ensino médio, focalizando a qualificação na
intenção. Por ser organizada dessa forma - como coletânea -, apresenta formação de professores. A atividade do grupo evoluiu de ações de

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reflexão para um projeto de pesquisa-ação, ainda em desenvolvimento
mas que já mostra seus frutos.

Outro grupo de pesquisadores - Alda Junqueira Marin, Claudia


I
Cristina Fiório Guilherme, Josely Kobal de Oliveira, Maria Cristina de
I

Senzi Zancul e Maria Iolanda Monteiro - analisa e reforça


IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a relevância de
fases exploratórias nas atividades de educação continuada, expandindo
alguns conceitos propostos originalmente para a investigação-ação.
Dirce Charara Monteiro e Luciana Maria Giovanni trazem a
público reflexões orientadoras sobre um modo de fazer educação conti-
1
nuada, combinando pesquisa e formação, a partir de ações e projetos
FORMAÇÃO CONTINUADA: A PRÁTICA
desenvolvidos.
PEDAGÓGICA RECORRENTE'
O texto de Mauro Carlos Romanatto fecha a coletânea. Relata uma
experiência com professores de matemática, destacando avaliações feitas
pelos professores e estabelecendo relações relevantes entre a educação
Yeda da Silva Porto
continuada e aspectos da matemática diante de alguns limites e possibi-
lidades que vislumbra.
o desafio é formar, informando e resgatando, num pro-
Penso que esse esforço de sistematização, análise e socialização cesso de acompanhamento permanente, um educador
que teça seu fio, para apropriação de sua história, pen-
deve constituir um estímulo desafiador de mão dupla para que outros
samento, teoria e prática. (Weffort 1994, p. 6)
profissionais possam, por um lado, usufruir das reflexões aqui apresen-
tadas e, por outro, se sentir encorajados a divulgar suas reflexões, suas
vivências, seus estudos. Introduzindo o propósito

Por último, não pela pouca importância, mas pelas formalidades das
publicações, estão os agradecimentos. Agradeço, inicialmente, a llma Pas- A formação de professores assume, sem dúvida, posição de prevalência
nas discussões relativas à educação numa perspectiva transformadora. Esta
sos de Alencastro Veiga, coordenadora desta coleção, pela confiança e pelo
convite que me foi feito para esta empreitada. Agradeço igualmente aos é uma preocupação evidenciada nas investigações mais recentes e na
literatura da área, provocando debates e encaminhando propostas acerca
colegas pelo empenho com que, apesar de tantos afazeres, conseguiram
da formação inicial e continuada de docentes. Nesse movimento mun-
encontrar tempo para atender ao convite para este trabalho coletivo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1. Este artigo retoma parte da dissertação de mestrado da autora, redigi da sob a orientação da professora
A/da Junqueira ONMLKJIHGFEDCBA
M a r in doutora Urna Passos de Alencastro Veiga (cf. Porto 1998).

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dial, a formação continuada ocupa lugar de destaque, estando, de forma Idéias-síntese que orientam a reflexão
crescente, associada ao processo qualitativo de práticas formativas e
pedagógicas. Formação como autoformação
Caracteriza-se este momento histórico pela incessante busca e
Concepções diferentes sobre formação confrontam-se no âmbito
renovação do saber-fazer educativo. É, pois, nesse movimento recons-
educacional, originadas em diferentes pressupostos filosóficos e epistemo-
trutivo que pretendo inserir o presente texto, apoiando-o em conceitos e
metodológicos priorizados por quem as assume. De forma geral, essas
propostas que o pensamento pedagógico vem construindo para a escola,
concepções podem ser reunidas em duas grandes tendências. A primeira,
o ensino, a formação de professores, contrapondo-a às tradicionais
práticas formativas. Procuro analisá-Ias a partir de um "novo tempo" que identificada como estruturante: formação tradicional, comportamentalista,
se configura: o mundo é cada vez mais uno, a realidade se universaliza. tecnicista, define previamente programas/procedimentos/recursos "a par-
As mudanças são vertiginosas, marcadas pelo processo sem precedentes tir de uma lógica de racionalidade científica e técnica, aplicados aos di-
da internacionalização da economia. Novas exigências se impõem ao ser versos grupos de professores" (Nóvoa 1992, p. 21). A segunda, interativo-
humano face às transformações epistemológicas, sociais e tecnológicas construtivista: dialética, reflexiva, crítica, investigativa, organiza-se a partir
que se produzem. A educação, entendida como prática social, estrutura- dos contextos educativos e das necessidades dos sujeitos a quem se
se sobre outra base histórica. Portanto, é na consideração desses fatores destina. Nesta última posição situo a referência teórica e a análise a
que precisa ser pensada a formação de professores, cujo processo está, seguir, mesmo compreendendo que essas concepções não se excluem
indiscutivelmente, referendado à trama das relações sociais e aos arran- totalmente no processo de formação inicial e continuada de professores.
jos estruturais e conjunturais que se efetivam. A construção de um outro
Entre os significados do vocábulo formação, registrados no Di-
projeto de formação continuada de professores apresenta-se como um
cionário Caldas Aulete (1985), destacam-se ação e efeito de formar:
desafio inadiável, trazendo consigo duas questões interligadas e inter-
constituição, caráter, ato de tomar forma, desenvolver-se - idéias que
conseqüentes: como "formar" o professor para esse novo tempo, para
mantêm relação com um estado de incompletude.
essa nova escola que está sendo desenhada pelas mudanças que se
implementam? Como privilegiar um processo de autoformação, cujas Nessa perspectiva, associa-se o conceito de formação de professores
características essenciais sejam a criticidade, a criatividade, a autonomia à idéia de inconciusão do homem; identifica-se a formação com percurso,
pessoal e profissional, permitindo ao educador "tecer seu próprio fio"? processo - trajetória de vida pessoal e profissional, que implica opções,
Eis, assim, as questões que perpassam as reflexões apresentadas remete à necessidade de construção de patamares cada vez mais avançados
neste texto, firmando-se na compreensão de que formação continuada de de saber ser, saber-fazer, fazendo-se. Portanto, torna-se possível, a partir
professores e práticas pedagógicas não podem ser pensadas de forma dessa lógica, relacionar a formação de professores com o desenvolvimento
dissociada: torna-se necessário questionar, avaliar, ressignificar a rela- pessoal-produzir a vida - e com o desenvolvimento profissional- produzir
ção formação/prática. a profissão docente (Nóvoa 1995, p. 15). Entende-se, em decorrência, que
a formação acontece de maneira indissociável da experiência de vida. Do

12zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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mesmo modo, considera-se que a formação do professor é processo que não Entende-se, nessa perspectiva, que as práticas rompem com um
se finaliza com a formação inicial; ao contrário, impõe-se, como indispen- saber produzido fora da profissão: a formação continuada passa a adotar,
sável, a formação continuada "em que as práticas profissionais se tomem o como referências, as dimensões coletivas das práticas, contribuindo
terreno da formação" (Marques 1992, p. 194). "para a emanci pação profissional e para a consolidação de uma profissão
Nesse caso, percebe-se que a formação se dá enquanto acontece a que é autônoma na produção de seus saberes e de seus valores" (Nóvoa
prática - momentos interdependentes e intercomunicantes de um mesmo 1991, p. 25) - exigente, portanto, quanto à preparação de professores
processo, renovadores do espaço pedagógico e das práticas nele efetivadas. responsáveis por sua formação profissional e autores de inovação, de
Por isso, a formação não se conclui; cada momento abre possibilidades para mudança, de transformação pessoal, profissional, institucional. Considere-
novos momentos de formação, assumindo um caráter de recomeço/ se, nesse sentido, que a formação continuada é importante condição de
renovaçãolinovação da realidade pessoal e profissional, tornando-se a mudança das práticas pedagógicas, entendida a primeira, fundamental-
prática, então, a mediadora da produção do conhecimento ancorado/ mente, como processo crescente de autonomia do professor e da unidade
mobilizado na experiência de vida do professor e em sua identidade,
escolar, e a segunda, como processo de pensar-fazer dos agentes educa-
construindo-se, a partir desse entendimento, uma prática interativa e
tivos e (neste trabalho) em particular dos professores, com o propósito
dialógica entre o individual e o coletivo. Altera-se a perspectiva da
de concretizar o objetivo educativo da escola. Isto significa, então, que
formação:ONMLKJIHGFEDCBA
o fa z e r , entendido como um" atividade alheia à experiência e
a formação continuada pressupõe que as experiências da profissão não
ao conhecimento do professor, cede lugar aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
saber fazer reflexivo,
fiquem restritas às ofertas pontuais ou às exigências operativas imedia-
entendido como autoformação, percurso que ocorre na indissociabilida-
tas. Antes, formação e prática acontecem em espaço educacional amplo,
de teoria/prática, condição fundante da construção de novos conhecimentos
e de novas práticas - reflexivas, inovadoras, autônomas. articulado, institucional, viabilizador de projeto na perspectiva dos su-
jeitos, bem como do projeto político da sociedade para/com os sujeitos
Assim, acontece um triplo movimento da prática, conforme escla-
sociais.
rece Schõn (1990): conhecimento na ação (saber-fazer); reflexão na
ação (pensar sobre o fazer); reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na Nessa direção, a mudança educacional está relacionada à formação
ação (analisar criticamente o saber-fazer). Nesse caso, uma prática do professor e à inovação de suas práticas pedagógicas. Ela está, também,
crítico-reflexiva, criativo-inovadora, autônomo-transformadora passa a associada aos projetos educativos da escola: "hoje, não basta mudar o
se impor como condição construtiva da vida e da profissão do professor. profissional: é preciso mudar também os contextos em que ele intervém"
De acordo com essa lógica, "momentos de balanços retrospectivos sobre (Nóvoa 1992, p. 26). Toma-se relevante, portanto, destacar que a trajetória
os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um da escola tem sido, quase inteiramente, ordenada de fora para dentro,
produz a 'sua' vida, o que, no caso dos professores, é também produzir reduzindo-se o espaço de decisões sobre seus objetivos, sua organização,
a 'sua' profissão" (Nóvoa 1992, p. 25). Suaspráticas. Em contraposição, intensifica-se, atualmente, um movimento
que procura colocar a escola como espaço de iniciativa e coneretização de

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seus próprios projetos, exigindo, conseqüentemente, que suas práticas, conotativo. Isto significa que a certeza de um modelo abre-se para a "era
guiadas pela reflexão crítica, transformem-se em práxis mediada pelo da suspeita - o homem é desafiado a questionar não apenas o mundo, os
coletivo dos agentes educativos que nela atuam. Assim, a formação conti- outros, mas também a si mesmo" (Konder 1990, p. 8). Desse modo, a
nuada, parte viva e vivificante do projeto educativo da escola, é, antes de dialética supõe um repensar, um recompor, um refazer permanentes,
tudo, uma releitura das experiências que nela ocorrem, significando uma tanto no plano da teoria quanto no da prática, ao mesmo tempo indisso-
atenção prioritária às práticas dos professores, ressaltando-se que ciáveise dialogais,o que possibilitareconhecer "ainfinitude, a inesgotabilidade
do movimento do real" (Konder 1990, p. 8), admitindo o pluralismo ao
o espaço pertinente da formação contínua já não é o professor individual,
rejeitar o monopólio da percepção/compreensão da realidade, romper com
mas sim, o professor em todas as suas dimensões coletivas, profissionais
"preceitos doutrinários prontos para serem aplicados a contextos diversos"
e organizacionais. A formação concebe-se como uma intervenção educativa
(idem, ibidem, p. 9), e apresentar reflexões profundamente imbricadas: a
e é solidária dos desafios de mudanças das escolas e dos professores (Nó voa
1992, p. 22). uma maneira de ser corresponde uma maneira de pensar. Decorrem daí dois
traços fundamentais da dialética. Sobre o primeiro traço, Haguette (1990,
Cabe, então, reafirmar que formação continuada e prática peda- pp. 31-32) afirma que:
gógica são atividades convergentes, intercomunicativas, integrando-se
aquela ao cotidiano dos professores e das escolas, intervindo e sendo A dialética repousa (...) sobre a idéia de uma ambigüidade fundamental do
passível de intervenção, transformando e transformando-se, num proces- ser humano que lhe confere um dinamismo inesgotável: a ambigüidade
so permanente e renovador de autoformação. transcendência/contingência. A transcendência se manifesta por uma incom-
pletude radical e um dinamismo aberto, infinito e indefinido (...). A dialética,
Essas considerações configuram, até certo ponto, um conjunto de
portanto, é esta característica de inacabamento dinâmico da natureza humana
pressupostos que pretendem formação continuada/prática pedagógica
(do ser humano) que projeta o homem, insatisfeito, para subseqüentes
em permanente interrogação crítica, condição primeira das mudanças conquistas sempre renovadas. Esta abertura ou este horizonte, este movi-
exigidas. Importa, nesse caso, buscar coerência entre as concepções mento incessante, no entanto, se projeta na contingência.
que as desenham e as ações que as revelam/desvelam. Por isso, as
perspectivas a seguir retomam e procuram explicitar as concepções
anteriormente referidas. o homem se descobre e se constrói, pois, na mediação do objeto:
"no e pelo objeto impregnado de sociabilidade ou significado social,
Formação continuada e prática pedagógica: intersubjetivo"ONMLKJIHGFEDCBA
( o p . cit., p. 32).

Uma perspectiva dialética Isto remete ao segundo traço: a mediação social, realizada pelo
homem, sempre histórico, socialmente datado, subjetivamente contradi-
Ao longo dos anos, a palavrazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dialética tem perdido sua precisão tório, evidenciada por pólos extremos como transcendência e história,
denotativa, ao mesmo tempo em que vem-se fortalecendo seu valor absoluto e relativo, razão e vontade (antinomias que constituem expres-

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sões da dialética humana). Esses dois traços permitem perceber que a de educadores e investigadores da área da educação, por consistir em
importante inovação perante as formas convencionais (Schõn 1983,
dialética apresenta duas condições essenciais, objetivas e subjetivas. AszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
condições objetivas referem-se às circunstâncias existentes, dadas; que 1987,1990; Zeichner 1990; Perrenoud 1991; Pérez Gómez 1995).
delimitam a capacidade de intervenção subjetiva: são impostas ao sujei- Nessa perspectiva, assumo o pressuposto de que a racionalização
to, previamente estruturadas, intentando forma rígida e repetitiva de técnica _ atividade instrumental que procura a solução de problemas
pensar e de agir. Demo (1990, p. 119) afirma que essa postura "toma uma mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas - é
pré-decisão sobre o objeto, declarando como real apenas o que cabe no
inadequada e insuficiente ao desempenho educativo.
composto das condições objetivas". As condições subjetivas referem-se
Tal posição decorre de dois fatores fundamentais:
às possibilidades de criação no espaço das circunstâncias - possibilida-
des que não são totais. A respeito dessas condições, Demo (op. cit., p.
120) elucida que o ser humano "não apenas sofre história, na condição • a realidade social e, por via de conseqüência, a realidade educativa,
não podem ser enquadradas em esquemas preestabelecidos: são indis-
de paciente, espectador, ouvinte. Pode interferir, ou melhor, sua presença
cutíveis as características de "complexidade, incerteza, instabilidade,
na realidade é tipicamente interferência, pois, sendo um dado objetivo
singularidade e conflito de valores" (Pérez Gómez 1995, p. 99) que
carregado de subjetividade, sua presença é sempre influência".
marcam o processo educativo. Portanto, a formação e a prática peda-
Por isso, não há formação/prática definitivas: há, sim, um processo gógica não se reduzem à mera instrumentalização ou à "acertada"
de criação constante e infindável, necessariamente refletido, reorientado, escolha de meios e de procedimentos. Não podem ser tratados como
reavaliado, uma vez que a dialética é, fundamentalmente, inquisidora. Nessa problemas instrumentais, passíveis de solução por meio de regras guar-
direção, mobiliza a mudança do ser, do seu saber-fazer, do contexto onde dadas no "baú do conhecimento científico" de cada profissional:
se situa o ser e onde se gera o saber-fazer, à medida que aceita a provisorie- formação/prática pedagógica precisam ser vistas como situações pro-

dade e é capaz de "esgueirar-se na profundeza do passageiro, ao compreender blemáticas, contextualizadas, únicas;

a intensidade dos momentos" (op. cit., p. 142). • a teoria científica é múltipla, o que impossibilita uma identificação/adoção
"unívoca de meios, regras e técnicas a utilizar na prática, uma vez
identificado o problema e clarificadas as metas".ONMLKJIHGFEDCBA
( O p . cit., p. 1(0)
Formação continuada e prática pedagógica:
Uma perspectiva reflexiva

A formação continuada e a prática pedagógica, como insistente- Isso significa, pois, que formação e prática pedagógica passam a
mente evidenciado neste trabalho, apresentam diferentes tendências no ser encaradas como atividades reflexivas que somente em determinadas
que se refere à sua execução. Não pretendo retomá-Ias neste momento; situações aceitam algumas aplicações concretas de caráter técnico, quase
teço, sim, algumas considerações sobre a perspectiva reflexiva na for- sempre aquelas que apresentam menor relevância educativa e maior grau
mação continuada e na prática pedagógica, entendendo-a como uma de definição. A esse respeito, Schõn (1990, pp. 6-7) esclarece:
tendência emergente e que vem merecendo crescente interesse por parte

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aspectos da realidade divergente, porque contraditória, possibilita-lhe criar
As zonas indeterminadas da prática - incerteza, singularidade e conflito
"novos marcos de referência, novas formas e perspectivas de perceber e de
de valores - escapam aos cânones da racionalidade técnica. Quando uma
situação problemática é incerta, a solução técnica do problema depende reagir" (pérez Gómez 1995, p. 110). Esse processo de análise, de crítica e

da construção prévia de um modelo bem definido - o que 'em si mesmo de criação de uma realidade - neste caso, a formação e a prática pedagógicas
não é uma tarefa técnica. Quando um prático reconhece uma situação _ remete-o para além da p3.1ticularidade do fato, do conhecimento e do
como única, não pode tratá-Ia apenas através da aplicação de teoria e procedimento disponíveis e por ele apropriados, levando-o a criar novas
técnicas derivadas de seu conhecimento profissional. E, em situações de realidades, construídas nas trocas possíveis no espaço escolar e influencia-
conflito de valores, não há metas claras e consistentes que guiem a das de modo decisivo pelas percepções, representações,juízos do professor.
seleção técnica dos meios.
Refuto, pois, a possibilidade de um conhecimento profissional pree-
xistente adequado a toda situação, indistintamente. Uma nova situação
Entendo que, na lógica positivista, acontece a primazia dajustifi-
pedagógica implica que o professor investigue, compare, decida - rejlexão-
cação sobre a descoberta: formação e intervenção ajustam-se aos padrões
que validamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a priori o conhecimento científico ou suas aplicações na-ação _ construindo seu próprio conhecimento profissional, avançando

tecnológicas (Pérez Gómez 1995, p. 101), conduzindo a uma leitura para além do conhecimento posto à disposição pela racional idade técnica.

incorreta da realidade, na qual manifestações peculiares, singulares da A prática, portanto, assume lugar central nessa perspectiva, permitindo o
realidade social e educacional são asfixiadas. desenvolvimento das capacidades e competências da profissão, não de-

No intento de superar essa lógica, procura-se, então, uma alterna- pendentes da assimilação do conhecimento acadêmico, mas decorrentes

tiva que considere a formação e a prática pedagógica como únicas, em da dialética estabelecida com a situação real no exercício da profissão,

situações peculiares - emerge a perspectiva reflexiva -, alternativa esta promotora da autoformação do professor. Desse modo, a prática transfor-
analisada por Schõn (1983, 1987) como um processo de rejlexão-na- ma-se em fonte de investigação e de experimentação, ao mesmo tempo em
ação. Essa concepção, anteriormente referida, remete à necessidade de que a teorização da prática adquire legitimidade.
reconsiderar a formação e a prática do professor: ela supõe a reconcei- Garcia (1995, pp. 62-63) destaca, em relação à formação/prática
tuação teórica, tanto da formação continuada como das práticas
pedagógica reflexiva, três atitudes fundamentais: mentalidade aberta,
decorrentes, possibilitando o surgimento de relações inovadoras dos
que se define como ausência de preconceitos, de parcialidades, de
professores com o conhecimento científico-pedagógico.
melindres _ fatores impediti vos de considerar novas situações problemá-
Os autores dedicados à perspectiva da formação e da prática reflexiva ticas e de assumir novas idéias, reconhecendo a possibilidade do erro; a
fornecem conceitos/alternativas que bem a caracterizam, a partir das cate- responsabilidade que se refere, sobretudo, à responsabilidade intelec-
gorias apresentadas por Schõn (1987) e analisadas por Zeichner (1995, pp. tual, considerando as conseqüências de um passo projetado e assumindo
126-128) e por Pérez Gómez (1995, pp. 110-113). Assim, entendo que as essas conseqüências; e o entusiasmo, definido como a predisposição parautsrqponmlkjihgfe
situações com que se defronta o professor exigem respostas construídas no
espaço onde emergem: a dialética que o professor estabelece com os

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20
enfrentar a situação com curiosidade, energia, prazer, capacidade de
renovação, ruptura com a rotina. Enfim, frisa-se que a reflexão está impregnada, em todos os
momentos, de valores, interesses, percursos que circunstanciam e confi-
Alerto, igualmente, para o fato de que a prática reflexiva pode
guram a própria experiência da formação e da prática pedagógica. Nesse
conduzir a uma rejeição insensata de todo conhecimento exterior ou,
entendimento, amplia-se, cada vez mais, a proposta de formação do
ainda, provocar "o estímulo a uma reflexão pela reflexão, que não
profissional reflexivo - aquele quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
reflete-na-ação, interrogando e inter-
considera os princípios morais e éticos que determinam o modo de pensar
rogando-se sobre práticas, avaliando-as e inovando-as.
dos professores" (Zeichner 1995, pp. 127-128). A prática reflexiva não
isola nem exclui; ao contrário, busca as mais profundas razões de que as
Formação continuada e prática pedagógica:
singularidades se revestem, aproximando-as por meio de intenso movi- Uma perspectiva inovadora
mento dialético. Mostra-se, ao mesmo tempo, subjetiva e intersubjetiva.
Por isso, torna-se necessário atentar para as características fundamentais Há diferentes concepções de inovação, segundo o segmento que
que a concepção crítico-reflexiva apresenta, conforme indica Kernmis a considera, o interesse que a mobiliza, o contexto que a engendra. Por
(1985, pp. 148-149), citado por Pérez Gómez (1995, p. 103): isso, a pretensão de conceituá-la consiste em trabalho complexo, embora
se perceba uma tendência generalizadora de associar inovação com
• a reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem é processos de mudança. Menos acentuadas encontram-se posições que a
pensamento puro, antes expressa uma orientação para a ação e refere- relacionam com a descoberta - aquilo que aumenta o conhecimento - e
se às relações entre o pensamento e ação nas situações históricas em com a invenção - uma nova aplicação desse conhecimento. Conecta-se,
que nos encontramos;
outras vezes, com as idéias de melhoria, progresso, qualidade.
• a reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental, quer seja
Em educação, os estudos sobre inovação começam a surgir em
mecânica ou especulativa, antes pressupõe e prefigura relações sociais;
época bastante recente; paulatinamente, passa-se a considerar a inovação
• a reflexão não é nem independente dos valores, nem neutra, antes
como algo necessário para superar a continuidade de modelos educati vos
expressa e serve a interesses humanos, políticos, culturais e sociais
Particulares; e pedagógicos. Esse interesse, todavia, não tem conduzido a uma análise
• a reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem social, nem aprofundada da questão.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É comum, ainda, o tratamento semelhante para
propaga meramente valores sociais consensuais, antes reproduz ou mudança e inovação, o que pode resultar em procedimentos pouco
transforma ativamente as práticas ideológicas que estão na base da significativos para o propósito de melhoria da formação e da prática
ordem social;
pedagógica.
• a reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exer-
Neste trabalho, é necessário esclarecer que se considera mudança
cício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que
como "uma alteração significativa de algo entre um primeiro e um
exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na
segundo momento" (Ferretti 1980, p. 56). O primeiro momento serve
comunicação, na tomada de decisões e na ação social.
como referência para avaliar a consecução da mudança, relacionada ao
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23
segundo momento. Busca-se apreender o grau de melhoria obtido em que a maior parcela de energia de grupos e de organizações é consurnida
"na execução de operações de rotina e na manutenção das relações
relação a uma situação inicial. O termozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
melhoria traz consigo conotações
valorativas, implicando a "passagem de um estado anterior, considerado interiores ao sistema" (Huberman 1973, p. 39). Vários fatores conduzem
menos desejável, para um posterior, considerado mais atraente em fun- a essa situação:jatores exógenos: resistência do ambiente às mudanças,
ção de fins especificados" (op. cit., pp. 56-57). Assim, as concepções de ausência de agente de transformação, dicotomia entre teoria e prática,
mudança e melhoria estão vinculadas ao conceito de inovação, entendida base científica inconsistente, conservadorismo, ausência de avaliação
esta como um processo que objetiva, fundamentalmente, "fazer instalar, sistemática das inovações;fatores endógenos: ausência de política consis-
aceitar e utilizar determinada mudança" (Huberman 1973, p. 17) relativa tente de inovação, ausência de recompensa para inovadores, uniformidade
a ritos, técnicas, costumes, práticas, conhecimentos.
de método, baixo investimento em pesquisa, fragilidade do conhecimen-
Além da busca de precisão dos termos, toma-se relevante explicitar to disponível, dificuldade em diagnosticar necessidades e propor
as dimensões da análise para a inovação, conforme indicações fornecidas alternativas, priorização da rotina, reduzidas propostas de formação
por Wanderley (1980, pp. 42-52). A primeira dimensão refere-se a quem continuada com vistas à inovação.
inova: quem cria a inovação, quem inicia sua aplicação, quem a desenvolve.
Recentemente, os estudos sobre inovação voltam-se de modo
Registra-se que são múltiplos os agentes da inovação e que nem sempre
insistente à análise dos fatores endógenos que a impulsionam ou restrin-
aquele que cria é aquele que inicia e desenvolve a inovação. A segunda
gem. Destaca-se que a inovação em educação, nesse sentido, procura
dimensão relaciona-se ao como se inova: vincula-se aos objetivos e concep-
potencializar a escola e os professores como agentes de mudança (desenvol-
ções de quem inova, bem como às mudanças pretendidas pela sociedade, vimento pessoal, redefinição profissional, reestruturação organizacional).
quase sempre indicadas em momentos de "crise" e concretizadas por meio
Essa mudança exige a implantação de novos modos de pensar e fazer a
de "reformas". A terceira dimensão indicada pelo autor refere-se ao que ONMLKJIHGFEDCBA
é
educação no âmbito de uma instituição historicamente resistente à ino-
inovado, nos diferentes níveis de uma estrutura, de um processo, de um
vação: novos modos de trabalho cooperativo, estrutura menos rígida,
sistema. A quarta e última dimensão está relacionada ao por que se inova.
redução da burocracia, professores inovadores. Investe-se, pois, na es-
Procura-se conhecer as causas da inovação, internas ou externas à unidade
cola e no professor como agentes inovadores de mudança. Assim, nessa
inovadora em questão.
perspectiva, a inovação não se caracteriza como aplicação de conheci-
Importa assimilar, ainda, os fatores que favorecem ou limitam a mento produzido fora da escola e alheio à experiência do professor: ela
inovação. Seguindo a lógica deste trabalho, procura-se situar esses nasce de sua reflexão sobre a própria prática e do intuito em questioná-Ia
fatores em relação ao espaço escolar, às propostas de formação conti- e compreendê-Ia a partir do contexto em que habitualmente ocorre. A
nuada e às práticas pedagógicas. Os estudos disponíveis sobre inovação formação, pois, sob o ponto de vista crítico-reflexivo-inovador leva em
indicam que, entre os segmentos sociais e produtivos, os sistemas de Conta, conforme assinalam Escudero e Bolívar (1994, p. 22) "as peculia-
ensino - em seus diferentes níveis e em suas múltiplas modalidades - ridades dos sujeitos, dos professores, gerando um contexto de
apresentam-se como os mais resistentes à inovação. Afirmam, também,utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

24
25
explicitação e reconstrução destas peculiaridades (...), convertendo-se, dor de novos achados, propiciador de novos fazeres. E, para que tal
por sua vez, as escolas em contextos de formação, aperfeiçoamento e ocorra, torna-se imprescindível que o professor se assuma como inves-
aprendizagem dos professores".
tigador de sua ação pedagógica, exercitando o papel de sujeito no
Do exposto, é possível identificar duas concepções básicas de processo de reflexão dessa prática, produzindo um conhecimento que lhe
inovação, conforme aponta Correia (1989, p. 40): a inovaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
instituída permita a teorização necessária à sua autonomia - "investigação como
e a inovação instituinte. A primeira é formulada pelo poder central, indagação sistemática e autocrítica" (Fernandes e Niemeyer 1996, p. 2).
cabendo à escola aceitá-Ia como proposta que pretende o desempenho Isso implica um permanente rever e rever-se, um movimento dialético
eficaz dos profissionais; a segunda significa uma ruptura com práticas que revela uma oportunidade ímpar: a substituição do professor repetidor
anteriores e a produção de novas práticas (op. cit., p. 51), construída no de um saber cristalizado por "testemunhas vivas e participantes de um
processo crítico, criativo, autônomo dos professores. saber que se elabora e reelabora a cada momento" (André 1995, p. 115).
Nas duas últimas décadas, os movimentos formativos reforçam a Essa é uma visão nova do papel do professor e, mesmo, do próprio
segunda concepção, apontando, insistentemente, para a possibilidade da processo de pesquisa.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É um novo desafio que se coloca à formação/
autoformação realizada no contexto escolar - considerado como espaço prática do professor. Se, por um lado, encontra ainda resistência, por
estimulador da investigação, da criticidade, da criatividade: condições outro, encontra crescente número de defensores: professores conscientes
ou características essenciais da formação/prática pedagógica dialética, das dificuldades que precisam ser superadas, mas, também, dos ganhos
reflexiva, inovadora, entendendo-se que a mudança não ocorre por força e benefícios que advêm desse outro modo de perceber a pesquisa e de
de um estatuto legal. Ao contrário, ela é decorrência, sobretudo, da orientar a ação pedagógica, evidenciado em possibilidades de:
emergência, em nível escolar, de um processo consentido de inovação.
O duvidar, o indagar, o questionar fazem parte, naturalmente, da • romper com o conformismo ante idéias recebidas/impostas;
formação e da prática que se configuram na perspectiva crítico-reflexiva. • superar a rotina que esvazia e imobiliza o interesse e afronta a
Desse modo, entende-se a investigação como procedimento de constru- capacidade crítica e criadora dos sujeitos educativos;
ção científica e como processo formativo, indispensáveis à experiência • desenvolver a atitude de "andar sempre de olhos abertos, vendo
desafiadora que deve estar inserida no cotidiano das instituições escola- o mundo criticamente e reconstruindo-o pelo questionamento
res. Constitui-se, pois, a pesquisa, em condição fundamental à prática permanente" (Demo 1995, p. 62);
inovadora do professor, tornando, assim, "indissociáveis as questões de • descobrir e produzir novos conhecimentos - fazer ciência;
ensino das questões de pesquisa" (Stenhouse 1987). Destaca-se, ainda, • transmudar o quadro educativo-pedagógico, que passa a aco-
que a inovação da formação e da prática pedagógicas não pode consistir lher o questionamento e a ressignificar a verdade, encontrando
apenas em propósito e intenção: precisa transformar-se em movimento e construindo caminhos para a autonomia.
construtivo ininterrupto, criador de novos focos de indagação, estimula-

26zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
27
No entanto, considere-se que essa postura - a de professor inves- assume atitude compromissada frente aos fatos; investiga, mobiliza,
tigador -, quando instalada no cotidiano da vida escolar, não pode fugir transgride, "choca": é capaz de fazer rupturas com o instituído, com o
ao cuidado científico e à indispensável necessidade de analisar conceitos, conservadorismo, com o tradicional; exercita a dialética, nutrindo-a pelo
(re )considerar premissas, estudar, de forma radical, a realidade. Uma vez diálogo enriquecedor, (re)construtor, (re)novador; "face ao novo, não
que o investigador é também o autor da prática, necessita realizar leitura repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas
crítica da realidade cotidiana. Desse modo, os pressupostos aqui apre- aceita-os na medida em que são válidos" (op. cit., p. 41).
sentados não podem conduzir a simples "mecanismos didáticos" que Uma vez compromissados com a mudança, escola e professores
objetivem despertar a curiosidade do aluno ou apresentar uma "resposta" fazem uma análise crítica da realidade, quando se responde a questões
a um aspecto pontual da prática: pretende-se que escola e sala de aula se básicas relativas à formação e à prática docentes: o que, por que, para
transformem em espaços de produção de conhecimento e, conseqüente- quem, como?
mente, de formação e prática inovadoras, geradas na e pela ação do
Os dados colhidos nessa realidade permitem, então, manter uma
professor investigador, supondo, ainda, a existência de uma visão crítica
relação dialética entre o que existe e o que necessita existir, relação esta
da realidade - o que significa, "sobretudo que se sabe o que é vigente,
que se encontra mediada pela opção e pela concretização de alternativas
mas também o que poderia vir a ser; que é importante ter idéia de
de intervenção - a melhoria da formação continuada e práticas pedagó-
alternativas; que se é capaz de contrapor e desenhar futuros melhores"
gicas - passando a criticidade a ser concebida como a capacidade
(Demo 1995, p. 65).

A idéia dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
criticidade opõe-se à de ingenuidade. Freire (1986, p. de identificar a fonte de produção de conhecimento ou de informação,
40) aponta significativas características da consciência ingênua e da ser capaz de analisar a sua validade de acordo com as suas condições
consciência crítica. Entre as primeiras, o autor indica: tendência ao intelectuais, ter a objetividade de comparar informações, decidir quais

simplismo, na interpretação dos problemas da realidade, deixando de poderão ser mais úteis ao trabalho que desenvolve e ser capaz de testar

buscar ou aprofundar a causalidade do próprio fato, concluindo apressa- e comparar resultados.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


É ter condição de análise, reflexão, isenção e

da e superficialmente sobre a realidade. A consciência ingênua revela-se reconhecimento dos próprios sentimentos. (Moraes 1997, p. 224)

impenetrável à investigação, considerando a realidade imutável, apre-


senta-se com inconsistente aporte científico: a argumentação é mais A condição crítica, nessa lógica, ocorre interligada à condição
emocional do que crítica. Quanto à consciência crítica, ela anseia apro- criativa: denunciar e anunciar (Freire 1974).
fundar a análise da realidade: não se satisfaz com as aparências, Outro aspecto importante a considerar relaciona-se à criatividade,
reconhecendo, muitas vezes, que se encontra desprovida de meios ne-
termo que permite muitas concepções e dimensões - uma das principais
cessários à análise pretendida. Ela percebe a realidade como mutável e,
é aquela que implica a "emergência de um produto novo, seja uma idéia
por isso, está continuamente disposta a revisões, inovações e mudanças;
ou invenção original, seja a reelaboração e aperfeiçoamento de produtos
revela-se intensamente inquieta, inquiridora; aceita responsabilidades;
ou idéias já existentes" (Alencar 1995, p. 15). Existem, de modo serne-

28
29
lhante, muitas características atribuídas aos sujeitos considerados criati- (cf. Alencar 1995, pp. 107-108): sistema de premiação dependente do

vos. Neste estudo, estão afastadas as possibilidades de que a criatividade desempenho, baseado nas competências e nos desempenhos dos professores;

seja um "dom divino", dependente exclusivamente de fatores intrapes- apoio ONMLKJIHGFEDCBA


à criatividade: abertura/receptividade às novas idéias/realizações; acei-

soais e que ocorra como um "Iam pejo de inspiração mágica". tação da pluralidade, espaço para as diferenças e divergências de idéias e

Considera-se, aqui, a criati vidade como processo e produto, influenciada propostas; envolvimento pessoal: condições intrínsecas mobilizadoras

pelo domínio de conhecimentos relativos a uma determinada área, por de habilidades e esforços; autonomia.

certos traços de personalidade e por características cognitivas. De acordo O conceito de autonomia está associado às idéias de sujeito,
norma, independência: capacidade que o sujeito apresenta de se conduzir
com investigações realizadas, é ainda AlencarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(op. cit., p. 18) que esclarece
que a criatividade verdadeira satisfaz a três condições básicas: por normas sugeri das ou livremente aceitas por ele próprio. O exercício
da autonomia ocorre em uma situação concreta - outro elemento que se
• a resposta deve ser nova ou, pelo menos, estatisticamente infreqüente; acrescenta aos anteriores - e que possibilita o estabelecimento de rela-
• a resposta deve adaptar-se à realidade e deve servir para resolver um ções do sujeito com a natureza, a cultura e outros sujeitos. Isto encaminha
problema ou alcançar uma meta reconhecível;
para uma outra idéia: o poder, considerado como "a capacidade de
• deve incluir avaliação, elaboração e desenvolvimento do insight original.
influenciar coisas e pessoas de modo a obter sua adesão aos propósitos
do sujeito" (Silva 1996, p. 59).
Os estudos sobre criatividade apontam, ainda, as características
Silva (op. cit.) afirma que a noção de autonomia se aplica à
mais relevantes do sujeito criativo: autoconfiança; interdependência;
dimensão pessoal e à dimensão coletiva: a primeira refere-se ao "atributo
originalidade; inventividade; flexibilidade; anticonformismo; audácia;
da pessoa, fruto da liberdade pessoal que se manifesta pela afirmação da
curiosidade; variado campo de interesses; gosto pela aventura; esponta-
pessoa ante o estado ou qualquer outra instituição destinada a regular o
neidade; transgressão. Acrescentam-se a essas características, outros
convívio social" (p. 59); a segunda é "utilizada para denominar o esforço
traços indicados por Alencar (op. cit., pp. 21-22): "habilidade de ques-
de grupos humanos no sentido de assumir o poder de gerir suas próprias
tionar e reestruturar idéias, aliada à autonomia C..), sensibilidade e
vidas" (idem). Desse modo, entende-se que a autonomia é construída,
intuição, assim como a percepção de si mesmo como criativo".
tendo como pontos de partida a reflexão e a criação, movimento cons-
Então, formação e prática pedagógicas devem estimular a criati-
trutivo fundamental "num mundo em permanente evolução", onde "a
vidade no contexto em que emergem e se concretizam, possibilitando a
transitoriedade, o incerto, o imprevisto e a mudança estão cada vez mais
geração de propostas inovadoras e contribuindo para o processo de
evidentes" (Moraes 1997, p. 223).
mudança. Alguns fatores concorrem para a emergência da cri atividade

30 31
Formação continuada e prática pedagógica: Ao ressignificar o conceito de prática pedagógica, busca-se, inicial-
Uma relação intercorrente zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mente, contextualizá-Io em relação aos fatores socioeconômico-culturais, o
que implica, necessariamente, uma ruptura com a visão ingênua e simplista
Diante do exposto, ressalto que os ambientes de formação, construí-
da realidade, transcendendo o reino do pragmático, da racionalidade técnica,
dos por seus propósitos e suas propostas a partir das perspectivas dialética,
da instrumentação alienadora, da eficiência condicionante da rotina, do
reflexiva e inovadora, contribuem para o desenvolvimento da autonomia-
legal, do instituído que conformam, construindo-a em direção
fonte da autoformação -, permitindo compreender a indissociabilidade
entre formação continuada e prática pedagógica. ao universo da teoria, do rigor dos conceitos e métodos historicamente
Isso implica que se instale uma nova lógica de formação do produzidos e determinados, da liberdade, da criação, da produção do

professor e um novo significado da prática pedagógica. Ao reconceituar novo, da ética, englobando numa dimensão ampla, totalizante e superior

a formação continuada de professores, torna-se necessário situá-Ia, ori- ao que foi transcendido. (Coêlho 1996, p. 36)

ginalmente, como processo de desenvolvimento que ocorre ao longo da


Assim, a prática pedagógica passa a ser concebida a partir da
vida profissional, em continuidade com formação inicial e em estreita
identificação de duas dimensões indispensáveis e interinfluentes. A
relação com a prática pedagógica. Alarcão (1998, p. 107) destaca a
primeira refere-se ao processo educativo que se dá no interior da escola,
relação entre profissionalização e formação continuada, afirmando que
ao passo que a segunda evidencia-se na prática social, relacionada à
"[as] preocupações hoje manifestas relativamente à construção da pro-
formação do homem em suas relações político-culturais. Ressignificar a
fissionalidade docente não podem dissociar-se de teorias, modelos e
prática pedagógica implica, então, entendê-Ia como práxis, construída
práticas de formação continuada". O aspecto apontado contribui, certa-
no caráter dialético da realidade socioeducativa, porque a educação,
mente, para reconceituar a formação continuada, enfocando-a a partir de
"enquanto prática social humana, é um fenômeno móvel, histórico,
duas idéias esclarecedoras: a formação é, ao mesmo tempo, processo
inconcluso que não pode ser captado na sua integralidade, senão na sua
individual e social; a formação traz consigo uma dimensão educativa que
dialeticidade" (Pimenta 1994, p. 52). Em outras palavras, isso significa
requer o trato do conhecimento que se busca (Freire 1994). Desse modo,
concebê-Ia como processo interinfluente com o mundo sociopolítico e
a formação é processo que produz a identidade da pessoa do professor,
com o cotidiano da educação e, por isso, constantemente confrontada
ampliando-se esse processo para o âmbito da valorização do corpo
com as condições de mudança, provocadoras de reinterpretação e rein-
profissional, construída no e pelo conhecimento das experiências que
venção da prática do professor, explicitadas pela teorização, entendida
realizam. Deixa, portanto, a formação continuada de ser simplesmente a
esta como "um processo tentati vo de reflexão sobre a própria experiência
complementação da inicial, passando a "contribuir para melhorar a
com o objetivo de tornar-se um autor desta mesma experiência" (Kin-
escola, reinventando-a, redefinindo, em simultâneo, os contornos de uma
cheloe 1997, p. 30).
profissionalidade docente" (Canário 1994, p. 55).

32 33
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36 37
2 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
ANÁLISE DA FORMAÇÃO CONTINUADA
DOS PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE
l zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Abel Silva Borges

Introdução

Este artigo tem como objetivo contribuir para a reflexão sobre os


pressupostos teóricos que norteiam a prática da capacitação de educadores
em serviço, bem como as políticas educacionais referentes à capacitação
docente. A formação dos profissionais da educação tem sido abordada sob
diferentes perspectivas de enfoque, o que revela a fecundidade do tema.
Nas políticas educacionais recentes, a capacitação em serviço tem
sido objeto de variados estudos. Apesar de ainda incipientes, as pesquisas
nessa área já apontam para novas perspectivas de análise da formulação/

1. o presente artigo tem como base a pesquisa desenvolvida para minha dissertação de mestrado (cf.
Borges 1998).

39
execução de programas de formação continuada. Esses programas vêm- mento de publicações desses órgãos indica um caminho para a análise
se constituindo em um dos requisitos centrais para a formulação de dos pressupostos teóricos e tendências dominantes que vêm norteando a
políticas pelos organismos internacionais (por exemplo, o Banco Mun- formação e a execução de programas voltados à formação continuada
dial), bem como para os projetos de reforma educacional em curso em dos educadores. Também fornece pistas que permitem o levantamento
vários países da Europa e nos Estados Unidos. de outras questões relacionadas à principal, as quais nortearam minhas
Centro minhas análises e comentários críticos no Programa de Re- reflexões e impulsionaram minha pesquisa:
forma do Ensino Público no Estado de São Paulo, implantado pelo Governo
Fleury em 1991. O projeto educacional Escola-Padrão é seu carro-chefe, • A atual estrutura organizacional da Secretaria de Educação do
instituído pelo Decreto nº 34.035, de 22 de outubro de 1991. A medida de Estado tem sido fator impeditivo ou facilitador para a efetiva-
implantação do Ciclo Básico (CB) é anterior - Decreto nº 21.833, de 1983 _, ção das propostas delineadas nos projetos de reforma? Qual a
e tinha como meta o aumento do padrão de qualidade do ensino nas séries concepção vigente acerca da problemática centralização versus
iniciais, buscando reduzir os índices de repetência e de evasão na primeira descentralização?
série. Tomo ainda como referência a implantação, em 1988, da Jornada • Por que a capacitação em serviço tem assumido um papel
Única no CB - com programas que foram parcialmente incorporados ao principal em relação à formação inicial, na formação docente?
projeto educacional Escola-Padrão. Ambos têm financiamento do Banco • Qual é a marca da discussão atual, em termos internacionais,
Mundial, o que justifica, quando necessário, recuar as análises ao período sobre o tema, e qual tem sido a participação ou a colaboração
de implantação desse projeto. Portanto, entendo que há certa continuidade dos educadores brasileiros para esse debate?
das políticas educacionais no período compreendido entre os governos • No nível das teorias da educação, houve incorporação da pro-
Quércia (1987-1990) e Fleury (1991-1994), havendo uma ruptura com as dução teórica brasileira da década de 1980, já que ela buscou
atuais propostas de reestruturação da rede pública estadual de ensino no tecer uma crítica radical tanto das concepções liberais como das
Governo Covas, o que as análises tomam evidente. políticas a ela subjacentes? Ou o que houve foi a incorporação
Procuro situar esses projetos no contexto mais abrangente das polí- de teses progressistas, mas com uma prática eminentemente
ticas públicas para a educação e do Programa de Reforma, a fim de conservadora?
responder à minha interrogação principal, qual seja:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que concepções de
formação docente têm norteado o desenho das políticas públicas para a Acredito que a busca de novas alternativas para a formação
área de desenvolvimento de recursos humanos, nas três últimas décadas? docente deva enfrentar questões corno essas, já que parece haver uma
Minha pesquisa teve como base estudos já disponíveis, efetuados preocupação cada vez mais acentuada, dos educadores, em relação a sua
formação e profissionalização,
por instituições de pesquisa comoutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O Núcleo de Estudos de Políticas temas centrais de minha investigação.
Públicas (Nepp), da Unicamp, e a Fundação Carlos Chagas. O rastrea-

40 41
Sabemos que a maior parte das ações de capacitação tem-se reorganização da rede pública de ensino vem dando prioridade a essa
realizado por meio de, pelo menos, três vias: multiplicadores, capacita- fase do ensino fundamental, o que pode significar, na prática, antecipar
o término dos estudos para a antiga quarta série do primeiro grau.
dores ou diretamente, com os professores.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É importante avançar no
sentido de ações mais diretas com os professores na escola. Cabe repensar a formação continuada a partir da crítica dos
Deve-se igualmente discutir o modo como o Estado vem conce- programas de reforma e das experiências em curso na Europa e EUA,
bendo sua responsabilidade com relação à formação continuada dos tendo como referencial as novas bases teórico-metodológicas postas pela
professores. A resposta às demandas vem sendo dada de três maneiras: nova sociologia da educação. Desenvolvo minhas análises partindo de
a) de forma direta, pelos próprios órgãos da Secretaria, como a Coorde- uma hipótese que formulo da seguinte maneira: "As concepções que dão
nadaria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp) e a Fundação para o base às reformas educacionais em curso abandonam a noção de sistema
Desenvolvimento da Educação (FDE), que tiveram participações dife- nacional de ensino e apóiam-se numa visão neotecnicista no que tange à
renciadas em momentos distintos; b) de forma indireta, pelo ensino à capacitação de recursos humanos para a educação."
distância; c) por meio de parcerias e também de terceirizações. É necessário, Minha investigação buscou indicadores permitindo verificar se há
pois, que se proceda a uma análise dessas estratégias de implementação articulação entre os pressupostos teóricos do neotecnicismo e as políticas
dos projetos e que se apresentem os resultados já atingidos além das de capacitação formuladas nesses programas. Importante, ainda, é o
críticas que eles suscitam. Um dos passos deste trabalho foi o rastrea- enfoque que procuro dar à reforma educativa, a qual entendo como
mento e o exame da documentação da SEE/SP relativa aos projetos de discurso de organização e regulação social.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
formação continuada, especialmente no que se refere às medidas que
incidem diretamente sobre os professores do CB e das terceiras e quartas
Pressupostos teóricos
séries do ensino fundamental, discutindo seus pressupostos, diretrizes,
formas de implementação e avaliação dos resultados.
Para desenvolver a análise crítica sobre o tema, o quadro teórico com
A partir de um primeiro levantamento documental feito junto à
que trabalhei forneceu-me elementos teórico-rnetodológicos que permiti-
Secretaria de Educação do Estado, pude constatar que várias ações
ram aprofundar e ampliar a compreensão das políticas educacionais em
visando à capacitação de professores e especialistas têm sido desenca-
curso, principalmente estabelecendo as relações que estas mantêm com as
deadas, pelo menos no que diz respeito aos projetos em questão:
orientações do Banco Mundial e o caráter estratégico que o Banco vem
Inovações no Ensino Básico (IEB), Projeto Educacional Escola-Padrão.
desempenhando no processo de reestruturação neoliberal dos países em
Dada a necessidade de delimitação do presente estudo, minhas desenvolvimento, pela imposição de políticas de ajuste estrutural.
análises incidem sobre as ações de capacitação desenvolvidas, tendo
O Banco Mundial tem sido o principal financiador de projetos de
como público-alvo os professores de CB e de terceira e quarta séries do
desenvolvimento no âmbito internacional. Sua atuação vem sendo con-
ensino fundamental, até porque, ao que tudo indica, a atual proposta de

42 43
siderada extremamente negativa, pois ele financia um tipo de desenvol- natural" é uma das debilidades dos países em desenvolvimento, não
vimento econômico socialmente desigual e perverso, que tem como havendo até o momento mobilização dos setores organizados da socie-
conseqüência a ampliação da pobreza mundial, a concentração de renda, dade civil, no que se refere ao controle e transparência nas negociações
o aprofundamento da exclusão social, além de provocar a destruição do com os organismos multilaterais. É comum o estilo elitista de gestão
meio ambiente. As mesmas influências se fazem sentir em nosso proces- pública. Coraggio (1996, p. 83) assim se refere a tal questão:
so de desenvolvimento, tomando-se o período de expansão da economia
é típico que a intelligentsia governamental faça acordos de cúpula com
até o final dos anos 70, bem como o período posterior, a partir dos anos
as agências internacionais ou com representantes dos governos dos
80, quando o Banco e o FMI passaram a impor programas de estabiliza-
países desenvolvidos e realize um trabalho especial para legitimar ex post
ção e de ajuste econômico ao país.
facto esses acordos.
O conjunto de políticas propostas pelo Banco Mundial para a
América Latina, no período pós-crise mexicana de 1994, denominado A "política educacional" do Banco Mundial tem como fundamen-
"reformas de segunda geração", está centrado nos processos de desregu- to a teoria econômica neoclássica. Tal concepção permeia as orientações
lamentação e de abertura econômica iniciados em 1980. do Banco desde os anos 70, quando já estavam elaboradas quase todas
A participação da área social nos empréstimos do Banco Mundial as receitas que hoje são apresentadas como respostas específicas à crise
evidencia que há grande preocupação com a educação, entendida como do sistema educacional. Portanto, considero importante retomar essas
"instrumento de redução da pobreza e como fator essencial para a análises à luz de uma reflexão que estabeleça as relações recíprocas entre
formação de capital humano" (Soares 1996, p. 36) necessários ao novo a teoria econômica neoclássica e a teoria do capital humano e seus
padrão de acumulação capitalista. Segundo SoareszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(op. cit.), os progra- ajustes para se adequar a um novo momento de consolidação e ampliação
mas de reforma em curso no Brasil, a partir do Governo Collor, não do capitalismo no nível internacional, tendo como cimento ideológico o
fogem à regra das demais experiências latino-americanas: "o quadro neoliberalismo.2utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
recessivo que o ajuste impôs gerou queda de renda per capita, aumento Tal necessidade decorre do fato de os atuais projetos desenvolvidos
da concentração de renda, alastramento da pobreza e da exclusão social pelo Banco Mundial no Brasil seguirem literalmente as recomendações
no país" (ibidem). dessa instituição, principalmente no caso do estado de São Paulo, que teve
O que se percebe é que as políticas sociais têm sido elaboradas a atual Secretaria de Educação entre os assessores que participaram da
com a finalidade de instrumentalizar a política econômica. Essas são a elaboração do projeto Pró-Qualidade, que tem como base teórica o Controle
expressão do novo conservadorismo de direita, havendo ausência de da Qualidade Total (CQT) (De Tommasi 1996, p. 204).
iniciativa e comportamento defensivo das outras forças sociais e políti-
cas, as quais deveriam lutar por construir um sentido mais avançado para 2. Por questões de espaço. não discutirei as críticas sobre a teoria do capital humano e suas relações com
o neoliberalismo ou o neoconservadorismo. Para tanto. remeto o leitor à minha dissertação de
as políticas públicas. A aceitação de programas e projetos como "algo
rnestrado, bem como à bibliografia indicada ao final deste texto.

44 45
No nível dos projetos de reforma, não é mais possível continuar daí não incidirem sobre a totalidade do sistema e não poderem institu-
sustentando que a capacitação em serviço é mais efetiva que a formação cionalizar os processos de mudanças.
inicial. Há, portanto, a necessidade de superar essa falsa polarização, Analisando o panorama dos EUA, Popkewitz (1990,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
apud Gimeno
tomando-se para análise a crise por que passa nosso sistema de ensino, Sacristán 1996, p. 54) demonstra que as propostas de reforma têm muito
em especial os cursos de formação docente, habilitação para o magistério pouco a ver com a vida cotidiana das escolas, tratando-se mais de processos
no segundo grau, licenciaturas e pedagogia. de legitimação próprios das sociedades industriais contemporâneas:
As reformas educativas podem referir-se a várias ações desencadea-
das no interior do sistema educacional, compreendendo desde a busca de Se existisse uma análise constante das demandas sociais, se existissem

acomodação do ensino às demandas do mercado de trabalho, até mudanças formas de envolvimento dos diferentes grupos que participam do sistema
educacional para clarificar os critérios de qualidade das práticas educa-
de estrutura de níveis ou de ciclos, com a finalidade de tomar o sistema mais
cionais e de ordenação e gestão do sistema escolar, se fosse realizada
justo. Falo também de "reforma" para me referir aos casos em que se busca
uma constante avaliação da cultura escolar, das necessidades dos profes-
fazer a descentralização administrativa do sistema, à incorporação de
sores e das escolas, se existisse um sistema eficaz de aperfeiçoamento
conteúdos novos e de novas tecnologias, à intenção de melhorar os estilos
de ação contínua, se existisse uma comunicação fluida entre a cultura
pedagógicos dominantes, à transformação dos estilos de gestão interna das externa e aquela que é "enlatada" nos currículos, não haveria necessidade
escolas, a mudanças na organização escolar ou nos mecanismos de controle de se utilizar com tanta freqüência esse rito recorrente. (Gimeno Sacris-
do sistema, à implantação de novos parâmetros curriculares, à intenção de tán 1996, pp. 54-55)
melhorar o rendimento dos alunos, diminuindo os índices de evasão e
repetência, ou, ainda,utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à proposição de programas para a melhoria da Para apreendermos a dinâmica do sistema educacional, é impor-
qualidade do trabalho docente, entre outros. tante a compreensão de que se trata de um sistema complexo, que mantém
Assim sendo, o estudo das reformas educacionais permite uma relações específicas com o sistema social e que também constitui uma
visão mais rigorosa da realidade do sistema educacional, bem como do realidade histórica, que se estrutura como uma realidade institucional e
comportamento da totalidade do sistema na relação com seus componen- pedagógica, daí sua especificidade.
tes e perante os programas que se procura implantar. Se entendemos o sistema educacional e sua dinâmica como inte-
As reformas são substitutos de sistemas de inovação e atualização grantes da realidade histórica, social e cultural, devemos buscar conhecer
permanentes, de políticas que se façam cotidianamente e que tenham por sua especificidade, já que, nas relações internas do sistema, se produz uma
objetivo melhorar as condições do sistema educacional. As sucessivas determinada "cultura pedagógica", que passa a participar da realidade
reformas são fruto de fracassos, também sucessivos, devidos à falta de social. Segundo Gimeno SacristánONMLKJIHGFEDCBA
( o p . c it.) , essa "cultura pedagógica" se

uma análise global do sistema. Quase sempre têm caráter fragmentário; compõe de modos de pensar, comportamentos, relações de autoridade,
formas de entender o conhecimento, expectativas e interesses de vários

46 47
grupos, visões ideológicas contraditórias, mantendo um equilíbrio tênue, descentralização administrativa do sistema ou a reorganização de sua
permeado de tensões e conflitos. Portanto, para terem algum efeito sobre' estrutura organizacional. Também as medidas implantadas no âmbito
essa cultura, as reformas educacionais precisam ser formuladas visando técnico-pedagógico dão a sensação de mudança, quando incorporam
um longo prazo e devem ser realizadas de forma progressiva.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conteúdos novos e novas tecnologias, quando se busca mudar os estilos
de gestão interna das escolas e mudanças na organização escolar ou
mecanismos de controle do sistema, ou ainda a implantação de novas
Considerações sobre significado das reformas educativas
propostas curriculares, ou - como nos projetos que tomo para análise -
medidas para diminuir os altos índices de repetência e evasão com
É importante desenvolver algumas reflexões sobre a organização
programas voltados para a melhoria da qualidade do trabalho docente.
burocrática da Secretaria da Educação, que se estrutura a partir da
Trata-se de medidas muitas vezes pontuais, sem uma maior reflexão
reforma administrativa e pedagógica de 1976.3
sobre a totalidade do sistema, caracterizando-se pela fragmentação,
Diante das demandas advindas da reforma do ensino de 1º e 2º
desarticulação e descontinuidade nas formas de implementação dos
graus com a Lei nº 5.692/71, a Secretaria responde com a ampliação de
programas. Esses não contemplam a participação de seus maiores inte-
seus órgãos para satisfazer às necessidades colocadas naquele momento,
ressados, os diferentes segmentos que compõem a escola.
o que leva à maior complexidade de sua estrutura organizacional e
Podem-se perceber duas lógicas em relação à política educacional
administrati va.
do Estado. A primeira, expressa no discurso e no desenho dos programas -
o diagnóstico da situação do ensino de 1º grau da rede estadual a da inovação-modernização-descentralização. A segunda, de caráter con-
paulista revelou haver um grande aumento das matrículas no período servador, expressa no burocratismo e na centralização. Ambas, ao longo
compreendido entre as décadas de 1980 e 1990. Desde os anos 70, dos anos, em quase nada foram alteradas.
grandes contingentes populacionais, oriundos da migração e do cresci- Os estudos comparados das práticas contemporâneas de reforma
mento vertiginoso do pólo paulistano, buscaram atendimento educacional. que têm um enfoque central na formação de professores partem de um
No nível técnico-pedagógico foram tomadas medidas que tentavam ofere- princípio comum de que os atuais movimentos de reforma abarcam
cer aos educadores novos métodos e técnicas para o aperfeiçoamento da formas de regulação e controle que produzem mudanças substantivas na
educação e do ensino no estado de São Paulo. área da educação A compreensão do conceito de governabilidade é
A idéia que se faz de reforma ou o uso retórico-político do termo fundamental para a compreensão da função do Estado nos projetos de
reforma, dado que, para a modernidade, o importante não é tanto a
tem levado os educadores a perder a noção global de sistema de ensino, 4
estatização da sociedade, mas a governabilidade do Estado. Esta garante
dado que as medidas incidem sobre aspectos particulares, tais como a

4. Os conceitos de "regulação" (ou "regulamentação") ede "soberania", tais como os utilizo aqui, foram
3. Para um balanço geral das políticas educacionais que compreendem o período referido neste trabalho criados por Popkewitz e Pereyra (1994, p. 69), mas têm sua matriz em Foucault que, em uma de suas
(de 1975 até os dias atuais), cf. Borges 1998 (especialmente o capítulo 2). lições no Colégio de França, em 1978, concebeu o que chamou de "história da governabilidade".

48 49
blocos solidificados de uma rígida burocracia central; pode ser invocada
que, através das táticas do governo, defina-se o que compete ou não ao
como um passo crucial para um modelo mais sustentável de desenvolvi-
Estado, o que é considerado público e o que é considerado privado, além
mento social e econômico, e pode ser vinculada com os chamamentos
do que é estatal e do que não é.
em favor de uma maior participação no conjunto do processo de tomada
As reformas devem ser compreendidas na perspectiva de garantir de decisões. Sem dúvida, também pode ser um passo muito menos aberto
a governabilidade do Estado; são parte integrante das relações sociais de na direção de um aumento da privatização, da desregulação e do retro-
cesso de muitas das funções econômicas e, particularmente, das funções
escolarização, lugar estratégico em que se realiza a modernidade das
sociais do Estado. (Slater 1996, p. 77)
instituições. A compreensão da reforma educativa como prática social e
política exige a reflexão sobre esse conceito no transcurso do tempo,
Nesse sentido, indica Slater - ainda com base em Coraggio -, é
tendo por referência o contexto histórico e social no qual se realiza. um equívoco falar de "autonomia local" e de estruturas descentralizadas
Deve-se entender, ainda, que a ecologia da reforma se relaciona com de poder em sociedades capitalistas periféricas, cujos governos estão sob
regras de regulação social da escolarização. A escolarização de massas a tutela do FMI: "enquanto os temas da autodeterminação nacional e da
é, pois, a reforma fundamental da modernidade, tendo o Estado assumido soberania continuarem a ser reprimidos, ou forem substituídos por
a tarefa de socialização e educação, como resposta às transformações discussões circunscritas ao governo local e regional, tender-se-á a manter
ocorridas no processo de produção. ocultas as realidades do poder e da dominação"ONMLKJIHGFEDCBA
( id ., ib id ) .

Nessa perspectiva de análise, o tema da descentralização tam- O que fica explícito nas argumentações apresentadas é que o atual
bém aparece com vários significados que necessitam ser discurso neoliberal oficial, apesar de apresentar os aspectos positivos da
decodificados. Slater (1996), sustentado em análises de Coraggio, descentralização, mascara o fato de que não há descentralização do poder
chama a atenção para o fato de que a descentralização está cada vez estatal, mas aumento da natureza tecnocrático-centralista do Estado.
mais "em moda", talvez devido ao mosaico de significados que pode Nessa discussão, o mais importante a ser destacado é que a defesa da
assumir. Ao que parece, o conceito de descentralização tem-se de- educação pública, utilizando as palavras de Apple, consiste na "extensão da
monstrado ideologicamente indispensável em todo o terceiro mundo, política" - o que equivale à revitalização da prática democrática -, enquanto
funcionando mais como mecanismo de regulação e controle social. A o projeto educacional mercantilista implica uma "contenção" da política,
descentralização pode se converter em uma máscara para o desrnan- que fica reduzida à economia, a uma ética de "escolha" e de "consumo"
telamento do Estado de Bem-Estar Social: (Apple,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
apud Femández Soria 1996, p. 320).
Procurei demonstrar, no desenvolvimento de minha análise, o real
Embora algumas funções específicas do Estado se descentralizem em
significado das reformas educativas e, no bojo dessa problemática,
nível local, não se produz uma descentralização equivalente dos recur-
desenvolvi a questão da centralização versus descentralização, já bus-
sos; pelo contrário, há uma maior concentração de riqueza. A idéia da
cando responder à interrogação posta no início deste trabalho: A atual
descentralização é atrativa; pode ser vista como uma forma de liberar os

50 51
estrutura organizacional da SEE tem sido fator impeditivo ou facilitador social e técnica do trabalho. Tais hierarquias funcionais e burocratizadas
para a efetivação das propostas delineadas nos projetos de reforma? Qual se servem de agentes sociais, postos a serviço de um sistema de controle
a concepção vigente acerca da centralizaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
versus descentralização? e supervisão, em vista de maior eficácia político-administrativa. Embora
não determinante, quanto maior a proximidade com o poder, maior a
Com base no levantamento realizado e nas constatações feitas
vinculação com os interesses dominantes.
durante o período em que trabalhei como técnico na Fundação para o
Desenvol vimento da Educação - FDE - (1990-1995), pude constatar que
No momento atual, penso que a revitalização das teorias sobre
de fato há sérias contradições entre o que emana dos órgãos centrais e as
economia e educação a que assistimos tem-nos afastado de uma tradição
necessidades reais da rede de ensino. Muitas dessas relações estão
radical, como a vivida na década de 1980. A forma pela qual tem-se
alicerçadas em representações sobre essas necessidades, dada a carência
procurado o "rejuvenescimento" da teoria do capital humano não se
de estudos sobre nossas escolas.
relaciona com as funções do capital humano ou a classificação dos
Tal problema está presente em uma das interrogações levantadas indivíduos na sociedade, mas com os novos princípios de regulação pelo
anteriormente, qual seja: houve incorporação da produção teórica brasileira
mercado. Numa visão de síntese, tomando as décadas de 1960-1970, é
da década de 1980, no plano das teorias da educação, já que essa produção
possível perceber que, ao enfocar a relação quantidade-qualidade na
teórica buscou tecer uma crítica radical, tanto das concepções liberais como
educação, as políticas educacionais põem a ênfase no pólo quantidade.
das políticas subjacentes? Ou o que houve foi a incorporação de teses
Portanto, considera-se que é preciso ampliar as possibilidades de acesso
progressistas, mas com uma prática eminentemente conservadora?
à educação de forma a universalizá-la. A educação é posta a reboque da
Apesar do clima de entusiasmo vivido na década de 1980 nos economia, servindo de base ao desenvolvimento econômico. Há, pois,
meios educacionais, em decorrência do desenvolvimento de concepções uma grande preocupação no que concerne à relação custo-benefício na
de educação mais críticas, na apreensão das relações entre educação e educação. A década de 1980, por outro lado, é marcada por um forte
sociedade, a percepção que se tem é que muito pouco desse debate foi discurso da democratização do ensino, tendo como temas principais o
incorporado à prática pedagógica de nossos professores. Esta ainda aumento das oportunidades educacionais (o acesso e a permanência dos
permanece vinculada a um determinado "ritual pedagógico", que atinge alunos no sistema de ensino), a elevação dos padrões de qualidade da
de formas diferentes o pessoal, a organização burocrática, os programas, educação e a participação na tomada de decisões, principalmente dos
os controles e as provas. A esse respeito, LobrotONMLKJIHGFEDCBA
( a p u d Cury 1979, p. professores. Na década de 1990, a questão da quantidade tem sido
118) tece algumas considerações não menos importantes: considerada resolvida; o que predomina é um "novo" discurso sobre a
qualidade do ensino, no qual a relação custo-benefício na educação é
o ritual pedagógico é tanto mais coercitivo quanto mais burocratizada
privilegiada. Por último, penso ainda haver, nos meios educacionais,
for a instituição em foco. Essa burocratização tende a se manifestar numa
forte apego a uma determinada visão instrumental da educação, visão
estratificação hierárquica interna à classe social, e corresponde à divisão
esta que tem suas raízes no positivismo lógico e na razão instrumental.

52
53
Nessa reflexão, é relevante fazer a crítica do conhecimento científico, profissionais" "baseados em soluções de partenariado entre as institui-
que, nas sociedadesindustrializadase com grande desenvolvimento tecnológico, ções de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de
dispõe de toda uma cosmovisão, a partir da qual se interpreta a realidade tutoria e de alternância" (op. cit., p.26).
humano-social. Na verdade, tal cosmovisão compõe uma ideologia.'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Redefinir as relações entre a universidade e as escolas implica que,
nos cursos de formação de professores, sejam discutidos os atuais problemas
A profissão de professor num mundo em que da escola pública e que se assuma o compromisso de buscar soluções para
"tudo o que ONMLKJIHGFEDCBA
é sólido desmancha no ar" tais problemas. Para as universidades mudarem sua relação com a escola
pública, esta não deve consistir só em um espaço para observações,
Alguns dilemas se apresentam na esfera da formação inicial e estágios e pesquisas, mas em um campo no qual, por meio da reflexão
continuada de professores. Tais problemas não são recentes, e várias sobre a prática escolar, seja possível desenvolver um diálogo crítico e
propostas têm sido elaboradas por pesquisadores e educadores envolvi- produtivo, que vise ao crescimento intelectual dos professores que nela
dos com o tema. Faz-se necessário, portanto, analisar criticamente os trabalham.
atuais cursos de formação docente, buscando identificar seus problemas Também deve ser revista na formação inicial a visão distorcida da
e propor algumas alternativas de solução, além do encaminhamento de relação entre teoria e prática, pensamento e ação, academia e vida cotidiana,
propostas que contemplem novas possibilidades de formação. É central além da idéia equívoca sobre a própria formação inicial, dado que tanto a
podermos superar a falsa polarização entre formação inicial e formação formação no nível das habilitações específicas para o magistério de 2º grau
continuada. Em relação à formação continuada, também devemos colo- como a formação dos cursos superiores - pedagogia e licenciaturas -
car em questão as diferentes estratégias até hoje utilizadas pelos órgãos podem ser consideradas como iniciais.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
É importante superar tais dicoto-
da Secretaria da Educação encarregados de sua formulação e implemen- mias, expressas nos currículos desses cursos, que separam, de um lado,
tação, bem como procurar explicitar a(s) concepção(ões) subjacente(s) os conhecimentos teóricos "fundamentais" e, de outro, os conhecimentos
à formulação e à implementação de propostas de formação continuada. práticos, centrados nos "métodos aplicados'Y
Para encaminhar a reflexão sobre essa questão, partirei daquilo Faz-se necessário, além disso, compreender que os alunos que
que Nóvoa (1995) denomina "modelos acadêmicos" e "modelos práti- chegam a esses cursos trazem expectativas, vivências e histórias de vida
cos". O autor indica ser necessário ultrapassar tal dicotomia, indicando diferenciadas, que precisam ser reconhecidas e trabalhadas no processo
igualmente que os modelos acadêmicos centram-se nas instituições e em de construção de suas identidades profissionais.
conhecimentos "fundamentais", e os modelos práticos, nas escolas e nos
métodos "aplicados". Ele aponta para a necessária adoção de "modelos

5. A esse respeito, ver o trabalho de análise crítica sobre a "razão instrumental" desenvolvido pela Escola 6. Para urna compreensão mais detalhada dessa problemática, ver Liston e Zeichner (1993); Assael e
de Frankfurt (principalmente em Adorno 1995).
Soto (1992), além de Apple (1993).

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55
Os educadores brasileiros estão há quase duas décadas envolvidos
intensificação do aperfeiçoamento do pessoal docente, por meio das
nesse debate, e muito pouco se conseguiu avançar em termos práticos na
diferentes modalidades ou estratégias empregadas na formação conti-
efetiva reformulação dos cursos de formação de professores. Acredito
nuada, com ações realizadas por órgãos centrais ou regionais da
que as poucas indicações aqui feitas podem ser uma contribuição para
Secretaria da Educação. O grande problema é que, a fim de alcançar a
fomentar mais investigações e apresentar um enfoque diferente para o
melhoria do ensino, a ênfase é posta quase exclusivamente no aspecto
enfrentamento dos problemas suscitados pela polarização formação
metodológico. Além disso, tais ações tendem a deslocar o professor da
inicialzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
versus formação continuada.
escola, lugar em que se dão as contradições que deveriam ser um dos
Pelo que foi exposto até aqui, vê-se que se faz necessário repensar os objetos de reflexão do professor.
programas dos cursos de formação de professores, uma vez que tais programas
Os técnicos da Secretaria da Educação que atuam nesses progra-
têm uma incidência muito forte nos aspectos técnicos da profissão, deixando
mas também revelam ter conhecimento desses problemas, ao indicar a
num segundo plano as dimensões pessoais e culturais.
grande defasagem entre decisões, operacionalização e chegada do mate-
Além disso, os programas de formação continuada desenvolvidos rial de apoio às mãos do professor, os entraves para o efetivo acompanhamento
pela SEE/SP não têm levado em consideração vários fatores importantes e controle dos projetos, dados o gigantismo da rede, a grande rotatividade
para sua elaboração e implementação, tais como o baixo índice de dos professores, a falta de existência de tempo para formação continuada,
aplicação de verbas para a educação, as condições reais de trabalho dos a ausência de coordenação para os professores (muitas vezes acumulada
professores e, principalmente, a falta de conhecimento das reais condi- pelo diretor que não consegue executá-Ia). Esses técnicos indicam haver
ções de organização e funcionamento das escolas, com os vários conflitos necessidade de rever as estratégias utilizadas: o projeto Ipê, os fascículos,
que ocorrem cotidianamente em seu interior. Esses programas são ela- os cursos, as orientações técnicas, os encontros com profissionais, e
borados, a partir de uma determinada concepção de educação, e passam também as oficinas pedagógicas.
a ser um instrumento por meio do qual se procura dar sustentação às
Tendo presente tal situação, cabe fazer algumas considerações que
políticas hegemônicas do Estado. Tais programas têm apresentado pro-
acredito importantes. A primeira diz respeito à visão que se tem da
postas pedagógicas que não dão conta dos problemas educacionais, dada
formação continuada como complementar, a fim de suprir deficiências
a falta de uma visão crítica da educação como fenômeno histórico e
da formação inicial. Precisamos ter presente que a formação inicial
social. Nesse sentido, a elevação da qualidade de ensino deve ser vista
constitui o primeiro estágio da formação continuada, a qual deve acom-
não simplesmente como uma questão técnico-pedagógica, mas como
panhar o profissional durante toda sua carreira e auxiliá-Io a construir
uma questão que comporta outras dimensões de análise - econômicas,
sua identidade profissional. Portanto, deve-se rever a visão hoje em voga
políticas e sociais.
de que a formação continuada tenha um papel principal na formação
Há muitas dúvidas sobre a eficiência desses programas, pois, docente em relação à formação inicial.
segundo a visão tecnocrática, tende-se a atingir a melhoria do ensino pela

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A formação continuada de educadores deve estar intimamente sistema, as unidades escolares? b) Como o Estado vem concebendo sua
articulada com o projeto educativo da escola, incorporando à prática de responsabilidade em relação à formação continuada de professores?
trabalhos de investigação-ação-reflexão que possam de fato contribuir
A partir da análise aqui desenvolvida, pode-se inferir que as
para a melhoria da qualidade do ensino. Também deve incluir a monta- medidas apresentadas pelos atuais dirigentes da SEE dificilmente irão
gem de dispositivos de avaliação dos professores, os quais devem constar elevar o padrão dos programas de formação continuada - tanto em
de programas que tenham como objetivo o desenvolvimento profissio- quantidade como em qualidade - a fim de atender às reais necessidades
nal. Nesse contexto, é urgente analisar a cultura organizacional das da rede pública de ensino. Ultimamente assistimos, isto sim, a uma
escolas e captar as formas pelas quais se dá sua interação com o meio verdadeira operação "desmonte" na Secretaria da Educação do Estado
social e político e as inter-relações que estabelece com a comunidade. O de São Paulo, bem ao gosto das políticas neoliberais que enfatizam a
conhecimento da cultura organizacional deve acompanhar o processo de necessidade de criação do Estado mínimo e - como também já comen-
construção coletiva dos projetos de escola. tamos - a tese da descentralização.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

A formulação das políticas de formação continuada da Secretaria


da Educação, no que se refere ao projeto IEB e ao Projeto Educacional
Bibliografia
Escola-Padrão, carece de fundamentação mais precisa quanto à concep-
ção de educação que vem norteando o desenho dessas políticas. Documentos
A proposta de reestruturação da rede pública estadual de ensino, na
atual gestão de governo, vem se norteando, ao que tudo indica, por uma BANCOMUNDIALE SECREfARIA DA EDUCAÇÃODO ESTADODE SÃO
PAULO(l989a). Projeto inovações no ensino básico no estado de São Paulo.
concepção neotecnicista de educação, que considera a educação uma ques-
tão técnico-pedagógica, descontextualizada. Pior que isso é o aspecto de ___ (1989b). Subprojeto educação: Ciclo básico/jomada única, vol. 1.

mercantilização da educação, cujo objetivo é sua privatização. Tal tendên- ___ (1989c).Subprojeto educação: Ciclo básico/jomada única, vol. 2.
cia tem colocado novos problemas para a formulação e a implementação ___ (1989d). Subprojeto educação: Ciclo básico/jomada única, vol. 3.
de uma política de formação continuada para os professores da rede FUNDAÇÃOCARLOS CHAGAS (1994a).Avaliação do processo de inovações
pública de ensino. Toma-se necessário fazer a crítica do tratamento que no ciclo básico e seu impacto sobre a situação de ensino-aprendizagem na

vem sendo dado à formação continuada (a qual segue a mesma estratégia região metropolitana de São Paulo -12. RelatórioTécnico, vol. 1.

da reorganização da rede de ensino), tendo como princípios a descon- ___ (1994b). Avaliação do processo de inovações no ciclo básico e seu
centração de poder e a descentralização. impacto sobre a situação de ensino-aprendizagem na região metropolitana
de São Paulo - 12.RelatórioTécnico, vol. 2.
Acredito que, com essas análises, será possível propor a reflexão e o
SÃO PAULO. SECRETARIADE ESTADO DA EDUCAÇÃO (1991a). Textos
debate sobre duas questões centrais, a saber: a) Quais têm sido as medidas
sobre o programa de reforma do ensino público do estado de São Paulo,
da SEE, para diminuir a distância entre seus órgãos centrais e a ponta do
caderno 1.

58
59
___ o (l99Ib).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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60
61
3
A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA DOS CENTROS
DE FORMAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE ESCOLASzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ

Rui Canário

A partir de 1993, foi criada em Portugal uma instituição nova,


original e potencialmente importante, no domínio da formação contínua
de professores. Refiro-me aos "Centros de Formação das Associações
de Escolas". A sua criação não é dissociável de um processo global de
reforma educati va, desencadeado em Portugal a partir de 1986, com a
aprovação, pelo Parlamento, de uma Lei de Bases do Sistema Educativo.
Concebida à imagem das "Grandes Reformas" dos anos 70, a reforma
educativa portuguesa previu três fases principais: uma primeira fase de
concepção e de produção de um "edifício jurídico"; uma segunda fase
de experimentação num conjunto de escolas-piloto; e uma terceira fase,
de generalização da reforma.
Foi justamente nesta terceira fase que a importância da formação
COntínua dos professores emergiu como uma preocupação central de

63
política educativa. Do ponto de vista da Administração, a formação ingênuo relativamente aos efeitos da formação de professores, bem como
contínua, encarada segundo uma "lógica adaptativazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a posteriori" (Dubar
uma visão instrumental dessa formação, bem ilustrada pelas palavras de
1990) às mudanças propostas pela reforma, constitui uma condição
Mialaret (parafraseando a célebre frase de Arquimedes): "Dêem-me
essencial para persuadir os professores a "aplicar" bem a reforma.
professores bem formados e eu farei qualquer reforma" (1982, p. 49).
Os Centros de Formação organizam-se segundo uma base territo-
As expectativas iniciais apontavam para que os Centros de For-
rial: todos os estabelecimentos de ensino (jardim de infância, ensino
mação pudessem corresponder a uma outra forma de encarar e praticar
básico, ensino secundário) pertencentes a uma mesma zona geográfica
a formação. Ou seja, que eles pudessem se constituir como dispositivos
associam-se para criar um Centro de Formação. Do ponto de vista material,
permanentes de formação, contextualizados, orientados para um papel
o Centro funciona numa escola escolhida entre as escolas associadas.
Sua gestão é assegurada por um diretor (um professor), eleito pela de apoio externo às escolas. Nesta matéria, os Centros de Formação não
comissão pedagógica do Centro. Essa comissão pedagógica é constituída partiam do zero. A concepção de modalidades de formação contínua
pelos representantes de todos os estabelecimentos de ensino associados. "centrada na escola" remonta, em Portugal, aos anos 70, traduzindo-se
O diretor elabora o plano de atividades do Centro, que é submetido à por um capital de experiências (Canário 1994) que definem uma "tradi-
aprovação da comissão pedagógica. ção" (ainda que minoritária), relativamente à qual os Centros de
Em abril de 1993, ou seja, apenas alguns meses após a publicação Formação podem aparecer como os "herdeiros" naturais.
do diploma jurídico prevendo a sua criação, existiam já cerca de duas Essa "tradição" portuguesa inscreve-se, por seu turno, num conjunto
centenas de Centros de Formação, correspondendo a um universo de cerca de experiências, comuns a vários países, sob a designação genérica de
de 120 mil professores, cobrindo o conjunto do território nacional. Este fato Centros de Professores. A criação de Centros de Professores (movimento
representa, por um lado, um sinal claro da maneira positiva como os nascido na Grã-Bretanha, no início dos anos 60) corresponde a uma tentativa
estabelecimentos de ensino acolheram essa proposta e se empenharam na
de encontrar modalidades menos formais de formação contínua de profes-
sua concretização. Por outro lado, é também o sinal de um empenhamento
sores, mais interativas com as práticas profissionais cotidianas, em síntese,
muito forte, por parte das autoridades educativas (regionais e nacionais) na
menos "escolarizadas". Apesar das especificidades das diferentes experiên-
criação dessa rede nacional de Centros de Formação.
cias nacionais (Weidling e Reid 1983; Pereyra 1984; Yarger 1990; Escudero
e Bolívar 1994), os Centros de Professores têm em comum o fato de se
Uma inovação pertinente dirigirem aos professores enquanto indivíduos, definindo-os como "clien-
tes" dos serviços a prestar.
A articulação das problemáticas da mudança e da formação de Pelo contrário, uma das principais originalidades dos Centros de
professores tem um carácter relati vamente recente, e a sua emergência é Formação das Associações de Escolas (nascidos, pelo menos formal-
concomitante e contemporânea da primeira onda de reformas desenca- mente, de um processo associativo dos estabelecimentos de ensino, em
deadas no final dos anos 60. Remonta a essa época um certo otimismo nível local) reside no fato de eles deverem dirigir-se e prestar serviços

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65
não a professores isolados, mas às organizações onde eles trabalham, pectiva. Uma estratégia analítica e segmentada, centrada na
quer dizer, àszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
escolas. Nessa característica reside, do nosso ponto de inovação como produto, tende a dar lugar a uma abordagem
vista, o aspecto potencialmente mais interessante dessa nova organiza- holística centrada na escola, entendida como uma totalidade. A
ção que retira da relação que estabelece (ou deveria estabelecer) com as recusa de uma visão quer determinista, quer estritamente vo-
escolas o essencial da sua pertinência.
luntarista, dos processos de mudança conduz ao reconhecimento
Com efeito, a emergência do estabelecimento de ensino corno um da singularidade e da identidade de cada estabelecimento de
nível meso, instância de mediação entre a Administração e os professo- ensino e, portanto, da importância da sua articulação interati va
res, marca os anos 80 e 90. O estabelecimento de ensino tende a ser, cada com o contexto local. Desse ponto de vista, o estabelecimento
vez mais, reconhecido como um nível privilegiado de análise e de de ensino aparece como um "construído" social que decorre da
intervenção, o que apela a novos modos de pensar e agir na realidade ação e da interação dos diferentes atores sociais presentes.
escolar. Já não está em causa a gestão e a intervenção num sistema Nessa perspectiva, o reforço da capacidade estratégica dos
escolar, mas, principalmente, a gestão de um sistema de escolas, otimi- estabelecimentos de ensino apresenta-se como a chave susce-
zando a sua diversidade e a sua criatividade.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É nessa perspectiva que os tível de permitir o favorecimento, em nível local, de uma
Centros de Formação podem surgir como dispositivos de apoio às dinâmica permanente e autônoma de mudança. É essa dinâmica
escolas, a fim de ajudá-Ias a pensar e a melhorar o seu funcionamento. que torna possível, por sua vez, a passagem de uma lógica da
A pertinência dessa concepção do papel dos Centros de Formação pode reforma (mudança instituída) para uma lógica da inovação
justificar-se por referência a três eixos principais: (mudança instituinte). Encarado como um lugar de produção
de inovações (Canário 1993), o estabelecimento de ensino
• dimensão da gestão - A preocupação generalizada com a passa de um estatuto de objeto a um estatuto de unidade central
melhoria do funcionamento das escolas tem vindo a traduzir-se, do processo de mudança;
em nível europeu e não só, por uma tendência de reforçar as • dimensão daformação. Uma concepção "vertical" dos processos

competências e, portanto, a autonomia das escolas (Barroso de mudança, que encara as escolas como lugares de "aplicação"
1992; Dimmock 1993). O estabelecimento de ensino tende a das mudanças, concebidas e pilotadas do exterior por especialis-
constituir-se como o centro da ação educativa; tas, está estreitamente associada a modos de formação baseados
• dimensão da mudança - Nos países de tradição centralizada, num modelo de racionalidade técnica, de inspiração positivista
como Portugal, os estabelecimentos de ensino foram encarados (Schõn 1983, 1992). Esse modelo traduz-se por práticas de for-
como unidades administrativas que prolongam a ação da Ad- mação fortemente escolarizadas, segundo um processo
ministração. A crítica sistemática às estratégias "verticais" de cumulativo de saberes e urna lógica de adaptação à mudança.
mudança tem contribuído, fortemente, para alterar esta pers-

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67
Ora, o reconhecimento da importância estratégica do estabelecimen- cederam lugar, progressivamente, a um pragmatismo desencantado. De
to de ensino, nos planos da gestão e da produção de inovações, tem como forma visível, cinco anos após o seu nascimento, os entusiasmos em
corolário lógico o desenvolvimento de modalidades de formação "centradas torno dos Centros de Formação das Associações de Escolas arrefeceram.
na escola". Essa estratégia de formação baseia-se no reconhecimento do Será importante tentar perceber por que e é nesse registro que o presente
valor formativo da experiência em situação de trabalho, em que os estabe- artigo pretende avançar com um contributo.
lecimentos de ensino aparecem como os lugares privilegiados onde "os
O terreno da educação, e especificamente o da formação de profes-
professores aprendem" (Ingvarson 1990), ao mesmo tempo em que mudam
sores, é particularmente permeável à proliferação de discursos meramente
as suas práticas e o seu contexto organizacional. O que está em causa é a
opinativos e pouco fundamentados quer em termos de reflexão teórica e
valorização de umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
estratégia ecológica de mudança, como resposta ao
conceitual, quer em termos de pesquisa empírica. No caso da experiência
dilema de saber por onde começar: Mudar primeiro os professores ou as
dos Centros de Formação das Associações de Escolas dispomos, hoje, de
escolas? É necessário que ambos os pólos mudem ao mesmo tempo.
um conjunto de trabalhos de investigação empírica que nos permite cons-
"Resolução de problemas", "assistência externa", "projetos educati- truir e aprofundar, com bases minimamente sólidas, o debate sobre essa
vos", "redes de formação" transformam-se nas palavras-chave de uma questão e vislumbrar novas pistas de reflexão e de pesquisa.
estratégia formativa que privilegia as dimensões reflexivas, contratuais e
Refiro-me, por um lado, a inquéritos extensivos conduzidos por
contextuais. Ela reenvia-nos a uma visão "territorial" do processo formati-
equipes da Uni versidade de Lisboa e da Universidade do Porto, abrangendo
vo, numa dupla acepção: por um lado, relativamente a cada estabelecimento
a totalidade dos Centros quer da região de Lisboa e Vale do Tejo (Barroso
de ensino, onde haverá tendencialmente uma coincidência entre um espa-
e Canário 1995, 1998), quer da região Norte (Correia, Caramelo e Vaz
ço-formação e um espaço-trabalho (LesneeMynvielle 1990; Barbier 1992);
1997). Refiro-me, por outro lado, a um conjunto de investigações indivi-
por outro lado, relativamente a um território mais largo, definido por um
duais, no âmbito de programas de mestrado, orientadas para uma abordagem
conjunto de estabelecimentos de ensino ligados em rede, favorecendo uma
mais circunscrita e intensiva (Gonçalves 1997; Ruela 1997; Silva 1997;
"relocalização" da ação educativa (Nóvoa 1992).
Ferreira 1998). Os resultados desse conjunto de trabalhos são notavelmente
convergentes na produção de um "retrato" da formação oferecida em nível
local, caracterizada como escolar, descontextualizada e instrumental, ou
Centros de Formação: Que balanço? utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seja, o contrário do que foi prometido e que Ruela (1997, p. 296) sintetizou
É indubitável que o ano de 1993 marca um ponto de viragem na na expressão (feliz) de "formação descentrada da escola".
história da formação contínua dos professores, em Portugal, com a
institucionalização dos Centros de Formação das Associações de Esco- As promessas
las, anunciadores de uma desejada formação "centrada na escola".
O nascimento dos Centros de Formação das Associações de
Porém, o otimismo e o discurso voluntarista dos primeiros tempos
Escolas (CFAES) suscitou um conjunto de expectativas muito positivas,

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nomeadamente a possibilidade de eles virem a constituir-se como os não foi possível superar, de modo positivo, o paradoxo que desde o início
"herdeiros" de uma tradição portuguesa de formação "centrada na esco-
marcou o seu aparecimento (o de ser uma iniciativa estatal suposta-
la" que remonta aos anos 70 e que, apesar do seu caráter rninoritário,
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA mente baseada no associativismo das escolas), nem os dilemas que
representa um patrimônio de experiências muito rico e diversificado
lhe estão associados: por um lado o de uma formação instrumental em
(Canário 1994). De acordo com as expectativas iniciais, os CFAES
1111/ contraponto a uma formação na ação; por outro lado, a tensão, também
prometiam vir a constituir-se dispositivos permanentes de formação,
ela dilemática, entre a afirmação de uma lógica de autonomia ou a
contextualizados e orientados para um papel de apoio e assistência
sujeição a uma lógica de tutela.
externa aos estabelecimentos de ensino. A sua originalidade principal,
nomeadamente em relação à experiência internacional dos "Centros de O estudo conduzido entre 1993 e 1996 por uma equipe da Universi-
Professores", residia no fato de as escolas (e não os professores indivi- dade de Lisboa permitiu, num primeiro momento, a caracterização do
dualmente considerados) aparecerem como os destinatários e os suportes primeiro ano de funcionamento dos centros, tendo como suporte empírico
principais de uma ação formativa em ruptura com o paradigma escolar o estudo da atividade desenvolvida pela totalidade dos centros da região de
clássico. Esta ruptura seria suscetível de contrariar os efeitos das moda- Lisboa e Vale do Tejo (Barroso e Canário 1995). Num segundo momento,
lidades clássicas de formação (tayloristas) que, nas condições atuais dos procedeu-se a uma abordagem diacrônica baseada na análise de seis estudos
sistemas escolares tendem, como argumentou Correia (1991), a engen- de caso (Barroso e Canário 1998). Esse estudo permitiu evidenciar os
drar a produção de identidades profissionais negativas.
constrangimentos exercidos pela Administração, sob a forma de modalida-
Encarados como o elemento que permitiria a emergência e a des de controle que tornaram muito difícil a construção de uma ação
construção de redes de formação em nível local (com base numa dinâ- autônoma e diversificada em relação aos diferentes contextos.
mica associativa das escolas e dos professores), os CFAES deveriam
O controle estatal exerceu-se por meio de dois instrumentos
valorizar as dimensões não formalizadas da formação, as aquisições
essenciais: por um lado, por intermédio do processo de financiamento e,
individuais e coletivos da experiência dos professores. A passagem de
por outro lado, pelo estabelecimento de uma articulação direta entre o
uma lógica de catálogo de "ações de formação" para uma lógica de
"consumo" da formação e a progressão na carreira, com base num
projeto e de articulação entre as dimensões da formação, da ação e da
sistema de créditos proporcional à quantidade de horas de formação
pesquisa abriria a possibilidade de umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lógica de reforma poder dar lugar
a uma lógica de inovação, em que estratégias "ecológicas" de mudança "recebida". A combinação entre as modalidades e regras de financiamen-
abrangeriam, simultaneamente, escolas e professores. to com a simultânea atribuição de créditos induziu a uma forte
dependência por parte dos centros, contribuindo para transforrná-los em
As realidades órgãos desconcentrados da Administração, sob estreita tutela.
Na ausência de uma real dinâmica associativa local, os CFAES
A experiência dos últimos cinco anos mostra, com clareza, que tendem a reduzir-se ao papel de intermediários entre a administração e
essas promessas iniciais ficaram por ser concretizadas e que aos CF AES
os professores para oferecer "menus" de "ações de formação", construí-

70
71
dos numa perspectiva de reciclagem científica e didática. Essa oferta de clara, hoje, a idéia de que "os Centros de Formação são os seus diretores",
formação, supostamente legitimada por procedimentos de "análise de idéia que é corroborada por Gonçalves (1997), que enfatiza quer a
necessidades", revelou-se fortemente estruturada pela oferta individual inexistência de coletivos de formadores, a serviço de uma política de
dos formadores.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Exterioridade - relati vamente às pessoas e aos contextos formação, quer a "fragilidade" manifesta do papel desempenhado pelas
organizacionais -, uniformidade e estandardização, Ínstrumentalidade _ Comissões Pedagógicas dos centros:
tributária de uma concepção de racionalidade técnica - são as três
características essenciais da oferta de formação dos CFAES, de resto As relações entre Centros e Escolas Associadas nunca resultaram em

comuns às demais entidades formadoras (estabelecimentos do ensino dinâmicas de associativisrno que conduzissem à criação de redes de

superior, associações profissionais e pedagógicas). escolas (...) mas resultaram, antes, num "sornatório de estabelecimentos
de ensino" com relações formais cstabelccidas através da Comissão
Essa síntese é, grosso modo, coincidente com as conclusões do
Pedagógica. (p. 219)
trabalho realizado pela equipe da Universidade do Porto:

Conclusões de idêntica natureza são tiradas por Carlos Ruela, do


o estudo empírico que realízãrnos junto dos Directores dos CFAES da
seu estudo comparativo de centros:
região Norte sugere, com efeito, que estas estruturas de formação ao
mesmo tempo que não desenvolveram redes locais de dependência
a ausência de associativismo entre as escolas, impedindo-as de perspec-
relativamente às escolas, às autarquias e ao movimento associativo,
tivarern o Centro de formação como uma estrutura de apoio às suas
reforçaram a sua dependência relativamente às instâncias estatais que
dinâmicas internas, e a participação limitada da Comissão Pedagógica
asseguram a gestão financeira da formação e a acreditação das acções de
no funcionamento do Centro conduziram a que a figura do director
formação, bem como a sua dependência relativamente às pressões dos
emergisse como elemento dinamizador de todas as iniciativas. Este facto
professores carentes de créditos para a progressão na carreira e relativa-
teve reflexos na construção da política de formação que resultou mais de
mente aos formadores que estruturam a oferta de formação. Mais do que
iniciativas pessoais dos directores do que das propostas provenientes das
centros que estruturarn a sua intervenção em torno de uma lógica de
escolas associadas e articuladas com os seus projectos educativos. (Ruela
projecto capaz de promover o associativismo entre escolas e docentes
1997, pp. 289-290)
dos diferentes níveis de ensino, os CFAES tendem a instituir-se num
mercado local de formação profundamente permeável às inflexões de uma
A subordinação da oferta de formação a critérios de racional idade
política de formação definida centralmente que se confunde com uma
política de gestão de carreiras, (Correia, Caramelo e Vaz 1997, p. 120)
econômica constitui um outro traço estruturante da oferta de formação
dos CFAES, que resulta da sua inserção num mercado de formação em
Essa ausência de dinâmica associativa local remete para uma que o consumo ("obrigatório") está assegurado e a relação com as
fragilidade e "virtual idade" dos CFAES que ressaltam do conjunto dos entidades formadoras restantes é de natureza concorrencial. A lógica de
trabalhos empíricos disponíveis. Para um dos autores (Silva 1997), é mercado exprime-se, como assinala Gonçalves (1997), por um planeja-utsrqponmlkjihgfed

73
mento de curto prazo (em vez de um planejamento estratégico), visando conceber a formação e quanto aos mecanismos de contrôle dos docentes,
obter "o máximo de financiamento e realizar o maior número possível a implementar através do sistema de formação de contínua. (p. 301)
de ações de formação, abrangendo o maior número possível de profes-
sores", mas, também, no "registro predominantemente econômico" que Essa convergência de concepções é, por seu turno, congruente
caracteriza a relação dos centros com as suas bolsas ("listagens indivi- com uma convergência de interesses sem a qual o sistema de formação
duais") de formadores: contínua, na sua configuração atual, não seria viável, nem inteligível.
Com efeito, como sintetizam Canário e Correia (1998), a combinação
Os professores (formadores) assinaram uma espécie de contrato promes- das dimensões administrativa e mercantil permite: às instituições de
sa de compra e venda de serviços, com uma claúsula contratual em que formação, uma corrida aos financiamentos e um reforço do seu papel
a prestação de serviços é condicionada directamente pelo financiamento
simbólico; aos formadores, a colocação no mercado dos seus produtos
a fundo perdido concedido aos centros. (p. 217)
individuais; aos professores, a corrida aos créditos; à administração, a
execução dos programas de financiamento e a gestão das carreiras; aos
Do ponto de vista dos "consumidores", o caráter instrumental e
diretores dos centros, a prossecução de estratégias individuais de promo-
economicista da formação é reforçado pela articulação direta e necessária
ção profissional; às associações profissionais, comportar-se como
entre as "ações", os certificados e a progressão na carreira. O valor de uso
"empresários da formação" e, ao mesmo tempo, apresentar como uma
da formação tende a ser substituído pelo seu valor de troca, quantificado na
"vitória" a institucionalização da formação contínua.
unidade de medida dos créditos.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É àzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
luz dessa combinação entre uma lógica
Essa convergência de interesses explica a ausência de críticas. O
administrativa e uma lógica de mercado que se toma compreensível a
agravamento do mal-estar docente explica a ausência de entusiasmos.
situação atual dos CFAES, cujo funcionamento, apesar de contraditório com
a retórica inicial quase unânime, não suscita nem entusiasmos nem críticas. Com efeito, o esvaziamento do sentido útil da formação, que decorre da
sobrevalorização do seu valor de troca, convida os professores à forma-
Essa resignação fatalista e discreta não é o resultado de nenhum determi-
nismo: ela exprime dois fatos regra geral escamoteados. ção. Mas o custo é elevado e traduz-se pelo paradoxo de tornar a
formação conflitual em relação ao exercício do trabalho e ao desenvol-
O primeiro é realçado por Silva (1992), e consiste na existência
vimento profissional e pessoal dos professores. O caráter massivo e
de uma consensualidade de facto, por parte da generalidade dos atores,
obrigatório da formação contínua (encarado como um mal menor, rela-
em torno de concepções de formação simultaneamente escolarizadas e
mercantis: tivamente a eventuais modalidades de avaliação, percepcionadas como
ameaçadoras) coloca a generalidade dos professores numa situação de
déficit e de desvalorização das suas qualificações e das suas competên-
No estudo empírico que realizámos é perfeitamente visível uma con-
gruência quase total entre os diferentes actores - directores, comissões
cias profissionais. Não pode, portanto, deixar de se traduzir por um
pedagógicas e administração (central e regional) - quanto aos modos de agravamento da sua crise de identidade. A história recente da formação
contínua tem uma lição moral clara: aformação não dáfelicidade.

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A compreensão desta história recente, ou seja, a compreensão do O exercício do trabalho ganha contornos "qualificantes" com base
fracasso do projeto dos Centros de Formação das Associações de Escolas na coexistência e na sobreposição entre uma função de produção e uma
(CFAES), tem um mérito importante que consiste em deslocar o proble- função de aprendizagem. Esse processo tem uma dimensão não só
ma, afastando-o dos CF AES e recentrando-o nos estabelecimentos de individual, mas também uma dimensão coletiva e interativa, que pode
ensino. Ou seja, se os CFAES não foram capazes de mudar as escolas, designar-se por aprendizagem organizacional. Nesse quadro, o papel e
a crescente importância do fator humano na vida das organizações
serão as escolas capazes de mudar os (atuais) centros?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tornam dificilmente dissociáveis as capacidades individuais das capaci-
dades coletivas de mudança. Elas formam um conjunto designado pelo
Escola: Do projeto educativo ao plano de formação
conceito de "capital intangível".
A otimização do potencial formativo dos contextos de trabalho
No campo da formação profissional contínua, a tradicional dicotomia
entre o lugar de "aprender" e o lugar de "fazer", característica do modo passa, em termos de formação, pela criação de dispositivos e dinâmicas

escolar, tende a ser contrariada por uma tendência no sentido de uma forte formativas que facilitem a transformação das experiências vividas no
finalização das situações formativas em relação às situações de trabalho. cotidiano profissional, em aprendizagens a partir de um processo auto-
Essa valorização da articulação das práticas de formação com os contextos formativo, marcado pela reflexão e pela pesquisa, individual e coletiva.utsrqponmlkjihgfe
de trabalho está associada quer à crescente importância do fator trabalho, É essa articulação entre novos modos de organizar o trabalho e novos
relativamente ao fator capital, quer à evolução do conceito "taylorista" de modos de organizar a formação (centrada no contexto organizacional)
"mão-de-obra" para o conceito de "recursos humanos".
que facilita e torna possível a produção simultânea de mudanças indivi-
As formações clássicas, escolarizadas, dirigi das à capacitação duais e coletivas.
individual para o "posto de trabalho" são reconhecidamente ineficazes
Com efeito, a produção de mudanças, numa organização social
quando está em jogo a necessidade de produzir mudanças organizacio-
como a escola, implica não apenas mudar a ação individual, mas também
nais. Novos modos de pensar e organizar os processos de trabalho fazem
o modo de pensar essa ação e, sobretudo, o modo como essas ações
apelo a novos tipos de saberes, nomeadamente trabalhar em equipe,
individuais se articulam entre si, num quadro de interdependência dos
pensar à escala da organização no seu todo, agir estrategicamente a partir
atores. Trata-se, em suma, de mudar os processos de interação social
de raciocínios de antecipação. Segundo Carré (1992), a resposta mais
dentro da escola - o que, no caso específico dos professores, significa
pertinente às aceleradas mutações técnicas e sociais consiste em desen-
substituir uma cultura fortemente individualista e "insular" por uma
volver nos trabalhadores um reflexo de aprendizagem permanente, nas
cultura baseada na "colaboração" e no trabalho de equipe.
e através das situações profissionais, no quadro de uma "organização
A construção da autonomia dos estabelecimentos de ensino supõe
autoformativa" (selflearning organisation), caracterizada por modos de
formação abertos e integrados noONMLKJIHGFEDCBA
tr a b a lh o .
uma capacidade autônoma de mudança que não é compatível com

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processos de controle remoto - das escolas e dos professores, a partir da • Pensar à escala da organização
administração central- baseados na prescrição e no controle. A formação
Os estudos que têm como objeto o estabelecimento de ensino, na
"centrada na escola" é uma das facetas de uma nova visão do estabele-
perspectiva da sua identidade, evidenciaram o seu caráter sistêmico e a sua
cimento de ensino em que ele é, simultaneamente, uma unidade
globalidade. A escola não é um somatório de pessoas, nem de espaços, nem
estratégica de mudança e a unidade central da gestão do sistema.
de aulas. O que é fundamental não é o conjunto de características de uma
O projeto educativo de escola constitui o instrumento essencial de escola, mas a sua configuração singular, na qualidade de sistema de ação
uma gestão estratégica do estabelecimento de ensino, cuja construção e organizada (Friedberg 1993). Nessa acepção, a escola como sistema social
avaliação, nas suas diferentes facetas, se configuram como o eixo fun- é produzida pela ação e interação dos atores sociais em contexto. É por isso
que as mudanças organizacionais podem ser facilitadas mas não comanda-
damental de um processo de formação contínua dos professores ..utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É,
portanto, num quadro mais global, balizado pelo projeto educativo de das do exterior, fazendo sempre apelo a um processo endógeno à
organização.
escola, que deve ser pensado e concretizado o plano de formação.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Para que uma organização mude, é condição necessária que mudem,
simultaneamente as crenças, os valores e atitudes dos que, pela sua ação,
Plano de formação: Cinco questões estratégicas
constroem a organização. No caso das escolas, a formação aparece, funda-
mentalmente, como um processo de mudança de representações dos atores,
Na necessidade de otimizar as potencial idades formativas dos em especial dos professores e do modo dominante como são estruturadas
estabelecimentos de ensino como organizações de trabalho, reside o as suas interações.
fundamento essencial da pertinência e do sentido da adoção de uma A passagem de uma lógica compartimentada, baseada numa cultura
estratégia formativa "centrada na escola". A sua materialização obedece profissional individualista, para uma cultura colaborativa e para uma visão
a dois pressupostos básicos: o primeiro consiste em encarar o professor global da escola, encarada como uma totalidade organizacional, é decisiva
como profissional que se forma, num trabalho coletivo de inteligência para a emergência da criatividade das escolas e a sua afirmação como
dos seus processos de trabalho; o segundo consiste em encarar a escola territórios inovantes. Tal passagem implica um acréscimo de lucidez da
como o lugar fundamental da aprendizagem profissional. É nessa pers- parte dos professores que lhes permita dominar variáveis organizacionais
que transcendem o seu "território" próximo, ou seja, a sala de aula, e que
pectiva - de transformação das situações de trabalho em situações de
fazem apelo a competências de natureza coletiva. Uma das dimensões
formação - que emerge a importância do plano de formação, cuja
~ fundamentais da formação centrada na escola consiste precisamente em
construção deverá levar em conta-alguns princípios estratégicos:
criar situações que permitam aos professores aprender a pensar e a agir de
modo diferente, à escala do estabelecimento de ensino.

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• Construir um projeto de formação
ções" exportadas do centro; a segunda é a de que a formação se constitui
como uma resposta a necessidades "reais", suscetíveis de serem conhe-
A construção de uma oferta formati va que possa acompanhar e
cidas a partir de procedimentos técnicos. O planejamento da formação
servir um processo dinâmico de mudança organizacional implica uma
centrada na escola supõe a revisão crítica destas duas idéias.
formação concebida "por medida", em relação a um contexto e a um
Nas últimas décadas, não faltaram "soluções" variadas para os
público precisos. Desenvolver uma dinâmica formativa significa, então,
diversos domínios da vida das escolas. As sucessivas ondas de reformas
instituir modalidades de intervenção social facilitadoras da produção de
mudanças individuais e coletivas. representam, justamente, a produção maciça de soluções, "exportadas"
para as escolas e acompanhadas por campanhas de "persuasão". Essa
A ausência de uma finalização clara, relativamente aos contextos
abundância de "soluções" não impediu, contudo, que os problemas
organizacionais, traduz-se por uma oferta formativa que tende, então, a
também crescessem exponencialmente.
assumir a forma, bem conhecida entre nós, de um "catálogo" de ações de
Uma das razões fundamentais que explicam a dificuldade de
formação, tendo como destinatário um público anônimo de "consumido-
produzir mudanças, telecomandadas que são do exterior das organizações,
res". A formação centrada na escola obedece a uma lógica diferente. Está
é o seu caráter prescritivo e racional que não prevê um processo de
em causa a passagem de uma lógica dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
catálogo para uma lógica de projeto,
apropriação e de reinvenção por parte dos atores locais (no nosso caso,
em que o plano de formação se articula com um plano estratégico para o
futuro da organização. As decisões sobre a formação não deverão ser a os professores). Só a passagem de uma "cultura de soluções" para uma

conseqüência de mudanças já verificadas, mas constituir uma antecipação outra cultura, que atribui prioridade à "construção dos problemas" (Cro-
zier 1995), permitirá encarar os professores como profissionais que
das mudanças. O plano de formação corresponderá, então, a uma resposta
singular, a uma situação singular, nas quais se articula um conjunto coerente tomam decisões, em contextos singulares e marcados pela incerteza,

de modalidades de ação marcadas pela sua diversidade. Não é aceitável, equacionando problemas e produzindo inovações.

hoje, que o plano de formação de uma escola possa reduzir-se a uma lista Os efeitos de posição e de disposição dos observadores determi-
de "ações", a que corresponde um determinado número de formandos, de nam, em grande parte, o modo de equacionar os problemas. Uma vez
formadores e de horas de formação. identificado um conjunto articulado de problemas, não há "uma solução"
a descobrir, na medida em que os problemas de natureza social são em

• Problematizar situações para resolver problemas regra indeterminados, isto é, admitem uma pluralidade de "soluções".
Neste sentido, emerge a importância estratégica do conceito de "proble-
As práticas de formação contínua que pretendem ter um caráter ma", por contraposição ao de "necessidades", na construção de uma
essencialmente instrumental, no quadro de estratégias verticais de mu- oferta formativa. A "problematização das situações", feita em contexto
dança, apóiam-se em duas idéias fundamentais: a primeira é a de que, pelos vários intervenientes no processo formativo, constitui a chave para
através da formação, se ensinam os professores a pôr em prática "solu- o desenvolvimento de modalidades de formação centrada na escola.

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81
• Inserir a escola em redes de formação
• Privilegiar recursos endógenos
Se a formação das pessoas corresponde, em grande medida, a um
A concepção ainda dominante no mundo da formação profissional
trabalho realizado sobre si próprias, também é verdade que ninguém se
contínua tende a reduzi-Ia às situações formais e assimétricas em que
forma sozinho. Com efeito, a valorização da aprendizagem por via experiencial
alguém que "sabe" transfere "sabedoria" para alguém que não "sabe". A
supõe o reconhecimento da importância das interações, nomeadamente inter-
crítica a esse modelo escolarizado do processo formativo fez emergir a
pares, formais e informais, nos processos de formação.
pessoa como sujeito da sua própria formação, integrando diferentes
O mesmo é válido para as organizações. Isoladas, não têm pontos
vivências experienciais, apropriando-se das influências externas que
de referência para comparar e avaliar o seu funcionamento. A criação de
sobre si são exercidas, refletindo sobre o seu próprio percurso experien-
redes de estabelecimentos de ensino que comunicam entre si (que trocam
cial. Esta visão que é, em grande medida, tributária da corrente das
informações, experiências) facilita a disseminação de inovações através
histórias de vida no campo da formação de adultos, desloca o enfoque
de processos de reapropriação, em que se transferem métodos e não
no "ensinar" para o enfoque no "aprender". Na medida em que cada
produtos. Uma conexão estreita entre várias escolas permite que elas
pessoa se estrutura através da relação estabelecida entre momentos
desempenhem o papel de "analisadoras", umas em relação às outras, e
diferentes da sua existência experiencial, o ponto de partida mais perti-
possam produzir mudanças a partir da sua recíproca interação. Os
nente do processo formativo é a experiência dos formandos.
Centros de Formação das Associações de Escolas podem, justamente,
A valorização da experiência conduz a valorizar, também, a
constituir um instrumento essencial para a construção, a partir das
heterogeneidade dos processos formativos. É a reflexão, conduzi da de
modo sistemático e finalizado, que permite transformar a experiência escolas, de redes contextualizadas de inovação e de formação.

num saber utilizável. A formação contínua, nomeadamente no caso dos A formação centrada na escola não significa pura auto gestão da
professores, institui-se, nesta perspectiva, como um processo de forma- formação, nem dispensa apoios exteriores. É essezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
apoio externo e as suas
lização da experiência. O raciocínio em termos de valorização da funções de crítica, de facilitação, de informação e de catalização que
experiência opõe-se a um raciocínio em termos de "necessidades", cujo podem ajudar as escolas a encetar e a conduzir, de modo pertinente, um
ponto de partida é, justamente, um inventário das lacunas dos formandos ciclo de resolução de problemas.
e não dos seus saberes experienciais.
Desse ponto de vista, as pessoas são, no interior da organização,
os principais recursos formativos. Não está em causa, apenas, o somató- Formação de professores e identidade profissional

rio das experiências e competências individuais, mas o modo como elas


A formação, como processo organizado e intencional, correspon-
se cruzam, combinam e interagem no contexto da organização. Assim,
as interações coletivas, a história da organização, as situações aí vividas de a um aspecto particular e parcelar de um processo contínuo e
constituem recursos fundamentais para a formação. multiforme de socialização, que coincide com a trajetória profissional

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de cada um. Nesta perspectiva, a produção (e a mudança) das práticas 101), "uma parte artesanal baseada na improvisação, parte essa irredutí-
profissionais remetem, fundamentalmente, para o processo de socializa- vel e incomparavelmente maior que a do saber racional". Reside aqui a
ção profissional vivido nos contextos de trabalho onde coincidem, no impossibilidade de fundar as práticas profissionais dos professores em
espaço e no tempo, uma dinâmica formati va e um processo de construção "receitas" passíveis de uma aplicação generalizada, independentemente dos
identitária. A chave para a produção de mudanças (simultâneas) referen- contextos.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É precisamente esta dimensão "artística" do exercício profissio-
tes aos professores e às escolas passa, então, a residir na reinvenção de nal do profess. ~ que conduz a valorizar as noções de sujeito, experiência
modos de socialização profissional- o que constitui o fundamento mais e contexto, o que convida a repensar todo o processo de profissionaliza-
sólido para encarar como uma prioridade estratégica o desenvolvimento ção dos professores.
de modalidades de formaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
centradas na escola, por oposição e con- O processo de construção identitária é sempre o resultado de uma
traste com a oferta formalizada, descontextualizada e escolarizada que é articulação entre um percurso biográfico e um contexto empírico de ação
dominante. Esta, que é tributária de uma epistemologia de raiz positi vista (Dubar 1991). Se aceitarmos este pressuposto, tornar-se-á evidente a im-
que encara a prática como um mero momento de "aplicação", tem estado portância do exercício do trabalho na produção da profissionalidade, o que
na origem do modo de conceber o saber profissional dos professores e nos permitirá construir uma visão mais lúcida dos limites das estratégias
do modo de conceber o papel da formação na produção desse saber clássicas de formação de que os Centros de Formação das Associações de
profissional.
Escolas apareceram como os principais executantes.
Segundo essa perspectiva, o trabalho dos professores seria suscetível O sistema nacional de formação contínua de professores, im-
de uma descriçãoONMLKJIHGFEDCBA
a p r io r i, que permitiria identificar os pré-requisitos plantado depois de 1993, estabeleceu uma relação direta, linear e
necessários, suscetíveis, por seu turno, de serem traduzidos e operaciona- necessária entre o "consumo" das ações de formação, a acumulação
lizados em objetivos e técnicas de formação. Os efeitos da formação de certificados e a progressão na carreira, o que teve como conseqüên-
poderiam, então, ser "transferidos" para a prática profissional, através de cia principal a de esvaziar a formação de sentido útil. O valor de uso
um processo de "aplicação". Desse ponto de vista, a formação é encarada da formação subordinou-se ao seu valor mercantil. De forma parado-
como um processo de treino, de caráter instrumental e adaptativo, xal, a formação que deveria, teoricamente, contribuir para a formação
enquanto o exercício do trabalho corresponde à reprodução de normas e de "profissionais-reflexivos", estimula-os, pelo contrário, a tornarem-se
de gestos anteriormente aprendidos. "trabalhadores-estudantes", para quem o "estudo" tende a entrar em
Esta visão do saber e do exercício profissional é, contudo, clara- conflito com o trabalho e com o investimento profissional. Em vez de
mente redutora e inadequada, nomeadamente no caso dos professores, constituir uma solução para o problema da crise de identidade dos
"condenados" a lidar com a singularidade, a complexidade e a incerteza _ professores, a formação massiva, concebida nestes termos, parece ter
o que, limitando fortemente as pretensões de racionalização, implica que vindo agravar o mal-estar existente.
subsista sempre, na prática profissional, como refere Trousson (1992, p.

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SILVA, M.A. (1997). Os directores dos Centros de Formação das Associações de ABORDAGEM FACILlTADORA PARA O DESENVOLVIMENTO
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mais diversas áreas se ressentem de uma formação que venha torná-los
YARGER, Sarn (1990). "The legacy of the teacher center". In: JOYCE, B. (org.).
capazes de incorporar conhecimentos que lhes possibilitem o aprimora-
Changing school culture through staff development. Nova York: ASCD.
mento de suas práticas. A sobrevivência de certos profissionais e até a
de sua profissão estão profundamente vinculadas à possibilidade de uma
formação contínua. Isso tem colocado, para os centros formadores e para
aqueles que hoje vêm discutindo a formação do professor, um problema
novo: formar o profissional que nunca está formado.

Embora saibamos que o aprimoramento das práticas é condição


indispensável para o desenvolvimento profissional, e que essa percepção
é tão antiga quanto a humanidade, é recente a tomada de consciência

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sobre o modo de considerar a prática como possibilitadora de produção Chega a ser paradoxal o fato de que a crítica que mais tem
de conhecimento. Tradicionalmente - à época do taylorismo -, apenas contribuído para repensar a formação de professor tenha sua origem em
aqueles que ocupavam posição de comando podiam planejar as ações um profissional que não estava pensando apenas na formação de profes-
dos que tinham que executá-Ias. Hoje, até a indústria atenta para dois sor mas na formação de qualquer profissional capaz de questionar os
aspectos há muito discutidos nos meios acadêmicos: o de que, ao fazer, limites burocráticos na definição de suas tarefas e de se colocar de forma
os sujeitos têm uma intenção, e o de que, ao fazer, podem melhorar suas reflexiva diante de suas práticas. Estamos falando das contribuições de
práticas, na medida em que avaliam suas ações buscando otimizá-las, Schõn para as pesquisas recentes sobre a formação de professores. Tomar
incorporando conhecimento ao novo produto fabricado. consciência de que o professor é ou deveria ser um profissional reflexivo

As teorias construtivistas seguramente deram sua contribuição parece ser óbvio, mas o que vem sendo produzido - principalmente nas
para o repensar da substituição do trabalhador-executor pelo trabalha- décadas de 1980 e 1990 - deixa claro que é recente a produção acadêmica
dor-que-projeta. E projetar assume, aqui, o sentido amplo de "aquele que sobre a formação do professor que incorpora o caráter óbvio dessas
elabora um plano", que elege instrumentos para realizá-lo e que, ao observações.
concluí-lo, avalia se os fins foram atingidos. Esse trabalhador busca
continuamente novos saberes que possam colocá-lo em sintonia com a
Aformação e a profissão do professor em redefinição
produção de seu tempo.

Por sua vez, ser professor sempre foi sinônimo de ser sábio, de ser As análises de Schõn (1987 e 1992) salientam a insuficiência dos
um sujeito pensante, reflexivo, planejador, avaliador. Isso parecia dar ao quadros teóricos para orientar a prática docente. a professor caracterizar-
professor ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status de profissional-que-projeta e, por isso mesmo, de um se-ia muito menos por ser um especialista, que aplica seu conhecimento
profissional em constante busca de aprimoramento de suas práticas. Mas para resolver problemas técnicos, e muito mais por ser um "prático
as constantes críticas às práticas repetitivas dos professores, a lembrança reflexivo" que age e que toma suas decisões com base na ponderação e
dos professores que usam os cadernos com os "pontos" que ano a ano na avaliação dos problemas colocados pelas interações em sala de aula.
serão copiados na lousa para que os seus alunos tenham acesso a A prática do professor estaria sendo constantemente reelaborada pela
conhecimentos que parecem imutáveis constituem críticas ao modelo de "reflexão sobre a ação", isto é, pela reflexão empreendida antes, durante
racionalidade técnica que introduziu o taylorismo na educação. Esse e depois da sua atuação, tendo em vista a superação das dificuldades
paradigma é marcado pela fragmentação das funções, separando os experienciadas no cotidiano escolar.
pesquisadores e especialistas - que produzem conhecimentos, modelos a autor sugere um novo desenho para a formação do professor. a
e programas de ensino - dos professores, quase sempre considerados saber sobre o ensino não se daria antes do fazer, como estabelece o
como meros consumidores de propostas pedagógicas e simples executo- paradigma da racionalidade técnica: iniciar-se-ia pelo questionamento
res de políticas definidas de cima para baixo. da prática, respaldado em conhecimentos teóricos; seria produto do

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entendimento dos problemas vivenciados e da criação de novas soluções
1987; Lacasa 1998), para uma perspectiva mais complexa, que considera
visando a sua superação. Daí a introdução do futuro professor, desde o
novas dimensões. Conforme Perrenoud (1993) e Zeichner (1993), a
início de sua formação, no universo da prática. Ele aprenderia a ser
formação passa sempre pela mobilização de vários tipos de saberes:
professor refletindo sobre sua prática, problematizando-a, distinguindo
saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria especializada,
as dificuldades que ela coloca, pensando alternativas de solução, testando-
saberes de uma militância pedagógica (Pimenta 1997). Conforme Nóvoa
as, procurando esclarecer as razões subjacentes a suas ações, observando
(1992), o processo de formação crítico-reflexi vo implicazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
produzir a vida
as reações dos alunos, verificando como aprendem, procurando entender
o significado das questões e das respostas que eles formulam ... Essas do professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente
atividades seriam próprias de uma atitude investigativa, caracterizando (desenvolvimento profissional) e produzir a escola (desenvolvimento
o professor como produtor de conhecimentos práticos sobre ensino. Esta organizacional).
perspectiva reorienta os cursos de formação, no que diz respeito, sobre- Assim entendida, a formação constitui não só um processo de
tudo, às relações dialógicas entre teoria e prática e à importância da aperfeiçoamento profissional, mas também um processo de transforma-
aprendizagem de procedimentos investigativos e de interpretação quali- ção da cultura escolar, em que novas práticas participativas e de gestão
tativa dos dados. Nesse processo, fica explícita a importância da atuação democrática vão sendo implementadas e consolidadas. Nesse sentido, a
coletiva dos professores no espaço escolar, propiciador de trocas refle- formação de professores reflexivos configura um projeto pedagógico
xivas sobre as práticas, o que qualifica a profissão do professor,
emancipatório (Kincheloe 1997; Pimenta 1998 e 1999). Entretanto, a
definindo-o como intelectual em processo contínuo de formação.
proposta de transformar as escolas em comunidades críticas encontra
Na última década, a literatura sobre a formação do professor obstáculos a sua concretização. Tais obstáculos dizem respeito às atitu-
reflexivo tem-se deslocado de uma perspectiva excessivamente centrada des de resistência à mudança e à burocratização do sistema.
nos aspectos metodológicos e curriculares para uma perspecti va que leva
Na década de 1980, as tentativas de implementar propostas constru-
em consideração os contextos escolares. As organizações escolares
tivistas em sala de aula enfrentaram atitudes de resistência. As inovações se
produzem uma cultura interna que lhes é própria e que exprime os valores
chocavam com as representações do professor, sedimentadas ao longo de
e as crenças partilhados pelos membros da organização. Não são apenas
sua vida escolar. Como aluno - como bom aluno -, ele havia interiorizado
divulgadoras, mas também produtoras de práticas sociais, de valores, de
o modelo do professor-transmissor e vivenciado o papel de aluno, receptor
crenças e de conhecimentos, movidas pelo esforço de procurar novas
do saber. A partir dessa vivência "irrefletida", interiorizou o modelo de
soluções para os problemas vivenciados.
ensino centrado na fala do professor, no poder da transmissão verbal, na
A valorização das dimensões contextuais e ecológicas desloca o repetição e no controle das atividades dos alunos, na valorização da infor-
debate sobre a formação de professores de uma perspectiva excessivamente mação em detrimento dos processos inerentes à elaboração do
centrada na sala de aula, em seus aspectos disciplinares, metodológicos e conhecimento. Em vez de valorizar o ensinar a pensar, tais atitudes pres-
curriculares (Gimeno Sacristán 1983;Baird, Mitchell e Northfield 1987; PorlánutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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supõem que o aluno pensa melhor porque aprendeu ou memorizou mais o desenvolvimento profissional de pesquisadores e professores, favore-
informação (Garrido e Carvalho 1999). cer mudanças na cultura organizacional da escola parceira, aprofundar o
Por outro lado, as novas práticas participativas e questionadoras conhecimento sobre os processos de construção dos saberes pedagógicos
chocam-se com o conformismo de professores e alunos. Tendo inte- pela equipe escolar e oferecer subsídios para políticas públicas de
riorizado uma visão de cidadania passiva, um sentimento de impotência formação em serviço.
e de descompromisso, reduzem o ato de ensinar e aprender à simples Vamos considerar, em seguida, questões relacionadas ao processo
reprodução. Tais atitudes minam o processo de transformação da escola de interação entre a equipe de pesquisadores e a equipe da escola
numa comunidade envolvida em ações coletivas de trocas e produção de parceira, procurando evidenciar como se deu o processo de superação de
significados (Kincheloe 1997). conflitos e a natureza da reflexão e da investigação que os professores
A fim de que a reflexão possa se enraizar, contribuindo para a empreenderam sobre suas práticas.
compreensão dos fenômenos educativos, é preciso garantir certas con- Como encaminhar propostas de formação do professor investiga-
dições no ambiente de trabalho escolar e nas relações entre o grupo de tivo/reflexivo no contexto organizacional de nossas escolas? Como
formadores de educadores e de professores.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É preciso aceitar que o
transformar questões iniciais esparsas e confusas em prioridades do
professor precisa ter mais controle sobre suas condições de trabalho; é
grupo? Como configurá-Ias em projetos de investigação e de ação
preciso valorizar ações conjuntas, projetos coletivos, capazes de modi-
conjunta? Como tornar essas atividades parte integrante da cultura
ficar os contextos escolares, criando uma "comunidade crítica de
escolar? Que conteúdos, leituras, procedimentos e atividades se mostra-
professores" (Kemmis 1993); é preciso, também, rever as relações entre
ram facilitadores? Que dificuldades práticas encontramos?
a universidade e as escolas, reconhecendo e respeitando os conhecimen-
tos práticos dos bons professores, vozes ainda ausentes na literatura Nossa metodologia de trabalho baseia-se na proposta de Schõn
(1987); caracteriza-se por atividades que se complementam e que o autor
científica sobre o ensino (Zeichner 1993 e 1995).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
denominou "reflexão na ação", "reflexão sobre a ação" e "reflexão sobre a
A parceria universidade-escola reflexão na ação". Esses termos, que remetem a propostas de ações inves-
tigativas, serão esclarecidos a seguir, à medida que formos explicitando os
Tendo em vista os desafios colocados, desenvolvemos um projeto movimentos de construção do grupo. Cabe adiantar, entretanto, que as
de parceria universidade-escola. I O projeto 2 tem por objetivo promover atividades reflexivas começaram pela partilha e tiveram continuidade como
projetos de pesquisa-ação, entendidos como formas de intervenção contínua
1. Trata-se de uma parceria entre a Faculdade de Educação da USP e um Centro de Formação e
no sistema pesquisado. Tais intervenções, ditadas pela reflexão conjunta,
Aperfeiçoamento para o Magistério (Cefam). Estão envolvidos aproximadamente 250 jovens de 15
a 25 anos. De início, essa parceria esteve sediada na Escola Estadual "Professor Ayres de Moura";
atualmente, tem sua sede na Escola Estadual "Professor AJípio de Barros", ambas na cidade de São
Paulo. Nesta última, funcionam classes de 1~ a 4~ série, o que favorece a formação teórico-prática pela Fapesp, no quadro do Programa Especial de Apoio a Pesquisas Aplicadas sobre o Ensino Público
das alunas do Cefam e o trabalho de articulação entre diferentes níveis de trabalho docente. no Estado de São Paulo. Conta também com bolsas de produtividade em pesquisa e de iniciação
2. Denominado "Qualificação do ensino público e formação de professores", esse projeto é financiado científica, do CNPq. Teve início em setembro de 1996, devendo estender-se até setembro de 2000.

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pretendiam contribuir para o equacionamento dos problemas vivenciados, mento de registrar as reuniões e de documentar as atividades. Era preciso
ao mesmo tempo em que procuravam melhorar a compreensão dos partici- que participantes, pertencentes a culturas diferentes, cada qual com suas
pantes sobre a natureza das situações problemáticas, favorecendo a "tomada próprias perspectivas, pudessem se conhecer, se entender, se aceitar, a
de consciência" das pessoas e dos grupos envolvidos. Essa forma de trabalho fim de construirWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
u m projeto comum. A construção da identidade do grupo

supõe ampla e explícita interação entre pesquisadores e professores, para a foi uma conquista delicada e demorada, simbolizada na criação da
tomada de decisões conjuntas (Thiollent 1994). denominação "Projeto Uspayres"."

Essa sistemática de trabalho funda-se nos princípios dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


pesquisa
Manifestações de conflito e de resistência ONMLKJIHGFEDCBA
à mudança
colaborativa: não se pretende que o professor universitário, considerado
especialista, dite os rumos das mudanças, e que os professores da escola
O inicio do diálogo entre grupos com cultura e status profissional
sejam meros executores. Ambos são parceiros, responsáveis pelo projeto.
diferentes foi cauteloso. Raras foram as manifestações de conflito - "a
As atividades que melhor caracterizaram a primeira etapa do universidade não conhece o que a escola pública faz"; "nós não devemos
trabalho foram a busca de conhecimento mútuo, de maior discernimento desmerecer nosso trabalho" (Regina). Entretanto, nos relatos posteriores
sobre o projeto de pesquisa que se iniciava, de organização do grupo e sobre esse primeiro momento, os professores reconheceram que "foi difícil"
do ensaio das primeiras atividades conjuntas. (Marisa), Sentiam-se expostos diante dos colegas, temiam a avaliação da
O (re)conhecimento da realidade e da proposta pedagógica da academia. Para alguns a experiência foi "angustiante" (Terezinha).
escola-parceira se deu não de forma invasiva, mas mediante a partilha Houve resistências, estranhamentos, insegurança, ansiedade. Os
das representações e das práticas correntes em seu interior. Tais percep- envolvidos sentiam-se confusos - não ficava claro como dar início aos
ções são fruto da "reflexão na ação", das decisões que o grupo de projetos inovadores: "falta objetividade", diziam uns; "onde temos que
professores é chamado a tomar no cotidiano escolar para tentar conduzir chegar?", perguntavam outros. Esperavam receber da universidade teo-
da melhor forma o trabalho de ensino e aprendizagem. rias e estratégias de ação: "necessitamos de algo novo para confirmar a
A intenção de transformar a escola numa comunidade crítica prática ou para questioná-Ia ... para ajudar' a consolidar o que existe".
colocou, desde logo, a exigência de investir no fortalecimento e na Sintetizando esse momento, assim se expressaram os coordenadores em
organização do grupo. Criaram-se condições de infra-estrutura material ,3 seu relatório anual:
organizativa e deliberativa. O grupo de professores escolheu coordena-
dores responsáveis para diferentes funções. Sempre que possível, Não estava claro para o grupo de professores a continuidade do projeto;

definiam-se critérios para as decisões colegiadas. Teve início o procedi- havia pessoas sedentas de saber e em busca de uma direção a seguir na
pesquisa. A implantação do projeto trouxe grandes transtornos ao grupo,

4. A denominação "Uspayres" vem da junção dos nomes US? c Ayres (do nome da Escola Estadual
3. A escola recebeu, da Fapesp, equipamentos como microcornputadores, filrnadora, retroprojetor,
videocassete, "Professor Ayres de Moura", sede do Cefarn).

96 97
mas estávamos preocupados em melhorar a formação dos nossos alunos. dados ... Interpretação, e não apenas tabulação de dados. A tarefa de
Nos defrontamos, sempre, com várias questões: que alunos estamos investigar as próprias práticas exigia, pois, habilidades desconhecidas
formando? Como os estamos formando? Temos falhas nessa formação?
dos professores. Aqui reside uma importante função do pesquisador:
Onde estão? O encontro com a Universidade parecia responder a nossas
promover competências investigativas e interpretativas.
ansiedades. mas havia algo que não estava claro: a metodologia de
investigação. A atividade de pesquisa é algo que está fora da cultura da
Um dos primeiros obstáculos com o qual tivemos de lidar foi a heterogenei-
escola. Quando os professores da USP iriam mostrar suas práticas? (...)
dade: não sabíamos como unir na pesquisa disciplinas tão diferentes.
Começamos a perceber um distanciamento entre os professores da
Conseguimos chegar a problemas comuns, mas eram tão gerais que não
Escola e os da Feusp ... Percebemos, nesse instante, a imagem que nossos
sabíamos como realizar a pesquisa ... Demorou para conseguirmos montar
colegas faziam dos professores da universidade: uma imagem que os um projeto comum, viável e significativo. (Rinaldo)
fazia distantes, em um lugar de quem detém o poder do conhecimento.
(Rosa e Rinaldo)
Investigar as próprias práticas oferece um fio condutor e um
distanciamento para entender de forma mais sistemática e criteriosa o
Na origem, havia insatisfações com o próprio trabalho, havia o
próprio trabalho. Torna o professor sensível e atento à complexidade do
desejo de aperfeiçoamento profissional. Mas os professores queriam
fazer docente. O depoimento abaixo sinaliza a abertura e a autonomia
respostas prontas, seguras, sem risco. Por que desenvolver projetos
que essa nova atitude representou:
investigativos? Não estava claro de que modo tais projetos poderiam
favorecer a aprendizagem ou a relação com os alunos. Não estava claro
Eu já buscava respostas para algumas questões, mas não dispunha de
como desenvolvê-los. Temiam que esse procedimento, em vez de resol-
ferramentas para encontrá-Ias. Agora, os problemas parecem mais claros,
ver seus problemas pedagógicos, estaria criando novos problemas.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
percebo de que direção eles vêm. O projeto criou em mim o hábito de
escrever, olhar, analisar e refletir, gerando assim um número maior de
questões mas tambémONMLKJIHGFEDCBA
1 1 possibilidades de caminhos para resolvê-Ias.
o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
papel do pesquisador
Comecei a olhar com maior profundidade para o "meu fazer", a minha
prática, tanto pessoal como profissional. O projeto tem-me mostrado a
Investigar, saber transformar uma dificuldade prática numa ques- complexidade do que é ser professor ... Queria me aprofundar mais ...
tão de pesquisa, tomar distanciamento em relação à ação para estudá-Ia, Engraçado, parece que esta inquietude se projetou para meus alunos, de
sistematizá-Ia e escrever sobre ela foi um aprendizado e uma conquista. forma a criar neles o mesmo que criou em mim: esta busca por soluções
Montar os projetos exigia entendimento das questões a serem investiga- de questões. (Regina)
das, exigia seleção dos sujeitos que deveriam ser ouvidos para garantir
a representação dos pontos de vista, exigia elaboração de instrumentos Não podemos nos esquecer, no entanto, de que o professor está
condizentes com os objetivos, critérios de análise e de interpretação dos imerso nessa prática e que ela está carregada de emoções e de conflitos.

98 99
A intenção de (re)ver e (res)significar seu ensino é uma empresa arris- primeiras tentativas para solucioná-Ias. Divididos em grupos de estudo e de
cada, que pode se constituir num processo muito desgastante: trabalho, deram início aos primeiros projetos de investigação e de interven-
ção que objetivavam responder às deficiências diagnosticadas.
Analisar os dados levantados junto a nossos alunos engendrou muitos
Segundo a nossa experiência, projetos localizados e com metas
conflitos, pois na realidade eles realizavam uma avaliação de nossos
deli mitadas são facilitadores do processo de introdução de transformação
cursos, apontando acertos e erros. Como ainda não concebíamos o erro
como sendo parte do processo de aprendizagem - "o erro é um dos
das práticas e da revisão das representações sobre o ensino e a aprendi-
tempos da dialética que, necessariamente, é preciso atravessar" (Bache- zagem (Moura 1993; Garrido e Carvalho 1999).
lard 1928, p. 249) -, este foi um processo doloroso, pois, afinal, A memória do grupo e de suas atividades foi sendo documentada
acreditávamos estar procedendo corretamente em nossa prática profis- através do registro de entrevistas e de reuniões, de dados de questionários,
sional. (Luci Ana)
anotações de alunos, diários escritos, observações de aula, avaliações etc.
Uma das formas privilegiadas de registro tem sido o recurso videográfico.
Por essa razão, o suporte emocional e o compromisso ético do
A possibilidade de gravar em vídeo a prática docente oferece ao professor
pesquisador com o grupo são fundamentais. Desenvolver projetos cole-
a possibilidade de ver e rever as mesmas situações, libertando-o dos limites
tivos - e não individuais - estimula a solidariedade entre os colegas e
estreitos da reflexão durante a ação, insuficientes para a análise rigorosa e
contribui para minimizar a ansiedade. Igualmente importante é dar aos
a interpretação sedimentada e madura.
projetos investigativos um novo enfoque, em que se privilegia não a
Nos encontros, os professores levantaram problemas observados
avaliação do professor pelos alunos, mas a análise e a apreciação de
em sala de aula. Dentre eles, a apatia dos alunos constituía uma preocu-
questões que os alunos também vivenciam e partilham, e para as quais
pação importante: os alunos cumpriam as tarefas, mas não manifestavam
podem oferecer um ponto de vista relevante.
envolvimento efetivo com a aprendizagem da profissão docente. Um
outro problema dizia respeito às práticas de ensino tradicional observa-
OszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
movimentos de (res)significação das práticas
das freqüentemente nas aulas de estágio: por que as alunas adotavam tais
Questionávamos o sentido do nosso trabalho formador: Como está práticas se haviam aprendido novos métodos de ensino? Perguntavam-se
acontecendo a nossa prática? A grade curricular está atendendo às se estariam proporcionando a formação adequada. Como enfrentar essas
exigências da teoria e da prática? questões? O desinteresse poderia ser conseqüência da realidade profis-
sional desestimuladora? Surgiu a necessidade de levantar dados junto
A problematização da escola e de suas práticas configura um outro aos alunos e de fazer o acompanhamento do desempenho profissional
nível de análise, que denominamos "reflexão sobre a ação". Esse momento dos ex-alunos,
se esboçou desde o início, uma vez que os professores foram convidados a Esse exemplo ilustra de que modo a busca de entendimento foi
levantar as dificuldades e necessidades experimentadas e a propor as encaminhando a investigação sobre as questões iniciais. Essa conquistautsrqponmlkjih

100 101
é importante, porque sinaliza o despertar de uma nova atitude que o Um outro subgrupo questionou as atividades de estágio: como
próprio grupo denominou "cultura da análise", e que consiste não mais melhorá-Ias?
no desejo de buscar respostas prontas, mas na atitude dos professores de
Quais as representações da equipe escolar sobre a importância dos
procurar entender o comportamento e as dificuldades de seus alunos e
estágios na formação do futuro professor? Quais as expectativas das
de esclarecer o sentido das próprias ações e decisões pedagógicas. Ela
escolas-campo? Como articular as necessidades destas escolas com os
marca o início da autonomia da reflexão-sobre-a-ação por parte da
interesses dos estagiários? Que valor nossos alunos atribuem aos está-
comunidade escolar, um dos objetivos prioritários da segunda etapa de
gios? Que dificuldades encontram? Que sugestões apresentam?
nosso projeto inicial.
Dois eixos temáticos articularam os projetos investigativos. O Também nesse ponto, alunos, ex-alunos, professores das escolas-
campo foram entrevistados e responderam a questionários.
primeiro dizia respeito àszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
interações entre a escola e a sociedade. Um
dos subgrupos, formado por professores de matemática, indagou sobre O segundo eixo temático estava voltado para a análise da própria
o valor da formação que ofereciam a seus alunos: "estariam preparando comunidade escolar. Os professores exploraram, então, questões incô-
os futuros professores das séries iniciais para exercer seu papel de modas, delicadas e difíceis, porque põem em discussão a qualidade do
formador de cidadãos? Que conhecimentos matemáticos seriam neces- próprio trabalho:
sários ao cidadão?". Parte da investigação aprofundada por esse grupo
consistiu em recolocar as questões aos próprios alunos: Detectamos problemas em nossas práticas. Vemos, preocupados, o aluno
não discordar por temer interferência na nota. Vemos inúmeras produ-

o que eles "queriam" e o que eles "precisavam" aprender em matemática ções que apenas reproduzem o que deles se exige. Vemos alunos

para poder ensinar? Quais as necessidades de conhecimento matemático desmotivados, apáticos, que simplesmente cumprem tarefas. Vemos

e científico de uma criança que vive na zona urbana? E de uma criança alunos que não lêem, não gostam de ler e mal compreendem o que lêem.

que vive na zona rural? Se isso acontece, não estamos formando professores-cidadãos criativos,
críticos, comprometidos com sua profissão e com sua autoformação.
Como podem ensinar bem, se não gostam de aprender? Vemos alunos
A investigação implicava, portanto, mudanças nas práticas de sala
inseguros ao se envolverem com atividades práticas de ensino. Por que
de aula, de vez que se estava tornando o aluno um parceiro do processo
isso acontece? Resolvemos, em nossas classes, investigar a maneira
investigativo. A atividade permitiu aos estudantes tomar consciência do
como nossos alunos vêem a formação que receberam e recebem na
significado do ensino da matemática na vida das crianças, e deixou
escola.
evidente, para a equipe de professores, que vários conceitos precisavam
ser retomados, pois não haviam sido suficientemente valorizados pelos Um dos subgrupos está explorando essas questões a partir da
alunos. Como decorrência, surgiu a necessidade de atividades de ensino história de vida escolar dos próprios alunos, trazendo suas lembranças
de forma colaborativa como um dos modos de concretizar a autoria. sobre os livros preferidos, as primeiras leituras escolares, o primeiro dia

102 103
de aula, o recreio, as relações com os colegas, as lembranças dos bons compromisso de algumas turmas. Em conversas informais, colhemos
ou maus professores, as dificuldades e o prazer de aprender, de conhecer dados que nos permitiram visualizar as causas da apatia ... Fizemos uma
o mundo e de crescer. reanálise das motivações emocionais e ideológicas de nossas "ações
pedagógicas" competitivas, excludentes, autoritárias ... Percebemos a
existência de dicotomia e ambigüidade nos papéis que o professor
Partir da reflexão sobre a própria história de vida e sobre as experiências
escolares poderia ser um bom começo para fazer nossas alunas pensarem desempenha ... Partindo dessas reflexões, concluímos que os caminhos

sobre suas práticas pedagógicas e seu papel como futuras professoras. Uma pelos quais enveredamos são muito vastos e complexos. E, por sentirmos
educação para a autonomia poderia ter seu início nas histórias de vida dos necessidade de maior aprofundamento ... encaminhamos um estudo
alunos, revi vidas, compartilhadas, repensadas e questionadas em sala de bibliográfico sobre o assunto. (lvonete)
aula. Esse trabalho está produzindo resultados que não esperávamos: os
alunos começam a entender melhor o porquê de suas preferências ou
As citações acima foram extraídas de textos individuais ou cole-
rejeições por uma ou outra disciplina e, sobretudo, percebem que se pode
aprender a ser professor refletindo-se sobre suas experiências, descobrindo tivos, produzidos pelos diferentes subgrupos. Essa atividade caracterizou
por si mesmo. Refletindo sobre essas lembranças, os alunos começaram a a terceira etapa do projeto, denominadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
reflexão sobre a reflexão da
ponderar sobre as marcas da escola e do professor em suas próprias vidas:
prática.' As práticas investigativas resultaram num esforço de organiza-
"não quero que meus alunos sofram o que sofri. Tinha que ler em voz alta,
sem errar. Acredito que a professora achava que, fazendo-nos passar vergo- ção e de sistematização. Da problematização da prática alcançaram a
nha, seria possível fazer com que aprendêssemos a ler". Essas lembranças e teorização, que agora poderá realimentar e elucidar a práxis. A apresen-
questionamentos deram elementos para as alunas refletirem sobre sua pró-
tação dessas comunicações num encontro nacional de pesquisadores em
pria prática pedagógica: "não conseguiremos fazer o nosso aluno gostar de
ler, se nós não gostamos". (Regina) educação" constituiu um marco na vida profissional do grupo. Esses
trabalhos foram também divulgados num encontro realizado pela comu-
Um outro subgrupo investiga as relações professor-aluno em nidade escolar e em outro evento organizado pela Delegacia de Ensino.
turmas que apresentam perfis de interação e de envolvimento escolar
diferentes. Por que isso acontecia? "Qual a influência desses diferentes
perfis de relacionamento na aprendizagem e na formação profissional 5. Schõn (1987) identifica a "reflexão sobre a reflexão na ação" como "pesquisa na prática", ou como
''fenomenologia na prática", caracterizando-a, por um lado, como uma atividade de entendimento e
dos alunos?" de intervenção, em que professores e pesquisadores "dão novos sentidos para situações
indetenninadas e criam novas estratégias de ação" (p. 309) e, por outro, como uma atividade de
investigação reflexiva em que os participantes pesquisam os próprios processos de intervenção (p.
Começamos nossa proposta investigativa por uma reflexão do grupo.
312).
Cada um de nós fez um depoimento sobre a relação e o trabalho 6. O grupo apresentou um painel denominado "Projeto Usp-Ayres" (cf. Ganido e colabs. 1998). Um
conjunto de investigações foi articulado sob o título "Projeto Usp-Ayres 2: Repensando a escola e
desenvolvido com as turmas. Nessa discussão, percebeu-se que o ponto
suas práticas a partir da investigação sobre as relações entre a escola e a comunidade". Outro conjunto
central das diferenças estava no modo como era estabelecida a relação denominou-se "Projeto Usp-Ayres 3: Repensando a escola e suas práticas através do conhecimento
das representações de seus alunos e professores". Todos esses trabalhos estão publicados nos Anais
entre os professores e seus alunos. O passo seguinte consistiu em
do ONMLKJIHGFEDCBA
rx Endipe (Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino), Águas de Lindóia. Painel: 48-5 I,
verificar, junto aos alunos, o porquê da desmotivação e da falta de 1998.

104 105
o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
olhar dos sujeitos sobre as conquistas coletivas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do), compartilhando os registros e analisando-os, sem ter tanto medo da
exposição, do "olhar do outro". (Luci Ana)
Investigar as práticas escolares é uma experiência arriscada para o
professor, carregada de temores e até mesmo traumatizante. Fazê-lo com o Passei a sentir-me sujeito de minha prática, pois passei a colocar como
objeto de estudo a minha própria ação como professora. Vejo que a
olhar de observador e de pesquisador propiciou uma atitude distanciada e
prática cotidiana do professor é um desafio permanente, que resiste a
metódica para abordar e examinar o próprio trabalho. A produção escrita dessas
fórmulas ou soluções prontas. Na realidade, é um convite para um ensino
investigações, a necessidade de revisá-Ias e poli-Ias também propiciaram
criativo, experimental e que permite pesquisa na ação. (Alba)
distanciamento em relação à ação, capacidade de organização e de abstração e
esforço intelectual crítico e criador.A oportunidade de poder mostrar o resultado
Ao se perceberem autores de sua prática, os professores tornaram-se
desse esforço diante da academia foi um marco importante na vida de cada um
comprometidos profissionalmente, atuantes, participando de associações de
dos professores. O conjunto dessas atividades contribuiu para fazer o grupo
classe e de pesquisa. Esses avanços criaram neles o desejo de investir em
crescer, tomar-se mais confiante, sentir-se mais capaz e autônomo. Contribuiu
sua qualificação profissional. V ários cursaram ou estão cursando disciplinas
também para estreitar os laços entre pesquisadores e a equipe escolar.
na faculdade. Dois foram aprovados em exames de seleção para o mestrado.
Eis alguns depoimentos sobre o significado e a importância desse Praticamente todos fizeram cursos de informática. A escola tem, agora, uma
caminhar colaborativo: home page na Internet (http://ayresmoura.enlaces.org.br).

O valor atribuído ao projeto de pesquisa se fez sentir também por


Compreendemos que a maioria das respostas de que precisamos está na
um outro ângulo: durante o período de atribuição de aulas para o ano
reflexão de nossa prática e no diálogo aberto do grupo sobre os problemas
ou dificuldades detectados nesse espaço. (Rosa)
letivo de 1998, vários professores estiveram ameaçados de perder suas
classes. Para garantir a permanência de todos no projeto, vários colegas
Caminhamos em parceria, conquistamos espaços, sedimentamos amiza- dividiram suas aulas com os companheiros, ainda que isso representasse
des, ficamos mais afoitos e mais corajosos, porque nos sentimos mais perda do rendimento mensal.
capazes. Também nos sentimos mais cobrados, mais observados ... Pro-
fissionalmente, me sinto mais madura, pondo em prática novas formas Mesmo enfrentando conflitos gerados pela burocracia, O grupo perrna-
de trabalhar, aceitando e solicitando mais do aluno. Se o projeto acabasse neceu coeso, principalmente pelos vínculos suscitados pelo projeto
hoje, não seria mais a mesma, pois as mudanças em minha prática já não Uspayres, que ajudou a sedimentar nossas bases, tantas vezes tão fragi-
têm retrocesso. (Adeli) lizadas, fragmentadas, que nos ensinou a pensar coletivamente e a buscar
saídas coletivas para nossos problemas ... Nestes movimentos, cabe res-
Nossa prática pedagógica, com certeza, não é e nunca mais será a mesma.
saltar a metodologia de intervenção pedagógica utilizada pelos docentes
Aprendemos, dialeticamente, a refletir sobre nossos erros e acertos. Mais
da USP. Mais que docentes-investigadores, os professores da USP foram
que isso, aprendemos a registrar (escrevendo, gravando, videogravan-
companheiros. Permitir a polifonia, a ressonância e a profundidade de

106 107
nossos conflitos e avanços é condição para que possamos ser claros e de material pedagógico para as séries iniciais, como colaboração para as
honestos ao avaliar e enfrentar as condicionantes que nos fazem ser o atividades de estágio.
que somos. Vivenciamos uma situação privilegiada. Em sala de aula, a
Contamos com o envolvimento e a participação dos alunos e até de
fala do aluno é mais valorizada, sendo ele próprio um dos elementos de
ex-alunos nos diferentes projetos curriculares em curso, particularmente nos
auxílio para realizarmos nosso trabalho. E para isto muito contribuiu o
projetos de estágio. A atitude participativa, que marca o colegiado dos
acesso que tivemos de poder ser alunos na Feusp. Cada texto que lemos,
cada aula a que assistimos funcionou como portas a nos permitir acessos,
professores, também está marcando a relação professor-alunos.
mesmo quando julgávamos que nossas paredes não possuíam portas. A recente convivência, no mesmo prédio, do curso de formação do
Ainda temos muito a caminhar, enquanto educadores e pessoas humanas. magistério e das séries iniciais constitui um fator importante de trocas e de
(Luci Ana) enriquecimento para todos os envolvidos.

É importante ressaltar a participação dos alunos como sujeitos de


Discussão
todos os projetos investigativos desenvolvidos pelos subgrupos. Em
todos os subprojetos, os professores não fizeram pesquisas sobre os Desenvolver projetos coletivos de investigação sobre o próprio
alunos e a escola. Ao contrário, criaram condições para seus alunos trabalho mostrou ser uma estratégia facilitadora do desencadeamento do
pensarem, eles também, o ensino, estendendo, assim, a pesquisa colabo- processo de reflexão e de transformação das práticas docentes e organi-
zacionais. Os professores tomaram-se mais perceptivos, mais capacitados
rativa a um grupo importante da comunidade escolar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a analisar o que acontece em sala de aula e a criar alternati vas produtivas,
qualificando sua prática como reflexiva-investigativa e solidária. Estão
Perspectivas conseguindo fazer da escola uma comunidade capaz de pensar seus
problemas de forma crítica e cooperativa, em que as decisões são
Ainda temos transformações a empreender, novos espaços pedagó- colegiadas e as práticas, articuladas. Um motor importante para o aper-
gicos a explorar e questões a elucidar. As primeiras investigações abordaram feiçoamento do grupo foi a possibilidade de divulgar os projetos na rede
questões de forma mais pontual. Os novos projetos são mais complexos, pública e em congressos de educação.
pois investigam questões de aprendizagem, relativas à construção do co- O processo de produção da profissão docente e da escola como
nhecimento, questões essas que se encontram inscritas em propostas comunidade crítica que este texto tentou elucidar constitui um entendi-
curriculares inovadoras, elas mesmas objeto de criação e avaliação. mento provisório e muito incompleto. Há que se avançar: sistematizar
As relações da escola com a comunidade, que eram incipientes, os conhecimentos produzidos, ampliar o diálogo das práticas com os
referenciais téoricos, explicitar e ampliar os significados das transforma-
tendem a se ampliar, particularmente porque um dos subgrupos desen-
ções das práticas docentes e organizacionais em termos de melhoria dos
volve com os alunos o estudo do bairro, incluindo no projeto o preparo
resultados na formação dos alunos, futuros professores.

108 109
Há questões a aprofundar: que saberes os professores efetivamen- para os professores, não há estímulo à produção e à inovação pedagógicas,
te produziram? Que modificações deveríamos introduzir em nosso nem à emergência de lideranças democráticas e competentes. As escolas
trabalho de formador de educadores? Há graus de envolvimento diver- ainda não são espaços com autonomia suficiente para viabilizar o processo
sos: como entendê-Ios? Há professores que não estão no projeto: que de autoria pedagógica por parte do corpo docente.
repercussões o projeto tem sobre esses professores? Por que eles não Essas dificuldades colocam novos desafios.
participam? É possível enraizar e disseminar projetos como este num
sistema organizacional burocrático?
Há dificuldades a amadurecer e equacionar. Ao iniciar a pesquisa Bibliografia

colaborativa, tínhamos consciência dos conflitos inerentes às interações


BACHELARD, G. (1928). Essai sur ia connaissance aprochée. Paris: Vrin.
humanas e das dificuldades decorrentes da diferença dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status entre os
pesquisadores e os professores. Subestimamos, contudo, a força da BAIRD, 1.R.;MlTCHELL, I.J. e NORTHFlELD, IR (1987). "Teachers as researchers:

interferência da burocracia e da hierarquia educacional no cotidiano The rationale;the reality". Research in Science Education, 17, pp. 129-138.

escolar. Nos primeiros meses de implantação do projeto, os professores GARRIDO, E. e CARVALHO, A.M.P. (1999). "A reflexão sobre a prática e a
da escola-parceira ficaram bastante preocupados com sua sobrevivência qualificação da formação inicial do professor". Cadernos de Pesquisa 107
profissional, diante das alterações introduzidas pela Lei nS!9.394/96 em (no prelo).
seus artigos sobre o exercício profissional e sobre a "Formação de GARRIDO, E.; FUSARI, M.F.R.; MOURA, M.O. de e PIMENTA, S.G. (1998).
Profissionais da Educação" (Título VI, Arts. 61-67). "Projeto Usp-Ayres 1: A pesquisa colaborativa, a formação do professor
reflexivo/investigativo e a construção coletiva de saberes e práticas pela
Enfrentamos a rotatividade de professores; todo início de ano, o
equipe escolar". Anais do IX ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e
grupo tem seu quadro docente modificado: saem uns, entram outros; não
Prática de Ensino. Águas de Lindóia (SP), vol. 1, pp. 48-49.
há garantia de manutenção dos professores na escola durante a vigência
GIMENO SACRISTÁN, 1. (1983). "El profesor como investigador en el aula: Un
da pesquisa. Esse movimento traz insegurança e conflitos. Há que se
paradigma de fonnación de profesores". Educacián y Sociedad, 2, pp. 17-35.
integrarem novas pessoas, retomar etapas, a fim de poder prosseguir. ..
KEMMIS, S. (1993). "La formación dei profesor y Ia creación y extensión de
Este ano, a mudança foi radical: a escola-parceira mudou de bairro.
comunidades críticas de profesores".lnvestigación en Ia Escuela, 19, pp. 1-15.
Perderam-se professores e alunos. No entanto, junto com a escola não
KINCHELOE, 1.L. (1997).ONMLKJIHGFEDCBA
A fo r m a ç ã o do professor como compromisso político.
vieram os recursos pedagógicos, os equipamentos das salas-ambientes,
Porto Alegre: Artes Médicas [Edição original em língua inglesa: Toward a
a biblioteca. Mudaram apenas as pessoas, sem informá-Ias adequada-
critical politics ofteacher thinking: Mapping the postmodern. Wetport, CT,
mente e sem preparar a comunidade que iria acolher os novos membros.
USA: Greenwood Publishing Group Inc., 1993].
Tais situações autoritárias dividem e desgastam as pessoas envolvidas.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
/ LACASA, P. (1998). "Construir conhecimentos: Um salto entre o científico e o
Uma outra ordem de dificuldades diz respeito à falta de estímulo do cotidiano?". In: ARNA Y, 1. (org). Conhecimento cotidiano, escolar e
sistema educacional para o aperfeiçoamento dó corpo docente. As escolas científico: Representação e mudança. São Paulo: Ática, pp. 103-134.
não são espaços estimulantes para a formação em serviço: não há bibliotecas

110 111
MOURA, M.O. de (1993). "Professor de matemática: A formação como solução
construída".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Revista de Educação Matemática da SBEM-SP, 1(1), pp. 1-15.
NÓVOA, A. (1992). Os professores e a sua formação. Lisboa: D. Quixote.
PERRENOUD, P. (1993). Práticas pedagógicas, profissão docente e formação.
Perspectivas sociológicas. Lisboa: D. Quixote.
PIMENTA, S.G. (1997). "A didática como mediação na construção da identidade
do professor: Uma experiência de ensino e pesquisa". In: ANDRÉ, M. e
OLIVEIRA, M.R. (orgs.). Alternativas do ensino de didática. Campinas:
Papirus, pp. 37-69.
____ (1998). "Formação de professores: Saberes da docência e identidade do 5
professor".In: FAZENDA, I. (org.). Didática e interdisciplinaridade. Cam- EDUCAÇÃO CONTINUADA E INVESTIGAÇÃO-AÇÃO:
IIIIII zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pinas: Papirus, pp. 161-178. DA RELEV ÂNCIA DE UMA FASE EXPLORATÓRIA

____ (1999). "Formação de professores: Identidade e saberes da docência".


In: PIMENTA, S.G. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São
Paulo: Cortez.
Alda Junqueira Marin,
PORLÁN, R. (1987). "EI maestro como investigador en el aula. Investigar para
Claudia Cristina Fiório Guilherme,
conocer, conocer para enseííar". Investigación en Ia Escuela, 1, pp. 63-70. Josely Kobal de Oliveira,
SCHON. D.A. (1987). Educating the reflective practitioner. São Francisco: Jossey- Maria Cristina de Senzi Zancul e
Bass Publisher. Maria Iolanda Monteiro
___ (1992). "Formar professores como profissionais reflexivos".In: NÓVOA,
A. (org.). Os professores e a suaformação. Lisboa: D. Quixote, pp. 77-91. Temos participado de ações de educação continuada e de investi-
SHOR, I. e FREIRE, P. (1990). Medo e ousadia: O cotidiano do professor. Rio de gação-ação com professores, sobretudo da escola pública, em diferentes
Janeiro: Paz e Terra [Edição original em língua inglesa: Critical teaching momentos, ao longo das últimas décadas. Orientadas por perspectiva de
and everyday life]. que é possível a melhoria da qualidade do ensino na escola básica
THIOLLENT, M. (1994). Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez. pública, nossas preocupações giram em torno do enfrentamento de
ZEICHNER, K.M. (1993). Aformação reflexiva de professores: Idéias e práticas. situações problemáticas do desempenho da função docente dos profes-
Lisboa: Educa. sores, de modo a auxiliá-los em seu desenvolvimento profissional.
____ (1995). "Beyond the divide of teacher research and academic research".
Às vezes focalizando o trabalho dos professores como um todo
Teachers and Teaching: Theory and Practice, 1(2), pp. 153-172.
(Marin 1996; Marin e outros 1996), outras vezes investigando aspectos
específicos da prática do professor de ciências (ZancuI1994); em outras

112 113
oportunidades, analisando
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e orientando o trabalho docente de professoras própria evolução, seja para a socialização de nossas práticas e suas bases
alfabetizadoras (Guilherme 1998; Monteiro 1998) ou atuando com pro- de pensamento, decisões e atitudes diante de nossos colegas de profissão,
1\ fessoras de química do ensino médio (Oliveira e Silva 1996), nossas aceitando tal princípio a partir das considerações de Zeichner (1993)
reflexões, neste momento, nos levam a destacar e a detalhar aspectos das sobre o conceito de professor-reflexivo.
fases exploratórias pelas quais passamos com tantos professores. Procu- Assim, a partir de nossos registros de campo em ações de educação
ramos, aqui, analisar a fase dita exploratória sob uma ótica que possa continuada e investigação-ação, extraímos as informações que nos per-
validá-Ia, mas também viabiJizar a crítica em relação a ela, por sua mitiram as análises aqui apresentadas. Com base nesses processos de
relevância e por seu caráter determinante em relação ao do sucesso do análise, constituímos algumas categorias, dentre as quais selecionamos
processo a desenvolver.
quatro para esta oportunidade: locais de trabalho, procedimentos, dile-
A fase exploratória é focalizada de modo propositivo mais nos mas enfrentados e resultados obtidos nas fases exploratórias referidas.
projetos de pesquisa-ação (Thiollent 1985) do que nos projetos de formação
e de educação continuada. No entanto, analisando nossas vivências ao
longo desses anos, consideramos ser possível trabalhar com uma noção Os locais de trabalho

ampliada do conceito de fase exploratória, explicitando nossas refle-


A fase exploratória pode ser realizada nos mais diferentes locais,
xões também em relação à educação continuada. Nos cursos, projetos
como já se poderia supor. Não há definições a priori; não há rigidez de
e outras ações de educação continuada, que não têm como metazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a
espaços. Ao longo desses anos, temos trabalhado em:
priori a investigação, identificamos a existência de uma etapa inicial
muito similar à fase exploratória das investigações que se propõem
• escolas públicas de ensino fundamental e médio, reunindo o
também à formação dos professores e à transformação. Assim sendo,
grupo em salas de aula ou em salas de professores;
a partir de tais similaridades é que estamos propondo uma análiseONMLKJIHGFEDCBA
a
• universidades ou escolas superiores, igualmente em salas de
posterioridesses momentos iniciais, refletindo sobre as ações efeti-
aula, mas também em auditórios e salas de reuniões;
vamente realizadas.
• espaços públicos e privados oferecidos por diversas instituições
Pensamos que essas reflexões dão continuidade a outro estudo (tais como prefeituras); órgãos regionais da Secretaria de Educa-
(Marin 1998), em que se apresenta a idéia da necessidade da expansão ção que possuem um serviço (e também o espaço) denominado
dessa fase exploratória para os processos de educação continuada e de "oficina pedagógica", específico para educação continuada dos
sua análise. Consideramos que, por sermos professores e também pes- professores.
quisadores, partilhando da perspecti va necessária a todos os professores
de investigar seu próprio trabalho (Pérez Gómez 1995), cabe-nos analisar Quer seja por iniciativa de um professor isolado, de um grupo de
nossas condutas e os processos pelos quais passamos - seja para nossa professores ou de instituições que busquem auxílio para algum tipo de ação

114 115
de educação continuada, quer seja por iniciativa de professores e/ou pesqui- Procedimentos

sadores de instituições formadoras, há que se ter em conta a relevância de


Como se trata (sempre) de processo educativo, os procedimentos
um local adequado a essa fase do processo. Por quê? Porque, para a
têm importante papel a desempenhar, pois é por meio deles que se efeti va
realização de qualquer ação, mesmo as exploratórias, é preciso contar com
o trabalho. Na fase exploratória, há variedade de procedimentos a serem
a disponibilidade de um espaço físico. Trata-se de um dado elementar que
adotados numa perspectiva de método mais amplo e já articulado com
raramente é explicitado - geralmente, devido às conseqüências, ao impacto
as demais fases. Em geral, a diretriz que temos adotado é a de realizar
que pode e deve ocasionar em todos os participantes.
trabalhos coletivos desde essa fase, orientados prioritariamente pelos
Por vezes, a escolha de um local e os recursos que possui podem
conceitos de contato direto.
trazer comprometimentos indesejáveis à seqüência do processo. Isto
Como uma das formas de proceder, nos pequenos grupos têm sido
ocorre se o local for inadequado, desagradável, se não permitir flexibi-
aglutinados professores pesquisadores e alguns professores ou profissio-
lidade para rearranjos no ambiente para algumas dinâmicas de trabalho.
nais de órgãos mediadores da Secretaria da Educação. Nesses pequenos
Já vivenciarnos situações em que, em razão do pouco espaço, os partici-
grupos, são estabelecidos os contatos iniciais com órgãos regionais para
pantes estavam mal acomodados, o que não permitia a troca de idéias
mapeamento de escolas a se tornarem parceiras em projetos de investi-
como deveria - além, é claro, de percebermos o desconforto de todos.
gação ou mediadores para ações de educação continuada.
Um local agradável, limpo, em que as pessoas se sintam bem desde
o início do processo, estabelece uma condição favorável, que dignifica É também por meio dos pequenos grupos que se realizam os contatos,
seus participantes. Por outro lado, é preciso ter claro que não se pode dar visitas a diferentes escolas para a divulgação dos projetos ou ações, bem
um passo totalmente diferenciado com relação aos espaços existentes nas como o levantamento inicial de informações e interesses para definição de
escolas em que os professores atuam, pois sempre haverá a sensação de escolas e/ou professores participantes.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
É esse pequeno grupo, com configu-
insatisfação diante das condições do dia-a-dia. Sempre se resgatará a rações variadas, que troca informações sobre escolas e/ou professores, bem
idéia, muito presente na cultura profissional dos professores brasileiros, como sobre as escolhas realizadas. É ainda o pequeno grupo que, nessa fase,
de que o que se vive e se aprende nessas circunstâncias de educação delineia alguns procedimentos para organizar as equipes de trabalho ou
continuada pouco têm a ver com o que se vive e se pode - ou se deve- grupos de professores participantes das atividades.
fazer nas próprias escolas.
Por vezes, essa fase inclui procedimentos de trabalho em um grupo
No entanto, é sempre possível e desejável pensar em elementos maior. Organizados em roda de conversa ou em distribuições diferencia-
diferenciadores, a serem incorporados aos ambientes de trabalho dos
das nas salas de aula ou auditórios, ocorre um contato mais estreito com
professores. Pode-se pensar, por exemplo, na reorganização do mobiliá-
professores para divulgação mais detalhada de intenções, para detectar
rio, em aberturas das janelas (para ventilação e claridade), em ter copos
as possibilidades e limites da situação em foco, e do contexto em que
e água para todos, cadeiras para todos, algum material de apoio (por
trabalham (Giovanni 1994).
escrito em papel ou no quadro-negro).

116zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 117
É a partir desses contatos iniciais, ampliados para grupos maiores, atividades oferecidas/aceitas nos moldes dos "pacotes" prontos - tantas
que se tem a possibilidade de detectar os adeptos, de identificar os vezes distantes das realidades escolares - e/ou implementados a partir
interessados e saber das disponibilidades e da percepção do envolvimen- de concepções já apontadas e debatidas em vários países (Zeichner 1993;
to manifesto desde o início. Nesses contatos, evidencia-se o que Popkewitz 1995; Marin 1995). São propostas consideradas pelos profes-
Giovanni e Guarnieri (1997) denominaram de "relação cuidadosa entre sores como negativas - avaliação de certo modo bastante disseminada
pesquisadores e professores", focalizando a situação de pesquisa-ação. na rede escolar pela percepção de desarticulações entre teoria e prática,
Diríamos que essa noção pode ser ampliada para a fase inicial das ações quer no que tange a conteúdos específicos veiculados, quer no que tange
de educação continuada: relação cuidadosa entre os encarregados da a certos fundamentos teóricos da área pedagógica.
atividade educativa e os candidatos a parceiros dessa mesma atividade, A fase exploratória do modo como é aqui focalizada tem, exata-
seja por meio de pesquisa ou de outras atividades (ações) educativas. mente, a perspectiva teórica inversa. Seja para ofertas a escolas ou
Para os pesquisadores ou professores universitários, conferencistas, professores, seja para atender a necessidades e a pedidos de ajuda de
convidados - enfim, para todo profissional encarregado da coordenação da escolas e professores, nossa perspectiva tem permitido cumprir a função
atividade -, o cuidado decorre das experiências já vivenciadas e sistema- de iniciar um processo pautado por esse ajuste de perspectivas, de
tizadas pela reflexão, bem como da familiaridade com a teoria e a percepções, sem imposições.
metodologia, quer em relação à pesquisa-ação, quer em relação às Quando o grande grupo se reúne para essa "rodada" de contato, é
atividades de educação continuada. possível estabelecer uma relação em outras bases, de maior entrosamento
No que tange aos professores da rede pública, o cuidado decorre, e sinceridade, de modo a poder compor uma equipe de profissionais que
"de um lado, das expectativas positivas em relação a quem lhes oferece debaterão certos temas e problemas a partir de interesses comuns.
ajuda" (Giovanni e Guarnieri 1997) - e completaríamos dizendo que Estabelece-se uma negociação a partir da qual se compõe a equipe, faz-se
também ocorre em relação a quem responde a seu chamamento - e "de o mapeamento dos horários e, com certeza, uma primeira caracterização
outro lado, das desconfianças geradas por experiências negativas de de todo o grupo que, então, passará a trabalhar em conjunto.
relacionamentos anteriores com a universidade (em cursos, palestras
etc.) ou geradas pela percepção disseminada na rede de ensino de que os
Dilemas
pesquisadores apenas se servem das escolas e dos professores para seus
interesses acadêmicos"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(ibidem). Cabe expandir essas reflexões sobre a
Nossa análise dessas vivências de processos de educação conti-
relação cuidadosa entre professores da rede de ensino fundamental/
nuada nos permite afirmar que, desde sua fase inicial, aí se vive e se
médio e os professores pesquisadores da universidade nas atividades de
convive com dilemas em relação às alternativas para continuidade e às
educação continuada. Esse é um cuidado que decorre das desconfianças
decisões a serem tomadas no restante de todo o processo, de modo similar
geradas por experiências relativas a modalidades de cursos e outrasutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a outras situações educativas.

118 119
Desde o momento em que se decide começar um processo de Dois outros pontos dilemáticos nessa fase têm sido constantes: a
educação continuada com os fundamentos dos quais aqui tratamos, composição do grupo e o envolvimento de outros órgãos com seus
enfrentam-se tensões geradas pelas situações problemáticas no decurso profissionais, bem como com os profissionais das equipes técnicas das
do trabalho com possibilidade de alternativas, conforme bem tratado por escolas. No primeiro caso, há alternativas sempre postas para responder
Gimeno Sacristán (1988) - que traça um panorama sobre o assunto sob a questões como: a) quem participa? b) os caminhos são diversos -
a ótica de diferentes autores. quando? se consideram os componentes possíveis do grupo de trabalho - e
serão professores das séries iniciais ou finais do ensino fundamental ou
No âmbito do pensamento, ou ainda no momento de planejar, o
do ensino médio? c) serão professores de apenas uma dessas faixas de
primeiro ponto de tensão se refere ao local: qual é o melhor local para
escolaridade? d) quais as conseqüências de uma ou outra decisão? e)
realizar os encontros da fase exploratória? As respostas a essa questão
participarão apenas os professores de um determinado componente
levam em conta certos critérios; mediante a reflexão sobre eles é que se
curricular ou a temática a ser trabalhada deve ser algo a interessar e ser útil
encaminha a opção. Em geral, temos considerado aspectos como fácil
a professores com interesses diversificados? Por outro lado, quando se trata
acesso; razoável acomodação para todos, de modo que o tempo e o horário
da composição de grupo para a investigação-ação, apresentam-se questões
sejam compatíveis com uma "conversa" - isso caracteriza o respeito a todos
similares: como compor o grupo? Aceita-se ou não a diversidade? Como
os envolvidos e a possibilidade de participação da maioria dos professores
compatibilizar posições teórico-metodológicas diferençadas?
ou representantes das escolas (outros aspectos, relativos aos locais,já foram
apontados no primeiro item). Quanto ao segundo ponto de tensão, as questões apontam para o
envolvimento ou não de profissionais dos órgãos de mediação da rede
Outro ponto de tensão forte, nessa fase, envolve o quanto cada grupo
escolar, ou então da equipe técnica das escolas (direção, vice-direção,
cede às pressões do outro. Entram em jogo, nesse momento, as proposições,
coordenação pedagógica), especialmente quando se trata de projetos de
as solicitações, os desejos, os problemas, as necessidades e as possibilida-
investigação-ação. Entram em cena, então, considerações sobre critérios
des: confrontam-se numa mesa de negociação em que os ajustes são feitos. de participação e o caráter essencial dessas presenças.
O dilema que se apresenta para o coordenador é o de decidir até que ponto
Evidentemente, nesses momentos de dúvida, de encruzilhada de
é possível atender às diferentes solicitações, dadas as limitações que todos
caminhos, de alternativas possíveis, a resposta e a decisão se pautam pela
temos e aquilo que se propõe diante do que é solicitado. Trata-se de um jogo
reflexão crítica em relação aos princípios da equipe de coordenação.
de ofertas/pedidos/re-ofertas/novas solicitações, até chegar a um ponto Como bem explicitam todos os autores resenhados por Gimeno Sacristán
(temporário) de convergência dos interesses. Este tipo de dilema se origina (1988), as decisões tomadas diante dos dilemas são conformadas pelos
na prática do encontro. Há situações em que a negociação é mais rápida e pensamentos, valores, pelas crenças e perspectivas da equipe: trata-se de
menos tensa. Em outras oportunidades, há um prolongamento, a discussão cotejar sempre as alternativas com os pressupostos teóricos assumidos e
podendo ocorrer em mais de um encontro, principalmente quando há tentar evitar, ao máximo, as digressões. Cabe sempre, nessas ocasiões, a
interferências e mediações entre os professores e os coordenadores da orientação que vem da resposta à questão "o que é que nós queremos,
atividade a ser desenvolvida. mesmo?"

120 121
Resultados zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA horários, os locais. Trata-se de um pré-plano, estabelecido a partir dos
entendimentos iniciais. Como diz Mannheim (1977),
Nessa fase do processo, sempre se obtêm resultados. O primeiro
as pessoas, quando se encontram com muitas outras, tendem, pelo menos
é a consecução da fase, ou seja, a realização de atividade que permita a
nos pontos em que se estabelece o contato, a ajustar mutuamente seu
exploração das possibilidades. Outro resultado, já esperado pela equipe
comportamento, suas atitudes, suas perspectivas. O processo de "dar e
depois de algumas situações vivenciadas, é a configuração do conjunto tomar" tende a produzir uma atmosfera comum. (p. 288)
do grupo em três posições. A primeira delas é a daqueles que logo se
definem pela não participação, por considerarem o projeto inviável ou Algo que consideramos importante para a formação esperada.
desinteressante no que concerne às propostas de atividade educativa. A Desencadeiam-se, em conseqüência, reações de expectativas po-
segunda posição é a daqueles que consideram a idéia original razoável, sitivas. Já focalizamos certos resultados dessa fase em uma análise de
não têm nada a opor ou contrapor, mas não estão dispostos a participar projeto de investigação-ação (Marin 1998). Mas, nas demais atividades
ou a se desinstalar. O terceiro grupo é o que adere à idéia pelas possibi- aqui sob exame, ocorrem resultados similares. Tem sido bastante cons-
lidades anunciadas. Analisando uma experiência de parceria entre a tante vivenciarmos situações, nos períodos entre essa fase inicial e o
universidade e a rede pública de ensino, Giovanni (1994) enuncia essas início dos encontros sistemáticos, em que os participantes nos interpe-
três posições, que estendemos para as ações de educação continuada lam: "E aí? Quando começa?"
acrescentando algumas características.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É a partir desse resultado inicial que se definem, como resultado,


Considerações finais
os membros do grupo a trabalhar em conjunto. Do mesmo modo, a
confiança mútua resulta da boa realização dos encontros. O estabeleci- No conjunto das considerações finais, cabe uma primeira palavra
mento de uma pauta comum significa um indício da aceitação inicial de sobre a perspectiva orientadora desse modo de proceder: parece-nos uma
um grupo pelo outro, de um conjunto de professores pelo outro: firma-se perspectiva mais valorizadora da atividade de educação continuada, ao
um compromisso. tomar os professores e seus problemas como os interlocutores básicos
Em situação de investigação-ação, resulta dessa fase o estabeleci- desde o início dos processos. O exame dos aspectos que nos pareceram
mento de "objetivos, prioridades, problemas, temas, campo específico mais pregnantes leva-nos a pontuar:
de conhecimento a ser trabalhado, formas de trabalho" (Giovanni 1994).
Pensamos que, na atividade de educação continuada, algo similar ocorre • a possibilidade de inverter os pontos de partida nas diferentes
com os resultados: são fixadas as idéias-chave do trabalho, a duração, os modalidades de educação continuada, sobretudo naquelas mais

122 123
longas quando comparadas às que vêm sendo realizadas. Esta muita coisa depende da decisão que lhe é própria e exclusiva e se os
afirmação indica que a realização da fase exploratória, como outros compreenderem a importância de sua contribuição. (p. 290)

aqui exposta, permite um início sem equívocos, com momentos


de reflexão inicial em que as concessões se fazem para estabe- • a fase exploratória tem, para nós, o estatuto de partícipe de um
lecer as bases explícitas de um trabalho a ser enfrentado como processo de educação, abordada como mudança cultural pro-
compromisso, como acomodação coordenada (Ogburn e Nim- vocada, cujo conteúdo intencional
koff 1977), em que não há domínio de um sobre o outro, e em
adere a um horizonte cultural que confere aos agentes humanos a
que são superados os conflitos historicamente presentes;
possibilidade de escolher fins alternativos ou exclusivos e de pô-Ios
• ruptura com isolamentos, tanto de grupos como de pessoas no
em prática através de meios que assegurem, no mínimo, controle
âmbito da educação escolar.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É fato bastante veiculado em
racional do desencadeamento e das principais fases do processo.
pesquisas o isolamento do professor, a solidão sob a qual realiza (Fernandes 1960, p. 171)
seu trabalho ou, ainda, a individualização em que realiza suas
reflexões (Zeichner 1993), a ausência de espaço e de tempo para Em razão dos pontos que acabamos de levantar, é possível afirmar
atividades coletivas (Giovanni 1994; Dias-da-Silva 1997), bem e ao mesmo tempo lançar um desafio: a fase exploratória não é relevante
como os distanciamentos entre a universidade e os demais graus unicamente pelas conseqüências que desencadeia para a seqüência do
de ensino. Situações vivenciadas nas fases exploratórias como processo; sobretudo ela constitui, em si mesma, uma situação formativa.zyxwvutsrqponmlkjihg
as aqui examinadas favorecem a superação desse estado de
coisas. Como bem aponta Mannheim (1977), o contato é o
contrário do isolamento e, em geral, conduz à diminuição das Bibliografia

diferenças, o que auxilia o professor a ajustar suas perspectivas;


DIAS-DA-SIL VA, M.H.G.F. (1997). Passagem sem rito: As :f!1 séries e seus
• participação mais efetiva dos professores, na medida em que o
professores. Campinas: Papirus.
trabalho se realiza no pequeno grupo ou num grande grupo que
FERNANDES, Florestan (1960). Ensaios de sociologia geral e aplicada. São
não chega a caracterizar uma assembléia. É ainda Mannheim
Paulo: Pioneira.
(1977) que nos permite compreender melhor tal situação:
GIMENO SACRlST ÁN, 1. (1988). El curriculum: Una reflexión sobre ia práctica.
a forma de organização mais adequada, que se conhece hoje, para Madri: Morata.
promover a espontaneidade de seus membros, é a organização demo- GIOV ANNI, L.M. (1994). "A didática da pesquisa-ação: Análise de uma experiên-
crática de pequenos grupos (...) mas [essa organização) é em grande cia de parceria colaborativa entre universidade e escolas públicas de 1º e 2º
parte obstruída num grande estado, numa sociedade de massa. Isto graus". São Paulo: Faculdade de Educação da USP. Tese de doutoramento.
ocorre porque a democracia só é eficiente se o indivíduo sentir que

124 125
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126
127
6
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES:
O DESAFIO METODOLÓGICOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ

Dirce Charara Monteiro e


Luciana Maria Giovanni

Introdução

Considerando que a formação de um profissional (seja qual for a área


em que atue) configura-se, sempre, como um processo contínuo, que deve
acompanhar toda a sua trajetória, é indiscutível a necessidade de ações
educacionais voltadas para o chamado processo de formação continuada.
No caso da formação continuada de professores, as modalidades
de efetivação dessas ações apresentam-se, geralmente, em forma de
ações pontuais (palestras, conferências, oficinas), cursos de curta dura-
ção (10, 20 ou 30 horas) ou mais longos (como aperfeiçoamento e
especialização), projetos que reúnem profissionais de várias instituições
ou contextualizados numa só escola, ações de educação a distância (pelautsrqponmlkjihgfe

129
televisão, Internet, módulos instrucionais impressos), entre outras. Em Uma troca de saberes
qualquer dessas modalidades, há vantagens e desvantagens, facilidades
e dificuldades, especificidades e pontos em comum. Um aspecto fundamental pressuposto pela metodologia de trabalho
a ser apresentada aqui refere-se à atitude de respeito aos saberes dos
Um desses pontos em comum - e foco específico deste artigo -
professores participantes do processo de educação continuada, valorizando-os
refere-se ao modo de desencadear e dar continuidade às ações educacionais
envolvendo grupo de profissionais em situações de ensino e aprendizagem. e acreditando que, nos encontros realizados, haverá uma verdadeira troca
de conhecimentos que, certamente, enriquecerá tanto os professores da
Estarnos nos referindo, mais especificamente, à metodologia a ser utilizada
universidade quanto os professores dos demais graus do ensino.
nessas ações.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É nosso propósito apresentar pressupostos, características e
etapas de uma proposta metodológica específica, desenvolvida a partir de Por maior que seja seu envolvimento com as questões de ensino
e aprendizagem, o pesquisador não tem oportunidade de vivenciar a sala
estudos e experiências já realizados pelas autoras na área.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de aula diária e sistematicamente. É esse rico cotidiano, às vezes tão mal
Alguns pressupostos e características compreendido, que os professores trazem para um debate e para uma
análise conjunta, em busca de seus fundamentos, determinações e inter-
Desde 1983, diferentes ações e projetos, combinando pesquisa e relações possíveis. Desse trabalho resulta, necessariamente, um "novo"
formação continuada de professores do ensino público fundamental e conhecimento para as duas partes envolvidas no processo.
médio, vêm fazendo parte da experiência acadêmica da equipe de pes-
quisadores da qual participam as autoras: a) cursos institucionais de curta Atitudes diante do novo
e longa duração, realizados a partir de convênios em âmbito estadual e
federal; b) projetos reunindo professores de diferentes escolas, níveis de Nas diferentes ações de formação continuada, os comportamentos
ensino e áreas curriculares; e c) projetos contextualizados em escolas visíveis dos participantes diante de novos conhecimentos e informações,
específicas do ensino público fundamental. bem como diante de novas formas de trabalho propostas ao longo do
Tanto a experiência acumulada por esse grupo de pesquisadores processo, constituem outro ponto recorrente e merecedor de atenção por
(do campus de Araraquara da Unesp; cf. Dias-da-Silva 1998; Giovanni parte dos formadores.
1994, 1996, 1998a; Marin 1995, 1996; Monteiro 1996), como a expe- Diante do reconhecimento de que não conhecem ou não dominam
riência de outros pesquisadores e estudiosos, constantes na literatura
um determinado conteúdo ou aspecto de seu trabalho, as reações dos
nacional e estrangeira sobre o tema (Candau 1996; Gatti 1992; Hernan-
professores podem variar desde o desejo e o esforço de aprendizagem
dez 1998; Mizukami 1996; Perrenoud 1993; Villa 1988; Zeichner 1993)
até o total bloqueio e resistência ao novo. Nesse sentido, vale lembrar
permitem estabelecer alguns pressupostos norteadores para ações de for-
que a presença, no grupo de professores, de profissionais competentes e
mação continuada, bem como evidenciar algumas características desse
processo. que se destacam pela receptividade a propostas alternativas e a novas

130
131
idéias, tem-se mostrado um fator fundamental para estimular atitudes de Também Hernandez (1998), abordando a questão das atitudes dos
interesse e envolvimento no grupo como um todo. professores diante das aprendizagens em situações de formação continuada,
Ainda no que diz respeito às atitudes', Giovanni (1998b, pp. 39-40) constata algumas regularidades, que denomina como: a)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
refúgio no impos-

arrola diferentes atitudes observadas e tomadas como indicadores do sível (apesar de reconhecerem a importância de uma informação nova, os
\

envolvimento dos participantes nas ações de intervenção de um processo professores não reconhecem a possibilidade de sua adoção ou adequação à
de pesquisa-ação: prática); b) desconforto de aprender (resistências ao esforço exigido pela
aprendizagem); c) revisão da prática não resolve os problemas (os próprios
se, de um lado, é possível detectar atitudes como: tomar a palavra e professores consideram mais eficaz receberem "receitas" de como ensinar
expressar opiniões (por iniciativa própria ou quando solicitados), reto- do que se submeterem a um processo de reflexão sobre a prática); d)
mar ou relembrar idéias-chave ou assuntos já trabalhados, expor fatos, aprender ameaça a identidade (medo de negar ou contrariar a própria
problemas, dificuldades e sucessos relativos ao trabalho, lembrar ou
bagagem de conhecimentos e experiências anteriores); e) separação entre
acrescentar novos dados às discussões em curso, anotar sistematicamente
a fundamentação e a prática (os professores se apegam a uma falsa
as discussões e falas dos participantes, fornecer ou pedir exemplos das
definição de papéis, segundo a qual, cabe a eles a execução e à universidade
idéias ou conceitos em discussão, perguntar, querer saber mais; rir,
a investigação e busca de conhecimento).
brincar, teatralizar ou imitar comicamente situações do dia-a-dia escolar,
de outro lado, aparecem atitudes como: faltar às reuniões, sair cedo ou Há que se destacar, entretanto, que tais atitudes não se manifestam
chegar atrasado, manter-se calado, nada ter a acrescentar ou sugerir (que sempre e da mesma maneira nos professores. Ao contrário, elas se
são tipos de "silêncio" próprios de quem ou está longe, desinteressado, manifestam de forma alternada e inconstante, resultando em situações a
ou está com receio de se expor frente aos colegas ou a representantes da que a equipe de pesquisadores da qual fazem parte as autoras acostumou-
equipe técnica) ou manifestações específicas que vão desde explicitar
se a denominar de "altos e baixos" do processo e que acarretam, por sua
defesas ("não tenho problemas"), rancores (entre professores ou entre
vez, a demora característica na efetivação de resultados do processo de
professores e a direção), desconfianças, descrédito, falta de esperança
formação continuada de professores.
(em relação às relações sociais e de poder dentro da escola ou em relação
à profissão em geral), até revelar, na própria forma e conteúdo de suas
falas, ausência de compreensão do conteúdo e, por vezes, sobretudo nas
A demora do processo
séries iniciais, da linguagem utilizada.
Essa é uma característica que o professor-formador precisa levar
em conta no momento de organização e avaliação de seu trabalho. Os
A todos esses indicadores do nível de envolvimento dos professo-
resultados não são imediatos, mas lentos, além de irregulares e desiguais
res nas atividades, pode-se acrescentar outro conjunto de sinais, o das
em relação ao conjunto dos participantes. Há, freqüentemente, progres-
expressões faciais, gestos, posturas corporais, expressões do olhar.
sos e retrocessos. Isso se liga diretamente às diferenças nas histórias de
vida pessoal e profissional dos participantes, às diferenças nas trajetórias

l32 l33
de escolaridade, formação e experiências vividas, marcadas por práticas ção e a consciência da intencionalidade de que se revestem tais situações.utsrqponmlkjih
pouco democráticas, que trazem dificuldades no tocante ao desempenho É preciso compromisso com os esforços e movimentos exigidos pelas
dos professores no falar, no escrever, no perguntar, no estabelecer situações de ensinar e aprender. É sobre este compromisso, necessaria-
relações entre a escola e o mundo fora dela. Na verdade, tais práticas são mente presente na forma de conduzir o processo de formação continuada,
responsáveis pela tendência de parte dos professores em esperar soluções que nos propomos a refletir neste momento.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
prontas dos especialistas, em aceitar como certa uma única resposta e em
trabalhar de forma individualista e isolada em relação aos pares.
Buscando uma metodologia
A este respeito, vale lembrar também os estudos que vêm sendo
desenvolvidos acerca das diferentes etapas da vida profissional dos Embora a questão metodológica não tenha obtido, até agora, uma
professores (Cavaco 1991; Huberman 1992; Lüdke 1996; Mizukami resposta satisfatória, e se constitua, ainda, em desafio a ser superado,
1996, entre outros), na medida em que os diferentes interesses e carac- acreditamos que parte das dificuldades presentes no processo de forma-
terísticas dos professores, em cada uma das etapas, podem representar ção continuada de professores possa ser enfrentada com a adoção de uma
um dos fatores determinantes dessa demora, bem como da heterogenei- metodologia abrangente, que articule, ao mesmo tempo, conteúdo espe-
dade típica dos grupos.
cífico, aspectos metodológicos, concepções, posicionamentos e atitudes
dos participantes.
A heterogeneidade dos grupos

Alguns princípios
É sempre previsível, portanto, a heterogeneidade dos grupos com
os quais se trabalha. Eles são sempre constituídos por profissionais em A resposta metodológica a que nos referimos aqui está vinculada à
diferentes momentos de sua trajetória profissional, com histórias de vida tendência mais geral de abordagem do processo de formação que se volta
pessoal e de formação escolar e profissional também diferenciadas _ para os professores como profissionais que possuem concepções sobre o
histórias essas que podem ou não lhes propiciar a sensibilização e as próprio trabalho, são capazes de realizar reflexões sobre a própria prática e
condições para vivenciar os processos de ensino e aprendizagem pró- as condições que a cercam e, a partir dessas reflexões, reformular a prática
prios das situações de formação continuada. Isso significa que, em todas e transformar as condições nas quais ela se insere. Nessa perspectiva,
as ações de formação continuada, os participantes não estarão igualmente procura-se superar os antigos programas de formação que privilegiavam a
motivados para a vivência do processo. reciclagem, o acúmulo de cursos e conhecimentos, independentemente das
No entanto, para que as ações de ensino presentes nas situações características pessoais e de contexto de atuação desses profissionais.
de formação continuada e para que as aprendizagens delas resultantes se Trata-se de um novo conceito de profissionalidade e de formação
efetivem, é preciso que haja, tanto por parte dos formadores responsáveis docente, calcado em conceitos como cooperação, partilha entre pares,
pelo processo quanto por parte dos profissionais participantes, a percep-

134 135
autonomia profissional, reflexão do professor sobre sua própria experiência: gravadas em vídeo ou extraídas de registros de observações de campo.
"o professor aprende na ação e refletindo sobre ela" (Pérez Gómez 1992). Todos esses instrumentos têm sido utilizados, com sucesso, como desenca-
Essa forma de conduzir o processo de formação continuada procura deadores do processo reflexivo sobre algumas questões priorizadas pelos
superar a tradicional dicotomia teoria-prática, articulando, sistematicamen- formadores, a partir do quadro configurado pelos depoimentos e manifes-
te, fundamentos e atividades do cotidiano dos professores. Nessa tações dos participantes.
articulação, são consideradas e afirmadas as vozes, experiências e histórias
pelas quais os professores atribuem sentido às suas práticas; os conceitos e 2 - Momento de oferecer e ensinar o novo: Do conjunto de
procedimentos são aprendidos em meio às diferenças e ao diálogo com a questões resultantes do processo reflexivo inicial, são selecionadas e
experiência do outro e com a teoria. O princípio básico que rege cada uma priorizadas, em conjunto com o grupo de participantes, as que forem
das etapas do processo é o da "indagação-reflexão": está sempre presente o consideradas mais urgentes e relevantes. Tais questões são, em seguida,
esforço de influenciar a identidade profissional dos professores, ou seja, organizadas num plano de trabalho específico, a ser discutido e negocia-
influenciar a percepção de si mesmo e de seu modo de se relacionar com do com o conjunto dos professores, que antecipa, de certa forma, todo o
o conhecimento, com a cultura, com os alunos, com seus pares e percurso a ser vencido ao longo da ação de formação continuada em
superiores, visando tornar seu ensino cada vez mais democrático e andamento, ao mesmo tempo em que se firmam os compromissos com
receptivo às diferenças, cada vez mais coletivo, cada vez mais autônomo o desenvolvimento e o sucesso da ação.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
É nesse momento, também, que
e questionador.
ficam delineados os papéis do professor-formador e dos professores
participantes na construção do novo conhecimento. Cabe ao formador
Etapas do processo
dirigir o processo, oferecendo as contribuições mais recentes da literatura
sobre as questões abordadas, diversificando procedimentos no tratamen-
Nessa proposta de ação, algumas etapas precisam ser respeitadas:
to dessas questões e desenvolvendo uma prática que, por considerar e
respeitar as diferenças presentes no grupo, possa se tornar referência para
1 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Momento de refletir sobre o conhecido: Trata-se do momento a prática desejada para os professores. Não menos importante é o papel
inicial, desencadeador do processo, no qual as referências trazidas pelos dos professores participantes nesse processo de construção do novo
participantes são apresentadas e socializadas, com vistas à elaboração de conhecimento, assumindo o compromisso de realizar os esforços na
um diagnóstico ou delineamento de um perfil da prática desses participantes. problematização de cada um dos temas abordados e promovendo as
Para esse momento, foram elaborados e testados vários instrumentos, dentre necessárias articulações com seus saberes e suas práticas. Trata-se de
os quais destacamos o uso de palavras-chave, de trechos de diários escolares, uma forma específica de ensinar e aprender, que procura promover, para
de depoimentos orais e escri tos de professores, de trechos extraídos de textos os professores, a oportunidade de vivenciar a didática ou a prática sobre
da literatura geral e específica, de exercícios de memória educativa, de cenas a qual se fala. Todos os conceitos são trabalhados de forma a evitar uma

136 137
aprendizagem incompleta e fragmentada, ou ainda evitar que cada pro- bém esteja presente) são também oferecidos e discutidos com os professo-
fessor participante apenas se concentre naquilo que poderá ser útil ou res, de forma articulada com as atividades descritas, dois novos conjuntos
adaptado à sua própria prática, sem atentar para contradições, limites ou de informações e conhecimentos: de um lado, propostas de diferentes
outras possibilidades dos conceitos e propostas em estudo. 1 Em outras teóricos no que se refere à tipologia textual e, de outro lado, um conjunto
palavras, há sempre a preocupação em contextualizar cada situação a ser de reflexões que permitam aos professores perceberem o alcance políti-
analisada ou idéia a ser trabalhada, identificando e examinando seus co-social de uma prática docente competente e do domínio, por eles
fatores determinantes e oferecendo oportunidade de reconhecer fundamen- próprios e por seus alunos, dos conteúdos escolares. Em outros termos,
tos e discutir alternativas, soluções, caminhos, superando a tendência a trata-se de garantir aos professores a oportunidade de tomar a sociedade
generalizações e ao uso de argumentos baseados no senso comum. Por e seus modos de ação como fonte de suas aprendizagens, rompendo com
exemplo, ao trabalharmos o conceito de pluralidade ou diversidade formas de pensamento e ação simplistas e lineares, próprias do senso
textual, nossa preocupação inicial se volta para a elaboração, em conjun- comum cotidiano que nos cerca, ou de um conhecimento acadêmico
to com os professores, de um grande painel que identifica os diferentes rígido e autoritário (a esse respeito, ver Pinto 1982). No caso específico
tipos de textos existentes no cotidiano pessoal, social e profissional de do tema utilizado como exemplo, tais reflexões se dirigem para a
cada um deles. A partir do painel, os textos são objeto de observação e compreensão da importância do domínio das diferentes formas de texto
descrição com vistas a seu agrupamento em tipos, de acordo com suas para garantir aos alunos as possibilidades de acesso à cidadania, de
características. A esta atividade, segue-se o exercício de auxiliar os participação, (co)operação, liberdade de pensamento, posicionamento
professores a estabelecer critérios para hierarquizar e escalonar os tipos crítico.
de textos conforme as necessidades, características e finalidades das
séries escolares e alunos com os quais atuam. Todas as atividades que
3 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Momento de vivenciar o novo: A possibilidade de promover,
compõem este momento são realizadas com o auxílio de materiais
sempre que possível, atividades práticas, oficinas, workshops, com os
autênticos: desde textos de revistas, jornais e literatura infanto-juvenil,
professores, tem-se mostrado fundamental nessa metodologia. Sua prin-
até rótulos de produtos, bulas, folhetos de propaganda etc. Especialmente
cipal contribuição parece estar no fato de que é nesse momento que os
nesse momento (embora nos demais momentos essa preocupação tarn-
fundamentos teóricos podem ser retomados, vivenciando-se um proces-
so que, devidamente adaptado pelos professores participantes, poderá ser
1. A esse respeito, vale lembrar, novamente, a contribuição de Hemandez (1998, pp. 11-12), no tocante
ao modo como os professores se comportam diante das aprendizagens sobre o seu próprio trabalho: realizado por eles, com seus próprios alunos. Assim por exemplo, ao
"os docentes, quando aprendem, não tendem a fazê-Io em termos de teorias, mas sim vinculando a
aprendizagem à sua prática em sala de aula (...) esse fato constitui um fator de sua identidade tratarmos das questões relativas à criatividade em sala de aula, além da
profissional em função da tradição que os 'apresenta' principalmente como práticos. Talvez seja esse
o motivo pelo qual o professorado se pergunte, diante da formação que recebe: o que poderá usar, apresentação e da reflexão sobre alguns fundamentos, prevê-se a reali-
dentro daquilo que está sendo dito, no seu trabalho, e até que ponto isso será útil para solucionar seus
problemas na prática. O corpo docente não pergunta se há contradições nas propostas que escuta para
zação de oficinas de criação (individual e coletiva) de personagens com
agir de forma conseqüente".

138 139
o uso de sucata,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seguida da produção (também individual e coletiva) de Considerações finais

textos com os personagens criados. Na verdade, um trabalho dessa


Essa tentativa de sistematização de um percurso metodológico
natureza pode representar a oportunidade, para os professores, de perce-
para ações de formação continuada não coloca um ponto final na questão,
berem as etapas, dificuldades e possibilidades envolvidas no processo de
nem em nossas indagações quanto à melhor forma de conduzir um
criação (tanto na fase de criação de personagens como na fase de processo dessa natureza. Pelo contrário, o desafio permanece e leva-nos
produção de textos), possibilitando a previsão de algumas etapas a serem à busca não só de novas estratégias que possam enriquecer esta metodo-
seguidas e a antecipação de alguns cuidados e providências a serem tomados logia, como também de contribuições teóricas que possam elucidar
no trabalho com seus alunos. Além disso, tais momentos de vivência têm aspectos e questões ainda pendentes. Além disso, parece-nos fundamen-
funcionado como fator positivo, tanto no que se refere ao entusiasmo, tal o cotejo com outras experiências similares, a fim de que alguns desses
envolvimento e participação dos professores no conjunto das atividades aspectos possam ser confirmados ou reformulados, até se tornarem passíveis
de generalização e teorização.
propostas, quanto no que se refere à motivação para aplicá-Ias.

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4 - Momento de refletir sobre o novo fazer: utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É nesse momento que
novas sínteses de conhecimento acerca do próprio trabalho tornam-se
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142
143utsrqponmlkjihgfedcb

~~ L
7
EDUCAÇÃO CONTINUADA NO ENSINO DE MATEMÁTICAzyxwvutsrqponmlkjih

Mauro Carlos Romanatto

Considerações iniciais

A educação continuada tem sido um momento de formação pre-


sente no dia-a-dia dos professores da rede pública de São Paulo, quer
através das orientações técnicas nas oficinas pedagógicas das delegacias
de ensino, quer nos projetos das universidades ou ainda nos programas
de capacitação advindos de convênios firmados com as mais diversas
entidades ou órgãos capacitadores. Além de complementar a formação
básica, a educação continuada tem-se preocupado em analisar a escola
real em que os professores atuam, pois é muito comum cursos de
formação prepararem profissionais para uma realidade escolar idealiza-
da. Assim, quando em atuação, os professores não conseguem dar conta
da realidade nem atender as necessidades atuais dos alunos.

145
Não tem sido incomum, também, que os professores completem Proporcionando uma formação (pessoal e profissional) que torna os
nesses cursos sua formação em questões que envolvem o conhecimento professores capazes de enfrentar os desafios da escola atual (Marin 1998),
do conteúdo a ser desenvolvido, o conhecimento pedagógico - por a educação continuada pode lhes possibilitar momentos singulares para a
exemplo psicologia, sociologia, política, antropologia -, assim como a reflexão, com repercussões positivas em suas práticas educativas.
articulação desses e de outros saberes na perspectiva do processo de Senão vejamos: um primeiro momento é o da reflexão individual
ensinar e de aprender. No entanto, os saberes necessários e a necessária sobre seu próprio fazer docente; momento esse extremamente necessário
articulação entre eles já deveriam fazer parte da formação inicial dos para o professor, pois ele pode representar suas práticas e identificar tanto
professores, apesar de esta formação não se completar com a conclusão trabalhos bem-sucedidos quanto outros que se apresentam com dificul-
da escolaridade profissional básica. Infelizmente, essa formação básica dades. Nesse momento, suas reflexões se dão a partir de sua vivência e
não está sendo suficiente para tornar competente a atuação docente, de suas experiências, assim como de suas crenças, concepções e conhe-
podendo-se dizer que, no mínimo, por ser incompleta, pode sedimentar cimentos próprios.
práticas inadequadas que acabam se tornando um empecilho para um Num segundo momento da educação continuada, os professores
trabalho qualificado por parte dos professores (MonteirozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
et alo 1996). também podem refletir em conjunto com seus pares - por exemplo, por
Outro aspecto de que a educação continuada acaba tentando dar conta ocasião de reuniões pedagógicas. Seus pontos de vista, suas análises
é aquele relacionado, em muitas oportunidades, à realidade da escola atual, podem então ser incorporados, confrontados e discutidos com outros
que difere em muito daquela idealizada pelos profissionais da educação. Os professores e, portanto, novos elementos e aspectos podem surgir. Do
alunos têm motivações e interesses muito distantes daqueles a que aspiram mesmo modo, outras experiências e vivências, outros contextos, assim
muitos dos professores, os quais possuem uma formação inadequada para como outras crenças, concepções e conhecimentos são acrescentados à
tratar tanto os alunos quanto seus interesses. Pode-se citar, por exemplo, a reflexão individual - e, com certeza, há um enriquecimento sobre o
sexualidade, um dos temas transversais propostos pelos Parâmetros Curri- primeiro momento de reflexão.
eulares Nacionais (PCN; cf. Brasil 1997), cujo tratamento acaba sendo mais A possibilidade de trocas de experiências bem-sucedidas se dá de
uma tarefa da educação continuada. uma forma mais significativa, assim como as dificuldades sentidas na
Nossa discussão não poderia ignorar tais temáticas - atuais - que incorporação de inovações têm, muito provavelmente, outros pontos de
se colocam para a educação continuada, pois as dificuldades que sentem vista, outras interpretações. Entretanto, a proximidade no ambiente de
os professores ao tratá-Ias poderiam ser minimizadas aos poucos, de trabalho e as questões envolvendo o cotidiano, muitas vezes, impedem
modo que esse aprendizado permanente se realizasse em um novo reflexões e análise mais distanciadas, mais amplas ou com hipóteses
patamar, ao mesmo tempo em que as atividades propostas e desenvolvi- alternativas sobre problemas e possibilidades de superação.
das considerariam as condições reais de trabalho para os professores em Um terceiro momento da educação continuada é, portanto, aquele
exercício.
que se dá com especialistas da educação. Nesse momento, a educação

146 147
continuada acrescenta - de forma significativa - os referenciais teóricos A discussão e até mesmo a operacionalização de projetos pedagó-
indispensáveis a uma reflexão mais completa, mais profunda do fenômeno gicos de escolas e a implementação de trabalhos mais coletivos podem
educacional e da própria prática pedagógica. Com certeza, traz além disso ser viabilizadas com uma modalidade de educação continuada que contem-
um dos aspectos mais essenciais para uma plena reflexão, qual seja: o ple a implementação supervisionada das propostas estudadas e discutidas
distanciamento necessário para que outros tipos de questionamentos sejam coleti vamente.
conduzidos e para que, a partir da interação entre os participantes, surjam Uma das repercussões positivas propiciadas por essa modalidade
novas reflexões e novas análises capazes de enriquecer as discussões na de educação continuada é a exposição dos professores à pesquisa em seu
busca de uma melhor qualificação para estudos e pesquisas.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
próprio trabalho. Essa é uma condição extremamente desejável, pois
É por meio da educação continuada, nesse nível, que o senso fazendo pesquisa - por modesta que seja - os professores passariam a
comum, o negativismo exacerbado e a crítica imobilizadora podem ser pensar por si próprios sobre sua prática e poderiam, assim, produzir e
repensados e, dentro dos limites possíveis de nosso sistema educacional, construir trabalhos diferenciados em salas de aula.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
podem os professores encontrar caminhos diferenciados na busca de uma
escola de qualidade para todos os alunos. Assim sendo, é a educação
Uma experiência
continuada, com a contribuição de especialistas, que traz a complexidade
do fenômeno educacional para a reflexão dos professores e pode, simul-
Descreveremos e discutiremos uma experiência referente aos
taneamente, indicar e qualificar alternativas - as quais, em muitas ocasiões,
programas de capacitação que são regularmente oferecidos aos profes-
os professores não observam como possibilidades para resolverem os
sores da escola pública paulista, quase sempre em convênios com
mais variados problemas com que se defrontam no dia-a-dia.
universidades e financiados ora por organismos nacionais ora interna-
Cabe ainda ressaltar que o exame das experiências bem-sucedidas
cionais. Em uma das modalidades de capacitação, os professores -
ou daquelas que apresentam problemas encontra, também, na educação
durante o período escolar ou durante o recesso - formam grupos selecio-
continuada com especialistas, momentos de análises e possibilidades de
nados ou por disciplinas ou por ciclos de ensino e, em um espaço
generalizações para outros professores e outros contextos. Além disso,
particular, reúnem-se com um ou mais capacitadores por um período de
as dificuldades para incorporação de inovações (outro complicador para
30 horas, distribuídas ao longo de um semestre. Às vezes, tais cursos
os professores) têm, na educação contínua com especialistas, possibilidades
podem conter mais de um módulo de 30 horas. Uma das características
maiores de superação. Durante os momentos de educação continuada sob
básicas desse tipo de capacitação consiste em agrupar professores para
orientação de especialistas, existe maior possibilidade de elaboração, teste
o desenvolvimento de temáticas educacionais que podem estar relacionadas
e avaliação de propostas diferenciadas - que podem incluir, por exemplo,
ao planejamento de ensino, a conteúdos e metodologias específicas, ava-
currículos mais significativos, novas metodologias, novos materiais,
liação do rendimento escolar, interação professor-aluno, tecnologias
formas diferenciadas de avaliação tanto da aprendizagem quanto do
educacionais etc. Tentaremos discutir esse tipo de educação continuada,
ensino.

148 149
naquilo que podemos considerar suas limitações, assim como em seus disciplina), que é centrar a formação, orientada por especialistas, numa
aspectos positivos.
unidade escolar e acompanhar de perto a proposição, a implementação e a
As limitações desse tipo de trabalho começam pela duração de avaliação de uma proposta metodológica de trabalho. Haveria o envolvi-
envolvimento dos professores com os especialistas que, às vezes, se rnento mais próximo dos professores, o que favoreceria a alteração da
resume em média a 30 horas de curso. Normalmente, esse tempo é realidade com fundamentação e em ritmo próprios. Essa alternativa é
insuficiente até para a sensibilização dos professores participantes com importante porque se tem visto que os professores freqüentam muito os
relação à problematização e à análise de suas práticas educativas. Uma cursos de capacitação, mudam seus discursos, atualizando-os, mas perma-
outra limitação aparece no desenvolvimento do curso: como os profes- necem atuando, em sala de aula, da maneira como o faziam antes de
sores representam uma ou mais realidades educacionais, conseqüência freqüentarem tais cursos.
da escola (ou das escolas) em que trabalham, o curso nem sempre A experiência que relataremos refere-se aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
Programa de educa-
consegue envolvê-l os na análise de problemas comuns de seus cotidia- ção continuada (PEC), desenvolvido nos anos de 1997 e 1998, por meio
nos. Um problema importante para um professor ou um grupo de de um convênio entre a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a
professores pode não ter interesse para outros professores e, assim, o Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Secretaria de Estado
curso, que pretendia atingir a todos os participantes, acaba, muitas vezes, da Educação (SEE) de São Paulo. Esse programa desenvolveu ações ou
não atingindo ninguém.
cursos visando à capacitação dos mais diversos profissionais da educa-
Nesse sentido, essa acaba sendo a grande limitação dessa modalidade ção, vindos dos níveis do ensino fundamental e do ensino médio.
de educação continuada, pois, a partir desse momento, o curso acaba se Como professores capacitadores, desenvolvemos cinco cursos de
desenvolvendo sem que o dia-a-dia dos professores seja uma referência para 48 horas/aula cada um, durante dois semestres letivos, junto às delegacias
as análises, discussões e as possíveis alterações. Isso não significa, no de ensino de Itápolis, Porto Ferreira, Novo Horizonte, Batatais e Arara-
entanto, que possamos dizer que as atividades desenvolvidas nesse tipo de quara, atingindo um conjunto em torno de 200 professores de matemática
capacitação não têm aspectos positivos. Se os objetivos - que, na maioria de 5ª a 8ª série do ensino fundamental. Nas três primeiras delegacias de
das vezes, são extremamente pretensiosos - forem adaptados, ou seja, se ensino, os cursos abordaram uma nova visão sobre o processo de ensinar
forem adequados ao contexto em que os cursos se realizam e à clientela à e de aprender os números racionais - UFSCar/SEE. Nas duas outras
qual se dirigem, é bem provável que consigamos chegar às salas de aula (a delegacias, trabalhamos cursos que tratavam do ensino de geometria nas
fim de obter uma aprendizagem melhor dos conteúdos escolares por nossos séries finais do ensino fundamental - Unesp/SEE.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
alunos). Esse tipo de curso é importante, por exemplo, quando se quer tratar
É nesse contexto que analisaremos as atividades desenvolvidas no
de um conteúdo específico ou de apresentar uma determinada metodologia
Programa de educação continuada: com o objetivo de explicitar as mais
para o estudo de um tópico. Quando se deseja tratar de questões menos
variadas limitações para um trabalho mais significativo de capacitação
pontuais, outras modalidades seriam mais desejáveis, por atenderem a
docente, assim como as adaptações que, se realizadas, poderiam gerar
necessidades e interesses específicos de uma escola (e não de uma ou outra
resultados positivos mesmo em condições adversas.

150
151
Inicialmente há uma expectativa - tanto dos órgãos institucionais fessores fazem um bom trabalho em suas aulas - e nos encontros de
responsáveis pela capacitação como dos professores participantes - de educação continuada essas experiências devem ser socializadas e anali-
que tais cursos irão resolver todos ou grande parte dos problemas sadas. Entretanto, com atitudes de indiferença, muitos dos professores
relacionados (no nosso caso) com o processo de ensino-aprendizagem participantes acabam não propiciando a valorização desse trabalho.
da matemática. Importa que os financiadores tenham expectati vas menos Mesmo que o professor capacitador tenda a ignorar as experiências
ambiciosas, pois, em dois semestres letivos com encontros mensais, os bem-sucedidas, os professores participantes devem reagir e mostrar suas
objetivos de um curso de capacitação precisam ser extremamente realís- práticas diferenciadas, em lugar de se mostrarem indiferentes.
ticos; caso contrário, corre-se o risco de abortar uma idéia que tem muitos É bom destacar que, entre os professores convocados para os
pontos positivos mas que, como todas as outras, não faz milagres. programas de educação continuada, muitos estão realmente interessados
Considerando que, em alguns casos, os professores foram convo- no aprimoramento de sua prática e na resolução de seus problemas
cados para tais cursos, pudemos observar que existe um número bastante cotidianos. Esses - com mais facilidade do que os outros - se sensibili-
significativo dentre eles que se caracteriza por apresentar uma resistência zam com as novas propostas, procurando alterar suas crenças,
a qualquer análise ou discussão de seu trabalho ou uma indiferença a concepções e conhecimentos, dispondo-se a alterar sua prática com base
todas as atividades do curso. Frases como as que se seguem são ilustra- nos trabalhos realizados nos encontros. Não raro aparecem depoimentos
tivas dessas situações: "Com quarenta ou mais alunos nas classes, é como "O curso propiciou oportunidade de ampliar nosso campo de
muito difícil qualquer trabalho diferenciado. Queria que você [professor conhecimento"; "O curso trouxe alternativas para um ensino de mate-
capacitado r] desse aula na 5ª série da minha escola." mática mais dinâmico e significativo".
Mesmo que esses professores aceitem as atividades desenvolvidas Para esse grupo de professores, que ficam sensibilizados para
nos cursos, é provável que não se comprometam com suas aplicações mudanças em seu dia-a-dia, acreditamos ser esse aspecto um ponto frágil
nas salas de aula, uma vez que a infra-estrutura existente impede toda da educação continuada, pois as alterações no trabalho dos professores
modificação na prática pedagógica, por mais interessante que seja a exigem um tempo maior do que aquele propiciado pelo curso. As
proposta em pauta. mudanças precisam ser bem elaboradas, apresentar novos fundamentos,
Depoimentos como "Eu não tenho problema, nem sei por que a fim de, em seguida, serem aplicadas e, posteriormente, avaliadas.
estou aqui"; "Esse curso nada me acrescentou. Tudo isso eu já sei e já Mudar por mudar pode levar a fracassos e, por conseqüência, desanimar
faço" mostram, no mínimo, uma incapacidade dos professores partici- os professores. Assim, é necessário ter consciência do que precisa ser
pantes em analisar com objetividade seu próprio trabalho e, a partir dessa mudado e também do que deve ser preservado.
análise, discuti-lo na busca de seu aperfeiçoamento. Não se pode dizer Por fim, encontramos entre os professores participantes aqueles
que os professores não tenham alguma razão.utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É certo que classes super- que já realizam um bom trabalho. Também nesse caso a educação
lotadas impedem alguns tipos de atividades, mas isso faz parte da continuada é o momento adequado para a valorização, a divulgação e o
realidade de nossas escolas. Sabemos, por outro lado, que muitos pro- aperfeiçoamento das experiências.

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153
Frases como:
trabalho com atitudes presentes na educação matemática. Portanto, den-
tro dos limites dos programas de educação continuada, é possível, mesmo
o fato de podermos trocar experiências foi um dos aspectos positivos do
curso; que pontualmente, resgatar, fundamentar, implementar e aprimorar práticas
A troca de experiência é uma coisa boa; diferenciadas que podem fazer a diferença entre aprender ou não os
O curso deu oportunidades para contarmos e discutirmos nossas aulas; conteúdos matemáticos.
O curso preocupou-se em nos dar orientações pedagógicas bem funda-
mentadas, para melhoria do ensino de matemáticazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Educação continuada e a matemática

indicam que existem professores com disposição de mudar ou de se


auto-avaliar, apesar de todos os problemas da escola pública. Tais mo- No desenvolvimento dos cursos de educação continuada, temos

mentos são singulares nos Programas de educação continuada. Os partido, inicialmente, da discussão das crenças, concepções e conhecimen-

professores participantes são valorizados em suas iniciativas de se apropriar tos sobre a matemática e o seu ensino. Mitos com relação à matemática são
de seus fazeres e de buscar caminhos para a superação de dificuldades - tanto desfeitos ou rninimizados (Pereira 1990), assim como a apresentação da

as oriundas da própria precariedade da escola pública quanto as advindas da idéia de conhecimento como uma rede de significados (Machado 1995), são
própria natureza do fenômeno educacional. elementos apresentados e discutidos com os professores participantes, com
repercussões sobre o planejamento de suas aulas. Os estilos cognitivos
Quando os próprios colegas contam suas práticas diferenciadas,
torna-se mais fácil sensibilizar seus pares para a busca de alternativas também são estudados com o intuito de responder à questão de como os
estudantes aprendem. O domínio dos conteúdos matemáticos pelos profes
para a sala de aula. A socialização de experiências bem-sucedidas, das
sores de matemática é um aspecto muito destacado (Romanatto 1997), pois
dificuldades ou da disposição para mudar tem um efeito multiplicador
extremamente significativo entre os professores participantes de Progra- é a plena compreensão das noções e dos princípios matemáticos que

mas de educação continuada, pois esses momentos se mostram como


fundamenta os procedimentos metodológicos. Estratégias didáticas devem

possibilidades reais para as práticas diferenciadas. Para o professor ser sempre condizentes com os conteúdos a serem trabalhados. O domínio

capacitador, os momentos de socialização de práticas bem-sucedidas são do objeto da matemática, de seu método, de sua lógica, de seus conceitos e
princípios essenciais, bem como suas aplicações, são aspectos que devem
excelentes oportunidades para a concretização dos objetivos do curso:
fundamentar certas metodologias e não outras. Um procedimento rnetodoló-
quase sempre, análises e discussões dessas práticas com novos funda-
gico de ensino válido para um determinado conteúdo não é necessariamente
mentos acabam por potencializá-las ainda mais. Quando professores
válido para um outro. O domínio do conteúdo matemático como um todo pode
participantes descrevem atividades diversificadas desenvolvidas nas
propiciar tais diferenciações.
aulas de matemática, o professor capacitador, muitas vezes, complemen-
ta essa exposição na perspectiva de conexões com vários conteúdos O conhecimento a respeito dos estilos cognitivos dos alunos também
matemáticos, com o desenvolvimento de habilidades específicas e o pode fornecer subsídios para os professores de matemática variarem sua

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155
forma de trabalhar em sala de aula. Há alunos mais intuitivos e outros mais
também os conteúdos que expressam relações de relações, ou seja,
lógicos; alunos que se dão bem em trabalhos cooperativos e outros que
estruturas mais amplas da matemática: nesse momento, os procedimen-
preferem o estudo individual. Trata-se de características que devem ser
tos metodológicos devem ser adequados a tais propósitos.
respeitadas e que implicam estratégias de ensino distintas.
II utsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O fato de trabalharmos a educação continuada nessa perspectiva tem
Desmistificar a matemática com o intuito de ensiná-Ia para todos os também como objetivo propiciar que os professores participantes sintam-se,
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
alunos não significa banalizá-Ia ou transformá-Ia numa atividade lúdica.
durante as ações, como "alunos". Assim sendo, vivenciam uma experiência
Nossa preocupação é torná-Ia acessível a todos, mas isso não elimina o em que podem fazer analogias com seus alunos reais. Além disso, o curso
planejamento de ensino dos professores e, muito menos, o esforço intelec-
não apenas discute conteúdos e metodologias para o ensino da matemática:
tual dos alunos na ânsia de apropriar-se dos conteúdos matemáticos. Temos
ele procura colocá-los em prática e, em muitas oportunidades, as análises e
desenvolvido os cursos de educação continuada na área de matemática
as discussões tornam-se mais significativas. Não raro, alguns professores,
utilizando-nos da metodologia de resolução de problemas quando trabalha-
na qualidade de "alunos" do curso de capacitação, relatam que, a partir da
mos os conteúdos matemáticos: a idéia é incentivar o ensino da matemática
situação vivenciada nos encontros reviram suas aulas, dando oportunidade
via resolução de problemas (Onuchic, no prelo). Em vez de a resolução de
para uma participação mais ativa de seus alunos.
problemas ser apenas uma aplicação de conteúdos matemáticos (quando
Essa metodologia de ensino não é, certamente, simples de ser
possível - e isso ocorre com a maioria dos conteúdos matemáticos),
implementada, em virtude de nossa própria formação; mas os ganhos que
partimos de atividades, exemplos ou situações-problema para a construção
ela pode propiciar, tanto aos nossos alunos como aos professores de
ou investigação de noções e princípios matemáticos. Nessa metodologia de
matemática, podem fazer valer a pena as tentativas de concretizá-Ia.zyxwvutsrqponmlkj
ensino, concordamos com Charlot (1986), e propomos o "fazer matemáti-
ca", que significa construir ou estabelecer relações matemáticas: o ponto de
partida da atividade matemática não é a definição, mas oONMLKJIHGFEDCBA
p r o b le m a . A
Educação continuada: Uma condição de trabalho
atividade matemática é também a possibilidade de o aluno desenvolver
conteúdos procedimentais, por exemplo, elaborar hipóteses, conjecturas, Numa situação ideal, a educação continuada deveria ser implemen-
assim como desenvolver conteúdos atitudinais como interpretar resultados. tada como uma condição de trabalho para os professores. O que atualmente
Por fim, conduzidas pelo professor, há as sínteses, as generalizações, as é o HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) poderia ser, rapida-
sistematizações - que se traduzem por conceitos e propriedades, assim como mente, transformado em um espaço para a educação continuada. Para tanto,
regras e algoritmos.
o número de horas semanais dessas reuniões deveria ser bem maior e
Em alguns assuntos, nada nos impede de começar por modelos envolver, ao mesmo tempo, todos os professores. Preparação de aulas, busca
matemáticos, e depois apresentar problemas, mas não como meras de caminhos alternativos, socialização de trabalhos bem-sucedidos, proble-
aplicações. Tais problemas ainda podem estar relacionados com a cons- matização de práticas, discussão, implementação e correção dos rumos do
trução e a investigação de novos conceitos e novas propriedades. Existem planejamento escolar, na perspectiva de um trabalho articulado e coletivo

156
157
antes de sua execução, de planejamento, estudo e preparação e, depois,
são aspectos do dia-a-dia escolar que precisam de espaço e de tempo para
de análise e reflexão para que sua adequação seja verificada. A partir daí,
serem analisados e discutidos (Pérez Gómez 1995; Zeichner 1995). Indivi-
o plano precisa ser aprimorado, por meio de uma visão flexível das
dualmente, coletivamente ou com a presença de especialistas, esses
tarefas de planejar-executar-avaliar.
momentos de problematização, análise e reflexão sobre a prática dão aos
professores excelentes ocasiões de auto-avaliação por permitirern a legiti- Sem esses momentos, as aulas tornam-se tão simplórias e insigni-

mação dos bons trabalhos ou a apropriação de novas crenças, concepções e ficantes que, atualmente, manifestações de desinteresse e indisciplina
conhecimentos que permitam alterar aqueles trabalhos que necessitam de são seus produtos mais freqüentes entre os nossos alunos.
modificações. Precisamos apostar em que, apesar de um contexto social complica-
do, aulas significativas podem fazer a diferença, para a maioria dos alunos,
Considerações finais contribuindo para uma participação mais efetiva na escola. Nessa perspec-
tiva, a educação continuada, como uma condição de trabalho ou como
Procuramos, neste trabalho, analisar e discutir a educação conti- modalidade de capacitação, é um elemento-chave a ser considerado.zyxwvutsrqponmlkj
nuada a partir de uma experiência vivenciada no Programa de educação
continuada da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, experiên- Bibliografia
cia que apresentamos com seus problemas e limitações. Abrindo mão de
condições ideais para a realização de tal modalidade formativa para os BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL (1997). Parâme-
profissionais da educação, tentamos, dentro dos limites e das possibili- tros curriculares nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF.
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que, com base em suas próprias práticas, pudesse ajudá-los a analisá-Ias des pratiques d'enseignement des mathématiques". Bulletin APMED,
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Assim sendo, nesses momentos positivos do curso, que podem ter Francisco Alves.
repercussões também positivas sobre as práticas educativas dos profes- MACHADO, NJ. (1995).ONMLKJIHGFEDCBA
E p is te m o lo g ia e didática: As concepções de conheci-
sores participantes, mostramos que a educação continuada ou o mento e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez.
aprendizado permanente para os professores deveria ser encarado como MARJN, AJ. (1990). ''Trabalho docente: Perspectivas, modelos e anotações em
uma condição de trabalho.
torno do tema". Araraquara: Unesp: Faculdade de Ciências e Letras. Tese
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cem. Na sala de aula, concretizamos um plano de ensino que necessita,

158 159
L u c ia n a M a ria G io v a n n i participa do
corpo docente do curso de Pós-graduação
em Educação Escolar da Unesp-
Araraquara. Tem estudos divulgados
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M a ria C ris tin a d e S e n z i Z a n c u l é douto-
pp. 199-218.
randa no Programa de Pós-graduação em
PEREIRA, T.P. (1990). "O ensino de matemática, por que e para quê?". Revista Educação Escolar da Unesp-Araraquara.
Ciência e Cultura, vol, 42, pp. 257-263. Docente da Uniara, tem se dedicado a
estudos na área do ensino de Ciências.
PÉREZ GÓMEZ, A. (1995). "O pensamento prático do professor- A formação do
professor como profissional reflexivo". In: NÓVOA, A. (coord.). Os pro- M a ria lo la n d a M o n te iro é mestranda no
Programa de Pós-graduação em Edu-
fessores e a suaformação Lisboa: D. Quixote, pp. 93-114.
cação Escolar da Unesp-Araraquara. Par-
POLYA, G. (1977). A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciência. ticipa de projetos que focalizam a escola
ROMANAITO, M.C. (1997). "Número racional: Relações necessárias à sua pública, principalmente as séries iniciais

compreensão". Campinas: Unicamp. Tese de Doutorado. do ensino fundamental.

ZEICHNER, K. (1995). "Novos caminhos para o practicum: Uma perspectiva para M a u ro C a rlo s R o m a n a tto é doutor em
Educação e tem atuado no ensino e na
os anos 90". In: NÓVOA, A. (coord.). Os professores e a sua formação
pesquisa sobre o ensino de Matemática
Lisboa: D. Quixote, pp. 115-138.
na Unesp-Araraquara.

R u i C a n á rio atua na Universidade de lis-


boa. Tem inúmeras realizações contabili-
zadas na área de Educação, incluindo
publicações.

S e lm a G a rrid o P im e n ta é docente e pes-


quisadora na Faculdade de Educação da
USP, onde é titular. Atualmente, coordena

0-a o curso de Pós-graduação em Educação.


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Possui inúmeras publicações na área de
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il didática e formação de professores.
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V e d a d a S ilv a P o rto é professora na Pon-
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tifícia Universidade Católica de Pelotas
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~Q5 - (AS). Seus estudos e publicações têm con-
tribuído, notadamente, para a formação
160 de professores.
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EDUCAÇAO CONTINUADA
Três vertentes distintas têm permeado os estudos a
respeito de educação continuada. A primeira, caracterizada
por estudos teóricos e propositivos, alerta para a necessi-
dade da continuidade da formação de profissionais. A
segunda é definida por ações e processos vivenciados no
interior das instituições de ensino. A terceira vertente visa,
à melhoria da qualidade e do desem-
de forma abrangente, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
penho das atividades nessas instituições.

Este livro, resultado de várias interpretações sobre a


educação continuada, procura demonstrar que, sobretudo
na década de 1990, empreendeu-se um esforço crescente
para articulações de tais vertentes.

Esta coletânea é um espaço para relatos e reflexões, situa-


ções e processos vivenciados, em que os autores focalizam
aspectos relevantes da temática geral: a educação conti-
nuada tão necessária ao desenvolvimento dos profissio-
nais que se dedicam a ensinar, a compartilhar conheci-
mentos e a formar cidadãos.

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2ª Ed.

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