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Criar um Jardim de Sequeiro

Mediterrânico
passos e princípios
Por: Jessica Gomes, Arquiteta Paisagista e membro da Associação de Plantas e Jardins em Climas Mediterrânicos

Nestes apontamentos pretende-se aconselhar quem queira criar um jardim mais ajustado
ao clima Mediterrânico. Optar por este tipo de jardim contribui para uma drástica redução
na rega e promove o apreço pela incrível flora que se especializou em condições únicas.

A Península Ibérica herdou um legado combinado Mediterrâneo, e estão todas no topo das 25 regiões
de vários povos que por aí passaram, como por globais de elevada biodiversidade.
exemplo a cultura árabe que contribuiu com inova- As plantas mediterrânicas resistem ao calor porque
doras técnicas agrícolas, variadas introduções hor- o seu crescimento normalmente ocorre entre o ou-
tícolas e uma visão muito própria para os espaços tono e a primavera, quando chove. Desenvolveram
ajardinados. estratégias de adaptação engenhosas, como folhas
Contudo muito posteriormente imperou a influên- e caules coriáceos, lustrosas, cobertas de pelos,
cia de estilos de jardinagem típicas de regiões de glaucas, etc. que minimizam a evapotranspiração
mais húmidas, sem estação seca, que no nosso cli- dos seus tecidos expostos ao ar. Esta variedade
ma requerem uma constante alimentação com re- morfológica confere-lhes alto interesse ornamental,
cursos externos para manter a vitalidade e aspeto mesmo que estejam sem flor.
das plantas. Algumas podem murchar e morrer com rega no
A escolha de plantas apropriadas é fundamental. verão, com a agravante de que mesmo que não
Dependendo das espécies escolhidas e da quali- morram inicialmente, sujeitam-se a pragas e doen-
dade de execução, existe a possibilidade de não ças. Outras viverão, embora por um período rela-
ser necessária rega adicional após o primeiro ano tivamente menor do que uma planta não regada.
de estabelecimento das plantas, desde que conti- Existem, no entanto, algumas destas plantas que
nuem a existir as chuvas típicas outonais e do in- aceitam alguma água sem grandes efeitos negati-
verno! vos. É importante ir observando as plantas locais,
Optar por este tipo de jardim contribui para a pre- como se comportam no meio silvestre ou mesmo
servação consciente da água, recurso natural pre- em jardins.
cioso e limitado, e permite alcançar espetros no-
vos de riqueza estética com variabilidade sazonal. Como criar um jardim seco
Além disso, com os jardins secos podem reduzir-
-se certas operações culturais de manutenção ex- Preparação e proteção do solo
tensivas e morosas. Observe o solo que tem no seu espaço. O ideal
será um solo descompactado de fácil drenagem. A
Singularidades botânicas do Clima maioria destas plantas toleram um amplo espetro
Mediterrânico de pH, contudo convém ter em conta qual a prefe-
rência e limitações. Em caso de dúvida, é possível
Clima temperado com estação quente e seca, ca- enviar amostra para análise em qualquer um dos
racterístico de 5 regiões dispersas pelo globo, sen- laboratórios nacionais.
do elas: Califórnia, Chile, Cabo Ocidental da África Num terreno muito compactado, será necessário
do Sul, Bacia do Mediterrânico e Sudoeste da Aus- descompactar não só na caldeira das plantas, mas
trália. Encontram-se todas no litoral oeste de gran- na periferia destas, auxiliando os percursos das raí-
des massas continentais, com exceção da Bacia do zes a expandir para além da coroa da planta.

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para todos !
Plantas de clima seco não toleram bem as raízes e localizada, uma vez em cada duas ou três se-
ensopadas no inverno, como tal é preciso provi- manas. Como tal deve-se ir acompanhar o estado
denciar-lhes um solo com boa drenagem antes de das plantações.
plantar. Para solos mais pesados pode-se misturar
uma boa quantidade de areia grossa e/ou casca- Uma estratégia por etapas: definir Hidrozonas
lho. Pode optar por mudar o seu jardim por completo
ou então de forma faseada, selecionando zonas
Fertilização e adubação que pretende converter ou zonas com distintas
Para que as plantas invistam nas suas raízes no exigências hídricas.
primeiro ano de estabelecimento, evitaremos pu- Um exemplo de hidrozonamento, com 4 níveis:
xar pelo desenvolvimento das suas partes aéreas,
suprimindo o recurso a adubação e fertilização. Nível 1 – Horta, plantas envasadas ou pequeno
Após este período poderá ser avaliado caso a berçário de plantas. Rega 2x /semana no verão.
caso se é necessário providenciar nutrição. Nível 2 – Cobertura do solo com plantas raste-
jantes herbáceas ou prado verde. Rega 1x/sema-
Rega e questões hídricas na no verão.
Quando aplicadas de forma desadequada, a fer- Nível 3 – Plantas tolerantes à seca, mas que
tilização tal como a rega adicionais são estímulos poderão beneficiar com alguma rega ocasional
que destabilizam estas plantas, encurtando a sua nos verões mais quentes. Rega 1 a 2x/mês.
vitalidade e longevidade. Nível 4 – Plantas tolerantes à seca, sem neces-
Deve-se regar as plantas logo na plantação e ao sidade de rega, e que podem cobrir uma exten-
longo dos seus primeiros ciclos de estabelecimen- são maior de terreno. Possibilidade de enqua-
to, como veremos mais em detalhe na rega em dramento com a paisagem natural envolvente.
profundidade.
Durante o primeiro e, em alguns casos, até ao se- Outra grande vantagem neste parcelamento é o
gundo verão, antes das plantas estarem bem es- agrupamento de espécies com as mesmas ne-
tabelecidas, com as raízes bem desenvolvidas e cessidades hídricas, permitindo gerir melhor a
adaptadas ao solo e ao sítio novo, as plantas re- dotação de rega assim como o crescimento e
cém-plantadas podem precisar de rega profunda operações culturais de manutenção nas diferen-
tes zonas.

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Preservar a água existente no solo Escolha das espécies
Para proteger a humidade presente no solo, cobrir Desde que sejam adaptadas às disponibilidades hí-
a superfície com uma camada espessa, mínimo de dricas locais, existe uma ampla variedade de opções
10 cm, com material: dentro dos milhares de plantas naturais de regiões
com condições similares na estação seca. Existe
1. Orgânico - estilha de madeira, folhas cortadas e/ bibliografia com listagens detalhadas, inclusive as
ou moídas. atualizadas de fornecedores especializados.
Uma drenagem adequada é aconselhável para Contudo é importante saber quais estão identifica-
plantas que não toleram muita água nas raízes du- das com comportamento invasor na região onde
rante o inverno. Muitas das plantas originárias dos se pretende criar o jardim, ver projeto: Invasoras.pt
solos pedregosos das encostas do Mediterrâneo Evite plantas que secam se não forem regadas no
beneficiam com cascalho adicionado ao solo. verão e certifique-se da tolerância ao frio e à gea-
da. As hipóteses para se adaptarem ao novo local
2. Inorgânico - cascalho, seixo e gravilha ou brita. são superiores comparativamente às plantas gran-
Importante afastar a camada orgânica do colo das des. Evite usar manchas extensas do mesmo gé-
plantas, para evitar problemas com fungos. nero botânico, minimizando eventuais danos por
pragas e doenças.
Uma rega profunda
A rega tem impacte no desenvolvimento da arqui- Onde encontrar as plantas?
tetura radicular e uma rega abundante e profun- Felizmente em Portugal os viveiros especializados
da estimula raízes que capacitam a planta a resis- têm vindo a crescer, mesmo que lentamente. Des-
tir melhor à época seca. Esta rega com intervalos tacamos as seguintes:
mais espaçados gera mais vantagens do que pou- • Jardimseco - Paisotec (Tavira, Algarve)
ca água aplicada muitas vezes. • Sementes de Portugal (loja online)
Para cada planta (ou grupo) crie uma caldeira em • Sigmetum (Poceirão, Palmela)
terra, com cerca de 20 cm de profundidade. En-
che-a completamente com água deixando-a ser Ver viveirista especializado de referência interna-
lentamente absorvida pela terra até ao fundo, re- cional, Pépinière Filippi (em França).
petindo-se o enchimento da caldeira, especialmen- Idealmente procure fornecedores que usem vaso
te nas plantas de maior porte. ou alvéolo compridos, e do género anti-espiral,
Este tipo de rega reduz o surgimento de plantas evitando o entrelaçamento das raízes sobre si pró-
espontâneas não desejadas. prias.

Qual a melhor altura para plantar Contactos


e outros cuidados Para mais informações, contacte a nossa Associa-
ção de Plantas e Jardins em Climas Mediterrânicos,
Idealmente no outono. Deste modo, as plantas be- conhecida também como a Mediterranean Garde-
neficiam das chuvas do outono-inverno e de algu- ning Association Portugal.
mas chuvas primaveris durante a sua primeira épo- www.mgaportugal.org
ca de crescimento. Pode conectar-se connosco através das nossas
redes sociais, participar em eventos, visitas, e vir co-
nhecer o Jardim Botânico do Barrocal em Silves, as-
sim como participar nas nossas feiras de jardinagem
anuais no Algarve.

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Plantas autóctones
para jardins sustentáveis
A Sigmetum produz plantas autóctones a partir de sementes recolhidas na natureza
dando vida a jardins sustentáveis e biodiversos, com menor consumo de água.

A Sigmetum nasceu na INOVISA, incubadora de sensibilizadas para o uso de espécies da flora por-
empresas do Instituto Superior de Agronomia, pela tuguesa nos seus jardins, isso é notório sobretudo
mão Filipe Soares. Arquiteto paisagista, herdou do em estrangeiros residentes em Portugal», reconhe-
pai o gosto pelas plantas, também ele viveirista, e ce Filipe Soares.
apostou na produção e comercialização de plan- Quem opta por instalar um jardim “seco” ou susten-
tas autóctones da flora de Portugal. Filipe recorda tável deve estar preparado para abdicar da exube-
como tudo começou há 11 anos, as viagens a Espa- rância do verde durante 365 dias/ano. «Na Prima-
nha à descoberta de viveiristas especializados em vera conseguimos criar espaços com uma grande
plantas autóctones e o encontro com uma empre- diversidade, mas no Verão as plantas entram em hi-
sa em Múrcia com mais de 20 anos de experiência, bernação, ficam mais compactas e algumas secam.
onde aprendeu muito sobre os processos de pro- Dando alguma rega podemos reduzir esse efeito,
dução e a recolha de sementes, como as fases de mas não conseguimos contrariá-lo por completo»,
maturação das espécies, técnicas de germinação, explica o arquiteto paisagista.
a sementeira e propagação. Para quem quer fazer a transição para um jardim
sustentável o ideal será começar por uma moda-
A Sigmetum é hoje um viveirista de referência na lidade mista entre plantas mediterrâneas e autóc-
área das plantas autóctones, produz mais de 150 tones, escolhendo espécies alternativas à relva
espécies da flora portuguesa a partir de sementes menos exigentes em água e investindo mais em
recolhidas na natureza e realiza projetos de paisa- arbustos autóctones (medronheiros, aroeiras, etc.),
gismo e planos de manutenção. No início, a empre- que mantêm uma estrutura verde ao longo de todo
sa estava vocacionada para produção de espécies o ano, do que em plantas herbáceas (como lavanda
em formatos de alvéolos florestais, usadas em pro- ou alecrim).
jetos recuperação ambiental, - na Serra da Estrela, «Tem sido mais fácil as pessoas aderirem quando
na Serra de Aire e Candeeiros, no Douro -, depois introduzimos algumas espécies mediterrânicas no
especializou-se em intervenções de recuperação jardim, que compensam esse período menos inte-
de dunas - na Praia de São João em Almada, na ressante das plantas autóctones no Verão», revela o
Costa Vicentina - e em projetos de enquadramen- fundador da Sigmetum.
to paisagístico e jardins para áreas residenciais. O Além das espécies em catálogo, a empresa oferece
Pestana Troia Resort ou projetos na Herdade da um serviço de recolha de sementes e/ou produção
Comporta e Melides são alguns deles. de espécies específicas à medida das necessidades
de cada projeto.
«Nota-se nos últimos 3 a 4 anos uma maior pro-
cura de plantas autóctones, as pessoas estão mais Saiba mais: https://sigmetum.com/

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