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da Psicanálise
contribuiu de vários modos significativos para a elaboração do
conceito do sujeito dialeticamente constituído (e descentrado).
Depois de ter discutido a concepção freudiana do sujeito no
capítulo anterior, explorarei agora a contribuição kleiniana para
esse projeto. O capítulo 4 discutirá a contribuição winnicottiana.
Três das mais importantes contribuições teóricas de Melanie
Klein para o desenvolvimento de uma formulação analítica da
subjetividade são (1) a concepção dialética de estrutura psíquica
e desenvolvimento psicológico subjacente ao seu conceito de
“posições”, (2) o descentramento dialético do sujeito no espaço
psíquico, e (3)a noção da dialética da intersubjetividade que está
Tradução: Claudia Berliner. implícita no conceito de identificação projetiva. A atenção de Klein
não estava voltada para a questão teórica da natureza da
subjetividade, e, em consegiiência, nós, na qualidade de intérpretes
de sua obra, podemos estar melhor situados do que a própria autora
para compreender o lugar de seu pensamento no desenvolvimento
da concepção psicanalítica do sujeito.
Casa do Psicólogo”:
Clínica de Psicanálise Roberto Azevedo
Para uma concepção intersubjetiva do sujeito: a contribuição kleiniana 31
30 Os Sujeitos da Psicanálise
“ autista-contígua é concebida como uma organização psicológica desenvolvimento da capacidade do indivíduo para a culpa, o luto,
mais primitiva do que as posições delineadas por Klein. Tal a empatia, a gratidão, etc. Por outro lado, uma teoria psicológica
: concepção representa uma elaboração e extensão da obra de Bick que sobrestime o diacrônico às expensas do sincrônico (por
(1968, 1986), Meltzer (1975), (Meltzer et al., 1975)e Tustin (197 D, exemplo, apoiando-se em demasia no conceito de linhas de
1980, 1984, 1990). A posição autista-contígua está associada a desenvolvimento), tende a ignorar a importância da dimensão
um modo de produzir experiência dominado por sensações e primitiva presente em toda experiência, inclusive naquelas formas
caracterizado por impressões proto-simbólicas da experiência de experiência consideradas mais maduras e totalmente evoluídas.
sensorial que, em conjunto, ajudam a constituir uma vivência de Há muitos momentos nos escritos de Klein em que o
superfícies delimitadas. O caráter rítmico e as experiências de conceito de posição parece mudar de uma concepção dialética
contigiiidade sensorial (especialmente na superíície da pele) (reconhecimento da coexistência e mútua contextualização das
contribuem para uma sensação elementar de continuidade do ser posições) para uma linear. Por exemplo, Klein (1948, 1952a)
através do tempo. Tais experiências são produzidas dentro da descrevia regularmente a posição esquizo-paranóide como
invisível matriz da mãe-ambiente. As relações com objetos (que associada aos primeiros três meses de vida, ao passo que retratava
não são vivenciados como tais) ocorrem sob.a forma de a posição depressiva como tendo suas origens no segundo trimestre
experiências de “formas auto-sensuais” (Tustin, 1984) e “objetos do primeiro ano de vida. Há uma passagem muito reveladora em
auto-sensuais” (Tustin, 1990). Esses usos, tdiossincráticos, mas| que Klein (1952a) afirma que as posições esquizo-paranóide e
organizados e organizadores, das experiências sensoriais de depressiva surgem muito cedo no desenvolvimento e “voltam a
suavidade e dureza, são facetas do processo pelo qual a base aparecer durante os primeiros anos da infância e sob determinadas
sensorial de toda experiência é produzida... TT circunstâncias nos anos posteriores” (p. 93, grifos do autor). A
É preciso enfatizar que a inter-relação negadora e idéia de que essas posições fundamentais “voltam a aparecer” na
preservadora das posições evolui ao longo de um eixo diacrônico infância e depois, “sob determinadas circunstâncias”, por toda a vida
(temporalmente. sequencial), assim como de um eixo sincrôniço. representa um retorno a um modelo linear de desenvolvimento,
A inter-relação entre o caráter diacrônico e sincrônico representa no qual as posições são concebidas como estágios iniciais com
um componente inextricável da natureza dialética do conceito de pontos de fixação aos quais o indivíduo regride quando em estados
posições. Uma teoria psicológica torna-se insustentável se não de doença psicológica ou tensão. Ta! visão é totalmente
incorporar um reconhecimento da direcionalidade do tempo e da inconsistente com a visão mais ampla de Klein das posições como
vida. Seria absurdo adotar uma perspectiva exclusivamente organizações, psicológicas sempre presentes, cuja relação muda
sincrônica que não reconhecesse a progressão de estágios de não por meio dde sucessões ou progreseões €de uma par aa outra,
maturidade que ocorrem no decorrer da vida de um indivíduo.
Subestimar a importância do eixo diacrônico na teoria kleintana “A concepção dialética de Klein da estrutura psíquica e» de
seria obscurecer a importância para o desenvolvimento — tanto no seu desenvolvimento | incorpora totalmente a noção o F ru da
decorrer da maturação quanto durante a análise — de momentos
críticos ou períodos de reorganização psíquica como aqueles ade dá dimensão inconsciente dao experiência
implicados na realização de uma posição depressiva mais concebe o indivíduo existindo simultaneamente em duas formas
plenamente elaborada, por exemplo, como os que se refletem no de tempo — um tempo diacrônico (linear, sequencial) e um tempo ;
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sujeito por todo o campo de relações internas de objeto fantasiadas componente esquizo-paranóide da dialética Ps «> D, A pressão
pode ser considerada uma extensão do sujeito freudiano descentrado: intrapsíquica de desintegração representa uma negação essencial
das qualidades integrativas associadas ao pólo depressivo da
O campo intrasubjetivo (freudiano, no modelo estrutural) dialética. Na ausência da pressão desintegradora do pólo esquizo-
tende a ser concebido segundo a modalidade das relações paranóide da dialética geradora de experiência, a integração
intersubjetivas, e os sistemas são descritos como pessoas-dentro- associada à posição depressiva chegaria ao fechamento, à
da-pessoa relativamente autônomas (diz-se, por exemplo, que o
estagnação e à “arrogância” (Bion, 1967). A negação ao
superego age de modo sádico em relação ao ego) (Laptanche e
Pontalis, 1967, p. 452).
fechamento, os “ataques à ligação” (Bion, 1959) representados
pelo pólo esquizo-paranóide da dialética, tem o efeito de
desestabilizar aquilo que, de outra forma, tornaría-se estático.
O sujeito kleiniano não só está clivado (disperso) entre as
Assim, os efeitos de negação, desintegração, da posição esquizo-
relações internas de objeto fantasiadas que o constituem, mas o
paranóide geram continuamente o potencial para novas
próprio processo
de clivagem representa uma parte de uma
possibilidades psicológicas (isto é, a possibilidade de mudanças
dialética de dispersão e unidade do sujeito. de fragmentação e
psíquicas).
integração, de desligamento e ligação, de relações de objeto parcial
e relações de objeto total. Essa dialética de dispersão e unidade A própria experiência do sonho é um reflexo da tensão
representa uma outra faceta da relação entre as posições esquizo- dialética entre as posições esquizo-paranóide e depressiva. Sonhar
paranóide e depressiva (representada por Bion [1963| pela notação não é simplesmente um processo de falar consigo mesmo durante
Ps «> D). o sono sobre pensamentos e sentimentos inconscientes, de forma
codificada; muito mais importante, é uma experiência de
A dialética da clivagem e integração no espaço psicológico
desintegrar a própria experiência e re-presentá-la para si mesmo
pode ser pensada em termos de facetas intra e interpessoais.
sob uma nova forma e num novo contexto (o contexto do espaço
Intrapsiquicamente, os processos de clivagem associados à posição
onírico). O ato de re-presentar a própria experiência sob a forma
esquizo-paranóide desembocam na construção de um mundo
do sonho constitui a criação de uma nova experiência, uma nova
objetal interno continuamente sujeito a pressões de desintegração.
integração que imediatamente sofre desintegração (como se reflete
Existe (como faceta do componente esquizo-paranóide da
na experiência do sonho, como um fato psíquico evanescente,
experiência dialética constitutiva) um movimento em direção ao
efêmero, pouco reconhecível). Às vezes, a dialética de integração
colapso da experiência em relações de objeto parcial num contexto
a-histórico, em que pensamentos e afetos são vivenciados como
e desintegração subjacente à experiência de sonhar desmorona no
terror de desintegração, quando a pessoa se desespera quanto à
forças e objetos. Num extremo, tais pressões desintegrativas
suficiência da dimensão continente (integrativa) do próprio mundo
conduzem a intensas fantasias de explosão do sujeito (dispersando,
interno. Isso pode resultar num medo intenso de cair no sono, um
dessa forma, o mundo objetal interno pela imensidão do espaço
medo que reflete a fantasia de não ser “sustentado” no sono e cair
infinito) ou a fantasias de implosão do sujeito (resultantes de
no espaço infinito e sem forma (“quando o galho quebra”),
sentimentos de fragmentação dos objetos internos, de um modo
tal que o sujeito desaparece no seu próprio vácuo interno).
É importante não pensar de forma patológica as pressões
de negação, desintegração e descentramento associadas ao
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processo em que os pensamentos do bebê que não podem ser Do ponto de vista da dialética continente/conteúdo, a
pensados e os sentimentos que não podem ser sentidos são evocados identificação projetiva se torna uma conceituação da criação da
na mãe quando esta é capaz de se tornar psicologicamente subjetividade por meio da dialética da interpenetração de
disponível para ser usada dessa forma: subjetividades. Nessa relação dialética, projetor e “recipiente”
entram numa relação de estar-em-um (at-one-ment) e estar
A identificação projetiva torna possível para ele (o bebê)
separado simultaneamente, na qual a experiência do bebê recebe
investigar seus próprios sentimentos numa personalidade forte uma forma da mãe, sendo que (nos casos normais) a forma que a
o suficiente para contê-los. À recusa do uso desse mecanismo, mãe dá já foi determinada pelo bebê. A mãe permite a si mesma
quer pela negativa da mãe de servir de depósito para os ser habitada pelo bebê na sua “contra-identificação” (Grinberg,
sentimentos do bebê, quer pelo ódio e inveja do paciente que
1962) com o bebê, e, nesse sentido, é criada pelo bebê ao mesmo
não pode permitir que a mãe exerça essa função. leva à destruição
do vinculo entre o bebê e o seio e, consequentemente. a uma tempo em que o está criando (dando forma). A forma que a mãe
perturbação severa do impulso de curiosidade do qual depende dá ao bebê é informada de modo singular por sua própria
toda a aprendizagem. (Bion. 1959. p. 314). experiência de si mesma e do bebê. (Bion apenas alude à vivência
que a mãe tem desse processo intersubjetivo. Além disso, na sua
Bion (19624) usou o termo réverie para se referir ao estado obra, quase não há discussão sobre a contribuição específica da
psicológico no qual a mãe-Outro é capaz de desempenhar constituição psicológica única da mãe para a relação mãe-bebé).
adequadamente a “função continente” para as projeções de Uma mãe que não pode permitir ser habitada e tomada desde
pensamentos impensados e sentimentos não sentidos do bebê/ dentro (e, portanto, ser criada) pelo bebê, não pode dar a este
analisando. A relação entre continente e conteúdo é não-linear e forma psicológica. Nessas circunstâncias, há uma “destruição do
não deve ser reduzida a uma esquematização linear, sequencial, do vínculo entre o bebê e o seio” (Bion, 1959, p. 314), que implica o
seguinte tipo: um aspecto do projetor — na fantasia e por meio de colapso da intersubjetividade mutuamente criadora, que subjaz à
uma interação interpessoal real - passa a ser induzido no Outro; depois identificação projetiva saudável, e deixa o bebê sem uma forma que
de alterados no processo de serem vivenciados por uma “personalidade lhe permita conter a vivência psicológica e sensorial de si mesmo. O
forte o suficiente para contê-los”, esses aspectos 'metabolizados” do terror dessa experiência é descrito por Bion como “pavor inominável”
self tornam-se disponíveis para o projetor que, pela identificação, (1962b, p. 116). É inominável porque carece da forma e da definição
torna-se mais plenamente capaz de vivenciar seus pensamentos e proporcionadas pela resposta continente/criativa da mãe às
sentimentos como próprios. Tal concepção da identificação projetiva identificações projetivas do bebê, inclusive aquelas proporcionadas
obscurece a questão da natureza da inter-relação de subjetividades por suas funções simbolizadoras conscientes e inconscientes.
envolvidas na identificação projetiva, ao tratar o projetor e o Quando a mãe é capaz de rêverie, ela nomeia (dá forma) as
recipiente conio entidades psicológicas distintas. É aqui que a vivências do bebê por meio da sua interpretação dos estados
natureza dialética do conceito de Bion de continente e de conteúdo internos deste. Por exemplo, o bebê, no princípio, não experimenta
nos dá a possibilidade de ir conceitualmente mais além da natureza fome; ele experimenta uma forma de tensão fisiológica que ainda
mecânica da compreensão linear da identificação projetiva que não é um acontecimento psicológico que possa ser contido pela
acabamos de descrever. (Ver Ogden [1979, 1982a] para ilustrações psique do bebê por si mesma. Os atos da mãe, de perceber a tensão
clínicas da inter-relação dialética entre as dimensões intrapsíquicas do bebê, pegá-lo no colo, olhar para ele, alimentá-lo, conversar e
e interpessoais da identificação projetiva no setting analítico.)
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