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Cláudio Carmo
Federal University of São João del-Rei
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All content following this page was uploaded by Cláudio Carmo on 17 December 2021.
Introdução
Este texto versa sobre questões concernentes às Religiões de
Matriz Africana e o papel da linguagem na sua manutenção cosmoló-
gica lato sensu. Para tanto, toma como princípio norteador a Psicologia
Analítica fundada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961),
para refletir a respeito de alguns aspectos de dois conceitos, quais se-
jam, (1) inconsciente coletivo, entendido como um segmento da mente
inconsciente mais profunda e (2) arquétipo, percebido, inicialmente,
como antigas imagens derivadas do inconsciente (JUNG, 2000a, 2016;
HILLMAN, 1992; SERBENA, 2010).
Jacobi (2016) traz uma importante revisão sobre o desenvolvi-
mento do conceito de arquétipo na teoria junguiana. Para o autor, a
princípio, a percepção de arquétipo como imagens primordiais em Jung
trazia a ideia de mitologemas, temas de lendas e contos de fada que,
de alguma forma, encapsulavam ou concentravam comportamentos
humanos universais em imagens recorrentes na história humana, con-
tudo, de forma estática. Como o autor destaca, essa ideia inicial foi se
desenvolvendo para abarcar tipos de padrões, processos, configurações
etc., levando a uma visão processual e dinâmica que pretendia alcançar
todas as manifestações psíquicas de natureza universalmente humanas
e típicas, contemplando os seguintes planos: biológico, psicobiológico
e ideacional.
33
Esta abordagem se torna profícua para a compreensão de ele-
mentos das Religiões de Matriz Africana por conectar o conteúdo do
inconsciente aos arquétipos, enquanto formas pré-existentes básicas e
fundamentais, a partir das quais aspectos do mundo possam não ape-
nas ser compreendidos, mas, sobretudo, mantidos, já que pressupõem
que os indivíduos tomam consciência deles por meio da aprendizagem
desses arquétipos na experienciação cotidiana por meio da linguagem
como uma fonte simbólica de representação de mundo. É na experien-
ciação (in)consciente no cotidiano que se dão ao conhecimento certos
arquétipos, como: da inocência das crianças (a exemplo do que repre-
sentam os Orixás gêmeos Ibeji), da sabedoria ancestral na figura do(a)s
mais “velho(a)s” (como no caso de Nanã, ou mesmo dos pretos-velhos
na umbanda), da mãe e da maternidade (como no caso de Oxum e Ie-
manjá), do pai e da paternidade (como no caso de Oxalufã e Oxóssi). E,
por isso, também do que significariam o feminino e o masculino como
propostas de compreensão da ideia de gênero, provendo “modelos” de
masculinidade e de feminilidade. E, em pensando de maneira proces-
sual, também prover, dialética e dinamicamente, as possibilidades de
rearticulação e de conexão desses modelos, inclusive constituindo ou-
tras formas de vivência, como podemos depreender de determinadas
interpretações ligadas às figuras de Oxumaré e Ewá (PRANDI, 2001).
Ao contribuir com sua teoria sobre tipos psicológicos, Jung (1976)
também mostrou que as pessoas pensam, sentem e experimentam o
mundo de maneiras distintas. Contudo, identificou quatro funções psi-
cológicas orientadoras fundamentais: sensação, pensamento, sentimento
e intuição. Cada uma delas pode operar tanto no indivíduo introvertido
como no extrovertido. Como normalmente apenas uma dessas caracte-
rísticas é mais dominante, ela acaba por ser denominada função superior
que direciona certas formas de ser arquetípicas.
E, nesse sentido, deve-se ressaltar que o que é chamado de fun-
ção superior está no campo da consciência, que contata imagens ar-
quetípicas, quando estas são representadas; enquanto a função inferior
pertence ao campo inconsciente. Nessa esteira, Jung (2000a) obser-
va que “a função inferior é [justamente] aquela que menos usamos
conscientemente. [E] esta é a razão de sua qualidade indiferenciada,
mas também de seu frescor e vitalidade. Ela não está à disposição da
34 Outra metade de mim, outra metade de nós
Eles [os arquétipos] são por definição, fatores e motivos que ar-
ranjam os elementos psíquicos em certas imagens que podem
ser reconhecidas somente pelo efeito que elas produzem; como
o campo magnético de uma barra imantada sobre um objeto de
ferro. Quando os arquétipos se manifestam, já não são mais eles
que são percebidos e sim suas representações, ou imagens ar-
quetípicas. Há arquétipos que correspondem a várias situações,
tais como as relações com os pais, o casamento, o nascimento
dos filhos, o confronto com a morte (DICIONÁRIO DE TERMOS
JUNGUIANOS, 2021, documento eletrônico, s/p).
de ser, ver, vestir, agir, sentir, perceber, comportar etc. Conforme Gee
(1999) afirma, não é raro que modelos culturais sejam sinalizados por
metáforas, uma vez que elas podem se conectar a “modelos mestres”,
por organizarem um número de domínios significantes para uma de-
terminada cultura ou grupo social. Nas palavras do autor, “metáforas
são uma rica fonte de modelos culturais, embora, é claro, vários mode-
los culturais não sejam sinalizados por metáforas” (p. 69). Os modelos
mestres das Religiões de Matriz Africana são grandes metáforas ancora-
das na dinâmica que se dá entre arquétipos e imagens arquetípicas sob
o prisma africano revividos nos cotidianos dos terreiros, mantendo viva
a espiritualidade, a ancestralidade, a fé e o conhecimento sociocultural
e religioso na comunidade.
Martins (2003), por exemplo, descreve a dança de Oxóssi da
seguinte maneira:
E acrescenta: