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com a alteridade
De pronto, ese pensamiento fugaz es nuestro, pero solo en el espíritu desposesivo que
supone ese pronombre doblemente articulado. Decir que um concepto o um
pensamiento se vuelve nuestro es decir que se convierte em nuestro concepto, nuestro
pensamiento; pero nunca se convierte em nuestra posesión, nunca nos pertenece,
porque el pensamiento es también de otros, nos pertenece a todos.
Homi Bhabha1
O que significa pensar com Bhabha, compreendendo que não há nem ele, nem
eu, nem você e nem nós como unidades soberanas? O que significa pensar a política
fora da luta entre os opostos? O aludido pesquisador desenvolve uma (re) leitura da
cultura de maneira que se possa compreendê-la em sua dinâmica incomensurável e
ambivalente. Conforme realça Siskind (2013), Bhabha desenvolve uma abordagem
singular, a qual renova o pós-colonial com base no diálogo com a psicanálise lacaniana
e com a filosofia pós-estrutural. Pensando nisso, antes de avançar na (re) negociação
com o referido autor, tomei como enfoque do trabalho a remobilização de algumas
articulações que foram, indubitavelmente, relevantes para ele2.
1
Cf. Bhabha (2013).
2
Não imagino que darei conta de todas as articulações. Não enfatizei, por exemplo, o diálogo com outros
autores como Said, Fanon ou Foucault. Sem ignorar outras possibilidades, meu objetivo trazendo Lacan
(por intermédio de alguns dos seus leitores no Brasil) e Derrida (pela minha leitura de duas das suas
principais obras) foi apenas desenvolver alguns dos elementos que julguei mais pertinentes para a minha
compreensão das obras estudadas de Bhabha.
1
conduz a criança à percepção de uma unidade corporal cindida por não encontrar
correspondência em sua vivência proprioceptiva. Sales (op. cit.) explica que tal
experiência leva o bebê a perceber a existência de uma estranha unidade, mas que ele já
é capaz de reconhecer como sua imagem. Ocorre que essa imagem não constitui um
reflexo fiel. Ademais, salienta a autora, a imagem alvo da identificação não será
necessariamente o reflexo da criança no espelho, mas a “forma humana em geral”,
representada pela “presença” do outro. Assim, a capacidade de dizer “eu” é algo que
reside no momento em que a criança é capturada por uma imagem alheia, desde o início
dividindo-a. Estendendo o espelho como metáfora do desejo do outro sobre nós,
questões inconscientes e complexas permanecem (não necessariamente da mesma
forma) ao longo de toda a vida. Em tal perspectiva, a identificação nunca poderá deixar
de ser algo que lhe vem de fora, do horizonte da alteridade.
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e a transformação do sujeito ao desejar assumir aquela imagem.
Nesse sentido, Bhabha (1998) nos fala da ambivalência do discurso colonial que
tem os estereótipos como principal ancoragem. A obsessão pelo outro é o mesmo
processo da negação, quando se trata do “outro” que se revela na mímica, nas máscaras,
na mesmidade. Entre as suas observações, o pesquisador citado destaca que a ansiedade
de afirmação de uma autoridade cultural é também uma recusa em que agressividade e
narcisismo formam um perigoso complexo, pensamento este, conforme visto
anteriormente, influenciado por Lacan.
Conforme salientado, Bhabha também dialoga com autores do pós-
estruturalismo, dentre eles, Jacques Derrida. O hibridismo, a tradução, a negociação e a
diferença (sempre adiada) são remobilizações dialógicas influenciadas, ainda que não de
maneira exclusiva, alguns podem objetar, pela filosofia derridiana.
Em A Gramatologia, Derrida salienta, através de um denso trabalho e de
releituras cuidadosas, como a tradição filosófica ocidental não se liberta facilmente de
uma herança etnocêntrica, algo que também é desenvolvido em A Escritura e A
Diferença.
Com ele, faz-se mister rever a noção de escritura condenada por Sócrates. Nessa
discussão, “o filósofo que não escrevia” é um marco da condenação. Derrida (2011a)
ressalta que tal noção tem sido relegada a uma segunda categoria em relação ao discurso
oral. Como representante do representante, ela é entendida neste sentido inicial como
linguagem escrita, um “perigoso suplemento”. O logocentrismo ou a centralidade do
logus é um dos preconceitos a que estamos tradicionalmente vinculados, a partir dos
quais negamos e/ ou ignoramos a diferença e a multiplicidade das línguas. Nessa
perspectiva, a presença do “Pai do discurso” busca atestar uma garantia de
autenticidade e de verdade, razão para a condenação da escritura, já que ela pode
enganar e trair o pai, talvez até matá-lo, uma vez que “aquilo” que escrevemos pode
gerar múltiplas interpretações. Já o “fonocentrismo” impõe uma “garantia” de
autenticidade à voz de quem fala. É como se a voz iludisse os ouvintes (incluindo o pai)
atribuindo ao discurso um sentido de unidade, de autorreferencia que ele não possui,
conforme as análises derridianas e também de Bhabha. Trata-se de algumas das bases
etnocêntricas do pensamento filosófico ocidental que Derrida (2011a, 2011b)
denominou de “Metafísica da Presença”.
O filósofo francês faz uso da desconstrução como recurso para romper com os
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binarismos, mostrando que aquilo que se condena na escrita pode oferecer a
compreensão do movimento da linguagem, desmontando o que é obliterado e temido na
história da tradição filosófica do ocidente. Desta forma, ele inverte, mas não apenas, a
polaridade e desloca, no ato mesmo da inversão, todas as formas de linguagem em
relação ao conceito de escritura. Nesse sentido, a escritura contempla a linguagem. Não
é mais vista como escrita. Ela é a possibilidade de existência dela. Trata-se de uma
ferramenta potente que desestabiliza os leitores em suas articulações epistemológicas. O
referido autor também desconstrói - sem a intenção de destruir - o estruturalismo e a
ideia de “signo” que muitas vezes se encontram na base de uma apropriação da
diferença/ diversidade, já que o estruturalismo é o pensamento do passado, do fato em
geral, em outras palavras, uma reflexão sobre o realizado, o constituído, o construído
(DERRIDA, 2011a). O que esclarece o filósofo, neste contexto, é que não há a
separação entre significante e o significado, uma vez que este último nunca se completa.
No limite, nem mesmo há significante já que fora do signo a ideia de significante
passaria a não fazer sentido. A noção de differánce se dá neste processo incessante de
remobilizações da significação em que significante sempre remete a significantes. O
significado é incessantemente postergado. Diferir e adiar se constituem como um só
jogo, o qual ocorre na/ pela linguagem. A possibilidade da palavra é desde sempre
dentro dela, na própria linguagem (DERRIDA, 2011b).
Com tais bases epistemológicas, Bhabha toma o signo como rasura, uma vez que
só passa a fazer sentido contingencialmente: “la especificidad de La significatión no
puede ser reproducida em um sentido imitativo; sólo puede ser representada como una
reiniciación iterativa de sentido que despierta el signo (como modo de intención) a otra
vida linguística analógica (BHABHA, 2013, p. 82). Nessa perspectiva, a linguagem não
é a representação da realidade, uma vez que não há uma realidade “lá fora” ou “em si”
para ser descoberta. Diferentemente, a linguagem sempre institui a realidade, não
havendo nada fora do texto. Ou seja, a palavra de ordem é criação, só há diferenças e
não identidades, tanto para a política em Bhabha quanto para Derrida. A ideia de que
possa haver alguma identidade para dar corpo à política é uma ilusão, mas também o
resultado de um jogo das relações de poder. Cumpre observar que, ainda como ilusão, a
crença na identidade produz múltiplos efeitos, dentre eles, os conflitos e os embates
interculturais.
Cultura, com base no quadro teórico proposto, nunca foi pura ou autorreferente,
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mas sempre um percurso fluído e ambivalente. O pesquisador questiona assim a
tradição filosófica hegeliana do “confronto entre os opostos”, cuja meta da afiliação,
ainda que sejam múltiplas as perspectivas, tem sido alcançar uma solução definitiva,
uma resposta peremptória (uma síntese indiscutível) que resolveria a contradição entre a
tese e a antítese. Desta maneira, a concepção teleológica que herdamos nos desvia da
fronteira - que nunca foi entre opostos, mas resultado constante de operações de poder.
A questão então não é, portanto, dialética, mas dialógica, uma vez que somos desde
sempre convocados a ser “o mesmo e o outro” ao mesmo tempo (BHABHA, 2013).
Retomando o diálogo com Derrida (2011a), o filósofo francês assinala que a
desconstrução é também “o que acontece”, independentemente do seu pensamento (do
referido filósofo) a respeito. Há, portanto, outro sentido de desconstrução que sugere
uma inversão na ideia de que existem construções prévias ligadas a um passado comum
e estanque, o que parece ter influenciado Bhabha quando argumenta que não é preciso
dualizar para polemizar. Tudo está sempre em desconstrução, havendo a necessidade
incessante de remobilização ambivalente de sentidos. Em tal perspectiva, nada existe
fora das relações.
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Não se trata de negar compromissos com as minorias, mas de compreender
termos como “minorias” e “estrangeiros” de outra maneira, uma vez que seguimos
sempre sendo simultaneamente “o mesmo e o outro” (BHABHA, 2013). Nesse sentido,
ele salienta uma vida ética complicada das “comunidades paradoxais”. O que significa
pensar em vez da dialética hegeliana em uma política da universalidade-com-a-
alteridade, em que se busca traduzir incessantemente a ambivalência de termos “quase
universais” como parte das iterações democráticas.
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configurações não dão conta das formas de afeto, de afiliação e antagonismos; de
mobilizações que se dão por intermédio de questões complexas de raça, etnia, gênero e
sexualidade.
Referências
BHABHA, H. K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de
Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
_____. Nuevas minorias, nuevos derechos: Notas sobre cosmopolitismos vernáculos.
1a ed. Buenos Aires: Siglo Veintuiuno Editores, 2013.
RUTHERFORD, J. The Third Space: Interview with Homi Bhabha. In: DERS (Hg).
Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence and Wishart, p. 207-221,
1990.