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O pós-colonialismo com Homi Bhabha: pensando a política como uma negociação

com a alteridade

William de Goes Ribeiro

De pronto, ese pensamiento fugaz es nuestro, pero solo en el espíritu desposesivo que
supone ese pronombre doblemente articulado. Decir que um concepto o um
pensamiento se vuelve nuestro es decir que se convierte em nuestro concepto, nuestro
pensamiento; pero nunca se convierte em nuestra posesión, nunca nos pertenece,
porque el pensamiento es también de otros, nos pertenece a todos.

Homi Bhabha1

O que significa pensar com Bhabha, compreendendo que não há nem ele, nem
eu, nem você e nem nós como unidades soberanas? O que significa pensar a política
fora da luta entre os opostos? O aludido pesquisador desenvolve uma (re) leitura da
cultura de maneira que se possa compreendê-la em sua dinâmica incomensurável e
ambivalente. Conforme realça Siskind (2013), Bhabha desenvolve uma abordagem
singular, a qual renova o pós-colonial com base no diálogo com a psicanálise lacaniana
e com a filosofia pós-estrutural. Pensando nisso, antes de avançar na (re) negociação
com o referido autor, tomei como enfoque do trabalho a remobilização de algumas
articulações que foram, indubitavelmente, relevantes para ele2.

Na teoria do imaginário de Lacan, o narcisismo, entendido como momento


primordial da constituição do “eu” por imagens, configura notória relevância na
teorização construída a propósito do “estágio do espelho” (SALES, 2005). Segundo a
citada autora, pesquisadora na linha de filosofia da psicanálise, a experiência do espelho

1
Cf. Bhabha (2013).
2
Não imagino que darei conta de todas as articulações. Não enfatizei, por exemplo, o diálogo com outros
autores como Said, Fanon ou Foucault. Sem ignorar outras possibilidades, meu objetivo trazendo Lacan
(por intermédio de alguns dos seus leitores no Brasil) e Derrida (pela minha leitura de duas das suas
principais obras) foi apenas desenvolver alguns dos elementos que julguei mais pertinentes para a minha
compreensão das obras estudadas de Bhabha.

1
conduz a criança à percepção de uma unidade corporal cindida por não encontrar
correspondência em sua vivência proprioceptiva. Sales (op. cit.) explica que tal
experiência leva o bebê a perceber a existência de uma estranha unidade, mas que ele já
é capaz de reconhecer como sua imagem. Ocorre que essa imagem não constitui um
reflexo fiel. Ademais, salienta a autora, a imagem alvo da identificação não será
necessariamente o reflexo da criança no espelho, mas a “forma humana em geral”,
representada pela “presença” do outro. Assim, a capacidade de dizer “eu” é algo que
reside no momento em que a criança é capturada por uma imagem alheia, desde o início
dividindo-a. Estendendo o espelho como metáfora do desejo do outro sobre nós,
questões inconscientes e complexas permanecem (não necessariamente da mesma
forma) ao longo de toda a vida. Em tal perspectiva, a identificação nunca poderá deixar
de ser algo que lhe vem de fora, do horizonte da alteridade.

Com base na psicanálise lacaniana, o eu é dividido, cindido, alienado, conforme


também sugere Bhabha em entrevista (RUTHERFORD, 1990). Deste modo, a ideia de
um ego racional, consciente, dono de si e agente de seu querer é ilusória (CUKIERT e
PRISZKULNIK, 2002). Aqui, também se questiona qualquer suposição de unidade do
eu (algo que também ganha impulso com o pós-estruturalismo). Nessa perspectiva, é
através do outro que aprendemos a nos reconhecer. O desejo e o corpo são projetados
pelo outro, o que se torna ainda mais complexo por meio da “aquisição” da linguagem.
Conforme explicam as aludidas autoras, com base em Lacan, o corpo jamais se
restringiu ao biológico, está inseparável do desejo e do simbólico. Inconsciente e
linguagem são constituintes do corpo.
Destarte, a metáfora do espelho como uma elaboração do imaginário em que a
imagem do corpo é elaborada a partir do outro, é uma das articulações que permite a
Bhabha interrogar a identidade ou o “... lugar discursivo e disciplinar de onde as
questões de identidade são estratégica e institucionalmente colocadas” (BHABHA,
1998, p. 81). Nessa perspectiva, há três condições na analítica do desejo: 1) existir é ser
chamado à existência em relação a uma alteridade. Inexoravelmente, trata-se de uma
demanda; 2) O lugar da identificação, entre a demanda e o desejo, nesta tensão, é desde
sempre um espaço de cisão; 3) A questão da identificação jamais será a afirmação pura e
simples de uma identidade pré-dada, autossuficiente, nunca uma profecia autocumprida
– ela é desde sempre uma imagem, ou melhor, a produção de uma imagem de identidade

2
e a transformação do sujeito ao desejar assumir aquela imagem.
Nesse sentido, Bhabha (1998) nos fala da ambivalência do discurso colonial que
tem os estereótipos como principal ancoragem. A obsessão pelo outro é o mesmo
processo da negação, quando se trata do “outro” que se revela na mímica, nas máscaras,
na mesmidade. Entre as suas observações, o pesquisador citado destaca que a ansiedade
de afirmação de uma autoridade cultural é também uma recusa em que agressividade e
narcisismo formam um perigoso complexo, pensamento este, conforme visto
anteriormente, influenciado por Lacan.
Conforme salientado, Bhabha também dialoga com autores do pós-
estruturalismo, dentre eles, Jacques Derrida. O hibridismo, a tradução, a negociação e a
diferença (sempre adiada) são remobilizações dialógicas influenciadas, ainda que não de
maneira exclusiva, alguns podem objetar, pela filosofia derridiana.
Em A Gramatologia, Derrida salienta, através de um denso trabalho e de
releituras cuidadosas, como a tradição filosófica ocidental não se liberta facilmente de
uma herança etnocêntrica, algo que também é desenvolvido em A Escritura e A
Diferença.
Com ele, faz-se mister rever a noção de escritura condenada por Sócrates. Nessa
discussão, “o filósofo que não escrevia” é um marco da condenação. Derrida (2011a)
ressalta que tal noção tem sido relegada a uma segunda categoria em relação ao discurso
oral. Como representante do representante, ela é entendida neste sentido inicial como
linguagem escrita, um “perigoso suplemento”. O logocentrismo ou a centralidade do
logus é um dos preconceitos a que estamos tradicionalmente vinculados, a partir dos
quais negamos e/ ou ignoramos a diferença e a multiplicidade das línguas. Nessa
perspectiva, a presença do “Pai do discurso” busca atestar uma garantia de
autenticidade e de verdade, razão para a condenação da escritura, já que ela pode
enganar e trair o pai, talvez até matá-lo, uma vez que “aquilo” que escrevemos pode
gerar múltiplas interpretações. Já o “fonocentrismo” impõe uma “garantia” de
autenticidade à voz de quem fala. É como se a voz iludisse os ouvintes (incluindo o pai)
atribuindo ao discurso um sentido de unidade, de autorreferencia que ele não possui,
conforme as análises derridianas e também de Bhabha. Trata-se de algumas das bases
etnocêntricas do pensamento filosófico ocidental que Derrida (2011a, 2011b)
denominou de “Metafísica da Presença”.
O filósofo francês faz uso da desconstrução como recurso para romper com os
3
binarismos, mostrando que aquilo que se condena na escrita pode oferecer a
compreensão do movimento da linguagem, desmontando o que é obliterado e temido na
história da tradição filosófica do ocidente. Desta forma, ele inverte, mas não apenas, a
polaridade e desloca, no ato mesmo da inversão, todas as formas de linguagem em
relação ao conceito de escritura. Nesse sentido, a escritura contempla a linguagem. Não
é mais vista como escrita. Ela é a possibilidade de existência dela. Trata-se de uma
ferramenta potente que desestabiliza os leitores em suas articulações epistemológicas. O
referido autor também desconstrói - sem a intenção de destruir - o estruturalismo e a
ideia de “signo” que muitas vezes se encontram na base de uma apropriação da
diferença/ diversidade, já que o estruturalismo é o pensamento do passado, do fato em
geral, em outras palavras, uma reflexão sobre o realizado, o constituído, o construído
(DERRIDA, 2011a). O que esclarece o filósofo, neste contexto, é que não há a
separação entre significante e o significado, uma vez que este último nunca se completa.
No limite, nem mesmo há significante já que fora do signo a ideia de significante
passaria a não fazer sentido. A noção de differánce se dá neste processo incessante de
remobilizações da significação em que significante sempre remete a significantes. O
significado é incessantemente postergado. Diferir e adiar se constituem como um só
jogo, o qual ocorre na/ pela linguagem. A possibilidade da palavra é desde sempre
dentro dela, na própria linguagem (DERRIDA, 2011b).
Com tais bases epistemológicas, Bhabha toma o signo como rasura, uma vez que
só passa a fazer sentido contingencialmente: “la especificidad de La significatión no
puede ser reproducida em um sentido imitativo; sólo puede ser representada como una
reiniciación iterativa de sentido que despierta el signo (como modo de intención) a otra
vida linguística analógica (BHABHA, 2013, p. 82). Nessa perspectiva, a linguagem não
é a representação da realidade, uma vez que não há uma realidade “lá fora” ou “em si”
para ser descoberta. Diferentemente, a linguagem sempre institui a realidade, não
havendo nada fora do texto. Ou seja, a palavra de ordem é criação, só há diferenças e
não identidades, tanto para a política em Bhabha quanto para Derrida. A ideia de que
possa haver alguma identidade para dar corpo à política é uma ilusão, mas também o
resultado de um jogo das relações de poder. Cumpre observar que, ainda como ilusão, a
crença na identidade produz múltiplos efeitos, dentre eles, os conflitos e os embates
interculturais.
Cultura, com base no quadro teórico proposto, nunca foi pura ou autorreferente,
4
mas sempre um percurso fluído e ambivalente. O pesquisador questiona assim a
tradição filosófica hegeliana do “confronto entre os opostos”, cuja meta da afiliação,
ainda que sejam múltiplas as perspectivas, tem sido alcançar uma solução definitiva,
uma resposta peremptória (uma síntese indiscutível) que resolveria a contradição entre a
tese e a antítese. Desta maneira, a concepção teleológica que herdamos nos desvia da
fronteira - que nunca foi entre opostos, mas resultado constante de operações de poder.
A questão então não é, portanto, dialética, mas dialógica, uma vez que somos desde
sempre convocados a ser “o mesmo e o outro” ao mesmo tempo (BHABHA, 2013).
Retomando o diálogo com Derrida (2011a), o filósofo francês assinala que a
desconstrução é também “o que acontece”, independentemente do seu pensamento (do
referido filósofo) a respeito. Há, portanto, outro sentido de desconstrução que sugere
uma inversão na ideia de que existem construções prévias ligadas a um passado comum
e estanque, o que parece ter influenciado Bhabha quando argumenta que não é preciso
dualizar para polemizar. Tudo está sempre em desconstrução, havendo a necessidade
incessante de remobilização ambivalente de sentidos. Em tal perspectiva, nada existe
fora das relações.

Pensando com Bhabha

Considerando o exposto em seção anterior, Bhabha vem desenvolvendo uma


alternativa teórica frente aos problemas de enfoque na diversidade cultural, já que se
compreende que a partir de tais bases, como dito, a cultura é um objeto epistemológico
(BHABHA, 1998, 2013). Deste modo, a alteridade pode ser ilusoriamente apreendida,
tolerada, respeitada, como se fosse uma unidade separada e passível de ser conhecida. A
diversidade se torna, não raras vezes, uma multiplicidade de arranjos propositivos
imaginados, cuja afiliação se dá por intermédio de “modelos” balizadores para a
realidade. Mas, deste modo, apenas nos limitamos às consequências e à reação,
atribuindo ênfase ao preconceito e à discriminação, o que pouco nos permite
compreender de que maneira as diferenças são articuladas e “uma cultura” se torna
possível. Ademais, a ideia de que toda cultura é diversa e de que cultura no sentido de
diversidade é boa e positiva nos coloca em um perigoso jogo no qual somos (re)
assombrados pelo relativismo filosófico. Alguns problemas foram ressaltados por
5
Bhabha sobre tal questão: 1º) o movimento da diversidade caminha junto a um
movimento de contenção da diferença cultural, ambos atuam dentro da lógica da
normalidade; 2º) sociedades nas quais o multiculturalismo é encorajado, o racismo
permanece de várias formas, pois o universalismo que paradoxalmente permite a
diversidade mascara normas etnocêntricas, valores e interesses (RUTHERFORD, 1990).

Em contrapartida, Bhabha analisa o estereótipo como uma das principais


estratégias colonialistas, ressaltando que a diversidade permanece na “lógica” da
mesmidade, da normalidade. Ao invés de reproduzirmos um discurso enclausurado e
binarista que perfaz comumente a economia política, o pesquisador propõe atentarmos
para um tempo revisionário, disjuntivo, a partir do qual passamos a considerar a
ambivalência e a contradição que constituem a subjetividade. Contrapondo-se à ênfase
no multiculturalismo propositivo, entendido como uma articulação da diferença,
administrado como um consenso baseado em uma norma que propaga a diversidade, o
trabalho do pesquisador, nessa perspectiva, volta-se para o “espaço” de produção da
cultura como diferença (incomensurável) no espírito da alteridade. Isto é, da ideia de
repertório para significado usado de determinado modo (BHABHA, 2013).

Portanto, diversidade e diferença não são compreendidas como sinônimos e/ ou


termos intercambiáveis. Enquanto a diversidade transforma a cultura em um objeto
epistemológico, como dito antes, a diferença é articulada na “prática de significação”,
constantemente reiterando e negociando sentidos. Para o aludido autor, diversidade é do
campo da ética, da etnologia comparadas; já diferença nos direciona para a cultura como
efeito de uma discriminação/ de relações de poder. Cultura só é possível como uma
hibridização incessante, enquanto significação (BHABHA, 1998), já que os sentidos
estão constantemente sendo remobilizados.

Destarte, chama a atenção nesse quadro teórico que nenhuma dominação é


completa, já que a autoridade do poder depende desde sempre da reiterabilidade
(BHABHA, 1998, 2013). Ela não é, portanto, absoluta. O discurso colonial pode ser
desconstruído, possui falhas e limitações. Nessa perspectiva, o poder está sempre
precisando se adequar de maneira reiterativa (repete, mas sempre de outra forma),
considerando que o presente é um tempo disjuntivo. O presente “toca o lado de cá do
futuro” e remobiliza o passado renegociando-o no entre-lugar, no intervalo, no terceiro
espaço de que trata o referido pesquisador em suas obras. “Em um espacio intercultural de
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enunciación, en la intersección de distintos lenguajes em pugna por la autoridad, se abre por
meio del proceso de diálogo um espacio de traduccción que sirve como lugar de negociación
(BHABHA, 2013, p. 81-82).

Na prática de enunciação de “uma cultura” ou em um processo de identificação,


processos discriminatórios são elaborados ao passo que sentidos são remobilizados e
negociados com a alteridade mediante a hibridização. Portanto, Bhabha nos permite
inferir que tudo é intercultural e híbrido, uma vez que se a negociação é sempre uma
remobilização ambivalente de sentido. Não há e nem nunca existiu uma cultura pura e
autorreferente, mas incomensurabilidade. Não faz sentido, portanto, inverter a
polaridade subalternizada atribuindo a ela uma centralidade. Em vez de identidade,
relações. O que chama a atenção nessa perspectiva pós-colonialista é atentarmos ao jogo
da linguagem, buscando compreendê-lo. Além disso, podemos observar como as
subjetividades são produzidas a partir das relações de poder. Considerando tais aspectos,
a tradução, ainda que impossível, diz respeito à necessidade histórica e humana da
negociação que se dá por meio da linguagem, o que convoca a “comenzar a entender
que pensar y escribir son actos de traducción. Para mí, el tercer espacio es impensable
fuera de la localidad de la traducción cultural (BHABHA, 2013, p. 80). Portanto,
consideramos que é exatamente a impossibilidade da tradução que gera o movimento da
agência política, tornando-a uma necessidade.
A partir do exposto, cumpre ressaltar que o pós-colonial não é uma questão de
linearidade, de superação ou de uma mera negação do passado ou das opressões
coloniais, mas é uma maneira de pensar-analisar-agindo discursivamente, atentando
para o presente disjuntivo, isto é, para um processo inexorável que não é “nem um e
nem outro”; mas uma remobilização constante de sentidos ambivalentes. É ambivalente,
explica Bhabha, por causa da intervenção do outro, considerando que a hibridização
sempre coloca junto outros traços, significados e discursos (RUTHERFORD, 1990).
Deste modo, tal perspectiva política se ocupa dos interstícios, dos entre-lugares, como
dito, ou seja, dos contextos produzidos na articulação das diferenças culturais, cujo
significado é sempre postergado. Assim, a política em Bhabha pode ser compreendida
através de metáforas que não remetem a um tempo isolado em períodos (antes, durante
e depois), mas a um intervalo de negociação, a um terceiro espaço no qual se revisa o
passado e se antecede o futuro.

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Não se trata de negar compromissos com as minorias, mas de compreender
termos como “minorias” e “estrangeiros” de outra maneira, uma vez que seguimos
sempre sendo simultaneamente “o mesmo e o outro” (BHABHA, 2013). Nesse sentido,
ele salienta uma vida ética complicada das “comunidades paradoxais”. O que significa
pensar em vez da dialética hegeliana em uma política da universalidade-com-a-
alteridade, em que se busca traduzir incessantemente a ambivalência de termos “quase
universais” como parte das iterações democráticas.

La ética del reconocimento – ya sea que se la entienda como dignidad, respeto,


justicia o liberdad – es cuasi universal, no porque sea abstractamente verdadera
para cualquer época ni porque, como la dignidad, sea um fin em sí misma. Las
enunciaciones éticas y las aserciones retóricas hacen valer una peculiar
‘universalidad-com-alteridad’...sólo porque regressamos a ellas una otra vez, las
traducimos de manera incesante y las extendemos prolepticamente (BHABHA,
2013, p. 29).

Não há meta ou ponto final. Tal pensamento implica em um processo dialógico


no qual reside a hospitalidade, compreendida a partir de sua natureza contraditória. Ao
mesmo tempo em que existe uma abertura da significação, há ordens regulatórias e
representacionais do discurso. O idealismo do acolhimento é o mesmo processo em que
não cabe “qualquer um”. O incondicional e o condicional constituem a dupla lei da
hospitalidade de Derrida que é retomada na política e na ética em Bhabha (2013). Nesse
contexto, se reconhece uma tensão ambivalente e perturbadora na relação. Vamos
sempre negociar a alteridade e entre os extremos da hospitalidade.

Em suma, a política em Bhabha pode ser entendida como articulações


incessantes da diferença. Elas ocorrem em uma produção iterativa e negociada. Híbrida
ou ambivalente, a política, nessa perspectiva, se dá nos interstícios de um presente
disjuntivo. Deste modo, uma dominação nunca é absoluta, definitiva ou completa, pois
a autoridade colonial pode ser posta em riscos. Nesse sentido, considerando que somos
múltiplos e iguais na diferença, há também possibilidades de solidariedade, mas nunca
um ponto final. Destarte, não basta uma defesa moral contra estereótipos, preconceitos e
discriminações, o que acaba ocorrendo dentro de uma mesma lógica, limitando desta
maneira a compreensão do problema. Bhabha também não nega a questão da
reprodução social e do capital cultural imposto pelo mundo ocidental. O que o referido
pesquisador indica, tratando especificamente disto em O Local da Cultura, é que tais

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configurações não dão conta das formas de afeto, de afiliação e antagonismos; de
mobilizações que se dão por intermédio de questões complexas de raça, etnia, gênero e
sexualidade.

Referências
BHABHA, H. K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de
Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
_____. Nuevas minorias, nuevos derechos: Notas sobre cosmopolitismos vernáculos.
1a ed. Buenos Aires: Siglo Veintuiuno Editores, 2013.

CUKIERT, M.; PRISZKULNIK, L. Considerações sobre eu e o corpo em Lacan.


Estudos de Psicologia, v. 7, n. 1, p. 143-149, 2002.

DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2011a.

_____. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 2011b.

RUTHERFORD, J. The Third Space: Interview with Homi Bhabha. In: DERS (Hg).
Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence and Wishart, p. 207-221,
1990.

SALES, L. S. Posição do estágio do espelho na teoria lacaniana do imaginário. Revista


do Departamento de Psicologia – UFF, v. 17, n. 1, p. 113-127, jan. / jun. 2005.

SISKIND, M. Introducción – Los interticios de ló nuevo: para uma ética de lãs


dislocaciones globales. In: BHABHA, H. Nuevas minorias, nuevos derechos: Notas
sobre cosmopolitismos vernáculos. 1a ed. Buenos Aires: Siglo Veintuiuno Editores,
2013.

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