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em particular, acaba por reduzir a freqüência e a quan-

Notas e comentários tidade da ação humana requerida, ao mesmo tempo em


que altera profundamente a qualidade dessa ação. Por
outro lado, não é nosso objetivo endossar a tese de que
1. Introdução; a tecnologia marca os parâmetros fundamentais para
a organização do trabalho. Mesmo assim, reconhece-
2. Caracteristicas tecnológicas;
mos que na discussão subseqüente, feita por este texto,
3. Caracteristicas econômicas;
ela acaba emergindo como o fator que maior destaque
4. Implicações para a organização do trabalho.
mereceu.

2. CARACTERÍSTICAS TECNOLÓGICAS

Indústrias de processo contínuo: As principais características tecnológicas presentes em


geral nas indústrias de processo contínuo são as seguin-

novos rumos para a tes:

organização do trabalho * A) Indivisibilidade das matérias-primas ao longo do


processo: é muito comum que, após introduzidos no
processo de fabricação, os insumos não sejam mais dis-
tinguíveis entre si e em relação ao produto final. Isto de-
corre da peculiaridade do processo de fabricação ser
constituído por uma série de reações físico-químicas, e
José Carlos de Toledo não, como no caso de uma indústria tradicional, por
José Roberto Ferro transformações mecânicas sofridas pelos materiais em-
Oswaldo Mário Serra Truzzi pregados.3 É evidente que tal circunstância conferirá
Professores do Departamento de Engenharia de Produção da uma relação homem-matéria-prima e produto nestas in-
Universidade Federal de São Carlos. SP. dústrias totalmente distintas de uma situação comum.

B- Alto nível de integração entre os equipamentos: em


lugar de máquinas isoladas realizando cada um ••delas
operações bem distintas, O equipamento tem a caracte-
rística de ser todo interligado e interdependente, no sen-
tido de não se poder intercambiar as transformações re-
queridas pelo processo (baixa flexibilidade, restrições
de simultaneidade e/ou sucessividade, etc). Esta carac-
terística, que sem dúvida é quase uma decorrência da
anterior, apontada pelo item A, é sugerida, por exem-
plo, quando se prefere distinguir, neste tipo deindús-
tria, fases no interior do processo de fabricacãõ ao in-
1. INTRODUÇÃO vés dese referir a operações discretas.

Partiremos de uma apresentação muito sumária dos C) Maior possibilidade de centralizar o controle dos
principais determinantes tecnológicos e econômicos das processos: uma vez que a interação da mão-de-obra com
chamadas indústrias de processo contínuo. I. os materiais é reduzida e quase toda ela submetida à in-
Esta característica de continuidade na produção termediação dos equipamentos, o controle do proces-
orienta, em maior ou menor grau, o trabalho fabril num so de fabricação não significa controle da mão-de-obra,
grande número de ramos industriais: química, petroquí- mas sim do próprio equipamento, o que é realizado atra-
mica, nuclear, siderurgia, papel e celulose, cimento etc. vés do posicionamento de censores de parâmetros va-
Por suas características, essa indústria representa o es- riados, localizados em pontos estratégicos das instala-
tágio mais avançado, a vanguarda mesmo, do proces- ções (ex: topo de colunas de destilação, saída e entrada
so de automação industrial. Além disso, à medida que de reatores etc.) Por isso mesmo, a possibilidade de reu-
os outros setores - que operam como sistemas de pro- nir essas informações captadas pelos instrumentos de
dução intermitentes - passam por um processo de au- controle num lugar central é relativamente menos com-
tomação.ê estes tendem a se comportar como processos plexa do que centralizar o controle de um processo in-
de produção do tipo contínuo. termitente, cuja operação em geral depende de um pla-
Nosso objetivo é o de chamar a atenção para as im- nejamento da produção e de uma intervenção da mão-
plicações deste tipo de processo industrial, do ponto de de-obra mais decisivos. A lógica desta centralização está
vista da organização do trabalho nestas indústrias. Des- no fato de que através dela tornam-se maiores as possi-
ta forma, ao estudarmos as formas particulares que as- bilidades de diminuir o tempo necessário à correção de
sume a organização do trabalho neste tipo de indústria, algum parâmetro desviante ou de alguma pane ocorri-
estaremos apreendendo algumas das principais tendên- da. Quanto.menores forem estes intervalos de anoma-
cias do trabalho industrial nos setores mais modernos, lia, maior produtividade fornecerá a planta industrial
pois a automação em geral, e nos processos contínuos em questão.

Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 26 (l)~ 103-105 jan. / mar. 1986
3. CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS gidas, devem ser consertadas o mais rapidamente pos-
sível, pois, como vimos, é isso que assegurará níveis de
A) Não-dependência direta entre o ritmo de trablho e produtividade elevados. Em face desta situação, é pos-
a produtividade: talvez seja esta a característica mais es- sível constatar algo aparentemente singular na jornada
sencial à compreensão da lógica de operação de um pro- de trabalho destes operários: o trabalho em ritmo inten-
cesso contínuo. O ritmo de produção, ao invés de de- so configura anormalidade na produção; o "não-tra-
pender fundamentalmente do ritmo de trabalho da mão- balho"5 é sinal de que tudo vai bem. Enquanto o prin-
de-obra, obedece muito mais à performance e ao ren- cípio de eficiência e produtividade nas indústrias inter-
dimento das instalações como um todo. Se o equipa- mitentes orienta no sentido de todos trabaiharem o má-
mento "trabalha bem" (isto é, dentro dos parâmetros ximo de tempo todo, nas indústrias de processo contí-
preestabelecidos e sem a ocorrência de panes) obtém-se nuo, a vigilância passiva e tediosa é sinal de que tudo
alta produtividade, com o desempenho do equipamen- corre dentro dos parâmetros preestabelecidos.
to tendendo à sua capacidade nominal. Por outro lado, em momentos de crise, o trabalho,
a dedicação e a tensão solicitados destes operadores é
B) Plantas industriais capital-intensivas e custos de muito grande, porque do reparo rápido depende a pro-
mão-de-obra fixos: a maior parte das indústrias de pro- dutividade global extraída da fabricação, seja porque
cesso contínuo dependem, para sua instalação, de mon- não é incomum que se configurem, nestas indústrias, si-
tante expressivo de investimentos em equipamentos em tuações de ameaça e risco às capacidades e à prórpria
relação aos custos despendidos com a mão-de-obra. Es- saúde do trabalhador. A alternância entre momentos de
tes últimos tendem a se comportar como fixos, pois o monotonia (a maior parte do tempo) e de crise, e sobre-
volume de mão-de-obra empregada não se altera em tudo tendo-se em conta a imprevisibilidade destes últi-
conformidade com o volume de produção. mos, fornece-nos mais uma peculiaridade do trabalho
a que estão submetidos estes operadores.
Nestes termos, é razoável se super que estes operá-
4. IMPLlCAÇÔES PARA A rios exerçam a função de absorvedores da variância que
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO pode surgir ao longo do processo de fabricação. Deles
não se exigirá perícia manual, força física ou qualquer
Nossa suposição básica é que este conjunto de caracte- outra habilidade que possa incrementar o ritmo de pro-
rísticas normalmente vigentes nas indústrias de processo dução. Suas qualidades essenciais serão o senso de res-
contínuo podem ser suficientemente relevantes para de- ponsabilidade, a assiduidade e uma certa capacidade de
finir parâmetros novos de inserção da mão-de-obra no iniciativa própria. Em algumas empresas, dependendo
processo de trabalho. Isto não se aplica necessariamente da política adotada de gestão do trabalho e do estágio
a todo o conjunto dos trabalhadores empregados nes- de automação em que ela se encontra, estas discrepân-
tas indústrias, mas sobretudo àquela parcela da mão- cias podem-se traduzir em um conhecimento polivalente
de-obra que poderíamos chamar de operadores de equi- e maior compreensão do processo global de fabricação,
pamento. em maior mobilidade dos operadores em meio às plan-
De fato, na maior parte das indústrias de processo tas industriais, em trabalho de equipe cuja implemen-
cont ínuo, iremos nos deparar com três categorias bási- tação passa a ser facilitada com esquemas participati-
cas de trabalhadores: a) os auxiliares de produção, que vos, em menor grau de supervisão direta sobre o traba-
const it uem um conjunto pouco quali ficado, responsá- lho, etc.
vel por serviços gerais de apoio ou tarefas mais brutas Diante deste quadro, não faltam aqueles que em-
e pesadas que envolvam certo esforço físico ou ainda ta- penham nesta transformação uma considerável dose de
refas absolutamente rotineiras não-passíveis de automa- otimismo. Autores como Blauner prognosticavam, já
tização; b) os operários de manutenção, sem dúvida fun- em 1961, que o tipo de desenvolvimento tecnológico exe-
damentais à obtenção de performance e rendimentos rimentado por este ramo industrial significaria uma re-
adequados dos equipamentos; c) os operadores de equi- versão na tendência da crescente alienação no trabalho.
pamentos. Outros autores menos afoitos, como Davis (1971), Sus-
É sobre o trabalho destes últimos que julgamos es- man (1970) e Coriat (1980) ponderam apenas que o que
tar ocorrendo as transformações mais interessantes. O está ocorrendo nestas empresas é que a divisão do tra-
contcéúdo do trabalho destes operadores reduz-se na balho por posto individualizado está cedendo lugar a um
maior parte do tempo a tarefas de registro e observação trabalho mais homogêneo e por equipe.
dos instrumentos (relógios, ábacos, etc.), colocados em Gallie (1978), estudando a organização do traba-
pontos do equipamento, que controlam o processo de lho nas unidades centrais das refinarias de petróleo, ob-
fabricação. Se a leitura realizada conferir com as espe- servou que o operador responsável ou líder do grupo ti-
cificações físico-químicas dentro das quais a fabricação nha maior liberdade e iniciativa, o operador da sala de
deve ocorrer, o operador nada tem a fazer; no máximo, controle deveria possuir grande experiência ao mesmo
ele deve realizar o registro (intermitente) das informa- tempo em que não lhe era permitido nenhuma mobili-
ções lidas. Caso o operador observe distorções em re- dade física, enquanto os outros membros do grupo exe-
lação aos parâmetros prefixados, ele mesmo deverá cutavam funções relativamente fáceis de aprender e de-
acionar botões, válvulas ou chaves que operem a cor- sinteressantes. Com maior prudência, este autor argu-
reção, ou, ainda, poderá entrar em contato com seus co- menta que é difícil discernir uma tendência conclusiva.
legas, seu supervisor ou operários de manutenção para As experiências de trabalho variam enormemente, de-
decidir o que fazer.:' Os desvios devem ser eliminados pendendo do setor industrial e da seção particular on-
e as eventuais quebras de equipamento, ou panes sur- de o trabalhador está inserido.

104 Revista de Administração de Empresas


Isto nos remete à necessidade de estudos de caso so-
bre ramos e empresas específicas. Na ausência destes,
parece-nos mais sensato duvidar que estão sendo remo-
vidos os princípios taylorísticos básicos de organização
do trabalho nas empresas que operam em processo con-
tínuo. É mais provável que alguma "pseudoliberaliZa-
ção" produzida pelas características tecnológicas dos
processos contínuos acabe resultando, na prática, nu-
ma incorporação passiva do trabalhador ao ritmo de so-
licitações geradas pelos equipamentos.

'Notas resumidas de um texto originariamente apresentado na Reu-


nião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (Anpocs), 1985.

I A apreensão do que seja um processo contínuo não é rigorosamente , •••• ,'0

\
.:' _ ,I' ._ "
, ......• ' /.- '. /
definida e varia principalmene em função da indústria e do profissional _.. O
Prémlo lpês. criado distinguir para ~
que se utiliza do conceito. Deste modo, é provável, por exemplo, que I'-. 1 os
melhores trabalhos Inéditos sobre ./" ..
I ~- ecologia brasileira. sua proteçãO e ..~'.../
diferentes concepções coexistam entre gerentes de produção, de peso _ , . recupt;ração. foi entregue. no :1..•... "~
soal, engenheiros químicos, etc. _,.', ~ 11Concurso de. Monogra(las de ãmbito .:«. : .
.", "'''0.:'' < • nacionaL realizado 8'n 1981, a Rafael . ~
, Â automação nas indústrias em geral pode ser compreendida como .: :-t \; Negret e Juraci perez Magalhães. , ::::.••.I
~~!];.\ autores respectivamente de: . I· ..•.
ocorrendo segundo dois eixos fundamentais: uma automação "dis-
creta" ,que substit ui o trabalho humano em operações de fabricações
.•...•..;1.\ • J::cossistenu: U!,",ade básica .; .\._;.
~,.:;r:'II para o planejamento da •. ,.:
de fabricação pontuais, e uma automação que integra (integração) •.• 'o. '- 1I ocu~o territorial' ecologia e ••.~ ~
equipamentos ou fases do processo de fabricação, visando à elimi- _, ~~.''''' desenvolvimento I ~0.,',-
nação de tempos mortos na produção. Obviamente, este último tipo . _\:. ~ • [LO lugar) -l00.P. .~o ~{,., ./
de automação confere um comportamento de processo contínuo à pro- "." ".. • Recursos naturaIS. meio ~I -it I
'i -s-
~r,.,....
" o"', I ambiente e sua defesa no . ,:.r;1' . ..,'- /
-c;í,t.~
' ~'"
J
dução industrial.
•• "'_ Direito brasileiro ~
. f I (2.0 lugar) - 78 p. "..', 'iii..
, i: nestesem ido conveniente designar esta dist incão pelo par indús- ~o.\ o~~.... À venda nas livrarias da FOV· •\ f "<' .., ,
trias de forma/indústrias de propriedade. Ver Coriat (1980). ~. - .. • ou pelo Reembolso Poslal a ' ~~•.v.
o -'" _0 .. '1'.. FOV / Editora' Divisão de Vendas; ., ~ \. \ •

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Caixa Postal 9052: 2()()()() - " o·'

",.~~~of
j É claro que o conteúdo
específico do trabalho destes operadores va-
riará com o nível de automação dos equipamentos que ele tiver sob J ,:,!-;. Rio de Jane. rro ..,•••••. \~I.~.I..).~.'

•...'-~."•... ~.".,'--
sua responsabilidade. No limite, um equipamento sofisticado é pro- l ... ;..
gramado para efetuar por conta própria as correções no processo pro- -"... -:.,.
dutivo.
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• J f 'tio; .-
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,.. • ~ ••
...
.

1V
, Obviamente, esta expressão é exagerada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Blauner, Robert. Alienalion and freedon: lhe worker


and his industry. Chicago, University ofChicago Press,
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Coriat, Bejamin. autômatos, robôs e classe operária. In:


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Susman, Gerald I. The impact of automation on work


group autonomy andtask specialization. In: Desing of
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