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Falar de projetos é como contar histórias, muito tem se dito sobre essa
metodologia desde mil novecentos e vinte, mas ao mesmo tempo é falar de "coisa
nova", tecer novos fios e no momento que vivemos significa inventar e reinventar.
Muitos estudiosos teceram fios dessa trama, trazendo importantes contribuições para o
entendimento dos projetos de trabalho como a francesa Josette Jolibert e seus
colaboradores, Fernando Hernández, pesquisador espanhol da Universidade de
Barcelona, Gandin, entre outros. Não tenho aqui a pretensão de fazer uma retrospectiva
histórica sobre a pedagogia de projetos tão bem descrita e desenvolvida por Freinet,
Dewey, Decroly, Bruner, Kilpatrick, Ausubel, dentre outros, mas sim de trazer alguns
pontos que demonstram sua importância no cenário da contemporaneidade. Para nossa
interlocução penso nos Projetos de trabalho, como um processo de decisão, de escolhas,
como postulam HERNANDEZ E VENTURA (1998):
Nesse sentido, a forma que trago de pensar sobre projetos extrapola a ideia de
muitas escolas sobre “fazer” projetos. Os projetos se constroem no cotidiano da práxis
pedagógica, diante das necessidades de desenvolvimento e construção de conhecimento
de uma turma de crianças ou jovens e adultos, ou podem ser pensados como forma de
organização do currículo de toda uma escola, levando em conta a comunidade, a cultura
e o tempo histórico em que estamos inseridos. Pensar projetos, planejar, é um ato
político, indispensável na atualidade. No planejamento estão traçadas as intenções
2 De acordo com o Ministério da Saúde, o Coronavírus “são uma grande família de vírus comuns em
muitas espécies diferentes de animais, incluindo o homem, camelos, gado, gatos e morcegos”(BRASIL,
2021). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/o-que-e-o-coronavirus. Acesso em: 13
de Jun. de 2022.
transformou-se em ciberespaço3, passamos a trabalhar com o hipertexto 4, tivemos que
nos apropriar não apenas de uma nova linguagem, mas de uma nova forma de ser
professor. As redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp, passaram a ser ferramentas
educacionais. Muitas questões, antes pouco discutidas como gamificação da educação,
sala de aula invertida, robótica educacional, educação maker, ganharam destaque. Mas
não basta “saber usar” as ferramentas, para Perrenoud (2000; 2001, p. 114), se a escola
tem a intenção de se manter como esse espaço privilegiado para a construção do
conhecimento, é urgente “promover novos papéis, desenvolver novas competências,
para professores e alunos”. Dessa forma o professor precisa ir além do conhecimento
tecnológico, ou seja, saber navegar na internet ou então dominar habilidades no
manuseio de softwares, mas, sobretudo, possuir conhecimento pedagógico para que
possa fazer um uso eficiente da tecnologia e uma leitura crítica das informações que se
apresentam desorganizadas e difusas na rede. Dessa forma, mais do que “aprender a
usar ferramentas”, fomos levados a pensar sobre novos conceitos, como por exemplo o
de leitura e escrita no mundo virtual. A escrita no meio cibernético coloca questões que
nos levam a repensar a relação entre fala e escrita e a relação entre texto, imagens,
ícones, sons, línguas etc. (DEMOLY, MARASCHIN e AXT, 2009). Para dar conta de
tantas demandas, muitos cursos de formação de professores surgiram com objetivo de
oferecer um domínio inicial do uso dessas ferramentas e fomentar discussões sobre
como construir professora (es) e alunas (os) para essa nova sala de aula, para outras
formas de ensinar e aprender. Existe uma forte aposta no fato de que todas essas
mudanças finalmente transformem a sala de aula tradicional do quadro negro e giz, do
espaço onde a professora (or) é o centro, para um novo tipo de educação onde o aluno
(a) é o protagonista.
No entanto, essa transformação só será significativa se ultrapassarmos a
superposição de ferramentas e atividades e avançarmos para um planejamento
integrado, interdisciplinar, globalizado. Nesse sentido, a velha pedagogia de projetos
tem muito a colaborar. Em obra publicada em 1994 (a e b), Jolibert e colaboradoras (es)
defendem o princípio de que se aprende participando, vivenciando sentimentos,
tomando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimentos para atingir determinados
3 Conforme define Lévy (1999, p. 92) ciberespaço é “como o espaço da comunicação aberto pela
interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”.
4 Nas palavras de Marcuschi “O hipertexto se caracteriza, pois como um processo de escritura/leitura
eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço”
(MARCUSCHI, 2007, p. 146)
objetivos. Ensina-se não só pelas respostas dadas, mas principalmente pela pesquisa,
pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação desencadeada.
Ao participar de um projeto, o aluno (a) está envolvido em uma experiência educativa
em que o processo de construção de conhecimento está integrado às práticas vividas.
Esse aluno (a) deixa de ser, nessa perspectiva, apenas “aprendiz” do conteúdo de uma
área de conhecimento qualquer. É um ser humano que está desenvolvendo uma
atividade complexa e que nesse processo está se apropriando, ao mesmo tempo, de um
determinado objeto de conhecimento e se formando como sujeito cultural. Nesse
momento, um sujeito imerso em uma cultura digital, embora o acesso ao digital seja
muito diferente e uma boa parte da população esteja excluída. Em obra editada no
Brasil, em 1998 e 2000, Hernandez, afirma que os projetos de trabalho representam uma
nova postura pedagógica, coerente com uma nova maneira de compreender e vivenciar
o processo educativo de modo a responder a alguns desafios da sociedade atual. Nesse
sentido, evidencia-se uma ruptura com a visão tradicional de educação. Não se trata,
portanto, de uma mera técnica, mas de uma maneira de compreender o sentido da
escolaridade baseada no ensino para compreensão, que é uma atividade cognoscitiva,
experiencial, relacional e investigativa. Essa perspectiva dialoga perfeitamente com o
momento que vivemos. “Quando tudo isso passar”, frase recorrente nesse cenário
pandêmico, esperamos que essa maneira de compreender a escolaridade faça parte dessa
"nova escola". Os projetos precisam ser uma das formas de organizar o ensino não
apenas nos meios virtuais, mas na escola presencial, não apenas nos momentos
assíncronos, mas também nos momentos síncronos. Importante não perdermos essa
perspectiva descortinada no espaço virtual, mas também que tenhamos em mente o
principal: o planejamento não deve ser domínio apenas da professora/ professor, mas
sim compartilhado com o aluno (a) que é corresponsável não apenas pelo
estabelecimento de metas mas também pela avaliação do trabalho realizado. Os projetos
são importantes e necessários no período pós pandêmico para que não percamos os
ensinamentos desse momento em que fomos submetidos a tantas novas aprendizagens.
Esperamos que esse novo cenário, sejam cada vez mais comuns os projetos que
envolvam a escola como um todo, que enfatizem a perspectiva lúdica, o uso de jogos, o
desenvolvimento de conceitos como o de letramento literário, letramento digital e outros
letramentos5, a educação ambiental, o trabalho com as diferenças, entre tantas outras
5 O conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos numa tentativa de separar os
estudos sobre o “impacto social da escrita” dos estudos sobre alfabetização, cujas conotações escolares
destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita (OLIVEIRA, 1995, p. 15/16 )
questões necessárias. Independente do projeto a ser trabalhado, que a participação da
comunidade e o trabalho com a solução de problemas reais estejam presentes. Esses
aspectos tornam o trabalho com projetos atual e necessário para a formação desse novo
aluno (a) e dessa nova professora/ professor que tanto precisamos para esse mundo novo
ou como diria Tecelina “a gente inventa e tudo o que a gente tenta se transforma em
coisa nova”.
REFERÊNCIAS
JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Porto Alegre : Artes Médicas, 1994a. v.1