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CAPÍTULO 1 – PARA INÍCIO DE CONVERSA

Neste capítulo apresento a introdução do texto completo. Inicialmente optei por discutir o
status atual da atividade de marketing, para somente depois seguir por uma apresentação da evolu-
ção histórica de marketing, desde o início do século XX. Esta discussão viabiliza o debate sobre o
objeto de marketing, e a uma discussão mais profunda do que é marketing e qual sua missão en-
quanto área acadêmica e profissional.

1.1. Uma realidade: expansão da oferta e da demanda de marketing

Qualquer pessoa que se aproxima do universo empresarial, seja como gestor ou como estu-
dioso, provavelmente ouve diversos discursos e debates em torno da palavra ‘marketing’. Marke-
ting, que substituiu no Brasil a antiga expressão mercadologia, ganhou interesse crescente nos úl-
timos anos, e recorrentemente é citado como a causa do sucesso de empresas, de políticos, de pro-
dutos, de idéias, de lugares, de eventos...
Acredito que uma das causas da popularidade que marketing ganhou foi é a forte propagan-
da em torno da área (em uma espécie de marketing do marketing), além da contribuição dos cursos
ofertados na área, que se tornaram muito demandados por pessoas que almejam se tornarem ‘pro-
fissionais de marketing’. Uma consequência mais evidente foi a oferta, no Brasil, de cursos de for-
mação superior na área, normalmente como habilitação nos cursos de graduação em Administra-
ção, ou ainda como cursos de especialização.
Com efeito, desde a década 2000, as habilitações em marketing, ou os cursos de especializa-
ção na área, tornaram-se produtos obrigatórios no portfólio de oferta das instituições de ensino
superior, tanto públicas quanto privadas. Além destes cursos, também são recorrentemente oferta-
dos cursos de extensão por institutos de aperfeiçoamento do trabalho (como SENAC, SEBRAE, den-
tre outros) com vinculação a marketing, tais como cursos de pesquisa de mercado, qualidade de
atendimento, ou gestão de vendas.
Podemos defender que se institucionalizou no Brasil uma indústria da educação em marke-
ting, que é provavelmente a parte mais significativa da indústria da educação em Administração
(para um debate interessante sobre isto, embora ainda dos anos 1990, recomendo a leitura do livro
Os bruxos da administração1). Sem partir para uma crítica exagerada, devemos antes buscar enxer-
gar os benefícios da oferta e do consumo de algo tão útil quanto a prática e a filosofia de marketing.
Não temos qualquer dúvida de que muitos profissionais ganharam formação consistente e,
acreditamos, estão produzindo resultados positivos no gerenciamento de atividades de marketing
das organizações onde atuam. O mais interessante destes movimentos em torno de uma área de
conhecimento é que se gera uma espiral, ou seja, ao mesmo tempo em que marketing gera receitas
para instituições de educação e consultoria, estas trazem investem na difusão do conhecimento e
das práticas de marketing, e assim segue.
Além do valor para a própria área de marketing, a popularidade da disciplina é também mui-
to bem vinda para os que militam nela, e traz uma reputação positiva para todos aqueles que estão
diretamente envolvidos, sejam pesquisadores, professores, estudantes ou gestores. Isto desenca-
deia uma maior demanda por atividades de formação, pesquisa de mercado, consultoria, além, na-
turalmente, de maior poder nas unidades organizacionais responsáveis pelas atividades típicas de
marketing.
Resta saber, por outro lado, e depois de mais de cerca de duas décadas de intensa oferta e
exploração de conhecimento e técnicas de marketing, o que ficou de substantivo para a área. Natu-
ralmente, esta dúvida não encontra resposta fácil. A crença acima relatada de que houve elevação

1 MICKLETHWAIT, J.; WOOLDRIDGE, A. Os bruxos da administração. Rio de Janeiro: Campus, 1998. Este livro

desenvolveu uma visão estrutural do que os autores chamaram de indústria da Administração, que, sintetica-
mente, se baseia em três bases: a indústria de consultoria, os gurus gerenciais, e talvez a maior, a indústria da
educação gerencial. No contexto da educação certamente marketing fornece alguns dos principais produtos.
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de reputação e aperfeiçoamento nas práticas parece encontrar respaldo na realidade dos fatos, mas
não é uma crença facilmente mensurável, e, até onde pudemos verificar, nunca foi realizado um
esforço sistemático de avaliação neste nível.
É bom que se diga: crenças não respondem adequadamente aos problemas, mas atendem
bem às demandas mais imediatas. Assim, sou adepto da visão mais otimista. Pessoalmente, sempre
preferi compreender que tudo foi muito bom (e pessoalmente ganhei com isto, afinal sou um pro-
fessor de marketing!), e que deveríamos seguir pensando no desenvolvimento profissional e educa-
cional de marketing no Brasil, na crença de que marketing é uma disciplina acadêmica e profissio-
nal com potencial de gerar uma contribuição real para o desenvolvimento nacional e para o aperfei-
çoamento das relações entre demandantes e ofertantes.
Mas as questões colocadas são muitas, e precisamos, acredito, ir mais além no debate sobre
marketing, e superar uma visão ‘ufanista’, que é típica de muitos consultores, palestrantes e ‘curan-
deiros’ organizacionais, que ganham a vida enaltecendo a área e fazendo crer que o segredo do
sucesso dos empreendedores está em algumas táticas espetaculares de marketing.
Contudo, como um profissional que busca modalizar o discurso ufanista, não deixo de me
perguntar sempre: como fica a disciplina, que em si não guarda quaisquer segredos espetaculares
ou poderes mágicos sensacionais (se existem não os encontrei ainda)? Indo mais longe, como mar-
keting, que é uma área de conhecimento fortemente associada ao universo organizacional, se situa
na estrutura dos organogramas? Afinal, em marketing há motivos para ser considerada uma área
realmente relevante para a Administração? Marketing tem alguma importância para os empreen-
dedores e os gestores públicos e sociais, ou é apenas uma miragem usada por profissionais oportu-
nistas? Se tem, como deve ser compreendida? E se não tem, por quais razões?
Antes de parecer que responderei a estas questões, quero informar que não sei as respostas,
e que, se soubesse, faria questão de dizer. Mas também duvido que alguém saiba realmente as res-
postas, e se alguém disser que sabe, tenha certeza que pode ser tipificado, facilmente, dentre as
categorias de profissionais acima (curandeiros...), e recomendo fortemente aos leitores: não dêem
tanto crédito!
A razão é simples: estamos diante de questões que não têm respostas fáceis e nem definiti-
vas. Sobre questões desta natureza nós podemos debater e formar uma opinião, por vezes mais
niilista, por vezes mais otimista. Optei por uma posição aqui: debateremos as questões, mas sem
niilismo e sem ufanismo, e pretendo com isto construir uma visão que considero mais realista, e
que permite aos interessados e aos estudiosos tomar uma posição mais consistente. Mais que isto, e
considerando que marketing não é uma questão de crença, mas de pensamento, teoria, pesquisa e
ação, pretendo ao final deste nosso trabalho apresentar uma proposta amplificada de marketing,
para além da visão restrita de marketing como atividade gerencial, e a pior de todas, de marketing
como propaganda. Discutimos sobre isto a seguir.

1.2. Uma revisão de status

Vamos recorrer à história (ao longo do texto, resgatarei diversos aspectos históricos relevan-
tes para fundamentar as ideias postas), e vejamos de onde tudo partiu. Os primeiros movimentos
em torno de marketing surgiram no início do século XX, com as preocupações de alguns teóricos em
compreender aspectos associados às tipologias de produtos, aos esforços de distribuição, e de insti-
tucionalização (em um nível teórico) de uma missão de gerenciamento do atendimento aos deman-
dantes de organizações (atualmente chamados clientes). As questões da época (e que ainda hoje
são preocupações relevantes) eram as seguintes: como podemos diferenciar as diversas possibili-
dades de oferta? Como devemos gerenciar o processo de distribuição de produtos e serviços? Como
devemos atender aos clientes, fazendo chegar a oferta até eles? Ou ainda, quais as atividades orga-
nizacionais que se associam ao gerenciamento do processo de troca, desde a saída do produtor até
a chegada do produto ao destino final?
Estas atividades, até a primeira metade do século XX, eram parte integrante da área de eco-
nomia, uma disciplina bem consolidada academicamente, e com uma estrutura de educação formal
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já institucionalizada. No entanto, estes movimentos iniciais foram suficientes para que se desenca-
deasse um esforço ampliado de criação de uma teoria de marketing, que logo sairia do escopo da
Economia, dado o próprio distanciamento temático que a área ganhou ao longo dos anos.
A obra do primeiro grande pensador de marketing, o americano Wroe Alderson, já sinalizava
o distanciamento existente entre a visão econômica e a teoria de marketing, e que esta vinculação
temática era insustentável2. A atividade intelectual de Alderson foi bastante para que se pensasse
em um reposicionamento da área em termos acadêmicos, e a disciplina achou um bom lugar no
escopo da área de administração, já entre as décadas de 1950 e 1960.
A própria área de administração seguia seu desenvolvimento temático e disciplinar havia
pouco mais de meio século, o que, em definitivo, é muito pouco tempo para uma área se mostrar
como tal. Basta observar os textos mais recentes de teorias da administração para ver que foi de-
pois deste período (décadas de 1950 e 1960) que a Administração teve seus maiores saltos de de-
senvolvimento.
É nesse período que a administração também inicia a incorporação da disciplina de estraté-
gia empresarial, que, assim como marketing, está fortemente presente no discurso e na educação
em administração no Brasil e no exterior. No entanto, tal incorporação não foi tão fácil como pode
parecer, até porque no seio temático de marketing (ou o que se achava que marketing tinha como
seio temático; depois falaremos mais neste assunto), corria paralelo o forte desenvolvimento dos
estudos sobre o consumo e o consumidor, nos primórdios da atualmente bem desenvolvida e bem
reputada disciplina de ‘comportamento do consumidor’.
Em marketing, foram justamente os estudos de visão gerencial, que passaram a ser chama-
dos de ‘administração de marketing’, e de análise do consumidor, na disciplina de comportamento
do consumidor, que deram o norte do grande desenvolvimento de marketing como uma área que
não precisava de uma área mãe, ou seja, não se verificava qualquer necessidade de vinculação, nem
à economia, como fora no passado, nem mesmo à administração, como passara a ser. Se assim o
fosse, também marketing poderia ser em pouco tempo uma disciplina vinculada à área acadêmica e
profissional de psicologia, afinal eram os psicólogos os grandes provedores de conhecimentos e
pesquisas consistentes na disciplina de comportamento do consumidor.
Quero inserir aqui a discussão sobre a condição acadêmica de marketing, que se desencadeia
a partir destas considerações acima. Pelo exposto, daria para concluir, a partir da experiência, e
nem precisa que esta experiência seja tão grande assim, que o discurso de uma vinculação hierár-
quica de marketing a outras disciplinas era um problema sem solução, e qualquer proposta seria
sempre polêmica. O pensador Philip Kotler (que é bom que se diga, é muito mais que o autor de seu
livro de ‘Administração de marketing’, tendo sido um grande pensador da área, desde a década de
1960), chegou a sugerir, em um artigo sobre o conceito de marketing já em 19723, que desde a dé-
cada de 1960, marketing teria se transformado em uma ‘ciência comportamental aplicada’ (não
exatamente da psicologia, diga-se), depois de ter sido um ramo da economia aplicada, e uma disci-
plina de administração.
Devo acentuar aqui que este debate não terminou até hoje, e mesmo considerando o enorme
desenvolvimento acadêmico e profissional de marketing, não há muita segurança quanto ao status
acadêmico de marketing, ou seja, não se tem segurança ainda se marketing é somente parte da área
acadêmica e profissional da administração, se é parte da área profissional de comunicação, se é
parte da área acadêmica da psicologia, ou se é uma área independente, que por conveniência é es-
tudada no âmbito destas áreas, que são mais consolidadas e tem maior espaço no universo da for-

2 A obra de Alderson é considerada o primeiro grande esforço de consolidação temática de marketing. O pen-

sador tem o reconhecimento quase que generalizado da academia de marketing, e seu pensamento está pre-
sente em praticamente tudo o quanto se desenvolveu posteriormente na área, de modo especial a teoria das
trocas, comentada aqui. Para quem tiver interesse em uma revisão atualizada do pensamento e da contribui-
ção de Wroe Alderson para marketing, recomendo a leitura do seguinte artigo: BROWN, S.. “Reading Wroe: on
the biopoetics of Alderson’s functionalism”. Marketing Theory, v. 2, n. 3, p. 243–271, 2002.
3 KOTLER, P. A generic concept of Marketing. Journal of Marketing, v. 36, p. 46-54, apr. 1972.
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mação universitária (administração, comunicação e psicologia).


Pessoalmente, e a despeito de ter toda a minha formação em administração, defendo uma vi-
são ampliada de marketing neste debate. Posiciono o conhecimento e a prática de marketing no
âmbito das chamadas ciências sociais, e a vejo no mesmo nível das demais disciplinas citadas (po-
deríamos ter citado ainda outras), ou seja, vejo marketing como uma área acadêmica, que, como
todas as ciências sociais, dialoga e se apropria de teorias e práticas de outras áreas acadêmicas, mas
que possui um certo nível de independência temática, metodológica e epistemológica.
Este pensamento é, naturalmente, polêmico, e sei que muitos que lerem o que escrevi acima
pensarão que meu propósito é dar status ao que faço. Mas aproveito para dizer que não sou uma
voz isolada neste pensamento, e me alio a alguns dos maiores pensadores de marketing da atuali-
dade, tais como Jagdish Sheth ou Shelby Hunt.
Desconsideremos temporariamente a potencial polêmica destes últimos parágrafos, e retor-
nemos aos anos de 1960. Em paralelo ao enorme avanço que marketing ganhou do ponto de vista
acadêmico, a difusão dos conceitos de marketing no universo profissional foram fortemente poten-
cializadas pelo desenvolvimento dos primeiros livros de marketing, que traziam as grandes metaa-
nálises descritivas (especialmente em comportamento do consumidor), e as grandes obras integra-
tivas e normativas de administração de marketing.
É desta época que vêm os estudos dos 4Ps (produto, preço, distribuição e promoção), de Je-
rome MaCarthy, e a obra de maior referência em marketing desde então, que foi o livro Administra-
ção de marketing, de Philip Kotler4. Desde então, é possível delinear algumas rotas de desenvolvi-
mento de marketing, que sintetizo aqui os dois eixos centrais (o critério de referência é o contexto
de uso do conhecimento estruturado, que remete a um contexto de aplicação mais direta na esfera
gerencial, e um contexto de uso mais especulativo e de avanço no conhecimento, em uma forma que
optei por chamar de acadêmica).

1.2.1. Eixo 1 - o marketing gerencial

Por um caminho, tivemos o desenvolvimento profissional de marketing ancorado no modelo


de pensamento estruturado, especialmente, por Philip Kotler e seus seguidores. A proposta de mar-
keting difundida por Kotler alcançou um nível de repercussão e receptividade tão grande que trans-
formou sua obra em um dos maiores sucessos editoriais da área de negócios. Com efeito, a obra
central de Philip Kotler (seu livro Administração de marketing), repete o sucesso obtido todos os
anos, estando sempre entre os mais vendidos da área, e sendo seguramente o livro de marketing
mais citado e mais lembrado. Chamaremos este eixo de desenvolvimento de ‘marketing gerencial’.
Não teríamos espaço para aprofundar discussão sobre os elementos deste modelo, mas não
podemos deixar de repassar do que se trata, rapidamente (peço da concessão de espaço aos que já
conhecem). Vejamos, então, o framework do livro Administração de marketing de Philip Kotler, que
norteia muito do conteúdo dos demais (não me baseei em qualquer edição em especial):
• Inicialmente, tem-se uma discussão do que seja marketing, e em especial, de quais as orienta-
ções que marketing desenvolveu nos últimos 100 anos;
• Em seguida, defende-se a importância de uma visão estratégica e planejada de marketing, o que
desencadeia uma discussão sobre os aspectos mais relevantes para implementar esta visão,
quais sejam: a análise ambiental e a pesquisa de mercado. Para a efetivação, utilizam-se as po-
tencialidades do sistema de informações de marketing;
• No terceiro momento, têm-se os tópicos referentes ao consumidor, com a avaliação da relevân-
cia da satisfação e do valor para o cliente, além de outros aspectos associados ao comportamen-
to dos consumidores. Em conjunto, têm-se os procedimentos de definições estratégicas de mar-
keting, especificamente: segmentação, definição de alvo, e, posicionamento;

4 A primeira obra de Kotler foi intitulada ‘Marketing Management: Analysis, Planning, and Control’, com publi-

cação pela editora Prentice-Hall (Englewood Cliffs, NJ.), no ano de 1967. O autor publicou a obra sozinho por
39 anos, até 2006, quando foi adicionada a co-autoria de Kevin Keller para sua 12ª edição.
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• A etapa seguinte traz as decisões gerenciais associadas ao composto de marketing (produto,


preço, distribuição e promoção), vindo normalmente mais de um capítulo por elemento;
• Ao final, são tratados os aspectos de integração de ação, os tópicos de relacionamento organiza-
cional associados à implementação, e controle das atividades de marketing.

Figura 1.1 – Modelo de Administração de marketing

Fundamentos conceituais e
filosofias de marketing

Planejamento estratégico e
pesquisa de marketing

Modelo geral de Admi- Comportamento do cliente


nistração de marketing e recortes estratégicos

Gestão do composto de
marketing

Implementação, análise e
controle

O modelo poderia ainda ser sintetizado assim: trata-se de tomar o objeto de marketing (seja
este em um nível genérico ou aplicado a uma área qualquer, como educação ou esportes, por exem-
plo); avaliar, por meio do sistema de informações de marketing, o ambiente e o consumidor; desen-
volver o planejamento estratégico de marketing; e, em seguida, desenvolver o plano de ações do
composto de marketing, implementar e controlar as ações e os resultados. Com pequenas diferen-
ças, trata-se de tomar o frame mais genérico do processo gerencial (planejamento, organização,
execução e controle), e aplicá-lo ao objeto de marketing! Uma ilustração do modelo está exposta na
figura 1.1. Até aí tudo parece ser fácil, mas o processo de desenvolvimento, ao longo dos anos, de
uma proposta compreensível e consistente não foi algo tão fácil assim.
O material teórico do marketing gerencial são os livros didáticos juntamente com os ‘livros
de mercado’. Os didáticos são dirigidos principalmente aos estudantes de marketing ou administra-
ção, e secundariamente aos executivos ou aos acadêmicos, ao passo que os livros de mercado são
dirigidos primariamente a executivos, e secundariamente a estudantes, professores e acadêmicos.
Esta literatura, por vezes, opera em um nível genérico, sem direcionamento específico para qual-
quer setor ou produto, e, por vezes, vai a um nível especializado, como os livros específicos para a
indústria turística, por exemplo, ou livros sobre serviços.
Em qualquer circunstância, a característica central da estrutura de tópicos e da linguagem
destes livros mantém o foco na ação, e nos potenciais resultados desta ação. Em outras palavras, os
materiais do marketing gerencial são normalmente prescritivos, ou normativos, e eventuais focos
em descrições são para ilustração de aplicações e resultados de ações propostas.
O próprio Philip Kotler utilizou o framework do marketing gerencial na grande maioria de
suas obras, conduzindo seu modelo, quase sempre em coautoria, para diversos contextos de aplica-
ção, e norteando o desenvolvimento das áreas de marketing gerencial aplicado. Alguns exemplos
são suas obras de ‘Marketing para organizações que não visam ao lucro’ (1978), Marketing social
(com Eduardo Roberto, 1992), Marketing educacional (com Karen Fox, 1998), Marketing de servi-
ços profissionais (com Paul Bloom e Thomas Hayes, 2002), Marketing de lugares (com Irving Rein,
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Donald Haider, e David Gertner, 2005), e Marketing esportivo (com Bem Shields e Irving Rein,
2007). As referências bibliográficas trazem uma lista completa da obra de Philip Kotler. Somente no
Brasil, no ano de 2014, havia cerca de 30 obras do autor (com as coautorias), publicadas em diver-
sas editoras, e algumas com mais de uma edição.
Não é estranho que um autor produza tanto em uma carreira de aproximadamente 50 anos
de dedicação ao desenvolvimento de uma área, e Kotler passeia, através de seus livros, pelos mais
diversos campos de aplicação de marketing. Mas temos uma observação que é central: as aplicações
que Kotler faz, e que o faz com uma grande maestria, são facilitadas pela forma como transfere o
framework do marketing gerencial para todos estes contextos5. Quando analisamos as obras de
Kotler que não tem um pressuposto de aplicação observamos o mesmo. Basta verificar os conteú-
dos dos livros Princípios de marketing e Introdução ao marketing (desenvolvidos em co-autoria com
Gary Armstrong), e vemos que também lá está o modelo geral de desenvolvimento presente no
livro Administração de marketing.
Se isto já parece de alguma forma familiar aos que estudam ou lêem sobre marketing de ma-
neira mais freqüente, surpreende ver o que outros autores de livros sobre marketing gerencial
propuseram. Basta olhar o sumário de muitos destes livros (no Brasil temos alguns bem conheci-
dos, que peço licença para não citar, mas recomendo uma rápida observação em passeios por livra-
rias), e facilmente se verifica que o livro parece repetir o sumário da obra de Kotler. Em alguns
casos, ao se adentrar nos conteúdos destes livros, chegamos a observar que não só o sumário, mas
inclusive o estilo expositivo e mesmo as idéias que guiam o desenvolvimento dos parágrafos são
fortemente associados aos livros de Philip Kotler (aos interessados, deixo o desafio de colocar os
livros de alguns autores e o de Kotler lado a lado, para ter a sensação de estar lendo a mesma coisa).
Mas algo de positivo está presente neste esforço de produção de uma teoria nacional, que é a
apresentação de exemplos e situações práticas com base no Brasil. Cito como exemplos de bons
resultados neste sentido as grandes contribuições dos livros do professor Marcos Cobra6, prova-
velmente o mais produtivo autor brasileiro da área, como também o livro do professor Juracy Pa-
rente7 (que manteve foco mais específico em varejo), e da obra dos professores André Urdan e Flá-
vio Urdan8. Reforço ainda que a dificuldade de se distanciar do framework do marketing gerencial
não é prática somente de alguns autores brasileiros, e nem isto é algo totalmente negativo ou indi-
cativo de falta de originalidade. Antes, indica a adesão a um padrão interpretativo daquilo que é
marketing, ou mais especificamente, do que é Administração de marketing.
A força do modelo do marketing gerencial, em especial aquele associado à obra de Philip
Kotler, não chegou somente ao Brasil. Em verdade, Kotler é uma referência mundial em marketing,
e não demoraria até que alguém iniciasse um esforço sistemático de sua contestação. E não haveria
contexto mais apropriado que o debate sobre pós-modernidade, que ganhou a atenção de grandes
intelectuais europeus desde o início do século XX, e que chegou em marketing por meio de alguns
pensadores, de modo mais enfático na obra do irlandês Stephen Brown, que cunhou a palavra ‘klo-
terite’ para se referir ao surto de uma visão de marketing restrita ao pensamento e ao framework de
Kotler, e que vem sistematicamente realçando a importância de uma visão alternativa ao modelo
gerencial, um modelo forte demais para um contexto pós-moderno de fragmentação das grandes
estruturas. Para quem quiser ter um contato inicial com a proposta Brown, recomendo a leitura do

5 A leitura das obras aplicadas do autor ilustra bem as conseqüências desta observação: algumas delas (não

todas, diga-se) trazem a mesma lógica, adaptada para os diferentes contextos, mas sem se distanciar de sua
estrutura central.
6 A principal referência aqui é: COBRA, M. Administração de marketing no Brasil. São Paulo: Campus, 2008.

Além deste, o professor Marcos Cobra tem dezenas de livro, versando sobre aspectos os mais diversos de apli-
cação de marketing (luxo, turismo, cultura, vendas...), todos recomendados para interessados nos diversos
temas.
7 PARENTE, J. G. Varejo no Brasil. São Paulo: Atlas, 2001.
8 Cf. URDAN, F.; URDAN, A. Gestão do composto de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013; URDAN, F.; URDAN,

A. Marketing estratégico no Brasil. São Paulo: Atlas, 2011.


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artigo Kotler is dead!9, publicado com pseudônimo de Alan Smithee.


Sem considerar aqui as motivações de ganhos pessoais de Stephen Brown, devemos acima de
tudo reconhecer o valor de uma crítica bem construída, e mais que isto, que nos alerta para a neces-
sidade de expansão dos horizontes de marketing. Devo dizer, e minha experiência me dá respaldo
para o que falo, que na cabeça da grande maioria das pessoas que tiveram uma iniciação ao marke-
ting, não se tem outra visão além daquela do marketing gerencial ou do estilo Kotler.
Os cursos de graduação em administração, que são os maiores propagadores, têm por obri-
gação desenvolver este conhecimento, e não se poderia esperar algo diferente da forte difusão que
tem o conhecimento de administração de marketing. Porém, os demais cursos, como comunicação
social ou publicidade & propaganda, quando se desenvolve contato com marketing, é sempre a
partir do modelo gerencial.
De um modo geral, somente nos cursos de pós-graduação mais avançados, especialmente os
cursos de orientação acadêmica (como os mestrados acadêmicos e os doutorados) conseguem ir
além da visão construída nesta primeira rota de desenvolvimento de marketing, abordando outros
aspectos da teoria mercadológica. Mas ainda assim, ressalvando algumas poucas exceções, a abor-
dagem mesmo na pós-graduação é centrada na perspectiva do interesse gerencial (pior ainda, com
direcionamento restrito a organizações do tipo empresarial). Uma das exceções é o Programa de
Pós-Graduação em Administração da UFPB, que vem desde o ano de 2009 direcionando atividades
de pesquisa e formação para além desta vocação.
Antes de finalizar meus comentários sobre este primeiro caminho de desenvolvimento de
marketing a partir do início da segunda metade do século XX, quero deixar dito que, pessoalmente,
e como um dos difusores do conhecimento de marketing na orientação gerencial, sou grande apre-
ciador do modelo de administração de marketing desenvolvido por Philip Kotler. Mais que isto, e
tenho dito a meus alunos que, sem sombra de dúvidas, Kotler é o melhor autor naquilo que se pro-
põe a fazer, e digo isto mesmo considerando grandes autores e grandes obras com a mesma orien-
tação.
Sou mais enfático, e quero crer que não há muitas dúvidas no universo acadêmico e profissi-
onal de marketing de que o modelo gerencial de Kotler está acima de qualquer outra proposta con-
corrente (que, aliás, são raras). O próprio Stephen Brown reconhece que Kotler e seu modelo são os
principais formadores da geração de profissionais e pensadores de marketing que vieram a partir
dos anos 1970 (é bom que se diga, a grandiosidade de Philip Kotler é bastante para que o mesmo
seja autor do prefácio do interessante livro The Marketing Code, de Brown10).
Com efeito, não haveria como negar o valor de uma proposição de marketing que está direci-
onada à aplicação do conhecimento da área ao universo empresarial, com foco no que os agentes
envolvidos no processo de gestão devem fazer, e, melhor que isto, com métodos, técnicas e modelos
aplicáveis a todo o processo gerencial de marketing. Adicionalmente, e em razão desta demanda,
quase tudo o quanto se faz e se pensa em marketing acha lugar na preocupação gerencial, e os li-
vros de administração de marketing acabam trazendo sempre um pouco de quase tudo que se pen-
sa e se faz em torno da área. Isto os faz excelentes referências para iniciação ou revisão de marke-
ting, o que reforça o valor de sua existência.
Porém não é só isto! Ainda bem que não é só isto! E veremos por que nos comentários a se-
guir sobre a segunda rota que marketing tomou a partir dos anos 1960.

9 SMITHEE, A. Kotler is dead! European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, p. 317-325, 1997. Uma análise critica
do modelo Kotler de marketing também pode ser encontrado no artigo: BROWN, S. Vote, vote, vote for Philip
Kotler. European Journal of Marketing, v. 36, n. 3, p. 313-324, 2002. Sobre a visão pós-moderna de marketing,
recomendo especialmente os artigos: ADDIS, M.; PODESTA, S.. “Long life to marketing research: a postmodern
view”. European Journal of Marketing, v. 39, n. 3/4, p. 386-412, 2005; BROWN, S. Postmodern marketing. Euro-
pean Journal of Marketing, v. 27, n. 4, p. 19-34, 1993.
10 A referência é: BROWN, S. The Marketing Code. London, Cyan, 2006. Trata-se de um romance que se baseia

na trama do livro O Código da Vince, de Dan Brown, mas com a história em torno de marketing e suas institui-
ções.
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1.2.2. Eixo 2 - o marketing como área acadêmica

Para iniciar este ponto, e considerando o que foi discutido acima sobre o modelo gerencial de
marketing, aproveito para colocar o argumento do próprio Philip Kotler sobre o que este conside-
rava marketing. Em seu artigo do início da década de 1970 que discutia o conceito de marketing11, o
pensador defende a idéia de que marketing não é a mesma coisa que administração de marketing.
Em um esforço de definição, o autor diz que marketing é “uma ciência descritiva que envolve o es-
tudo de como as transações são criadas, estimuladas, facilitadas e valoradas” (p. 52). Em contraste,
a administração de marketing seria a “ciência normativa que envolve a criação e a oferta eficiente
de valores que estimulam transações desejadas. A administração de marketing é essencialmente
uma visão disciplinada da tarefa de alcançar respostas específicas em outros sujeitos, por meio da
criação e oferta de valor” (p. 52). Não seriam necessários outros comentários para justificar a dife-
rença, depois de tão elucidativa proposta de distinção.
Pessoalmente defendo e aplaudo o valor deste esforço, que foi publicado há mais de 30 anos,
e que mantém uma atualidade incrível. Porém aproveitarei para ir mais longe no debate, em especi-
al porque isto oportuniza a discussão sobre a definição de marketing, aspecto controverso e sem
possibilidade de solução (como acadêmico de marketing, digo: ainda bem que a definição não parou
no tempo). Falaremos sobre isto no item seguinte, mas antes quero comentar algo mais sobre esta
diferenciação.
Vejam bem: haveria, segundo apontado, ‘um’ marketing que não seria a ‘administração de
marketing’, de orientação agora mais descritiva. Assim, ao passo que a administração de marketing
seria um corpo de conhecimentos orientados ao desenvolvimento da ação, e por conseqüência do
aperfeiçoamento das relações de mercado, teríamos também uma preocupação com um ‘conheci-
mento’ de marketing desinteressado, e que, de forma imediata, não se direcionaria a aplicações, e
cujo interesse poderia ser restrito a apreciadores ou acadêmicos.
Isto enseja a compreensão do que atualmente se tenta consolidar como uma ‘ciência de mar-
keting’, ou seja, um corpo de conhecimento estruturado e orientado à compreensão do fenômeno de
marketing, que teria possibilidades de chegar ao nível das aplicações, mas não teria isto como pré-
requisito de valor. Antes que isto pareça algo impróprio para uma visão mais aplicada de marke-
ting, quero deixar bem claro que é este modelo que norteia a segunda rota de desenvolvimento de
marketing a partir do movimento de expansão da área nos anos de 1960.
Em verdade, a segunda área de maior desenvolvimento em marketing desde então, que é
comportamento do consumidor, sempre teve isto muito claro: muitos dos estudos desta área são
baseados em teorias e modelos de outras áreas (especialmente Psicologia, Sociologia, e Antropolo-
gia), e, ainda que possam ser utilizados em esforços aplicados, nunca precisaram ter isto como pré-
requisito de desenvolvimento.
Em paralelo ao desenvolvimento de ferramentas e técnicas de aplicação gerencial, marketing
passou por um forte desenvolvimento de estudos e pesquisas que buscaram se pautar na utilização
de métodos científicos. Apesar das contestações (que, aliás, são recorrentes em todos os esforços de
pesquisas nas ciências sociais), a produção de conhecimento em marketing por um grande número
de autores foi ganhando a linguagem e o rigor dos textos de orientação científica, com um esforço
de formação de um conjunto de conhecimentos com construção metodológica rigorosa, e que ser-
visse de base para os desenvolvimentos posteriores. É bom ressaltar: estes estudos e modelos em
grande parte se baseavam, e ainda se baseiam, nos mesmos tópicos convencionais dos livros de
administração de marketing, tais como preços, inovação de produtos, atividades de segmentação...
Mas vão muito além disso.
A razão desta semelhança temática é simples de se compreender: tanto os esforços de mar-
keting acadêmico quanto os esforços de marketing gerencial são parte do mesmo eixo temático de
marketing. Mesmo havendo tópicos mais específicos, especialmente nos esforços de marketing

11 KOTLER, P. A generic concept of marketing. Journal of Marketing, v. 36, p. 46-54, apr. 1972.
12

acadêmico, na grande maioria dos casos os resultados de pesquisas acadêmicas interessam aos que
estão envolvidos com atividades gerenciais (afinal, e afora controvérsias epistemológicas e/ou de
rotulação, marketing é uma atividade das ciências sociais aplicadas).
Se fizermos uma revisão rápida dos textos e materiais que são produtos da arena de marke-
ting acadêmico descobriremos os motivos pelos quais são tão desconhecidos da grande maioria das
pessoas. Em boa parte, são textos áridos, com linguagem travada pelos requisitos da cientificidade,
e uma quantidade razoável é baseada em métodos matemáticos e estatísticos sofisticados demais
para a grande maioria dos interessados em marketing. Deixo como recomendação uma ‘olhada’ em
artigos dos periódicos ‘Journal of Marketing Research’, ‘Marketing Science’, e ‘Quantitative Marketing
and Economics’. Para quem não gosta de cálculos e estatísticas não deverá ser uma tarefa muito
agradável!
Tenho que admitir que, comparativamente, é muito mais agradável ler um capítulo de qual-
quer livro de administração de marketing do que ler qualquer texto destes periódicos. Confesso isto
sem receios, e vejam que sou um acadêmico dos mais apreciadores de métodos quantitativos e
pesquisas metodologicamente sofisticadas.
Explica-se aí também porque marketing fora do círculo da administração de marketing acaba
sendo algo de interesse muito restrito. Como informei acima, chegamos quase sempre a ir mais
além da administração de marketing em cursos de mestrado e doutorado, que são, em uma visão a
priori, mais devotados ao desenvolvimento científico, e nos quais a leitura das fronteiras do conhe-
cimento mais avançadas são alcançadas e superadas. Deixo dito: aos que querem seguir carreira em
marketing pela via de mestrados e doutorados, pensem bem se estão preparados para esta visão e
esta leitura de marketing (e revelo a todos: é um universo sensacional, do qual eu, pessoalmente,
jamais me afastarei).
Mas reforço, também o marketing acadêmico não é somente uso de linguagem travada e
formulações matemáticas e estatísticas. Várias linhas de produção e literatura acadêmica procuram
o rigor mantendo a linguagem fluida, e, para alegria de muitos, sem precisar de cálculos. Veja-se,
por exemplos, os trabalhos na forma de livros e artigos publicados sobre história de marketing
(marketing history), teoria de marketing (marketing theory), e vários estudos de base qualitativa da
arena de comportamento do consumidor, ou mesmo diversos estudos de casos associados à estra-
tégia mercadológica.
Este texto que apresento é um exemplo de uma tentativa de diálogo entre uma visão profis-
sional de marketing, mas que procura manter um nível de rigor próprio da área de marketing aca-
dêmico. Se o(a) leitor(a) compreende e consegue correr estas páginas, estará vivenciando a experi-
ência de uma leitura acadêmica, que se distancia do padrão de administração de marketing, des-
crito em nosso primeiro eixo.
O marketing acadêmico, a despeito da pouca difusão além dos círculos dos encontros cientí-
ficos, das revistas e dos livros, e das disciplinas de cursos de mestrado e doutorado, se mantém
como um sustentáculo fundamental do desenvolvimento do pensamento de marketing que chega
até as aplicações no universo organizacional.
Segue-se um caminho de desenvolvimento, que, em curtas palavras, pode ser assim des-
crito12:
• A realidade prática gera demandas de decisão e de aperfeiçoamento, o que desencadeia dois
níveis de ação: primeiro, os executivos imbuídos de responsabilidade de eficiência tomam de-
cisões e esperam com isto alcançar seus objetivos; em seguida, os acadêmicos desenvolvem re-
flexões e projetos sistemáticos de pesquisa para compreender os problemas e propor soluções
que viabilizem o aperfeiçoamento de decisões futuras;
• As decisões tomadas, os resultados atingidos, e as percepções dos agentes envolvidos tornam-
se fonte de informação tanto para o aperfeiçoamento imediato das ações (em nível organizaci-

12 A exposição que segue foi fortemente baseada na seguinte referência, que recomendo a leitura: PARASURA-

MAN, A. Reflections on contributing to a discipline through research and writing. Journal Academy of Marketing
Science, v. 31, n. 3, p. 314-318, sum., 2003.
13

onal), quanto para os esforços dos pesquisadores de desenvolver suas reflexões, modelos, e
proposições (já no contexto das instituições acadêmicas, normalmente nas universidades);
• Em seguida iniciam-se esforços sistemáticos de análises (e aí costumam se aplicar ferramentas
as mais diversas, inclusive os métodos quantitativos, como acima comentado), além de um
processo normalmente longo de validação pelos próprios pesquisadores; depois disso, os tra-
balhos são consolidados na forma de relatórios e artigos para publicação em eventos ou revis-
tas de orientação científica;
• Em paralelo, estão os profissionais de mídia de negócios, que prospectam informações, inclu-
sive nas mesmas fontes dos acadêmicos, e que ilustram casos de sucesso, realizam entrevistas
com executivos e pensadores, sumarizam resultados de pesquisas, etc., e os difundem por
meio dos canais de mídia que possuem orientações exclusivas ou programas orientados para o
segmento de executivos (no Brasil, podemos citar diversos exemplos: as revistas ‘Exame’ e ‘Is-
to é Dinheiro’; o programa de televisão ‘Pequenas empresas grandes negócios’; o programa de
rádio ‘Mundo corporativo’, na rádio CBN, dentre outros);
• Depois da produção e da publicação em larga escala de conhecimentos sobre um dado tópico,
conhecimentos estes que ficam dispersos em diferentes momentos, revistas, lugares, universi-
dades, bibliotecas, etc., iniciam-se os esforços de sintetização, com uma análise de convergên-
cias e divergências de resultados, além das variações por segmentos de mercado, por circuns-
tância específica de aplicação, por método utilizado... Os resultados constituem, depois de um
longo esforço acumulado, o que se poderá validar como conhecimento seguro;
• Assim, o conhecimento acumulado pela produção acadêmica, juntamente com aquele, igual-
mente válido, publicado na mídia de negócios, serve de matéria-prima para que entre em cena
um conjunto de novos agentes do processo, que são os compiladores de todos os materiais
reunidos ao longo dos tempos. O resultado deste esforço são as grandes sínteses de conheci-
mentos, escritas normalmente com uma orientação de discurso tanto acadêmica quanto prag-
mática. Estes autores produzem os compêndios didáticos que seguem para adoção nos cursos
de formação de futuros profissionais;
• Estes futuros profissionais, em paralelo com a formação ou ao terminarem seus cursos, reini-
ciarão o processo, servindo então como exemplos de sucesso ou de fracasso, gerando decisões,
resultados, e cedendo suas próprias percepções para que agentes da imprensa de mercado ou
os profissionais acadêmicos desenvolvam conhecimentos. E assim segue...

Uma visão desta dinâmica pode ser observada na figura 1.2. Adianto que esta visão é, natu-
ralmente, parcial, e não insere aí a participação de outros agentes importantes do circuito da gera-
ção e da propagação do conhecimento gerencial e de marketing, como é o caso das consultorias, dos
professores, e dos próprios executivos que, eventualmente, se tornam agentes de difusão como
palestrantes. Mas creio que a dinâmica descrita ilustra com boa clareza o papel que têm os agentes
acadêmicos na produção de conhecimento de marketing que é aplicado no universo profissional.
Mais que isto, serve para ilustrar que o conhecimento produzido pela mídia de negócios
(normalmente muito lida por gestores e interessados em marketing) segue paralelo ao conheci-
mento produzido pelos mecanismos acadêmicos, cada um gerando uma contribuição a seu modo.
Aspectos mais detalhados sobre o valor de cada um e alguns elementos de sua essência foram mui-
to bem debatidos no texto de Nohria e Eccles13.
Quero enfatizar em especial o fato de o conhecimento acadêmico de marketing ser mais ro-
busto do ponto de vista de seus resultados, o que decorre do rigor de suas análises. Naturalmente, o
conhecimento de natureza acadêmica costuma ser mais duradouro, embora tenha as limitações de
amplitude típica dos estudos científicos (pesquisas acadêmicas costumam ser muito focadas em
termos temáticos, e suas conclusões são quase sempre restritas ao seu objetivo delimitado).

13 NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. “Where does management knowledge come from?”. In. ALVAREZ, J. L (ed.). The

diffusion and consumption of business knowledge. New York: St. Martin’s Press, Inc, 1998, p. 278-304.
14

Figura 1.2 – Visão geral da interação na produção de conhecimentos

Demanda de mel-
horias e de decisão

Executivos

Decisões, resul-
Acadêmicos Jornalistas
tados, percepções

Reflexões, pensatas, Matérias, casos,


relatórios, papers... entrevistas, artigos...

Revistas acadêmicas, Revistas, programas


anais de eventos... de TV, e de rádio...

Compiladores

Livros e materiais
didáticos

Poderíamos citar ainda diversos exemplos de contribuições de pesquisas acadêmicas de


marketing que chegam até os livros didáticos e que contribuem efetivamente para o aperfeiçoa-
mento da prática executiva; mas os exemplos podem ser bem visualizados nos próprios livros de
administração de marketing, e se verificarmos as referências bibliográficas destes podemos obser-
var facilmente que as indicações misturam quase sempre as fontes de mercado (revistas e livros
para executivos) com artigos publicados em periódicos acadêmicos.
São esses conhecimentos, em um primeiro momento descritivos (limitados a descrever os fa-
tos observados e analisados), que irão compor, em um segundo momento, uma base consistente
para as proposições de aperfeiçoamento das ações de marketing, já em um nível prescritivo (orien-
tados a dizer como as coisas devem ser feitas).
Creio que aqui se compreende a diferença entre marketing e administração de marketing
anunciada por Kotler no início deste item. Reconhecemos, e aceitamos então, o valor de uma abor-
dagem paralela de marketing, que normalmente não é alcançada por todos os interessados e estu-
diosos, mas que está na base daquilo que os interessados e estudiosos encontram nos livros de
divulgação mais ampla. Mas temos que terminar refletindo sobre alguns pontos, antes que passe-
mos aos itens seguintes:
• Se a presunção de ciência do marketing se dá por uma necessidade de aprimoramento de seu
próprio conhecimento, cabe a esta fixar as bases conceituais, e os pilares filosóficos e metodo-
15

lógicos de todo o conhecimento de marketing;


• Sendo assim, temos na área mais acadêmica as principais reflexões que procuram gerar uma
contribuição independente de aplicação imediata, mas, considerando a natureza de ciência so-
cial aplicada de marketing, estas contribuições jamais poderão se distanciar do universo de
aplicação dos conhecimentos produzidos;
• Não sem razão, a própria administração de marketing como disciplina é objeto de estudos do
marketing acadêmico, ou seja, a orientação prescritiva também é objeto do esforço descritivo
de uma orientação acadêmica de marketing;
• E o aspecto fundamental a ser debatido nos capítulos seguintes, marketing não tem, ou não
deve ter, uma aplicação restrita ao universo empresarial, embora seja o contexto das empresas
o maior demandante de conhecimentos e técnicas de marketing.

Quadro 1.1. Síntese das duas orientações de marketing


Fator Administração de marketing Marketing acadêmico
Interessados Executivos e estudantes Pesquisadores e professores
Orientação Prescritiva Descritiva
Aperfeiçoamento da prática de Compreensão das práticas e reco-
Foco
marketing mendações de ações
Canais de Livros didáticos, revistas de mer- Revistas e livros acadêmicos, even-
exposição cado, livros de mercado tos acadêmicos, relatórios de pes-
escritos quisa em bibliotecas...
Todos os livros de Administração Periódicos diversos, tais como o
Exemplos de de marketing, especialmente os de Journal of Marketing, o Journal of
canais escritos Philip Kotler Consumer Research, o Journal of
Retailing, dentre outros
Palestras para executivos, ativida- Palestras de orientação acadêmica,
Canais de
des de educação (cursos de gradu- colóquios acadêmicos, cursos de
exposição não
ação, especialização e cursos li- mestrado e de doutorado...
escritos
vres), consultorias...

As duas rotas de desenvolvimento e difusão de marketing a partir dos anos de 1960 geraram
o que temos de mais importante em conhecimento e em prática na atualidade, e norteiam o que
faremos nos próximos anos, mesmo nesta época de grandes desafios e mudanças. O quadro 1.1
sintetiza estes dois caminhos principais, trilhados ao longo de mais de 50 anos de devoção de diver-
sos pesquisadores e pensadores, e que seguramente geraram, acredito, condições propícias ao
aperfeiçoamento das relações de troca (falamos sobre isto no item seguinte).

1.2.3. O objeto de marketing

Sendo tudo isto bem compreendido (pelo menos assim o espero), fixamos condições para
uma pergunta-chave. Se marketing busca um status científico, este precisa ter um conjunto de re-
quisitos, tais como: (1) um elenco de pesquisadores e interessados; (2) um elenco de métodos e
técnicas de aplicações em pesquisas e experimentações; (3) um conjunto de canais de difusão; (4)
um contexto de aplicação; e, principalmente, (5) um objeto bem delimitado.
Os quatro primeiros requisitos estão bem visíveis no que mostramos logo anteriormente,
mas praticamente nada falamos sobre o quinto requisito. A pergunta é: qual o objeto de marketing,
ou seja, do que realmente trata marketing? Apesar de parecer uma pergunta simples, sua resposta é
muito complexa, e suas conseqüências chegam a definir tudo o que se fez e se faz no campo. Comen-
tamos, a seguir, alguns elementos do debate sobre o objeto de marketing.
É oportuno realçar que a questão do objeto é algo de importância central para um entendi-
mento mais completo da atividade, da área acadêmica, e da pressuposta ciência de marketing. Se
não sabemos com maior segurança qual é o objeto sobre o qual o estudo e a prática de marketing se
assentam, provavelmente pouco poderemos falar a respeito da área, a não ser frases de efeito, belos
16

e longos discursos desprovidos de conteúdos, e algumas ações desconectadas de um senso mais


ampliado de integração, em um nível de organizações. E se os leitores eventualmente entenderem
que sempre foi isto que se viu na prática, não se enganem: muitas pessoas falam e agem em torno
de marketing, mas nunca se perguntaram qual seria o objeto genérico da ação de marketing.
E, ainda antes de falar sobre o referido objeto, quero realçar que foi justamente no contexto
do marketing acadêmico que esta discussão passou a ser desenvolvida. Ou seja, foi no contexto do
debate acadêmico que esta questão mais preocupou, afinal toda proposta de ciência tem que ter
antes de tudo uma clara indicação do que estuda, e o quanto este objeto é somente seu.
Assim, já no início dos anos de 1970, seguiu-se um debate nos principais canais de discussão
acadêmica de marketing, especialmente o Journal of Marketing, em que um conjunto de autores
preocupados com a questão escreveram sistematicamente, em um quase consenso, de que seria a
atividade de troca o objeto de marketing. A leitura de diversos artigos desta época ilustra que não
foram grandes as contestações desta proposição, muito embora parecesse, como ainda parece até
hoje, o objeto seria a satisfação do cliente, ou os 4Ps, ou a geração de vendas, dentre outros.
Este entendimento, que parece fácil depois de alguns minutos de análise, desencadeia, por
outro lado, um esforço de construção e detalhamento que não foi de forma alguma algo fácil. Em
verdade, foram cerca de 15 anos de debate no sentido de formatar e dar clareza à troca como objeto
de marketing. Algumas questões se colocam facilmente, tais como: se é troca tal objeto, qual seria a
definição de troca? Mais que isto, sendo a troca, qual a diferença entre uma troca comercial conven-
cional, como a compra de um sabonete de um supermercado, e a troca de afeto entre membros de
uma família? Ou qualquer troca seria objeto de marketing? Faz sentido que pesquisadores de mar-
keting analisem aspectos restritos ao nível familiar, como o afeto? Provavelmente não, até porque a
antropologia já fazia isto havia tempos. Mas, então onde começa a troca que é o objeto de marke-
ting? Mais ainda, quais são os elementos que compõem a troca? Ou é esta um dado objetivo, na for-
ma como é estudada na área de economia?
Poderíamos colocar outros pontos, mas deixo recomendações de leituras que poderão ilus-
trar as discussões de questões como estas14. Provavelmente, o mais relevante para o desenvolvi-
mento que marketing ganhou dali em diante foi a questão da arquitetura da troca, e a conceituação
do sistema de troca. Este pode ser entendido como “todo o conjunto de atores, suas relações entre
si, e as variáveis endógenas e exógenas que afetam o comportamento social dos atores em suas
relações” (BAGOZZI, 1974, p. 78). Expliquemos esta definição, antes que pareça que estamos falan-
do aqui somente para acadêmicos15:
• Temos inicialmente um conjunto de atores, que, para o contexto de marketing, seriam todos os
agentes ‘ofertantes’, sejam estes institucionais (empresas querendo vender seus produtos ou
governo querendo incentivar o pagamento de impostos...) ou pessoais (indivíduos querendo
vender seus produtos), além de um conjunto de atores ‘demandantes’, que podem ser também
instituições (a empresa que compra materiais de limpeza) ou pessoas (sujeitos que compram
carros);
• Os agentes envolvidos buscam interação em torno de um ‘objeto de interesse’ que está sob a
propriedade ou posse de outros, e que irá ser a meta de cada agente, podendo ser o produto, o
serviço, ou as idéias do ofertante, ou o dinheiro, o esforço, a lealdade do demandante, dentre
outros;
• A atividade de marketing inicia-se assim quando estes agentes ofertantes e demandantes se
engajam no interesse de promover trocas de seus objetos pelos objetos de interesse dos ou-
tros. A consumação constitui o ‘ato de troca’;

14 Vejam-se os textos de Richard Bagozzi, cujas referência centrais são: BAGOZZI, R. Marketing as an organized
behavioral system of exchange. Journal of Marketing, v. 38, p. 77-81, Oct. 1974.; BAGOZZI, R. Marketing as
exchange. Journal of Marketing, v. 39, p. 32-39, Oct. 1975; BAGOZZI, R. Marketing as exchange: a theory of
transactions in the marketplace. American Behavioral Scientist, v. 21, n. 4, p. 535-556, mar.-apr. 1978.
15 Esta explicação foi fortemente baseada na discussão desenvolvida em: HUNT, S. D. General theories and the

fundamental explananda of marketing. Journal of Marketing, v. 47, p. 9-17, Fall, 1983.


17

• Naturalmente, o ato de troca ocorre em um contexto bem definido de instituições e de regras


que precisam ser aceitas pelos envolvidos. Este conjunto de instituições e regras constitui o
que chamamos de ‘contexto institucional’ da troca;
• Todo este conjunto gera reflexos, tanto na satisfação dos agentes envolvidos, quanto nos de-
mais elementos do contexto institucional de troca, inclusive aqueles que não estão diretamen-
te envolvidos no ato;

Esta descrição não dá a real dimensão da complexidade do processo geral de troca, mas
permite um novo entendimento do processo. A ilustração da figura 1.3 permite uma visualização do
que foi exposto logo acima. Com um pouco de esforço, podemos explicar praticamente toda a ativi-
dade de troca por este framework. Como exemplo, vejamos a situação em relação ao voto, próprio
do que chamamos hoje marketing eleitoral: temos como ofertantes, inicialmente, o partido polí-
tico, e em seguida os candidatos; como demandantes, temos os eleitores em um primeiro nível, e
a coletividade em um nível mais amplo; os partidos e candidatos oferecem idéias e promessas
de melhorias; os eleitores oferecem seu voto, e seu apoio; o processo eleitoral, via voto, viabiliza
o ato de troca; as conseqüências podem ser as mais diversas, indo desde a satisfação de uma vitó-
ria, a ampliação do apoio dos eleitores a uma idéia ou tese ideológica, a realização das promessa...
Tudo isto é regido por um grande conjunto de regras, leis, observadores, agentes de mídia, deba-
tes..., compondo, portanto, o contexto institucional do processo eleitoral.
Figura 1.3 – Visão do processo geral da troca

CONTEXTO INSTITUCIONAL DA TROCA

Ofertantes Demandantes
- Organizações - Organizações
- Estado - Estado
- Pessoas - Pessoas

Ofertam Ofertam

- Produtos Ato de troca - Dinheiro


- Idéias - Fidelidade
- Serviços... - Esforço...

Conseqüências
- Satisfação
- Lucros
- Bem estar
- Poluição...

Deixo a recomendação que se pratique a explicação em outras opções de troca por este mo-
delo, algo que parece esclarecer bem, como um senso genérico de sistema de troca pode explicar
muito do que ocorre nas relações cotidianas. Mais que isto, o sistema de trocas deixa bem evidente
que o objeto de marketing é, sem dúvidas, algo muito complexo e multifacetado. Ajuda também a
compreender onde se situam as atividades citadas nos itens anteriores.
Podemos agora compreender, inclusive, que o desenvolvimento do primeiro eixo (adminis-
tração de marketing) está fortemente centrado no elemento ‘ofertante’, mas que apenas compreen-
dê-lo não é o bastante, pois a troca perpassa todos os demais elementos. Também ajuda a entender
reforço, como exposto anteriormente, o que a arena do marketing acadêmico tem como tarefa, que
é analisar todos estes elementos.
Em verdade, os estudos teóricos vêm girando em torno destes elementos há tempos, e basta
18

analisar sem maiores esforços, que veremos como a área de comportamento do consumidor, por
exemplo, se concentra no elemento demandante; que a área de administração e estratégia mercado-
lógica tem forte concentração no agente ofertante; que os estudos de serviços estão fortemente
centrados no objeto da troca. E por aí segue, algumas áreas mais intensamente desenvolvidas, ou-
tras em pleno processo de desenvolvimento, outras aguardando maiores esforços de desenvolvi-
mento.
Para fins deste nosso trabalho, optei por manter foco nos capítulos seguintes sobre dois pon-
tos do nosso sistema que quase sempre caminham juntos: analisaremos o contexto institucional de
troca, e também a dimensão das conseqüências do ato da troca. Mas antes, não posso deixar de
apresentar, ainda que sinteticamente, a discussão sobre o que chamamos de marketing, o que inclu-
sive fortalece a necessidade de uma visão de orientada para além da visão do ofertante e do de-
mandante.

1.3. Mas, o que é mesmo marketing?

Tanto no contexto acadêmico quanto gerencial de marketing, esta pergunta é recorrente-


mente feita, e as respostas foram se sucedendo ao longo dos anos, apresentando sempre fortes
variações entre períodos, autores, ou instituições. Acredito que a discussão mais profunda sobre o
tema é aquela que é periodicamente desenvolvida em torno da American Marketing Association –
AMA, que, a despeito de ser uma instituição estadunidense, sempre enuncia definições de marke-
ting a partir de reuniões que envolvem os principais pensadores de marketing de cada época (vale
lembrar que a maioria destes pensadores também é estadunidense, para tristeza de nós brasileiros,
que não fomos competentes para desencadear um debate mais próprio e de face local para termos
uma definição brasileira).
Apresento aqui as quatro definições propostas por esta instituição ao longo dos anos, real-
çando que, provavelmente, muitas outras ainda serão desenvolvidas16. A primeira definição para
marketing foi formalizada pela AMA no ano de 1935, e afirmava que marketing era “o desempenho
de atividades de negócios que direcionam o fluxo de produtos e serviços dos produtores aos con-
sumidores”17.
É fácil observar nesta definição a forte associação com a idéia de distribuição de produtos e
serviços, e pode-se, inclusive, confundir esta definição com a atual conceituação do que seria a parte
de distribuição em logística (a área especializada responsável pelo esforço de suprimentos e distri-
buição). Como informado anteriormente, esta era a missão do marketing na primeira metade do
século XX, quando marketing ainda era parte da disciplina de economia. Um fato que merece ser
destacado aqui é o tempo que levou para que marketing fosse assim concebido. Como apontado, as
atividades de marketing foram inicialmente teorizadas no início do século, e esta definição vem
depois de cerca de 30 anos de atividade.
O desenvolvimento da área a partir da segunda metade do século XX trouxe o senso gerencial
para o centro da atividade de marketing, mas uma nova definição somente foi apresentada 50 anos
depois da primeira. A definição da AMA de 1985 era a seguinte: “Marketing é o processo de plane-
jamento e execução da concepção, precificação, promoção e distribuição de idéias, produtos e servi-
ços, para criação de trocas que satisfazem aos objetivos individuais e organizacionais”18. Nesta defi-
nição, é bastante evidente a presença de todo o conjunto de esforços e desenvolvimentos, englo-
bando aí tanto os elementos da administração de marketing (especialmente o composto de marke-
ting), além do reconhecimento de que a finalidade de marketing está em torno da troca. Veja-se que
esta definição foi de 1985, enunciada cerca de 30 anos depois que marketing se direcionou da eco-

16 Ver site: www.ama.org.


17 Tradução de: “[Marketing is] the performance of business activities that direct the flow of goods and services
from producers to consumers”.
18 Tradução de: “[Marketing is] the process of planning and executing the conception, pricing, promotion, and

distribution of ideas, goods and services to create exchanges that satisfy individual and organizational objectives.”
19

nomia para a administração, e quando já era inclusive apontado como uma ciência comportamental
(ver item 1.2.2).
Observe-se aqui a grande limitação desta definição: reconhece-se a conseqüência da troca,
mas somente em torno da satisfação dos agentes ofertantes e demandantes. Vale ressaltar ainda
que, quando esta definição foi lançada estavam em fase embrionária as idéias e os modelos de pen-
samento e ação de marketing que iriam chegar até o início do século XXI, especialmente a lógica
relacional (marketing de relacionamento), a teoria das redes de marketing (network marketing), e a
incorporação, na lógica da troca, do conceito de valor (ver capítulo seguinte), além da discussão
sobre o lugar de marketing no contexto organizacional. Assim, já no ano de 2004 a AMA, lançou sua
terceira definição de marketing, que foi assim enunciada: “marketing é a função organizacional e o
conjunto de processos orientados para a criação, comunicação e entrega de valor para clientes e
para o gerenciamento dos relacionamentos com os clientes, de modo a beneficiar a organização e a
seus stakeholders”19.
Não podem restar dúvidas de que esta definição amplia as demais e inova na incorporação
das tendências que vinham ditando a teoria e a prática de marketing desde o início dos anos de
1980. Veja-se que nesta definição a AMA esperou ainda cerca de 20 anos para ver consolidadas
estas tendências. O aceleramento do processo, com a redução do tempo entre as definições (a pri-
meira foi 50 anos, e agora somente 20 anos) ilustra bem a rapidez das mudanças pelas quais o cam-
po passou.
A definição de 2004 parecia a mais adequada não fossem as contestações colocadas por uma
corrente de pensadores, que não conseguiu encontrar clareza na definição, para a incorporação das
consequências das atividades de marketing20. Assim, apenas 3 anos depois, já em 2007 a AMA lan-
çou uma nova definição de marketing, que, para a instituição, estava em vigência quando da produ-
ção deste texto. A nova definição foi a seguinte: “Marketing é a atividade, o conjunto de instituições
e os processos de criação, comunicação, entrega e troca de ofertas que possuem valor para consu-
midores, clientes, parceiros, e a sociedade como um todo”21.
Um primeiro aspecto relevante desta nova definição é o reconhecimento de que marketing
não é apenas um processo, sendo também uma atividade e um conjunto de instituições. Também, e
mais importante, é o reconhecimento explícito de quem são os stakeholders que a definição de 2004
não indicava claramente. E provavelmente mais relevante ainda seja a explicitação de que marke-
ting tem que gerar valor para a sociedade como um todo, e não apenas para os agentes ofertantes e
demandantes.
A definição, mesmo sendo desenvolvida por uma instituição americana, e com a visão dos au-
tores americanos, norteia e explica bem os desenvolvimentos de marketing em nível global. Assim,
o reconhecimento do elemento sociedade dá a clara ilustração de que a área de marketing reconhe-
ce explicitamente a necessidade de reflexões sobre o impacto de marketing na sociedade e da soci-
edade em marketing. Desenvolveremos o tema mais extensamente ao longo do livro, mas antes,
precisamos consolidar mais alguns elementos desta visão de marketing, como será procedido no
capítulo seguinte.

19 Tradução de: “Marketing is an organizational function and a set of processes for creating, communicating and

delivering value to customers and for managing customer relationships in ways that benefit the organization and
its stakeholders.”
20 Vejam a interesante crítica em: WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Expanding our understanding of marketing in

society. Journal of the Academy of Marketing Science, v. 40, n. 1, p. 53-73, 2012.


21 Tradução de: “Marketing is the activity, set of institutions, and processes for creating, communicating, deliver-

ing, and exchanging offerings that have value for customers, clients, partners, and society at large”. Esta definição
foi a mesma aprovada na AMA em 2013, conforme consta no website da organização (consultado em 2014)

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