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Marketing e sociedade

Franzé Costa

João Pessoa, 2014


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Este material constitui o texto preliminar sobre Marketing e Sociedade, aplicado na disciplina de
mesmo nome do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Paraí-
ba. O conteúdo pode ser reproduzido para fins de estudo, sendo solicitado que, em caso de citação,
seja devidamente dado o crédito de autoria, no modelo de citação abaixo indicado:

COSTA, F. J. Marketing e Sociedade [Texto da disciplina do Programa de Pós-Graduação em Adminis-


tração da UFPB]. João Pessoa, 2014.
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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – PARA INÍCIO DE CONVERSA


1.1. Uma realidade: expansão da oferta e da demanda de marketing
1.2. Uma revisão de status
1.2.1. Eixo 1 - o marketing gerencial
1.2.2. Eixo 2 - o marketing como área acadêmica
1.2.3. O objeto de marketing
1.3. Mas, o que é mesmo marketing?

CAPÍTULO 2 – ORIENTAÇÕES DE MARKETING


2.1. Outra realidade: o baixo status de marketing nas organizações e na sociedade
2.2. Orientações de marketing
2.2.1. O discurso de marketing da orientação para o cliente
2.2.2. Contestações da lógica do cliente
2.2.3. A superação da lógica do cliente pela lógica do valor
2.3. Por uma lógica de geração de valor para a sociedade
Caso 2.1 – Setor de bares e restaurantes e a relação com os clientes
Caso 2.2 – Shopping Iguatemi de Fortaleza e o problema ambiental

CAPÍTULO 3 – MARKETING E SOCIEDADE: UMA DISCIPLINA


3.1. Marketing é uma atividade social!
3.2. Um pouco de história
3.2.1. A ampliação do conceito e do escopo
3.2.2. Fragmentação disciplinar
3.3. A construção da disciplina Marketing e sociedade

CAPÍTULO 4 – UM CONCEITO CENTRAL: MACROMARKETING


4.1. Um início de conversa
4.2. A constituição do macromarketing
4.1.1. Tentativas de fechamento do escopo
4.1.2. Crítica e fixação
4.2. Conceito central: sistema agregado de marketing
4.3.1 Definição e elementos
4.3.2. Dois exemplos de sistemas de marketing
4.3.3. Características do sistema de marketing
4.4. Considerações e encaminhamentos

CAPÍTULO 5 – MARKETING E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA


5.1. Elementos conceituais sobre justiça
5.2. Marketing e justiça distributiva
5.3. Vulnerabilidade do consumidor e a questão da pobreza
5.3.1. Os riscos de exploração do modelo de economia de mercado
5.3.2. Vulnerabilidade e marketing: esfera da compreensão
5.3.2. Vulnerabilidade e marketing: esfera da ação

CAPÍTULO 6 – MARKETING, POLÍTICAS PÚBLICAS E REGULAÇÃO DE MERCADO


6.2. Políticas públicas e marketing
6.2. Regulação de marketing
6.3. Comentários adicionais e possibilidades

CAPÍTULO 7 – EXTERNALIDADE DE MARKETING E DESENVOLVIMENTO


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7.1. Externalidades dos sistemas agregados de marketing


7.1.1. Resgatando conceitos
7.1.2. Uma visão da literatura
7.2. Marketing e desenvolvimento
7.2.1. A natureza da relação entre marketing e desenvolvimento
7.2.2. Marketing e a promoção do desenvolvimento

CAPÍTULO 8 – MARKETING E QUALIDADE DE VIDA


8.1. Fundamentos da análise de qualidade de vida
8.2. O papel de marketing na geração de qualidade de vida
8.3. A relação entre marketing e qualidade de vida
8.2.1. Bem-estar do consumidor
8.2.2. Orientação de marketing para a qualidade de vida

CAPÍTULO 9 – CONSUMO RESPONSÁVEL E SUSTENTÁVEL


9.1. A responsabilidade do consumo
9.2. Consumo sustentável
9.2.1. Visões sobre sustentabilidade do consumo
9.2.2. O paradigma social dominante
9.2.3. Alternativas para marketing
9.3. Alternativas para marketing

CAPÍTULO 10 – MARKETING SOCIAL: TÓPICOS INTRODUTÓRIOS


10.1. Fundamentos históricos e conceituais
10.1.1. Causas de aplicações de interesse
10.1.2. Sobre os demais condicionantes do comportamento
10.1.3. Quem são os influenciados
10.2. Delimitações adicionais do escopo de marketing social
10.3. Visão operacional do marketing social
10.3.1. Visão geral de Kotler e Roberto
10.3.2. Visão geral de Andreasen
10.3.3. O composto de marketing social

CAPÍTULO 13 – MARKETING SOCIAL: COMPLEMENTOS E ESPECIFICIDADES


11.1. O marketing social no contexto da disciplina de marketing e sociedade
11.2. Estado de desenvolvimento e valor
11.3. Marketing social e outras opções de mudança social
11.4. O problema no marketing mix social
11.5. A questão da concorrência do marketing social
11.6. Ética em marketing social

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPÍTULO 1 – PARA INÍCIO DE CONVERSA

Neste capítulo apresento a introdução do texto completo. Inicialmente optei por discutir o
status atual da atividade de marketing, para somente depois seguir por uma apresentação da evolu-
ção histórica de marketing, desde o início do século XX. Esta discussão viabiliza o debate sobre o
objeto de marketing, e a uma discussão mais profunda do que é marketing e qual sua missão en-
quanto área acadêmica e profissional.

1.1. Uma realidade: expansão da oferta e da demanda de marketing

Qualquer pessoa que se aproxima do universo empresarial, seja como gestor ou como estu-
dioso, provavelmente ouve diversos discursos e debates em torno da palavra ‘marketing’. Marke-
ting, que substituiu no Brasil a antiga expressão mercadologia, ganhou interesse crescente nos úl-
timos anos, e recorrentemente é citado como a causa do sucesso de empresas, de políticos, de pro-
dutos, de idéias, de lugares, de eventos...
Acredito que uma das causas da popularidade que marketing ganhou foi é a forte propagan-
da em torno da área (em uma espécie de marketing do marketing), além da contribuição dos cursos
ofertados na área, que se tornaram muito demandados por pessoas que almejam se tornarem ‘pro-
fissionais de marketing’. Uma consequência mais evidente foi a oferta, no Brasil, de cursos de for-
mação superior na área, normalmente como habilitação nos cursos de graduação em Administra-
ção, ou ainda como cursos de especialização.
Com efeito, desde a década 2000, as habilitações em marketing, ou os cursos de especializa-
ção na área, tornaram-se produtos obrigatórios no portfólio de oferta das instituições de ensino
superior, tanto públicas quanto privadas. Além destes cursos, também são recorrentemente oferta-
dos cursos de extensão por institutos de aperfeiçoamento do trabalho (como SENAC, SEBRAE, den-
tre outros) com vinculação a marketing, tais como cursos de pesquisa de mercado, qualidade de
atendimento, ou gestão de vendas.
Podemos defender que se institucionalizou no Brasil uma indústria da educação em marke-
ting, que é provavelmente a parte mais significativa da indústria da educação em Administração
(para um debate interessante sobre isto, embora ainda dos anos 1990, recomendo a leitura do livro
Os bruxos da administração1). Sem partir para uma crítica exagerada, devemos antes buscar enxer-
gar os benefícios da oferta e do consumo de algo tão útil quanto a prática e a filosofia de marketing.
Não temos qualquer dúvida de que muitos profissionais ganharam formação consistente e,
acreditamos, estão produzindo resultados positivos no gerenciamento de atividades de marketing
das organizações onde atuam. O mais interessante destes movimentos em torno de uma área de
conhecimento é que se gera uma espiral, ou seja, ao mesmo tempo em que marketing gera receitas
para instituições de educação e consultoria, estas trazem investem na difusão do conhecimento e
das práticas de marketing, e assim segue.
Além do valor para a própria área de marketing, a popularidade da disciplina é também mui-
to bem vinda para os que militam nela, e traz uma reputação positiva para todos aqueles que estão
diretamente envolvidos, sejam pesquisadores, professores, estudantes ou gestores. Isto desenca-
deia uma maior demanda por atividades de formação, pesquisa de mercado, consultoria, além, na-
turalmente, de maior poder nas unidades organizacionais responsáveis pelas atividades típicas de
marketing.
Resta saber, por outro lado, e depois de mais de cerca de duas décadas de intensa oferta e
exploração de conhecimento e técnicas de marketing, o que ficou de substantivo para a área. Natu-
ralmente, esta dúvida não encontra resposta fácil. A crença acima relatada de que houve elevação

1 MICKLETHWAIT, J.; WOOLDRIDGE, A. Os bruxos da administração. Rio de Janeiro: Campus, 1998. Este livro

desenvolveu uma visão estrutural do que os autores chamaram de indústria da Administração, que, sintetica-
mente, se baseia em três bases: a indústria de consultoria, os gurus gerenciais, e talvez a maior, a indústria da
educação gerencial. No contexto da educação certamente marketing fornece alguns dos principais produtos.
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de reputação e aperfeiçoamento nas práticas parece encontrar respaldo na realidade dos fatos, mas
não é uma crença facilmente mensurável, e, até onde pudemos verificar, nunca foi realizado um
esforço sistemático de avaliação neste nível.
É bom que se diga: crenças não respondem adequadamente aos problemas, mas atendem
bem às demandas mais imediatas. Assim, sou adepto da visão mais otimista. Pessoalmente, sempre
preferi compreender que tudo foi muito bom (e pessoalmente ganhei com isto, afinal sou um pro-
fessor de marketing!), e que deveríamos seguir pensando no desenvolvimento profissional e educa-
cional de marketing no Brasil, na crença de que marketing é uma disciplina acadêmica e profissio-
nal com potencial de gerar uma contribuição real para o desenvolvimento nacional e para o aperfei-
çoamento das relações entre demandantes e ofertantes.
Mas as questões colocadas são muitas, e precisamos, acredito, ir mais além no debate sobre
marketing, e superar uma visão ‘ufanista’, que é típica de muitos consultores, palestrantes e ‘curan-
deiros’ organizacionais, que ganham a vida enaltecendo a área e fazendo crer que o segredo do
sucesso dos empreendedores está em algumas táticas espetaculares de marketing.
Contudo, como um profissional que busca modalizar o discurso ufanista, não deixo de me
perguntar sempre: como fica a disciplina, que em si não guarda quaisquer segredos espetaculares
ou poderes mágicos sensacionais (se existem não os encontrei ainda)? Indo mais longe, como mar-
keting, que é uma área de conhecimento fortemente associada ao universo organizacional, se situa
na estrutura dos organogramas? Afinal, em marketing há motivos para ser considerada uma área
realmente relevante para a Administração? Marketing tem alguma importância para os empreen-
dedores e os gestores públicos e sociais, ou é apenas uma miragem usada por profissionais oportu-
nistas? Se tem, como deve ser compreendida? E se não tem, por quais razões?
Antes de parecer que responderei a estas questões, quero informar que não sei as respostas,
e que, se soubesse, faria questão de dizer. Mas também duvido que alguém saiba realmente as res-
postas, e se alguém disser que sabe, tenha certeza que pode ser tipificado, facilmente, dentre as
categorias de profissionais acima (curandeiros...), e recomendo fortemente aos leitores: não dêem
tanto crédito!
A razão é simples: estamos diante de questões que não têm respostas fáceis e nem definiti-
vas. Sobre questões desta natureza nós podemos debater e formar uma opinião, por vezes mais
niilista, por vezes mais otimista. Optei por uma posição aqui: debateremos as questões, mas sem
niilismo e sem ufanismo, e pretendo com isto construir uma visão que considero mais realista, e
que permite aos interessados e aos estudiosos tomar uma posição mais consistente. Mais que isto, e
considerando que marketing não é uma questão de crença, mas de pensamento, teoria, pesquisa e
ação, pretendo ao final deste nosso trabalho apresentar uma proposta amplificada de marketing,
para além da visão restrita de marketing como atividade gerencial, e a pior de todas, de marketing
como propaganda. Discutimos sobre isto a seguir.

1.2. Uma revisão de status

Vamos recorrer à história (ao longo do texto, resgatarei diversos aspectos históricos relevan-
tes para fundamentar as ideias postas), e vejamos de onde tudo partiu. Os primeiros movimentos
em torno de marketing surgiram no início do século XX, com as preocupações de alguns teóricos em
compreender aspectos associados às tipologias de produtos, aos esforços de distribuição, e de insti-
tucionalização (em um nível teórico) de uma missão de gerenciamento do atendimento aos deman-
dantes de organizações (atualmente chamados clientes). As questões da época (e que ainda hoje
são preocupações relevantes) eram as seguintes: como podemos diferenciar as diversas possibili-
dades de oferta? Como devemos gerenciar o processo de distribuição de produtos e serviços? Como
devemos atender aos clientes, fazendo chegar a oferta até eles? Ou ainda, quais as atividades orga-
nizacionais que se associam ao gerenciamento do processo de troca, desde a saída do produtor até
a chegada do produto ao destino final?
Estas atividades, até a primeira metade do século XX, eram parte integrante da área de eco-
nomia, uma disciplina bem consolidada academicamente, e com uma estrutura de educação formal
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já institucionalizada. No entanto, estes movimentos iniciais foram suficientes para que se desenca-
deasse um esforço ampliado de criação de uma teoria de marketing, que logo sairia do escopo da
Economia, dado o próprio distanciamento temático que a área ganhou ao longo dos anos.
A obra do primeiro grande pensador de marketing, o americano Wroe Alderson, já sinalizava
o distanciamento existente entre a visão econômica e a teoria de marketing, e que esta vinculação
temática era insustentável2. A atividade intelectual de Alderson foi bastante para que se pensasse
em um reposicionamento da área em termos acadêmicos, e a disciplina achou um bom lugar no
escopo da área de administração, já entre as décadas de 1950 e 1960.
A própria área de administração seguia seu desenvolvimento temático e disciplinar havia
pouco mais de meio século, o que, em definitivo, é muito pouco tempo para uma área se mostrar
como tal. Basta observar os textos mais recentes de teorias da administração para ver que foi de-
pois deste período (décadas de 1950 e 1960) que a Administração teve seus maiores saltos de de-
senvolvimento.
É nesse período que a administração também inicia a incorporação da disciplina de estraté-
gia empresarial, que, assim como marketing, está fortemente presente no discurso e na educação
em administração no Brasil e no exterior. No entanto, tal incorporação não foi tão fácil como pode
parecer, até porque no seio temático de marketing (ou o que se achava que marketing tinha como
seio temático; depois falaremos mais neste assunto), corria paralelo o forte desenvolvimento dos
estudos sobre o consumo e o consumidor, nos primórdios da atualmente bem desenvolvida e bem
reputada disciplina de ‘comportamento do consumidor’.
Em marketing, foram justamente os estudos de visão gerencial, que passaram a ser chama-
dos de ‘administração de marketing’, e de análise do consumidor, na disciplina de comportamento
do consumidor, que deram o norte do grande desenvolvimento de marketing como uma área que
não precisava de uma área mãe, ou seja, não se verificava qualquer necessidade de vinculação, nem
à economia, como fora no passado, nem mesmo à administração, como passara a ser. Se assim o
fosse, também marketing poderia ser em pouco tempo uma disciplina vinculada à área acadêmica e
profissional de psicologia, afinal eram os psicólogos os grandes provedores de conhecimentos e
pesquisas consistentes na disciplina de comportamento do consumidor.
Quero inserir aqui a discussão sobre a condição acadêmica de marketing, que se desencadeia
a partir destas considerações acima. Pelo exposto, daria para concluir, a partir da experiência, e
nem precisa que esta experiência seja tão grande assim, que o discurso de uma vinculação hierár-
quica de marketing a outras disciplinas era um problema sem solução, e qualquer proposta seria
sempre polêmica. O pensador Philip Kotler (que é bom que se diga, é muito mais que o autor de seu
livro de ‘Administração de marketing’, tendo sido um grande pensador da área, desde a década de
1960), chegou a sugerir, em um artigo sobre o conceito de marketing já em 19723, que desde a dé-
cada de 1960, marketing teria se transformado em uma ‘ciência comportamental aplicada’ (não
exatamente da psicologia, diga-se), depois de ter sido um ramo da economia aplicada, e uma disci-
plina de administração.
Devo acentuar aqui que este debate não terminou até hoje, e mesmo considerando o enorme
desenvolvimento acadêmico e profissional de marketing, não há muita segurança quanto ao status
acadêmico de marketing, ou seja, não se tem segurança ainda se marketing é somente parte da área
acadêmica e profissional da administração, se é parte da área profissional de comunicação, se é
parte da área acadêmica da psicologia, ou se é uma área independente, que por conveniência é es-
tudada no âmbito destas áreas, que são mais consolidadas e tem maior espaço no universo da for-

2 A obra de Alderson é considerada o primeiro grande esforço de consolidação temática de marketing. O pen-

sador tem o reconhecimento quase que generalizado da academia de marketing, e seu pensamento está pre-
sente em praticamente tudo o quanto se desenvolveu posteriormente na área, de modo especial a teoria das
trocas, comentada aqui. Para quem tiver interesse em uma revisão atualizada do pensamento e da contribui-
ção de Wroe Alderson para marketing, recomendo a leitura do seguinte artigo: BROWN, S.. “Reading Wroe: on
the biopoetics of Alderson’s functionalism”. Marketing Theory, v. 2, n. 3, p. 243–271, 2002.
3 KOTLER, P. A generic concept of Marketing. Journal of Marketing, v. 36, p. 46-54, apr. 1972.
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mação universitária (administração, comunicação e psicologia).


Pessoalmente, e a despeito de ter toda a minha formação em administração, defendo uma vi-
são ampliada de marketing neste debate. Posiciono o conhecimento e a prática de marketing no
âmbito das chamadas ciências sociais, e a vejo no mesmo nível das demais disciplinas citadas (po-
deríamos ter citado ainda outras), ou seja, vejo marketing como uma área acadêmica, que, como
todas as ciências sociais, dialoga e se apropria de teorias e práticas de outras áreas acadêmicas, mas
que possui um certo nível de independência temática, metodológica e epistemológica.
Este pensamento é, naturalmente, polêmico, e sei que muitos que lerem o que escrevi acima
pensarão que meu propósito é dar status ao que faço. Mas aproveito para dizer que não sou uma
voz isolada neste pensamento, e me alio a alguns dos maiores pensadores de marketing da atuali-
dade, tais como Jagdish Sheth ou Shelby Hunt.
Desconsideremos temporariamente a potencial polêmica destes últimos parágrafos, e retor-
nemos aos anos de 1960. Em paralelo ao enorme avanço que marketing ganhou do ponto de vista
acadêmico, a difusão dos conceitos de marketing no universo profissional foram fortemente poten-
cializadas pelo desenvolvimento dos primeiros livros de marketing, que traziam as grandes metaa-
nálises descritivas (especialmente em comportamento do consumidor), e as grandes obras integra-
tivas e normativas de administração de marketing.
É desta época que vêm os estudos dos 4Ps (produto, preço, distribuição e promoção), de Je-
rome MaCarthy, e a obra de maior referência em marketing desde então, que foi o livro Administra-
ção de marketing, de Philip Kotler4. Desde então, é possível delinear algumas rotas de desenvolvi-
mento de marketing, que sintetizo aqui os dois eixos centrais (o critério de referência é o contexto
de uso do conhecimento estruturado, que remete a um contexto de aplicação mais direta na esfera
gerencial, e um contexto de uso mais especulativo e de avanço no conhecimento, em uma forma que
optei por chamar de acadêmica).

1.2.1. Eixo 1 - o marketing gerencial

Por um caminho, tivemos o desenvolvimento profissional de marketing ancorado no modelo


de pensamento estruturado, especialmente, por Philip Kotler e seus seguidores. A proposta de mar-
keting difundida por Kotler alcançou um nível de repercussão e receptividade tão grande que trans-
formou sua obra em um dos maiores sucessos editoriais da área de negócios. Com efeito, a obra
central de Philip Kotler (seu livro Administração de marketing), repete o sucesso obtido todos os
anos, estando sempre entre os mais vendidos da área, e sendo seguramente o livro de marketing
mais citado e mais lembrado. Chamaremos este eixo de desenvolvimento de ‘marketing gerencial’.
Não teríamos espaço para aprofundar discussão sobre os elementos deste modelo, mas não
podemos deixar de repassar do que se trata, rapidamente (peço da concessão de espaço aos que já
conhecem). Vejamos, então, o framework do livro Administração de marketing de Philip Kotler, que
norteia muito do conteúdo dos demais (não me baseei em qualquer edição em especial):
• Inicialmente, tem-se uma discussão do que seja marketing, e em especial, de quais as orienta-
ções que marketing desenvolveu nos últimos 100 anos;
• Em seguida, defende-se a importância de uma visão estratégica e planejada de marketing, o que
desencadeia uma discussão sobre os aspectos mais relevantes para implementar esta visão,
quais sejam: a análise ambiental e a pesquisa de mercado. Para a efetivação, utilizam-se as po-
tencialidades do sistema de informações de marketing;
• No terceiro momento, têm-se os tópicos referentes ao consumidor, com a avaliação da relevân-
cia da satisfação e do valor para o cliente, além de outros aspectos associados ao comportamen-
to dos consumidores. Em conjunto, têm-se os procedimentos de definições estratégicas de mar-
keting, especificamente: segmentação, definição de alvo, e, posicionamento;

4 A primeira obra de Kotler foi intitulada ‘Marketing Management: Analysis, Planning, and Control’, com publi-

cação pela editora Prentice-Hall (Englewood Cliffs, NJ.), no ano de 1967. O autor publicou a obra sozinho por
39 anos, até 2006, quando foi adicionada a co-autoria de Kevin Keller para sua 12ª edição.
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• A etapa seguinte traz as decisões gerenciais associadas ao composto de marketing (produto,


preço, distribuição e promoção), vindo normalmente mais de um capítulo por elemento;
• Ao final, são tratados os aspectos de integração de ação, os tópicos de relacionamento organiza-
cional associados à implementação, e controle das atividades de marketing.

Figura 1.1 – Modelo de Administração de marketing

Fundamentos conceituais e
filosofias de marketing

Planejamento estratégico e
pesquisa de marketing

Modelo geral de Admi- Comportamento do cliente


nistração de marketing e recortes estratégicos

Gestão do composto de
marketing

Implementação, análise e
controle

O modelo poderia ainda ser sintetizado assim: trata-se de tomar o objeto de marketing (seja
este em um nível genérico ou aplicado a uma área qualquer, como educação ou esportes, por exem-
plo); avaliar, por meio do sistema de informações de marketing, o ambiente e o consumidor; desen-
volver o planejamento estratégico de marketing; e, em seguida, desenvolver o plano de ações do
composto de marketing, implementar e controlar as ações e os resultados. Com pequenas diferen-
ças, trata-se de tomar o frame mais genérico do processo gerencial (planejamento, organização,
execução e controle), e aplicá-lo ao objeto de marketing! Uma ilustração do modelo está exposta na
figura 1.1. Até aí tudo parece ser fácil, mas o processo de desenvolvimento, ao longo dos anos, de
uma proposta compreensível e consistente não foi algo tão fácil assim.
O material teórico do marketing gerencial são os livros didáticos juntamente com os ‘livros
de mercado’. Os didáticos são dirigidos principalmente aos estudantes de marketing ou administra-
ção, e secundariamente aos executivos ou aos acadêmicos, ao passo que os livros de mercado são
dirigidos primariamente a executivos, e secundariamente a estudantes, professores e acadêmicos.
Esta literatura, por vezes, opera em um nível genérico, sem direcionamento específico para qual-
quer setor ou produto, e, por vezes, vai a um nível especializado, como os livros específicos para a
indústria turística, por exemplo, ou livros sobre serviços.
Em qualquer circunstância, a característica central da estrutura de tópicos e da linguagem
destes livros mantém o foco na ação, e nos potenciais resultados desta ação. Em outras palavras, os
materiais do marketing gerencial são normalmente prescritivos, ou normativos, e eventuais focos
em descrições são para ilustração de aplicações e resultados de ações propostas.
O próprio Philip Kotler utilizou o framework do marketing gerencial na grande maioria de
suas obras, conduzindo seu modelo, quase sempre em coautoria, para diversos contextos de aplica-
ção, e norteando o desenvolvimento das áreas de marketing gerencial aplicado. Alguns exemplos
são suas obras de ‘Marketing para organizações que não visam ao lucro’ (1978), Marketing social
(com Eduardo Roberto, 1992), Marketing educacional (com Karen Fox, 1998), Marketing de servi-
ços profissionais (com Paul Bloom e Thomas Hayes, 2002), Marketing de lugares (com Irving Rein,
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Donald Haider, e David Gertner, 2005), e Marketing esportivo (com Bem Shields e Irving Rein,
2007). As referências bibliográficas trazem uma lista completa da obra de Philip Kotler. Somente no
Brasil, no ano de 2014, havia cerca de 30 obras do autor (com as coautorias), publicadas em diver-
sas editoras, e algumas com mais de uma edição.
Não é estranho que um autor produza tanto em uma carreira de aproximadamente 50 anos
de dedicação ao desenvolvimento de uma área, e Kotler passeia, através de seus livros, pelos mais
diversos campos de aplicação de marketing. Mas temos uma observação que é central: as aplicações
que Kotler faz, e que o faz com uma grande maestria, são facilitadas pela forma como transfere o
framework do marketing gerencial para todos estes contextos5. Quando analisamos as obras de
Kotler que não tem um pressuposto de aplicação observamos o mesmo. Basta verificar os conteú-
dos dos livros Princípios de marketing e Introdução ao marketing (desenvolvidos em co-autoria com
Gary Armstrong), e vemos que também lá está o modelo geral de desenvolvimento presente no
livro Administração de marketing.
Se isto já parece de alguma forma familiar aos que estudam ou lêem sobre marketing de ma-
neira mais freqüente, surpreende ver o que outros autores de livros sobre marketing gerencial
propuseram. Basta olhar o sumário de muitos destes livros (no Brasil temos alguns bem conheci-
dos, que peço licença para não citar, mas recomendo uma rápida observação em passeios por livra-
rias), e facilmente se verifica que o livro parece repetir o sumário da obra de Kotler. Em alguns
casos, ao se adentrar nos conteúdos destes livros, chegamos a observar que não só o sumário, mas
inclusive o estilo expositivo e mesmo as idéias que guiam o desenvolvimento dos parágrafos são
fortemente associados aos livros de Philip Kotler (aos interessados, deixo o desafio de colocar os
livros de alguns autores e o de Kotler lado a lado, para ter a sensação de estar lendo a mesma coisa).
Mas algo de positivo está presente neste esforço de produção de uma teoria nacional, que é a
apresentação de exemplos e situações práticas com base no Brasil. Cito como exemplos de bons
resultados neste sentido as grandes contribuições dos livros do professor Marcos Cobra6, prova-
velmente o mais produtivo autor brasileiro da área, como também o livro do professor Juracy Pa-
rente7 (que manteve foco mais específico em varejo), e da obra dos professores André Urdan e Flá-
vio Urdan8. Reforço ainda que a dificuldade de se distanciar do framework do marketing gerencial
não é prática somente de alguns autores brasileiros, e nem isto é algo totalmente negativo ou indi-
cativo de falta de originalidade. Antes, indica a adesão a um padrão interpretativo daquilo que é
marketing, ou mais especificamente, do que é Administração de marketing.
A força do modelo do marketing gerencial, em especial aquele associado à obra de Philip
Kotler, não chegou somente ao Brasil. Em verdade, Kotler é uma referência mundial em marketing,
e não demoraria até que alguém iniciasse um esforço sistemático de sua contestação. E não haveria
contexto mais apropriado que o debate sobre pós-modernidade, que ganhou a atenção de grandes
intelectuais europeus desde o início do século XX, e que chegou em marketing por meio de alguns
pensadores, de modo mais enfático na obra do irlandês Stephen Brown, que cunhou a palavra ‘klo-
terite’ para se referir ao surto de uma visão de marketing restrita ao pensamento e ao framework de
Kotler, e que vem sistematicamente realçando a importância de uma visão alternativa ao modelo
gerencial, um modelo forte demais para um contexto pós-moderno de fragmentação das grandes
estruturas. Para quem quiser ter um contato inicial com a proposta Brown, recomendo a leitura do

5 A leitura das obras aplicadas do autor ilustra bem as conseqüências desta observação: algumas delas (não

todas, diga-se) trazem a mesma lógica, adaptada para os diferentes contextos, mas sem se distanciar de sua
estrutura central.
6 A principal referência aqui é: COBRA, M. Administração de marketing no Brasil. São Paulo: Campus, 2008.

Além deste, o professor Marcos Cobra tem dezenas de livro, versando sobre aspectos os mais diversos de apli-
cação de marketing (luxo, turismo, cultura, vendas...), todos recomendados para interessados nos diversos
temas.
7 PARENTE, J. G. Varejo no Brasil. São Paulo: Atlas, 2001.
8 Cf. URDAN, F.; URDAN, A. Gestão do composto de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013; URDAN, F.; URDAN,

A. Marketing estratégico no Brasil. São Paulo: Atlas, 2011.


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artigo Kotler is dead!9, publicado com pseudônimo de Alan Smithee.


Sem considerar aqui as motivações de ganhos pessoais de Stephen Brown, devemos acima de
tudo reconhecer o valor de uma crítica bem construída, e mais que isto, que nos alerta para a neces-
sidade de expansão dos horizontes de marketing. Devo dizer, e minha experiência me dá respaldo
para o que falo, que na cabeça da grande maioria das pessoas que tiveram uma iniciação ao marke-
ting, não se tem outra visão além daquela do marketing gerencial ou do estilo Kotler.
Os cursos de graduação em administração, que são os maiores propagadores, têm por obri-
gação desenvolver este conhecimento, e não se poderia esperar algo diferente da forte difusão que
tem o conhecimento de administração de marketing. Porém, os demais cursos, como comunicação
social ou publicidade & propaganda, quando se desenvolve contato com marketing, é sempre a
partir do modelo gerencial.
De um modo geral, somente nos cursos de pós-graduação mais avançados, especialmente os
cursos de orientação acadêmica (como os mestrados acadêmicos e os doutorados) conseguem ir
além da visão construída nesta primeira rota de desenvolvimento de marketing, abordando outros
aspectos da teoria mercadológica. Mas ainda assim, ressalvando algumas poucas exceções, a abor-
dagem mesmo na pós-graduação é centrada na perspectiva do interesse gerencial (pior ainda, com
direcionamento restrito a organizações do tipo empresarial). Uma das exceções é o Programa de
Pós-Graduação em Administração da UFPB, que vem desde o ano de 2009 direcionando atividades
de pesquisa e formação para além desta vocação.
Antes de finalizar meus comentários sobre este primeiro caminho de desenvolvimento de
marketing a partir do início da segunda metade do século XX, quero deixar dito que, pessoalmente,
e como um dos difusores do conhecimento de marketing na orientação gerencial, sou grande apre-
ciador do modelo de administração de marketing desenvolvido por Philip Kotler. Mais que isto, e
tenho dito a meus alunos que, sem sombra de dúvidas, Kotler é o melhor autor naquilo que se pro-
põe a fazer, e digo isto mesmo considerando grandes autores e grandes obras com a mesma orien-
tação.
Sou mais enfático, e quero crer que não há muitas dúvidas no universo acadêmico e profissi-
onal de marketing de que o modelo gerencial de Kotler está acima de qualquer outra proposta con-
corrente (que, aliás, são raras). O próprio Stephen Brown reconhece que Kotler e seu modelo são os
principais formadores da geração de profissionais e pensadores de marketing que vieram a partir
dos anos 1970 (é bom que se diga, a grandiosidade de Philip Kotler é bastante para que o mesmo
seja autor do prefácio do interessante livro The Marketing Code, de Brown10).
Com efeito, não haveria como negar o valor de uma proposição de marketing que está direci-
onada à aplicação do conhecimento da área ao universo empresarial, com foco no que os agentes
envolvidos no processo de gestão devem fazer, e, melhor que isto, com métodos, técnicas e modelos
aplicáveis a todo o processo gerencial de marketing. Adicionalmente, e em razão desta demanda,
quase tudo o quanto se faz e se pensa em marketing acha lugar na preocupação gerencial, e os li-
vros de administração de marketing acabam trazendo sempre um pouco de quase tudo que se pen-
sa e se faz em torno da área. Isto os faz excelentes referências para iniciação ou revisão de marke-
ting, o que reforça o valor de sua existência.
Porém não é só isto! Ainda bem que não é só isto! E veremos por que nos comentários a se-
guir sobre a segunda rota que marketing tomou a partir dos anos 1960.

9 SMITHEE, A. Kotler is dead! European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, p. 317-325, 1997. Uma análise critica
do modelo Kotler de marketing também pode ser encontrado no artigo: BROWN, S. Vote, vote, vote for Philip
Kotler. European Journal of Marketing, v. 36, n. 3, p. 313-324, 2002. Sobre a visão pós-moderna de marketing,
recomendo especialmente os artigos: ADDIS, M.; PODESTA, S.. “Long life to marketing research: a postmodern
view”. European Journal of Marketing, v. 39, n. 3/4, p. 386-412, 2005; BROWN, S. Postmodern marketing. Euro-
pean Journal of Marketing, v. 27, n. 4, p. 19-34, 1993.
10 A referência é: BROWN, S. The Marketing Code. London, Cyan, 2006. Trata-se de um romance que se baseia

na trama do livro O Código da Vince, de Dan Brown, mas com a história em torno de marketing e suas institui-
ções.
11

1.2.2. Eixo 2 - o marketing como área acadêmica

Para iniciar este ponto, e considerando o que foi discutido acima sobre o modelo gerencial de
marketing, aproveito para colocar o argumento do próprio Philip Kotler sobre o que este conside-
rava marketing. Em seu artigo do início da década de 1970 que discutia o conceito de marketing11, o
pensador defende a idéia de que marketing não é a mesma coisa que administração de marketing.
Em um esforço de definição, o autor diz que marketing é “uma ciência descritiva que envolve o es-
tudo de como as transações são criadas, estimuladas, facilitadas e valoradas” (p. 52). Em contraste,
a administração de marketing seria a “ciência normativa que envolve a criação e a oferta eficiente
de valores que estimulam transações desejadas. A administração de marketing é essencialmente
uma visão disciplinada da tarefa de alcançar respostas específicas em outros sujeitos, por meio da
criação e oferta de valor” (p. 52). Não seriam necessários outros comentários para justificar a dife-
rença, depois de tão elucidativa proposta de distinção.
Pessoalmente defendo e aplaudo o valor deste esforço, que foi publicado há mais de 30 anos,
e que mantém uma atualidade incrível. Porém aproveitarei para ir mais longe no debate, em especi-
al porque isto oportuniza a discussão sobre a definição de marketing, aspecto controverso e sem
possibilidade de solução (como acadêmico de marketing, digo: ainda bem que a definição não parou
no tempo). Falaremos sobre isto no item seguinte, mas antes quero comentar algo mais sobre esta
diferenciação.
Vejam bem: haveria, segundo apontado, ‘um’ marketing que não seria a ‘administração de
marketing’, de orientação agora mais descritiva. Assim, ao passo que a administração de marketing
seria um corpo de conhecimentos orientados ao desenvolvimento da ação, e por conseqüência do
aperfeiçoamento das relações de mercado, teríamos também uma preocupação com um ‘conheci-
mento’ de marketing desinteressado, e que, de forma imediata, não se direcionaria a aplicações, e
cujo interesse poderia ser restrito a apreciadores ou acadêmicos.
Isto enseja a compreensão do que atualmente se tenta consolidar como uma ‘ciência de mar-
keting’, ou seja, um corpo de conhecimento estruturado e orientado à compreensão do fenômeno de
marketing, que teria possibilidades de chegar ao nível das aplicações, mas não teria isto como pré-
requisito de valor. Antes que isto pareça algo impróprio para uma visão mais aplicada de marke-
ting, quero deixar bem claro que é este modelo que norteia a segunda rota de desenvolvimento de
marketing a partir do movimento de expansão da área nos anos de 1960.
Em verdade, a segunda área de maior desenvolvimento em marketing desde então, que é
comportamento do consumidor, sempre teve isto muito claro: muitos dos estudos desta área são
baseados em teorias e modelos de outras áreas (especialmente Psicologia, Sociologia, e Antropolo-
gia), e, ainda que possam ser utilizados em esforços aplicados, nunca precisaram ter isto como pré-
requisito de desenvolvimento.
Em paralelo ao desenvolvimento de ferramentas e técnicas de aplicação gerencial, marketing
passou por um forte desenvolvimento de estudos e pesquisas que buscaram se pautar na utilização
de métodos científicos. Apesar das contestações (que, aliás, são recorrentes em todos os esforços de
pesquisas nas ciências sociais), a produção de conhecimento em marketing por um grande número
de autores foi ganhando a linguagem e o rigor dos textos de orientação científica, com um esforço
de formação de um conjunto de conhecimentos com construção metodológica rigorosa, e que ser-
visse de base para os desenvolvimentos posteriores. É bom ressaltar: estes estudos e modelos em
grande parte se baseavam, e ainda se baseiam, nos mesmos tópicos convencionais dos livros de
administração de marketing, tais como preços, inovação de produtos, atividades de segmentação...
Mas vão muito além disso.
A razão desta semelhança temática é simples de se compreender: tanto os esforços de mar-
keting acadêmico quanto os esforços de marketing gerencial são parte do mesmo eixo temático de
marketing. Mesmo havendo tópicos mais específicos, especialmente nos esforços de marketing

11 KOTLER, P. A generic concept of marketing. Journal of Marketing, v. 36, p. 46-54, apr. 1972.
12

acadêmico, na grande maioria dos casos os resultados de pesquisas acadêmicas interessam aos que
estão envolvidos com atividades gerenciais (afinal, e afora controvérsias epistemológicas e/ou de
rotulação, marketing é uma atividade das ciências sociais aplicadas).
Se fizermos uma revisão rápida dos textos e materiais que são produtos da arena de marke-
ting acadêmico descobriremos os motivos pelos quais são tão desconhecidos da grande maioria das
pessoas. Em boa parte, são textos áridos, com linguagem travada pelos requisitos da cientificidade,
e uma quantidade razoável é baseada em métodos matemáticos e estatísticos sofisticados demais
para a grande maioria dos interessados em marketing. Deixo como recomendação uma ‘olhada’ em
artigos dos periódicos ‘Journal of Marketing Research’, ‘Marketing Science’, e ‘Quantitative Marketing
and Economics’. Para quem não gosta de cálculos e estatísticas não deverá ser uma tarefa muito
agradável!
Tenho que admitir que, comparativamente, é muito mais agradável ler um capítulo de qual-
quer livro de administração de marketing do que ler qualquer texto destes periódicos. Confesso isto
sem receios, e vejam que sou um acadêmico dos mais apreciadores de métodos quantitativos e
pesquisas metodologicamente sofisticadas.
Explica-se aí também porque marketing fora do círculo da administração de marketing acaba
sendo algo de interesse muito restrito. Como informei acima, chegamos quase sempre a ir mais
além da administração de marketing em cursos de mestrado e doutorado, que são, em uma visão a
priori, mais devotados ao desenvolvimento científico, e nos quais a leitura das fronteiras do conhe-
cimento mais avançadas são alcançadas e superadas. Deixo dito: aos que querem seguir carreira em
marketing pela via de mestrados e doutorados, pensem bem se estão preparados para esta visão e
esta leitura de marketing (e revelo a todos: é um universo sensacional, do qual eu, pessoalmente,
jamais me afastarei).
Mas reforço, também o marketing acadêmico não é somente uso de linguagem travada e
formulações matemáticas e estatísticas. Várias linhas de produção e literatura acadêmica procuram
o rigor mantendo a linguagem fluida, e, para alegria de muitos, sem precisar de cálculos. Veja-se,
por exemplos, os trabalhos na forma de livros e artigos publicados sobre história de marketing
(marketing history), teoria de marketing (marketing theory), e vários estudos de base qualitativa da
arena de comportamento do consumidor, ou mesmo diversos estudos de casos associados à estra-
tégia mercadológica.
Este texto que apresento é um exemplo de uma tentativa de diálogo entre uma visão profis-
sional de marketing, mas que procura manter um nível de rigor próprio da área de marketing aca-
dêmico. Se o(a) leitor(a) compreende e consegue correr estas páginas, estará vivenciando a experi-
ência de uma leitura acadêmica, que se distancia do padrão de administração de marketing, des-
crito em nosso primeiro eixo.
O marketing acadêmico, a despeito da pouca difusão além dos círculos dos encontros cientí-
ficos, das revistas e dos livros, e das disciplinas de cursos de mestrado e doutorado, se mantém
como um sustentáculo fundamental do desenvolvimento do pensamento de marketing que chega
até as aplicações no universo organizacional.
Segue-se um caminho de desenvolvimento, que, em curtas palavras, pode ser assim des-
crito12:
• A realidade prática gera demandas de decisão e de aperfeiçoamento, o que desencadeia dois
níveis de ação: primeiro, os executivos imbuídos de responsabilidade de eficiência tomam de-
cisões e esperam com isto alcançar seus objetivos; em seguida, os acadêmicos desenvolvem re-
flexões e projetos sistemáticos de pesquisa para compreender os problemas e propor soluções
que viabilizem o aperfeiçoamento de decisões futuras;
• As decisões tomadas, os resultados atingidos, e as percepções dos agentes envolvidos tornam-
se fonte de informação tanto para o aperfeiçoamento imediato das ações (em nível organizaci-

12 A exposição que segue foi fortemente baseada na seguinte referência, que recomendo a leitura: PARASURA-

MAN, A. Reflections on contributing to a discipline through research and writing. Journal Academy of Marketing
Science, v. 31, n. 3, p. 314-318, sum., 2003.
13

onal), quanto para os esforços dos pesquisadores de desenvolver suas reflexões, modelos, e
proposições (já no contexto das instituições acadêmicas, normalmente nas universidades);
• Em seguida iniciam-se esforços sistemáticos de análises (e aí costumam se aplicar ferramentas
as mais diversas, inclusive os métodos quantitativos, como acima comentado), além de um
processo normalmente longo de validação pelos próprios pesquisadores; depois disso, os tra-
balhos são consolidados na forma de relatórios e artigos para publicação em eventos ou revis-
tas de orientação científica;
• Em paralelo, estão os profissionais de mídia de negócios, que prospectam informações, inclu-
sive nas mesmas fontes dos acadêmicos, e que ilustram casos de sucesso, realizam entrevistas
com executivos e pensadores, sumarizam resultados de pesquisas, etc., e os difundem por
meio dos canais de mídia que possuem orientações exclusivas ou programas orientados para o
segmento de executivos (no Brasil, podemos citar diversos exemplos: as revistas ‘Exame’ e ‘Is-
to é Dinheiro’; o programa de televisão ‘Pequenas empresas grandes negócios’; o programa de
rádio ‘Mundo corporativo’, na rádio CBN, dentre outros);
• Depois da produção e da publicação em larga escala de conhecimentos sobre um dado tópico,
conhecimentos estes que ficam dispersos em diferentes momentos, revistas, lugares, universi-
dades, bibliotecas, etc., iniciam-se os esforços de sintetização, com uma análise de convergên-
cias e divergências de resultados, além das variações por segmentos de mercado, por circuns-
tância específica de aplicação, por método utilizado... Os resultados constituem, depois de um
longo esforço acumulado, o que se poderá validar como conhecimento seguro;
• Assim, o conhecimento acumulado pela produção acadêmica, juntamente com aquele, igual-
mente válido, publicado na mídia de negócios, serve de matéria-prima para que entre em cena
um conjunto de novos agentes do processo, que são os compiladores de todos os materiais
reunidos ao longo dos tempos. O resultado deste esforço são as grandes sínteses de conheci-
mentos, escritas normalmente com uma orientação de discurso tanto acadêmica quanto prag-
mática. Estes autores produzem os compêndios didáticos que seguem para adoção nos cursos
de formação de futuros profissionais;
• Estes futuros profissionais, em paralelo com a formação ou ao terminarem seus cursos, reini-
ciarão o processo, servindo então como exemplos de sucesso ou de fracasso, gerando decisões,
resultados, e cedendo suas próprias percepções para que agentes da imprensa de mercado ou
os profissionais acadêmicos desenvolvam conhecimentos. E assim segue...

Uma visão desta dinâmica pode ser observada na figura 1.2. Adianto que esta visão é, natu-
ralmente, parcial, e não insere aí a participação de outros agentes importantes do circuito da gera-
ção e da propagação do conhecimento gerencial e de marketing, como é o caso das consultorias, dos
professores, e dos próprios executivos que, eventualmente, se tornam agentes de difusão como
palestrantes. Mas creio que a dinâmica descrita ilustra com boa clareza o papel que têm os agentes
acadêmicos na produção de conhecimento de marketing que é aplicado no universo profissional.
Mais que isto, serve para ilustrar que o conhecimento produzido pela mídia de negócios
(normalmente muito lida por gestores e interessados em marketing) segue paralelo ao conheci-
mento produzido pelos mecanismos acadêmicos, cada um gerando uma contribuição a seu modo.
Aspectos mais detalhados sobre o valor de cada um e alguns elementos de sua essência foram mui-
to bem debatidos no texto de Nohria e Eccles13.
Quero enfatizar em especial o fato de o conhecimento acadêmico de marketing ser mais ro-
busto do ponto de vista de seus resultados, o que decorre do rigor de suas análises. Naturalmente, o
conhecimento de natureza acadêmica costuma ser mais duradouro, embora tenha as limitações de
amplitude típica dos estudos científicos (pesquisas acadêmicas costumam ser muito focadas em
termos temáticos, e suas conclusões são quase sempre restritas ao seu objetivo delimitado).

13 NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. “Where does management knowledge come from?”. In. ALVAREZ, J. L (ed.). The

diffusion and consumption of business knowledge. New York: St. Martin’s Press, Inc, 1998, p. 278-304.
14

Figura 1.2 – Visão geral da interação na produção de conhecimentos

Demanda de mel-
horias e de decisão

Executivos

Decisões, resul-
Acadêmicos Jornalistas
tados, percepções

Reflexões, pensatas, Matérias, casos,


relatórios, papers... entrevistas, artigos...

Revistas acadêmicas, Revistas, programas


anais de eventos... de TV, e de rádio...

Compiladores

Livros e materiais
didáticos

Poderíamos citar ainda diversos exemplos de contribuições de pesquisas acadêmicas de


marketing que chegam até os livros didáticos e que contribuem efetivamente para o aperfeiçoa-
mento da prática executiva; mas os exemplos podem ser bem visualizados nos próprios livros de
administração de marketing, e se verificarmos as referências bibliográficas destes podemos obser-
var facilmente que as indicações misturam quase sempre as fontes de mercado (revistas e livros
para executivos) com artigos publicados em periódicos acadêmicos.
São esses conhecimentos, em um primeiro momento descritivos (limitados a descrever os fa-
tos observados e analisados), que irão compor, em um segundo momento, uma base consistente
para as proposições de aperfeiçoamento das ações de marketing, já em um nível prescritivo (orien-
tados a dizer como as coisas devem ser feitas).
Creio que aqui se compreende a diferença entre marketing e administração de marketing
anunciada por Kotler no início deste item. Reconhecemos, e aceitamos então, o valor de uma abor-
dagem paralela de marketing, que normalmente não é alcançada por todos os interessados e estu-
diosos, mas que está na base daquilo que os interessados e estudiosos encontram nos livros de
divulgação mais ampla. Mas temos que terminar refletindo sobre alguns pontos, antes que passe-
mos aos itens seguintes:
• Se a presunção de ciência do marketing se dá por uma necessidade de aprimoramento de seu
próprio conhecimento, cabe a esta fixar as bases conceituais, e os pilares filosóficos e metodo-
15

lógicos de todo o conhecimento de marketing;


• Sendo assim, temos na área mais acadêmica as principais reflexões que procuram gerar uma
contribuição independente de aplicação imediata, mas, considerando a natureza de ciência so-
cial aplicada de marketing, estas contribuições jamais poderão se distanciar do universo de
aplicação dos conhecimentos produzidos;
• Não sem razão, a própria administração de marketing como disciplina é objeto de estudos do
marketing acadêmico, ou seja, a orientação prescritiva também é objeto do esforço descritivo
de uma orientação acadêmica de marketing;
• E o aspecto fundamental a ser debatido nos capítulos seguintes, marketing não tem, ou não
deve ter, uma aplicação restrita ao universo empresarial, embora seja o contexto das empresas
o maior demandante de conhecimentos e técnicas de marketing.

Quadro 1.1. Síntese das duas orientações de marketing


Fator Administração de marketing Marketing acadêmico
Interessados Executivos e estudantes Pesquisadores e professores
Orientação Prescritiva Descritiva
Aperfeiçoamento da prática de Compreensão das práticas e reco-
Foco
marketing mendações de ações
Canais de Livros didáticos, revistas de mer- Revistas e livros acadêmicos, even-
exposição cado, livros de mercado tos acadêmicos, relatórios de pes-
escritos quisa em bibliotecas...
Todos os livros de Administração Periódicos diversos, tais como o
Exemplos de de marketing, especialmente os de Journal of Marketing, o Journal of
canais escritos Philip Kotler Consumer Research, o Journal of
Retailing, dentre outros
Palestras para executivos, ativida- Palestras de orientação acadêmica,
Canais de
des de educação (cursos de gradu- colóquios acadêmicos, cursos de
exposição não
ação, especialização e cursos li- mestrado e de doutorado...
escritos
vres), consultorias...

As duas rotas de desenvolvimento e difusão de marketing a partir dos anos de 1960 geraram
o que temos de mais importante em conhecimento e em prática na atualidade, e norteiam o que
faremos nos próximos anos, mesmo nesta época de grandes desafios e mudanças. O quadro 1.1
sintetiza estes dois caminhos principais, trilhados ao longo de mais de 50 anos de devoção de diver-
sos pesquisadores e pensadores, e que seguramente geraram, acredito, condições propícias ao
aperfeiçoamento das relações de troca (falamos sobre isto no item seguinte).

1.2.3. O objeto de marketing

Sendo tudo isto bem compreendido (pelo menos assim o espero), fixamos condições para
uma pergunta-chave. Se marketing busca um status científico, este precisa ter um conjunto de re-
quisitos, tais como: (1) um elenco de pesquisadores e interessados; (2) um elenco de métodos e
técnicas de aplicações em pesquisas e experimentações; (3) um conjunto de canais de difusão; (4)
um contexto de aplicação; e, principalmente, (5) um objeto bem delimitado.
Os quatro primeiros requisitos estão bem visíveis no que mostramos logo anteriormente,
mas praticamente nada falamos sobre o quinto requisito. A pergunta é: qual o objeto de marketing,
ou seja, do que realmente trata marketing? Apesar de parecer uma pergunta simples, sua resposta é
muito complexa, e suas conseqüências chegam a definir tudo o que se fez e se faz no campo. Comen-
tamos, a seguir, alguns elementos do debate sobre o objeto de marketing.
É oportuno realçar que a questão do objeto é algo de importância central para um entendi-
mento mais completo da atividade, da área acadêmica, e da pressuposta ciência de marketing. Se
não sabemos com maior segurança qual é o objeto sobre o qual o estudo e a prática de marketing se
assentam, provavelmente pouco poderemos falar a respeito da área, a não ser frases de efeito, belos
16

e longos discursos desprovidos de conteúdos, e algumas ações desconectadas de um senso mais


ampliado de integração, em um nível de organizações. E se os leitores eventualmente entenderem
que sempre foi isto que se viu na prática, não se enganem: muitas pessoas falam e agem em torno
de marketing, mas nunca se perguntaram qual seria o objeto genérico da ação de marketing.
E, ainda antes de falar sobre o referido objeto, quero realçar que foi justamente no contexto
do marketing acadêmico que esta discussão passou a ser desenvolvida. Ou seja, foi no contexto do
debate acadêmico que esta questão mais preocupou, afinal toda proposta de ciência tem que ter
antes de tudo uma clara indicação do que estuda, e o quanto este objeto é somente seu.
Assim, já no início dos anos de 1970, seguiu-se um debate nos principais canais de discussão
acadêmica de marketing, especialmente o Journal of Marketing, em que um conjunto de autores
preocupados com a questão escreveram sistematicamente, em um quase consenso, de que seria a
atividade de troca o objeto de marketing. A leitura de diversos artigos desta época ilustra que não
foram grandes as contestações desta proposição, muito embora parecesse, como ainda parece até
hoje, o objeto seria a satisfação do cliente, ou os 4Ps, ou a geração de vendas, dentre outros.
Este entendimento, que parece fácil depois de alguns minutos de análise, desencadeia, por
outro lado, um esforço de construção e detalhamento que não foi de forma alguma algo fácil. Em
verdade, foram cerca de 15 anos de debate no sentido de formatar e dar clareza à troca como objeto
de marketing. Algumas questões se colocam facilmente, tais como: se é troca tal objeto, qual seria a
definição de troca? Mais que isto, sendo a troca, qual a diferença entre uma troca comercial conven-
cional, como a compra de um sabonete de um supermercado, e a troca de afeto entre membros de
uma família? Ou qualquer troca seria objeto de marketing? Faz sentido que pesquisadores de mar-
keting analisem aspectos restritos ao nível familiar, como o afeto? Provavelmente não, até porque a
antropologia já fazia isto havia tempos. Mas, então onde começa a troca que é o objeto de marke-
ting? Mais ainda, quais são os elementos que compõem a troca? Ou é esta um dado objetivo, na for-
ma como é estudada na área de economia?
Poderíamos colocar outros pontos, mas deixo recomendações de leituras que poderão ilus-
trar as discussões de questões como estas14. Provavelmente, o mais relevante para o desenvolvi-
mento que marketing ganhou dali em diante foi a questão da arquitetura da troca, e a conceituação
do sistema de troca. Este pode ser entendido como “todo o conjunto de atores, suas relações entre
si, e as variáveis endógenas e exógenas que afetam o comportamento social dos atores em suas
relações” (BAGOZZI, 1974, p. 78). Expliquemos esta definição, antes que pareça que estamos falan-
do aqui somente para acadêmicos15:
• Temos inicialmente um conjunto de atores, que, para o contexto de marketing, seriam todos os
agentes ‘ofertantes’, sejam estes institucionais (empresas querendo vender seus produtos ou
governo querendo incentivar o pagamento de impostos...) ou pessoais (indivíduos querendo
vender seus produtos), além de um conjunto de atores ‘demandantes’, que podem ser também
instituições (a empresa que compra materiais de limpeza) ou pessoas (sujeitos que compram
carros);
• Os agentes envolvidos buscam interação em torno de um ‘objeto de interesse’ que está sob a
propriedade ou posse de outros, e que irá ser a meta de cada agente, podendo ser o produto, o
serviço, ou as idéias do ofertante, ou o dinheiro, o esforço, a lealdade do demandante, dentre
outros;
• A atividade de marketing inicia-se assim quando estes agentes ofertantes e demandantes se
engajam no interesse de promover trocas de seus objetos pelos objetos de interesse dos ou-
tros. A consumação constitui o ‘ato de troca’;

14 Vejam-se os textos de Richard Bagozzi, cujas referência centrais são: BAGOZZI, R. Marketing as an organized
behavioral system of exchange. Journal of Marketing, v. 38, p. 77-81, Oct. 1974.; BAGOZZI, R. Marketing as
exchange. Journal of Marketing, v. 39, p. 32-39, Oct. 1975; BAGOZZI, R. Marketing as exchange: a theory of
transactions in the marketplace. American Behavioral Scientist, v. 21, n. 4, p. 535-556, mar.-apr. 1978.
15 Esta explicação foi fortemente baseada na discussão desenvolvida em: HUNT, S. D. General theories and the

fundamental explananda of marketing. Journal of Marketing, v. 47, p. 9-17, Fall, 1983.


17

• Naturalmente, o ato de troca ocorre em um contexto bem definido de instituições e de regras


que precisam ser aceitas pelos envolvidos. Este conjunto de instituições e regras constitui o
que chamamos de ‘contexto institucional’ da troca;
• Todo este conjunto gera reflexos, tanto na satisfação dos agentes envolvidos, quanto nos de-
mais elementos do contexto institucional de troca, inclusive aqueles que não estão diretamen-
te envolvidos no ato;

Esta descrição não dá a real dimensão da complexidade do processo geral de troca, mas
permite um novo entendimento do processo. A ilustração da figura 1.3 permite uma visualização do
que foi exposto logo acima. Com um pouco de esforço, podemos explicar praticamente toda a ativi-
dade de troca por este framework. Como exemplo, vejamos a situação em relação ao voto, próprio
do que chamamos hoje marketing eleitoral: temos como ofertantes, inicialmente, o partido polí-
tico, e em seguida os candidatos; como demandantes, temos os eleitores em um primeiro nível, e
a coletividade em um nível mais amplo; os partidos e candidatos oferecem idéias e promessas
de melhorias; os eleitores oferecem seu voto, e seu apoio; o processo eleitoral, via voto, viabiliza
o ato de troca; as conseqüências podem ser as mais diversas, indo desde a satisfação de uma vitó-
ria, a ampliação do apoio dos eleitores a uma idéia ou tese ideológica, a realização das promessa...
Tudo isto é regido por um grande conjunto de regras, leis, observadores, agentes de mídia, deba-
tes..., compondo, portanto, o contexto institucional do processo eleitoral.
Figura 1.3 – Visão do processo geral da troca

CONTEXTO INSTITUCIONAL DA TROCA

Ofertantes Demandantes
- Organizações - Organizações
- Estado - Estado
- Pessoas - Pessoas

Ofertam Ofertam

- Produtos Ato de troca - Dinheiro


- Idéias - Fidelidade
- Serviços... - Esforço...

Conseqüências
- Satisfação
- Lucros
- Bem estar
- Poluição...

Deixo a recomendação que se pratique a explicação em outras opções de troca por este mo-
delo, algo que parece esclarecer bem, como um senso genérico de sistema de troca pode explicar
muito do que ocorre nas relações cotidianas. Mais que isto, o sistema de trocas deixa bem evidente
que o objeto de marketing é, sem dúvidas, algo muito complexo e multifacetado. Ajuda também a
compreender onde se situam as atividades citadas nos itens anteriores.
Podemos agora compreender, inclusive, que o desenvolvimento do primeiro eixo (adminis-
tração de marketing) está fortemente centrado no elemento ‘ofertante’, mas que apenas compreen-
dê-lo não é o bastante, pois a troca perpassa todos os demais elementos. Também ajuda a entender
reforço, como exposto anteriormente, o que a arena do marketing acadêmico tem como tarefa, que
é analisar todos estes elementos.
Em verdade, os estudos teóricos vêm girando em torno destes elementos há tempos, e basta
18

analisar sem maiores esforços, que veremos como a área de comportamento do consumidor, por
exemplo, se concentra no elemento demandante; que a área de administração e estratégia mercado-
lógica tem forte concentração no agente ofertante; que os estudos de serviços estão fortemente
centrados no objeto da troca. E por aí segue, algumas áreas mais intensamente desenvolvidas, ou-
tras em pleno processo de desenvolvimento, outras aguardando maiores esforços de desenvolvi-
mento.
Para fins deste nosso trabalho, optei por manter foco nos capítulos seguintes sobre dois pon-
tos do nosso sistema que quase sempre caminham juntos: analisaremos o contexto institucional de
troca, e também a dimensão das conseqüências do ato da troca. Mas antes, não posso deixar de
apresentar, ainda que sinteticamente, a discussão sobre o que chamamos de marketing, o que inclu-
sive fortalece a necessidade de uma visão de orientada para além da visão do ofertante e do de-
mandante.

1.3. Mas, o que é mesmo marketing?

Tanto no contexto acadêmico quanto gerencial de marketing, esta pergunta é recorrente-


mente feita, e as respostas foram se sucedendo ao longo dos anos, apresentando sempre fortes
variações entre períodos, autores, ou instituições. Acredito que a discussão mais profunda sobre o
tema é aquela que é periodicamente desenvolvida em torno da American Marketing Association –
AMA, que, a despeito de ser uma instituição estadunidense, sempre enuncia definições de marke-
ting a partir de reuniões que envolvem os principais pensadores de marketing de cada época (vale
lembrar que a maioria destes pensadores também é estadunidense, para tristeza de nós brasileiros,
que não fomos competentes para desencadear um debate mais próprio e de face local para termos
uma definição brasileira).
Apresento aqui as quatro definições propostas por esta instituição ao longo dos anos, real-
çando que, provavelmente, muitas outras ainda serão desenvolvidas16. A primeira definição para
marketing foi formalizada pela AMA no ano de 1935, e afirmava que marketing era “o desempenho
de atividades de negócios que direcionam o fluxo de produtos e serviços dos produtores aos con-
sumidores”17.
É fácil observar nesta definição a forte associação com a idéia de distribuição de produtos e
serviços, e pode-se, inclusive, confundir esta definição com a atual conceituação do que seria a parte
de distribuição em logística (a área especializada responsável pelo esforço de suprimentos e distri-
buição). Como informado anteriormente, esta era a missão do marketing na primeira metade do
século XX, quando marketing ainda era parte da disciplina de economia. Um fato que merece ser
destacado aqui é o tempo que levou para que marketing fosse assim concebido. Como apontado, as
atividades de marketing foram inicialmente teorizadas no início do século, e esta definição vem
depois de cerca de 30 anos de atividade.
O desenvolvimento da área a partir da segunda metade do século XX trouxe o senso gerencial
para o centro da atividade de marketing, mas uma nova definição somente foi apresentada 50 anos
depois da primeira. A definição da AMA de 1985 era a seguinte: “Marketing é o processo de plane-
jamento e execução da concepção, precificação, promoção e distribuição de idéias, produtos e servi-
ços, para criação de trocas que satisfazem aos objetivos individuais e organizacionais”18. Nesta defi-
nição, é bastante evidente a presença de todo o conjunto de esforços e desenvolvimentos, englo-
bando aí tanto os elementos da administração de marketing (especialmente o composto de marke-
ting), além do reconhecimento de que a finalidade de marketing está em torno da troca. Veja-se que
esta definição foi de 1985, enunciada cerca de 30 anos depois que marketing se direcionou da eco-

16 Ver site: www.ama.org.


17 Tradução de: “[Marketing is] the performance of business activities that direct the flow of goods and services
from producers to consumers”.
18 Tradução de: “[Marketing is] the process of planning and executing the conception, pricing, promotion, and

distribution of ideas, goods and services to create exchanges that satisfy individual and organizational objectives.”
19

nomia para a administração, e quando já era inclusive apontado como uma ciência comportamental
(ver item 1.2.2).
Observe-se aqui a grande limitação desta definição: reconhece-se a conseqüência da troca,
mas somente em torno da satisfação dos agentes ofertantes e demandantes. Vale ressaltar ainda
que, quando esta definição foi lançada estavam em fase embrionária as idéias e os modelos de pen-
samento e ação de marketing que iriam chegar até o início do século XXI, especialmente a lógica
relacional (marketing de relacionamento), a teoria das redes de marketing (network marketing), e a
incorporação, na lógica da troca, do conceito de valor (ver capítulo seguinte), além da discussão
sobre o lugar de marketing no contexto organizacional. Assim, já no ano de 2004 a AMA, lançou sua
terceira definição de marketing, que foi assim enunciada: “marketing é a função organizacional e o
conjunto de processos orientados para a criação, comunicação e entrega de valor para clientes e
para o gerenciamento dos relacionamentos com os clientes, de modo a beneficiar a organização e a
seus stakeholders”19.
Não podem restar dúvidas de que esta definição amplia as demais e inova na incorporação
das tendências que vinham ditando a teoria e a prática de marketing desde o início dos anos de
1980. Veja-se que nesta definição a AMA esperou ainda cerca de 20 anos para ver consolidadas
estas tendências. O aceleramento do processo, com a redução do tempo entre as definições (a pri-
meira foi 50 anos, e agora somente 20 anos) ilustra bem a rapidez das mudanças pelas quais o cam-
po passou.
A definição de 2004 parecia a mais adequada não fossem as contestações colocadas por uma
corrente de pensadores, que não conseguiu encontrar clareza na definição, para a incorporação das
consequências das atividades de marketing20. Assim, apenas 3 anos depois, já em 2007 a AMA lan-
çou uma nova definição de marketing, que, para a instituição, estava em vigência quando da produ-
ção deste texto. A nova definição foi a seguinte: “Marketing é a atividade, o conjunto de instituições
e os processos de criação, comunicação, entrega e troca de ofertas que possuem valor para consu-
midores, clientes, parceiros, e a sociedade como um todo”21.
Um primeiro aspecto relevante desta nova definição é o reconhecimento de que marketing
não é apenas um processo, sendo também uma atividade e um conjunto de instituições. Também, e
mais importante, é o reconhecimento explícito de quem são os stakeholders que a definição de 2004
não indicava claramente. E provavelmente mais relevante ainda seja a explicitação de que marke-
ting tem que gerar valor para a sociedade como um todo, e não apenas para os agentes ofertantes e
demandantes.
A definição, mesmo sendo desenvolvida por uma instituição americana, e com a visão dos au-
tores americanos, norteia e explica bem os desenvolvimentos de marketing em nível global. Assim,
o reconhecimento do elemento sociedade dá a clara ilustração de que a área de marketing reconhe-
ce explicitamente a necessidade de reflexões sobre o impacto de marketing na sociedade e da soci-
edade em marketing. Desenvolveremos o tema mais extensamente ao longo do livro, mas antes,
precisamos consolidar mais alguns elementos desta visão de marketing, como será procedido no
capítulo seguinte.

19 Tradução de: “Marketing is an organizational function and a set of processes for creating, communicating and

delivering value to customers and for managing customer relationships in ways that benefit the organization and
its stakeholders.”
20 Vejam a interesante crítica em: WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Expanding our understanding of marketing in

society. Journal of the Academy of Marketing Science, v. 40, n. 1, p. 53-73, 2012.


21 Tradução de: “Marketing is the activity, set of institutions, and processes for creating, communicating, deliver-

ing, and exchanging offerings that have value for customers, clients, partners, and society at large”. Esta definição
foi a mesma aprovada na AMA em 2013, conforme consta no website da organização (consultado em 2014)
20

CAPÍTULO 2 – ORIENTAÇÕES DE MARKETING

Neste capítulo desenvolvemos uma discussão sobre o status organizacional e social de mar-
keting, ilustrando uma visão e um discurso crítico sobre a área, para em seguida desenvolvermos a
apresentação das duas orientações centrais de marketing nos últimos 50 anos, que foi a orientação
para o cliente e a orientação para o valor. Esta discussão viabiliza a proposição de uma visão com-
plementar àquela verificada atualmente, a partir da visão de marketing como uma atividade que
deve gerar valor para a sociedade.

2.1. Outra realidade: o baixo status organizacional e social de marketing

Iniciamos o capítulo anterior chamando atenção para a realidade de expansão da oferta e da


demanda de marketing a partir da segunda metade da década de 1990, especialmente no Brasil.
Aqui, começaremos também procedendo a uma visão em perspectiva da área, porém agora trare-
mos uma realidade um pouco mais desalentadora.
Se marketing no Brasil se tornou motivo de promessas e benefícios para os profissionais en-
volvidos e para as organizações adotantes (o que gerou uma imagem mágica e ufanista da área e de
suas potencialidades), no universo organizacional, e, em uma visão mais ampliada, na sociedade,
em uma perspectiva mais realista, marketing como disciplina e profissão não teve muitos motivos
para comemorar. Até pelo contrário, e em alguns momentos a imagem social de marketing chegou a
um nível de deterioração tão forte que, de repente, lá estamos nós profissionais da área tendo que
explicar algumas diferenças conceituais, e relativizando as práticas e seu conteúdo ético e moral.
Falarei um pouco sobre estes aspectos neste primeiro item, antes de seguir, novamente com
uma visão histórica, para as alternativas de orientação de marketing. Tomemos então duas perspec-
tivas de análise da realidade de marketing, tentando realçar uma visão crítica, mas sem caminhar
para o pessimismo ou para o niilismo: a perspectiva das organizações, e a perspectiva da sociedade.
Nyrmalia Kumar, importante pensador da disciplina de marketing estratégico, publicou no
ano de 2004 um interessante livro com a finalidade de resgatar o valor de marketing no contexto
organizacional22 (embora seja uma obra com uma década de publicação quando consolido este
texto, o conteúdo em si não perdeu atualidade). Vejam bem, a proposta foi ‘resgatar’ o valor de
marketing, e a suposição de um resgate é de que, em algum momento, a situação não foi problemá-
tica, tendo, por acidente ou conseqüência natural da evolução, enveredado por caminhos tortuosos.
Marketing, como vimos, teve um momento de consolidação a partir dos anos de 1960, em es-
pecial com os manuais e as aplicações de administração de marketing. O conhecimento, a técnica, e
as idéias de marketing alcançaram, desde os anos 1960 até os anos de 1980, resultados realmente
valorosos para as organizações. Neste período, marketing se tornou uma forte referência também
para a própria área de administração de negócios.
Em verdade, a proposta de marketing de gerenciar trocas, e por conseqüência, ser a área
responsável por algumas tarefas prioritárias do trabalho gerencial (como produzir satisfação ou
contribuir para o desenvolvimento das ofertas por meio da gestão do produto), fez com que marke-
ting se transformasse rapidamente em uma função gerencial, no sentido de funções da teoria con-
vencional da administração23. Marketing ganhou, em nível organizacional, um lócus próprio, na
forma de departamento, e trabalha em paralelo com os departamentos de finanças, de produção, de
recursos humanos, dentre outros24.

22 KUMAR, N. Marketing como estratégia: uma orientação inovadora e comprovada para o crescimento e a

inovação. Rio de Janeiro: Campus, 2004.


23 Para uma revisão sobre fundamentos da Administração, recomendo a seguinte referência: ROBBINS, S;

COULTER, M. Administração. 5. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1998.


24 Aproveito para esclarecer uma confusão que já ouvi, e que associa marketing a função comercial de Henry

Fayol. Em definitivo, marketing não é a evolução da função comercial conforme previu a teoria clássica da
administração. Em verdade, quando Fayol desenvolvia sua teoria sobre as funções da empresa e as funções da
21

Ainda nas décadas entre 1960 a 1980 são relatados casos de institucionalização em organi-
zações estadunidenses do chamado chief marketing officer (CMO), paralelo e diretamente subordi-
nado ao chief executive officer (CEO), dando a marketing desde a época um senso de ser uma função
organizacional estratégica25. Em uma perspectiva bastante genérica, as responsabilidades seriam
gerenciar as atividades de marketing (não apenas vendas e publicidade) e desenvolver uma visão
de marketing em nível de direção, além de manter a interlocução funcional com as demais funções.
Mas a partir dos anos de 1980 este status começou a recuar.
Nas organizações atuais (principalmente nas de médio e grande porte) marketing ainda é
uma função, com um conjunto de responsabilidades bem delimitado, e ocupando um corpo profis-
sional normalmente composto por administradores, publicitários, designers, estatísticos, dentre
outros. Decorrente do retrocesso na valorização de marketing, todas as atividades deste setor são,
quando muito, entendidas como intermediárias e de nível tático.
Naturalmente, há uma discussão na teoria de marketing que justifica, e muito bem, a rele-
vância de marketing como função estratégica, e que deveria ter assento e expressão privilegiados
nas principais decisões das organizações. O problema é que este discurso, embora seja consistente e
de inegável valor em nível teórico, não encontra eco nas organizações26.
Com efeito, há uma dimensão funcional nas organizações que pode ser associada a marke-
ting, e quando está institucionalizada normalmente é vista, erroneamente, como restrita a campa-
nhas promocionais de distribuição de brindes, cupons, ou de realização de eventos, ou ainda como
função responsável pelas campanhas de comunicação, com as atividades convencionais de publici-
dade e de propaganda. O livro citado de Nyrmalia Kumar apresenta resultados que mostram isto
com clareza, para preocupação de todos nós que fazemos e vivemos de marketing.
Não são raros os casos em que as decisões de marketing são restringidas pelas decisões dos
gestores de finanças ou de produção, e, nas disputas organizacionais entre os departamentos, o de
marketing tem maior tendência a perder. O discurso, a filosofia, a boa vontade da satisfação do cli-
ente, os projetos inovadores, enfim, a grande maioria das ações de marketing, no que constitui sua
missão central enquanto área funcional relevante, tudo isto, sofre com os condicionamentos das
decisões das funções mais estrategicamente relevantes.
Se o status de função organizacional foi uma conseqüência benéfica da orientação do marke-
ting gerencial desde a década de 1960, do final da década de 1980 em diante, marketing passou a
sofrer as dificuldades de uma área com um potencial muito grande de contribuição, mas sendo
percebido como de importância secundária pelos níveis estratégicos das grandes organizações (nas
pequenas e médias, o problema é maior ainda, pois em muitas destas empresas não existe sequer
um departamento orientado a marketing, quando existe algum departamento).
A suposição da necessidade de uma revalorização de marketing em nível organizacional, in-
clusive com a recondução dos departamentos de marketing para os níveis mais elevados das orga-
nizações, precisaria ser retomada, com real valorização e profissionalização da função do CMO. A
teoria da estratégia de marketing ganhou força justamente por isto, e temos atualmente uma gran-
de disponibilidade de livros, de casos, e de artigos que posicionam marketing como uma função
estratégica nas organizações, e que oferecem mecanismos de análise e aplicações adequadas para
esta visão. Mais ainda, já temos um volume bastante significativo de estudos acadêmicos que asse-

Administração, o mesmo não teria como associar a marketing, que, na época (início do século XX), estava nos
primórdios de seu desenvolvimento teórico, e que seguiu paralelo à teoria da administração até os anos 1950,
como apresentado no capítulo anterior.
25 Cf. KERIN, R. A. Strategic marketing and the CMO. Journal of Marketing, v. 69, p. 12-14, oct. 2005;
26 Recomendo aos interessados a leitura dos seguintes artigos: (1) VARADARAJAN, R.. S.; JAYACHANDRAN, S.

Marketing strategy: an assessment of the state of the field and outlook. Journal of the Academy of Marketing
Science, v. 27, n. 2, p. 129-143, 1999.; (2) DAY, G. Marketing's contribution to the strategy dialogue. Journal of
the Academy of Marketing Science, v. 20, n. 4, p. 323-329, 1992; (3) VARADARAJAN, R. Strategic marketing and
marketing strategy: domain, definition, fundamental issues and foundational premises. Journal of the Academy
of Marketing Science, v. 38, n. 2, p. 119-140, 2010.
22

guram que as ações de marketing geram efetivamente valor para os acionistas (quando as aplica-
ções são em empresas), o que destitui o sentido de qualquer acusação de que marketing é uma fun-
ção que gera despesas demais para o pouco retorno27.
Mas até agora tudo isto não tem passado de aspirações e arroubos de acadêmicos e profissi-
onais28. E ninguém sabe ao certo quais serão os resultados destes esforços, que, por sinal, são origi-
nários de pensadores acadêmicos e profissionais de marketing, e, portanto, são discursos lidos e
disseminados justamente por quem sofre deste problema. Mas quero crer (e temos que ser otimis-
tas) que, em médio ou longo prazo, teremos marketing posicionado no seu devido lugar, contribu-
indo para as decisões estratégicas e sendo reconhecido por seu valor enquanto prática e filosofia
gerencial.
Defendo com fervor a ideia de que os gestores e todos os departamentos das organizações
precisam cumprir suas responsabilidades, mas com uma ‘visão de marketing’! E antes que pareça
mais um arroubo de alguém que quer ver valorizado seu ofício, informo que direi mais adiante o
que é uma ‘visão de marketing’, uma expressão que impressiona pela força, mas que diz muito pou-
co se não tomarmos alguns cuidados.
Mas antes de falar sobre a referida visão, quero ir um pouco mais adiante em nossa análise
da realidade atual de marketing nas organizações. Como comentado no primeiro capítulo, quando
marketing se apresenta aos interessados nos temas de gestão, seu discurso e seus casos de sucesso
desenvolvem uma sedução que parece ser oriunda de uma magia própria da área. O estímulo que
recebemos por esta visão é restrito somente para aqueles que acessam o referido discurso.
Para a grande maioria das pessoas, o discurso em torno de marketing é bem diferente. Não
precisamos argumentar muito para entender a distinção que existe entre marketing e propaganda,
mas a confusão entre os dois conceitos é ainda muito disseminada. Daí decorre algo curioso: o que
dá certo é em razão do sucesso da propaganda; o que dá errado é problema de marketing. Assim,
quando são criticadas as ações antiéticas de publicidade, tais como exploração do corpo feminino,
ou mensagens apelativas e que atentam contra os valores sociais, o problema é de marketing!29
Quando um profissional de publicidade e propaganda desenvolve uma imagem de um candi-
dato em eleições, este recebe mais o nome de ‘marketeiro’, do que de publicitário. Ainda que justifi-
quemos com dados teóricos e argumentos empíricos ou metafísicos a associação intrínseca entre
marketing, propaganda, publicidade, e processo eleitoral, todos sabemos que as coisas não são bem
assim.

27 Quando escrevo estas páginas, estavam em pleno desenvolvimento estudos (de natureza acadêmica, ainda)

sobre a associação entre marketing e finanças. A título de exemplificação, temos o número especial de 2004 do
Journal of Marketing (v. 68, n. 4), que publicou um total de 12 artigos sobre o assunto, e também o Journal of
the Academy of Marketing Science publicou (v. 33, n. 4) um total de 16 artigos na mesma linha temática. Para
uma análise retrospectiva (e prospectiva) sobre a temática, recomendo os seguintes artigos: HYMAN, M.
R.; MATHUR, I. Retrospective and prospective views on the marketing/finance interface. Journal of the Acade-
my of Marketing Science, v. 33, n. 4, p. 390-400, hall, 2005. VERHOEF, P. C.; PENNINGS, J. ME. The marketing–
finance interface: an organizational perspective. Handbook of Marketing and Finance, p. 225, 2012.
28 Há referências que descrevem que, na realidade americana, os CMOs passam muito de seu tempo procuran-

do não mais que justificar sua própria existência. Esta visão é naturalmente frágil, e até já temos evidência de
que a função garante sim valor estratégico e deresultado para as organizações que a possuem, como indicado
em: ERIC BOYD, D.; CHANDY, R. K.; CUNHA JR, M.. When do chief marketing officers affect firm value? A cus-
tomer power explanation. Journal of Marketing Research, v. 47, n. 6, p. 1162-1176, 2010. Recomendo ainda a
leitura das seguintes referências: RAJU, J. S. Revitalizing the role of marketing in business organizations: what
can poor academics do to help? Journal of Marketing, v. 69, p. 17-19, oct. 2005; SILVER, S. Bring on the super-
CMO. Strategy & Business, p. 14–19, sum., 2003.
29 Dou um exemplo que ilustra bem: no movimento recente do debate sobre a qualidade de vida para pessoas

mais velhas, as expressões de uso são ‘velho, ‘idoso’, ‘terceira idade’ e ‘melhor idade’. Um amigo professor
estudioso do tema relatou que a palavras mais neutra seria idoso, e a pior e mais imoral seria melhor idade.
Esta última teria esta configuração por ser ‘uma jogada de marketing’ para atender aos interesses das empre-
sas que querem vender pra os idosos tornando as agruras da condição de idosos substituídas por um discurso
politicamente correto e lucrativo.
23

Temos como conseqüência desta confusão um fato curioso: o marketing é apontado como um
conhecimento ou tecnologia com potencial para transformar um político qualquer (por mais inca-
paz e imoral que seja) em um sujeito bem visto pela opinião pública, inclusive promovendo vitórias
nos pleitos eleitorais; isto ilustra uma espécie de poder mágico do marketing. Por outro lado, isto
gera em seguida uma séria desconfiança sobre o caráter ético da prática e do praticante de marke-
ting. A imagem dos ‘marketeiros’ é, em boa medida, de uma figura que desperta admiração junta-
mente com desconfiança (e parece ser esta a razão pela qual os partidos contratam estes profissio-
nais a preços altíssimos, mas normalmente não revelam que são orientados pelos mesmos).
A admiração e a desconfiança que as pessoas têm pelos marketeiros transferem-se para
marketing. A admiração cria uma expectativa para os profissionais de gerarem sempre decisões
criativas e de impacto; a desconfiança coloca marketing como algo que é capaz de enganar, mentir,
dissimular, e mesmo assim conseguir vender produtos sem real valor. Isto mesmo: marketing chega
a ser visto como um conjunto de técnicas e artimanhas para enganar eleitores, consumidores ou
cidadãos. Obviamente, isto vem a ser em algum momento um problema para os reais profissionais
de marketing, ou seja, para aqueles que são preparados e experimentes na realidade das práticas, e
na vivência de potencialidades e limitações.
Com efeito, marketing não é isto, e profissionais sérios de marketing não são publicitários
(ainda que publicitários possam ser profissionais de marketing), e muito menos criadores de ilu-
sões. Esta visão deteriorada de marketing no nível de sociedade é produto de um equívoco inter-
pretativo, e falta ao marketing se reposicionar (utilizando a linguagem do próprio marketing), tanto
em nível de organização quanto em nível de sociedade.
A força de deterioração tem sido muito maior que a força da construção. Alguns dos motivos
da depreciação são bem conhecidos, como, por exemplo, a má imagem dos políticos em geral, o
discurso de alguns agentes de mídia com o uso indiscriminado da palavra marketing, uma corrente
da indústria do cinema que fatura com o desenvolvimento de críticas às práticas de marketing... Isto
é potencializado pelas ações irresponsáveis de algumas empresas, que vendem produtos de má
qualidade, anunciam produtos que não possuem, desenvolvem ações de publicidade mentirosas e
apelativas, dentre outras ações. Se adicionarmos a isto um sistema de ensino que não consegue ir
além da visão de marketing como propaganda, temos então uma visão mais clara das razões que
justificam uma imagem negativa.
Mas não devemos desanimar diante de adversidades! Em verdade, creio que nós não temos
grandes motivos para preocupação, pois os mesmos mecanismos que depreciam marketing podem
ser usados para a construção de uma imagem mais consistente do que seja marketing e de quais são
suas reais potencialidades e seu valor. Como comentei no início, nosso propósito é abordar esta
realidade de marketing, traçando desde o início um contraponto com a visão mais entusiasta que
observamos no início do capítulo anterior, mas buscando realçar o que outras dimensões da pes-
quisa e da prática de marketing (como faremos nos próximos capítulos) podem fazer para posicio-
nar nossa disciplina em sua real situação.
Em uma síntese do que discutimos até aqui e considerando as observações do capítulo ante-
rior sobre o status acadêmico de nossa disciplina, chegamos à constatação de que entramos no sé-
culo XXI com três desafios prioritários para o desenvolvimento e para a valorização de marketing:
primeiro, temos o desafio associado à consolidação do contexto acadêmico; em segundo lugar, de-
vemos continuar buscando fazer de marketing uma função estratégica nas organizações; em tercei-
ro lugar, incorporamos agora um desafio negligenciado por muitos agentes de marketing, que é o de
reposicionar marketing diante da sociedade em geral. Assim, se nas últimas seis décadas buscamos
meios e avançamos para superar os desafios de transformar marketing em uma disciplina academi-
camente forte e em uma função organizacionalmente estratégica, temos agora mais um imperativo,
que é fazer de marketing uma atividade socialmente valorizada. Ilustramos na figura 2.1 esta confi-
guração de desafios.
Pelo que pudemos observar até aqui, e por ser nossa opção de carreira e militância profissi-
onal e acadêmica, dá para ver que marketing precisa enfrentar estes desafios com urgência, seja
para se livrar do discurso ufanista que gera receitas e lucros para empresas de consultorias e facul-
24

dades, seja para superar a visão de desprestígio organizacional, e seja para negar e confrontar a
tentação de uma visão niilista por parte da sociedade.
Figura 2.1 – Desafios de marketing

Ser uma função organiza- Ser uma área academica-


cionalmente estratégica mente forte

Desafios atuais
de marketing

Ser uma atividade social-


mente valorizada

Mas reconheço que os desafios são muito grandes, e que os caminhos e as abordagens de
marketing são muito extensas, o que desviaria do fio condutor do debate que apresento aqui. Na
realidade, temos vários fios condutores que podem guiar praticantes e pensadores de marketing.
Por isto, e considerando a maior urgência de uma interlocução mais intensa de marketing com a
sociedade, meu propósito é adentrar especificamente pelo problema do reconhecimento e do valor
social de marketing. As referências bibliográficas citadas nas notas (ver também a bibliografia com-
pleta) dão muitas indicações para quem estiver interessado no desafio de ver marketing mais valo-
rizado em nível organizacional, e recomendo a leitura de todas elas. Deixarei este problema para
outro momento.
Assim, concernente ao desafio de tornar marketing uma atividade reconhecida socialmente,
uma alternativa que vejo, e defenderei ao longo de todo este livro, é de que um caminho fundamen-
tal para marketing é incorporar efetivamente a última definição proposta pela American Marketing
Association (comentada no item 1.3 do capítulo anterior), ou seja, marketing precisa se posicionar
como uma atividade que gera resultados de valor para seus acionistas, para os clientes, e princi-
palmente, para a sociedade em geral. Como eu afirmei acima, nós já temos na definição, que é o
ponto de partida do próprio pensamento de marketing, a indicação de caminhos para respostas aos
problemas que a área enfrenta.
Mais ainda, precisamos reconhecer o que marketing faz para a sociedade, e o que a sociedade
pode fazer para marketing. E se isto não é tarefa fácil, em tese, já temos alguns elementos que viabi-
lizam este propósito, a começar por um extenso volume de literatura e pelo bom número de pesqui-
sadores30 que debatem questões relevantes neste sentido, como veremos nos próximos capítulos.
Parto deste entendimento, mas quero antes fundamentar esta visão, novamente em perspectiva
evolutiva, comentando como passamos por diferentes prioridades no pensamento e no discurso de
marketing, até chegar a uma visão de uma orientação de marketing para a sociedade. Fazemos isto
no item seguinte.

30 Como ilustração desse movimento, cito o desenvolvimento da formação e da pesquisa em marketing voltado

ao interesse social do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Paraíba. Este


Programa, desde 2009, passou a ministrar disciplinas de pós-graduação sempre nessa vocação, e todas as
pesquisas com temas orientados ao interesse social. Como resultado, foram formados dezenas de mestres, que
passaram a propagar essa visão por onde atuarem, e a partir de 2014 começaram a surgir os primeiros douto-
res com formação, pesquisa e interesse de difusão desses temas e projetos, na continuidade do que se iniciou
em 2009.
25

2.2. Orientações de marketing

Desde os anos de 1960 até o final dos anos de 1980, marketing incorporou e difundiu o dis-
curso da ‘centralidade do cliente’; a partir dos anos de 1990, marketing passou pelo discurso da
orientação para o relacionamento, que gerou o discurso subseqüente da orientação para a criação
de ‘valor para os stakeholders’. Estes focos foram mais associados às atividades do marketing ge-
rencial, mas não se limitou a isto, chegando a ser parte substantiva do discurso acadêmico de mar-
keting. Estas orientações ensejaram condições para uma proposta de orientação do marketing co-
mo uma ‘atividade social’.
É necessário advertir aqui que nosso propósito não é fazer um resgate histórico das orienta-
ções de marketing, como fez Philip Kotler em sua visão das orientações empresariais para a produ-
ção, para o produto, para as vendas, para o marketing e para a sociedade (o que este autor aponta é
que os conceitos associados a estes elementos – produção, produto, vendas, marketing e marketing
societal – podem ser os norteadores da ação empresarial, e não da ação de marketing). Estas alter-
nativas, que foram adotadas por diversos outros pesquisadores e produtores de livros didáticos
(ver exemplos apontados no capítulo anterior), atendem bem aos que se interessam por uma visão
evolutiva dos focos prioritários da ‘organização como um todo’. Nosso foco, aqui, foi por uma visão
mais contemporânea e mais ‘centrada em marketing’ do que no que se pratica de marketing em
organizações.

2.2.1. O discurso de marketing da orientação para o cliente

O discurso da orientação para o cliente é o que justifica a ideia do ‘conceito de marketing’. In-
ternacionalmente, este discurso teve um início bem definido no tempo, e costuma-se atribuir o
ponto de partida ao artigo de 1960, de autoria de Robert Keith, que descreveu as possibilidades de
orientação da empresa (do setor alimentício) Pillsbury Company31. Keith usou as referências das
possibilidades de orientações, como apontado logo acima, e defendeu que o cliente e sua satisfação
deveriam ser prioritários, o que seria a orientação de marketing.
Este discurso, que contribuiu para o próprio desenvolvimento da disciplina de comporta-
mento do consumidor por realçar a importância do cliente no processo de troca, rapidamente se
tornou a referência das proposições de marketing nas décadas seguintes32. Desde então, temos
observado um forte avanço deste discurso entre organizações e seus agentes, de modo mais pro-
nunciado entre os agentes empresariais, porém crescentemente nos meios público e social.
No Brasil, estas idéias chegaram com aproximadamente duas décadas de atraso, e somente a
partir dos anos 1980 começamos a pensar na lógica da satisfação e da orientação para o cliente de
grandes empresas brasileiras. Quando escrevo estas páginas, este já é, em nosso país, um discurso
generalizado.
Não restam dúvidas de que tal realidade é sinal de uma evolução na visão gerencial das or-
ganizações no Brasil, e, provavelmente, não há qualquer empresário, gestor, professor, ou mesmo
agente público, que ponha em dúvida que o cliente é o foco das atividades de sua organização, que
sem ele não há sentido no trabalho gerencial, que sua satisfação está acima dos interesses das orga-
nizações, que a organização deve ter sua meta de desempenho principal no grau de satisfação dos
clientes e não na lucratividade, ou, mais recentemente, que um negócio não se resume apenas a
gerar resultados para seus proprietários e acionistas, uma vez que o negócio de qualquer organiza-
ção é, acima de tudo, ‘servir’ ao cliente.
Com certeza, temos um belo elenco de boas intenções, tão forte e tão onipresente que chega
mesmo a compor o principal enunciado de razão existencial das organizações, como ilustram as
missões declaradas de várias grandes empresas brasileiras. A título de ilustração, vejam a missão

31KEITH, R. J. The marketing revolution. Journal of Marketing, v. 24, n. 1, p. 35-38, 1960.


32Cf. SHETH, J. N.; GARDNER, D. M.; GARRETT, D. E. Marketing theory: evolution and evaluation. New York:
John Wiley & Sons, 1988.
26

do Grupo Pão de Açúcar, disponível em seu site de internet: ‘garantir a melhor experiência de com-
pra para todos os nossos clientes, em cada uma de nossas lojas’. Outro exemplo de missão interes-
sante é a da Unimed (unidade de Fortaleza), para citar um exemplo de uma organização problemá-
tica em termos de serviço, é a seguinte: oferecer soluções em promoção e assistência à saúde, forta-
lecendo o médico cooperado e assegurando a satisfação dos clientes, com inovação e sustentabili-
dade33.
Não pretendo entrar no mérito destas missões, e algumas até temos que reconhecer que não
são apenas exemplos de criatividade, correspondendo efetivamente ao que se faz. Por outro lado, o
discurso da satisfação como meta tem associado a si outro propósito, qual seja, o de que os clientes
satisfeitos tornem-se leais e fiéis, por meio de repetição de compra ou de recomendações para ou-
tros clientes em potencial, gerando assim mais resultados de vendas e lucros.
Nada demais até aí, se isto em efetivo não escondesse os reais objetivos do discurso de su-
perfície, ilustrado nas ações de comunicação de marketing, de que o cliente está acima de tudo. Em
verdade, poderíamos refazer esse discurso, dizendo que para gestores e empreendedores, a satisfa-
ção do cliente é um meio, e não um fim, que gera os resultados desejados por suas organizações.
Não soaria, de forma alguma, algo simpático, e pareceria revelar a imagem do sujeito oportunista,
com um discurso agradável, mas sem esconder seu interesse de extrair do seu cliente até o último
centavo de seu bolso.
Por mais que tentemos não ser pessimistas com a ação empresarial, o cinismo potencial ex-
presso no discurso da orientação para o cliente desanima, especialmente se pensamos no discurso
paralelo da ética, da responsabilidade, e da sensibilidade social que atualmente marcam a teoria
gerencial e de marketing.
Quero crer, como defensor e um esforçado divulgador do valor do conhecimento e da prática
de nosso campo, que não podemos pensar em marketing, ou orientação de marketing, restrita a um
discurso ou a uma prática tão frágil, e, reconheçamos, tão oportunista. Mas, onde está o problema?
E se não é assim, como deve ser o discurso de marketing? Devemos abandonar o discurso do cliente
como ‘rei’?
A discussão acadêmica e de mercado de tentativas de respostas a estas questões é bastante
empolgante, e é fácil colocar um pouco mais de emoção no debate, inserindo aí as questões clássicas
da eficiência de custos, da necessidade de retorno sobre o investimento, da lógica do lucro como
remuneração da iniciativa empreendedora, da importância da reversão de forças e do equilíbrio de
poder entre os stakeholders, e por aí seguiria, provavelmente, para chegar a alguma conclusão que
não concluiria nada, mas que ao menos satisfaria a necessidade de expressão crítica e de autodefe-
sa. Não é assim que alguns advogados aprendem a defender e acusar ao mesmo tempo? Não é assim
que nós professores tentamos desenvolver nos nossos alunos uma visão multifacetada e crítica da
realidade?
Pensando como cliente, e como um estudioso do comportamento dos clientes, eu diria que, a
contar pelo resultado, pouco importaria a motivação oculta dos agentes gestores e empreendedo-
res. Diria mais, e exemplifico: se vou a uma sala de cinema do conforto e da qualidade de imagem e
som das salas do grupo UCI, e vivencio a magnífica experiência de ver o grande Daniel Craig extra-
vasar em sua interpretação do agente 007, não tenho porque me preocupar se o reais objetivos fins
da empresa não sejam associados a minha satisfação, mas que esta é apenas um meio para que o
cinema continue mostrando resultados financeiros positivos para seus empreendedores. Devo re-
conhecer que tenho um sacrifício elevado (e cinema no Brasil é, infelizmente, muito caro), mas em
uma análise pela lógica do valor percebido (que falaremos mais em outros momentos), creio que
vale a pena! Em outras palavras, é muito bom receber um alto valor quando demando, e quero crer
que esta visão pode ser generalizada para qualquer cliente, mesmo um marxista vermelho ou um

33 Ambas as missões foram consultadas nos websites das duas organizações em março de 2014. Não precisa-

mos de muitos argumentos para anotar duas coisas: primeiro, ambas são belas, bem construídas e inspirado-
ras; segundo, em nenhuma delas é possível notar nos clientes uma sensação de credibilidade, ao menos no que
parecem os contatos que o autor possui.
27

esquerdista residual dos tempos em que as esquerdas eram oposição no Brasil.


Precisamos realçar algo mais sobre a orientação organizacional para o cliente: as empresas
que adotam esta orientação o fazem quando os pesos na balança de poder entre os clientes e a or-
ganização se desequilibram em favor do cliente. E os elementos que provocam o desequilíbrio em
favor do cliente são de três tipos básicos: as regulamentações provenientes dos órgãos de estado; a
pressão de grupos organizados de clientes por meio de movimentos ativistas; e, mais importante e
mais efetivo que os anteriores, a estrutura concorrencial de mercado34.
De fato, um bom atendimento de empresas que monopolizam serviços públicos (como água,
comunicação e transporte, por exemplo), parece somente ocorrer quando estas são obrigadas por
lei a atender bem aos clientes, sob o risco de penalizações por parte do estado. Eu daria exemplos
diversos, mas creio que todos nós temos experiências interessantes para contar.
Em relação aos movimentos organizados, temos aqui uma alternativa que tem seu funciona-
mento condicionado ao desenvolvimento educacional do público e da estrutura de sociedade. Quan-
to mais educada uma sociedade e quanto mais aberta é esta sociedade, maior o poder de grupos
organizados na pressão sobre as organizações e mesmo sobre o estado, inclusive pressionando para
a criação de leis em seu favor, para viabilizar o primeiro tipo comentado. Naturalmente, este não é o
caso de grande parte dos grupos ou segmentos sociais atendidos por diversas empresas, e, por esta
razão, esta alternativa tem sido limitada, especialmente no Brasil (falaremos mais sobre o movi-
mento ativista nos capítulos posteriores)
No caso da concorrência, aqui temos o grande elemento em favor do cliente. A concorrência é
o fator que justifica os arroubos do discurso das empresas em atender bem aos clientes, que podem
se transferir para o concorrente e gerar vantagem competitiva no antagonista (de mercado). Tam-
bém daríamos exemplos aqui, mas os dispensarei (todos conhecemos alguns bons exemplos), para
alertar que as organizações que não atuam em mercado concorrido normalmente não estão muito
preocupadas com orientação para o cliente.
Em outras palavras, o imperativo do cliente rei é relativo! Como clientes, não somos sempre
reis, para nosso desgosto. Mas temos algo mais interessante: para muitas organizações e profissio-
nais, o cliente não deve (quase) nunca ser foco prioritário. Comentamos um pouco mais sobre esta
contestação no item seguinte.
2.2.2. Contestações da lógica do cliente

A lógica do cliente parece tão consistente que é difícil se contrapor, em uma análise a priori.
Isto é ótimo para o cliente. E para universo empresarial, se não levarmos em conta algumas especi-
ficidades setoriais, o discurso do cliente somente não é tão simpático quanto o discurso da respon-
sabilidade socioambiental e da gestão ética (estes dois últimos, que remetem a uma perspectiva
mais geral de atuação, envolvem inclusive a satisfação do cliente).
Por outro lado, quando este imperativo chegou a alguns contextos especiais e historicamente
problemáticos em termos de qualidade de atendimento, diversos esforços de contestação da lógica
do cliente foram construídos, alguns, reconheça-se, muito bem construídos. Citemos como exemplo
o caso das instituições de saúde e o atendimento médico em nosso país.
No Brasil, é muito comum alguém se dirigir a uma clínica ou mesmo hospital, e encontrar de-
zenas de pacientes pacientemente esperando em uma fila com atrasos de horas, mesmo nos casos
de hora marcada (ou seja, a palavra paciente alcança um sentido mais pleno que o convencional). É
comum também no Brasil o atraso médico; aliás, é quase uma tradição, e não são poucos os clientes
que, quando marcam uma consulta, que normalmente não demora mais que 30 minutos, deixam
reservados turnos inteiros, já prevendo que os 30 minutos de atendimento serão complementados
com uma ou duas horas de atraso (no caso do serviço público, por vezes até dias).

34 Uma quarta possibilidade seria a ‘consciência’ dos empreendedores e gestores, porém esta me parece mais
rara, e, a despeito de haver exemplos interessantes, não são muitos, e são controversos. Logo, opto por não
incluir esta possibilidade, ao menos até conseguirmos fixar uma formação em marketing focada na boa mora-
lidade que supere a visão vigente quando escrevo este texto.
28

Para o cliente, o discurso da satisfação seria muito bem vindo, e até se verificou, e se verifica,
isto em algumas clínicas e alguns médicos (veja a missão da Unimed Fortaleza apresentada acima).
Por outro lado, o discurso do cliente é fortemente contestado pela categoria médica, que defende
que o paciente precisa, acima de tudo, ser bem tratado (em sua doença), e não precisa para isto
ficar satisfeito! Paciente não é cliente, e tem mesmo é que esperar, pacientemente, pela incapacida-
de da categoria médica e das clínicas e hospitais de desenvolverem um planejamento de operações
minimamente organizado (é interessante que em experiências recentes foi possível observar médi-
cos culpando os clientes por chegarem atrasados e daí atrasarem os demais).
Mas vejamos mais detidamente o argumento dos nossos doutores: imaginemos um médico
preocupado em deixar seu cliente satisfeito e para isto chegue a comprometer seu tratamento. Pes-
soalmente, eu preferiria esperar na fila umas dez horas e ser curado de uma doença do que ser
atendido por um profissional educado, sorridente, e atencioso, e pontual, mas que, para não atrasar
o outro cliente que vem logo em seguida, se obrigue a fazer um tratamento parcial.
Se não analisarmos mais detidamente a lógica por detrás destes argumentos, podemos facil-
mente ser tragados pela força do medo de um tratamento inadequado. Porém, analisando mais
cuidadosamente, é fácil observar que o argumento coloca a questão sob um ângulo errado, e se
desvia a questão central. Com efeito, em vez de confrontarmos como opostos o respeito e a qualida-
de (o que muitos membros da categoria médica preferem colocar como opostos), não resta dúvidas
que em questões de saúde sempre consideraremos que a qualidade é mais importante que o respei-
to; porém creio que deveríamos ter tanto o respeito como a qualidade, afinal boa qualidade também
envolve respeito aos clientes.
Isto que para profissionais de marketing, e mesmo para estudantes de conceitos básicos de
marketing, é algo óbvio, parece não ser para parte da classe médica, que em momentos passados
defendeu uma cruzada contra a orientação para o cliente, que provocaria uma deterioração da qua-
lidade do serviço, pondo a saúde das pessoas em risco! Belo discurso! Se fosse verdadeiro, e se os
profissionais sentassem na cadeira da antessala e tivessem que perder horas folheando revistas de
seis meses atrás, creio que entenderiam; mas não o fazem, e os clientes pagam a conta duas vezes.
A questão do atendimento médico não é exclusiva. Em verdade, ela é própria dos serviços
nos quais o receptor pode não se satisfazer com o resultado, se este tiver que ser realizado de acor-
do com o pressuposto da atividade profissional. Assim como os médicos, a classe docente de ensino
superior também enfrenta sérios problemas com a lógica do aluno como cliente, que, para estar
antes de tudo satisfeito no serviço que recebe, pode comprometer sua formação como profissional
(não é incomum alunos de engenharia que detestam Física, e que a lógica do cliente permite que
este desconsidere a matéria e ainda assim receba seu diploma. Não sou engenheiro, mas todos nós
sabemos o valor da Física para a engenharia!).
Não quero entrar em maiores detalhes neste caso agora, o que daria muito o que falar, espe-
cialmente em função do forte avanço do setor privado na formação superior, que precisa prospectar
alunos para se manter no mercado; mas aproveito para colocar a mesma questão: se o aluno não é
cliente, então este não precisa estar satisfeito com o serviço dos professores e das instituições?
Antes que argumentemos que a satisfação virá no futuro com a qualidade profissional, quero refor-
çar que a satisfação do aluno é antes de tudo um fator de motivação nos estudos, de modo que não
podemos sacrificar a satisfação presente em nome de uma satisfação futura, sob o risco de não con-
seguirmos motivar adequadamente os alunos atuais.
Como pacientes ou como estudantes, gostamos da lógica do cliente, pois nos favorece. Por
outro lado, tal lógica parece gerar dificuldades para os demais agentes do processo de troca. Sendo
marketing a atividade responsável pela harmonia do sistema de troca (ver item 1.2, no capítulo
anterior), devemos buscar compreender as circunstâncias e as justificativas pelas quais a lógica do
cliente falha em gerar esta harmonia. Debatemos uma visão a seguir.

2.2.3. A superação da lógica do cliente pela lógica do valor

Mantenhamo-nos na análise das motivações ‘ocultas’ da suposta orientação para o cliente,


29

pois creio que podemos ir mais longe neste debate e discutir algumas questões adicionais. Pelo
exposto no exemplo acima sobre o cinema (sobre o filme de 007), e daríamos vários outros, propo-
nho que reconsideremos o discurso a partir da lógica da geração do valor, que pressupõe dois ele-
mentos centrais: os benefícios e os sacrifícios.
A lógica do valor é, na realidade, um desencadeamento do desenvolvimento conceitual e pa-
radigmático da teoria do relacionamento em marketing. Seria inclusive possível defender que não
teríamos uma superação da orientação para o cliente por uma orientação para valor, mas sim por
uma ‘orientação para o relacionamento’.
O desenvolvimento da teoria do relacionamento desde a década de 1980, e mais intensamen-
te nos anos de 1990, fez com que esta área de fato reorientasse o sentido e o discurso de marketing,
inclusive reorientando a ênfase na satisfação do cliente para uma ênfase na lealdade, na confiança,
no envolvimento e no comprometimento deste mesmo cliente. O status da teoria relacional evoluiu
para um nível já paradigmático em marketing, e a orientação para o valor é justamente uma conse-
qüência deste paradigma35.
Entendemos por valor a ‘razão entre os elementos de benefícios e sacrifícios presentes nas
relações de troca’, que variam objetivamente a partir da perspectiva dos agentes envolvidos, mas
que, em qualquer circunstância, ‘sempre queremos mais benefícios e menos sacrifícios, ou seja,
sempre queremos mais valor’36.
Se avaliarmos detidamente o debate acima, podemos perceber que parece haver uma confu-
são entre orientação para o cliente e geração de valor. Com efeito, receber valor parece ser a moti-
vação mais fundamental para o cliente, mas também para os ofertantes, para os funcionários, e para
os stakeholders de uma forma geral. Se não houver, para qualquer destes agentes, mais benefícios
que sacrifícios, perde-se o sentido da atividade de troca, e o agente logo se distancia do processo.
Como clientes, esta é nossa meta primordial, e isto parece ser tão óbvio que os esforços de
comunicação de marketing de empresas sempre realçam o preço baixo e os diversos benefícios de
suas ofertas. Devemos reconhecer que, se o discurso da orientação para a satisfação do cliente é
acompanhado por uma efetiva geração de valor para este, não precisaríamos nos preocupar com as
reais motivações dos agentes gestores ou empresariais. Em verdade, em muitas circunstâncias de
consumo pouco importa o discurso da empresa, se temos a percepção do valor que nos satisfaz.
Pelo ponto de vista dos agentes ofertantes, seria compreensível se anunciassem seus objeti-
vos da mesma forma, naturalmente definindo, a seu modo, quais serão seus benefícios e quais seus
sacrifícios. Assim, os empresários parecem estar sempre buscando o benefício da maximização de
lucros, a reputação de suas marcas, o reconhecimento social etc., mas estão sempre buscando mi-
nimizar os sacrifícios que têm que fazer, reduzindo os custos de suas operações, reduzindo suas
preocupações e sua carga de trabalho, e principalmente, reduzindo o risco que correm ao empreen-
derem.
Ainda pela lógica do valor, parece ser fácil justificar também o discurso dos profissionais de
recursos humanos da centralidade do colaborador (funcionário), que também estaria ali fazendo
sacrifícios (tempo de trabalho, esforço, pressão pessoal, submissão à rigidez das regras e metas...),
mas alcançando os benefícios que busca (salário, bom relacionamento com outros colaboradores...),
e, naturalmente, querendo sempre maximizar a relação do valor em seu favor.

35 A quem interesse aprofundar estas questões, recomendo em especial as seguintes referências: (1) GRÖNRO-

OS, C. Quo vadis, marketing? Toward a relationship marketing paradigm. Journal of Marketing Management, v.
10, p.347-360, 1994; (2) SHETH, J. N.; PARVATIYAR, A. Evolving relationship marketing into a discipline. Jour-
nal of Relationship Marketing, v. 1, n. 1, p. 3-16, 2001; (3) PAYNE, A.; HOLT, S. Diagnosing customer value: inte-
grating the value process and relationship marketing. British Journal of Management, 12, 159-182, 2001.
36 A discussão sobre o conceito de valor está além dos nossos objetivos aqui, mas aos interessados, recomendo

a leitura da discussão conceitual presente em minha tese de doutorado. A referência é: COSTA, F. J. A influência
do valor percebido pelo cliente sobre os comportamentos de reclamação e boca a boca: uma investigação em
cursos de pós-graduação lato sensu. 240f. Tese (Doutorado em Administração de Empresas). Fundação Getúlio
Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo, 2007.
30

Esta lógica, que parece equilibrar bem as metas dos agentes que se relacionam mais direta-
mente com as organizações, vem sendo defendida de maneira eficiente por alguns pensadores de
marketing, em especial por Adrian Payne37, que ilustra seu pensamento conforme mostrado na
figura 2.2, que explico parcialmente a seguir.
Figura 2.2 – Ciclo do valor de Adrian Payne
Retenção de Recrutamento
clientes de funcioná-

Satisfação dos Mercados Organização Satisfação de


clientes - Clientes - Mercado interno funcionários
- Recomendações - Recrutamento

Atração de Retenção de
Determinação
clientes funcionários

Processo
Avaliação do valor Criação

Entrega

Engajamento de Stakeholders Retenção de


stakeholders - Acionistas stakeholders
- Mercados de influência
- Fornecedores
- Parcerias

Satisfação de
stakeholders

No centro, temos o ciclo do processo do valor, que tem quatro atividades centrais: determi-
nação do valor, criação do valor, entrega do valor, e avaliação do processo. A organização seria en-
tão guiada pela lógica deste ciclo, com direcionamento à produção de valor para os três agentes
centrais comentados. Teríamos então que:
• Para os clientes: o ciclo deve gerar inicialmente a atração dos clientes, sua satisfação, e como
conseqüência sua retenção (veja que aqui a satisfação é uma consequência do processo de va-
lor);
• Para os colaboradores: o ciclo deve recrutar os funcionários, gerar sua satisfação, e por conse-
quência sua retenção;
• Para os stakeholders (fora os clientes e os colaboradores): o ciclo deve inicialmente reter os
stakeholders, gerar satisfação destes, e por conseqüência seu maior engajamento no processo.

A elegância desta visão não deixa dúvidas que ela é superior a uma lógica de marketing ori-
entada a produzir satisfação aos clientes. No entanto, uma análise mais detida da ilustração da figu-
ra indica que algo parece estar faltando. Pensando um pouco mais adiante do que está proposto,

37 Cf. PAYNE, A.; HOLT, S. Diagnosing customer value: integrating the value process and relationship market-

ing. British Journal of Management, 12, 159-182, 2001.


31

podemos ver que a tese do valor parece pressupor que os três agentes envolvidos (clientes, empre-
endedores, e colaboradores) seriam os agentes mais relevantes da geração de valor na atividade de
marketing. No entanto, falta ilustrar o valor em um nível agregado, envolvendo estes três agentes,
mas também expandindo para o conceito mais genérico de sociedade, que envolve todos estes, mas
também diversos outros agentes que não estão diretamente presentes no processo organizacional.

2.3. Por uma lógica de geração de valor para a sociedade

Alinhado com nossa intenção de posicionar marketing como uma atividade socialmente valo-
rizada, e em consonância com a definição de marketing que prescreve a consideração da sociedade
em geral como uma receptora dos resultados de marketing, adotamos o entendimento de que a
visão de marketing necessária é aquela que o coloca como uma atividade que determina, cria e en-
trega valor para a sociedade.
Isto implicará em uma definição do que venha a ser benefício para a sociedade da atividade
de marketing, e do sacrifício que esta terá que fazer para receber os benefícios. Citamos, prelimi-
narmente, que marketing tem diversos benefícios, como, por exemplo, o esforço de renovação de
suas ofertas, a possibilidade de acesso a produtos e serviços (inclusive para consumidores de baixa
renda), além da própria oferta das ferramentas de marketing para resolução de problemas sociais,
como propõem as técnicas e modelos do chamado marketing social (que analisaremos em dois
capítulos em separado na segunda parte de nosso livro), ou dos estudos especializados de compor-
tamento do consumidor para subsidiar decisões de regulação governamental. A sociedade oferece o
sacrifício, por exemplo, de ter que dedicar esforço de atenção a práticas impróprias dos ofertantes
(como é feito pelas organizações de proteção ao consumidor e ao consumo), além de ver parte dos
gastos do Estado direcionados a atividades de regulação ou fiscalização das práticas de marketing.
Pensando na mesma lógica do ciclo do valor, podemos compreender na relação de troca en-
tre a organização e a sociedade, que o ciclo deve gerar interesse da sociedade, satisfazê-la, e gerar a
valorização e a legitimidade social de suas ações. A figura 2.3 ilustra um complemento para o ciclo
da figura 2.2.
Figura 2.3 – Processo do valor para a sociedade

Processo do
valor

Sociedade
Valorização e legi- - Grupos organizados Interesse da socie-
- Entidades estatais
timidade social - Meio ambiente
dade
- Comunidades...

Satisfação da socie-
dade

Não pretendo neste capítulo aprofundar a discussão, porque a faremos nos capítulos seguin-
tes (na segunda parte). O que quero realçar, por enquanto, é a necessidade desta visão. No quadro
2.1 sintetizamos as três orientações comentadas, destacando a origem, o foco, e a conseqüência da
cada uma.
Já que justificamos parcialmente nossa tese neste item, creio que precisamos agora apontar
alguns elementos mais concretos desta demanda. A experiência cotidiana nos mostra diversas situ-
ações em que marketing, ou algumas atividades de marketing, não alcançaram o sentido desta ori-
entação. Assim, ilustramos este entendimento com um caso que vem chamando a atenção da opini-
32

ão pública nos últimos anos.


Quadro 2.1 – Síntese das orientações
Orientação Centralidade do cliente Valor para os stakeholders Marketing como atividade
social
Reorientações de marketing Paradigma relacional desen- Esforço de valorização de
Origem a partir dos anos de 1960 volvido a partir dos anos de marketing, a partir dos anos
1980 2000
Valorização da satisfação do Geração de valor para todos Geração de valor os
Foco/desafio
cliente os stakeholders stakeholders e para a socie-
de marketing
dade
Marketing ganhou um status Marketing se colocou como Marketing estabelece sua
Conseqüência funcional nas organizações uma filosofia de orientação valorização e legitimidade
social

Caso 2.1 – Setor de bares e restaurantes e a relação com os clientes


Vejamos o exemplo do segmento de bares e restaurantes. Trata-se de um segmento de fun-
damental importância social, pois trabalha com uma modalidade de oferta que atende a conveniên-
cias de lazer, e também de atendimento a demandas de trabalhadores, ou mesmo de pessoas sem
possibilidade de se alimentar em suas casas. Bares e restaurantes são parte de uma atividade que
gera um grande benefício para a coletividade, e ninguém duvidaria disto.
A essencialidade do objeto (alimentos) levanta questões que requerem cuidados especiais
em termos de higiene e limpeza, e, naturalmente, de respeito aos demandantes. Por outro lado, é a
partir destes ofertantes que normalmente se inicia a ingestão de bebidas alcoólicas, e todos nós
sabemos os riscos que as bebidas alcoólicas provocam, especialmente para quem irá dirigir em
seguida. A partir do ano de 2008, o Estado brasileiro tomou por entendimento que deveria restrin-
gir o consumo de bebidas alcoólicas para motoristas, em duas frentes: primeiro, proibiu a venda
destas bebidas em bares e restaurantes de rodovias; segundo, instituiu a chamada lei seca, que
aplica uma multa de elevado valor a quem for pego com um nível de ingestão de álcool além do
permitido.
Não é possível acreditar, de imediato, que alguém possa se contrapor a medidas como estas,
que visam antes de tudo resguardar a segurança no trânsito e salvar vidas, controlando o risco de
acidentes decorrente de problemas com excesso de álcool. Mas não foi este o entendimento de par-
te dos ofertantes do segmento.
Quanto à lei que proibia a venda de bebidas nas rodovias, as estratégias do setor foram duas:
a primeira, mais pitoresca, foi adotada pelos proprietários de restaurantes que estavam localizados
em esquinas; estes mudaram o endereço do restaurante (sem sair do lugar) para a rua perpendicu-
lar à rodovia, como forma de manter o direito de vender as bebidas. A segunda foi mais convencio-
nal, acionando a justiça para resguardar o direito de vender as bebidas, e partindo para o embate,
inclusive com barricadas, com um forte esforço de comunicação, e com o discurso de sempre: beber
é um direito de cada um, não se pode limitar a liberdade das pessoas, e, o mais de sempre ainda, a
limitação vai gerar desemprego, os garçons serão demitidos, os pais de família não poderão mais
alimentar seus filhos, e tal e tal e tal.
No caso da lei seca, o problema é mais complexo, pois a proibição não é do bar de vender,
mas de o motorista beber. Ainda assim os proprietários de bares e restaurantes partiram para o
contra ataque, com os mesmos argumentos acima: direito individual, desemprego... A causa da lei?
As mortes no trânsito? O risco à vida humana? O custo à saúde pública? Bem, isto é problema da
sociedade, e não dos bares! Eis a questão, e sua resposta!
É bom lembrar que o tempo passou e várias restaurantes adaptaram suas ofertas, alguns
com articulações com taxistas ou motoristas de plantão para dirigir o carro dos bebedores. Mas da
parte dos consumidores, afora as milhares de multas que passaram a pagar após o enrijecimento da
fiscalização a partir de 2012 e 2013, alguns conseguiram se aproveitar dos avanços das comunica-
ções e criaram mecanismos de internet que informam até em smartphones como está o trânsito e a
33

fiscalização nos trajetos das principais cidades brasileiras.


Uma constatação óbvia de tudo isto: o desequilíbrio dos sistemas de marketing não é oriundo
apenas de um de seus agentes, ou seja, tanto ofertantes como demandantes parecem se despreocu-
par com os custos sociais dos seus atos de consumo. O terceiro agente (aqui o Estado), paga o custo
social de regular e fiscalizar, e recepciona o benefício da redução de gastos públicos com tratamen-
to de acidentados.
Ainda no contexto de bares e restaurantes, temos uma situação mais sintomática ainda, que
foi a contestação por alguns órgãos de defesa do consumidor, já no ano de 2009, da cobrança da
taxa de 10% sobre a conta nos restaurantes. Para quem não sabe, esta taxa é instituída como acordo
entre a categoria patronal e a dos garçons, com a taxa sendo direcionada à remuneração destes
últimos. Algo assim: as duas categorias decidiram, e o cliente, que não decidiu nada, passou a ser
convidado a pagar! E é cobrado, por vezes, como uma obrigação! A contestação tem este argumen-
to: para os empresários, o que estaria havendo na realidade era uma perseguição à classe empreen-
dedora, mais uma, aliás, que se soma às leis perseguidoras, além da carga tributária extorsiva...!
Compreenderíamos tudo isto, se fosse tudo verdade. E, antes que alguém me conteste quanto
ao uso de uma palavra tão evasiva como verdade, coloco a questão para reflexão: como uma ativi-
dade fundamental do sistema de marketing, que é a atividade varejista do setor de bares e restau-
rantes, estes não deveriam apoiar uma iniciativa que, acima de qualquer coisa, preserva o bem estar
coletivo? Mais ainda, não estaria a atividade do setor contribuindo para a geração de um ônus para
toda a sociedade pagar, ainda que de forma não intencional, em virtude dos riscos do consumo de
álcool? Deixo as questões, mas não ensaio respostas, até porque parecem já muito claras as minhas
opiniões.
34

CAPÍTULO 3 – MARKETING E SOCIEDADE: UMA DISCIPLINA

Neste capítulo o objetivo é desenvolver a conceituação e o escopo de uma disciplina específi-


ca de marketing, que chamamos de ‘Marketing e sociedade’. Para tanto, o conteúdo foi estruturado
três partes: primeiramente, discuto o entendimento de marketing como uma atividade social; de-
pois, parto para um resgate histórico da fragmentação que marketing sofreu nos anos de 1960 e
1970, e que viabilizou uma forte ampliação da tarefa de marketing; de posse dos argumentos apre-
sentados nos dois primeiros itens, apresento, no terceiro item, uma visão do que seja a disciplina de
marketing e sociedade e de seus principais temas.

3.1. Marketing é uma atividade social!

Para nossos propósitos de análise, adotamos por pressuposto que marketing é, antes de tu-
do, uma atividade social, ou seja, marketing se expressa, se analisa, e se operacionaliza no contexto
social. O próprio nascimento da disciplina acadêmica de marketing ocorreu em um momento histó-
rico bem delimitado, com a configuração de um conjunto de forças sociais que impulsionaram sua
existência e seu desenvolvimento temático, primeiramente no contexto da ciência econômica, de-
pois no âmbito da administração, e posteriormente como uma área disciplinar independente.
Também o objeto central da atividade e da disciplina de marketing, que é, como comentamos
anteriormente, a troca que se estabelece entre um ofertante e um demandante, é uma atividade
social, que pressupõe a existência de pessoas, demandas, ofertas e de um sistema institucional que
rege a efetivação da troca e as interações envolvidas.
Por este entendimento, uma análise de marketing levando em conta o contexto social e a in-
teração de marketing como os elementos deste contexto é um imperativo para pesquisadores, estu-
dantes e executivos de marketing. Naturalmente, esta não foi, ao longo dos anos, uma das maiores
preocupações destes sujeitos (pesquisadores, estudantes e executivos), na medida em que não era
um aspecto prioritariamente analisado no seus estudos e práticas nas organizações, e pela priori-
dade na dimensão instrumental do processo e do aprendizado da área.
Considerando o conteúdo exposto nos dois capítulos anteriores (em especial nos primeiros
argumentos desenvolvidos em cada um), observamos existir uma percepção inicial de marketing
baseada em uma grande apreciação e interesse, mas existe também um forte senso de desconfiança
social e uma real fragilidade no nível organizacional e acadêmico, aspectos estes cuja superação
constitui o maior problema enfrentado pelos profissionais que militam na área atualmente. Em
cada capítulo, usei uma das duas visões como ponto de partida para construir o argumento do que
se seguia, até mostrar inicialmente que marketing possui uma dimensão gerencial e uma dimensão
acadêmica (não gerencial), que tem um foco na atividade de troca, e que, por sua incapacidade e
miopia (daqueles que o fazem), historicamente marketing esqueceu esta finalidade para militar em
favor da construção de uma base de conhecimentos e técnicas para favorecer somente ao agente
ofertante do sistema de troca (em especial, ao agente do tipo empresarial).
A perspectiva colocada no segundo capítulo (de que temos antes de tudo uma atividade dire-
cionada gerar valor para clientes, acionistas, colaboradores e para a sociedade em geral), redimen-
siona o esforço da área e de seus agentes, que têm por desafio oferecer agora conhecimentos, mé-
todos e técnicas direcionados para manter a estabilidade do sistema de troca, em sua visão agrega-
da, inclusive oferecendo recomendações e métodos de facilitação de uma redução do consumo, se
for este o melhor procedimento para tornar o sistema de troca mais estável.
Neste capítulo partimos destas considerações para aprofundar o que vimos anteriormente,
fortalecendo a proposição acima indicada, e construindo a base para a consideração dos tópicos
mais específicos da teoria de marketing já largamente desenvolvida no contexto acadêmico, mas
restrita em termos de prática e estudo (no sentido mais geral da educação em marketing praticada
no Brasil). No item seguinte, fazemos um relato do histórico de desenvolvimento das bases destes
tópicos.
35

3.2. Um pouco de história

Conforme exposto no capítulo 1, o desenvolvimento de marketing a partir dos anos de 1950


foi fortemente concentrado nos elementos aplicáveis à atividade gerencial, o que ocorreu a partir
da intensa difusão dos conhecimentos, métodos e técnicas da disciplina de Administração de mar-
keting, ou Administração mercadológica. Naquele contexto, no qual marketing era entendido como
uma atividade ou área de conhecimento associada à disciplina de administração, a preocupação
com a relação entre marketing e sociedade era tão restrita quanto eram as preocupações com a
sociedade em todas as áreas convencionais da administração38.
Um discurso de independência mais consistente em relação à administração foi desenvolvi-
do, conforme comentado nos dois primeiros capítulos, a partir dos anos de 1960, e foi justamente a
partir de então que marketing passou a incorporar mais intensamente em suas análises os aspectos
associados à sua relação com a sociedade39.
Lembremos que marketing teve seu desenvolvimento inicial nos Estados Unidos, e o direcio-
namento do conhecimento gerencial americano esteve sempre muito ligado ao universo empresari-
al. Deste modo, o desenvolvimento da perspectiva gerencial de marketing o delimitou naturalmente
ao contexto das empresas (ou do business, na terminologia convencional da língua inglesa). Sendo
assim, e considerando que as empresas são grandes investidoras na produção de conhecimento
gerencial aplicável ao seu propósito de eficiência, e são as principais consumidoras deste conheci-
mento, nós compreendemos facilmente porque a disciplina tinha em torno de si uma idéia de orien-
tação para o ofertante.
Esta orientação teve vantagens e desvantagens para a disciplina. Como vantagens, observa-
mos primeiro que passamos a ter uma motivação mais segura para seu desenvolvimento, além de
ganharmos um ‘agente financiador’ (no sentido genérico). Isto contribui para atrair para a área
diversos pensadores, praticantes e recursos para viabilizar esforços de pesquisa, além, é claro, de
ter um contexto de aplicação e de teste seguro. Em parte, foi pelo sucesso de marketing produzido
por estas condições que a disciplina ganhou a apreciação e a admiração que anunciamos no primei-
ro capítulo, criando uma demanda bastante significativa de interessados em conhecerem o assunto
e se tornarem praticantes.
Por outro lado, o foco restrito a atender aos interesses das empresas distorceu sua finalida-
de, que perdeu a visão ampla do sistema de troca para focar somente no agente ofertante, e, pior
que isto, com a finalidade de favorecer somente a este agente. No extremo, a força da técnica de
marketing no sentido de beneficiar o ofertante chegou ao ponto de prejudicar claramente aos de-
mais elementos da troca, o que contribuiu para a depreciação da imagem de marketing, conforme
descrito no capítulo 2. Isto não quer dizer que marketing estudou e entendeu apenas os agentes
ofertantes. Até pelo contrário, pois se estudou e se estuda profundamente o comportamento dos
consumidores, e até os impactos sociais, mas quase sempre com direcionamento a favorecer aos
agentes ofertantes, ou seja, compreendem-se as motivações e atitudes dos clientes para que as em-
presas ofereçam ofertas melhor direcionadas.

3.2.1. A ampliação do conceito e do escopo

38 Em verdade, a área de administração somente passou a incorporar um discurso menos operacional e prag-

mático em termos de eficiência organizacional com o advento do debate sobre responsabilidade socioambien-
tal. Tal discussão teve lugar mais destacado no universo da administração somente a partir dos anos de 1980, e
no Brasil a discussão somente passou a ganhar corpo a partir dos anos de 2000. Compreende-se que o mesmo
ocorra em marketing.
39 Willie e Moore, em uma revisão muito bem construída, resgatam preocupações sociais de marketing desde a

primeira metade do século XX, porém a atenção era mais sobre a consequência social do que se fazia do que
propriamente sobre uma pauta acadêmica ou profissional para uma orientação de marketing para o interesse
social. Ver: WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Expanding our understanding of marketing in society. Journal of the
Academy of Marketing Science, v. 40, n. 1, p. 53-73, 2012.
36

É natural entender que um primeiro desafio para marketing se libertar desta realidade é fo-
car além do agente empresarial. Este foi o desafio enfrentado por alguns pensadores de marketing
nos anos 1960 e 1970, e foi no contexto de desenvolvimento da disciplina deste período que ocor-
reu um dos debates mais relevantes para o desenvolvimento de nossa disciplina, que girou em tor-
no da proposta e defesa das idéias do chamado movimento de expansão do conceito e do escopo de
marketing (o broadening movement). Faço aqui uma síntese do debate, e as referências citadas são
recomendações de leitura para quem tiver interesse em aprofundar o assunto.
O ponto de partida do movimento de expansão é fixado na publicação do artigo intitulado
Broadening the concept of marketing (ampliando o conceito de marketing) no Journal of Marketing
em 1969, com autoria de Philip Kotler (novamente ele) e Sidney Levy40. Para os padrões atuais, este
foi um artigo pequeno, com apenas seis páginas; no entanto, seu conteúdo veio reposicionar as
diversas orientações a abordagens dadas a marketing, a partir da defesa da tese da necessidade de
adoção de um conceito voltado para todo e qualquer tipo de organização que realizasse alguma
forma de troca.
Está evidente na proposta o senso de marketing como a atividade que tem na troca o seu fo-
co, e não a geração de satisfação, ou facilitação da oferta por parte de empresas. Por este entendi-
mento, marketing seria de fato a função responsável por facilitar as trocas, porém em qualquer tipo
de organização, incluindo aí organizações sociais e organizações públicas. Isto que atualmente nos
parece algo lógico, afinal já são mais de 40 anos desde a publicação do referido texto, na ocasião
provocou uma verdadeira onda de contestações.
De fato, a publicação deste artigo motivou outros estudos, alguns no sentido de debater e
aprimorar o conceito ampliado, outros para tentar limitar o ímpeto aparentemente revolucionário
da proposta. A proposição central da contestação foi desenvolvida pelo pesquisador David Luck41,
que acusou a proposta como exagerada e possuindo um potencial de desconfigurar a atividade de
marketing, a priori associada ao próprio conceito de mercado (na suposição de que mercado pres-
supõe trocas econômicas).
De idas e vindas, venceu ao final a proposta do movimento de expansão do conceito, o que
desencadeou em pouco tempo a abertura para uma discussão mais ampla sobre o real escopo de
marketing, discussão alinhada com a própria suposição de cientificidade da disciplina (ver texto
sobre o objeto de marketing do primeiro capítulo), além de abrir caminho para que, em pouco tem-
po, surgissem estudiosos e livros sobre assunto com orientação para contextos fora do nível empre-
sarial.
Ainda na década de 1970 tivemos alguns movimentos vinculados ao conceito ampliado, com
destaque especial para a evolução da ideia e da organização da área chamada macromarketing (fa-
laremos mais sobre isto adiante), das atividades e teorizações sobre o movimento ativista de mar-
keting (que colocou em pauta as ações de consumidores em termos de pressão sobre empresas e
governos para atender a seus interesses; falaremos ainda sobre o movimento ativista em outros
capítulos), além do surgimento dos primeiros manuais associados ao novo escopo da disciplina.
Sobre este último aspecto (desenvolvimento dos primeiros livros), não seria ninguém mais
que ele, Philip Kotler, que participaria do lançamento de dois livros já direcionados a este novo
sentido da prática de marketing: o primeiro em 1972 em co-autoria com Gerald Zaltman e Ira
Kaufman42 sobre mudança social, e o segundo em 1975, como único autor, sobre marketing para

40 KOTLER, P.; LEVY, S. Broadening the concept of marketing. Journal of marketing, v. 33, p. 10-15, 1969.
41 LUCK, D. J. Broadening the concept of marketing — too far. Journal of Marketing, v. 33, n. 3, p. 53-55, Jul.
1969. O artigo foi respondido no mesmo número da revista pelos autores. Ver referência. KOTLER, P.; LEVY, S.
A new form of marketing myopia: a rejoinder to professor Luck. Journal of Marketing, v. 33, n. 3, p. 55-57, Jul.
1969. Para maiores detalhes e outras referências sobre o movimento, recomendo a seguinte referência:
SHETH, J. D.; GARDNER, D. M.; GARRETT, D.E. Marketing theory: evolution and evaluation. New York: John
Wiley and Sons, 1988.
42 ZALTMAN, G.; KOTLER, P.; KAUFMAN, I. Creating social change. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1972.
37

instituições sem fins lucrativos43.


O desenvolvimento destes esforços não se distanciaria, por outro lado, do aspecto gerencial
das propostas de marketing, ou seja, havia (e ainda há), a proposta de um marketing para mudança
social e para instituições ou atividades sem fins lucrativos, porém não deixou, nem deixa, de ser
uma administração de marketing aplicada a instituição sem fins lucrativos.
Porém o valor de tal iniciativa está muito além das possibilidades conceituais e procedimen-
tais que foram transferidas de um marketing empresarial para um não empresarial. O real valor de
tal iniciativa estava, em verdade, na abertura para uma reflexão fora das amarras do universo em-
presarial, ou seja, já seria justificável pensar em marketing por seu conceito enquanto atividade
associada à troca, e não mais em marketing como um facilitador das trocas econômicas entre em-
presas e clientes.
Mas cabe ressaltar esta limitação central. Se retomarmos nossa discussão do primeiro capí-
tulo acerca das correntes gerencial e não gerencial, observamos que o movimento de ampliação do
conceito libertou a disciplina da esfera empresarial, mas não o libertou da perspectiva gerencial
dominante. Mas já foi dado um primeiro grande passo! As conseqüências viriam nos anos seguintes.

3.2.2. Fragmentação disciplinar

Se o que foi relatado pode parecer algo ainda limitado em termos de efeito prático, os desdo-
bramentos foram fortemente impactantes sobre o que se fazia e o que se faz ainda hoje em nossa
área, a começar pela possibilidade de uma discussão, agora justificada, de um marketing para o
consumidor, ou para grupos de consumidores, de um marketing para o governo, ou de um marke-
ting para organizações sociais. Desde quando aceitamos que tal orientação é possível, é muito mais
fácil repensar a prática e o conhecimento aplicado.
E se consideramos que a atividade de marketing, naquela mesma época (ainda estamos nos
anos de 1970), se debatia enquanto uma prática, ou uma disciplina acadêmica, na busca de uma
teorização forte para justificar o status disciplinar (ver capítulo 1), temos o entendimento de que a
dimensão acadêmica já teria aí mais objetos de análise. De fato, é nesta época se iniciam três novas
subdisciplinas, que representam boa parte de nosso esforço de apresentação e discussão neste
livro, no que podemos entender como a primeira grande fragmentação de marketing, conforme
veremos nos capítulos posteriores44:
• Desenvolvimento da disciplina de macromarketing: dimensão associada ao estudo do sistema
integrado e das ações de marketing em geral;
• Desenvolvimento da disciplina de marketing social: dimensão relacionada às ações de marke-
ting aplicadas a causas e setores sociais;
• Desenvolvimento da disciplina de marketing e políticas públicas: esta associada à relação en-
tre as atividades de marketing e as ações e políticas públicas, e direcionando ao conceito mais
genérico de marketing público.

Cada uma destas disciplinas ganhou novos adeptos dentro e fora das instituições acadêmicas,
até consolidarem nas décadas seguintes (e chegando até os nossos dias) a criação de novas subdis-
ciplinas, cada vez mais especializadas, e cada vez mais profundas em termos de conhecimento. Pen-
sando no contexto desta primeira grande fragmentação, destacamos as ideias do pesquisador José
Luis Burguete45, que fez uma análise mais detalhada das novas especializações surgidas a partir

43 KOTLER, P. Strategic marketing for nonprofit organizations. Englewoods Cliffs: Prentice-Hall, 1975 (temos

esta edição em português em: KOTLER, P. Marketing para organizações que não visam ao lucro. São Paulo:
Atlas, 1978.). O pesquisador Alan R. Andreasen integrou-se na autoria deste livro em sua terceira edição, em
1986, sendo as edições de Kotler e Andreasen mais conhecidas.
44 Esta divisão está baseada na análise de: WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Scholarly research in marketing: explor-

ing the "4 eras" of thought development. Journal of Public Policy & Marketing, v. 22, n. 2, p. 116-146, fall 2003.
45 BURGUETE, J. L. V. Pasado, presente y futuro de las dimensiones pública y social en el desarrollo conceptual
38

desta fragmentação inicial, com desenvolvimentos desde os anos de 1970 até os dias atuais. Obser-
vamos na figura 3.1 a visão deste autor.
Figura 3.1 – Fragmentações e sub-disciplinas de marketing
Dimensão pública e
social de marketing

1ª fragmentação 2ª fragmentação 3ª fragmentação


Macromarketing Marketing social Marketing público

Marketing Marketing Marketing Marketing


social não lucrat. público polí./eleit.

História do Marketing Marketing Marketing Marketing


marketing de causas org. sociais de org. pub. político

Marketing e Marketing Marketing Marketing


ética religioso institucional eleitoral

Marketing e Marketing
desenvolvi. educacional

Marketing Marketing
territorial cultural
Espaço ainda disponível
para novos desenvolvi-
mentos e novas expansões
Marketing Marketing
de cidades das artes

Marketing e Marketing
qual. vida de museus

Na análise desenvolvida por Burguete são incluídas todas as manifestações anteriores ao


movimento de ampliação de marketing (o broadening movement), mas que, até os anos de 1970 não
tinham passado de um interesse episódico e eventual de praticantes e pesquisadores de marketing.
Estes movimentos foram aqueles associados à análise de decisões de estado (políticas públicas e
regulamentações) que incidiam sobre as ações de marketing, além dos problemas de distribuição,
que são ligados aos conceitos mais amplos de cadeia de distribuição e canais, aspectos que se asso-
ciam a uma rede de interações, normalmente saindo do escopo convencional de marketing.
Pelo exposto na figura, a primeira fragmentação, a do macromarketing, direcionou três sub-
disciplinas centrais, a saber46 (é relevante destacar que as anotações a seguir são de minha pesqui-

del marketing. Revista Internacional de Marketing Público y no Lucrativo, v. 1, n. 1, p. 9-34, jun., 2004. Este
artigo é uma boa contribuição para a teoria e para a história de marketing em língua espanhola. Para quem não
lê com fluência em inglês, trata-se de uma boa indicação de leitura em uma língua mais ‘fácil’ de compreender.
Uma atualização mais recente vem de BURGUETE, J. L. V.; ALVES, H.; CERVERA, A. "Historical stages in the
evolution of public sector marketing: current situation and future prospects." 33-th EGPA Annual Conference,
PSG XVI" Public and Nonprofit Marketing”, Bucharest, 2011.
46 Por convenção, adoto a seguinte hierarquia: cada bloco da fragmentação é chamado disciplina; cada estrato

de primeiro nível recebe a denominação de subdisciplina, e cada estrato de segundo nível recebe o nome de
39

sa e análise, não estando assim detalhadas no artigo de Burguete, e podem, eventualmente, confron-
tar com outras visões e outros autores):
• História do marketing: constitui uma subdisciplina em expansão quando escrevo estas páginas,
inclusive com o lançamento de livros47, artigos, e de um periódico acadêmico especializado na
publicação de textos que constroem a história da disciplina, desde a fase pré-disciplinar, pas-
sando pelo desenvolvimento disciplinar a partir do início do século XX, e incluindo aí a história
de instituições de marketing, de periódicos da área, de pessoas envolvidas, de contextos geográ-
ficos específicos etc.48;
• Marketing e ética: subdisciplina de marketing que insere o diálogo com a dimensão social e filo-
sófica da ética, em uma análise do conteúdo ético das práticas de marketing, e dos agentes en-
volvidos no processo e troca (não apenas consumidores produtores);
• Marketing e desenvolvimento: subdisciplina que analisa os impactos de marketing na promoção
do desenvolvimento econômico e social, incluindo aí as externalidades positivas e negativas das
atividades e das instituições de marketing. Na perspectiva de Burguete, esta subdisciplina pos-
sui ainda subáreas centrais, que são:
o Marketing territorial: que analisa aspectos territoriais dos sistemas de marketing (ver item
seguinte), com foco nas externalidades e na promoção de desenvolvimento;
o Marketing de cidades: consiste na análise e aplicação de ferramentas e técnicas de marke-
ting para promoção de cidades, seja para seus cidadãos, seja para potenciais visitantes (tu-
ristas);
o Marketing e qualidade de vida: associa aspectos de promoção de qualidade de vida das pes-
soas a partir das ações de marketing.

Da segunda fragmentação, a do marketing social, temos o direcionamento de duas subdisci-


plinas centrais, a saber:
• Marketing social: subdisciplina de marketing orientada para a aplicação do conhecimento e da
técnica de marketing a causas sociais ou de interesse social, normalmente associadas a propósi-
tos de mudança de comportamento, como ações de segurança de trânsito ou da luta contra dis-
criminação racial. Temos aqui quatro subáreas centrais (na visão de Burguete, que não é a que
apresento posteriormente):
o Marketing de causas sociais: associa-se ao desenvolvimento de atividades de marketing de
empresas vinculadas a causas de interesse social;
o Marketing religioso: subárea associada à aplicação de marketing para orientações e causas
religiosas, incluindo aí as ações de marketing desenvolvidas por igrejas;
o Marketing educativo: subárea relacionada às ações de marketing aplicadas em e por insti-
tuições educacionais (veja que a proposta de um marketing educativo no Brasil não segue a
mesma lógica, que é mais próxima da realidade estadunidense e européia, uma vez que as
instituições educacionais aqui ou são públicas [e se associam ao marketing de instituições
públicas] ou empresas [que fazem uso das técnicas de marketing empresarial convencio-
nal]);
o Marketing cultural: subárea associada à aplicação de marketing ao desenvolvimento da cul-
tura e suas manifestações, sendo destacado por Burguete os tópicos já mais desenvolvidos
(em termos de materiais e estudos realizados) associados ao marketing de artes diversas e
ao marketing de museus;
• Marketing não lucrativo: esta é a segunda subdisciplina de marketing social, e está relacionada
aos conhecimentos, técnicas e ferramentas de marketing que são aplicados a organizações que
não possuem fins lucrativos, tais como cooperativas e ONGs, por exemplo;

subárea.
47 Cf. TADAJEWSKI, M.; JONES, B. (org.). The history of marketing thought. Thousand Oaks: Sage publications,

2008.
48 O Journal of Historical Research in Marketing, publicado pela Sage publications.
40

Da terceira fragmentação, a do marketing público, temos o direcionamento também de duas


subdisciplinas centrais, a saber:
• Marketing público: subdisciplina associada à aplicação de marketing ao universo da administra-
ção pública e das instituições públicas. O próprio conceito de marketing público já remete às du-
as subáreas centrais, que são:
o Marketing de administrações públicas genéricas (como o marketing de uma prefeitura ou
de um governo federal), ou de governos (o marketing da administração específica de um
prefeito ou de um presidente da república);
o Marketing institucional: refere-se ao uso do marketing por instituições públicas específicas,
seja para sua exposição (como as ações de uma universidade pública), seja no desenvolvi-
mento de campanhas (como as campanhas dos órgãos de trânsito; veja que aqui temos uma
sobreposição com o marketing social);
• Marketing político e eleitoral: subdisciplina relacionada à aplicação de marketing nas atividades
de natureza política, como as ações de partidos ou de parlamentares, por exemplo, além do
marketing eleitoral, este associado às atividades de marketing aplicadas durante o processo
eleitoral, a partir das ações de propaganda, difusão de idéias e ideologias e construção de candi-
datos e candidaturas.

Veja que a proposta expressa na figura 3.1 tem um espaço ainda disponível para novos de-
senvolvimentos possíveis, levando em consideração a dinâmica de novos estudos, novos textos, e a
adesão de novos pesquisadores e praticantes. O próprio periódico no qual foi publicado o texto de
Burguete49 já constitui uma sinalização de que novos avanços surgirão na arena do marketing pú-
blico e de instituição sem fins lucrativos.
Na dimensão do marketing político, se Burguete já previa novos avanços em 2004 (reafir-
mando em 2011), quando seu estudo foi publicado, já em 2008 encontramos uma interessante pro-
posta de desdobramento no texto do pesquisador nigeriano Linus Osuagwu, que visualizou o mar-
keting político em vários temas, tais como: publicidade e propaganda política, cyber democracia,
estratégias de governo eletrônico, marketing direto em política, pesquisa de marketing aplicada,
estratégias de atividades e instituições políticas (partidos, agremiações diversas...), atividades de
lobby, campanhas políticas e eleitorais, além das análises sobre comportamento do eleitor (votos de
protesto, tendências ideológicas...), dentre outras possibilidades50.

3.3. A construção da disciplina Marketing e sociedade

O exposto no item anterior, além de ilustrar a dimensão que nossa área ganhou a partir dos
anos 1970, com o processo de fragmentação viabilizado pelo movimento de expansão do conceito,
mostra também ainda um risco de perdermos o senso e a unidade temática de marketing. Há espe-
cialmente o risco de chegarmos a um nível de especialização exagerado, do tipo que ‘se sabe muito
de muito pouco’.
Ainda que isto seja algo recorrente em qualquer ramo científico (não é incomum encontrar
doutores em física que não conseguem dialogar entre si sobre física, por suas especialidades extre-
mas), em marketing isto pode não ser algo salutar para os que estudam e praticam marketing. Em
outras palavras, é defensável um esforço de ordenamento e a manutenção de uma estruturação

49 A revista que publicou o artigo chamava-se Revista Internacional de Marketing Público y no Lucrativo; mas

esta passou a ser denominada, posteriormente, de International Review on Public and Nonprofit Marketing.
50 Cf. OSUAGWU, L. Political marketing: conceptualisation, dimensions and research agenda. Marketing Intelli-

gence & Planning, v. 26, n. 7, p. 793-810, 2008. Atualmente também são facilmente encontrados em português
diversos títulos nesta área. Destaco as seguintes referências, que se direcionam ao escopo do marketing políti-
co e do marketing eleitoral: KUNTZ, R. A. Marketing político: manual de campanha eleitoral. São Paulo: Global
editora, 2006; ALMEIDA, J. Marketing político. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
41

disciplinar que viabilize o aprofundamento temático, onde for cabido, mas que viabilize uma visão
geral da totalidade. Para construir esta visão em marketing, precisamos redimensionar o mesmo
em outro nível, o de área acadêmica, e entender os temas agregados como disciplinas especiais.
Esboçamos a seguir um esforço preliminar desta visão de marketing.
Observamos inicialmente que, fora qualquer tema ou aplicação específica de marketing, nós
teremos sempre um corpo de conhecimentos que perpassam todas as aplicações, que são a essência
da disciplina de marketing e que existem independente de suas aplicações. São exemplos: o com-
posto de marketing (produto, preço, praça e comunicação); as ferramentas estratégicas de marke-
ting (segmentação, posicionamento, decisões de foco, técnicas de planejamento estratégico...); os
fundamentos conceituais; e os princípios existenciais, como o fato, por exemplo, de a ação de mar-
keting, em qualquer dos contextos, ser associada preliminarmente ao conceito de troca e ao princí-
pio do equilíbrio das relações como meta central.
De posse destes elementos, se for possível delimitar um objeto de análise específico e inde-
pendente, e que tenha fôlego para desenvolver uma teoria própria e para constituir uma estrutura
de pesquisadores e canais de distribuição de conhecimento, teremos então uma disciplina vincula-
da. Por exemplo, pelo exposto nos itens 3.1 e 3.2, temos a existência de disciplinas vinculadas a um
marketing de instituições empresariais (o mainstream central ainda hoje), a um marketing de insti-
tuições públicas e a um marketing de instituições sociais (estas duas comparativamente menores,
mas em franca expansão). Pelo capítulo 1, pudemos também visualizar delimitações de administra-
ção de marketing e de comportamento do consumidor.
Consolidando assim o conteúdo das disciplinas em conjunto com os conhecimentos básicos
gerais de marketing, é possível compreender em marketing a condição de ‘área acadêmica’, ou seja,
marketing possui um corpo de conhecimentos básicos e subdivisões temáticas consistentes e inde-
pendentes, vinculadas ‘hierarquicamente’ a um tema central. As disciplinas mais destacadas são
administração de marketing, comportamento do consumidor, serviços (não exatamente marketing
de serviços, que se refere à administração do serviço como oferta), estratégia mercadológica (este é
o tema muito próximo da administração de marketing, mas que possui temas próprios e não neces-
sariamente gerenciais), teoria de marketing (disciplina teórica, direcionada à análise das principais
teorias de marketing ao longo dos anos), marketing quantitativo, dentre outras51. O resultado são
conhecimentos de marketing específicos de cada disciplina, que podem inclusive retornar à base
fundamental da disciplinar e reconfigurar parte dos conhecimentos básicos da área.
Esta visão preliminar de marketing está indicada na figura 3.2. Estes tópicos são assim en-
tendidos por possuírem um escopo bem delimitado, possuindo um conjunto de interessados em sua
pesquisa e aplicação, além de possuírem uma estrutura institucional própria de representação
(como associações de fomento, desenvolvimento e agregação profissional) e de fluxo de seus co-
nhecimentos (como revistas acadêmicas e de mercado, além de livros especializados ou didáticos).
Estas são algumas características básicas que norteiam o desenvolvimento de novas disciplinas em
marketing.
Pelo aspecto inicial, relacionado ao escopo temático, temos objetos mais diretos, como é o
caso dos serviços, para a disciplina de serviços, e temos objetos mais difusos, como é o caso do obje-
to da disciplina de estratégia de marketing. Naturalmente, o escopo de uma disciplina é função da
própria evolução conceitual de seu objeto, e de suas relações com outros objetos. Assim, o conceito
de estratégia, que vem evoluindo nos últimos 40 anos, vem também redimensionando a disciplina
de estratégia52. O mesmo ocorre com o conceito de serviços, que, aliás, ganhou um forte impulso a

51 Em um nível ainda disciplinar, é possível argumentar em favor do status de disciplinas para: marketing

internacional, educação em marketing, marketing de relacionamento, pesquisa e gestão da informação de


marketing, dentre outras.
52 Para quem interessar uma discussão conceitual sobre a estratégia, em um sentido mais amplo, recomendo

consultar minha dissertação de mestrado. A referência é a seguinte: COSTA, F. J. A formulação de estratégias


nas escolas particulares de médio porte de Fortaleza: uma análise a partir das escolas de inovação da estratégia.
117f. Dissertação (Mestrado em Administração). Curso de Mestrado Acadêmico em Administração, Universi-
42

partir do ano de 2005.


Figura 3.2 – Marketing como área acadêmica

Conhecimentos básicos
• Composto de marketing
• Ferramentas estratégicas
• Fundamentos conceituais
• Princípios gerais...

Objeto particular e escopo

Disciplinas
Interessados • Administração de marketing Contexto de
diversos • Comportamento do consumidor aplicação
• Serviços
Instituições • Teoria de marketing Canais de
diversas • Marketing quantitativo difusão
• Outras disciplinas

Conhecimentos específicos

Esta visão de marketing, embora não seja muito difundida no Brasil, é bem conhecida de
quem milita na esfera acadêmica. É levando em conta esta perspectiva que aponto algumas consi-
derações no sentido de consolidar a disciplina de ‘Marketing e sociedade’. Assim, levando em conta
os conhecimentos básicos de marketing, tentarei agora delimitar um objeto de análise cujo escopo
possa configurar o ponto de partida para justificativa desta disciplina. Preciso, então, reconstruir
toda a argumentação desenvolvida:
• Inicialmente observamos, no primeiro capítulo, que marketing foi historicamente passando
por configurações evolutivas e disciplinares, até chegar nos anos de 1950 ao contexto da ad-
ministração, e que, pela força dos benefícios gerados, foi a área que dominou, e ainda domina,
o conhecimento mais geral em torno de marketing e das visões que a sociedade faz da área;
• Observamos, ao longo das discussões ainda do primeiro capítulo, que no decorrer dos anos a
definição de marketing evoluiu até a definição de 2007, que explicitamente reconheceu que
marketing deve ter sempre em consideração, em sua prática e seus estudos, a sociedade como
um todo, e não apenas os agentes diretos do processo de troca;
• Observamos, já no segundo capítulo, que marketing tem sérios problemas enquanto disciplina,
enquanto função gerencial, e, em especial para nosso trabalho aqui, de sua reputação em rela-
ção à sociedade, principalmente pelas confusões de interpretação do que seja a real função do
conhecimento de marketing;
• Ainda no segundo capítulo, observamos que a evolução paradigmática viabilizou um entendi-
mento de marketing como uma função que gera valor a partir do aprimoramento das relações
e atividades de troca, sendo uma visão a partir do conceito de geração de valor para a socieda-
de uma reorientação conceitual, e uma oportunidade para superar o desafio de ser uma função
socialmente valorizada;
• Ao longo da discussão deste terceiro capítulo, observamos inicialmente que marketing é uma

dade Estadual do Ceará – UECE, Fortaleza, 2003. Disponível em: <www.franzecosta.com>.


43

atividade social, com delimitações sociais, e inserida em um contexto social, e em um momento


histórico socialmente construído. Como tal, marketing não pode deixar de considerar os de-
terminantes e as conseqüências sociais de suas atividades e de suas aplicações;
• Ainda neste capítulo, observamos que, a partir dos anos de 1970, com um desdobramento que
chega aos nossos dias, marketing passou por um processo de expansão de seu conceito, e por
um melhor dimensionamento de seu escopo, possibilitando a inserção de novos temas, novas
disciplinas e novas subáreas, todas fora do contexto convencional das empresas e das trocas
econômicas (em sentido estrito);
• A dimensão que tal expansão ganhou viabilizou uma visão de marketing para organizações
empresariais, para organizações sociais, e para organizações públicas, além de permitir uma
visão integrada do sistema agregado de troca.

Por estas observações, temos então uma percepção de marketing como uma área de conhe-
cimento que recebe influências, condicionamentos e imposições da sociedade, e temos ainda uma
percepção de marketing como uma função que também atua, influencia e em boa medida modifica
esta mesma sociedade. Vale a pena reforçar: marketing é uma atividade que recebe influências da
sociedade, e ao mesmo tempo influencia esta mesma sociedade. Há nesta relação entre marketing e
sociedade o que já nos sugere um objeto de análise.
De fato, mesmo que não tenhamos aprofundado muito as possibilidades de construção de um
escopo temático e disciplinar, os argumentos mostrados permitem observar que este propósito de
análise de marketing, ou seja, uma análise da interação e influência mútua entre marketing e socie-
dade, constitui uma delimitação suficiente para a visualização de uma disciplina, em boa medida
independente das demais disciplinas acima citadas.
Nossa proposta é que vejamos esta disciplina, que chamamos de Marketing e sociedade (é
bom informar que esta nomenclatura já é usada internacionalmente como Marketing and society),
como o guarda-chuva de alguns dos temas que estão associados ao propósito delimitado no item
3.2, ou seja, a maior parte dos temas anunciados como sendo de macromarketing mais uma parte
dos temas associados a marketing social caberiam neste dimensionamento.
Alguns dos demais tópicos abordados (marketing de cidades [em macromarketing], marke-
ting de organizações sem fins lucrativos, marketing religioso, educacional e cultural [em marketing
social], e todos os temas de marketing público) ficam em um meio caminho entre Marketing e soci-
edade e administração de marketing. Isto porque, em boa medida, o que se tem já produzido e pu-
blicado em termos de conhecimento nestas subáreas são aplicações das ferramentas e princípios
convencionais da administração de marketing ao contexto específico sob análise (organizações
públicas, sem fins lucrativos...). Mas não podemos deixar de reconhecer o potencial destes tópicos
de alcançar um impacto social muito além do gerenciamento de marketing de suas funções que
encontram paralelo em organizações empresariais.
É necessário dar uma visão do que seja esta disciplina em termos de estrutura, antes de
apresentar maiores detalhes sobre a base temática. Quando escrevo estas páginas, são facilmente
identificáveis centenas de pesquisadores envolvidos com os temas de Marketing e sociedade (basta
ver as referência bibliográficas citadas), sendo os principais interessados os estudantes de marke-
ting, os agentes de elaboração de políticas públicas, e os teóricos e pesquisadores acadêmicos que
tem interesse em análises mais globais de marketing; há também diversas publicações periódicas
especializadas em temas de Marketing e sociedade, sendo destacados o Journal of Macromarketing,
e o Journal of Public Policy and Marketing, e algumas dezenas de livros já publicados, alguns dos
quais aqui citados.
Temos, em definitivo, os elementos constitutivos de uma disciplina, mas, assim como outras
disciplinas, temos eventualmente problemas de determinação de temas, e dificuldades convencio-
nais de delimitação de espaço e interesse com outras disciplinas. No importante artigo de autoria
de William Wilkie e Elizabeth Moore, publicado no Journal of Public Policy and Marketing, foi feito
44

um grande levantamento a respeito do tratamento histórico que os temas da disciplina de ‘Marke-


ting e sociedade’ receberam ao longo dos primeiros cem anos de teoria de marketing53. Dentre ou-
tras considerações relevantes, os autores observaram indicações de uma estrutura temática defini-
da a partir de seis tópicos centrais, quais sejam: marketing e políticas públicas, macromarketing,
economia e interesses do consumidor (consumer economics; trata de temas associados aos interes-
ses dos consumidores, analisados em uma perspectiva de marketing), marketing social, ética em
marketing, e política internacional do consumidor (international consumer policy; trata de aspectos
culturais e políticos de nível global associados ao consumo).
A proposta destes autores tem toda uma coerência e fundamentação, porém uma análise
mais detida do próprio texto no qual foi publicada sugere um foco muito maior no interesse e na
visão da pesquisa nos Estados Unidos. Considerei conveniente redimensionar os tópicos da disci-
plina, porém com uma ênfase em temas de interesse e aplicação no Brasil. Assim, decidi remontar
aqui uma constituição temática para a nossa disciplina seguindo o senso do que foi discutido logo
acima, mas alertando para potenciais contestações e alegações de falta ou de excesso.
Assim, entendo que o que temos determinado como sendo subáreas de macromarketing na
figura 3.1 (história de marketing, marketing e ética, e marketing e desenvolvimento), mantêm-se
como temas de Marketing e sociedade, e acrescentamos ainda alguns tópicos sugeridos por outros
estudiosos54, que são marketing e justiça distributiva (incluindo aqui as análises sobre consumido-
res em desvantagem no processo de consumo), marketing e políticas públicas (incluindo aspectos
de regulação de mercado), além dos temas marketing desenvolvimento, marketing e qualidade de
vida, e consumo responsável e sustentável.
Ainda vinculado ao macromarketing, mas possuindo uma quantidade de interessados e estu-
dos maior que os demais temas, destacamos os estudos de ética em marketing, com alguns subte-
mas largamente debatidos, tais como: fundamentos filosóficos da ética em marketing; aspectos
descritivos da análise ética; aspectos prescritivos da análise ética; ética dos consumidores; outros
(mensuração do comportamento e das atitudes (anti)éticas, ética em marketing social, ética em
marketing público...).
Por fim, temos os aspectos associados a marketing social, no sentido mais focado nas ações
de marketing dirigidas a causas sociais, em uma análise da dimensão da disciplina sugerida vincu-
lada à ação efetiva, sistemática e intencional de modificar a sociedade ou comportamentos coleti-
vos. Aqui temos uma diversidade de aspectos a serem debatidos, tais como as orientações, os pro-
blemas e os potenciais benefícios gerados pela ação de marketing no contexto das causas sociais e
de mudança de comportamento.
No quadro 3.1 sintetizo o que foi debatido em relação à constituição e à estrutura disciplinas
de Marketing e sociedade. Apresento, portanto, os elementos constitutivos indicados na figura 3.2,
com ênfase especial no dimensionamento temático delimitado.
Quadro 3.1 – Resumo do escopo da disciplina Marketing e sociedade
Elemento Descrição
Influências da sociedade sobre marketing e de marketing sobre a
Objeto
sociedade
• Pesquisadores e professores de marketing
• Estudantes de marketing
• Agentes públicos diversos
Interessados
• Executivos interessados nos impactos de suas ações
• Consumidores e suas organizações
• Outros
Contexto de • Fundamentação de políticas públicas

53 Cf. WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Scholarly research in marketing: exploring the “4 eras” of thought develop-
ment. Journal of Public Policy and Marketing, v. 22, n. 2, p. 116-146, fall, 2003.
54 Nos capítulos da segunda parte trataremos destes tópicos em mais profundidade. Preliminarmente,

recomendo ver: LAYTON, R. A.; GROSSBART, S. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of
Macromarketing, v. 26, n; 2, p. 193-213, 2006.
45

aplicação • Organizações sociais diversas


• Empresas socialmente responsáveis
• Instituições universitárias e de pesquisa...
• Universidades
• Centros de apoio à pesquisa
Instituições
• Associações de interessados (e. g. Macromarketing association)
• Ministério público do consumidor...
• Livros temáticos (e. g. livros sobre marketing social) e gerais
(este livro)
Canais de
• Periódicos especializados (Journal of Macromarketing)
difusão
• Disciplinas diversas
• Treinamentos diversos...
• Macromarketing
o Marketing e justiça social
o Marketing, políticas públicas e regulação de mercado
o Marketing e desenvolvimento
o Marketing e qualidade de vida
o Consumo responsável e sustentável
o Externalidades da ação de marketing.
Tópicos • Marketing e ética
temáticos o Fundamentos filosóficos da ética em marketing
genéricos e o Aspectos descritivos da análise ética
temas o Aspectos prescritivos da análise ética
o Ética dos consumidores
o Temas diversos de ética
• Marketing social
o Marketing dirigido a (e por) causas sociais
o Orientações para ações
o Problemas próprios da área
o Potenciais benefícios gerados
46

CAPÍTULO 4 – UM CONCEITO CENTRAL: MACROMARKETING

Antes de apresentar os desenvolvimentos mais pontuais da disciplina de Marketing e socie-


dade (expostos no capitulo anterior), é conveniente situar melhor o que chamamos de macromar-
keting. Esta é a meta deste capítulo, no qual desenvolvo a visão geral de macromarketing, com foco
no desenvolvimento histórico desta subdisciplina, e faço depois uma discussão do conceito central
de sistema agregado de marketing, para ao final ilustrar o desdobramento temático atual, que guia-
rá o desenvolvimento dos capítulos seguintes desta segunda parte do livro.
Aqui sigo um caminho próximo do que foi seguido no capítulo anterior, resgatando aspectos
históricos, mas com foco no objeto do capítulo. Embora não seja possível fugir de uma linguagem
mais acadêmica para atingir esse propósito, o fiz com o cuidado de não perder o senso e o objetivo
do texto, mantendo fidelidade e rigor na seleção e apresentação das informações mais relevantes.

4.1. Um início de conversa

Um aspecto a respeito de marketing, que conseguimos visualizar tanto nas discussões ante-
riores quanto na nossa própria vivência, é sua presença no nosso dia a dia, e o quanto as atividades
econômicas são associadas, e em boa parte definidas, pelas atividades de marketing. Basta lembrar
que cotidianamente estamos procedendo a ações de troca, com diversos agentes, por vezes na con-
dição de demandantes, por vezes na condição de ofertantes. Estas ações, e seus resultados presen-
tes e futuros, determinam o que fazemos e o que faremos, por vezes em situações que estão aparen-
temente fora do contexto de troca.
Por exemplo, quando um pequeno agricultor decide produzir uma determinada variedade de
feijão, tal decisão estará provavelmente associada a uma expectativa de demanda futura dos con-
sumidores familiares e individuais (somente não seria assim no caso de produção para o próprio
consumo). Se este agricultor percebe que não haverá demanda ou interesse no produto final de sua
plantação, muito provavelmente evitará o esforço de produção para não correr o risco de uma per-
da futura.
A determinação de marketing aqui é bem clara: a expectativa do consumidor e sua disposi-
ção para consumir uma determinada variedade estão na base da decisão do pequeno produtor agrí-
cola sobre o que plantar ou não. Se avançarmos um pouco mais na cadeia de produção para um
nível industrializado de agricultura ou mesmo de processamento industrial, observaremos um con-
dicionamento mais intenso, incluindo, por exemplo, determinações sobre variações de tipos e qua-
lidade dos produtos, definição de presença ou ausência de determinadas substâncias (como deter-
minados produtos químicos, por exemplo), embalagem, dinâmica de produção, determinação de
lotes, política de distribuição, definição de preços...
Por outro lado, a presença das ações e das decisões que envolvem marketing no dia a dia das
pessoas passa despercebida na grande maioria das vezes. Como observado, a lembrança da presen-
ça de marketing em diversos momentos do cotidiano, é muito mais recorrente quando vem associ-
ada a alguma forma de prejuízo para a sociedade, como é o caso das ações antiéticas da propaganda
ou das ações dos marqueteiros (como vimos no capítulo 2).
Precisamos ordenar os elementos para construir uma forma de visualização desta dimensão
mais ampla de nosso campo, direcionado ao sentido desenvolvido para a disciplina Marketing e
sociedade. Esta visão ampliada da atividade de marketing, que é a dimensão que nossa disciplina se
propõe a usar na construção de seu discurso e suas avaliações, foi primeiramente trazida para o
contexto de marketing por um conjunto de pensadores que cunharam a expressão macromarketing
para dar conta deste tipo de análise.

4.2. A constituição do macromarketing

A difusão do que marketing faz, ou o reconhecimento de que muito do que ocorre na socie-
47

dade é determinado ou influenciado por marketing, constitui uma razão para que a sociedade anali-
se, julgue e eventualmente cobre alguma coisa de marketing. Neste item, partimos deste pressupos-
to, e desenvolvemos uma perspectiva evolutiva desta preocupação.
Como informamos nos capítulos anteriores, marketing ganhou uma evidência social maior
(nos Estados Unidos) a partir dos anos de 1950, com sua incorporação pelo campo da administra-
ção, e por sua presença nos organogramas das empresas americanas. O desenvolvimento da área
em torno da administração de marketing faria ver, a partir da estruturação da oferta, dos estudos a
respeito do consumidor, e especialmente da publicidade e da propaganda, que marketing constituía
uma ‘ferramenta’ eficiente para ampliação do benefício para os usuários (especialmente as empre-
sas). Já as conseqüências despropositadas do uso destas ferramentas (como a indução ao consumo
compulsivo, por exemplo) seriam motivo para que a sociedade se preocupasse e cobrasse respon-
sabilidade de marketing.
É como conseqüência de um posicionamento mais ativo da sociedade em relação às práticas
que se desenvolveram, por volta dos anos 1960 e 1970 (ainda nos Estados Unidos), algumas ações
de regulamentação da oferta pelo governo, e a organização dos movimentos de consumidores, no
que se convencionou chamar de escola ativista55.
Esta escola se baseia fundamentalmente nos estudos sobre as iniciativas dos consumidores
de se engajarem em uma cobrança sistemática sobre as empresas e sobre o estado para moderar os
efeitos maléficos das ações das empresas e para providenciar benefícios para a parte (normalmente
mais) fraca do processo de troca, que são normalmente os clientes (este engajamento dos consumi-
dores constitui o chamado movimento consumerista, encabeçado por consumidores ou pelos ór-
gãos de estado). Isto pode ser entendido como a preocupação da sociedade com marketing.
De forma quase paralela, tivemos a reorientação de marketing a partir da redefinição (ex-
pansão) do escopo da disciplina (como descrevemos no capítulo anterior), e o conseqüente desen-
volvimento temático fragmentado. Do processo de fragmentação, as diversas novas disciplinas sur-
gidas foram quase sempre direcionadas a aspectos ou organizações não vinculados a interesses
empresariais (como marketing social e público, por exemplo). Isto pode ser entendido como a re-
presentação da preocupação de marketing com a sociedade em uma perspectiva além dos resulta-
dos sociais das empresas.
Figura 4.1 – Fatores de institucionalização do macromarketing

Interesse da sociedade Interesse de marketing


por marketing pela sociedade

Institucionalização do
macromarketing

Fechamento do escopo Conceito de sistema


de marketing (troca) agregado de marketing

Observe que agora temos a ilustração de uma preocupação de marketing com a sociedade e
uma preocupação da sociedade com marketing (ou assuntos e responsabilidades de marketing).
Agregamos a este interesse mútuo mais dois debates centrais: primeiro, o debate que se desenvol-
veu no mesmo período (anos 1970) em torno do escopo de marketing (a partir da chamada teoria
das trocas sociais; ver capítulo 1), com a confirmação da troca como o elemento de marketing e a
conseqüente percepção da relevância do contexto como parte do processo de troca; segundo, a

55 SHETH, J. D.; GARDNER, D. M.; GARRETT, D.E. Marketing theory: evolution and evaluation. New York: John

Wiley and Sons, 1988.


48

discussão sobre o conceito de sistema de marketing, deixada de lado com o debate da corrente ge-
rencial, mas sempre oferecendo um potencial de compreensão de marketing consistente.
Como consequência de tudo isto, foi necessária a institucionalização de um projeto específico
de discussão disciplinar, que o fizesse além da perspectiva gerencial reinante na época. Tal contexto
de discussão ficou denominado por macromarketing, nome que remete, em uma primeira análise, a
uma visão ampliada da atividade de marketing56. Observemos na figura 4.1 uma ilustração destes
movimentos iniciais.

4.2.1. Tentativas de fechamento do escopo

Este processo culminou, no ano de 1976, na realização do primeiro seminário temático, lide-
rado pelo pesquisador americano Charles Slater, com a preocupação preliminar de definir macro-
marketing e fixar um escopo temático preliminar. Primeiramente, a idéia em torno de macromarke-
ting parecia ser relativamente clara: trata-se da análise da atividade agregada, com uma análise em
conjunto dos impactos da sociedade sobre marketing, e dos impactos de marketing sobre a socie-
dade.
Mas, o que se estuda em macromarketing em termos mais objetivos? O que diferencia ma-
cromarketing da perspectiva clássica de marketing? Caberia uma replicação dos princípios conven-
cionais de marketing (ou da administração de marketing) ao nível agregado, como foi o caso das
disciplinas de marketing social e público, por exemplo? Estas e outras questões foram o guia do
debate que se seguiu nos anos seguintes, até a primeira metade da década de 1980.
Em um esforço que ficou entendido como um dos maiores avanços na época, tivemos o artigo
de Shelby Hunt e John Burnett, que procederam a um amplo levantamento da literatura sobre o
assunto até 1982, e desenvolveram (e testaram empiricamente a consistência) nove proposições de
classificação temática, como uma forma de diferenciar a visão de macromarketing das demais vi-
sões de marketing (chamada micromarketing)57. As nove proposições foram reunidas por Stanley
Shapiro, citado acima, de acordo com três critérios centrais: nível de agregação, perspectiva de
análise e conseqüência gerada. O quadro 4.1 mostra as proposições assim organizadas.
Quadro 4.1 – Proposições de Hunt e Burnett
CRITÉRIO 1 – O NÍVEL DE AGREGAÇÃO
1. O estudo do sistema de marketing total de uma sociedade é macro;
2. O estudo do sistema de consumo total de uma sociedade é macro;
3. O estudo dos sistemas de marketing intermediários (incluindo canais, sistemas
varejista e atacadista, e as indústrias) é um misto de macro e micro;
4. O estudo das organizações individuais e consumidores individuais é micro.
CRITÉRIO 2 – A PERSPECTIVA DE ANÁLISE
5. Quando uma unidade de marketing de análise é investigada na perspectiva da
sociedade, a investigação é macro;
6. Sempre que uma questão é examinada na perspectiva da empresa, a investigação
é micro.
CRITÉRIO 3 – A CONSEQUÊNCIA GERADA
7. O estudo das conseqüências do sistema de marketing total na sociedade é macro;
8. O estudo das conseqüências dos sistemas de marketing intermediários sobre o
sistema de marketing total é macro;
9. O estudo das conseqüências de sistemas de marketing de organizações individu-
ais sobre sistemas de marketing intermediários é ao mesmo tempo micro e macro

Embora possa parecer ainda algo incompleto, as proposições de Hunt e Burnett clareiam a

56 Cf. SHAPIRO, S. J. Macromarketing: origins, development, current status and possible future direction. Euro-
pean Business Review, v. 18, n. 4, p. 307-321. 2006.
57 HUNT, S. D.; BURNETT, J. J. The macromarketing/micromarketing dichotomy: a taxonomical model, Journal

of Marketing, v. 46, p. 11-26, sum., 1982.


49

compreensão do que seja macromarketing; mas novos desenvolvimentos eram necessários. Uma
proposta complementar foi desenvolvida por George Fisk e Robert Nason58, exposta a seguir:
• Primeiro, os dois autores postularam que qualquer ação de marketing é sempre de natureza
micro, independente do tipo ou do tamanho da organização que a desenvolve. Isto implica dizer
que ações de marketing social, de organizações sem fins lucrativos e de marketing governamen-
tal não são de macromarketing. Vale destacar aqui que estas possibilidades são ações que asso-
ciam marketing à sociedade no sentido de serem não vinculadas a empresas e sim a organiza-
ções de interesse social. Mas de fato, sua ação é restrita ao seu nível de atuação. Para nosso en-
tendimento, são ações que cabem, em boa medida, na disciplina de Marketing e sociedade, mas
não necessariamente macromarketing;
• As externalidades que são geradas pelas ações de micromarketing estão no domínio de macro-
marketing, independentemente do tipo de organização ser empresarial ou não. Veja o destaque
aqui: a ação de marketing não é macromarketing, mas a externalidade gerada pode ser assim
considerada, em razão da relação que guarda com o nível mais geral de observação;
• Com exceção das análises da interação no nível da organização, as interações de marketing no
nível ampliado, e a comparação entre diferentes sistemas, são consideradas macromarketing. O
mesmo pode-se dizer das ações de regulação e de políticas públicas (mas a implementação da
ação de marketing assim definida tem um caráter micro);
• Por outro lado, marketing internacional, a despeito de ter uma abrangência mais ampla (a prio-
ri), é micromarketing, assim como o são os estudos de comportamento do consumidor. É válido
destacar aqui que há estudos de comportamento do consumidor (como comportamento ético)
que se inserem bem em um contexto de Marketing e sociedade, ainda que eventualmente não
seja parte de macromarketing.

Foi ainda nos anos 1980 que se lançaram dois canais fundamentais de difusão do conheci-
mento na área, primeiramente o Journal of Macromarketing em 1981, e o Journal of Public Policy
and Marketing, no ano seguinte. O primeiro era parte de um projeto coletivo para potencializar o
desenvolvimento da área (começando inclusive pela definição de foco, como comentado logo aci-
ma), e o segundo com um foco diretamente associado, mas restrito a temas relacionados a políticas
públicas. No Brasil da época muito pouco se falava ou se pensava sobre o assunto, que veio a ser
pauta de algumas reflexões em nível nacional somente nos anos 2000.

4.2.2. Crítica e fixação

Podemos dizer que as duas perspectivas mostradas são uma boa segurança para uma análise
do que está e do que não está no nível de macromarketing. Seria fácil apontar alguns tópicos que
seriam convencionais de macromarketing, e foi isto que os anos subseqüentes trouxeram. Na re-
trospectiva desenvolvida por Roger Layton e Sanford Grossbart são apontados os diversos temas
que foram sendo analisados sob o guarda-chuva de macromarketing59, com destaque para os se-
guintes: marketing e políticas públicas, regulação de mercado (canais, clientes e ofertantes), justiça
distributiva, impactos ambientais de marketing, consumo responsável, ética de marketing e ética do
cliente, dentre outros.
Não precisamos analisar muito detidamente para visualizar o quanto macromarketing pare-
cia difuso em termos temáticos, a considerar, é bom que se diga, os temas estudados nesta época
(até o final da década de 1980). Este seria um dos motivos das principais críticas tecidas sobre ma-
cromaketing. A disciplina teria falhado, em seus primeiros 10 ou 15 anos de existência, em constitu-
ir um escopo temático centrado, além de se basear em conceitos também igualmente difusos, como

58 FISK, G.; NASON, R. W. Editors’ working definition of macromarketing. Journal of Macromarketing, v. 2, p. 3-

4. 1982.
59 LAYTON, R. A.; GROSSBART, S. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal of Macromarket-

ing, v. 26, n; 2, p. 193-213, 2006.


50

o conceito de sistema de marketing, algo que é intuitivo, mas que precisaria ser melhor definido
para dar mais consistência à disciplina (desenvolvo este conceito no item 4.2).
Os anos de 1990 seriam para uma consolidação de macromarketing tanto nestes aspectos
quanto no avanço metodológico e de uma justificativa mais consistente de sua existência e de seu
valor para a literatura especializada de marketing, que seguia seu desenvolvimento em outras áreas
sem maiores problemas, com avanços nas áreas de marketing de relacionamento, estratégia, servi-
ços, e, claro, nas técnicas e aplicações de administração de marketing. Mas uma definição e a preci-
são não chegaram como se esperaria (e não chegaram ainda hoje). Até pelo contrário: novos temas
se incorporaram ao guarda-chuva de macromarketing desde então, com destaque para os tópicos
de história de marketing, marketing e qualidade de vida, e os condicionantes macro-ambientais de
marketing (como globalização, desenvolvimento econômico, aspectos culturais, condições econô-
micas globais, por exemplo; no item 4.4 retomamos este debate para a condição mais atual).
Provavelmente, o que tivemos de mais diferenciado em termos de orientação foram os en-
tendimentos de que macromarketing seria uma dimensão, tópico ou disciplina de marketing (para
nós um tópico da disciplina de marketing e sociedade) que analisa a relação e as influências entre
marketing e sociedade em uma perspectiva de compreensão baseada nas ações do sistema de mar-
keting, mas agora com um propósito orientado para a promoção do desenvolvimento societal (veja
bem: societal no sentido de desenvolvimento humano, social e ambiental)60.
Ainda na década de 1990, como forma de ampliar o número de interessados, os pesquisado-
res (sua grande maioria estadunidenses) em macromarketing (e os líderes do próprio Journal of
Macromarketing) partiram para uma nova expansão de escopo, com articulação em torno dos tópi-
cos de qualidade de vida (em uma aproximação com a ISQOLS – The International Society for Qua-
lity-of-Life Studies), de história de marketing (em uma aproximação com a CHARM Association, que
desenvolve a Conference on Historical Analysis & Research in Marketing); e de desenvolvimento (em
uma aproximação com a ISMD – International Society for Marketing and Development).
Uma consequência de tal aproximação foi o espaço que estas instituições ganharam para pu-
blicar seus temas de interesse no Journal of Macromarketing. Desde então, os temas de base destas
entidades passaram a ser também temas de interesse da disciplina de macromarketing. A conse-
qüência mais obvia de tal situação é a continuidade de macromarketing como uma área fragmenta-
da, inconsistente, e de baixo prestígio acadêmico, apesar de termos diversos pesquisadores de peso
na área (de fato, o resultado atual destes mais de 30 anos de construção de macromarketing ainda
não o fez uma disciplina de marketing, especialmente em comparação com outras áreas, como ad-
ministração de marketing, comportamento do consumidor, marketing models, dentre outras).
Como mais um desdobramento, houve um verdadeiro distanciamento de vários potenciais
interessados no tema, e, como consequência, não houve no Brasil o interesse em desenvolver mais
extensivamente uma estrutura para desenvolvimento da área, nem em termos de pesquisa nem em
termos de educação61.
No quadro 4.2 está exposto um resumo do que foi apresentado neste item. Como observado
acima, nosso pressuposto neste texto é que macromarketing é parte da disciplina de Marketing e

60 Cf. PETERSON, M. Focusing the future of macromarketing. Journal of Macromarketing, v. 26, n; 2, p. 245-249,

2006. Peterson deixa bem clara sua proposta, ao defender que um caminho seguro para o desenvolvimento de
macromarketing é se definir como uma área transdisciplinar focada no desenvolvimento societal.
61 Quando revisava estas páginas, no ano de 2014, fiz uma pesquisa no site de busca google acadêmico com a

palavra-chave macromarketing somente com sites em língua portuguesa, e não foi encontrada qualquer refe-
rência de um desenvolvimento temático no país, nem qualquer disciplina voltada especificamente para o tema,
afora o eu se pesquisava e ensinava na Universidade Federal da Paraíba. No entanto, ainda que não seja um dos
caminhos preferenciais de pesquisadores, estudantes e praticantes de marketing, a subdisciplina de macro-
marketing manteve sua atratividade, e as remodelagens necessárias são entendidas como parte dos desafios
evolutivos da área. Acredito que o Brasil pode efetivamente participar deste processo evolutivo, com contri-
buições em termos de pesquisa, ensino e intervenções, com o desdobramento dos esforços que vem sendo
feitos e casos de sucesso, como a linha de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Administração da UFPB,
já citado.
51

sociedade, e tem seu objetivo de análise e potencial intervenção nos sistemas agregados de marke-
ting (esta perspectiva é a mesma desde a década de 1970, e vem mantendo-se assim, apesar das
idas e vindas).
Quadro 4.2 – Resumo da evolução de macromarketing
Período Aspectos relevantes
• Interesse da sociedade por marketing e de marketing pela sociedade
• Movimento de expansão do escopo de marketing
Anos 1970 • A troca (e o sistema de troca) como objeto de marketing
• Primeiro seminário de macromarketing
• Primeiros esforços de definição
• Debate sobre o conceito e o escopo de macromarketing
• Desenvolvimentos dos primeiros periódicos
Anos 1980
• Fragmentação temática
• Primeiras evidências de dificuldades
• Sistematização das críticas à área
Anos 1990 • Tentativas de fixação temática
• Aproximação com entidades de interesse temático
• Fechamento do conceito de sistema de marketing em torno da idéia
de promoção de desenvolvimento societal
Anos 2000
• Aprofundamento do conceito de sistema integrado de marketing
• Integração ao contexto da disciplina de Marketing e sociedade
Anos 2010 • Consolidação da subdisciplina
(em anda- • Consolidação de grupos de pesquisadores e de mestres e doutores na
mento) área, inclusive no Brasil

O problema que se coloca, também como dito acima, é saber o que é um sistema agregado de
marketing. No item seguinte apresento uma discussão sobre este conceito central não apenas para
macromarketing, mas para a própria disciplina de Marketing e sociedade.

4.3. Conceito central: sistema agregado de marketing

A demanda de uma modelo geral para análise de macromarketing somente encontra uma ba-
se segura no conceito de sistema, que representa uma idéia associada, entre outras possibilidades
conceituais, a um conjunto integrado e interdependente de partes que, quando em ação, interagem
entre si no processamento de entradas as mais diversas, com a finalidade gerar um ou mais resul-
tados como saídas do sistema62.
É fácil perceber que a visualização das atividades de marketing em uma perspectiva sistêmi-
ca tem um potencial muito grande de facilitar sua compreensão, e é possível perceber aplicações
desta perspectiva em diversas atividades de marketing, como, por exemplo, em uma delimitação
das atividades de comunicação ou de pesquisa de marketing como sistemas. Para uma perspectiva
de interação com a sociedade como um todo, a visão sistêmica se transforma em um framework que
contribui para uma percepção mais objetiva do objeto e do escopo de disciplina marketing e de
macromarketing.
Faremos então um esforço de compreensão e conceituação do chamado ‘sistema agregado de
marketing’ (ou simplesmente sistema de marketing), e nos basearemos especialmente nos estudos

62 Não é nosso propósito estender a discussão sobre os elementos da chamada teoria geral dos sistemas, um

assunto que é bastante estudado em diversas disciplinas acadêmicas, como administração, computação, biolo-
gia, ecologia, geografia, dentre outras. Para quem quiser ter uma visão preliminar do assunto, recomendo a
seguinte referência: MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. G. Teoria geral da administração. São Paulo: Thomson,
2002. Para quem quiser uma visão mais profunda, recomendo o livro de Ludwig Von Bertalanffy, o criador da
teoria geral dos sistemas A referencia é: BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas. Rio de Janeiro: Vozes,
1975.
52

de William Wilkie e Elizabeth Moore63, e de Roger Layton64, que são trabalhos já publicados, e que
considero os mais completos em termos de informação e estruturação. Nos dois trabalhos, os auto-
res partem de algumas evidências da realidade empírica para construir um conceito parcial, mas
suficiente para uma compreensão global da atividade de marketing.

4.3.1 Definição e elementos

É de Roger Layton que vem uma definição mais adequada para sistema de marketing. Segun-
do este pensador, “um sistema de marketing é uma rede de indivíduos, grupos e/ou entidades liga-
das direta ou indiretamente, através da participação sequencial ou compartilhada em trocas eco-
nômicas que criam, ordenam, transformam, e disponibilizam sortimentos de produtos, sejam tangí-
veis ou intangíveis, como uma resposta à procura dos clientes”65.
Figura 4.2 – Visão geral do sistema de marketing

Entradas do sistema de marketing


• Agentes ofertantes e demandantes
• Desejo de benefícios
• Suposições de interesse
• Instituições de mediação
• Condicionamentos sociais diversos
• Informações e regras diversas...

Funcionamento do sistema

Ações Fluxos diversos


• Compra • Produtos
• Venda • Informações
• Negociações • Dinheiro e direitos
• Acordos diversos • Influência
• Fiscalização • Posse e propriedade
• Campanhas diversas... • Compromissos...

Saídas do sistema de marketing


• Ações e fluxos
• Valor gerado para os agentes e a sociedade
• Satisfação dos envolvidos
• Externalidades positivas e negativas
o Desenvolvimento econômico e social
o Qualidade de vida
o Externalidade negativas...

Condicionamentos externos Outros sistemas

63 WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Marketing’s contribution to society. Journal of Marketing, v. 63 (special issue), p.
198-218, 1999.
64 LAYTON, R. A. Marketing Systems: a core macromarketing concept. Journal of Macromarketing, v. 27, n. 3, p.

227-242, 2007.
65 Tradução de: “A marketing system is a network of individuals, groups, and/or entities linked directly or indi-

rectly through sequential or shared participation in economic exchange that creates, assembles, transforms, and
makes available assortments of products, both tangible and intangible, provided in response to customer de-
mand”.
53

Nesta definição está explícito o pressuposto de que o sistema de marketing trata de aspectos
relacionados à troca. Assim, quando levamos em conta todo o conjunto de ações de troca, juntamen-
te com todo o conjunto de demandantes, ofertantes, produtos, e de todo o contexto institucional de
ocorrência, teremos uma visão do sistema geral de marketing. Neste, ocorrem as ações diversas
(compra, venda, negociação...), e os fluxos de bens, informações, dinheiro e influência, que ocorrem
por meio da interação dos agentes (interações moderadas pelas regras formais e informais, legais
ou ético/morais, que se aplicam a cada situação), que geram ao final os resultados totais da oferta e
da demanda, incluindo as posses e propriedades transferidas, os lucros auferidos, as satisfações e
desejos realizados, e a manutenção da estabilidade do sistema geral para realização de novos ciclos
e para sua expansão e aprimoramento. A figura 4.2 ilustra a visão estrutural do sistema de marke-
ting.
Esta visão geral pode ser especificada para atender a interesses de análise, estudo e inter-
venção mais focados. Assim, podemos manter foco no sistema geral de troca dos países, e depois
nos sistemas gerais de troca dos estados dentro dos países, e em seguida nos sistemas gerais de
municípios, bairros, ruas... As perspectivas de análise são, portanto, tão variadas quantos são os
recortes que o sistema recebe. Nestes termos, é possível desenvolver um foco na dimensão da es-
trutura do sistema, com o mapeamento de seus componentes e suas relações centrais; é também
possível desenvolver um foco nas forças intervenientes do sistema, em especial no ambiente exter-
no ao mesmo (como os fatores macroeconômicos e macro políticos), juntamente com as externali-
dades geradas pelo funcionamento do sistema; é viável analisar no sistema de marketing aspectos
de falhas ou gaps entre finalidade e resultado, com análises e proposições de aprimoramentos66.
Em geral, os diversos sistemas são definíveis a partir de um conjunto de elementos e dos re-
lacionamentos externos que desenvolvem. Na configuração de um sistema é necessária a conside-
ração de cinco aspectos centrais (quatro primeiros são apontados no estudo de Layton, e acrescen-
to mais o quinto). Os aspectos são os seguintes:
• Primeiro, os sistemas de marketing são estruturas de troca econômica e social, ou seja, normal-
mente, os sistemas agregados trazem aspectos além da mera troca econômica;
• Segundo, os sistemas de marketing delimitados têm relação direta com outros sistemas, não
sendo normalmente autossuficientes em termos de suprimentos, nem tendo toda sua produção
final mantida dentro do próprio sistema;
• Terceiro, os sistemas de marketing possuem subsistemas também estruturados, potencialmente
com os mesmos elementos do sistema agregado, porém em escala menor;
• Quarto, todo sistema possui especificidades de funcionamento, de estrutura e de resultados, que
os tornam, em boa medida, únicos, em comparação com outros sistemas;
• Por fim, todo sistema tem um nível de eficiência de suas atividades, que concerne principalmen-
te à relação entre os resultados efetivamente gerados e os recursos utilizados (está pressuposto
que as finalidades sejam alcançadas, ou seja, que haja eficácia no sistema). Obviamente, a efici-
ência do sistema relacionada tanto com sua dimensão interna quanto com sua dimensão exter-
na.

Sobre este último aspecto, é fácil conceituar (embora não seja fácil mensurar) qual o nível de
eficiência de um sistema de marketing, bastando considerar o alcance de suas finalidades propostas
(por exemplo, fornecer produtos e serviços financeiros, desenvolver atividades de varejo, ou reali-
zar as atividades de distribuição) e o quanto isto custou em termos de recursos.
Na prática, é comum haver ineficiências em sistemas de marketing, nos dois vetores de ca-
racterização adotados. De fato, costumam ocorrer diferenças entre os resultados esperados ou de-
sejados e os resultados reais alcançados, o que pode ocorrer tanto em nível de resultado imediato

66 Muitas das possibilidades para abordagem e análise de um sistema de marketing podem ser observadas na

seguinte referência: LAYTON, R. A.; GROSSBART, S. Macromarketing: past, present, and possible future. Journal
of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 193-213, dec., 2006.
54

do sistema (como problemas na alocação de bens, falhas de serviços, problemas com a distribuição
etc.) quanto no nível agregado do macro sistema (como é caso das externalidades negativas geradas
pela ação do sistema, como a depredação do meio ambiente, e os problemas de poluição visual ou
sonora, e mesmo problemas de agressão a minorias ou a princípios sociais específicos, algo que é
muito comum em publicidade e propaganda). Também é comum que o sistema alcance seus resul-
tado gerando um custo muito elevado em termos de uso de recursos (por exemplo, explorando em
excesso os recursos naturais). Nos exemplos a seguir ilustro estas situações, e no capítulo 7 retomo
este debate.

4.3.2. Dois exemplos de sistemas de marketing

Para ilustrar um sistema de marketing, tomemos inicialmente o caso dos centros das grandes
cidades (mantemos foco nas cidades brasileiras, mas há sinalizações de que internacionalmente
ocorre o mesmo), e vamos proceder à descrição geral do que ocorre no dia a dia destes espaços
urbanos, pelo modelo geral do sistema de marketing descrito acima.

Os centros das cidades como sistemas de marketing


Os centros estão normalmente entre os bairros mais antigos das grandes capitais brasileiras,
e foram as sedes do poder público em épocas passadas, quando as cidades ainda eram pequenas.
Como foi comum na maioria dos grandes municípios brasileiros, as sedes atraíram a moradia de
grande parte da população da cidade, e agregaram alguns dos principais órgãos da administração
pública (a descrição que faço não alcança certamente todas as grandes cidades, mas ocorreu em
cidades como Fortaleza, João Pessoa, São Paulo, dentre outras).
Por esta razão, os centros desenvolveram, ao longo dos anos, uma infraestrutura de serviços
(escolas, serviços bancários, serviços de saúde, serviços religiosos, comércio, feiras, espaços de
lazer...) para viabilizar seu funcionamento pleno. Naturalmente, as regiões centrais atraíram uma
quantidade significativamente grande de pessoas para o desenvolvimento destas atividades, e, ao
longo dos anos, estes foram expandindo suas fronteiras e se tornando maiores, e mais movimenta-
dos.
Como consequência, uma parte dos moradores teve a tendência de mudar para regiões mais
distantes, em busca de maior segurança e mais tranquilidade, mas mantendo nos centros a referên-
cia de consumo e de trabalho. Estes novos locais tendem, assim como ocorreu com os centros, a
atrair também uma infraestrutura de serviços que faz com que, ao longo dos anos, estes novos es-
paços se tornassem independentes, dispensando os moradores da necessidade de se dirigirem para
os centros para a realização compras ou para seus trabalhos.
Os espaços deixados pelos residentes são normalmente ocupados por atividades comerciais
ou de serviços (lojas, bancos, estacionamentos, restaurantes...), e, depois de alguns anos, os centros
tornaram-se espaços comerciais, com um número reduzido de residentes, mas com uma enorme
pujança econômica. Mesmo com o desenvolvimentos dos corredores comerciais nos outros bairros,
e dos shopping centers, os centros continuaram sendo espaços de especialidade preferenciais (como
é o caso dos produtos eletrônicos da rua Santa Ifigênia, no Centro de São Paulo).
De forma quase natural, o que antes eram bairros residenciais foram reconfigurados para
servirem principalmente à atividade comercial. Diariamente, milhares de pessoas movimentam-se
de seus bairros para trabalhar ou para realizar compras ou receber serviços específicos nos cen-
tros. Em contrapartida, diariamente tem-se uma estrutura de oferta enorme, disponibilizando os
mais diversos produtos e serviços.
Em paralelo às atividades de oferta e de demanda, estão presentes nos centros os elementos
de ordenamento de sua estrutura geral, como a fiscalização do poder público para coibir abusos (de
demandantes e ofertantes), havendo ainda a estrutura de fisco para acompanhamento de transa-
ções e coleta de tributos, a presença dos órgãos de ordenamento social (polícia, agentes de trânsi-
to...), e a presença do poder público municipal para manutenção do espaço (tapar buracos, limpeza
urbana...), tudo isto com a finalidade de manter a estabilidade agregada do sistema.
55

Também diariamente são dirigidos aos centros os suprimentos de mercadorias (normalmen-


te no horário noturno), que são produzidas em vários lugares, algumas provenientes de outros
bairros da cidade, outras provenientes de outros municípios, outros estados ou até de outros paí-
ses. A estrutura geral de suprimentos é condicionada pela estrutura do sistema (por exemplo, são
quase sempre fornecidos produtos acabados, pois são dirigidos aos clientes finais), e sempre em
consonância com a suposição (ou o conhecimento) da demanda atual. Assim, tem-se a determina-
ção do sistema e seus agentes sobre o que é fornecido de fora, mas há também a determinação do
que é fornecido (proveniente de outros sistemas) sobre o que é comercializado nos centros.
O amadurecimento e a evolução natural, ou induzida, do sistema criam especialidades locais,
com a consolidação dos corredores comerciais, que repetem as características do sistema global,
mas com foco na especialidade (por exemplo, há corredores focados em produtos de informática, e
outros especializados em produtos eletro-eletrônicos). Temos, então, a estruturação de sistemas de
marketing dentro de sistemas maiores de marketing, configurando assim os subsistemas.
Em paralelo à superestrutura varejista, temos a estrutura de apoio, com a presença de res-
taurantes e lanchonetes, serviços de transporte público, serviços financeiros diversos, e temos tam-
bém a inserção de atividades paralelas que aproveitam o fluxo de pessoas que fluem para o varejo e
da estrutura de acesso montada, como é o caso de igrejas, salões de cabeleireiro, escolas, clínicas
médicas, sindicatos...
A expectativa final de um centro como um sistema de marketing é que todos os envolvidos
encontrem a plena satisfação de seus interesses, desde os clientes, passando pelos ofertantes e seus
fornecedores, até aos órgãos de estado (que em boa medida representam o interesse social coletivo
neste sistema). A manutenção da existência destes espaços assim por décadas sugere que estes
resultados tem sido alcançados.
De seu funcionamento agregado, os centros geram benefícios os mais diversos, como por
exemplo: disponibilidade de uma ampla gama de oferta concentrada em termos geográficos; com-
petição em termos de especialidades (especialmente nos corredores); geração de emprego, renda, e
receita para as fazendas públicas, seja de natureza municipal e estadual; dinamização da atividade
produtiva, inclusive fora do sistema, dentre outras.
No entanto, também existem as externalidades negativas, destacando-se as seguintes: viabi-
lização do mercado irregular (como mercado de produtos pirateados e de ambulantes sem autori-
zação, que se dirigem aos centros para aproveitar a movimentação existente), depredação do pa-
trimônio histórico e arquitetônico das cidades (casas antigas transformam-se em lojas ou estacio-
namentos, praças tornam-se espaços de comercialização irregular e/ou prostituição...); atração de
delinquência e corrupção; enfraquecimento dos laços sociais (especialmente durante as noites,
quando praticamente os centros param); poluição visual, sonora e ambiental...
Pela própria evolução de negócios e pelas externalidades negativas citadas, os centros trans-
formaram-se, ao longo dos anos, em espaços de grande dinamismo econômico (os centros estão
sempre entre os espaços que mais geram tributos aos estados e municípios), mas com uma baixa
vitalidade social e cultural, embora mantendo ainda muitas atividades deste gênero67. Não sem
razão, os governos das cidades tendem a desenvolver ações especificas para as áreas centrais, como
é o caso, por exemplo, das cidades de Fortaleza e São Paulo, por exemplo, que criaram subprefeitu-
ras para revitalizar seus centros e moderar os efeitos da atividade do sistema agregado de marke-
ting. Isto exemplifica a iniciativa de estado para moderar a externalidade negativa da atividade de
marketing68.

67 Um interessante trabalho analisando este aspecto foi desenvolvido por Susie Pryor e Sanford Grossbart, que

analisaram o centro de uma cidade americana e verificaram que diversos eventos e atividades sociais e cultu-
rais são parte do dinamismo destes espaços. A referência é: PRYOR, S.; GROSSBART, S. Ethnography of an
American Main Street. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 33, n. 11, p. 806-823, 2005.
68 Há relatos de iniciativas como estas também em outros países, como descrito na seguinte referência sobre o

Canadá: HERNANDEZ, T.; JONES, K. Downtowns in transition: emerging business improvement area strategies.
International Journal of Retail & Distribution Management, v. 33, n. 11, p. 789-805, 2005.
56

Outro sistema que chama a atenção nas cidades litorâneas brasileiras caracterizadas como
turísticas são os corredores de beira-mar. Descrevo a seguir uma visão geral destes corredores
como sistemas de marketing, seguindo a mesma orientação da primeira descrição (embora a expo-
sição não seja vinculada, as idéias baseiam-se especialmente na realidade de cidades nordestinas).

Corredores de beira-mar de cidades turísticas


Algumas cidades brasileiras de zona de praia, especialmente as capitais, há décadas transfor-
maram-se em ambientes de atração de turistas, dentre outras coisas, pelo acesso ao mar e pela
infraestrutura montada para um aproveitamento pleno do benefício deste acesso.
Historicamente, a zona de praia das maiores cidades foi durante muitos dos anos um ambiente
de trabalho dos pescadores e de casas para temporadas das classes economicamente mais abasta-
das, cujas famílias moravam normalmente nas zonas centrais, como apontado acima. No entanto, ao
longo das décadas do século XX, o movimento que fez com que as famílias saíssem das zonas cen-
trais acabou conduzindo-as para manter residência fixa nas zonas de praia, provocando ao longo
dos anos uma grande valorização imobiliária69.
Este movimento, ao mesmo tempo em que ‘expulsava’ os primeiros moradores (pescadores)
das proximidades para as zonas mais periféricas ou os segregava em espaços pontuais70, também
atraía empreendedores interessados na estruturação de meios de oferta para as novas comunida-
des agora residentes. Os bairros que se desenvolveram nestas áreas tornaram-se aos poucos espa-
ços privilegiados, constituindo normalmente os ditos ‘bairros nobres’ das cidades.
A construção e a consolidação de uma infraestrutura mais completa fariam com que estes
mesmos espaços se tornassem os lugares prediletos para os visitantes destas cidades. O crescente
movimento destes mesmos visitantes, inclusive atraídos pela beleza natural das praias e pelas con-
dições privilegiadas de segurança e acesso ao consumo, conduziu com o tempo a uma nova remode-
lagem do espaço. De fato, as áreas residenciais e os pequenos prédios foram aos poucos sendo subs-
tituídos por grandes edifícios erguidos para os serviços de hotelaria; algumas áreas cederam lugar a
restaurantes que, embora atendam a clientes da cidade, são mais direcionados aos turistas.
Os moradores que ficaram tiveram que ver os corredores de tráfego mais próximos da praia
(as ruas ou avenidas de beira-mar) sendo ocupados por uma estrutura de oferta direcionada ao
lazer e ao turismo. Em complementos, os espaços foram sendo ocupados por serviços complemen-
tares, como os taxistas, os quiosques de vendas de lanches e bebidas, as feirinhas com produtos da
tradição local (especialmente para turistas), os clube e boates noturnos, além de bancos, serviços de
câmbio, bancas de revistas, e inclusive vendedores ambulantes, feirantes itinerantes, dentre outros.
Estes locais passaram a constituir o que chamamos de corredor de beira-mar.
Observe que temos neste espaço a constituição de um verdadeiro sistema de marketing, base-
ado na oferta de organizações acima citadas e na demanda provenientes especialmente de turistas,
mas também de moradores locais e maior poder aquisitivo. Esta condição, mais a intenção de go-
vernos estaduais e municipais de dar ao turismo um status de atividade econômica estratégica,
promoveram uma série de intervenções de melhoria e ordenamento destes corredores, como, por
exemplo, um policiamento ostensivo e especializado (inclusive com delegacias especializadas de
atendimento ao turista), fornecimento de serviços de informação, acompanhamento do ordena-
mento de trânsito adaptado (nestes espaços, normalmente a velocidade é mais controlada e as fai-
xas são melhor cuidadas e fiscalizadas), e manutenção intensiva da estrutura, na maioria das vezes
com a disponibilização dos ditos calçadões para praticantes de esportes.
A dinâmica de funcionamento destes corredores é típica e possui diferenciações de acordo

69 Para o caso específico da zona de praia da cidade de Fortaleza, é interessante a descrição do geógrafo e pes-

quisador Eustógio Dantas, na seguinte referência: DANTAS, E. W. C. Mar à vista: estudo da maritimidade em
Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará/Secult, 2002 (Coleção Outras Histórias – 12).
70 Na cidade de Fortaleza é conhecida a Favela do Poço da Draga, imersa em uma área nobre do bairro litorâ-

neo Praia de Iracema, reconhecido por ser um dos principais pontos turísticos desta cidade.
57

com a sazonalidade da atividade turística, o que faz destes sistemas de marketing distintos em rela-
ção a outros sistemas de mesma natureza (como os corredores comerciais especializados por pro-
duto, como é comum nos centros comerciais). Ainda que exista aqui um conjunto de características
comuns com outros sistemas, como são os fornecedores de produtos para os restaurantes e os fun-
cionários destes mesmos estabelecimentos, é fácil visualizar que a especialização da oferta para a
atividade turística condiciona a visualização de um tipo especial de sistema.
Observemos que, de modo agregado, a especialização traz um conjunto de benefícios para os
agentes envolvidos e para o espaço. De fato, para o turista há o benefício de encontrar uma oferta
agregada especializada e direcionada a atender a suas demandas; para os ofertantes, há a vantagem
de estar no local para onde vão os seus principais clientes além de estarem em cadeia com os ofer-
tantes de produtos e serviços complementares aos seus; para os governos, há a vantagem inicial da
boa imagem que a cidade deixa nos visitantes, além, e principalmente, os resultados positivos em
termos de geração de impostos e promoção de emprego, renda, e o conseqüente dinamismo eco-
nômico. Em uma perspectiva mais global, a delimitação do espaço é vantajosa para a sociedade e
geral, que se especializa e mantém um alto nível de satisfação agregada, inclusive para quem não
reside ou não costuma freqüentar estes corredores.
Por outro lado, temos também alguns problemas criados, a começar pelos problemas já clássi-
cos no Brasil de prostituição, que se aproxima destes espaços pela circulação de dinheiro que se
cria pela dinâmica do setor (o problema se torna maior intenso quando há esquemas de prostitui-
ção envolvendo menores de idade, algo comum especialmente em capitais do Nordeste brasileiro)
Também é comum estas áreas transformarem-se em lugares apropriados para a ação de delinqüen-
tes, que ameaçam especialmente a mulheres, idosos e crianças.
Ainda assim, e apesar de operarem com preços mais elevados que nos demais locais (o que di-
ferencia seu público, e em boa medida limita o acesso de grande parte da população), os corredores
de beira-mar vêm mantendo uma dinâmica de diferenciação e valorização, em um saldo bastante
positivo em termos de geração de valor, e espaços de diferenciação e bom gosto para habitantes e
visitantes das cidades.

4.3.3. Características do sistema de marketing

É relevante ressaltar que, para a perspectiva de marketing, a abordagem destes sistemas se


diferencia de outras perspectivas que podem ser aplicadas a este mesmo sistema (como uma pers-
pectiva econômica ou sociológica, por exemplo) por manter foco na atividade de troca. Seria ainda
possível analisar nestes sistemas os elementos convencionais da análise mercadológica, como o
ordenamento do composto de marketing, as iniciativas estratégicas convencionais dos agentes
ofertantes, as especificidades associadas ao consumidor, o condicionamento imposto pelo sistema
regulador estatal e social, a natureza e especificidades dos produtos e serviços envolvidos, e, natu-
ralmente, das interações entre estes agentes.
Em cada sistema teremos sempre seus constituintes particulares, seus fluxos específicos, su-
as regras próprias de funcionamento, suas variações, enfim, temos uma dinâmica específica que
envolve trocas econômicas, sociais, culturais e relacionais. Em um esforço de esclarecer alguns as-
pectos-chaves que caracterizam um sistema de marketing, Wilkie e Moore observaram um conjunto
de características centrais, dos quais destacamos as seguintes: a grande quantidade de entradas, a
responsabilidade limitada da função de marketing no sistema, a presença de agentes com ativida-
des fora do interesse de troca (econômica), e a existência de subdivisões especializadas.
Sobre o primeiro aspecto, observamos facilmente que qualquer sistema de marketing menos
trivial terá sempre um conjunto razoavelmente grande de entradas (veja o caso dos centros comer-
ciais, com seus múltiplos fornecedores, produtores, empresas de transporte...). Estas entradas têm o
potencial de condicionar a natureza do sistema, de modo a constituir diferenças e nuances (por esta
razão, os centros das cidades são diferentes entre si, embora possuam características próximas,
como narrado acima).
Também observamos que, no sistema agregado, marketing tem responsabilidade total por
58

algumas atividades específicas (como gerenciar as atividades de atendimento e pesquisa de marke-


ting em um sistema de varejo), tem responsabilidade parcial sobre outras (como dar suporte de
informação aos departamentos de produção de empresas envolvidas com atividades industriais que
são fornecedores do sistema), e responsabilidade limitada ou nula sobre outros aspectos (como
gerenciamento de recursos humanos de empresas, ou de gerenciamento de atividades contábeis e
de controle, ou ainda no serviço de segurança geral do sistema). Esta característica é um primeiro
reconhecimento de que marketing tem uma função limitada no gerenciamento do sistema (por
exemplo, em um sistema na forma de corredor comercial, marketing não é responsável pela segu-
rança física das pessoas; esta responsabilidade é dos órgãos de polícia, ainda que as instituições
ofertantes eventualmente influenciem na formação da cobertura policial ou que contratem segu-
rança privada).
Quadro 3.3 – Características gerais de um sistema
O sistema agregado de marketing
1. Incorpora diversas atividades, incluindo as funções clássicas de distribuição, planos e
programas de marketing, além das ações de consumidores e dos governos;
2. É composto por fluxos planejados e contínuos entre os participantes, incluindo fluxos
de produtos e materiais, entrega de serviços, dinheiro, e ainda os fluxos de informação e
influência;
3. É extensivo em diversos aspectos,
a) Na extensão de todo o caminho desde a produção de materiais, passando por múlti-
plos processos intermediários de uso, até chegar nas residências individuais;
b) Na combinação de materiais/produtos de diversas partes do mundo na constituição
de uma oferta de mercado;
c) Com múltiplos conjuntos de profissionais de marketing, que competem e desenvol-
vem diversas ações em paralelo;
d) Na arquitetura da atividade de troca, com diversos produtores vendendo para diver-
sos compradores, e diversos compradores comprando de diversos produtores;
4. É estruturalmente sofisticado, e está baseado em uma estrutura física e de comunica-
ções massivas, que de forma regular e rotineira cria e entrega bens e serviços por toda a
sociedade;
5. É uma base de alocação de recursos em uma economia de mercado, porque a res-
posta que os consumidores dão para as ofertas de mercado determina quais bens e ser-
viços serão criados no futuro;
6. É governado por forças de eficiência, especialmente as forças de interesse pessoal,
competição, e características das demandas de mercado;
7. É condicionado por forças sociais, incluindo leis, regulamentações governamentais,
normas culturais, e códigos de ética de negócios e de conduta de clientes;
8. Está baseado em processos coordenados, com produtores e revendedores buscando
compras interdependentes para um ajustamento de padrões pré-especificados com as
expectativas de demandas pelos consumidores;
9. Opera através de interações humanas, experiência e confiança na medida em que os
participantes desenvolvem e mantêm relacionamentos de mercado com a base para
condução de seus sistemas de atividades;
10. É um sistema aberto, dirigido ao crescimento e à inovação, na medida em que os
participantes buscam solucionar seus problemas e perseguir oportunidades, investindo
com esperança e fé nas operações futuras do mercado.

Outra característica é que os agentes presentes dentro das fronteiras do sistema não se en-
volvem unicamente com atividades de troca. Assim, os demandantes não estão sempre envolvidos
com as atividades de demanda, assim como os agentes de fiscalização e defesa do consumidor não
estão sempre desenvolvendo ações de fiscalização. Por exemplo, eventualmente, os consumidores
estão no sistema por razões distintas, como é o caso dos frequentadores dos centros comerciais
com a finalidade de congregação social; há ainda os turistas que são praticantes de esporte e que
aproveitam para correr nos corredores de beira-mar de cidades turísticas. Esta característica refor-
ça o que dissemos acima sobre a limitação de marketing, e alerta para o fato de que o sistema é de
59

marketing, mas nem tudo no sistema é estritamente marketing.


Observamos ainda que cada atividade de marketing do sistema pode possuir um desdobra-
mento de tarefas que os fazem, eventualmente especializados e mais independentes (mas não fora
do sistema) em termos de execução (por exemplo, as atividades de comunicação de marketing cos-
tumam ser independentes em termos de, por exemplo, atividades de distribuição).
Wilkie e Moore propõem ainda os elementos de uma caracterização universal dos sistemas
de marketing, apontando dez características. No quadro 3.3 apresento a caracterização destes dois
autores (extraído diretamente do texto e traduzido).

4.4. Considerações e encaminhamentos

Como vimos, a grande maioria dos temas apresentados no capítulo anterior como parte da
disciplina de Marketing e sociedade estão associados a macromarketing (no extremo, é possível
visualizar marketing social como uma intervenção na perspectiva de macromarketing, porém, por
conveniência dos pensadores e interessados, os tópicos de marketing social acabaram saindo do
escopo desta disciplina). Por esta razão, entendemos que o desenvolvimento de uma abordagem de
Marketing e sociedade seguindo o fio condutor do conceito e da estrutura disciplinar de macromar-
keting pode oferecer uma compreensão mais consistente para o desenvolvimento da disciplina. Nos
capítulos seguintes desenvolvo tópicos de nossa disciplina, mas que são convencionalmente temas
de macromarketing e estão alinhados como o que se publica nos periódicos desta área.
Para estes capítulos, busquei selecionar os tópicos que já possuem uma quantidade significa-
tiva de estudos e interessados. Dentre as inúmeras possibilidades, selecionei os seguintes:
• Marketing e justiça social: analisa a promoção de justiça social (especialmente justiça distributi-
va) a partir dos princípios e da prática de marketing. Inclui-se aqui a análise da atividade de
marketing voltada para públicos em desvantagem (idosos, deficientes...), em especial os clientes
de baixa renda;
• Marketing, políticas públicas e regulação de mercado: trata dos temas relacionados à ação de
políticas públicas sobre marketing e de o quanto marketing contribui, ou pode contribuir, para o
desenvolvimento de políticas públicas de desenvolvimento social ou de moderação da ação dos
agentes de marketing. Inclui-se aqui a análise da regulação de estado sobre as ações e institui-
ções de marketing;
• Marketing e desenvolvimento: trata da análise da ação de marketing como promotora do desen-
volvimento econômico, social e cultural dos sistemas de marketing e do entorno próximo. Inclu-
em-se aqui a análise das externalidades geradas pela prática de marketing e tópicos sobre globa-
lização de mercado;
• Marketing e qualidade de vida: trata da análise da qualidade de vida como algo que pode ser
promovido a partir da atividade dos sistemas de marketing, ou seja, analisa-se marketing como
um meio de geração e manutenção de qualidade de vida dos envolvidos no sistema;
• Consumo responsável e sustentável: trata dos aspectos relacionados ao consumo, em uma pers-
pectiva multidisciplinar, e os aspectos de responsabilidade e sustentabilidade relacionados à
ação de consumo. Inclui-se aqui a análise do consumo saudável e livre de problemas tanto para a
sociedade quanto para o próprio consumidor.

Faço um comentário final, antes de seguir para a exposição do conteúdo apontado. Pelo que
dissemos nestes primeiros quatro capítulos é fácil perceber, antes de qualquer desenvolvimento
específico, o quanto uma visão do nível proposto pela nossa disciplina de Marketing e sociedade (e
de macromarketing, em particular) é algo necessário para marketing. Creio que já podemos dizer
que qualquer sujeito que se queira anunciar como especialista ou praticante avançado de marke-
ting precisa desta visão ampliada.
Em outras palavras, não há como avançarmos para um nível mais desenvolvido de conheci-
mento e prática de marketing sem considerar a perspectiva do sistema agregado de marketing,
60

inclusive para compreender que as ações de marketing de qualquer organização individual, empre-
sa ou não, terá sua realização no contexto de um sistema de marketing que receberá sua influência,
e que também condicionará as ações desta organização. Podemos então compreender que discus-
são de marketing (ou de Administração de marketing) precisa da perspectiva de macromarketing
para seu aprimoramento e para sua eficiência.
Além disto, creio que já temos uma indicação, agora mais consolidada, do que marketing po-
de fazer, e em boa medida já faz, para se reposicionar e poder atingir o desafio descrito no capítulo
2 de ser uma função socialmente reconhecida. Veja que, naquele capítulo, enfatizei que os caminhos
para que marketing superasse a visão socialmente depreciada que possui seria caminhar no sentido
de incorporar o conceito atual da American Marketing Association, e se voltar para a geração de
valor e para o desenvolvimento da sociedade como sua meta fundamental. Pelo que expusemos,
uma das preocupações de macromarketing tem sido justamente esta, o que fica visível nos temas
definidos (como qualidade de vida, desenvolvimento, consumo responsável e sustentável...). Nos
próximos capítulos avançamos no sentido de mostrar e discutir o que já temos de conhecimento
consolidado neste sentido e dar as indicações de o quanto já avançamos, indicando ainda o quanto
temos que avançar.
61

CAPÍTULO 5 – MARKETING E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Neste capítulo apresento alguns elementos do debate de macromarketing sobre o tema de


marketing e justiça distributiva. Como sabemos, o tema justiça tem um lócus de discussão mais
tradicional na esfera do direito e da filosofia, o que não implica que este fique restrito a estes con-
textos. Assim, nosso propósito aqui é avaliar o papel de marketing nesse contexto, além de apontar
os principais vetores de desenvolvimento teórico sobre o assunto na esfera de macromarketing.
É preciso ressaltar que o tema justiça está comumente associado ao debate sobre ética e so-
bre regulação pública. No entanto, de um ponto de vista teórico, os estudos separaram bem cada
bloco temático, de modo que temos uma corrente de discussão específica para justiça, para regula-
ção e para ética em marketing. Os dois últimos itens estão debatidos nos capítulos 6 (regulação), 10
e 11 (ética), e na construção do texto resgato os pontos de interseção entre os blocos teóricos.
Na construção do capítulo, primeiramente optei por apresentar uma discussão sobre o que
seja justiça e as classificações tradicionais, indo até aí as principais filosofias de justiça. Em seguida,
é debatido o papel de marketing na promoção da justiça distributiva, com o delineamento temático
convencionalmente pesquisado em nosso campo. Em um desenvolvimento mais específico de ma-
cromarketing, o terceiro e último tópico traz uma discussão sobre vulnerabilidade do consumidor,
com foco na questão conceitual, e nas alternativas de intervenção de marketing.

5.1. Elementos conceituais sobre justiça

Antes de adentrarmos no universo da discussão entre marketing e justiça precisamos inici-


almente pontuar o que seja justiça, e como esta é visualizada em sua constituição teórica. Uma visão
mais profunda de justiça não cabe nem no espaço que temos disponível neste livro, nem no propó-
sito de dar uma perspectiva de marketing para o assunto. Nestes termos, desenvolvi uma constru-
ção conceitual baseada na literatura de marketing, sem buscar referências nas discussões que são
desenvolvidas no âmbito da Filosofia ou do Direito.
Em uma concepção mais próxima de marketing, a justiça pode ser compreendida, no enten-
dimento de O. C. Ferrell e Linda Ferrell71, como uma pré-condição moral que é aplicada à distribui-
ção de benefícios e responsabilidades, ou seja, a justiça, em um sentido geral, corresponde à aplica-
ção coerente, e segundo os méritos devidos, dos benefícios e dos encargos associados a um objeto
ou situação. Este conceito remete a ideias como igualdade, legitimidade, equilíbrio, adequação...
No nível de sociedade, a justiça tem seu conceito adaptado ora para coletividade como um
todo, ora para grupos sociais menores. Advém desta última alternativa de aplicação o conceito ge-
nérico de justiça social, que corresponde à ideia de justiça em uma esfera de humanidade (como por
exemplo, a questão da justiça de responsabilidade e direitos de homens e mulheres), e os conceitos
mais específicos de justiça, como a justiça na relação de compra, nas relações de trabalho, nas dis-
putas eleitorais... Este último conceito desencadeia, para o nível de ordenamento social, as múltiplas
facetas dos órgãos judiciários que são criados, por hipótese, para equilibrar as situações nas quais
há riscos de injustiça, tais como a justiça do trabalho, a justiça eleitoral, a justiça desportiva (esta
em diversas configurações, a depender das diferentes modalidades esportivas), dentre outras.
Ferrell e Ferrell desdobram a justiça ainda em três dimensões centrais, que são a justiça pro-
cedimental (ou processual), a justiça interacional (ou interpessoal) e a justiça distributiva.
• A primeira concerne aos procedimentos que são aplicados na execução de uma atividade qual-
quer, como, por exemplo, a justiça procedimental da troca de produtos, que pode ser célere e
facilitada para o cliente, ou que pode ser burocrática, demorada, de modo a desestimular a tro-
ca;
• Já a justiça interacional refere-se ao tratamento individual que é dispensado aos envolvidos
em relações interpessoais. Por exemplo, nas atividades de atendimento pressupõe-se que a in-

71 FERRELL, O. C.; FERREL, L. A macromarketing ethics framework: stakeholder orientation and distributive

justice. Journal of Macromarketing, v. 28, n. 1, p. 24-32, mar., 2008.


62

teração que se desenvolve entre atendentes e atendidos seja pautada por um conceito de justi-
ça e de equilíbrio. Outro exemplo concerne aos processos de gerenciamento de reclamações,
nos quais se demanda a interação justa entre reclamante e organização72;
• A terceira categoria é a justiça distributiva, que concerne ao equilíbrio na distribuição dos be-
nefícios e custos de um sistema que gera resultados. A idéia subjacente aqui é a de que os en-
volvidos em uma situação devem receber de forma justa tanto os benefícios quanto os sacrifí-
cios do funcionamento do sistema. Por exemplo, na contratação de um grupo de trabalhadores
para realizar uma atividade qualquer, a divisão do trabalho e do pagamento resultante deverá
ser feita de modo a ser a mais justa e equitativa possível. Para uma perspectiva mais próxima
de marketing, um exemplo pode ser dado na divisão de benefícios e sacrifícios em uma estru-
tura de canais de distribuição, pelo entendimento de que os benefícios gerais da operação do
canal devem ser equitativamente divididos entre os membros, o mesmo ocorrendo em relação
às responsabilidades que se estabelecem para os membros.

A justiça distributiva é claramente a mais complexa, do ponto de vista de suas alternativas e


das operacionalizações possíveis, embora as demais formas sejam também repletas de especifici-
dades. É a justiça distributiva que vem sendo mais debatida na esfera de macromarketing, e seu
conceito remete de forma imediata às possibilidades de distribuição de benefícios em um sistema
agregado de troca. Este conteúdo será desenvolvido no item 5.2, mas antes é necessário compreen-
der um pouco mais sobre as alternativas de implementação do conceito de justiça distributiva.
Com efeito, quando se pensa em justiça distributiva em uma avaliação parcial, não vê o quan-
to o conceito é complexo. De fato, como desenvolver uma distribuição justa? Distribuindo os resul-
tados de forma igual para todos os sujeitos envolvidos no processo? Ou distribuindo de acordo com
um critério que reconheça capacidades e esforços implementados? Pela lógica convencional, diría-
mos que a segunda opção é mais ‘justa’, na medida em que reconhece a iniciativa individual e a
capacidades como critérios de um mérito diferenciado. Mas, se reconhecemos o valor do mérito de
um sujeito, por exemplo, que é mais qualificado em termos de formação acadêmica, não estamos
deixando de reconhecer que, anteriormente, pode ter havido uma injustiça em termos de acesso à
educação formal?
Estas questões, e ainda diversas outras que podem ser feitas (deixo o exercício aos leitores),
pautaram o desenvolvimento de ‘teorias da justiça’, que são frameworks teóricos baseados em prin-
cípios que pautam ações. A seguir aponto as principais73:
• Quando adotamos o pressuposto de uma distribuição igual para todos, temos uma teoria basea-
da no ‘princípio igualitarista’, ou seja, o igualitarismo entende que os benefícios e sacrifícios de-
vem ser distribuídos de forma igual, independente de critérios de iniciativa ou de competência
individual;
• Quando adotamos o pressuposto de que a distribuição deve ser equitativa, mas é tolerada a
desigualdade se esta favorecer aos membros da sociedade em pior situação, então temos uma
teoria baseada no ‘princípio da diferença’. O melhor exemplo é a compensação que é feita na
oferta de serviços com benefícios exclusivos para grupos específicos, como os assentos prefe-
renciais em serviços de transporte para idosos, deficientes físicos e mulheres gestantes;
• Quando se prescreve que haja igualdade somente na oferta de recursos, de tal modo que os pro-
cedimentos e as decisões posteriores possam tornar a recepção de benefícios desiguais, temos a
teoria baseada no ‘princípio baseado nos recursos’. Por este entendimento, os elementos fun-
damentais de base devem ser ofertados, e as ações de cada sujeito decorrentes de sua liberdade

72 Uma referência já clássica neste sentido, e que recomendo a leitura, é a seguinte: TAX, S. S.; BROWN, S. W.;
CHANDRASHEKARAN, M. Customer evaluations of service complaint experiences: implications for relationship
marketing. Journal of Marketing, v. 62, p. 60-76, apr., 1998.
73 Para esta discussão, além da referência de Ferrell e Ferrell citada acima, recomendo também a leitura de

KLEIN, T. A. Assessing distributive justice in marketing: a benefit-cost approach. Journal of Macromarketing, v.


28, n. 1, p. 33-43, mar., 2008.
63

de decisão definirão como este acessará os benefícios gerados pelo sistema. Este é um dos prin-
cípios que justificam o ganho adicional de empreendedores que tomam por iniciativa correr ris-
cos em busca de resultados futuros mais fartos. A desigualdade que surge é uma compensação
pela iniciativa individual e pela competência que cada sujeito desenvolveu ao longo do tempo;

Para este último caso, quando se adota uma visão baseada para negócios, e quando se requer
que a decisão individual seja o mais isenta possível de interferência externa, em especial do Estado,
tem-se o chamado ‘princípio libertário ou liberal’. A única restrição aceita no princípio libertário
está em que a decisão não pode gerar prejuízo a terceiros.

5.2. Marketing e justiça distributiva

A meta de buscar a justiça em geral, e a justiça distributiva em particular, é desenvolvida na


ação cotidiana dos diversos agentes e instituições sociais, e de modo mais enfático na esfera do
Estado e das organizações ditas sociais, e estes agentes e instituições adotam quase sempre os prin-
cípios igualitário ou ‘da diferença’. A razão para tanto é bem clara: são princípios mais inclusivos.
Mas não se pode negar, por outro lado, o valor de uma perspectiva baseada nos dois últimos princí-
pios (baseado em recursos e libertário), que consideram o mérito individual e a iniciativa.
O problema destes dois princípios está no pressuposto de que as condições dadas são iguais
no ponto de partida. Com efeito, quase nunca as condições e recursos disponibilizados às pessoas
são iguais, de modo que um princípio baseado em recursos não tem, ou não teve historicamente,
um sentido de aplicação de fato. No caso do princípio libertário, é evidente que a liberdade de deci-
são tem que ser moderada, e nos casos onde isto não ocorreu houve sempre evidências de injusti-
ças decorrentes (os casos de desequilíbrio concorrencial ou exploração de clientes são exemplos
comuns, especialmente nos casos de grandes empresas monopolistas).
Ainda assim, as organizações empresariais historicamente pautaram suas ações baseadas
nos princípios de maximização da eficiência e nos resultados orientados prioritariamente aos acio-
nistas. Se as ações do Estado e das organizações sociais fossem suficientes para promover justiça
distributiva esta situação das empresas não seria um problema, mas não é este o caso. Pelo contrá-
rio, e uma meta para gerar justiça distributiva para a sociedade não é possível sem considerar tam-
bém uma responsabilidade para as empresa. Isto é especialmente verdadeiro por duas razões: pri-
meiro, porque a empresa é uma entidade de produção que se tornou uma instituição social de larga
difusão e presença nos diversos países, que produz a maior parte do que é consumido e que empre-
ga a maioria da população economicamente ativa; segundo, porque a negação desta responsabili-
dade produziu, historicamente, um conjunto de distorções e consequências sociais e ambientais
adversas.
Do ponto de vista teórico e acadêmico é possível observar que estão ocorrendo avanços no
sentido de ajustar o setor empresarial a um pressuposto de atuação baseado, ou pelo menos mais
próximo, do ‘princípio da diferença’ acima comentado74. Precisamos fundamentar bem este enten-
dimento, que é a própria base de uma aplicação de fato do conceito de justiça distributiva na esfera
da gestão empresarial e da administração de marketing (empresarial).
Encontramos uma visualização da atuação da empresa direcionada para uma justiça distri-
butiva na discussão de Liselore Crul e George Zinkhan sobre a chamada ‘teoria da firma’75. Segundo
estes autores a teoria da firma (um tema que é mais amplamente estudado no âmbito da economia
e da estratégia) prevalecente no universo empresarial é a chamada ‘teoria neoclássica’, que pressu-
põe que a meta fundamental de uma empresa é gerar lucros para seus proprietários/acionistas,

74 Quando me refiro a um ‘ponto de vista teórico e acadêmico’, quero dizer que a proposta tem seu desenvol-

vimento bem consolidado no meio acadêmico, mas não tem, necessariamente, o mesmo nível de aceitação nas
práticas de mercado.
75 CRUL, L.; ZINKHAN, G. M. A theory of the firm perspective on marketing and distributive justice. Journal of

Macromarketing, v. 28, n. 1, p. 12-23, mar., 2008.


64

independente dos demais agentes envolvidos com a empresa.


Este entendimento, enquanto uma visão de empresas, é o guia de ação dos agentes gestores,
e por conseqüência, o guia de produção dos referenciais teóricos e educacionais das disciplinas de
orientação gerencialistas. Isto ajuda a explicar a vocação histórica do marketing gerencial para a
atividade empresarial na proposição de geração de resultados econômicos para os acionistas, em-
bora marketing possua, em discurso, uma orientação especialmente direcionada para os clientes. Os
estudos sobre desempenho financeiro de marketing desenvolvidos a partir da década de 1990 pa-
recem deixar isto bem claro, conforme comentei no item 2.1 do capítulo 2. A lógica da orientação
para o cliente, que é própria de marketing fica, na visão neoclássica, restrita ao argumento de que o
cliente deve ser enfocado por ser um agente gerador de receita para o negócio.
Na visão de Crul e Zinkhan, a alternativa mais consistente para superar a visão neoclássica,
pelo menos no sentido de geração de justiça distributiva de fato, consiste na adoção das empresas
teoria do stakeholder, ou seja, em uma visão da organização como uma entidade que transaciona
recursos e gera benefícios e sacrifícios para um conjunto de agentes, tais como clientes, acionistas,
fornecedores, colaboradores, entidades governamentais, comunidade etc., ou seja, a empresa tem
por meta fundamental gerar valor para o stakeholder, conforme indiquei no capítulo 2 (item 2.2).
Com efeito, a lógica da justiça distributiva parece encontrar na teoria do stakeholder um con-
texto de desenvolvimento bem melhor que no caso da teoria neoclássica, que, como vimos, tem por
pressuposto um foco restrito a um stakeholder (que é proprietário/acionista). Assim, quando se
considera a perspectiva da organização orientada ao stakeholder (veja bem, não estou considerando
ainda uma esfera disciplinar, mas sim organizacional), o pressuposto de uma meta de justiça encon-
tra claramente uma delimitação dos sujeitos para os quais esta deve se configurar76.
Por exemplo, se tomamos por base o conceito de justiça e o ‘princípio da diferença’, então é
possível demandar das organizações um direcionamento para aqueles clientes que são mais desfa-
vorecidos no processo de consumo, ou do acesso ao consumo. O mesmo ocorre em relação à gestão
de fornecedores, de modo que aqueles que são menos favorecidos na estrutura de canais podem ser
contemplados por um benefício especial gerado pela sua condição de vulnerabilidade77.
De um modo genérico, poderemos então compreender que a preocupação de marketing
(agora em uma perspectiva disciplinar) com a justiça distributiva está direcionada a entender como
a área pode ser uma geradora de benefícios igualitários para os principais stakeholders da organi-
zação, além de desenvolver modelos de gestão (de marketing) que viabilizem a aplicação de ferra-
mentas e técnicas adequadas. Obviamente, precisaríamos ter um delimitador para saber até onde
uma preocupação é de marketing ou de qualquer outra área do pensamento gerencial ou de ciên-
cias sociais, o que não é tão simples de um ponto de vista prático.
Conforme entendem os pesquisadores Gene Laczniak e Patrick Murphy78, a justiça distributi-
va aplicada para marketing associa-se à forma como o sistema integrado de marketing (em termos

76 A visão do stakeholder é a principal justificativa ‘filosófica’ e gerencial para os projetos responsabilidade

social. Embora esta seja alvo de críticas diversas, em especial a proposta por Milton Friedman e crítica latente
de oportunismo empresarial de exploração de causas para geração de mais receitas para as empresas, do pon-
to de vista da justiça distributiva, as ações de responsabilidade social são direcionadas para disponibilizar
benefícios para estratos mais carentes da sociedade. Cf. MAIGNAN, I.; FERRELL, O.C. Corporate social respon-
sibility and marketing: an integrative framework. Journal of the Academy of Marketing Science, v. 32, n. 1, p. 3-
19. 2004; FRIEDMAN, M. The social responsibility of business is to increase its profits. The New York Times
Magazine, Sep. 1970. Comento ainda outros aspectos sobre marketing e causas sociais nos capítulos posterio-
res.
77 Crul e Zinkhan comentam ainda outras teorias da firma que optei por não apresentá-las aqui, primeiro por

uma questão de otimização de espaço, segundo porque não alcançaram a incorporação que as duas apresenta-
das alcançaram no debate sobre justiça distributiva. As demais teorias são: teoria institucional, teoria da firma
de marketing (marketing theory of the firm) e teoria baseada em recursos. Recomendo aos interessados a leitu-
ra do artigo para conhecerem maiores detalhes.
78 LACZNIAK, G. R.; MURPHY, P. E. Distributive justice: pressing questions, emerging directions, and the prom-

ise of Rawlsian Analysis. Journal of Macromarketing, v. 28, n. 1, p. 5-11, mar., 2008.


65

de estrutura e funcionamento) distribui seus benefícios e os sacrifícios pelos diversos stakeholders


envolvidos no sistema. Assim, de uma perspectiva que podemos compreender como sendo própria
de marketing, podemos apontar como problemas reais associados à justiça distributiva os seguin-
tes: decisões de preços em canais complexos (e os potenciais benefícios e sacrifícios injustamente
imputados a alguns membros); o impacto ambiental dos produtos comercializados por meio de
ações de marketing; o desenvolvimento de produtos que demarcam e condicionam diferenças entre
grupos; desenvolvimento de políticas de preços de modo a explorar situações excepcionais de de-
manda; desenvolvimento de ações de comunicação de marketing que explorem as fragilidades inte-
lectuais e cognitivas dos clientes, dentre outras possibilidades.
Dentre os aspectos relatados no parágrafo anterior, os que mais chamaram a atenção dos
pesquisadores de marketing da década de 1990 em diante foram aqueles associados à vulnerabili-
dade dos consumidores, em primeiro lugar, e no papel que marketing pode ter na minimização do
problema da pobreza. No tópico seguinte apresento comentários sobre estes tópicos.

5.3. Vulnerabilidade do consumidor e a questão da pobreza

Apresento este item em três momentos, que são: a apresentação sobre as possibilidades de
exploração dos consumidores no contexto da economia de mercado; a questão da vulnerabilidade
enquanto tema que requer uma compreensão teórica; e o problema da vulnerabilidade enquanto
condição que requer de marketing uma ação para evitar situações de injustiça.

5.3.1. Os riscos de exploração do modelo de economia de mercado

Em um artigo de autoria de Rhoda Karpatkin publicado no Journal of Public Police and Marke-
ting79 foram ilustrados alguns modelos de negócios que, na visão da autora, consistiam de um apro-
veitamento descarado de condições de fragilidade de alguns consumidores, e demonstravam o
quanto a chamada ‘economia de mercado’ tinha falhado, historicamente, em gerar eficiência em
termos de justiça distributiva.
A tese central era a seguinte: a economia de mercado, que tem base no modelo empresarial,
alcançou um êxito digno de louvor na geração de inovação e na difusão abundante de bens e servi-
ços, porém o resultado deste sucesso promoveu bem estar somente para grupos de clientes que
podiam pagar por estes benefícios; os grupos de pessoas que não podiam pagar simplesmente per-
deram o acesso ao consumo e a oportunidade de bem estar decorrente. Os mecanismos aplicados
no modelo da economia de mercado a conduziram, de um ponto de vista da justiça distributiva, a
um fracasso retumbante enquanto modelo econômico.
Em verdade, em algumas situações a economia de mercado aplicou seus melhores princípios
e métodos para aprofundar a injustiça, na medida em que promoveu a exploração dos públicos que
já são desfavorecidos. A autora comenta o caso dos empréstimos predatórios, que são modalidades
de empréstimo realizadas pelas instituições financeiras para pessoas que têm dificuldade de acesso
ao crédito, e que têm que pagar juros exorbitantes, que, se não pagos, geram como conseqüência
uma dívida impagável, e eventualmente a execução judicial de bens de quem praticamente já não
tem nada. O fundamento da ação é trivial: cobra-se caro pelo juro devido ao elevado risco de ina-
dimplência. Mas algumas questões que se colocam levam o debate mais longe: faz sentido aplicar
um princípio e um procedimento padrão para todas as modalidades de consumidores? Ou caberia

79 KARPATKIN, R. H. Toward a fair and just marketplace for all consumers: the responsibilities of marketing
professionals. Journal of Public Policy and Marketing, v. 18, n. 1, p. 118-122, spring, 1999. Em complemento, é
interessante a leitura dos comentários sobre este artigo, que são desenvolvidos em: LACZNIAK, G. R. Distribu-
tive justice, catholic social teaching, and the moral responsibility of marketers. Journal of Public Policy and
Marketing, v. 18, n. 1, p. 125-129, spring, 1999. Laczniak debate também os pressupostos da filosofia moral
católica na constituição de uma argumentação de suporte ao que foi apontado por Karpatkin como exemplos
de irresponsabilidade empresarial.
66

um esforço das instituições financeiras no sentido de desenvolver modelos de negócios variados


que gerassem o benefício do acesso ao sistema financeiro sem exploração a grupos fragilizados?
A segunda questão foi bem respondida com os modelos de microcrédito desenvolvidos a par-
tir da década de 1990, porém este modelo é restrito em termos de aplicação, pois é utilizado princi-
palmente para microempreendedores. Para promoção do consumo não se conhece um modelo
equivalente ao de microcrédito. Contrariamente, o que temos de mais próximo são os modelos de
financiamento baseados em um grande número de prestações de pequeno valor financeiro. Se isto
parece interessante, e até são citados os diversos casos de sucesso na promoção de bem estar para
as populações mais pobres, não se pode esquecer que as taxas de juros são sempre muito altas.
Karpatkin cita ainda outros exemplos, que são: a exploração que os clientes de seguradoras
sofrem em razão dos elevados preços que são pagos nos contratos estabelecidos em troca de cober-
turas muito restritas; a aceitação por parte de marketing de promover marcas de bens industriais
que são produzidos em condições de subumanidade, com salários miseráveis e por vezes com ex-
ploração do trabalho infantil, com o principal intuito de ter maior margem de gerenciamento de
preços; e as vendas direcionadas para crianças, e tudo o que isto implica em termos de publicidade
e sedução deste público. Embora a autora desenvolva suas análises para o contexto dos Estados
Unidos, a realidade brasileira parece repetir os mesmos problemas.

5.3.2. Vulnerabilidade e marketing: esfera da compreensão

Os exemplos citados acima ilustram algumas possibilidades de atividades de marketing nas


quais os clientes são desfavorecidos devido às condições vulneráveis nas quais estes se encon-
tram80. Com efeito, quando um cliente se submete a pagar juros elevados para captar um emprésti-
mo bancário ou para o financiamento de um bem qualquer (uma geladeira, por exemplo), este so-
mente o faz por duas possibilidades: ou ele não sabe que está pagando um preço tão elevado; ou ele
capta simplesmente porque não lhe resta outra opção a não ser se submeter a uma situação que
obviamente o desfavorece. Por um motivo ou por outro, é evidente que este cliente está vulnerável
diante da organização que lhe oferta o suposto benefício. Considerando que marketing possui por
finalidade a geração de equilíbrio nas relações de troca, evidentemente é uma de suas responsabili-
dades compreender situações desfavoráveis como estas, e ao mesmo tempo propor modelos, prin-
cípios e ações que possam corrigir esta distorção.
Na esfera da compreensão do problema, observamos o largo desenvolvimento de teorizações
e conceituações sobre o que é e como se caracteriza a vulnerabilidade de consumidores. Iniciando
por um conceito que foi bem aceito no meio acadêmico, cito a sugestão proposta por Stancey Baker,
James Gentry e Terri Rittenburg, que definiram a vulnerabilidade do consumidor (p. 133)81 “um
estado de inferioridade oriunda de uma relação desfavorável nas interações de mercado ou do con-
sumo de produtos ou mensagens de marketing. Esta ocorre quando o consumidor não possui o
controle da situação, criando-se assim uma dependência de fatores externos para fixação de equilí-
brio no mercado”.
A definição dos autores é produto de uma ampla revisão bibliográfica que estes realizaram
no propósito de captar um sentido de marketing para o conceito de vulnerabilidade (para uma
perspectiva brasileira isto é especialmente interessante, uma vez que a questão da vulnerabilidade
do consumidor no país foi abordada quase que exclusivamente pelos profissionais do direito). Na
proposta de ordenamento dos fatores associados à vulnerabilidade, estes mesmos autores obser-
vam que há três blocos de condicionantes, que são:
• Primeiro, as características individuais do consumidor, que incluem fatores biofísicos (como

80 Fica de fora aqui somente o exemplo da compra de bens produzidos em condições de exploração de mão-de-
obra e de trabalho infantil, prática esta que requer, por outro lado, uma posição crítica e ativista dos consumi-
dores para recusarem esta prática empresarial e de marketing.
81 BAKER, S. M.; GENTRY, J. W.; RITTENBURG, T. L. Building understanding of the domain of consumer vulner-

ability. Journal of Macromarketing, v. 25, n. 2, p. 128-139, dec., 2005.


67

idade, falta de alguma habilidade específica, gênero, raça/etnia, deficiência cognitiva...) e psicos-
sociais (como aparência física, status socioeconômico, nível educacional, percepção de saúde,
aculturação, medo de ser vitimado...);
• Segundo, o estado individual do sujeito, que é a condição na qual este se encontra no momento
em que se coloca como consumidor, envolvendo aí a condição de tristeza, de depressão, de me-
do, de desespero, de incompreensão do contexto, dentre outras possibilidades;
• Terceiro, as condições externas, que incluem fatores como a estigmatização e a discriminação
social de uma característica qualquer (como a cor ou a orientação sexual, por exemplo), a estru-
tura de distribuição de marketing existente (que implica na (in)disponibilidade de alguns pro-
dutos), a condição geográfica na qual o sujeito se encontra; as condições de repressão e violên-
cia; o estado natural (especialmente em casos de grandes mudanças naturais e desastres), a es-
trutura econômica e social preponderante, dentre outras.

Cada um destes aspectos possui uma larga complexidade, e poderia ser motivo de uma longa
discussão. Não temos espaço aqui para tanto, mas cito pelo menos um exemplo em que cada caso se
manifesta. No caso das características individuais, temos o exemplo clássico da condição de pessoas
de baixa escolaridade (um fator psicossocial), que, por consequência, tornam-se vulneráveis a ofer-
tas de produtos e propagandas que os desfavorecem; sobre o estado individual, temos as situações
em que as pessoas encontram-se diante de adversidades e tornam-se ‘presas’ fáceis para alguns
serviços (um caso que envolve os dois primeiros aspectos, que é ao mesmo tempo interessante e
polêmico, é o de algumas igrejas que atuam mais próximas da chamada ‘teologia da prosperidade’ e
da ‘cura milagrosa’, que têm em pessoas que estão vivendo dificuldades financeiras e que são mais
frágeis do ponto de vista educacional o seu foco prioritário); por fim, temos uma enorme fragilidade
que se gera em decorrência da estigmatização, como é o caso dos consumidores homossexuais, que,
devido ao preconceito clássico, não puderam historicamente realizar de forma plena todas as suas
preferências como consumidores.
É importante destacar que estes fatores ‘não são em si a vulnerabilidade’, mas conduzem a
esta condição em situações bem específicas de consumo. De fato, consumidores com deficiências
cognitivas não são vulneráveis a priori, mas sua condição os torna vulneráveis em situações que
demandam maior capacidade de processamento, de informação como, por exemplo, na capacidade
de crianças de perceber o teor de uma oferta que é feita em uma peça de publicidade. Com relação
ao estado individual do sujeito, algumas características são momentâneas, como os períodos de
readaptação depois de uma mudança de moradia, na qual o sujeito pode ser obrigado a se submeter
aos prestadores de serviços que cobram mais caro por saberem da condição do consumidor.
Claramente, nenhum consumidor é vulnerável em todas as situações de consumo nem o é
por todo o tempo, pois a vulnerabilidade tem uma manifestação circunstancial. Se compreender-
mos, em uma complementação do conceito apresentado por Baker, Gentry e Rittenburg, que a vul-
nerabilidade decorre ou da incapacidade do sujeito de alcançar o maior benefício ou de seu desco-
nhecimento pleno das condições de troca82, então podemos também compreender que qualquer
consumidor pode estar exposto a esta condição em algum momento de sua vida.
Por exemplo, pessoas ricas e de formação educacional avançada podem ficar a mercê de pro-
fissionais de saúde quando estão doentes, e são expostas aos riscos de serem explorados em casos
de desastres naturais. Praticamente, a vulnerabilidade do consumidor, que é efetivamente uma
ameaça ao equilíbrio das relações de troca, não está restrita a um grupo social específico, mas é um
problema de todo e qualquer consumidor. Obviamente, cada consumidor ou grupo busca alternati-
vas que minimizam a sua condição de eventual desvantagem na troca.
Como parte de uma reação para superar possíveis adversidades, é comum que os consumi-
dores busquem alternativas de superação, dentre aquelas que estão disponíveis. Por exemplo, os
consumidores que são vulneráveis por questões educacionais podem buscar educação, e os consu-

82 Cf. SHULTZ, C. J., HOLBROOK, M. B. The paradoxical relationship between marketing and vulnerability. Jour-

nal of Public Policy and Marketing, v. 28, n. 1, p. 124-127, spring, 2009.


68

midores que têm dificuldades físicas pode buscar alternativas de consumo nas quais a sua condição
não seja um fator de vulnerabilidade. Isto se torna mais delicado no caso específico das condições
externas nas quais é possível que os condicionamentos gerem implicações mais profundas por esta-
rem associados a fatores que estão mais distantes do controle dos consumidores. Por exemplo,
aqueles consumidores que se fazem vulneráveis em decorrência de uma estrutura monopolista de
mercado, como os clientes de serviços de água e energia, têm poucas possibilidades de superação
desta condição, embora constituam modelos de atuação que minimizem os problemas, como pres-
são a políticas, associações de consumidores, dentre outras.
De todos os fatores de vulnerabilidade citados, o mais estudado tem sido a questão da pobre-
za, em razão, principalmente, da larga presença desta condição no universo dos consumidores. Com
efeito, estima-se que dois terços da população mundial vive em condição de pobreza, o que repre-
senta mais de 4 bilhões de pessoas. A preocupação de marketing com este assunto vem crescendo
com os estudos sobre consumo de baixa renda, com o propósito de compreender estes consumido-
res e as alternativas mais consistentes para uma atuação de marketing83.
O problema da pobreza é muito mais sério porque é um condicionador dos demais fatores de
vulnerabilidade. De fato, a situação de pobreza é um fator de indução a níveis de educação menores,
à baixa-estima, a um menor acesso à saúde, dentre outros. Adicionalmente, a pobreza é um fator de
exclusão do universo do consumo, especialmente porque as organizações empresariais não busca-
ram, historicamente, atender de forma mais consistente e efetivamente justa aos consumidores
mais pobres.

5.3.2. Vulnerabilidade e marketing: esfera da ação

Seguindo no entendimento de que marketing, enquanto uma área do conhecimento e en-


quanto suporte de uma atividade profissional amplamente presente nas sociedades contemporâ-
neas, tem uma responsabilidade não apenas de conhecer, mas também de propor idéias e condições
para promoção de justiça distributiva e de redução da vulnerabilidade, então convém, como último
ponto deste nosso capítulo, comentar, ainda que forma parcial, algumas ações factíveis. Do que se
depreende de forma mais concreta e de maior impacto, temos cinco opções centrais para promoção
de justiça distributiva, que são: indicações para regulação; educação do consumidor; educação dos
futuros profissionais; ações de marketing social; e proposição de novos modelos de negócios.
Concernente à primeira opção (indicações para regulação), é possível compreender que a
pesquisa de marketing sobre potenciais desequilíbrios nas relações de troca poderão sinalizar fun-
damentos mais consistentes para as ações de regulação estatal, e para a construção de políticas
públicas de ajuste do consumo. Esta é, em verdade, uma posição que marketing vem assumindo de
forma bastante eficiente, como veremos no capítulo 6.
A segunda opção refere-se à educação do consumidor, que atualmente no Brasil é feita com
base em um suporte mais jurídico que de marketing. Com efeito, um esforço de educação do con-
sumidor somente alcançará êxito depois de uma apropriação de fato do conhecimento de marke-
ting, que é a área que mais compreende o consumo e o comportamento dos agentes envolvidos nas
relações de troca84.

83 O principal pensador neste tema chama-se Ronald Paul Hill, e sua produção sobre o assunto é muito extensa.

Recomendo, para uma visão preliminar, os seguintes textos deste autor: HILL, R. P. Surviving in a material
world: evidence from ethnographic consumer research on people in poverty. Journal of Contemporary Ethnog-
raphy, v. 30, n. 4, p. 364-291, aug. 2001; HILL, R. P. Do the poor deserve less than surfer? An essay for the spe-
cial issue on vulnerable consumer. Journal of Macromarketing, v. 25, n. 5, p. 215-218, dec., 2005; HILL, Ronald
Paul. A naturological approach to marketing exchanges: Implications for the bottom of the pyramid. Journal of
Business Research, v. 63, n. 6, p. 602-607, 2010.
84 Isto implica, por outro lado, que a própria pesquisa de marketing e comportamento do consumidor se dire-

cionem à fornecer conhecimentos instrumentais para que os clientes saibam se posicionar nas situações de
troca. Sobre este assunto, recomendo a leitura de: BAZERMAN, M. H. Consumer research for consumers. Jour-
nal of Consumer Research, v. 27, p. 499-504, 2001.
69

Em terceiro lugar, marketing pode contribuir por meio da educação mais consciente dos fu-
turos profissionais da área, por meio de discussão temática que supere a orientação estritamente
voltada para a geração de benefícios econômicos para os negócios, mas contemplando os temas que
evidenciam o real papel de marketing como conhecimento e prática social direcionado ao bem estar
de todos os stakeholders de uma organização, no que concerne às situações de troca. O propósito
deste livro é contribuir neste sentido.
Em quarto lugar, temos possibilidades de superação dos problemas de injustiça e exploração
de vulnerabilidades no desenvolvimento de aplicações de marketing direcionadas especificamente
para esta questão (da vulnerabilidade) enquanto uma causa de interesse social. Já existem meios de
implementação desta alternativa na forma do que ficou reconhecido como marketing social. O desa-
fio é, portanto, orientar ações de marketing social à questão da justiça distributiva85.
Por fim, uma última alternativa consiste no esforço de marketing em desenvolver modelos de
negócios para organizações empresariais que se posicionem primeiro, contrariamente à exploração
de vulnerabilidade de consumidores, e segundo na ação ativa de marketing no sentido de superar
esta vulnerabilidade. No primeiro caso (não explorar a vulnerabilidade) temos avanços interessan-
tes no debate sobre marketing e ética e sobre justiça.
Concretamente, tivemos um avanço bastante intenso a partir da década de 1990, com os es-
tudos sobre consumo e pobreza e com a avaliação dos principais casos de sucesso de empresas que
se direcionaram para o mercado de baixa renda. Estes últimos foram muito bem desenvolvidos na
obra de C. K. Prahalad86, que partiu do entendimento de que as empresas, por meio de esforços
típicos de marketing, podem criar alternativas consistentes de superação de dificuldades. Por
exemplo, o desenvolvimento de produtos em pequenas porções e a um preço acessível, pode facili-
tar a compra de xampus para classes menos favorecidas. O mesmo ocorre, por exemplo, no desen-
volvimento de uma política de preços de eletrodomésticos baseada em muitas prestações de pe-
queno valor, que viabiliza, no médio prazo, a constituição de lares bem equipados para as popula-
ções mais pobres.
O pressuposto geral é de que marketing pode adequar a oferta do negócio ao público, e tem
por ‘obrigação’, desenvolver soluções apropriadas para viabilizar o acesso ao consumo em todas as
classes. A forma de fazer é um problema de marketing, e não do consumidor. Este tem a necessida-
de e uma base de recursos pequena, mas que pode ser suficiente para gerar motivação para empre-
sas criativas e com senso de justiça e responsabilidade ética.
Obviamente, há demanda de uma posição crítica aqui, com o cuidado de tal ação não se
transformar no aproveitamento das fragilidades para explorar mais ainda estes consumidores.
Segundo entende Ronald Hill, a criação destas soluções, juntamente com o fim da exploração dos
consumidores mais pobres, não é somente uma questão de negócio, sendo também um imperativo
ético que se coloca às empresas, e que se fundamenta na obrigação de promoção de resultados de
negócios baseados no conceito de justiça distributiva87.

85 Uma referência que buscou um foco na aplicação de técnicas baseadas em marketing para planejamento de

campanhas contra a pobreza, é a seguinte: KOTLER, P.; ROBERTO, N.; LEISNER, T. Alleviating poverty: a ma-
cro/micro marketing perspective. Journal of Macromarketing, v 26, n. 2, p. 233-239, dec. 2006. Um livro mais
amplo sobre o assunto é o seguinte: KOTLER, P.; LEE, N. Up and out of poverty: the social marketing solution.
Upper Saddle River, N. J.: Wharton School Publishing, 2009 (traduzido para: KOTLER, P.; LEE, N. R. Marketing
contra a pobreza: as ferramentas da mudança social para formuladores de políticas, empreendedores, ONGs,
empresas e governos. Porto Alegre: Bookman, 2010).
86 Cf. PRAHALAD, C. K. (org). A riqueza na base da pirâmide: como erradicar a pobreza com o lucro. Porto Ale-

gre: Bookman, 2005. Uma contribuição brasileira neste debate foi desenvolvida por PARENTE, J. G.; LIMEIRA,
T. M. V.; BARKI, E. (Orgs.). Varejo para a Baixa Renda. Porto Alegre: Bookman, 2008
87 Cf. HILL, R. P. Stalking the poverty consumer: a retrospective examination of modern ethical dilemmas. Jour-

nal of Business Ethics, v. 37, p. 209–219, 2002.


70

CAPÍTULO 6 – MARKETING, POLÍTICAS PÚBLICAS E REGULAÇÃO DE MERCADO

Neste capítulo desenvolvo os tópicos mais relevantes da discussão sobre marketing e seu re-
lacionamento com as ações públicas e estatais, e de modo mais enfático, na regulação das atividades
de marketing. Obviamente, a grande maioria das ações de regulação sobre uma atividade é decor-
rente de uma justificativa de atendimento ao interesse público, de modo que poderíamos entender
este capítulo como sendo restrito à análise de ‘marketing e políticas públicas’.
Na estruturação do capítulo, optei pela exposição em três partes: no primeiro momento pro-
curo situar marketing e políticas públicas como o tema mais geral, com uma exposição que realça o
conceito, as ações estatais que podem condicionar as atividades de marketing, os focos temáticos
mais comuns, e enfatizo as questões de proteção dos agentes de troca, especialmente os consumi-
dores; no segundo momento trato da regulação, com destaque para a base conceitual, e para a cons-
tituição de uma visão estruturada da atividade regulatória especificamente em marketing, dando
uma ênfase especialmente na questão da privacidade e da auto-regulação; ao final, apresento con-
siderações sobre o valor deste debate para a educação, para a pesquisa e para a prática de marke-
ting, e faço algumas recomendações.

6.1. Políticas públicas e marketing

Conforme comentamos no capítulo 3, desde a década de 1970 (depois do que foi identificado
como a primeira grande fragmentação de marketing) são realizadas análises da relação entre ór-
gãos estatais e marketing. Estas relações podem ser da ação pública que condiciona a ação de mar-
keting, ou podem ser pelo uso do conhecimento e das técnicas de marketing para atender ao inte-
resse público88. O bloco de conhecimentos que se produziu a este respeito ficou associado à expres-
são ‘marketing e políticas públicas’, na denominação que passou a prevalecer especialmente nos
Estados Unidos e depois na Europa.
Interessa destacar que a expressão que adoto (marketing e políticas públicas), por ser uma
tradução literal da que se usa na língua inglesa, pode ser motivo de controvérsia no Brasil pela pos-
sibilidade de aqui entendermos uma conceituação de políticas públicas mais próximas da idéia de
projetos públicos por meio dos quais o Estado realiza sua ação e seus objetivos. Uma conceituação
assim dificultaria, por exemplo, entender a regulação como uma política pública. Para efeito de
alinhamento com um mainstream que já está muito mais avançado, e por não haver uma expressão
brasileira para o que se estuda neste contexto, mantenho a expressão traduzida de forma literal,
reconhecendo que aperfeiçoamentos podem ser procedidos na medida em que o tema avançar no
Brasil89.
Na grande maioria dos países é bem conhecida a interferência estatal na esfera econômica e
organizacional, e os principais setores (construção civil, saúde, educação, serviços financeiros, den-
tre outros) são, quase sempre, amplamente condicionados pela ação estatal. No Brasil, por exemplo,
a atividade econômica em geral é controlada pela ação pública, e pelo controle que o Estado brasi-
leiro tem na determinação das condições do funcionamento da economia. Basta ver que é o Estado
que determina a taxa básica de juros da economia, que está diretamente relacionada com as ações
de crédito, e por conseqüência, do investimento privado e do consumo familiar. Veja-se também o
nível de regulação que o governo federal tem sobre o comércio exterior, que passa pelo regramento
geral do processo de importação e exportação, além das políticas direcionadas a estimular ou de-
sestimular qualquer destes procedimentos.
Para uma visão ‘de marketing’, o que interessa são justamente as determinações específicas

88 Cf. MAZIS, M. B. Marketing and public policy: prospects for the future. Journal of Public Policy and Marketing,

v. 16, n. 1, p. 139-143, spring, 1997.


89 Uma alternativa seria usar a expressão ‘marketing público’, porém isto seria, creio, mais problemático ainda,

pela associação que marketing público pode ter com a idéia de marketing de organizações e administrações
públicas.
71

do setor público que interferem na atividade que é mais própria de marketing, e também o que o
setor público precisa ou utiliza do conhecimento especializado de marketing. De maneira mais es-
pecífica, podem ser apontados quatro formas fundamentais em que a ação estatal se aproxima de
marketing:
• Regulação de marketing: consiste na determinação estatal de como a atividade de marketing
deve funcionar. Este será nosso tema no item 6.2;
• Políticas de indução: consiste na oferta de condições especiais para o desenvolvimento de uma
atividade ou setor empresarial, seja pela necessidade de desenvolver este setor (como o estímu-
lo à atividade pesqueira, por exemplo), seja para atender a uma demanda extraordinária, como a
redução de impostos de algum setor por um período de tempo específico (ocorreu isto no Brasil
quando da redução do Imposto de Produtos Industrializados para manter o nível de consumo de
alguns setores no período da grande crise econômica de 2008, estendido em algumas linhas de
produtos industriais ao menos até 2014);
• Realização de parcerias no sistema agregado de marketing: consiste na ação do Estado em con-
junto com os demais agentes de marketing, com a finalidade de unir suas capacidades no sentido
de elevar o nível de eficiência do sistema. Um exemplo aqui são as parcerias dos órgãos públicos
com as empresas do setor de turismo para capacitação de pessoal e aperfeiçoamento do aten-
dimento;
• Uso do conhecimento especializado pelo Estado: consiste na utilização do conhecimento produ-
zido em marketing para fundamentar a ação estatal, seja na fundamentação da ação regulatória,
seja na utilização de modelos de marketing em projetos públicos. Um exemplo é o uso do conhe-
cimento de marketing na realização de campanhas pelo estado para alcançar objetivos associa-
dos ao interesse coletivo. Por exemplo, o governo brasileiro vem há décadas realizando ações
associadas aos cuidados no trânsito. Embora o trânsito não seja necessariamente um sistema de
marketing, a ação do estado pode ser realizada por meio de um conceito de marketing, no qual a
proposta do Estado é entendida como um produto, e os receptores (motoristas e população) são
vistos como clientes (temos neste caso o que chamamos de marketing social, já comentado no
capítulo 3, e que será detalhado nos capítulos 12 e 13).

A preocupação maior dos envolvidos com o tema marketing e políticas públicas esteve sem-
pre mais associada às questões legais e regulatórias da ação de marketing. Pelo que mais se abor-
dou na literatura especializada, temos diversos temas que chamaram a atenção, internacionalmente
e no Brasil, como a regulação publicitária (proibição de propaganda de cigarro na televisão, por
exemplo), as leis de proteção da concorrência e antitruste, a regulação sobre proteção de produtos
(como brinquedos), o fornecimento de informações (como a determinação das fontes e formatos de
letras de bulas de remédios), e, principalmente, a proteção do consumidor.
Este último aspecto encontrou seu auge no Brasil com a edição do Código de Defesa do Con-
sumidor – CDC, no ano de 1990 (Lei N.º 8.078/1990). Este código pode ser considerado como um
marco na ação estatal de proteção efetiva do consumidor brasileiro contra alguns excessos cometi-
dos por organizações ofertantes, tanto privadas quanto públicas90, demonstrando de forma clara
que a ação de marketing não pode ser pensada sem levar em conta o condicionamento estatal.
O CDC, além de constituir uma norma jurídica que estabelece bases de funcionamento de to-
da uma estrutura de proteção dos consumidores (como as procuradorias de proteção e defesa do
consumidor – PROCONs), também induziu a criação de uma cultura de proteção ao consumidor,

90 Interessa destacar este detalhe: a proteção estatal não é uma ação direcionada somente às organizações do

setor estritamente privado, mas é também para organizações de serviços controladas pelo Estado brasileiro.
Naturalmente, estas últimas são mais resistentes, ou pela licenciosidade da fiscalização, como é o caso do setor
bancário dito público, no qual é historicamente problemático o nível de atendimento, ou da própria natureza
da ação monopolista que não se preocupa com o consumidor, como era o caso das empresas de energia e de
água e esgoto antes de serem privatizadas, ou como ainda é o caso de alguns serviços nos órgãos de trânsito
(transferência de veículos, por exemplo), e de hospitais públicos (neste caso, para clientes de baixa renda).
72

inclusive com outras leis que vieram posteriormente. Assim, nos anos após a entrada em vigor do
código, foram criados aperfeiçoamentos específicos por setores, como a regulação dos contratos
envolvendo os planos de saúde, e os contratos de prestação de serviços educacionais. Comento este
último no exemplo 1.

Exemplo 1 – Proteção dos estudantes nas escolas particulares


Não é nenhuma novidade que a educação é um problema no Brasil, como, aliás, o é em diver-
sos outros países. Mas, se neste início de século XXI os problemas são grandes, nas décadas anterio-
res os problemas eram muito maiores, e não só pela qualidade do ensino, que é a maior questão
atual, mas pelo próprio acesso, uma vez que a oferta era muito menor que a demanda, principal-
mente na educação pública.
Especificamente na educação privada ocorria algo diferenciado, pois, pela falta de vagas nas
escolas públicas, o setor privado possuía um bom equilíbrio de oferta e demanda, e uma base de
atuação que o favorecia. Por exemplo, se um ‘cliente’ de uma escola não pagasse a mensalidade, esta
tinha o direito de desligá-lo, ou então de reter seus documentos como forma de pressionar o paga-
mento.
Em uma primeira visualização isto parece normal, afinal trata-se de uma relação de troca
mediada por um contrato assinado pelo ofertante e pelo demandante. No entanto, há aqui especifi-
cidades tanto no serviço quanto no cliente. De fato, educação é um produto diferenciado, e as esco-
las sempre usaram este argumento para realçar o valor de seus serviços e sua contribuição para o
desenvolvimento nacional. Também o cliente aqui tem duas manifestações: primeiro os pais, que
são os pagadores; depois os alunos, que são os receptores. Daí o problema: se uma criança for sim-
plesmente desligada porque seus pais não pagam a escola, esta criança pagará por uma culpa que
não tem, e, pior, não estará recebendo o que lhe é direito, que é a educação. As escolas particulares
entendem que este problema não é delas, e sim dos pais. Em outras palavras, seu serviço é nobre,
mas a responsabilidade da escola é restrita àqueles que paga.
Não foi este o entendimento do estado brasileiro, que, por meio da Lei N.º 9.870/1999, esta-
beleceu a proteção do aluno, impedindo a escola de usar os procedimentos convencionais de desli-
gamento e de retenção de documentos. A lógica da decisão é simples: o pagamento é um problema
civil, e se resolveria nas querelas judiciais e administrativas entre os pais e a escola. O receptor,
normalmente o mais vulnerável, não pode pagar uma parte da conta do problema de seus pais.
As escolas, em seus sindicatos e associações organizados, entenderam que também não teri-
am que pagar esta ‘conta’, e seu esforço foi durante vários anos no sentido de reconstruir a estrutu-
ra legal que as ‘prejudicava’. Alguns argumentos comuns, que tomei quando fui consultor de esco-
las, eram os seguintes: várias escolas entraram falência por causa da inadimplência crescente; a lei
beneficiou os maus pagadores; o estado não assumiu suas responsabilidades e repassou para os
empresários; os ‘clientes’ adimplentes passaram a pagar pelos inadimplentes, e isto não é justo; as
escolas entraram em crise e não poderiam pagar os professores em dia (este argumento repassava
a consequência da relação para outra parte frágil, que são os funcionários, e que não tinham nada
que ver com o problema)... Uma reinterpretação desses argumentos deixa evidente que, ao que
parece, os empresários atribuíam a culpa de seus problemas de gestão a uma minoria de inadim-
plentes, que, aliás, em uma empresa de gestão profissional poderiam ser facilmente previstos ou
poderiam ter suas dívidas negociadas com algumas técnicas de gestão de dívidas e cobrança.
Não houve retorno, e a ação pública que regulava a prestação dos serviços e protegia os con-
sumidores e a educação por meio da citada lei (que, para os empresários do setor era chamada ‘lei
do calote’), foi mantida e, ao que parece, se estabeleceu um maior equilíbrio nas relações entre
prestadores de serviços e seus clientes, principalmente os estudantes, alguns dos quais eram sub-
metidos ao constrangimento de serem chamados à tesouraria da escola em pleno horário de aula,
impedidos de fazer provas, ou ir para as aulas em período normal.

Como conseqüência da ação regulatória do exemplo acima, os empreendedores da educação


73

tiveram que buscar um aperfeiçoamento de seu modelo de negócios por meio de uma maior profis-
sionalização (a falta de profissionalização gerencial não era problema para a grande maioria das
escolas, em razão das condições favoráveis que possuíam), ou então migraram para outras opções
de negócios. Obviamente, as escolas mais eficientes em termos de gestão permaneceram no merca-
do. Observe no exemplo que uma ação estatal, ao passo que regula, também induz ao aperfeiçoa-
mento da atividade setorial, gerando mais eficiência no sistema agregado de marketing.
Embora a proteção dos consumidores seja uma das metas mais fundamentais da ação públi-
ca, obviamente este esforço precisa ser contrabalançado pela proteção dos agentes ofertantes do
sistema de marketing quando há ações deletérias praticadas por consumidores. Adicionalmente,
convém proteger os consumidores não somente da ação de empresas que podem os prejudicar, mas
eventualmente dos próprios consumidores.
No primeiro caso, sobre a necessidade da ação pública de proteger as empresas dos proble-
mas causados pelos consumidores, podemos citar o exemplo das empresas dos setores de software,
música, jogos digitais e cinema, que sofrem grandes perdas em decorrência da apropriação de seus
produtos pelos consumidores sem a contrapartida do pagamento, no que chamamos convencio-
nalmente de pirataria.
Este tema é polêmico, pois há dúvidas sobre a real utilidade de um esforço público de regula-
ção da ação dos consumidores, por mais difícil que pareça ser. De fato, é improvável que uma lei
que proíba o download de uma música na internet alcance eficiência, pelas inúmeras possibilidades
que existem de ‘baixar’ músicas da internet sem que o sujeito seja ‘descoberto’. Diversas análises já
foram feitas no sentido de compreender melhor o processo de consumo e a natureza do produto
que se configura como um filme, uma música, um jogo ou um software, e os estudiosos do assunto
parecem convergir no entendimento de que a solução esteja na reinterpretação das bases do mode-
lo de negócios das empresas que ofertam a seus mercados bens na forma digital (os chamados bens
de informação91). Neste caso, a simples recusa do poder público de regular já pode ser um desenca-
deador de aperfeiçoamento do sistema agregado de marketing associado.
Se isto não dispensa alguma regulação pública, afinal a pirataria não pode ser simplesmente
liberada, tem-se então o encaminhamento do esforço conjunto da ação pública, com a educação do
consumidor, e com a adoção de estratégias de negócios condizentes com a realidade do produto
ofertado no mercado. Neste sentido, marketing tem uma grande contribuição em termos de pesqui-
sa, pois atualmente as opções teóricas e metodológicas das disciplinas de comportamento do con-
sumidor e de estratégia mercadológica viabilizam conhecimentos e alternativas para superar este
desafio de forma eficiente92.
Sobre a proteção dos consumidores de problemas causados por outros consumidores, temos
o caso da ação pública que regula o fumo em locais fechados. Esta regulação impacta sobre os bares,
restaurantes e hotéis, que não podem aceitar a presença de pessoas fumando e precisam ajustar sua
conduta, mas o impacto maior é sobre os consumidores do tabaco, que perdem o direito de fumar
nestes ambientes em nome da proteção do direito das demais pessoas que estão no ambiente. Inte-
ressa notar que a ação pública para a redução do consumo do cigarro é uma das mais citadas e das
que despertou mais estudos na arena de marketing e políticas públicas, e a motivação do combate
ao fumo não está só no mal que o cigarro provoca sobre o fumante, mas também sobre o mal que
pode provocar sobre o fumante passivo; falaremos mais sobre este assunto ao longo do restante do

91 Cf. CARVALHO, S. Bens de informação e o problema da primeira cópia. Revista de Administração de empresas
– RAE, v. 44, Edição especial Minas Gerais, p. 97-107, 2004.
92 Sobre este assunto, sugiro a seguinte leitura: NUNES, J. C.; HSEE, C. K.; WEBER E. U. Why are people so prone

to steal software? The effect of cost structure on consumer purchase and payment intentions. Journal of Public
Policy and Marketing, v. 23, n. 1, p. 43–53, spring, 2004; CASALI, R. M.; COSTA, F. J. Uma análise dos impactos da
estrutura de custos percebida sobre a predisposição à pirataria de software. Revista de Gestão – REGE/USP, v.
21, 2014.; LEITE, A. R. A. Jogo justo: o materialismo e a responsabilidade social do consumidor no consumo de
videogames piratas. Dissertação (Mestrado em Administração). Programa de Pós-graduação em Administração
da Universidade Federal da Paraíba, 2012.
74

livro93.
6.2. Regulação de marketing

Conforme apontado no item anterior, o foco principal da discussão sobre marketing e políti-
cas públicas tem sido, ao longo das últimas décadas, sobre as questões legais e regulatórias da ação
de marketing. Em verdade, a regulação atualmente é um tema estudado em separado e vem se
tornando uma especialidade na disciplina de macromarketing.
Para efeito de alinhamento de nosso texto, entende-se por regulação de marketing as deter-
minações sobre o funcionamento do sistema integrado de marketing, que podem ser oriundas de
três fontes: (1) adesão a preceitos éticos e culturais, sociais; (2) acordos de adesão dos principais
agentes envolvidos; (3) determinação estatal. Estas fontes de regulação já sinalizam as inúmeras
possibilidades existentes para investigação, porém as análises de marketing vêm, nas últimas déca-
das, mantendo foco principalmente nas regulações provenientes das determinações estatais.
Em conjunto com esta conceituação parcial, cabe determinar também a motivação para um
ato regulatório de qualquer natureza. A literatura específica de marketing buscou uma justificativa
da regulação no simples fato de haver desequilíbrio de mercado. Conforme apontaram Robert Har-
ris e James Carman, se as condições ideais do mercado de concorrência perfeita existissem não
haveria necessidade de regulação externa, de modo que os mercados se ajustariam por sua própria
dinâmica (o que Adam Smith chamou de mão invisível)94.
O entanto, as condições de concorrência perfeita são inatingíveis na realidade, por motivos
os mais diversos. Por exemplo, se em um mercado de concorrência perfeita está pressuposto que
todos os agentes envolvidos teriam pleno domínio de todas as informações relevantes para a troca,
isto jamais se estabelece na prática, seja pela incapacidade dos sujeitos de terem acesso à informa-
ção, seja por sua incapacidade de compreenderem esta informação e saberem o que fazer com ela
(por exemplo, nos serviços de saúde pouco adianta um médico informar tudo o que for relevante ao
paciente, pois este não terá como compreender de fato os detalhes técnicos da medicina).
É daí que provém a necessidade de ajuste, pois qualquer desequilíbrio do sistema de merca-
do poderá estar favorecendo de forma injusta a algum dos envolvidos e desfavorecendo aos demais.
Ainda na esfera da desigualdade de informações, temos os exemplos clássicos das peças publicitá-
rias que tendem a informar somente o que interessa aos ofertantes, e que realçam sempre os pon-
tos fortes de suas ofertas. Obviamente, isto pode ser um indutor de engano aos consumidores, o que
os faz vulneráveis diante do ofertante. Claramente, alguma determinação deverá ser tomada como
forma de ajustar a conduta dos ofertantes neste sentido e evitar perdas aos consumidores.
O exemplo apresentado no parágrafo acima ilustra uma situação que protege o consumidor,
porém a ação regulatória não está restrita a isto. Em verdade, a intenção regulatória, em uma pers-
pectiva de marketing, visa ajustar o processo de troca de modo a gerar uma situação de equilíbrio.
Com efeito, buscar equilíbrio nas relações de troca é a meta da ação de marketing, e é também o
princípio fundamental da ação regulatória. Este princípio desencadeia dois outros pressupostos
gerais, que valem a pena serem citados: primeiro, o ato regulatório precisa estar fundamentado em
um conceito de justiça (aqui se compreende porque optei por apresentar primeiro o capítulo sobre
marketing e justiça e depois este); segundo, o equilíbrio deve ser mediado preferencialmente por
um agente sem compromisso com quem estiver diretamente envolvido no processo de troca (nor-

93 Um exemplo interessante pode ser visto em: TANGARI, A. H.; BURTON, S.; ANDREWS J. C.; NETEMEYER R. G
How do anti-tobacco campaign advertising and smoking status affect beliefs and intentions? Journal of Public
Policy and Marketing, v. 26, n. 1, p. 60–74, spring, 2007.
94 Cf. HARRIS, R. G.; CARMAN, J. M. Public regulation of marketing activity – part 1: institutional typologies of

marketing failure. Journal of Macromarketing, v. 3, n. 1, p. 49-58, spring, 1983. Este artigo foi o primeiro de
uma série de três publicados pelos autores. As outras referências são: HARRIS, R. G.; CARMAN, J. M. Public
regulation of marketing activity – part 2: regulatory responses to market failure. Journal of Macromarketing, v.
4, n. 1, p. 41-52, spring, 1984; CARMAN, J. M.; HARRIS, R. G. Public regulation of marketing activity – part 3:
failures and implications for marketing. Journal of Macromarketing, v. 6, n. 1, p. 51-64, spring, 1986.
75

malmente o Estado). Estes princípios aplicam-se a todo o sistema de troca, de modo a ajustar o
comportamento tanto de ofertantes quanto de demandantes95.
As ações regulatórias que mais nos interessam são aquelas que incidem sobre a prática de
marketing nas organizações, e precisamos de um referencial de análise que permita uma visualiza-
ção ampla sobre o assunto. Uma avaliação bastante consistente de tópicos neste sentido foi feita por
Ross Pitty, que visualizou a regulação de marketing por quatro blocos: o que se regula; os interesses
protegidos; as fontes de regulação, e as sanções aplicadas96. A organização proposta por Pitty é
bastante elucidativa, de modo que optei por organizar o que segue com base em sua visão:

- O que se regula
Para marketing, as principais regulações são aplicadas sobre os elementos clássicos do mar-
keting mix, ou seja, são regulados aspectos associados a produto, preço, praça e promoção. As leis
que se aplicam são organizadas em torno de quatro pontos centrais, que são: regulação antitruste
(coerção de acordos entre empresas que tenham por finalidade controlar mercados e preços) e
proteção da concorrência; proteção do consumidor; propriedade intelectual; comércio internacio-
nal. No cruzamento destes quatro pontos com os elementos do marketing mix temos uma visão
mais concreta do que se regula em marketing. O quadro 6.1 é uma demonstração abreviada da rea-
lidade brasileira neste sentido.
Quadro 6.1 – O que se regula em marketing
Regulação Produto Preço Praça Promoção
Antitruste e Preços preda- Acordos de ca-
Segredos indus- Restrições de
proteção da tórios; conluios nais; contratos
triais publicidade
concorrência de preços de exclusividade
Segurança; Garantia de dis- Propaganda
Proteção do Condições do
garantias; in- ponibilidade (em enganosa; pri-
consumidor crédito
formação serviços) vacidade
Direitos exclusi-
Propriedade Proteção de Registro de
- vos de distribui-
intelectual patentes marca
ção; franquias
Normas e espe- Regulação de Normas e espe-
Comércio
cificações dos Dumping importação e cificações dos
internacional
países exportação países

Cada um destes tópicos tem uma ampla gama de interessados e estudiosos. Interessa notar
que os temas perpassam momentos diferenciados, de modo que alguns já foram amplamente deba-
tidos (como as questões de preços predatórios e conluios de preços), outros estão em seu momento
de maior difusão, como é a questão da privacidade na comunicação, na esfera de proteção ao con-
sumidor, o que ocorreu em razão dos problemas mais recentes associados à internet; e outros são
temas permanentes, como é a questão da proteção da propriedade intelectual. No exemplo 2 explo-
ro um pouco mais da questão da privacidade97.

Exemplo 2 – A privacidade do consumidor na era da internet


Ao longo dos anos os brasileiros parecem ter se acostumado em receber malas-diretas pelos

95 Considerando nosso conceito de sistema de troca, apresentado no capítulo 1, caberia compreender que a
regulação seria extensiva também ao objeto da troca (o produto), uma vez que diversos destes objetos são
produzidos dentro de especificações exigidas por lei. No entanto, entende-se que a regulação do produto recai
principalmente no agente produtor e ofertante.
96 PETTY, R. D. Societal regulation of the marketing functions: does the patchwork create a quilt? Journal of

Public Policy and Marketing, v. 24, n. 1, p. 63-74, spring, 2005. O autor tem uma ênfase na realidade estaduni-
dense, de modo que suas colocações mais específicas foram ajustadas para a realidade brasileira.
97 Este exemplo foi fortemente baseado na seguinte referência: RAPP, J.; HILL, R. P.; GAINES, J.; WILSON, R. M.

Adversiting and consumer privacy. Journal of Advertising, v. 38, n. 4, p. 51-61, winter, 2009
76

correios, com anúncios de produtos e serviços enviados a seus endereços residenciais. Por pesqui-
sas anunciadas, embora raramente vistas pela maioria das pessoas, estes esforços são de efeito
muito pequeno, despertando interesse de no máximo 5% das pessoas. Isto é de fato pouco, mas se
for enviado um anúncio para um milhão de pessoas, são 50 mil compras. Parece ter sentido!
De um ponto de vista de marketing, isto que é apenas parte da estratégia de comunicação dos
ofertantes, tem um problema associado, que é a necessidade de se saber para quem se está encami-
nhado o anúncio. No mínimo, sabe-se o endereço do sujeito, porém o esforço de comunicação de
fato eficiente passa por mais informações para ajustar a oferta às demandas dos clientes ou seg-
mentos. Daí surge uma questão central: uma empresa pode estar manipulando os dados dos clien-
tes e invadindo a privacidade de seus lares com uma oferta sem que estes sequer saibam que al-
guém está fazendo uso de seus dados pessoais.
Este problema era muito pequeno em décadas anteriores quando as comunicações eram por
correio, mas aumentou com os avanços da telefonia, e se tornou muito grande com os avanços da
disponibilidade e do uso da internet. De fato, sempre que usamos um computador para navegar na
internet estamos deixando registrado nele as marcas dos caminhos que seguimos. Também deixa-
mos nossos dados quando usamos cartões de crédito, quando preenchemos cadastros diversos,
quando fazemos uma compra... Aos poucos fornecemos às empresas as informações para que estas
possam personalizar sua oferta, ajustar seu estoque, e ao final vender mais e mais. Nenhum pro-
blema com isto, se não for agredido o direito de privacidade dos consumidores.
Surpreende-nos quando entramos em um site de vendas e lá encontramos ofertas que pare-
cem personalizadas, mas que são, em verdade, geradas a partir de um resgate do histórico de nos-
sos passeios pelos sites, a partir de softwares que manipulam nossas informações e geram a oferta.
A questão que se coloca é simples: quem autorizou uma empresa a manipular nossos dados? Quan-
do uma empresa nos envia um email, quem a autorizou a fazer isto? Na grande maioria das vezes
ninguém autorizou nada. Diariamente são disparados milhões de emails que inundam as caixas de
entrada de possíveis consumidores, alguns altamente criativos, mas desrespeitando dois princípios:
primeiro, estão usando nossas informações sem que tenhamos permitido; segundo, estão invadindo
nossos endereços privativos sem qualquer permissão.
Obviamente, é necessária uma proteção aos consumidores, em seu direito de privacidade. No
caso do uso da internet este problema torna-se mais difícil devido à dificuldade de regulação de um
ambiente ainda em processo de transformação, e pela dificuldade de enquadrar as empresas que
usam destes procedimentos. Algumas empresas dão exemplos interessantes, neste sentido, ofere-
cendo a opção do cliente de ser excluído de uma lista de emails, e outras oferecendo a opção de o
cliente não permitir que seus dados fiquem registrados (como é o caso da empresa Google, ou ao
menos do que parece ser verdade).
Mas talvez a melhor forma de regulação venha dos próprios sujeitos, que podem atentar para
as políticas de uso da informação das empresas (sites) com as quais mantém contado, e buscar
acessar somente ambientes que garantam aos navegadores um senso de transparência, segurança e
responsabilidade.

- Os interesses protegidos
Em qualquer atividade regulatória o interesse mais fundamental é o da sociedade em geral,
ou seja, em última análise é sempre em favor do interesse social que se regula a ação de marketing.
No entanto, na dinâmica social é possível um direcionamento mais específico de proteção de inte-
resses.
De fato, o que foi disposto no quadro 6.1 já sinaliza quais são os principais interesses que são
protegidos em cada ponto da regulação de marketing. Assim, na regulação da competição a finali-
dade é resguardar direitos primeiramente dos agentes ofertantes (empresas), o que gera em um
segundo nível a proteção dos interesses dos consumidores. Em relação à proteção do consumidor,
claramente, este é o maior interessado, e na propriedade intelectual, os interessados são os ofertan-
tes e os criadores de inovações. No caso do comércio internacional as regulações possuem finalida-
des diversas, que vão desde a segurança dos consumidores, do emprego local, até a preservação de
77

interesses e acordos políticos multilaterais.

- As fontes de regulação
As fontes primárias de regulação já foram citadas anteriormente, e podem ser os governos, a
sociedade (por meio de padrões culturais e éticos) ou os agentes do próprio setor. Na esfera estatal
brasileira podemos visualizar primeiramente as regulações que são provenientes dos diferentes
sistemas legais instituídos nos três níveis estatais (federal, estadual e municipal), e cada nível tem
seu próprio sistema regulatório que condiciona a ação de marketing (por exemplo, o nível munici-
pal regula as atividades de feiras-livres e corredores comerciais, o nível estadual regula a distribui-
ção de alimentos, e a esfera federal regula algumas questões de preços).
Ainda na esfera estatal, temos para algumas atividades um órgão regulatório próprio, com as
chamadas agências reguladoras. No Brasil estas agências são autarquias do Estado, criadas especifi-
camente para regular e fiscalizar aqueles setores com muitas especificidades e relevância social. As
mais conhecidas as Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis (ANP), a Agência
Nacional de Aviação Civil (ANAC), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) dentre outras, que regulam as atividades das empresas de
cada setor específico.
Uma fonte de regulação que foge da esfera estatal é a chamada autorregulação, que consiste
na reunião de um conjunto de agentes de um determinado setor que admitem e legitimam um con-
junto de regras de ação das empresas daquele setor, sem que a intervenção do Estado. No Brasil o
principal exemplo vem do setor de publicidade e propaganda. No exemplo 3 descrevo maiores deta-
lhes sobre esta experiência.

Exemplo 3– A autorregulação publicitária


No Brasil o principal exemplo de autorregulação, que até quando escrevo estas linhas podia
ser entendido como um exemplo de sucesso, vem do segmento de publicidade e propaganda, que
instituiu no ano de 1980 o chamado Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CO-
NAR. A finalidade do CONAR foi criar no universo do próprio setor de publicidade e propaganda as
regras de seu funcionamento, sem ter que ser (totalmente) regulado pela ação do Estado, como
ocorre nos setores nos quais não há um instituto de autorregulação.
De fato, o CONAR não é um órgão do poder público, sendo próprio do setor de publicidade,
tendo sido fundado e sendo mantido pelos anunciantes, pelas agências de publicidade, e pelos veí-
culos de comunicação (veja que o triângulo é fechado por quem compra, produz e veicula peças
publicitárias). Todos estes agentes aderem ao pressuposto de que o CONAR, embora não seja um
órgão com poder de imposição de uma lei estatal, tem que ser respeitado em suas decisões. Em
outras palavras, uma decisão oriunda do CONAR deve ser respeitada pelos agentes do setor, sob
pena de o agente transgressor sofrer sanções restrições ou isolamento (o CONAR não tem poder
para sustar um anúncio, mas pode recomendar que os veículos de comunicação o façam, e pode
desenvolver ações retaliatórias, como divulgação nos meios de mídia de sua posição a respeito de
um anúncio ou da empresa)
Por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária são indicados os proce-
dimentos de ação de diversos segmentos, como os anúncios de emprego, de serviços profissionais,
de educação, bebidas, imóveis, lojas de varejo, serviços financeiros... (ver código em
<www.conar.org.br>). O mais interessante é que o órgão pode ser acionado por qualquer pessoa
que se sinta prejudicado por alguma empresa em razão de uma peça de comunicação. Assim, se um
cidadão brasileiro entender que uma propaganda de serviços de saúde guarda algum preconceito
(racial, por exemplo), então este cidadão pode encaminhar ao CONAR uma reclamação, por meio de
uma simples carta, e o caso é colocado em avaliação, e, se for detectado de fato o evento denuncia-
do, o Conselho poderá solicitar que o anúncio seja alterado, chegando até ao nível de solicitação de
sua sustação dos meios de mídia.
Enquanto instância de autorregulação, o CONAR tem, em suas deliberações, um posiciona-
78

mento mais próximo da ética do que da lei, embora suas decisões possam ser entendidas como
tendo força de lei. De fato, dados do site do órgão mostram que entre os anos de 2001 e 2013 foram
avaliados 4412 processos (1560 oriundos de reclamações de consumidores), que levaram à susta-
ção de 977 anúncios (22%); ou seja, o CONAR conseguiu condicionar efetivamente mais de 40%
dos anúncios reclamados. Se contarmos que parte das reclamações não procede, podemos compre-
ender que o órgão tem alcançado resultados satisfatórios no sentido de dar um perfil mais ético à
área.

- As sanções aplicadas
As sanções que a ação regulatória emprega sobre os agentes envolvidos são diversas, e de-
pendem de cada situação específica. As penas mais comuns são as multas (como a ANATEL aplica às
empresas do setor de telefonia que geram muitas reclamações de atendimento), e a restrição ou a
cassação do direito de funcionamento, como é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), que pode ordenar o fechamento de restaurantes, por exemplo, caso estes não apresen-
tem condições adequadas de higiene. Em situações mais extremas, são aplicadas sanções de prisão
e sequestro de bens dos responsáveis pelas organizações.
Interessa ressaltar aqui que as sanções também se aplicam aos agentes demandantes da re-
lação de troca. Comumente são aplicadas multas ou é cessado o direito de consumo (em caso de
consumo continuado). Por exemplo, na atividade de locação de imóveis, a regulação instituída dá o
direito aos locadores de aplicação de multas e de despejo dos locatários por falta de pagamento.

6.3. Comentários adicionais e possibilidades

Das discussões que são feitas em torno de macromarketing (é bom lembrar, estamos explo-
rando o nosso segundo bloco temático de macromarketing, conforme definido no capítulo 4), o que
foi explorado neste capítulo é, provavelmente, o mais pragmático para os profissionais, uma vez
que trata de aspectos que passam pela ação de marketing nas organizações, seja na recomendação
de ações para órgãos reguladores, seja na própria decisão do agente público, que, ao tomar uma
decisão (por exemplo, sobre controle de conteúdo publicitário) está tomando uma ‘decisão de mar-
keting’.
Vislumbramos uma lógica diferente da ação profissional de marketing, que não é exercida na
esfera de uma organização empresarial nem restrita a um departamento de marketing. Esta visão,
embora seja já bem consolidada internacionalmente, no Brasil não alcançou, até quando escrevo
estas linhas, uma atratividade que motivasse os pesquisadores e profissionais a adotá-la.
Como vimos, o conteúdo debatido ilustra a forte presença do condicionamento público sobre
a ação de marketing, como ocorre nas mais diversas atividades econômicas e sociais de nações com
Estados mais fortes. A crença de macromarketing neste sentido é de que marketing, por meio de
seus profissionais e estudiosos, não pode somente partir disto como um pressuposto de ação; antes,
devem buscar compreender a natureza e cada alternativa de intervenção e condicionamento, o que
passa pela pesquisa acadêmica dos aspectos associados, e pelo estudo dos profissionais de mercado
para um melhor ajustamento de práticas. Também neste intento o Brasil precisa ainda avançar
muito.
Ainda na década de 1990 diversos pensadores professaram entusiasmo sobre esta visão de
marketing, supondo o seu valor para profissionais e pesquisadores98. Desde então tem havido avan-
ços interessantes neste sentido, mas ainda há demandas de maiores desenvolvimentos, especial-
mente no Brasil. Proponho a seguir alguns encaminhamentos para o nosso país neste início de sécu-
lo XXI:
• Primeiro, os profissionais e acadêmicos de marketing precisam de uma maior aproximação com
o estudo e com os profissionais do direito, pois esta é a área de conhecimento e a área profissio-

98Cf. WILKIE, W. L. Developing research on public policy and marketing. Journal of Public Policy and Market-
ing, v. 16, n. 1, p. 132-136, spring, 1997.
79

nal que melhor conhece os fundamentos da ação de intervenção pública. Isto já ocorre, em boa
medida, nos cursos de administração, nos quais há diversas disciplinas de direito; no entanto,
são disciplinas das áreas profissionais convencionais da área (como direito tributário ou direito
do trabalho). A proposta é que sejam desenvolvidas disciplinas e seminários com foco temático,
sobre os tópicos de direito que interessem a marketing, independente de serem parte de dife-
rentes áreas do direito99;
• Segundo, os meios convencionais de difusão do conhecimento de marketing, especialmente as
revistas de negócios e os livros didáticos, além das atividades educacionais convencionais, pode-
riam ser enriquecidos com alguns casos e avaliações do conteúdo sobre regulação de marketing.
Um exemplo interessante vem do reputado Journal of the Academy of Marketing Science, que pu-
blicou durante vários anos uma seção sobre marketing e legislação (Marketing and the Law);
• Adicionalmente, os agentes de marketing da esfera acadêmica trariam uma contribuição no
desenvolvimento do tema com o desenvolvimento de projetos de pesquisa em cursos de pós-
graduação, e com a participação em eventos multidisciplinares (seminários, reuniões, grupos...)
sobre marketing, ação pública, ação regulatória..., tanto nas esferas de marketing e administra-
ção quanto do direito.

É necessário que marketing se coloque de forma mais consistente como opção para o aper-
feiçoamento da ação pública, com seus principais profissionais desenvolvendo e divulgando análi-
ses consistentes sobre o conteúdo das ações regulatórias e de política públicas, e mesmo se colo-
cando como opção para realização da ação pública, como ocorrem nos projetos de administração
comportamental do chamado marketing social.

99 Uma interessante proposta neste sentido pode ser encontrada em: PETTY, R. D. Teaching marketing law: a

business law perspective on integrating marketing and law. Journal of Marketing Education, v. 22, n. 2, p. 129-
136, aug. 2000.
80

CAPÍTULO 7 – EXTERNALIDADE DE MARKETING E DESENVOLVIMENTO

Neste capítulo avanço mais um passo na exploração dos temas fundamentais de macromar-
keting, mas agora redireciono o rumo de nossa exposição para um contexto discursivo um pouco
diferente do que foi apontado nos dois capítulos anteriores, que versaram sobre justiça distributiva
e políticas públicas.
Quando observarmos o conteúdo antes apresentado, podemos notar que o foco da discussão
estava muito mais centrado no funcionamento do sistema agregado de marketing. Nosso interesse
agora se volta para as saídas deste sistema, na forma dos resultados que são oriundos de seu funci-
onamento.
Assim, na primeira parte do capítulo exponho uma discussão sobre as externalidades da ação
de marketing e do funcionamento dos sistemas de marketing, mantendo foco inicialmente na base
conceitual sobre o assunto, e depois em uma análise dos principais pontos de destaque na literatura
especializada.
Obviamente, é desejável que o funcionamento de qualquer sistema gere sempre resultados
positivos. Para o caso dos sistemas agregados de marketing, há duas saídas principais, e que mais
nos interessam, que são, primeiro, o desenvolvimento econômico e social, e, em seguida, a qualida-
de de vida. Por isto, o segundo item está concentrado na análise da relação entre marketing e de-
senvolvimento, destacando os principais tópicos sobre o tema (no capítulo seguinte analiso a ques-
tão da qualidade de vida).

7.1. Externalidades dos sistemas agregados de marketing

Neste item a meta é configurar uma visão sobre as consequências das atividades de marke-
ting, desde uma esfera mais restrita da troca, até o conceito mais amplo do sistema agregado de
marketing. Assim, no primeiro subitem faço um resgate de alguns conceitos debatidos no capítulo 4
e faço algumas complementações; no subitem seguinte procuro fazer um aprofundamento sobre o
assunto, com base em referências da literatura especializada, indo desde as visões que são focadas
nas consequências da troca direta, chegando até a discussão das externalidades na esfera ampliada
do sistema de marketing.

7.1.1. Resgatando conceitos

Na caracterização que fiz sobre o conceito de sistema agregado de marketing, no capítulo


4, apontei que, como conseqüência do funcionamento do referido sistema, temos diversos fatores
que chamamos de saídas. As principais indicadas foram as seguintes (ver figura 4.2): ações e os
fluxos consolidados, valor gerado para os stakeholders, satisfação dos envolvidos, e externa-
lidades.
As primeiras saídas são mais evidentes, porém é necessário definir melhor o que sejam ex-
ternalidades. O conceito vem de um uso corrente na teoria econômica, que entende as externalida-
des como sendo os custos e os benefícios oriundos das atividades de produção e de consumo exer-
cidas por agentes econômicos e que impactam sobre outros agentes. Em outras palavras, as exter-
nalidades representam uma imposição de custos ou benefícios sobre terceiros, que os recebem de
forma involuntária e que comumente não podem solicitar compensação pelos prejuízos, nem serem
cobrados pelos benefícios.
Por exemplo, quando um consumidor opta por alimentos orgânicos, estará gerando um be-
nefício para sua saúde, mas também um benefício em termos de saúde pública, pois provavelmente
reduzirá os custos de tratamento de problemas oriundos de uma alimentação não saudável. Já
quando um cliente fuma em um ambiente público, este está incomodando e aumentando o risco de
doenças sobre terceiros. Também quando uma empresa industrial desconsidera os cuidados com a
emissão de poluentes, esta gera um efeito negativo sobre a coletividade pela poluição do ar.
Estes exemplos ilustram externalidades associadas a cada agente econômico, os primeiros na
81

atividade de consumo, e o último em uma atividade de produção. Por uma perspectiva mais ampla,
quando visualizamos um dado mercado pelo conceito de sistema de agregado de marketing perce-
bemos que este também tem conseqüências que podem ser entendidas como externalidades. Apre-
sentei no capítulo 4 dois exemplos (dos centros comerciais e dos corredores turísticos) que ilus-
tram isto, em que procurei enfatizar que as externalidades podem ser tanto positivas quanto nega-
tivas.
Ainda no capítulo 4 informei sobre o conceito de eficiência do sistema, que concerne à rela-
ção entre os recursos consumidos no funcionamento do sistema e os resultados finais, além da ade-
quação dos resultados gerados às suas finalidades iniciais. Diferente de um sistema de produção de
uma empresa qualquer, no qual se pode aferir com segurança o nível de eficiência de seu processo,
para a visão que construímos de um sistema agregado de marketing há uma maior dificuldade de
delimitar o seu nível de eficiência, em razão do elevado número de saídas possíveis, e dos diversos
referenciais de análise aplicáveis. No entanto, a dificuldade de delimitar uma medida bem específica
para avaliar a eficiência de um sistema agregado de marketing não impediu a realização de diversos
estudos e proposições de análise.
A finalidade principal deste capítulo é aprofundar esta análise a partir da análise das exter-
nalidades. Ou seja, iniciamos nossa avaliação na ponta da saída do sistema agregado. Por outro lado,
não podemos entender as saídas de um sistema sem considerar o seu funcionamento, de modo que
nossa análise precisa resgatar os elementos de influência no funcionamento do sistema agregado,
com interesse especial em entender como este sistema deve funcionar para maximizar suas exter-
nalidades positivas e minimizar as externalidades negativas. Mas antes de adentrar em alguns ele-
mentos mais específicos, é conveniente primeiro mostrar uma avaliação de como o tópico foi de-
senvolvido ao longo do tempo.

7.1.2. Uma visão da literatura

A considerar pelo tópico de marketing e desenvolvimento, que analiso no item 7.2, podemos
dizer que as análises das consequências das atividades de marketing vêm desde os anos de 1950.
No entanto, uma ênfase mais próxima do estudo das externalidades de maneira mais próxima do
conceito que analisamos atualmente vem dos anos de 1980, especialmente com o texto de Robert
Nason sobre o que chamou de ‘consequências sociais de marketing’100, entendida como o conjunto
de resultados não previstos da atividade de troca, tanto positivos quanto negativos, que se voltam
tanto sobre os agentes envolvidos diretamente na troca (ofertantes e demandantes), quanto sobre
agentes que não estão diretamente envolvidos nesta (chamados de terceiros). Esta definição mere-
ce ser um pouco mais detalhada.
Primeiro, observamos que a ênfase está sobre as consequências da troca que ‘não’ são pre-
vistas, o que pressupõe que a atividade de troca possui saídas previstas e não previstas. Segundo,
observamos também que a troca gera consequências do consumo sobre os agentes envolvidos na
troca, mas pode ir além destes. Não está esclarecido na definição dada, mas está pressuposto que as
consequências podem se direcionar a diversos níveis do contexto externo, ou seja, podem ir desde o
impacto sobre um grupo próximo (como a família de um demandante de alimentos orgânicos),
passando por grupos mais distantes (como um elenco de produtores destes alimentos, em zonas
rurais), chegando até o nível de sociedade em geral (redução dos custos sociais com saúde e melho-
ria da qualidade de vida da população em geral). No quadro 7.1 apresento uma adaptação da pro-
posta de Nason do cruzamento destas possibilidades (previsão do efeito e receptor do impacto),
que são comentadas a seguir.
• Para os resultados de trocas com impactos sobre os envolvidos e com efeitos previstos (cé-
lula 1) podemos citar os resultados esperados para os ofertantes (aferição de lucro, lealdade...) e
demandantes (benefício recebido). A situação da célula 1 é comumente estudada nos textos

100 NASON, R. W. The social consequences of marketing: macromarketing and public policy. Journal of Public

Policy and Marketing, v. 8, p. 242-251, 1989.


82

convencionais de marketing, e as análises principalmente dos efeitos têm sido objeto de grande
parte dos estudos desenvolvidos nas disciplinas de ‘comportamento do consumidor’ e de ‘estra-
tégia de marketing’;
• Para os resultados com impactos sobre os envolvidos, mas com efeitos não previstos (célula
2) podemos citar, para os ofertantes, as perdas e prejuízos, as reclamações, as ações de boca a
boca, dentre outras, e para os demandantes a insatisfação (observe que é muito improvável que
um cliente tenha previsto sua insatisfação ou que um ofertante opere esperando prejuízos, por
isto os efeitos são não previstos; na verdade, estas situações são por vezes esperadas, mas são,
em verdade, consequências indesejáveis, de modo que não faz sentido um agente se envolver na
troca esperando resultados negativos). A possibilidade da célula 2 também tem sido estudada
nas áreas clássicas de marketing, e, como no caso acima, uma das finalidades das pesquisas tem
sido justamente minimizar os efeitos desconhecidos, para potencializar aqueles que são positi-
vos, e minimizar os negativos;
• A terceira situação é aquela em que há impactos previstos sobre terceiros (célula 3), como é o
caso da segurança que se gera para a coletividade quando são produzidos e comprados veículos
mais seguros, ou o caso da degradação ambiental prevista decorrente do consumo de produtos à
base de plástico. A situação da célula 3 é a mais desejada como uma saída do sistema agregado
de marketing, e é parte convencional do estudo de macromarketing;
• Por fim, temos o resultado de impactos não previstos sobre terceiros (célula 4), como é o
caso de acidentes diversos decorrentes do uso de determinados produtos (como veículos, por
exemplo), ou a valorização de imóveis decorrente do desenvolvimento de um corredor comerci-
al. A situação da célula 4 direciona os esforços de pesquisa de macromarketing para que se de-
senvolvam estudos justamente para tentar prever os efeitos de um sistema de marketing, como
forma de potencializar os impactos positivos e minimizar os negativos.

Quadro 7.1 – Conseqüências sociais de marketing


Efeito previsto Efeito não previsto
(Célula 1) (Célula 2)
• Alcance dos objetivos do ofer- • Perdas para os ofertantes,
Impacto sobre os
tante (lucro...) reclamações, boca a boca...
envolvidos
• Alcance dos objetivos do ofer- • Insatisfação e arrependimento
tante (valor, satisfação...) dos consumidores
(Célula 3) (Célula 4)
• Geração de segurança coletiva • Acidentes diversos decorren-
Impactos sobre
por veículos mais seguros tes do uso de produtos
terceiros
• Degeneração ambiental decor- • Valorização imobiliária pela
rente do consumo de plástico consolidação do comércio

A proposição de Robert Nason é interessante como uma primeira forma de organização da


visão das saídas das atividades de marketing. No entanto, esta tem limitações para o entendimento
de uma visão mais ampla das externalidades, principalmente porque o seu foco foi direcionado às
saídas decorrentes dos atos de troca (como a insatisfação dos consumidores ou o prejuízo dos ofer-
tantes), e não exatamente ao funcionamento do sistema agregado de marketing.
Um complemento interessante a esta primeira avaliação foi proposto por JoNel Mundt, que
partiu do conceito de externalidades como sendo os ‘resultados não calculados da troca’ (uncalcula-
ted exchange outcomes – U/EO), que são os efeitos decorrentes das atividades de troca que ‘não’ são
aferidos e calculados101. Dentre os exemplos apontados no quadro 7.1 podemos entender que as
ações de boca a boca de clientes (favoráveis ou não) sobre produtos ou marcas e os acidentes de-
correntes do uso de produtos inseguros são externalidades.
O artigo de Mundt é, em realidade, uma tentativa de definição do que sejam externalidades

101 MUNDT, J. Externalities: uncalculated outcomes of exchanges. Journal of Macromarketing, v. 13, n. 2, p. 46-

53, 1993.
83

baseado em uma ótica própria de marketing, fugindo do conceito proveniente da economia. Assim,
o autor tentou manter o foco no ato da troca em si e naquilo que não é calculado neste ato, o que faz
com que as externalidade possam ser também analisadas sobre os agentes envolvidos na troca.
Outra questão relevante da proposta de Mundt concerne à tentativa de especificação que ele
propõe, com o fechamento do foco em torno da consequência ‘não calculada’, e não necessariamen-
te ‘não prevista’. Nestes termos, seria pensável em uma externalidade prevista, mas que não seja
necessariamente calculada.
Estas duas delimitações contrariam claramente o conceito que apresentei no início deste
item sobre externalidade na perspectiva da teoria econômica, que está centrada nas consequências
sobre terceiros, e não está delimitado pelo que seja ou não calculado como conseqüência da troca
(ou calculável). Para efeito prático, isto não mais que aproxima o conceito do discurso de marke-
ting, porém não tem maiores impactos em termos de compreensão e análise.
As visões de Robert Nason e de JoNel Mundt estão tratando de externalidades tanto de trocas
específicas quanto de conjuntos de trocas. Obviamente, faz sentido pensar em externalidade de
cada ato de troca em si, e isto também é preocupação de macromarketing, porém esta questão pa-
rece estar mais próxima de uma abordagem de micromarketing. Por exemplo, o efeito não previsto
de insatisfação que se gera sobre os consumidores é uma preocupação para os agentes ofertantes,
que, compreendendo que a insatisfação é um condicionante da perda dos clientes, procuram evitar
que os clientes fiquem insatisfeitos.
Com efeito, a insatisfação de um cliente, suas ações de boca a boca, ou os prejuízos e lucros
esperados dos ofertantes não constituem em si um problema de macromarketing, embora possa-
mos desenvolver um esforço de conceituação que abarque estes fatos (basta ver que os dois artigos
citados são oriundos de periódicos da área de macromarketing). Precisamos então buscar uma
abordagem mais própria de macromarketing, o que se alcança quando analisamos a perspectiva
ampliada em relação à troca, para chegarmos até uma visão associada ao sistema agregado de mar-
keting.
Uma interessante avaliação das externalidades neste sentido mais amplo foi proposta por
Mari-Louise Fry e Michel Polonsky, que defenderam a necessidade de uma ênfase para além da
díade que estabelece entre ofertante e demandante na relação de troca102. A idéia destes pensado-
res remete assim ao contexto da teoria dos stakeholders, que pressupõe um conjunto de agentes
interessados no funcionamento de uma organização, como vimos nos capítulos anteriores.
Para manter sua análise na esfera de discussão de marketing, Fry e Polonsky defenderam a
ideia de que a organização, quando realiza uma troca que podemos chamar de básica (que é aquela
associada de forma mais direta ao ato de compra/consumo), também realiza ao mesmo tempo um
conjunto de outras trocas com seus stakeholders. Por exemplo, a organização, em seu funcionamen-
to, está fundamentada em um sistema de tributação que é condição para sua existência, de modo
que se estabelecem aí relações diversas com os agentes públicos e os órgãos de coleta e fiscalização,
pois sempre que se processa uma compra deve também ser acionado o sistema de repasse de tribu-
tos aos agentes arrecadadores. Este exemplo deixa claro que as atividades de uma organização, e as
atividades de marketing em especial, não estão restritas aos ofertantes e demandantes, podendo
envolver diversos outros agentes, que serão impactados de alguma forma. Vejamos mais dois
exemplos:
• Uma ilustração interessante vem de algumas organizações francesas de combate ao tabagismo,
que, em um esforço de comunicação de uma campanha bastante ousada, no ano de 2010, coloca-
ram fotografias de jovens em posição de sexo oral, mas tendo na boca um cigarro. A idéia era as-
sociar o ato de fumar a um ato de submissão sexual. A campanha certamente gerou efeitos sobre
o público alvo da campanha, afinal provavelmente os jovens não gostam de se sentirem subme-
tidos, mas gerou também um efeito sobre diversos outros agentes, como as crianças, os repre-
sentantes legais de órgãos de proteção à família, os líderes religiosos que defendem um deter-

102 FRY, M.-L.; POLONSKY, M. J. Examining the unintended consequences of marketing. Journal of Business

Research, v, 57, p. 1303-1306, 2004.


84

minado padrão moral. Em pouco tempo a campanha foi cancelada.


• Outro exemplo interessante, e que é sempre citado, concerne aos esforços da indústria automo-
bilística de produzir carros com capacidade cada vez maior para atender à demanda de consu-
midores que apreciam este tipo de atributo, mas que não considera, por exemplo, o efeito que is-
to pode ter sobre as estatísticas de acidentes. Isto é mais contraditório ainda quando se observa
que não há, efetivamente, necessidade de maiores avanços em desempenho de automóveis, es-
pecialmente para as ruas e as avenidas das cidades que estão cada vez mais engarrafadas103.
Ainda na esfera de discussão das externalidades, um trabalho interessante foi desenvolvido
por Jonh Mittelstaedt, Willian Kilbourne e Robert Mittelstaedt104, que, em sua retrospectiva sobre a
pesquisa em macromarketing, entenderam que, passados os primeiros 25 anos da formação da
disciplina, três conclusões gerais podiam ser enunciadas: primeiro, macromarketing trata de siste-
mas que envolvem atividades de marketing; segundo, esses sistemas são complexos e heterogê-
neos; terceiro, as conseqüências do funcionamento desses sistemas vão muito além dos que estão
diretamente envolvidos. Os autores entenderam que as ‘externalidades dos sistemas agregados’
são, de fato, as reais externalidades de marketing (e as conseqüências para os agentes envolvidos
são observadas como internalidades).
Em uma idéia que integra o que vimos anteriormente sobre políticas públicas, os mesmos au-
tores observaram que há dois direcionamentos que a ação estatal pode dar nas externalidades de
um sistema agregado de marketing: nas externalidades negativas os autores entendem que os Esta-
dos devem desenvolver procedimentos de regulação das atividades e dos agentes para evitar o
repasse dos problemas para terceiros; já para as externalidades positivas os Estados devem fazer
uso das demais ações possíveis de sua intervenção (ver as indicações no capítulo anterior).
Por exemplo, para potencializar a externalidade positiva do consumo de produtos culturais
típicos de regiões, como artesanato, por exemplo, as políticas públicas devem induzir as atividades
e os agentes por meio de ações como a diminuição da tributação sobre os produtos, e deve ainda
desenvolver parcerias para treinamento, divulgação e distribuição.
Ainda nesta esfera ampliada de avaliação das externalidades, algo que tem sido objeto das
análises de macromarketing são as conseqüências do consumo. O foco aqui está direcionado ao
consumo agregado de uma indústria ou de sistema de marketing delimitado. A pesquisa neste tópi-
co é muito ampla, e resgata toda a discussão sobre o consumo que é feita nas esferas acadêmicas
que o tem por objeto, como a sociologia, a antropologia, a economia etc. Não temos espaço para um
debate mais amplo neste sentido, mas informo que existem vários livros somente sobre consumo e
suas consequências sociais, culturais e econômicas. Recomendo aos interessados uma busca de
materiais em livrarias ou na internet.
Para a disciplina de macromarketing, entende-se que, assim como nas atividades gerais do
sistema de marketing, uma perspectiva sobre o consumo precisa considerar seus efeitos positivos e
negativos. Na dimensão dos efeitos negativos, o que mais chamou a atenção foi o consumo de pro-
dutos socialmente deletérios, primeiro na busca de uma compreensão de sua natureza, e depois
como parte do esforço ativista de marketing de contribuir para geração de bem estar social por
meio da redução ou eliminação de seu consumo. No exemplo 1 comento os principais problemas até
hoje verificados, informando até onde o consumo impacta além dos consumidores.

Exemplo 1 – O consumo de produtos de risco


Desde quando a reflexão de marketing passou a se interessar pelos riscos do consumo, al-

103 Há relatos de representantes de empresas do setor automobilístico dizendo que o problema não era o nú-

mero de veículos nas ruas, mas a falta de planejamento urbano, e isto não era problema das montadoras, mas
sim dos governos. Obviamente, é muito fácil repassar o problema para terceiros, como sempre se fez. Feliz-
mente, esta não é uma visão da indústria e sim de alguns gestores.
104 MITTELSTAEDT, J. D.; KILBOURNE, W. E.; MITTELSTAEDT, R. A. Macromarketing as agorology: macromar-

keting theory and the study of the agora. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 131-142, dec. 2006. Este
artigo é hoje já um clássico na teoria de macromarketing, e sua leitura é fortemente recomendada.
85

guns produtos ganharam prioridade de análise. Por tudo o quanto já se pode consolidar como sen-
do os indutores de um consumo prejudicial, podemos identificar cinco categorias principais de
produtos, que são: tabaco, armas, bebida, pornografia e alimentos gordurosos. Todos seguem a
mesma lógica em termos de geração de externalidade negativa, e cada um destes vem recebendo
ênfases variadas nas análises de marketing nos últimos 20 anos. Vejamos um a um:
• Tabaco: a indústria do cigarro é considerada a ‘inimiga número 1’ dos agentes que se esforçam
para gerar um consumo mais saudável. A relação entre o cigarro e os problemas de saúde deixou
de ser especulação nas últimas décadas, e é cada vez mais entendido como seguro que fumar é a
principal causa do câncer de pulmão. O consumo de produtos desta indústria atinge às famílias,
aos grupos de jovens e adolescentes, aos agentes de mídia (que somente podem promover pro-
paganda de anticonsumo), aos políticos interessados, aos governos (tanto no tratamento de do-
enças e quanto da dependência), dentre outros;
• Armas: a crise da violência urbana, um dos maiores problemas das grandes cidades nas últimas
cinco décadas, está diretamente relacionada à vulgarização do uso de armas. Com efeito, as ar-
mas matam, amedrontam, e criam uma confiança excessiva em que as possui. É nas armas que
está mais evidente o senso de um ‘produto para a morte’, embora os defensores digam ser um
produto da segurança. Curiosamente, os estudiosos de macromarketing têm mantido pouco in-
teresse neste produto, mas seu consumo atinge aos governos, às famílias, aos grupos de comba-
te ao crime em geral, e, no pior de seus efeitos, aos cidadãos comuns;
• Bebidas: o consumo de bebidas tem se mostrado tão deletério quanto o consumo do tabaco, o
que fez com que o tema fosse objeto de diversos estudos de marketing nos últimos 20 anos, es-
pecialmente o consumo por jovens e adolescentes. Semelhante ao cigarro, a bebida chega aos
consumidores em sua fase adolescente, e tem o potencial de viciar e estabelecer um hábito de
consumo desde muito cedo na vida do sujeito. O consumo de produtos desta indústria atinge às
famílias, aos grupos de jovens e adolescentes, aos órgãos de trânsito, aos serviços hospitalares,
às organizações de superação do vício (como os grupos de Alcoólicos Anônimos – AA), aos polí-
ticos interessados, dentre outros;
• Pornografia: o consumo de pornografia é um dos mais delicados, pois estes ‘produtos’ não têm
qualquer restrição de produção e consumo para maiores de 18 anos. O problema é que a porno-
grafia está também acessível aos menores de idade, principalmente depois dos avanços da in-
ternet. A perversão da consciência e o conteúdo da pornografia que não educa em absolutamen-
te nada importa hoje às famílias, aos agentes de educação moral (igrejas e escolas, por exemplo),
às crianças e adolescentes, aos agentes envolvidos com o controle de conteúdo na internet, den-
tre outros;
• Alguns conteúdos de televisão: a televisão, por ser o meio de comunicação mais popular de to-
dos, produz e veicula conteúdos que vão desde programas de alto impacto educativo até pro-
gramas que não mais que exploram o circo que se monta na exposição de brigas e relações pi-
cantes em programas envolvendo pessoas comuns que se tornam celebridades por 15 minutos
(vejam os BBBs, Fazendas...), a exploração dos problemas e desgraças humanas, como a exibição
de brigas de vizinhos e casais em programas de auditório, os crimes violentos contra crianças
(no Brasil ficou famoso o Caso Isabella, e outros semelhantes, explorados até o limite com moti-
vação somente pela audiência gerada) e, principalmente, com as imagens de acusados como se
fossem criminosos e de pessoas mortas e ensanguentadas em horário de almoço ou jantar nos
inúmeros programas de exploração da violência (a TV Diário, emissora cearense, tinha em 2014
nada menos que 5 programas diários com este foco, com mais de 6 horas por dia de exploração
das mazelas sociais e humanas com a motivação restrita de gerar audiência para faturar nos
programas que são potencialmente bastante rentáveis). Os impactos são sobre crianças e ado-
lescente (que se habituam ao conteúdo pobre exibido, mas sempre alardeado como de alto nível
informativo, de entretenimento e de atendimento ao interesse social), os agentes de educação
moral, os agentes reguladores etc.;
• Algumas modalidades de práticas e consumo de propostas religiosas: a religião é, sem dúvidas,
86

uma dimensão importante da vida da grande maioria das pessoas, que normalmente buscam a
vivência de uma experiência espiritual que dê sentido às suas vidas e dê perspectivas de respos-
ta para os problemas existenciais, inclusive na questão da morte. As igrejas emergem como es-
paços de vivência da experiência religiosa. Por tratarem de questões tão sérias e universais, jun-
to com igrejas sérias e de largos serviços sociais também emergiram propostas de negócios para
exploração de uma clientela carente, mas rentável. São comuns atualmente supostos bispos,
missionários, apóstolos etc., assim autodenominados, que montaram lucrativos negócios basea-
dos em esquemas de enganação de pessoas em situação de risco (pobres, viciados, doentes...),
simulando milagres e cobrando de suas consciências o pagamento de contribuições (doações,
dízimos...); tudo já seria um problema enquanto mais um serviço de enganação, porém se torna
mais sério por gerar uma demanda enorme de enganados (basta assistir aos programas com
transmissão de eventos de algumas dessas igrejas para ver isto). Ou seja, em meio a igrejas sé-
rias, há uma grande demanda e exploração de outras que são claramente direcionadas à explo-
ração da vulnerabilidade das pessoas (aqui temos vários impactados possíveis), com as promes-
sas mirabolantes e obviamente mentirosas;
• Alimentos gordurosos: o consumo de alimentos com elevados níveis de gordura e com potencial
de provocar doenças é hoje um problema tão grande quanto é o consumo do cigarro ou da bebi-
da, acima comentados. O pior é que praticamente não há restrição de consumo, nem por idade, o
que contribui principalmente para a elevação da obesidade em geral, e principalmente a obesi-
dade infantil (especialmente porque as crianças, por seus estágios de desenvolvimento, são as
mais vulneráveis). Claramente, o consumo deste tipo de produto gera consequências sobre as
famílias de crianças, os agentes públicos reguladores, os agentes dos canais de marketing, os ór-
gãos de mídia etc.
Interessa notar que estes produtos e seu consumo foram ganhando notoriedade em nível so-
cial e de marketing por condicionamentos históricos diversos. Por isto, é possível que no futuro
outros produtos entrem na lista das indústrias da degeneração. Os potenciais candidatos quando
escrevo este livro são alguns derivados do petróleo (como o plástico), e vários produtos de base
animal (principalmente por desconsiderarem o animal enquanto agente portador de direito). Pro-
vavelmente outros aparecerão, mas só o tempo dirá.
Na análise das externalidades do consumo não se pode esquecer também dos produtos que
têm o potencial de geração de efeitos positivos para a sociedade105. Por exemplo, o ‘consumo’ das
ofertas de produtos sociais e públicos quase sempre geram externalidades positivas, como é o caso
do consumo de preservativos.
Se entendermos as idéias das propostas de não consumo como produtos, como a proposta de
não consumir cigarros ou pornografia, então teremos uma externalidade positiva pelo ‘consumo da
ideia’. Conforme já informado, esta é a ideia central dos esforços de marketing social.

7.2. Marketing e desenvolvimento

Marketing e desenvolvimento foi um dos temas que mais se avançou no escopo dos debates
sobre responsabilidades de marketing e sobre consequências de suas atividades. Para falar sobre o
assunto, optei por uma organização que considerou, primeiro, a relação estrita de marketing e de-
senvolvimento econômico e social, e, em seguida, qual é, ou pode ser, a contribuição de marketing
neste sentido.

7.2.1. A natureza da relação entre marketing e desenvolvimento


Levando em conta o primeiro aspecto de nossa discussão neste item, sobre a relação entre

105Cf. CARDEAUX, J. M. Market mechanism and the external benefit of consumption. Journal of Macromarket-
ing, v. 20, n. 1, p. 11-22, jun. 2000.
87

marketing e desenvolvimento, os pontos convencionais de discussão procuram primeiro entender o


que induz o que, ou seja, se é a atividade de marketing de organizações e dos sistemas agregados de
marketing que geram desenvolvimento, ou se é o desenvolvimento que induz as atividades de mar-
keting e dos sistemas.
É delicado tomar posição de um ou de outro caminho, até porque parece que a relação é me-
lhor explicada por uma lógica circular, em que o desenvolvimento promove a realização e o aperfei-
çoamento das atividades de marketing, e estas atividades, na medida em que se aprimoram, são
também indutoras de desenvolvimento, e assim segue.
De fato, na medida em que as sociedades (pensadas em unidades maiores, como estados, paí-
ses, ou regiões) conseguem promover seu crescimento econômico, com uma distribuição da renda
adequada, desenvolve-se como consequência uma base de consumo que requer o aperfeiçoamento
de atividades, que precisam ser mais sólidas e profissionalizadas na geração de novos produtos, de
funcionamento de canais de distribuição mais complexos e mais eficientes, além do próprio aperfei-
çoamento dos mecanismos de promoção de marketing. Tudo isto contribui para aperfeiçoar e con-
solidar os diversos sistemas agregados de marketing.
Por outro lado, quando um sistema agregado de marketing ganha aperfeiçoamento, esse in-
veste mais nas atividades de criação e geração de produtos, que em última análise se alinham com
as necessidades e desejos dos consumidores, viabilizando inicialmente a condição de acesso ao
consumo, que é um requisito fundamental do bem estar coletivo, e adicionalmente viabilizando um
acesso aperfeiçoado por canais melhor integrados, produtos mais adequados, tudo isto em uma
estrutura de preços provavelmente aperfeiçoada, e uma atividade promocional efetivamente pro-
fissional e alinhada com o interesse coletivo. Claramente, na medida em que os sistemas se aperfei-
çoam há benefícios não só para os consumidores, mas também para os empreendedores, que apri-
moram suas atividades, ganhando profissionalismo e motivação para continuar empreendendo. O
resultado final é uma condição de desenvolvimento puxada pelo sistema de marketing. No exemplo
2 apresento o caso específico do varejo como exemplificação do que foi exposto.

Exemplo 2 – O papel da atividade varejista no desenvolvimento


O varejo constitui uma das atividades de marketing mais antigas em termos de busca de
aperfeiçoamento. Uma prova disto são os estudos que passaram a ser desenvolvidos especificamen-
te para a área, que podemos dizer que são mais antigos que os próprios estudos mais estruturados
em torno de marketing. Digo isto porque o reputado Journal of Retailing foi fundado em 1925, antes
do próprio Journal of Marketing, que foi fundado em 1936. A própria disciplina de marketing, por
um bom tempo, esteve mais próxima dos interesses do varejo, como, por exemplo, nos estudos
sobre canais de distribuição ou nas análises de localização de pontos de vendas.
Qualquer modelo sólido de economia atual pressupõe uma atividade varejista forte como re-
quisito de desenvolvimento econômico. A razão é simples: dentre outras funções, é o varejo que se
responsabiliza por disponibilizar os produtos do fluxo econômico mais amplo para os consumido-
res finais. Com efeito, é o varejo que dá acesso para os clientes aos produtos e serviços que são pro-
duzidos na economia, e sem varejo não há como estabelecer um procedimento eficiente de acesso à
produção.
Mas o valor do varejo na promoção do desenvolvimento não está restrito a ser uma função
econômica de distribuição. Antes, devemos enxergar o varejo como uma atividade indutora do de-
senvolvimento econômico. Veja que em qualquer região de maior prosperidade econômica temos
uma atividade varejista mais intensa. Isto pode ser verificado desde a perspectiva de países, mas
fica bem claro quando analisamos alguns espaços territoriais específicos nas maiores cidades.
De fato, bairros ou ruas que possuem uma atividade varejista mais intensa tendem a ser mais
desenvolvidos, sendo fácil observar que as residências são de melhor nível, que as atividades de
infraestrutura são mais presentes com serviços bancários, serviços médicos e educacionais, servi-
ços de transporte etc.
É necessário considerar ainda a própria expectativa de desenvolvimento que a atividade va-
rejista gera por sua simples instauração. Por exemplo, nas áreas suburbanas das grandes cidades,
88

quando se instala um empreendimento varejista de porte médio ou grande, rapidamente a área


torna-se mais valorizada, gerando também o acesso facilitado ao consumo para a população local,
gerando emprego e renda, e demandando a estruturação da infraestrutura de apoio, como a base de
serviços citada no parágrafo anterior.
Sem dúvidas, o desenvolvimento é providenciado pela atividade varejista, mas esta tem sua
estruturação e organização motivada principalmente pela perspectiva de desenvolvimento que se
estabelece. Por exemplo, no caso de um empreendimento varejista que se instala em uma região
suburbana, este o faz na perspectiva, comumente justificada em pesquisas, de que a região tem
condições de desenvolvimento adequadas para demanda. Ou seja, a aposta feita pelo empreendi-
mento e o risco que este corre são fundamentados em uma perspectiva de demanda normalmente
associada a um nível de desenvolvimento já adequado ou à previsão de crescimento.
Por esta perspectiva, fica bem claro que o sistema de varejo, enquanto um sistema agregado
de marketing, é um indutor de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que é fundamentado em uma
perspectiva sobre a condição de desenvolvimento. Ou seja, a atividade varejista é induzida por situ-
ações de desenvolvimento, e ao mesmo tempo induz o desenvolvimento.

7.2.2. Marketing e a promoção do desenvolvimento

Neste item reviso alguns pontos da literatura sobre marketing e desenvolvimento, tentando
realçar o que há de mais relevante sobre o assunto. De início, e em uma perspectiva histórica, po-
demos entender que Peter Drucker foi o primeiro pensador a falar de forma consistente sobre o
papel de marketing para a promoção do desenvolvimento econômico106.
Drucker, que é considerado por muitos o maior pensador da teoria da administração e de
negócios, realçou ainda na década de 1950 que há uma espécie de correlação direta e positiva entre
desenvolvimento econômico e atividade de marketing. O autor foi ao mesmo tempo simples e genial
quando disse que se os países pobres desenvolvessem uma estrutura de ação de marketing seriam
capazes de aperfeiçoar o pouco que possuem, e não desperdiçar como costumam fazer. O pensa-
mento de Drucker neste sentido é pragmático quando este dá três recomendações fundamentais
para promover o desenvolvimento de países com desenvolvimento retardado: primeiro, a busca da
estruturação de um sistema de distribuição física; segundo, a adoção de uma lógica de atuação que
mescle a disponibilidade de recursos existentes (poder de consumo) com as necessidades e desejos
dos consumidores; terceiro, a adequação do uso dos meios disponíveis para otimização dos recur-
sos de produção existentes.
A lógica destas ideias fica mais clara quando observamos o exemplo dos ganhos que os paí-
ses ‘mais tradicionais’ tiveram quando entenderam o potencial de utilização de sua história, sua
cultura e seus recursos naturais para oferta turística. Ou seja, temos os benefícios de desenvolvi-
mento oriundos claramente de uma ideia fundamentada no conceito de marketing, que desencadeia
um esforço sistematizado de desenvolvimento de novos produtos (atrativos), de busca de diferen-
ciação, e de orientação para os serviços e a satisfação.
A base do pensamento de Peter Drucker foi claramente direcionada para uma missão de
marketing na promoção do desenvolvimento de países mais atrasados, e foi esta a preocupação que
permeou o discurso de marketing e desenvolvimento nas décadas seguintes. Na verdade, uma parte
considerável dos estudos sobre o assunto buscava sempre entender como marketing poderia con-
tribuir para desenvolver estes países.
O maior problema nas esferas teórica e operacional é que a construção do desenvolvimento é
um problema muito mais profundo que a simples estruturação dos sistemas e mercados para viabi-
lizar o fluxo de produtos e serviços. Em verdade, a teoria do desenvolvimento é uma especialidade
da teoria econômica, e não há consenso entre ideias e possibilidades mesmo entre os economistas.
A ideia de promoção do desenvolvimento a partir da atividade de marketing depende, logicamente,

106 DRUCKER, P. F. Marketing and economic development. Journal of Marketing, v. 22, p. 252-259, jan. 1958.
89

da perspectiva de desenvolvimento adotada, o que implica que as indefinições e variações da teoria


econômica são transportadas para o debate de macromarketing.
Esta foi a defesa de Charles Taylor e de Glenn Omura, quando mapearam as principais teorias
do desenvolvimento de interesse de macromarketing107. Segundo estes pensadores, há perspectivas
de desenvolvimento que se baseiam na ‘visão de modernização’ em etapas, oriunda da perspecti-
va que postula uma evolução quase ‘natural’ da atividade econômica desde a condição de subde-
senvolvimento até a situação de desenvolvimento pleno. Há, por outro lado, vertentes que preferem
entender o fenômeno à luz da iniciativa e da ‘visão empreendedora’ dos agentes econômicos, e
também as análises de ‘visão radical’, que buscam compreender o desenvolvimento como parte
das relações entre nações ou regiões, e como pressuposto de que ainda persistem situações de de-
pendência entre regiões, com as imposições das regiões mais desenvolvidas, sendo fatores restriti-
vos ao desenvolvimento das demais regiões. Por fim, há ainda a perspectiva da ‘visão institucio-
nal’, que avalia o desenvolvimento pelo condicionamento proveniente do conjunto de regras, agen-
tes e organizações (as instituições).
É fácil compreender que as possibilidades de cada perspectiva destas podem definir o papel
de marketing de formas completamente distintas, e em verdade não temos um referencial de base
bem estabelecido, pelo menos até quando escrevo este texto. O que mais se aproxima de uma lógica
própria de macromarketing para avaliação do desenvolvimento, e que se assemelha à visão institu-
cional citada no parágrafo anterior, foi a proposta de Roger Layton, que, em um resgate bem conso-
lidado da teoria econômica do desenvolvimento, entendeu que este passa por quatro elementos
fundamentais108:
• Primeiro, é necessária que seja estabelecido um sistema de divisão racional do trabalho, o que,
por consequência, viabiliza a especialização das atividades produtivas;
• Segundo, e diretamente associado a este primeiro aspecto, temos o aperfeiçoamento do conhe-
cimento e das ferramentas de produção, que chega até a formação de uma base de tecnologia e
conhecimento especializado;
• Em terceiro lugar, temos uma base institucional de funcionamento da atividade econômica, no
contexto da dita ‘visão institucional’ citada;
• Por fim, temos a estrutura e a especialização dos sistemas agregados de marketing, que são os
contextos de realização efetiva do processo econômico.

Figura 7.1 – Dinâmica do desenvolvimento econômico


Tecnologia
Conhecimento

Divisão do traba- Sistemas de Crescimento


lho; especialização marketing Quali. de vida

Instituições

A figura 7.1 ilustra a proposta de Layton, e permite uma visualização da dinâmica de funcio-
namento da atividade econômica em que os três elementos convencionais da teoria econômica são
indutores do desenvolvimento, porém com a mediação das atividades desenvolvidas na esfera dos

107 TAYLOR, C. R.; OMURA, G. S. An evolution of alternative paradigms or marketing and economic develop-

ment – part 1. Journal of Macromarketing, v. 14, n. 2, p. 6-20, 1994. Não exploro aqui com maiores detalhes o
pensamento destes autores, mas recomendo fortemente a leitura do artigo.
108 LAYTON, R. A. On economic growth, marketing systems, and the quality of life. Journal of Macromarketing, v.

29, n. 4, p. 349-362, 2009.


90

sistemas agregados de marketing (observe que a qualidade de vida também é uma saída do sistema,
mas tratarei deste assunto no capítulo seguinte).
Interessa observar que o sistema agregado de marketing não é, para Roger Layton, somente
o contexto no qual o mercado se materializa. Muito mais que isto, o sistema de marketing, por seu
pressuposto de ser de marketing (ou seja, baseado em uma teoria do funcionamento do mercado
fundamentada na visão de marketing), pressupõe a meta de responsabilidade com a geração de
valor com os stakeholders e se baseia na lógica da diferenciação, da heterogeneidade da oferta para
uma demanda heterogênea, em uma lógica própria de inovação no produto e nas ações de promo-
ção, dentre outras características de marketing. Isto implica na constituição de uma dinâmica dife-
rente do funcionamento do mercado, com a consideração de elementos que a teoria econômica
quase sempre ignora, como as questões da experiência de consumo, da organização do ponto de
venda orientado para a lealdade, para atributos de produtos como cheiro e sabor, das emoções do
ato do consumo, dentre outros aspectos.
Ainda na visão de Layton, lógica do funcionamento do sistema de marketing como requisito
fundamental do desenvolvimento econômico pressupõe ainda um modelo que tem base em teorias
da justiça distributiva e uma prática orientada a proteger os consumidores vulneráveis (seja de
forma espontânea, seja por força da ação regulatória, como vimos nos dois capítulos anteriores,) e
tem ainda um pressuposto de ação baseado em princípios éticos e de boa moralidade.
Os elementos que apresentei sobre a visão de Layton são claramente abstratos e gerais, co-
mo é esperado de uma visão de macromarketing. No entanto, há esforços mais pragmáticos na aná-
lise da relação entre os sistemas de marketing e o desenvolvimento, a começar pela própria lógica
do conceito de desenvolvimento, que pressupõe algo mais que a questão somente econômica, en-
volvendo os aspectos de desenvolvimento cultural, social, ambiental, dentre outras possibilidades.
Na esfera do desenvolvimento estritamente econômico, temos diversos aspectos pragmáti-
cos de análise, como as questões associadas ao livre comércio, à assistência internacional, às ques-
tões globais, ao comércio internacional, dentre outras possibilidades109. Nas demais esferas, temos
exemplos de avaliações sobre a relevância de marketing para o desenvolvimento urbano (superfici-
almente comentado acima)110, e temos ainda os diversos estudos e proposições de desenvolvimento
de atividades de interesse social em torno do marketing social (que analiso nos capítulos 12 e 13),
além das proposições de marketing orientados para a questão da pobreza (que comentei no capítu-
lo 5).
Pelo que foi apontado é fácil ver que a discussão é ampla o bastante para um livro inteiro, ou
até mais que isto, e não está no escopo deste livro abordar de forma exaustiva o tema. No entanto,
os temas qualidade de vida e sustentabilidade do consumo, que são dois tópicos diretamente asso-
ciados ao desenvolvimento, serão ainda aprofundados nos próximos dois capítulos.

109 Cf. SHAPIRO, S. J.; SHULTZ II, C. J. Macromarketing, controversy and economic development: just before and
now during global meltdown. European Business Review, v. 21, n. 4, p. 313-325, 2009; KILBOURNE, W. E. Glob-
alization and development: an expanded macromarketing view. Journal of Macromarketing, v. 24, n. 2, p. 122-
135, dec. 2004; MULLEN, M. R.; BELLER, E.; REMSA, J.; COOPER, D. The effects of international trade on eco-
nomic development. Journal of Global Marketing, v. 15, n. 1, p. 31-55, 2001.
110 Cf. BRIGGS, M. J. Innovation and the city: a macromarketing approach to industry development. Marketing

Intelligence and Planning, v. 27, n. 2, p. 233-245, 2009


91

CAPÍTULO 8 – MARKETING E QUALIDADE DE VIDA

Este capítulo explora o tema qualidade de vida e a relação que marketing possui com este as-
sunto, que é classicamente abordado por diversas áreas do conhecimento. Conforme pode ser fa-
cilmente observado na literatura mais acadêmica, temos abordagens sobre qualidade de vida pro-
venientes das áreas de economia, saúde, sociologia, educação, dentre outras. No que mais se apro-
xima de marketing conforme a literatura avaliada no Brasil, temos os estudos de qualidade de vida
no trabalho, que são comumente desenvolvidos nas esferas temáticas da administração de recursos
humanos e de comportamento organizacional.
Na primeira parte deste capítulo apresento o tema qualidade de vida, procurando constituir
uma visão ampla do conteúdo normalmente estudado, e pontuando os principais recortes e abor-
dagens possíveis. Isto permitirá compreender que o assunto qualidade de vida, por sua amplitude e
dimensionalidade, não poderia ser restrito a uma área específica do conhecimento, ainda que seja
mais avaliado no contexto temático das ciências sociais. Esta condição é decorrente do entendimen-
to das diversas áreas de que suas atividades são promotoras do bem estar social e que seu conhe-
cimento e sua prática, se for o caso, são meios de promoção de qualidade de vida.
A discussão de marketing segue, portanto, o mesmo entendimento das diversas áreas de co-
nhecimento, ou seja, compreende-se que marketing tem um papel na promoção da qualidade de
vida e do bem estar social. Este é o tópico central do segundo e do terceiro itens do capítulo, nos
quais busco apresentar uma visão organizada sobre a reflexão de (macro)marketing sobre seu pa-
pel na construção do bem estar coletivo, e sobre o conceito de marketing orientado para a qualida-
de de vida.

8.1. Fundamentos da análise de qualidade de vida

Dentre as diversas finalidades que se podem atribuir para a existência individual e coletiva,
seguramente a meta de ‘viver bem’ é uma das principais. Em outras palavras, as pessoas sempre se
esforçam em buscar aprimorar seu bem estar, no sentido de construir condições de alegria, prazer e
segurança permanentes. É em torno deste pressuposto que se desenvolvem as discussões sobre a
chamada ‘qualidade de vida’, que está diretamente associada ao conceito de ‘bem estar’ individual e
coletivo.
Em geral, entendemos qualidade de vida associada a quão bem as pessoas vivem, tanto em
termos objetivos de acesso às condições ideais de vida quanto à sua percepção de satisfação com a
própria vida. Ainda sem maiores detalhamentos, visualizamos facilmente a multiplicidade de abor-
dagens que podem ser feitas sobre a questão da qualidade de vida. Vejamos dois exemplos ilustra-
tivos:
• Quando pensamos na questão do bem-estar promovido por boas condições de saúde, imediata-
mente remetemos o tema para a discussão dos profissionais desta área, que avaliam a qualidade
de vida tanto de quem goza de saúde plena, quanto da qualidade de vida de quem esteja afetado
por alguma enfermidade. Por este entendimento, a promoção da qualidade de vida consiste, de
forma objetiva, na construção de uma base física consistente da rede de saúde (hospitais e clí-
nicas), em conjunto com a oferta de qualidade de serviços profissionais, e, naturalmente, de uma
base adequada de formação e aperfeiçoamento de profissionais. Em uma perspectiva subjeti-
va, a qualidade de vida em termos de saúde corresponde ao nível de satisfação que as pessoas
têm com sua própria saúde;
• Também é bastante difundido o entendimento que as pessoas elevam o nível de seu bem estar
na medida em que vivenciam uma experiência de formação educacional mais ampla e consisten-
te. Pensando assim, remetemos então à discussão sobre a qualidade de vida para os profissio-
nais da educação, que buscam incrementar o nível educacional coletivo como forma de promo-
ção de desenvolvimento econômico e de bem-estar coletivo. Assim, nesta esfera de discussão a
qualidade de vida consiste, de forma objetiva, na análise dos índices educacionais (número
médio de anos de formação, percentual de crianças na escola, números de profissionais por área
92

de formação...), da infraestrutura educacional existente materializa no número de escolas e uni-


versidades, no volume de professores lotados, nas condições de acesso ao ensino superior, den-
tre outros aspectos. Por uma perspectiva subjetiva, a qualidade de vida também se refere a
quão bem as pessoas se sentem com as condições educacionais que possuem à sua disposição, e
também com sua própria formação educacional.

Estes dois exemplos permitem já compreender com maior clareza o significado destas duas
perspectivas da qualidade de vida, em suas esferas que chamamos de objetiva e subjetiva. De ma-
neira mais formal, entendemos por qualidade de vida objetiva a estrutura de promoção de me-
lhores condições de vida para a sociedade, e que está expressa nos aspectos objetivos da disponibi-
lidade, ou não, desta estrutura. A averiguação mais específica da qualidade de vida objetiva tem
origem na proposição por especialistas e na sua argumentação (e aceitação do argumento) de que
determinadas condições são ou não associadas à qualidade de vida.
Por exemplo, o entendimento de que as condições naturais (meio ambiente) são promotoras
da qualidade de vida vem sendo cada vez mais aceito pela coletividade. O pressuposto é de que a
preservação de reservas florestais, de árvores (em ruas de cidades), de rios, riachos e lagos, de lim-
peza de praias etc., são fatores que contribuem para a geração do bem estar coletivo. Uma conse-
qüência deste entendimento é que os governos e agentes públicos, no esforço de promoção da qua-
lidade de vida, são obrigados a desenvolver ações de regulação e políticas públicas de preservação.
Uma característica interessante da dimensão da qualidade de vida objetiva é a possibilidade
de sua aferição, a partir da criação de indicadores convencionados e aceitos como válidos, que per-
mitem, entre outras coisas, as comparações entre regiões e momentos históricos. Alguns exemplos
são o tempo médio de vida coletiva (que reflete a expectativa de vida), as taxas de alfabetização
(que refletem o nível educacional básico), a quantidade de área verde por habitante (que reflete o
grau de preservação de natureza), os índices de produção e de renda per capita (que refletem o
nível de eficiência e de distribuição da riqueza econômica), os diversos índices de violência (que
refletem o nível de segurança e de exposição ao risco), dentre outros.
Além da dimensão objetiva, temos a dita dimensão subjetiva da qualidade de vida, que cor-
responde ao julgamento das pessoas a respeito de sua satisfação com sua vida, ou em aspectos es-
pecíficos (os dois exemplos citados já ilustraram esta condição). O que interessa nesta perspectiva é
a ‘percepção’ que o sujeito faz da adequação ou não dos aspectos em análise (saúde, educação, meio
ambiente etc.).
Observe um detalhe: é possível que um determinado elemento de qualidade de vida conside-
rado adequado pelo critério objetivo, mas ainda assim ser considerado inadequado por um princí-
pio subjetivo. Por exemplo, em avaliações comparativas que normalmente são feitas pelas pessoas
baseadas em suas experiências, é possível que uma pessoa não se considere satisfeita com o nível
de qualidade do ar de sua cidade, considerando o referencial que tenha de uma cidade diferente da
sua. Isto é, obviamente, independente de uma medida objetiva da qualidade do ar, que é definida
por critérios bem delimitados e validados por especialistas.
Para qualquer das opções de avaliação (objetiva e subjetiva), um problema sempre presente
no contexto das discussões sobre qualidade de vida concerne a especificações de dimensões rele-
vantes. Já foram traçadas diversas perspectivas e proposições neste sentido, sendo uma das mais
conhecidas pelos profissionais das áreas de Administração e Psicologia a proposta de Abraham
Maslow, na qual as necessidades humanas foram hierarquizadas em cinco níveis, a saber: necessi-
dades fisiológicas, de segurança, sociais, de autoestima e de autorrealização111. A satisfação destas
necessidades é o que configura, segundo a teoria, a qualidade de vida do sujeito.
A teoria motivacional de Maslow é comumente estudada nas disciplinas de história da admi-
nistração ou de teoria geral da administração e de comportamento organizacional e tem maior apli-
cação nas atividades de gestão de pessoas e nas análises de ‘qualidade de vida no trabalho’. De for-
ma mais eventual, esta teoria é também citada na literatura de marketing, em especial na corrente

111 Cf. SILVA, R. O. Teorias da Administração. São Paulo: Pearson-Prentice-Hall, 2008.


93

de interpretação de que marketing tem como responsabilidade conhecer e satisfazer as necessida-


des e desejos de clientes (observe que o foco desta perspectiva era gerencial)112.
Ainda que a proposta de Maslow seja muito valorizada (inclusive em marketing), alguns pen-
sadores buscaram propor visões alternativas mais amplas e melhor aderentes aos conceitos de
qualidade de vida acima colocados. Dentre estas, uma proposta bastante consistente foi apresenta-
da no artigo de Robert Costanza, em conjunto com mais 20 autores, no qual foram levantadas 11
dimensões de qualidade de vida, que estão descritas no quadro 8.1113. A avaliação destas dimensões
(na primeira coluna) e de suas descrições (na segunda coluna) permite reafirmar o entendimento
de Costanza e seus colegas de que, primeiro, os indicadores objetivos da qualidade de vida se mes-
clam com indicadores subjetivos, e, adicionalmente, de que os elementos de natureza mais objetiva
não são mais do que ‘meios’ para a materialização da qualidade de vida que cada sujeito percebe.
Por exemplo, a existência de condições concretas de segurança, tais como a existência de força poli-
cial treinada e presente nas ruas, a existência de uma estrutura física e institucional de proteção
patrimonial e de segurança, a segurança para situações de desastres naturais etc., somente faz sen-
tido enquanto elementos de uma dimensão mais concreta de qualidade de vida se as pessoas senti-
rem esta segurança, o que passa, necessariamente, por sua avaliação subjetiva. Isto induz ao enten-
dimento de que a real qualidade de vida é aquela que se materializa nas condições objetivas e que
alcança manifestação na dimensão subjetiva.
Quadro 8.1 – Dimensões relevantes da qualidade de vida
Dimensão Descrição
Subsistência Alimentação, moradia, saúde, descanso...
Reprodução Cuidados com crianças, tratamentos pré-natal, serviços de creche...
Regras de conduta sólidas, segurança contra violência, proteção patrimonial, segurança contra desas-
Segurança
tres naturais, garantia de sobrevivência futura...
Afeição Solidariedade, respeito, tolerância, generosidade, receptividade...
Conhecimento Acesso à informação, intuição e racionalidade, acesso à educação...
Ação significativa, senso de poder e de controle social e político, emprego substantivo, cidadania,
Participação
direito de expressão...
Lazer Recreação, relaxamento, tranqüilidade, acesso à natureza, viagens e turismo...
Espiritualidade Vivência de experiências transcendentais, acesso à natureza, participação de grupos de fé...
Criatividade Divertimento, imaginação, inventividade, expressão artística...
Identidade Status, reconhecimento, senso de pertencimento, diferenciação, senso de lugar....
Direito de mobilidade, independência financeira, direito de escolha, liberdade sexual, amorosa, de
Liberdade
expressão e de trabalho...

Em complemento, entende-se que as condições de acesso ou de constituição dos elementos


da qualidade nestas duas perspectivas passam pela existência de elementos de viabilidade, que
Costanza e colegas chamaram de ‘capitais’. Tais capitais seriam de cinco formas, a saber: (1) capital
físico, relacionado à estrutura material disponível, e que viabiliza, por exemplo, a satisfação das
dimensões de subsistência (alimentação, residência...) ou de segurança; (2) capital humano, relaci-
onado ao estoque de competências de cada pessoa, e que viabiliza, por exemplo, a satisfação das
dimensões de conhecimento ou de participação; (3) capital social, relacionado às redes de relacio-
namento que facilitam a cooperação, e que viabiliza, por exemplo, a satisfação das dimensões de
reprodução e de identificação; (4) capital natural, relacionado aos bens renováveis e não renová-
veis do ecossistema natural, e que viabiliza, por exemplo, a satisfação das dimensões de liberdade e
de espiritualidade; e (5) tempo, relacionado ao tempo disponível para o sujeito realizar as diversas
atividades de seu interesse, e que viabiliza a satisfação de todas as dimensões de qualidade de vida,
especialmente satisfação das dimensões de lazer e criatividade.

112 Cf. KOTLER, P. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 1998.
113 COSTANZA, R.; FISHER, B.; ALI, S.; BEER, C; BOND, L.; BOUMENS, R.; DANIGELIS, N. L.; DICKINSON, J.; EL-

LIOT, C.; FARLEY, J.; GAYER, D. E.; GLENN, L. M.; HUDSPETH, T.; MAHONEY, D.; MCCAHILL, L.; MCINTOSH, B.;
REED, B.; RIZVI, S. A. T.; RIZZO, D. M.; SIMPATICO, T.; SNAPP, R. Quality of life: an approach integrating oppor-
tunities, human needs, and subjective well-being. Ecological Economics, v. 61, p. 267-276, 2007
94

Temos na figura 8.1 a ilustração da integração dos tópicos acima debatidos, na qual está indi-
cado que os capitais indicados são oportunidades para a qualidade de vida, que viabilizam a satis-
fação das diversas necessidades humanas de forma mais objetiva, o que conduz ao bem estar
subjetivo na forma de felicidade, utilidade, sensação de prazer etc. A condição de realização da
qualidade de vida condiciona então a evolução das normas sociais, que são as formas como as
sociedades interpretam cada uma das dimensões relatadas114. Estas normas condicionaram as (e
são condicionadas pelas) ações de políticas públicas orientadas à construção das oportunidades
para a qualidade de vida.
Figura 8.1 – Modelo integrado de qualidade de vida
Qualidade de vida

Necessidades
humanas
Oportunidades Subsistência
para satisfazer as Reprodução Bem-estar sub-
necessidades Segurança jetivo
humanas, no Afeto (felicidade, utili-
presente e no Conhecimento dade, sensação
futuro (capitais Participação de bem-estar)
físico, humano, Lazer para indivíduos
social, natural, e Espiritualidade e/ou grupos
tempo) Criatividade
Identidade
Liberdade

Políticas públi- Evolução das


cas Normas sociais

A construção teórica feita a respeito do tema qualidade de vida até aqui praticamente não
envolveu o marketing, que é nosso interesse primordial, e creio que uma avaliação dos assuntos
colocados nos faz observar um aparente distanciamento entre as análises de qualidade de vida e
marketing. No entanto, vimos no capítulo anterior que a qualidade de vida deve ser analisada como
uma saída das atividades do sistema agregado de marketing, em um primeiro momento, e veremos
nos próximos itens que a promoção da qualidade de vida deve ser um guia de orientação de marke-
ting.

8.2. O papel de marketing na geração de qualidade de vida

No capítulo 7 expus alguns apontamentos do pensamento de Roger Layton sobre as conse-


quências do funcionamento dos sistemas agregados de marketing, em que o autor entende o siste-
ma de marketing como um intermediário da atividade econômica e que contribui de forma direta
na promoção do desenvolvimento e da qualidade de vida (ver figura 7.1 no capítulo anterior)115.

114 Por exemplo, na cultura muçulmana as dimensões de espiritualidade e de liberdade são entendidas de
forma diferente em relação às culturas cristã e budista; por hipótese, na medida em que estas necessidades são
ou não satisfeitas, cada uma ao seu modo, há possibilidades de reconsideração das outras necessidades. Assim,
na medida em que, por exemplo, as mulheres ganham liberdade, estas redimensionam o sentido de sua dimen-
são de espiritualidade.
115 LAYTON, R. A. On economic growth, marketing systems, and the quality of life. Journal of Macromarketing, v.
95

Considerando o que foi apontado no item 8.1, é fácil observar que a qualidade de vida é uma
decorrência natural do desenvolvimento econômico, e o alcance das condições adequadas para a
maioria das dimensões de qualidade de vida ali definidas é resultado do desenvolvimento que se
gera a partir do funcionamento dos sistemas agregados de marketing. Por exemplo, a satisfação da
condição de qualidade de vida associada à subsistência, à segurança e ao conhecimento (educação),
é mais facilmente alcançada quando há promoção de desenvolvimento de ofertas de marketing
pensadas para atender o mais adequadamente às demandas dos consumidores.
Por outro lado, há outras dimensões de qualidade de vida que não são decorrências imedia-
tas do desenvolvimento econômico, como é o caso, por exemplo, da liberdade, da participação ou da
afetividade. Nestes casos, precisamos observar como o marketing pode contribuir na satisfação
destas necessidades de forma diferenciada do que propõe Layton.
Para estes casos, há propostas interpretativas diversas, que vão desde a análise das caracte-
rísticas filosóficas de marketing, chegando até as argumentações do papel propositivo de promoção
do bem-estar por uma ação direcionada de marketing.
No caso da filosofia de marketing, se resgatarmos os conceitos de orientação para o cliente já
possuiremos uma primeira visão de como a atividade de marketing assim orientada poderia contri-
buir para o bem-estar em dimensões como liberdade, identificação, status... No entanto, observa-
mos já no capítulo 2 que a ideia de uma orientação para o cliente, apesar de ser atraente em um
primeiro momento, é restrita a uma visão de marketing gerencial, ou seja, parece ser uma visão
própria da perspectiva da disciplina de administração de marketing, e que tem seu foco na geração
de valor orientado somente para ofertantes e demandantes.
Em nossa visão ampliada de marketing como uma área do conhecimento orientada para ge-
rar valor para a sociedade, que temos debatido desde os primeiros capítulos, observamos então que
uma filosofia de marketing que gera valor para a sociedade é também uma filosofia que contribui
para a promoção do bem estar social. Neste sentido, podemos apontar alguns aspectos específicos
do próprio framework convencional de marketing, como apontado abaixo:
• O processo de segmentação de mercado, que é parte convencional da atividade de marketing, é
decorrente de um esforço de compreender melhor as especificidades de demanda quando temos
grupos heterogêneos. Naturalmente, quando se conhece melhor as necessidades de um dado
grupo é possível construir uma estrutura de oferta mais consistente na medida em que podem
ser desenvolvidas competências próprias para as demandas de cada segmento;
• A orientação da administração de produto para geração de valor para a sociedade pressupõe
que todo o processo que envolve pesquisa, desenvolvimento, especificações, teste e implantação
de mercado estará direcionado a satisfazer as necessidades próprias de cada grupo de modo a
maximizar a satisfação individual e coletiva. Um exemplo interessante aqui são os processos de
gerenciamento de produtos para consumidores de baixa renda ou outros grupos vulneráveis, já
comentados anteriormente. Neste caso, o esforço de marketing é voltado para responder ade-
quadamente aos anseios dos clientes não apenas na dimensão utilitária do produto, mas em su-
as dimensões simbólica, emocional ou social;
• O desenvolvimento das estratégias de preço também pode pressupor a lógica da geração de
valor para a sociedade, como ocorre, por exemplo, na adoção de políticas de preço que viabili-
zam o acesso ao consumo de algumas organizações empresariais voltadas aos consumidores de
baixa renda. O preço pode ser, como se sabe da teoria convencional de marketing, o elemento
mais restritivo ao consumo, e a objetividade de sua atribuição eventualmente dificulta seu ma-
nuseio mais criativo pelos gestores de organizações empresariais; no entanto, em uma concep-
ção mais ampla do preço, como aquela que se pratica nas esferas do marketing público e social,
em que o preço representa o sacrifício de acesso ao que se oferta, é possível observar que uma
política de gestão de preço pode ser materializada de maneiras diferenciadas. Por exemplo, no
esforço de ampliar o uso de preservativos entre profissionais do sexo é conveniente que os ór-

29, n. 4, p. 349-362, 2009.


96

gãos interessados (ONGs e governos) distribuam gratuitamente o produto, ao passo que o esfor-
ço de reduzir o consumo de cigarros o propósito da gestão de preços é ampliar o sacrifício do
consumo do produto, tanto em seu preço monetário quanto na restrição dos locais de fumo. Ob-
serve que nestes dois últimos exemplos o gerenciamento do sacrifício está sempre direcionado a
gerar qualidade de vida na forma de segurança e saúde;
• No que concerne à gestão da distribuição, sabemos que o aperfeiçoamento da estrutura de ofer-
ta por meio de canais de distribuição mais aprimorados (em decorrência da missão de geração
de mais benefícios e menos sacrifícios para a sociedade), viabiliza para as pessoas o acesso a
condições de consumo mais adequadas, o que contribui, em última análise, para a melhoria na
sua qualidade de vida. O exemplo dado no capítulo anterior sobre as externalidades positivas do
varejo ilustra bem o quanto o aperfeiçoamento de canais pode contribuir para o bem estar não
apenas de clientes e ofertantes, mas da coletividade mais ampla;
• Por fim, a gestão da comunicação de marketing orientada à geração de valor para a sociedade se
materializa tanto no nível profissional das atividades desta área quanto na concepção de esfor-
ços de comunicação éticos e orientados pelo princípio de respeito e de promoção da educação
das pessoas. Adicionalmente, o esforço de comunicação de marketing também deve contemplar
o objetivo de ser um canal de difusão de informação sobre o produto e sobre o bem estar, e na
objetivação da oportunidade de escolha, contribuindo para informar à população sobre o con-
junto de opções que esta dispõe para satisfazer as suas necessidades de consumo.

Segundo defendem os pesquisadores Katherine Jocz e John Quelch, esta visão de marketing
encontra convergência com o próprio conceito de democracia, aspecto considerado uma caracterís-
tica basilar das sociedades mais desenvolvidas116. De fato, esta visão de marketing (que, repito, é
própria de uma perspectiva de marketing orientada para a geração de valor para a sociedade) tem
em sua constituição os pressupostos do acesso ao mercado como alternativa para satisfação de
necessidades e desejos básicos (acesso ao consumo), do controle e da liberdade de escolha de dife-
rentes alternativas de oferta (escolha), do acesso à informação sobre o mercado e sobre os produ-
tos (informação), da participação efetiva do cliente na determinação da oferta chegando até o nível
da coprodução (engajamento), e da disponibilidade de acesso ao consumo para todos os estratos e
segmentos de mercado (inclusão).
Observe que as palavras destacadas entre parênteses são palavras-chave do discurso demo-
crático. Na medida em que as sociedades aperfeiçoam seu status de democracias, estas aperfeiçoam
as condições para oferta de meios para satisfação de necessidades como liberdade, identidade, co-
nhecimento, espiritualidade etc. Em uma visão mais restrita de marketing, isto se materializa, por
exemplo, nas atividades de ativismo de consumidores (como os grupos de defesa dos direitos de
consumidores), no uso das ações de boca a boca, na efetiva coprodução (especialmente na área de
serviços), na influência sobre as atividades (auto)regulatórias de marketing em favor da sociedade
etc.
Esta visão é bem próxima do que discutimos no capítulo anterior sobre externalidades da
ação de marketing, e o que ilustrei até aqui foi de fato direcionado por esta primeira conceituação.
No entanto, avaliações da qualidade de vida em marketing vão além desta perspectiva, havendo na
verdade uma ampla bibliografia sobre qualidade de vida do consumo e orientação para a qualidade
de vida. No item seguinte trato desta outra vertente de discussão.

8.3. A relação entre marketing e qualidade de vida

A tentativa de associação do consumo com a qualidade de vida é relativamente simples e tem


duas manifestações mais evidentes: primeiro, temos o consumo como meio de satisfação das neces-
sidades individuais, e segundo, temos o consumo como uma necessidade individual.

116JOCZ, K. E.; QUELCH, J. A. An exploration of marketing’s impacts on society: a perspective linked to democ-
racy. Journal of Public Policy and Marketing, v. 27, n. 2, p. 201-206, fall 2008.
97

Na primeira manifestação, entende-se que o consumo pode ser um meio de satisfação das
necessidades de bem estar anteriormente apontadas (ver quadro 8.1). Por exemplo, o consumo, e
por conseqüência a sua disponibilidade como na forma de um sistema agregado de marketing, é um
meio para satisfação de um sujeito com as condições de subsistência (acesso à alimentação) ou
segurança (contratação de seguros), e contribui fortemente para a satisfação de necessidades lazer
(consumo de pacotes turísticos) e de conhecimento (acesso à serviços educacionais).
Já na segunda manifestação, é possível compreender que o próprio consumo é uma das di-
mensões de qualidade de vida, que se somaria àquelas anteriormente apresentadas. Ou seja, em
conjunto com necessidades de afeto, conhecimento, sobrevivência etc., haveria também a ‘necessi-
dade de consumo’, que precisa ser plenamente realizada para que o sujeito possa então se compre-
ender como possuindo um bom nível, de qualidade de vida.
Esta última condição tem sido a tese defendida de forma consistente por pesquisadores co-
mo Joseph Sirgy e Dong-Jin Lee, que vêm publicando há alguns anos uma ampla estruturação do
conceito e das alternativas operacionais sobre bem estar do consumidor e orientação de marketing
para a qualidade de vida. Nos dois subitens seguintes apresento esta discussão de forma melhor
estruturada.

8.3.1. Bem estar do consumidor

O pressuposto geral da idéia de bem-estar do consumidor é de que o consumo é um dos do-


mínios da vida de uma pessoa que precisa ser satisfeita como parte da intenção de realização da
qualidade de vida no sentido amplo. Segundo entendem Dong-Jin Lee, Joseph Sirgy, Val Larsen e
Newell Wright, é possível visualizar esta relação na forma de uma ‘hierarquia de satisfação’, em
uma seqüência que parte da satisfação com eventos e experiências diversas associadas às várias
dimensões da vida, passa pela satisfação com cada dimensão agregada da vida, e alcança ao final a
satisfação com a vida em geral117. A figura 8.2 apresenta a idéia destes autores:
Figura 8.2 – Hierarquia de satisfação

Satisfação com aspec- Satisfação com os


tos associadas aos domínios da vida (ex.
Satisfação geral com a
domínios da vida (ex. lazer, família, sobre- vida
acesso ao consumo) vivência, consumo...)

Em uma tentativa mais formal de definir o que seja bem estar no consumo, encontramos na
proposta de Joseph Sirgy e Dong-Jin Lee a seguinte definição: o bem-estar subjetivo corresponde
ao sentimento de satisfação ou de insatisfação vivenciado pelo consumidor, de maneira que isto
contribui para sua qualidade de vida; já o bem-estar objetivo corresponde à avaliação feita por
especialistas (engenheiros, economistas, especialistas em segurança...) a respeito dos benefícios e
dos sacrifícios do consumidor, assim como às avaliações de segurança (do consumidor e de outros
agentes envolvidos)118.
É interessante verificar o esforço dos autores em definir o bem estar do consumidor conside-
rando as perspectivas objetiva e subjetiva, o que se alinha com a discussão anterior que fizemos a
respeito da teoria mais ampla da qualidade de vida. Mas esta definição está em torno do nível in-
termediário da hierarquia apontada na figura 8.2, e não indica ainda as atividades, eventos e expe-
riências de base da hierarquia.
Há diversos modelos que buscam delimitar estas atividades, porém encontramos na base do

117 LEE, D.-J.; SIRGY, M. J.; LARSEN, V.; WRIGHT, N. D. Developing a subjective measure of consumer well-being.
Journal of Macromarketing, v. 22, n. 2, p. 158-169, dec. 2002.
118 SIRGY, M. J.; LEE, D.-J. Well-being marketing: an ethical business philosophy for consumer goods firms.

Journal of Business Ethics, v. 77, p. 377-403, 2008.


98

pensamento dos principais autores que tenho citando (Sirgy e Lee) a configuração mais consistente.
Na mais recente proposição destes pensadores (até quando escrevo este texto), as atividades cen-
trais do consumo eram seis, a saber: aquisição, preparação, consumo, propriedade, manutenção e
descarte. A definição de cada atividade, nas perspectivas objetiva e subjetiva, está exposta no qua-
dro 8.2119.
Quadro 8.2 – Atividades do bem-estar no consumo
Atividade Definição subjetiva Definição objetiva
Aquisição Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas à compra de produtos na • O nível de qualidade dos produtos e seus
região onde o sujeito vive preços
• A segurança do acesso ao produto para
clientes, profissionais de venda, público
geral e meio ambiente
Preparação Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas à preparação e à montagem • Facilidade de preparação para uso
dos produtos adquiridos na região onde vive • A segurança no processo de montagem
para o consumidor, o público em geral e o
meio ambiente
Consumo Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas ao uso efetivo dos produtos • O benefício efetivo do consumo
adquiridos na região onde vive • A segurança no processo para o consumi-
dor, o público em geral e o meio ambiente
Propriedade Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas à propriedade efetiva (não • O valor da posse do produto
necessariamente uso) dos produtos adquiri- • Segurança da posse de produtos para o
dos na região onde vive consumidor, o público em geral e o meio
ambiente
Manutenção Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas aos serviços de manutenção • Facilidade de manutenção e reparo custos
e reparo na região onde vive associados
• Segurança dos serviços para os executan-
tes, o consumidor, o público em geral e o
meio ambiente
Descarte Satisfação do consumidor com as experiên- Avaliação dos especialistas sobre:
cias relacionadas ao descarte (descarte dire- • Facilidade de descarte e custos associados
to, revenda, troca...) de produtos na região • Segurança do descarte para os executan-
onde vive tes, o consumidor, o público em geral e o
meio ambiente

Observe que os autores enfatizam as condições de consumo sempre associadas ao contexto


no qual o sujeito vive, ou seja, as definições são referentes ao um contexto geográfico bem determi-
nado. Claramente, esta realidade pode ser alterada considerando os avanços tecnológicos que viabi-
lizam pelo menos as condições de consumo à distância, como é o caso do comércio eletrônico que
avança rapidamente (é provável que estas definições precisem ser revistas na medida em que esta
realidade de consumo à distância se fortaleça).
É interessante observar também que a tese de que o consumo é uma dimensão da qualidade
de vida não é baseada unicamente em argumentos. Pelo contrário, os estudos que citei, dos quais
retirei os apontamentos acima apresentados, envolviam observações empíricas que mostraram, a

119 A fonte bibliográfica deste quadro é a mesma fonte da definição dada (ver nota anterior), porém as defini-

ções foram ajustadas considerando ainda a seguinte referência: SIRGY, M. J.; LEE, D.-J.; GRZESKOWIAK, S.;
CHEBAT, J.-C.; JOHAR, J. S.; HERMANN, A.; HASSAN, S.; HEGAZY, I.; EKICI, A.; WEBB, D.; SU, C.; MONTABA, J. An
extension and further validation of a community-based consumer well-being measure. Journal of Macromarke-
ting, v. 28, n.32, p. 243-257, sum. 2008.
99

partir de procedimentos de análise quantitativa, que a satisfação com as diferentes atividades asso-
ciadas ao consumo influencia a satisfação geral com a vida, ou seja, há evidências que asseguram
que quanto mais o sujeito está satisfeito com suas condições de aquisição, preparação, consumo,
posse, manutenção e descarte de produtos, mais este tende a estar satisfeito com a vida em geral120.
Uma conseqüência imediata desta visão é a demanda de uma orientação de macromarketing
no sentido de aperfeiçoar a estrutura geral dos sistemas agregados de marketing para viabilizar
adequação em todas as etapas do consumo. Há, por outro lado, uma teoria desenvolvida sobre o
assunto por uma perspectiva de micromarketing, que conduziu ao entendimento de que a atividade
gerencial de marketing empresarial deve ser voltada para proporcionar o bem-estar dos consumi-
dores. Comento sobre isto no subitem seguinte.

8.2.2. Orientação de marketing para a qualidade de vida

O conceito de orientação de marketing para a qualidade de vida consiste na adoção de uma


posição gerencial e filosófica de marketing que pressupõe a tomada de decisão e a implementação
de atividades de marketing no sentido de gerar bem estar para os consumidores e ao mesmo tempo
sem prejudicar os demais stakeholders envolvidos com as atividades da organização. Este é o argu-
mento de Dong-Jin Lee e Joseph Sirgy, que defendem uma atuação de marketing baseada em dois
princípios manifestos na conceituação dada: benevolência (gerar bem estar aos consumidores) e
não maledicência (não prejudicar aos demais stakeholders)121.
Diferente de uma perspectiva de macromarketing, a orientação para a qualidade de vida é
uma filosofia de ação gerencial, ou seja, é um conjunto de princípios e práticas que permeia o pro-
cesso decisorial dos executivos de marketing nas empresas. Assemelha-se, em sua natureza, aos já
comentados princípios da orientação para o cliente, para o relacionamento, e para o stakeholder.
Segundo os proponentes (Lee e Sirgy) a diferença central é que a orientação para a qualidade de
vida já pressupõe os demais princípios, e agrega em si uma orientação mais ética para a formação
da decisão e para o planejamento de marketing.
Em uma perspectiva operacional, a medida da influência da orientação para a qualidade de
vida (pela benevolência e pela não maledicência) nas atividades de marketing está detalhada no
quadro 8.3. A avaliação destas indicações permite observar que tal orientação não é algo tão dife-
renciada em relação a muitas das proposições de marketing que hoje guiam o processo de formação
educacional ou de atuação gerencial. O que mais interessa então nesta visão é a ideia subjacente de
que marketing não apenas gera qualidade de vida para os consumidores por meio da estruturação
adequada dos sistemas agregados de marketing, mas também pode adotar a promoção da qualida-
de de vida como objetivo central de sua ação, por meio da incorporação de princípios de ação orien-
tados a gerar bem-estar para os consumidores, sem gerar prejuízos aos demais stakeholders.
Dois exemplos interessantes podem ser dados para finalizar nossa discussão sobre o assun-
to:
• Primeiro, temos o caso de algumas empresas do setor varejista de eletrodomésticos que orien-
taram suas atividades para atender de forma adequada aos públicos economicamente vulnerá-
veis, como foi o caso das redes Casas Bahia, Insinuante e Magazine Luiza. Estas empresas desen-
volveram suas ações com adequação de suas ofertas ao seu foco prioritário, que foi o mercado
de baixa renda, e ajustaram suas atividades de marketing no sentido pleno do princípio da be-
nevolência acima descrito. Em boa medida, a ação destas empresas pode ser compreendida co-

120 Mas observe bem: não é o volume de consumo que gera qualidade de vida, mas a adequação das condições
para o consumo. Em realidade, o não consumo pode ser, eventualmente, o direcionador da qualidade de vida
(o exemplo típico é o não consumo de produtos de vício ou produtos degenerativos).
121 LEE, D.-J.; SIRGY, M. J. Quality of life (QOL) marketing: proposed antecedents and consequences. Journal of

Macromarketing, v. 24, n. 1, p. 44-58, jun. 2004. Sobre esta questão, e a visualização de inúmeros casos interes-
santes de aplicação de marketing para a qualidade de vida, ver: ALVES, H.; VÁZQUEZ, J. L. (org.). Best practices
in marketing and their impact on quality of Life. Netherlands: Springer, 2013.
100

mo também permeadas pelo princípio da não maledicência, embora haja questionamentos acer-
ca da estratégia que adotam;
• O segundo exemplo vem das empresas do setor alimentício, que, em um alinhamento com as
tendências da população de buscar alimentos mais seguros e saudáveis, passaram a complemen-
tar suas ofertas com produtos das linhas light/diet. O setor de bebidas (laticínios, sucos e refri-
gerantes...), por exemplo, investiu no desenvolvimento de ofertas com estas características, mas
mantendo o cuidado de não desconfigurar os produtos, de modo a manter a qualidade e propri-
edades básicas próximas das ofertas convencionais, mas assegurando condições de consumo pa-
ra pessoas que preferem ou que são condicionadas a consumir produtos com estas característi-
cas (light/diet). Está evidente na estratégia de marketing adotada a adesão ao princípio da be-
nevolência, e, pelo que se sabe, as ações atendem também ao princípio da não maledicência.

Quadro 8.3 – Operacionalização da orientação para a qualidade de vida


Dimensão Benevolência Não maledicência
Decisões de seleção Foco nos consumidores que podem ter Evitar o foco nos consumidores que não
de mercado maior benefício com a oferta são significativamente beneficiados com a
oferta
Decisão de produto Desenvolver produtos orientados à Desenvolver produtos seguros para os não
maximização do bem-estar dos consu- envolvidos no consumo e desenvolver
midores, levando em conta a segurança processos que garantam a segurança dos
colaboradores
Decisão de preços Desenvolver processos de precificação Evitar prejuízos para os acionistas e para
que garantam o acesso dos consumido- os fornecedores; evitar perdas para os
res às ofertas realizadas competidores; evitar condições de consu-
mo que prejudiquem a qualidade de vida
das comunidades locais
Decisões de distri- Distribuir produtos de modo a maximi- Maximizar a segurança para transportado-
buição zar o acesso para os consumidores res e colaboradores; minimizar prejuízos
para intermediários, varejistas, comunida-
de e outros agentes do canal
Decisões de promo- Promover informações para os consu- Educar os não usuários dos produtos a
ção midores em qualidade e quantidade cerca de riscos associados ao consumo;
adequadas sobre vantagens e desvan- desenvolver estratégias de comunicação
tagens das ofertas e sobre as especifi- que não sejam agressivas nem incentivem
cações dos produtos o materialismo

Deixo como exercício para os leitores a busca e a análise de adequação de outros segmentos
de mercado ou de empresas. Convém observar que ações associadas ao princípio da não maledicên-
cia são mais delicadas de julgamento, mas vale a pena avaliar as evidências disponíveis. Um aspecto
da não maledicência que pode ser guia da ação tanto de empresas quanto de consumidores concer-
ne à proteção ambiental, rapidamente sugerida no modelo descrito aqui. Este aspecto segue, em
verdade, um caminho próprio em termos de desenvolvimento teórico e merece uma abordagem
específica. É justamente sobre isto que falo no capítulo seguinte.
101

CAPÍTULO 9 – CONSUMO RESPONSÁVEL E SUSTENTÁVEL

Neste capítulo finalizo a discussão sobre os temas centrais de macromarketing, com uma ex-
ploração no tema do consumo. Embora tenhamos aqui um foco bem determinado, que está associa-
do ao consumo responsável e sustentável, sabemos que as possibilidades de abordagem do assunto
são tantas e tão amplas que não é possível aqui tecer mais do que considerações gerais sobre os
principais tópicos, e deixar recomendados os caminhos para maiores aprofundamentos para quem
tiver interesse.
Nestes termos, na estruturação do capítulo optei por apresentar, em um primeiro momento,
a discussão conceitual sobre o consumo responsável realçando a perspectiva de macromarketing, e
partindo primeiramente da discussão sobre as conseqüências da orientação de (micro)marketing
para a satisfação dos clientes, e em seguida da identificação das principais dimensões do consumo
responsável.
No segundo momento optei por manter um foco mais específico na discussão sobre susten-
tabilidade e consumo, seguindo as ideias dos principais pensadores sobre o assunto na nossa área
(marketing), enfatizando as principais sobre consumo sustentável, em conjunto com a mais rele-
vante alternativa de sua promoção (de acordo com a literatura de marketing) e com a discussão de
algumas críticas feitas ao tema.
Ao final foi inserido um item que discute, parcialmente, algumas possibilidades de responsa-
bilidade de marketing na promoção do consumo responsável, já sinalizando uma abertura para os
capítulos seguintes deste livro, que tratam de ética e marketing social. Aqui a meta principal foi
realçar a questão da responsabilidade de marketing na promoção da responsabilidade do consumo
em um conceito operacional, considerando o que foi discutido nos dois itens anteriores.

9.1. A responsabilidade do consumo

No capítulo 4, quando apresentei a visão de escopo temático da disciplina de macromarke-


ting, observamos que a questão do consumo se colocava como um dos pontos centrais da relação
entre a sociedade e marketing. Neste item o propósito é esboçar maiores considerações sobre este
aspecto da atividade de marketing, com a finalidade central de relativizar as posições clássicas so-
bre o assunto.
Na visão restrita da relação de troca (ou seja, na visão de micromarketing), o consumo é
sempre entendido como correto e estratégico para as organizações e um meio de promoção real da
oferta de valor da organização para os clientes. Chega a ser elegante compreender que a satisfação
dos clientes é a meta prioritária de uma organização ofertante (basta ver os discursos mais próxi-
mos das análises de comportamento do consumidor com orientação gerencial ou os clássicos textos
de periódicos e livros orientados a estimular executivos a valorizar as atividades de marketing).
Quando observamos esta simples proposição por uma ótica de macromarketing, observamos
que ela desencadeia especulações bem mais profundas do que parece à primeira vista. De todas as
possibilidades possíveis, destacamos para os propósitos deste capítulo dois aspectos principais, que
são: (1) a questão da essencialidade do consumo; e (2) os riscos de desequilíbrio estrutural122. A
seguir comento cada um destes dois tópicos.

- A essencialidade do consumo
Primeiro, sobre a essencialidade do consumo, observemos inicialmente que a satisfação ofer-
tada e pretendida da teoria de micromarketing pressupõe, a priori, que sua realização ocorrerá por
meio do consumo. De fato, nesta proposição de micromarketing não há abertura para o entendi-
mento de que a satisfação do consumidor poderá ser muito maior justamente se não houver con-

122 Esta discussão está fundamentada principalmente em: KILBOURNE, W.; MCDONAGH, P.; PROTHERO. A.

Sustainable consumption and the quality of life: a macromarketing challenge to the dominant social paradigm.
Journal of Macromarketing, v. 17, n. p. 4-24, spring, 1997.
102

sumo.
Na perspectiva de macromarketing, que estabelece prioritariamente o bem-estar coletivo
como um referencial de eficiência dos sistemas agregados de marketing, o não consumo pode, em
alguns momentos, ser entendido como um requisito fundamental da atividade de marketing, sendo,
inclusive, algo a ser estimulado pelo uso de ferramentas de marketing, se for necessário. Basta ob-
servar, por exemplo, o caso dos produtos de risco e da indústria da degeneração (cigarro, armas,
pornografia...; ver capítulo 7) para se compreender que o consumo poderá ser na realidade um
fator de insatisfação, na medida em que se torna um redutor de qualidade de vida.
Em outras palavras, a visão de micromarketing traz o risco de enviesar a interpretação da re-
lação entre satisfação e consumo, na medida em que parece realçar uma satisfação imediata e que
desconsidera aspectos mais amplos do bem estar do consumidor e da qualidade de vida coletiva. No
capítulo 8 um dos objetivos foi exatamente realçar que marketing teria sua tarefa de promoção de
equilíbrio nas relações de troca melhor realizada se tivesse sua orientação para o bem-estar dos
consumidores, o que pode ocorrer, como vimos, por sua insatisfação momentânea (por exemplo,
não poder fumar durante um voo de avião comercial).
Nestes termos, uma tese mais apropriada é de que um imperativo mais ético da ação de mar-
keting deve ser sobreposto a um imperativo gerencial (de marketing) de promoção do consumo
como meio de oferta de satisfação. Se lembrarmos ainda que é possível que a orientação para o
cliente anunciada pelas organizações esconda, na verdade, uma meta de geração de receitas como a
real finalidade por detrás do discurso emitido (ver nosso debate no capítulo 2, mais especificamen-
te o item 2.2), entenderemos mais facilmente a necessidade de uma reinterpretação de marketing
na promoção da satisfação.

- Os riscos de desequilíbrio estrutural


Além da questão da essencialidade do consumo, um segundo aspecto relevante precisa ser
realçado em relação à satisfação do consumidor, que é o risco de a satisfação decorrente do consu-
mo ser assimétrica quando se consideram os demais agentes envolvidos na relação de troca. Esta
ideia está bem desenvolvida nos dois princípios do marketing orientado para a qualidade de vida
que foram apresentados no capítulo anterior, e que pressupõem, primeiro, que o consumidor deve
ser satisfeito (princípio da benevolência), e, segundo, que os demais stakeholders devem ser pre-
servados em seus interesses e benefícios (princípio da não maledicência).
No entanto, estes princípios não são tão facilmente materializados na prática, e não são in-
comuns os exemplos nos quais a meta de satisfação é alcançada em benefício de consumidores,
ofertantes e indústrias, gerando malefícios para outros stakeholders. De fato, existem diversos casos
em que a satisfação dos consumidores e empreendedores é otimizada ao custo de condições imo-
rais de trabalhos dos colaboradores, ou com a exploração irresponsável de recursos naturais, ou
mesmo com a transmissão das externalidades para a sociedade em geral123.
Este entendimento acompanha o próprio conceito de externalidade de marketing, que vimos
no capítulo 7, que foi bem ilustrado no entendimento de Jonh Mittelstaedt, Willian Kilbourne e Ro-
bert Mittelstaedt de que as consequências do funcionamento de um sistema agregado de marketing
podem ir muito além de suas fronteiras124. Os principais exemplos neste sentido são aqueles asso-
ciados ao consumo que provoca consequências danosas ao meio ambiente, como ocorre, por exem-
plo, no consumo de combustíveis fósseis, nos produtos de peles de animais, ou no consumo de pro-

123 O sociólogo Charles Perrow chega a defender que o modelo de sociedade atual, baseada nas organizações,

foi viabilizado, dentre outras coisas, pelo estabelecimento do modelo salarial de trabalho (que desresponsabi-
lizava os empresários pelas dimensões da vida dos trabalhadores além do trabalho) e pela transferência das
externalidades negativas (poluição, desemprego e problemas sociais decorrentes...) para a sociedade. Cf. PER-
ROW, C. A society of organizations. Theory and Society, v. 20, n. 6, p. 725-762, 1991 (a terceira característica de
viabilidade da sociedade das organizações foi o desenvolvimento e a incorporação do modelo burocrático).
124 MITTELSTAEDT, J. D.; KILBOURNE, W. E.; MITTELSTAEDT, R. A. Macromarketing as agorology: macromar-

keting theory and the study of the agora. Journal of Macromarketing, v. 26, n. 2, p. 131-142, dec. 2006.
103

dutos industrializados que provocam poluição do ar.

Considerando estes dois aspectos, e observando mais detalhadamente as situações descritas


em cada um, é possível compreender que o ato do consumo tem em si a possibilidade de ser tanto
um fator de redução do bem estar individual, por sua realização alienada, como também pode ser
um fator gerador de externalidades negativas para alguns dos stakeholders do sistema agregado de
marketing.
Esta idéia direciona, obviamente, uma preocupação de evitar qualquer destes problemas,
preocupação esta que é própria de marketing, quando se considera sua finalidade de promover
equilíbrio nas relações de troca e de gerar valor para todos os seus stakeholders. A orientação de
marketing neste sentido, em conjunto com a busca de um consumo alinhado com esta visão, consti-
tui o que chamamos de consumo responsável. Ou seja, o consumo responsável trata dos diversos
aspectos relacionados ao consumo orientado para promover o bem-estar dos consumidores e o
equilíbrio na geração de valor para os envolvidos. Dois aspectos precisam ser ressaltados neste
esboço de definição: (1) as dimensões associadas ao conceito, e (2) a responsabilidade associada.
Sobre as dimensões associadas ao conceito de consumo sustentável, é possível entender que
as seguintes orientações do consumo estão contempladas: consumo saudável para o consumidor,
que se refere a atos de consumo que buscam ou promover ou pelo menos não agredir a saúde das
pessoas (como é o caso do consumo de alimentos orgânicos); consumo ético, que considera as
potenciais consequências do ato de consumo para os envolvidos no processo de troca, assim como o
ajustamento das práticas de consumo aos padrões morais vigentes ; consumo engajado, associado
à disposição do consumidor em participar de forma ativa da defesa de seus direitos enquanto con-
sumidor individual e enquanto coletividade (como é o caso da participação em associações de pais
de alunos, para quem tem filhos nas escolas); consumo altruísta, que se refere ao consumo que
considera o bem estar produzido por sua ação ou da empresa ofertante, ou que evita o consumo de
produtos de empresas que exploram irresponsavelmente a sociedade (como é o caso do consumo
de empresas que desenvolvem ações de responsabilidade social); consumo sustentável, que con-
sidera as consequências para o meio ambiente (como é o caso, por exemplo, da iniciativa de recicla-
gem pelo consumidor)125.
Quanto à questão da responsabilidade, observamos que o consumo responsável pressupõe
uma ação não somente dos ofertantes, mas também dos consumidores, ou seja, a promoção do con-
sumo responsável é uma demanda sobre os ofertantes, que precisam levar em consideração na sua
proposta de valor os aspectos acima comentados, mas é também imposição sobre os consumidores,
que precisam tomar uma posição ativa e responder pelos resultados das opções de consumo que
realizam.
As responsabilidades de cada dimensão de consumo são, portanto, divididas entre os dois
principais agentes do sistema de troca. De fato, ao se observar cada uma das dimensões do consu-
mo responsável definidas acima, vemos que há dimensões que são mais próximas dos consumido-
res, como é o caso do consumo engajado e da ética na relação de troca, mas há dimensões que são
de responsabilidade de ofertantes e demandantes, como é o caso do consumo altruísta e do consu-
mo sustentável (os ofertantes tem por responsabilidade providenciar condições para que os con-
sumidores, se desejarem, escolham produtos que sejam alinhados com as definições de consumo

125 Este conjunto de dimensões do consumo responsável, com exceção do consumo saudável, constitui o que

chamamos de ‘responsabilidade social do consumidor’. Para quem interessar maiores avanços em cada tema,
recomendo as referências a seguir: LEE, M. S. W.; MOTION, J.; CONROY, D. Anti-consumption and brand avoi-
dance. Journal of Business Research, v. 62, p. 169–180, 2009; WEBB, D. J.; MOHR, L. A.; HARRIS, K. E. A re-
examination of socially responsible consumption and its measurement. Journal of Business Research, v. 61, p.
91–98, 2008; CASALI, R. M. R. B. Responsabilidade Social do Consumidor: conceituação e proposta de mensura-
ção. Dissertação (Mestrado em Administração). Programa de Pós-graduação em Administração da Universida-
de Federal da Paraíba, 2011.
104

altruísta e sustentável)126.
Para termos uma visão mais coerente do consumo responsável precisaríamos de mais espa-
ço que o disponível neste capítulo. Para explorar o ponto mais avançado no debate sobre o assunto,
considerei conveniente aprofundar no item seguinte alguns aspectos do consumo sustentável.

9.2. Consumo sustentável

A ideia de consumo sustentável está associada com o conceito mais amplo de sustentabilida-
de e de desenvolvimento sustentável, que envolvem os aspectos relacionados, respectivamente, à
proteção do meio ambiente e ao desenvolvimento econômico construído a partir da consideração
das conseqüências geradas para o meio ambiente.
A sustentabilidade está vinculada a questões de natureza econômica, política, tecnológica,
cultural e de marketing, e a meta da sustentabilidade tem consequências em quase todas as ativida-
des do processo administrativo nas organizações atuais, e não apenas nas organizações do tipo
industrial. De forma mais restrita, e que mais interessa a marketing, podemos destacar o que cha-
mamos consumo sustentável, que, segundo aponta Paddy Dolan, pode ser entendido como o uso de
bens e serviços para responder às necessidades básicas dos sujeitos e promover uma maior quali-
dade de vida, ao mesmo tempo em que minimiza o uso de recursos naturais e as emissões de polu-
entes, sem por em perigo as necessidades das gerações futuras127.
Segundo comentam diversos autores (ver os citados neste capítulo), a questão do consumo
alia-se à questão do crescimento populacional como fatores de pressão sobre o meio ambiente, e o
entendimento é de que estes dois fenômenos (que são, obviamente, relacionados) pressionam o
meio ambiente na demanda de mais e mais recursos para sustentar condições de vida adequadas.
Entende-se também que o crescimento populacional transformou-se em uma questão reconhecida
como um problema a ser solucionado há décadas, e os exemplos mais comuns são as políticas de
controle populacional implementadas em países asiáticos.
Por outro lado, o segundo vetor de pressão sobre o meio ambiente, que é o consumo, é ainda
hoje mais um objetivo de interesse acadêmico do que um problema social reconhecido como tal. Até
pelo contrário, o consumo é entendido quase sempre como um fator desejável, do ponto de vista de
marketing (ver item anterior) e da economia, uma vez que o consumo induz a produção e esta mo-
vimenta a cadeia mais ampla da atividade econômica.
No entanto, algumas análises associadas ao consumo surgidas a partir dos anos 1970 pare-
cem negar esta lógica, como ocorre, por exemplo, nas avaliações dos riscos do consumo afluente em
algumas sociedades em desenvolvimento mais acelerado, como é o caso de países como a China, a
Índia e o Brasil, que vêm desenvolvendo padrões de consumo verdadeiramente ameaçadores em
termos de condições ambientais e estrutura de oferta instalada128. O consumo, principalmente
aquele dito supérfluo e desnecessário, passa a ser visto como um problema que pressiona o meio
ambiente, devendo por isto ser racionalizado.

126 Esta divisão de responsabilidades entre ofertantes e demandantes é um fator de diferenciação entre os

estudos de marketing e qualidade de vida e os estudos de consumo responsável, uma vez que, como vimos no
capítulo anterior, as discussões sobre qualidade de vida chamam a responsabilidade, de forma mais intensa,
para as unidades ofertantes do sistema de trocas (ver o conceito de marketing orientado para a qualidade de
vida).
127 DOLAN, P. The sustainability of ‘sustainable consumption’. Journal of Macromarketing, v. 22, n. 2, p. 180-

191, dec. 2002.


128 Um exemplo interessante da espiral que se cria em torno do consumo ocorreu no Brasil, com impactos no

setor energético partir dos anos 1990. De fato, a melhoria das condições da população implicou na compra e
no uso de mais equipamentos baseados em energia elétrica, o que pressionou o sistema de produção de eletri-
cidade. Esta pressão foi ampliada pelas indústrias, que aceleram o processo produtivo para atender ao consu-
mo emergente. Ao final, teve-se uma grande pressão na produção energética, que precisou expandir a base
existente com a construção de mais usinas hidroelétricas. O problema é que tais usinas geram impactos ambi-
entais diversos nas áreas onde são construídas.
105

Os estudos sobre consumo sustentável são, ao lado dos estudos de ética, os que mais avança-
ram em marketing, e as razões foram as seguintes: primeiro, o consumo agregado, como um tema
próprio de macromarketing, é viabilizado a partir do uso de recursos de produção que são, na
grande maioria das vezes, provenientes de fontes naturais limitadas e por vezes não renováveis; e
segundo, o consumo é a motivação para a produção de bens baseados em materiais que podem, em
algumas circunstâncias, serem prejudiciais ao meio ambiente.
Podemos compreender melhor a questão da limitação das fontes de recursos com base no
exemplo da produção de cimento. Sabemos que, por mais que as jazidas de calcário e argila que
hoje viabilizam a produção do cimento sejam ainda bastante grandes, em longo prazo é esperado
que estas jazidas sejam exauridas. Em outras palavras, esta fonte de recursos, que hoje viabiliza um
modelo de moradia e de prática de engenharia, tem um prazo delimitado pela capacidade natural
de fornecimento da matéria-prima do cimento.
Uma sinalização preliminar que temos aqui é a de que a sociedade atual pode estar compro-
metendo a viabilidade de suas gerações futuras, o que é, obviamente, um ato de irresponsabilidade
coletiva. Isto se torna mais evidente quando tomamos outros exemplos até mais problemáticos que
o do cimento, como é o caso do consumo de derivados do petróleo, de recursos madeireiros, de
minérios diversos, dentre outros. Uma perspectiva consistente para o consumo agregado seria,
naturalmente, uma reflexão direcionada a manter um padrão de consumo atual sem prejudicar as
condições de qualidade de vida das gerações futuras. Este é o primeiro aspecto considerado na
definição de consumo sustentável, como observado acima.
No que concerne à produção que conduz a agressões ao meio ambiente, temos aqui di-
versas possibilidades de consequências da produção, a começar pela poluição provocada pela ativi-
dade industrial, tanto a poluição do ar quanto a poluição do solo e dos mananciais de água. As con-
dições do ar das grandes cidades são os exemplos destas atividades, bastando observar as conse-
quências do consumo de combustíveis fósseis dos milhões de veículos que circulam diariamente
pelas ruas dessas cidades. Afora os combustíveis, que são geradores de poluição do ar, o que é uma
proveniente do consumo direto do produto, temos também a poluição decorrente da atividade
industrial, que além de poluir o ar de algumas zonas geográficas, também polui lagoas, riachos e
rios, gerando diversas consequências deletérias, que vão desde a inadequação da água para consu-
mo humano ou animal até o impedimento de condições para existência de ecossistemas específicos
(basta passear pelos distritos industriais para se observar o elevado nível de degradação ambiental
produzida ao longo dos anos).
Ainda sobre este aspecto (produção agressiva ao meio ambiente), dissemos no capítulo ante-
rior que o convívio com o meio natural e o acesso a um ambiente limpo é uma das dimensões da
qualidade de vida. Isto pode, por vezes, concorrer com objetivos econômicos da produção e os be-
nefícios utilitários de consumo do que se produz; porém é esperado que um modelo adequado de
produção para o consumo consiga alinhar objetivos econômicos, utilitários e ao mesmo tempo am-
bientais.
Observe que a produção potencialmente agressiva gera duas possibilidades de impacto am-
biental: primeiro, temos o impacto decorrente do próprio consumo dos recursos, que é o caso em
que a produção é feita com base em recursos de risco, como combustíveis, plásticos etc.; segundo,
temos a produção não sustentável, como é o caso das indústrias que poluem o ar, ou a agricultura
baseada em defensivos químicos de risco à saúde humana e ao meio ambiente. A figura 9.1 ilustra
esta configuração, que merece ser mais comentada, como faço em seguida.
Estes comentários iniciais permitem compreender a conexão do consumo sustentável com a
idéia de consumo responsável, como apresentei no item 9.1. Esta conexão torna-se evidente quando
lembramos que a idéia de responsabilidade passa pela consideração dos impactos do consumo, seja
no indivíduo (no caso do consumo saudável), seja em terceiros (no caso do consumo ético e do con-
sumo altruísta), seja no nível da coletividade geral (que é o caso do consumo sustentável). Nestes
termos, a preocupação com a sustentabilidade no consumo é decorrente dos impactos que um con-
sumo que não seja ambientalmente sustentável desencadeia, seja um impacto direto (que é prove-
niente da poluição oriunda do consumo de certos produtos), seja um impacto indireto (na medida
106

em que o consumo de determinados produtos induz a sua produção, que pode ser realizada com
insumos que promovem degradação ambiental).
Figura 9.1 – Sustentabilidade no consumo

Problemas decor- Impacto direto.


rentes do ato de Exemplo: combus-
consumo tíveis
Sustentabilidade
no consumo
Produção não Impacto indireto.
sustentável orien- Exemplo: agricul-
tada pelo consumo tura industrial

Na perspectiva de macromarketing, a sustentabilidade enquanto uma preocupação de inte-


resse coletivo precisa ser considerada tanto na formação de uma teoria mais consistente de marke-
ting quanto na orientação de uma prática responsável dos agentes praticantes, sejam estes gestores
de marketing de empresas, consumidores ou agentes públicos com poder de fiscalização e regula-
ção da atividade de marketing. A relevância deste tema justifica as diversas abordagens que têm
sido feitas, os esforços de construção de alternativas viáveis de promoção da sustentabilidade no
consumo, e também as críticas que vêm sendo feitas ao assunto. Comento com maiores detalhes
estes aspectos nos subitens seguintes.

9.2.1. Visões sobre sustentabilidade do consumo

Ao longo dos anos, e na medida em que as análises de marketing foram se consolidando em


torno do tema sustentabilidade, algumas tendências de interpretação ficaram mais claras na visão
dos pesquisadores da área, sendo possível observar pelo menos duas propostas distintas de análise
do consumo sustentável. Neste item comento estas tendências.
O primeiro destaque está na proposta de John Mittelstaedt e William Kilbourne129, que pro-
curaram situar a preocupação com a sustentabilidade em duas ‘escolas’ de macromarketing, quais
sejam, a escola desenvolvimentista e a escola crítica. A primeira perspectiva, a desenvolvimentis-
ta, interpreta os sistemas de marketing como elementos de promoção e de viabilidade de desenvol-
vimento econômico e de qualidade de vida. Por esta perspectiva, o consumo sustentável é parte da
lógica da proposta, e se configura no consumo consciente por parte dos consumidores, em uma
produção sustentável por parte dos produtores e na ação regulatória de órgãos de estado para via-
bilizar o equilíbrio desta meta (não precisamos comentar mais para compreender que este é o pen-
samento dominante, que está, inclusive, presente na discussão que faço nos quatro capítulos ante-
riores a este).
Já a perspectiva crítica interpreta que o funcionamento dos sistemas agregados de marke-
ting segue uma lógica socialmente construída, que tornou natural o modelo de produção e consumo
que promove, ou tem o potencial de promover uma degeneração das condições de vida da coletivi-
dade, principalmente por sua base em um modelo de consumo não sustentável e irresponsável. Por
esta perspectiva, o consumo sustentável é uma demanda que está além dos modelos de funciona-

129 MITTELSTAEDT, J. D.; KILBOURNE, W. E. Macromarketing perspectives on sustainable consumption. In. II

Conference of the Sustainable Consumption Research Exchange (SCORE!) Network. Proceedings…, Brussels
(Belgium), 2008, p. 17-26. Para um debate mais atual, ver: VAREY, R. J. The marketing future beyond the limits
of growth. Journal of Macromarketing, v. 32, n. 4, p. 424-433, 2012; PETERSON, M. Sustainable enterprise: a
macromarketing perspective. Thousand Oaks, CA: Sage, 2013; MITTELSTAEDT, J. D.; SHULTZ, C. J.; KIL-
BOURNE, W. E.; PETERSON, M. Sustainability as megatrend: two schools of macromarketing thought. Journal of
Macromarketing, DOI. 0276146713520551, 2014.
107

mento dos sistemas de marketing atuais, podendo ser alcançada somente com a mudança estrutu-
ral dos modelos político, econômico e social, mudança esta que considera a busca da sustentabili-
dade como o princípio mais fundamental (veja que, por esta perspectiva, o consumo e a produção
sustentáveis seriam uma conseqüência da adoção do princípio mais amplo da sustentabilidade).
A proposta de Mittelstaedt e Kilbourne ilustra bem as duas possibilidades de direcionamen-
to, porém os autores mantêm um foco muito mais amplo na tese que defendem, que é a perspectiva
crítica. A construção de uma teorização mais consistente neste sentido vem do pensamento de Anja
Schaeffer e Andrew Crane, que partiram de uma perspectiva centrada no consumo e analisaram
duas possibilidades de interpretação de sua sustentabilidade: o modelo da escolha (nas palavras
dos autores, information-processing and choice) e o modelo sociológico-antropológico (sociologi-
cal/antropological view)130.
O modelo da escolha parte do princípio de que o consumidor é um sujeito racional e que
busca maximizar os benefícios de suas escolhas e decisões. Este entendimento viabiliza a meta de
sustentabilidade de forma simples: se o consumidor compreender que há benefícios concretos no
consumo sustentável, então este buscará praticar esta modalidade de consumo. Por este caminho,
em uma perspectiva agregada seria alcançado um consumo verdadeiramente sustentável. Desta
forma, a promoção da sustentabilidade do consumo e da produção passaria pela educação do con-
sumidor, pela regulação por parte dos órgãos de estado, e pela pesquisa de comportamento do
consumidor para uma produção direcionada à satisfação dos desejos sustentáveis por parte dos
ofertantes.
Boa parte da literatura de marketing aceita este modelo, e não apenas na perspectiva da sus-
tentabilidade. Pelo contrário, boa parte da pesquisa em comportamento do consumidor atualmente
está baseada no modelo da escolha do consumidor, principalmente a pesquisa de orientação geren-
cial, que busca compreender o comportamento do consumidor para viabilizar uma estrutura de
oferta mais adequada para os agentes ofertantes. É também com base neste modelo que são desen-
volvidos os diversos estudos que buscam testar a disposição do consumidor de pagar mais para
consumir produtos sustentáveis e tentar justificar para as empresas o valor de uma produção e
uma oferta sustentável (este é o princípio central e a motivação para o chamado marketing ver-
de)131.
Já o modelo sociológico-antropológico parte do princípio de que o consumo é um fenôme-
no determinado social e culturalmente, e busca interpretar o consumo em sua significação para as
pessoas e para os grupos. A teorização já produzida leva em consideração o consumo como um
meio de alcance de prazer e bem estar (consumo hedônico), como um meio de construção da iden-
tidade psicológica e social (consumo como promotor da auto identidade) e como um meio de co-
municação, ou seja, como um indicativo de status, gosto e distinção.
É fácil entender que neste modelo a sustentabilidade está condicionada às condições abstra-
tas da configuração social e cultural, e não é, necessariamente, uma questão de análise lógica e de
escolha individual. Ao contrário, o consumidor adota, segundo a perspectiva sociológico-
antropológica, uma orientação mais ou menos sustentável de acordo com as determinações sociais
e culturais nas quais está inserido, de modo que a promoção de sustentabilidade passaria pela re-
configuração destas condições (sociais e culturais), se estas já não forem adequadas.
A sustentabilidade segundo a interpretação do modelo sociológico-antropológico torna-se
muito mais complexa, uma vez que a promoção de um consumo sustentável entra em conflito com
outras intenções e motivações do consumo que são social e culturalmente construídas. Qualquer
mudança neste sentido precisa ser feita com base em uma interpretação consistente da realidade

130 SCHAEFER, A.; CRANE, A. Addressing sustainability and consumption. Journal of Macromarketing, v. 25, n. 1,
p. 76-92, jun. 2005.
131 Como recomendação para análises de comportamento do consumidor orientado ao ofertante, ver: SHETH, J.

N.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente: indo além do comportamento do consumidor. São
Paulo: Atlas, 2002. Sobre marketing verde, ver: CORTEZ, A. T. C.; ORTIGOZA, S. A. G. (org.) Consumo sustentável:
conflitos entre necessidade e desperdício. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
108

social e cultural, e depois em um programa de ação que leve em consideração a realidade observa-
da.

9.2.2. O paradigma social dominante

A problemática associada ao modelo sociológico-antropológico guiou algumas das principais


reflexões do debate em macromarketing, e a principal proposta neste sentido foi a do conceito de
‘Paradigma social dominante - PSD’ defendido inicialmente por Willian Kilbourne, Pierre Mcdonagh
e Andrea Prothero132, e que vem sendo mais amplamente divulgado pelo primeiro destes pensado-
res. A consistência desta idéia justifica a sua exposição neste capítulo, ainda que de forma sintética.
O PSD é um modelo adequado para a interpretação do risco de inviabilidade da sustentabili-
dade do consumo, e, segundo os autores, está materializado em um conjunto de idéias solidamente
presentes nas interpretações que se fazem atualmente sobre economia, tecnologia, política, intera-
ção com a natureza e competição. Vejamos cada um destes aspectos:
• Na perspectiva econômica, a lógica prevalecente está baseada na busca de satisfação dos inte-
resses individuais dos agentes econômicos e na meta de crescimento econômico como meio de
promoção de bem estar (aqui, marketing teria por meta influenciar os desejos dos clientes e
promover sua satisfação, sem uma preocupação maior com as consequências do consumo);
• Quanto à tecnologia, esta é pensada como tendo o potencial de sempre solucionar os problemas
sociais, inclusive, quando necessário, encontrar meios adequados para substituição de recursos
exauridos ou da produção que emite poluentes no ar e nas águas. Esta é, naturalmente, uma vi-
são equivocada e idealizada da tecnologia, pois não há garantias de que a mesma forneça a solu-
ção para os problemas sociais, como não fez ao longo dos séculos;
• Na dimensão política, temos uma lógica prevalecente que prescreve a proteção do direito e da
propriedade privada e individual. Claramente, esta visão está alinhada com a (e é dependente
da) lógica econômica que prescreve a satisfação dos interesses individuais, independente das
conseqüências que isto venha a produzir para a coletividade em curto e longo prazos, de modo
que o sujeito consumidor ou produtor seja visto como mais relevante do que o sujeito cidadão;
• Na perspectiva da interação com a natureza, o entendimento prevalecente é o de que o ser hu-
mano deve exercer sobre esta uma espécie de domínio, o que lhe permite atuar sobre os recur-
sos naturais de modo a favorecê-lo, independente das consequências que isto venha a gerar;
• Por fim, na perspectiva da competição, temos o entendimento de que a atividade econômica é
melhor desenvolvida por meio de um esquema de atuação organizacional que alcança seu me-
lhor desempenho por meio da competição entre os agentes, em detrimento de um modelo coo-
perativo.

Segundo defendem os propositores do conceito de PSD, o modelo social baseado nestes cinco
pressupostos foi o que viabilizou o consumo desenfreado e despreocupado nos países desenvolvi-
dos, e que hoje é requerido pelos países em desenvolvimento. Os autores chamaram isto de hiper-
consumo, em oposição ao consumo sustentável e responsável.
Ainda segundo defendem os autores, ações tais como incentivo à reciclagem, e todas as ações
direcionadas pelo modelo da escolha (comentado no subitem anterior) não passam de atos bem
intencionados, mas com eficiência agregada muito limitada. Ou seja, educar o consumidor e desen-
volver ações de marketing que complementem a oferta tradicional com uma oferta verde (princi-
palmente motivados pela disposição dos consumidores de pagar mais pelo produto ambientalmen-
te responsável) não são ações que possam competir com as determinações mais amplas e mais

132 KILBOURNE, W.; MCDONAGH, P.; PROTHERO. A. Sustainable consumption and the quality of life: a macro-

marketing challenge to the dominant social paradigm. Journal of Macromarketing, v. 17, n. p. 4-24, spring,
1997. Ver também: KILBOURNE, W. E.; CARLSON, L. The dominant social paradigm, consumption, and envi-
ronmental attitudes: can macromarketing education help? Journal of Macromarketing, v. 28, n. 2, p. 106-121,
2008.
109

enraizadas do paradigma social dominante.


Nestes termos, a efetivação de um consumo sustentável deve passar pela mudança das con-
dições que viabilizam o hiperconsumo, o que significa a promoção de uma mudança nos elementos
do PSD. Embora isto pareça uma tarefa grande demais para ser pensada por uma área restrita como
hoje é marketing, nossa área tem o enorme poder de contribuição nas análises sobre o consumo, e
nas avaliações sobre os modelos mais eficientes de sistemas agregados de troca que pressupõem
diferentes princípios políticos, tecnológicos, econômicos, relacionais e de competição.
Marketing possui atualmente ferramentas e princípios de atuação que podem ser aplicados
na promoção de novas ideias sobre cada um destes aspectos e ainda pode contribuir para uma revi-
são dos modelos de consumo prevalecentes, como por exemplo: (1) no direcionamento da prática
da gestão mercadológica orientada para a responsabilidade ambiental (green marketing); (2) na
apropriação do que hoje temos em termos de teoria ética normativa em marketing; (3) pela apro-
priação de técnicas e modelos de intervenção social orientados à mudança comportamental, pelo
conceito de marketing social; e (4) na teorização e nas possibilidades de contribuição que marke-
ting possui sobre regulação de mercado e sobre políticas públicas. No item 9.3 retomo alguns destes
pontos, mas antes é conveniente analisar parcialmente algumas das críticas atualmente feitas ao
consumo sustentável.

9.2.3. Uma reflexão necessária: há exageros?

A lógica da sustentabilidade vem ganhando espaço nos meios acadêmico, profissional e soci-
al nas últimas três décadas, e na medida em que o tempo passa a sustentabilidade parece vir se
tornando uma obrigação acima de qualquer outra finalidade. No entanto, alguns pensadores aler-
tam que a imposição da sustentabilidade da forma como vem sendo feita pode estar guardando em
si alguns problemas que o conceito tem e que vêm sendo aos poucos colocados em debate. Em ge-
ral, o assunto vem sendo questionado em seus métodos e nos conteúdos incluídos. Comentarei
rapidamente estes dois aspectos.
Concernente ao método, observamos que a tese da sustentabilidade, e por consequência do
consumo sustentável, vem sendo defendida de forma imperativa e é difundida com o uso de uma
estratégia de promoção que é, no mínimo, incongruente com o bom senso. Por exemplo, o discurso
ambiental passou a utilizar nos últimos 10 anos a insinuação aterrorizante do aquecimento global,
que tem sido difundido como argumento de pressão sobre governos e empresas, e que vem produ-
zindo um verdadeiro pânico entre as pessoas. Em verdade, o aquecimento global é uma ‘hipótese’,
dita por vários pesquisadores como muito pouco provável que seja verdadeira, mas que está dis-
seminada com status de verdade e com recusas grosseiras contra os argumentos de seus oposito-
res.
Ainda sobre o método, a maioria dos encaminhamentos associados ao consumo sustentável
parte do modelo de escolha do consumidor (como vimos no item 9.2.1), deixando de lado os fato-
res sociais e culturais associados ao consumo. Como consequência, temos alguns estudos e orienta-
ções que buscam justificar a produção verde com base na disposição do consumidor para pagar
mais pelo produto verde. Veja-se que há na verdade um reforço do dito paradigma social dominan-
te, que estimula a adesão dos ofertantes à sustentabilidade por uma finalidade estritamente eco-
nômica. Provavelmente até mais problemático que isto seja a própria tentativa de tentar criar uma
aura de hedonismo, identificação e distinção no consumo verde como forma de estimular as pesso-
as a aderirem a esta opção de consumo.
Uma crítica relevante que se faz à ideia de sustentabilidade e ao consumo sustentável, ainda
na consideração de seu discurso absoluto e imperativo, concerne aos vícios de interpretação con-
ceitual. Como defende Paddy Dolan, quando se fala em proteção da natureza é preciso compreender
o que se quer dizer por natureza, e quando se fala em meio ambiente não se pode esquecer que os
seres humanos também são parte integrante do meio ambiente133.

133 DOLAN, P. The sustainability of “sustainable consumption”. Journal of Macromarketing, v. 22, n. 2, p. 180-
110

Esta questão é relevante especialmente quando se observa que o debate sobre o meio ambi-
ente é viciado ao desconsiderar alguns problemas também relevantes em qualquer debate realmen-
te sério a respeito de sua proteção, em uma conceituação ampla. Por exemplo, a proteção aos ani-
mais (incluindo os domésticos, tais como (gatos, cães e alguns pássaros) dos maus tratos está quase
sempre fora do debate, o mesmo ocorrendo em relação ao movimento em favor do vegetarianismo.
Em verdade, os defensores do não consumo de carnes e da proteção de animais domésticos tiveram
que consolidar um movimento independente, mas que é muito mais limitado em termos de espaço
e interesse social, comparativamente à cobertura de mídia e ao consequente interesse social que se
desenvolveu em torno das questões do dito aquecimento global, por exemplo.
Adicionalmente, não se pode esquecer que os conceitos centrais da sustentabilidade são to-
dos socialmente construídos. Por exemplo, as ideias de respeito à natureza e ao meio ambiente, e a
ideia de preservação das gerações futuras, que são basilares no conceito de sustentabilidade e indu-
tores do consumo sustentável, são socialmente criados, e não são termos ou conceitos que são ou
não relevantes em si, mas o são em decorrência de circunstâncias sociais bem específicas, circuns-
tâncias estas definidas sob imposição de interesse de grupos diversos.
Isto fica mais claro nos argumentos orientados à retenção do desenvolvimento de alguns paí-
ses que, como citado anteriormente, pressionam o meio ambiente em decorrência de sua expansão
econômica, como é o caso da Brasil, da China e da Índia. No caso do Brasil, por exemplo, é reconhe-
cido o argumento de que o país deve preservar a floresta amazônica, sem dúvidas uma grande área
de riqueza. No entanto, este argumento foi construído sobre o entendimento defendido especial-
mente em países que se tornaram desenvolvidos pela exploração de seus recursos naturais ou da
exploração de recursos de outros países. No Brasil este argumento é relativizado na prática pelos
governantes, que priorizam de fato a promoção do desenvolvimento, tentando ao máximo conside-
rar a manutenção das condições ambientais, mas reconhecendo que tal esforço tem suas limitações.
Está subentendido no argumento das autoridades o seguinte: outros países tiveram o direito de se
desenvolver e se tornarem ricos nas décadas anteriores, e agora cobram o sacrifício do não desen-
volvimento em nome da preservação dos recursos naturais. Obviamente, isto é um ponto polêmico,
uma vez que há muitos defensores das duas posições.

9.3. Alternativas para marketing

Como ressaltei em diversos momentos deste livro, marketing alcançou condições bastante
eficientes em termos de desenvolvimento de ofertas e estratégias que promoveram o consumo,
desde o consumo equilibrado até o consumo fortemente irresponsável (como ocorre, por exemplo,
em produtos agressivos ao meio ambiente, nos produtos de vício ou nos produtos da indústria da
degeneração). Esta mesma potencialidade pode ser orientada para o sentido reverso, ou seja, para
promoção de consumo responsável.
Philip Kotler expressou este entendimento ainda na década de 1970, quando entendeu que
marketing teria possibilidades de responsabilidade que variavam desde a conversão das pessoas ao
consumo (como é o caso, por exemplo, de novos produtos e serviços) até a missão de debelar to-
talmente o consumo (como é o caso, por exemplo, dos produtos de risco)134.
Neste sentido, marketing possui ou pode desenvolver ferramentas que podem contribuir efe-
tivamente para a promoção de alternativas de consumo responsável (como, por exemplo, promo-
vendo o envolvimento das pessoas na atividade turística para lazer), até a promoção do não con-
sumo (como, por exemplo, no estímulo a turistas para não ‘consumirem’ serviços sexuais ou não
comprarem produtos ilícitos).

181, dec. 2002.


134 KOTLER, P. The major tasks of marketing management. Journal of Marketing, v. 37, p.42-49, oct. 1973. As

tarefas descritas pelo autor são oito, a saber: desbloquear a demanda, criar a demanda, desenvolver a deman-
da, revitalizar a demanda, sincronizar a demanda, manter a demanda, reduzir a demanda, destruir a demanda.
Recomendo aos interessados a leitura completa do artigo para acessar um maior detalhamento da proposta.
111

Em uma perspectiva mais operacional e pragmática, temos a proposição de Ken Peattie e Sue
Peattie sobre as vantagens e potencialidades da adoção de ferramentas de ‘marketing social’ como
uma alternativa para a redução do consumo135. Do ponto de vista convencional da prática de mar-
keting, temos também as possibilidades de promoção da responsabilidade do consumo com a oferta
de alternativas de realização da gestão mercadológica orientada para o consumo responsável, o que
se materializa de forma mais clara nos conceitos de marketing orientado para a qualidade de vida,
marketing societal e marketing verde. O marketing orientado para a qualidade de vida já foi comen-
tado no capítulo anterior, e as duas outras opções estão discutidas a seguir.
O marketing societal, comentado em alguns momentos ao longo deste texto, pressupõe a
responsabilidade dos decisores de marketing em termos sociais, éticos e ambientais, pode ser visto
como uma primeira sinalização da necessidade de uma reorientação da atividade convencional da
gestão de marketing para além da satisfação de ofertantes e demandantes na relação de troca. Po-
demos dizer então que o marketing societal constitui um princípio relevante na constituição de
uma responsabilidade de marketing com o consumo.
Já a idéia de marketing verde aprofunda a discussão sobre a responsabilidade ambiental de
marketing, e utiliza o conceito de sustentabilidade como diretriz filosófica fundamental. Como vi-
mos no item 9.2.1 acima, o marketing verde é um conceito alinhado com o entendimento do consu-
mo baseado no modelo da escolha, e é limitado enquanto orientação para uma perspectiva mais
ampla do consumo. Ainda assim, as orientações do marketing verde podem ter grande eficiência
enquanto ‘esperamos’ por uma mudança paradigmática mais ampla.
As ideias centrais do marketing verde estão bem desenvolvidas no texto de Ken Peattie e
Martin Charter, que, entre outros pontos bem avaliados, discutem a reconfiguração de todo o pro-
cesso e análise convencional de marketing a partir da idéia de responsabilidade ambiental136.
Assim, do ponto de vista conceitual o marketing verde considera aspectos como os impactos
ambientais de suas ações, a sustentabilidade na produção e no consumo, a visão integrativa da rela-
ção entre economia, sociedade e meio ambiente, e a possibilidade de realização das atividades ope-
racionais de marketing com orientação verde, como é o caso do ‘produto verde’ (produtos reciclá-
veis ou com embalagem constituída de materiais biodegradáveis), a promoção verde (com a adoção
de produtos reciclados nos materiais de anúncio, ou a adoção de causas verdes como motivo de
propaganda), o preço verde (associação adequada de custos ambientais na formação do preço de
venda e planejamento de custos não monetários que não gerem problemas de degradação ambien-
tal), a logística verde (adoção de uma política de distribuição que reduza impactos ambientais, fa-
vorecimento de alternativas de logística reversa [retorno de materiais recicláveis]), dentre outras
possibilidades.
Do ponto de uma responsabilidade mais acadêmica, dois vetores de encaminhamento sur-
gem: primeiro, os militantes pesquisadores em marketing precisam reconhecer na promoção da
responsabilidade do consumo um tema relevante para suas pesquisas, para o bem do desenvolvi-
mento mais equilibrado da disciplina137. Do ponto de vista da educação em marketing, acredito que
a orientação bem poderia ser no sentido de formar nos futuros gestores e profissionais de marke-
ting uma visão mais consistente a respeito de sua responsabilidade na geração de valor para a soci-
edade e equilíbrio nas relações de troca, e não apenas, como é comum, gerar benefícios de demanda

135 PEATTIE, K.; PEATTIE, S. Social marketing: a pathway to consumption reduction? Journal of Business Re-
search, v. 62, n. 2, p. 260-268, feb, 2009.
136 PEATTIE, K.; CHARTER, M. Marketing verde. In. BAKER, M. J. (org.) Administração de marketing. Rio de

Janeiro: Elsevier: 2005, p. 517-537.


137 É interessante anotar, com base em minha experiência de acadêmico pesquisador e professor, uma realida-

de curiosa na pesquisa em marketing no Brasil: a grande maioria dos pesquisadores, ao justificarem suas pes-
quisas, argumentam que o valor de seus trabalhos está fundamentado em dois aspectos: primeiro, o tema da
pesquisa foi pouco explorado (o que quase nunca é uma realidade); segundo o conhecimento será relevante
para empresas aprimorarem suas ações. A despeito da relevância deste segundo fator de justificativa, creio
que a contribuição para uma prática de marketing que gere valor para a sociedade será sempre uma razão
mais consistente e válida.
112

para ofertantes e satisfação para os demandantes.


Para finalizar, é possível crer, por tudo o quanto já comentei ao longo do debate de macro-
marketing que agora se encerra, que a própria consideração dos elementos aqui comentados nas
decisões e estudos de marketing já seria um meio de contribuição para a superação do paradigma
social dominante de Kilbourne, McdDonagh e Prothero (ver item 9.2, acima).
Uma das principais diretrizes neste sentido é a consideração de que a promoção da respon-
sabilidade e da sustentabilidade do consumo é imperativo ético para marketing (assim como é a
promoção do desenvolvimento econômico e da qualidade de vida, comentados nos capítulos ante-
riores). Isto passa por uma discussão mais consistente sobre ética, que fica como desafio acadêmico
e profissional.
113

CAPÍTULO 10 – MARKETING SOCIAL: TÓPICOS INTRODUTÓRIOS

Neste capítulo abordaremos o conteúdo teórico de marketing social, em um nível introdutó-


rio. Diferente dos demais conteúdos da disciplina de Marketing e Sociedade (especialmente ma-
cromarketing e ética), o marketing social possui uma base de estruturação disciplinar muito sólida
e ampla, perfazendo um dos eixos temáticos de marketing em geral de maior difusão para além das
fronteiras de área, no sentido de ser uma subdisciplina que tem interessados e estudiosos em ou-
tras áreas do conhecimento, mais intensamente em saúde e de desenvolvimento social.
Neste capítulo e no próximo pretendo mostrar alguns elementos que fazem compreender a
razão desta inserção de marketing, ou do conhecimento de marketing, em outros contextos da pro-
dução intelectual e de atividade profissional. Meus objetivos são descrever a estrutura temática da
área e situar e debater as atividades operacionais no contexto disciplinar de marketing e sociedade.
Para alcançar estes objetivos, sigo inicialmente com a indicação de alguns elementos históri-
cos mais relevantes e com uma discussão conceitual do que seja marketing social; depois, apresento
considerações sobre o escopo do marketing social, em especial considerando outros conceitos que
tem o potencial de provocar confusão no entendimento do que seja, de fato, marketing social; no
terceiro item apresento a estrutura disciplinar convencional. Alguns tópicos complementares, como
a discussão dos problemas e desafios da área, além da análise do marketing social no contexto mais
amplo da disciplina de marketing e sociedade, dentre outros aspectos, foram deixados para o capí-
tulo seguinte.
Mas é necessário advertir o leitor sobre natureza do propósito deste texto, que não é, por
uma questão de adequação à estrutura geral de nossa exposição e de problemas de espaço, formar
capacidades para realização de atividades de marketing social; antes, é esperado que o conteúdo
exposto desenvolva conhecimentos sobre marketing social em uma perspectiva da disciplina de
Marketing e sociedade. Isto enseja, portanto, a discussão inclusive dos posicionamentos mais críti-
cos em relação ao tema, e até mesmo contestações sobre seu sentido e seu valor enquanto proposta
de intervenção de marketing na sociedade, como veremos no capítulo 13.

10.1. Fundamentos históricos e conceituais

Nos idos da década de 1950 algumas ações de marketing, mais especificamente de comuni-
cação de marketing na forma de atividades de publicidade e propaganda, já tinham se consolidado
enquanto ferramentas de elevado valor na geração de demanda de produtos e serviços e na cons-
trução imagem junto a um determinado público interesse de empresas.
Os efeitos de tais ‘poderes’ da atividade de comunicação conduziram à reflexão do sociólogo
estadunidense G. D. Wiebe sobre as possibilidades de utilização das mesmas ferramentas que gera-
vam a demanda de produtos de uma empresa para a difusão de idéias de interesse da coletividade.
A questão central era simples: se podemos usar ferramentas de marketing para gerar consumo de
produtos de uma empresa, como calçados ou televisores, por exemplo, por que não podemos usar
as mesmas ferramentas para ‘vender’ uma idéia ou um comportamento de interesse social?138
É fácil compreender melhor a natureza desta preocupação pensando em algo que é até mais
atual em termos de interesse social, que é o consumo de cigarro: se foram usados ao longo de déca-
das diversas ferramentas de marketing que conduziram a um consumo de cigarro amplamente
disseminado, então por que não usar ferramentas que este mesmo marketing oferece para induzir a
uma redução do consumo deste produto deletério à saúde individual e ao bem-estar coletivo? Não
seria ilógico pensar que a mesma ferramenta publicitária que conseguiu êxito na construção da
demanda deste produto e de suas marcas poderia também ser usada para desestimular seu consu-
mo (aliás, como tem sido feito nas últimas duas décadas no Brasil).

138 Cf. WIEBE, G. D. Merchandising commodities and citizenship on television. Public Opinion Quarterly, v. 15, p.
679–91, 1951–52. A questão de Wiebe era a seguinte (p. 679): por que não se vende fraternidade e pensamen-
to racional como se vende sabão? (Why can't you sell brotherhood and rational thinking like you sell soap?).
114

De fato, a esfera da aplicação da publicidade e da propaganda no universo empresarial vinha


mostrando um elevado nível de eficiência. Mas isto obviamente não era tudo o quanto se podia
chamar de marketing, como ficou bem entendido na re-concepção de marketing (ou da administra-
ção de marketing) sob o guarda-chuva dos 4 Ps. O sucesso potencial desta abordagem de marketing
focada nos 4 Ps fez ao mesmo tempo em que fez com que marketing ganhasse espaço no rol depar-
tamentos das empresas, também conduziu alguns pensadores a reconsiderar as reflexões de Wiebe,
mas agora em uma perspectiva mais ampla, além da uma lógica de uma publicidade (de interesse)
social para uma lógica de marketing (de interesse) social.
Foi justamente isto que perceberam Philip Kotler e Gerald Zaltman, em uma publicação no
ano de 1971, com sua proposta de uma aplicação do que se conhecia em termos de ‘marketing co-
mercial’ para atividades e idéias de interesse social139. A proposta destes pensadores entendia o
marketing social como a aplicação de princípios e técnicas de marketing comercial orientada para a
construção de demanda (no sentido de adoção) de idéias e comportamentos, além da promoção de
causas de interesse social. Os autores seguiam então o entendimento de que marketing, no elemen-
to produto do composto mercadológico, envolvia aí bens, serviços, lugares, pessoas e idéias. Pelo
direcionamento que era dado (orientação à demanda de interesse social), Kotler e Zaltman cunha-
ram a expressão ‘marketing social’, que é até hoje utilizada.
O leitor com leituras prévias de teoria de marketing já deve ter situado o texto de Kotler e
Zaltman no período específico em que se desenvolvia o debate sobre o broadening movement (pro-
tagonizado também por Philip Kotler), ou seja, em um período no qual estava em debate a possibi-
lidade de marketing deixar de ser uma disciplina orientada a atividade empresarial de trocas eco-
nômicas para se posicionar como uma área do conhecimento que abordava qualquer tipo de troca.
O momento era oportuno para idéias interessantes como as que foram colocadas por Kotler e Zalt-
man e pela incorporação que se fez posteriormente do conceito. As críticas ao movimento de ampli-
ação da ação de marketing em verdade contribuíram para sua consolidação, na medida em que
providenciaram condições para um aperfeiçoamento conceitual e para um melhor ajustamento das
ferramentas convencionais para sua aplicação a idéias e causas de interesse social, ainda nos anos
de 1970.
Provavelmente, a maior contribuição depois do texto de Kotler e Zaltman foi o primeiro livro
de marketing social publicado nos Estados Unidos no ano de 1989 (traduzido para o Brasil em
1992), em uma parceria de Philip Kotler e Eduardo Roberto140. Este livro trazia um modelo geral de
desenvolvimento do marketing social, além de avançar na base conceitual e na demonstração de
exemplos de sucesso na aplicação das técnicas de marketing na solução de problemas sociais ao
redor do mundo.
Um dos pontos que nos interessa agora nesta obra concerne à definição dada pelos autores,
que apresentaram o marketing social como “uma tecnologia de administração de mudança social,
associado ao projeto, à implementação e ao controle de programas voltados para o aumento da
disposição de aceitação de uma idéia ou prática social em um ou mais grupos de adotantes escolhi-
dos como alvo’ (p. 25).
O conteúdo desta definição já ilustra o tamanho do desafio que era colocado ao marketing
social, pois é evidente o envolvimento com mudanças sociais, além da aceitação e adoção de idéias
ou práticas sociais específicas. Neste objetivo, está evidente o conteúdo operacional de marketing
descrito na indicação de planejamento, implementação e controle de atividades orientadas a um
público141. A obra de Kotler e Roberto busca contribuir para uma superação deste desafio. Falarei

139 KOTLER, P.; ZALTMAN, G. Social marketing: an approach to planned social change. Journal of Marketing, v.

35, n. 3, p. 3-12, jul., 1971. A expressão ‘marketing comercial’ é, a rigor, imprópria, e mais correto seria usar
‘marketing empresarial’. Mantenho aqui a primeira expressão para ser fiel ao uso corrente que se faz na litera-
tura de marketing social.
140 KOTLER, P.; ROBERTO, E. L. Marketing social: estratégias para alterar o comportamento público. Rio de

Janeiro: Campus, 1992.


141 Aproveito para realçar a similaridade de conteúdo presente em grande parte das obras de Kotler. Basta ter
115

ainda mais sobre o conteúdo desta obra nos itens posteriores deste capítulo.
A grande contribuição trazida Kotler e Roberto ainda reverbera quando escrevo estas pági-
nas, quando caminhamos para 30 anos depois da publicação do livro; no entanto, diversos novos
desenvolvimentos surgiram na década de 1990, que podemos entender como sendo a era de conso-
lidação da ‘nova’ disciplina de marketing. De fato, é nesta década (1990), que começa a emergir a
contribuição do pesquisador estadunidense Alan Andreasen, que se posicionou como o principal
pensador da área, contribuindo com a produção de livros142 e com o monitoramento, e subsequen-
tes relatos, do desenvolvimento da área.
Destaco aqui a definição de Andreasen, presente em um texto de 1994, mas que vem ainda
sendo citada como uma das mais consistentes. A definição está reproduzida a seguir143: “Marketing
social é a aplicação de tecnologias de marketing comercial na análise, planejamento, execução e
avaliação de programas construídos para influenciar o comportamento voluntário do público-alvo,
com a finalidade de elevar o bem-estar individual e da sociedade na qual o público-alvo se encon-
tra”.
Já nos primeiros anos do século XXI, tanto Kotler e seus colegas quanto Andreasen buscaram
atualizar suas obras, lançando novas edições e novos textos. Kotler e Roberto lançaram a segunda
edição de seu livro em 2002, com a coautoria de Nancy Lee, e as edições 3 e 4 da obra foram lança-
das, respectivamente, em 2008 e 2011, agora somente com autoria de Kotler e Lee144. O mais inte-
ressante nesta última edição foi justamente a nova proposta de uma definição, que reproduzo aqui
como ilustração (p. 7), mas já adiantando que não houve grandes variações em relação às propostas
anteriores. Para os autores, “marketing social é uma disciplina independente dentro de marketing,
que se refere primariamente aos esforços direcionados a influenciar comportamentos que geram
melhorias em saúde, previnem injustiças, protegem o meio ambiente e contribuem para as comuni-
dades” (claramente, os autores realçam a aplicação no contexto social, e deixam subentendido que
se trata de uma aplicação do conhecimento de marketing).
Ainda em desenvolvimentos complementares, Kotler empreendeu novos desenvolvimentos
de aplicações, como no livro publicado em 2007 para uma análise da pobreza e das possibilidades
de superação via marketing social, além dos textos de 2009 com casos de aplicação de marketing
social na área de saúde, e de 2011 sobre aplicações de marketing social para questões ambien-
tais145.
Andreasen também atualizou seu livro, em uma edição de 2006, não trazendo maiores ino-
vações do ponto de vista conceitual, mas dialogando em uma perspectiva disciplinar mais ampla,
inclusive levando adiante sua tentativa de estruturar uma visão disciplinar mais apropriada para o

a referência do conteúdo deste livro (Marketing social) para observar a retomada do framework presente na
obra mais fundamental do autor (Administração de marketing). Obviamente, isto não é nenhum demérito,
embora seja criticado por pensadores de marketing europeus alinhados com o paradigma pós-moderno de
marketing, que veem na obra de Kotler um modelo forte e onipresente demais para uma era de fragmentação
das grandes narrativas.
142 Cf. ANDREASEN, A. R. Marketing social change. San Francisco: Jossey-Bass, Inc., 1995. O autor organizou um

livro sobre ética em marketing social que, embora tenha sido publicado na década seguinte (2000), foi com-
posto por uma maioria de textos produzidos na década de 1990. A referência é: ANDREASEN, A. R. (org.). Ética
e marketing social. São Paulo: Futura, 2002.
143 ANDREASEN, A. R. Social marketing: definition and domain. Journal of Public Policy & Marketing, v. 13, n. 1,

p. 108–114, 1994.
144 KOTLER, P.; ROBERTO, N.; LEE, N. Social marketing: improving the quality of life. 2. ed. Thousand Oaks Sage,

2002; KOTLER, P.; LEE, N. Social marketing: influencing behaviors for good. 3.-4. ed. Thousand Oaks: Sage,
2008-2011.
145 Cf. KOTLER, P.; LEE, N. Up and out of poverty: the social marketing solution. Upper Saddle River, N. J.: Whar-

ton School Publishing, 2009. MCKENZIE-MOHR, D.; LEE, N. R.; SCHULTZ, P. W.; KOTLER, P. Social marketing to
protect the environment: what works. Thousand Oaks: Sage, 2011. CHENG, H.; KOTLER, P.; LEE, N. (eds.). Social
marketing for public health: global trends and success stories. Burlington, Massachusetts: Jones & Bartlett
Learning, 2009.
116

campo146.
Mais recentemente foram publicadas as obras de outros autores (de livros) no campo, com
os seguintes destaques: em 2007, a obra de Gerald Hastings, pesquisador da área com aplicações no
contexto de saúde147; Nedra a obra de Weinreich, com a proposta de apresentar um passo a passo
para ações de marketing social148, além do livro de Craig Lefebvre, com proposta de construção de
uma visão teórica mais ampla, envolvendo aplicações na área de saúde, qualidade de vida e meio
ambiente149. Em termos de publicações de periódicos, destacamos a criação do Social Marketing
Quarterly e 1997, e do Journal of Social Marketing em 2010 (no Brasil tivemos tentativas de desen-
volvimentos, porém não tiveram êxito digno de registro).
Quando observamos mais de perto as definições dos autores mais destacados (a de Kotler e
colegas e a de Andreasen), observamos uma variação de termos, em especial em relação à primeira
definição sugerida (por Kotler e Zaltman), que mantinha foco na idéia como o produto, ao passo que
as definições seguintes mantiveram foco no comportamento. A evolução é natural, até porque sur-
giram outros conceitos próximos que obrigaram os pensadores a uma evolução na base de concei-
tuação.
Por isto, a busca de um conceito de marketing social mais consolidado deve continuar nos
anos subsequentes, pois é algo que ainda circula no meio acadêmico como um problema parcial-
mente solucionado. Mas em definitivo, tudo o quanto se tentou em termos de definição não fugiu
muito do que foi proposto por estes primeiros pensadores, o que nos faz convergir para um enten-
dimento de marketing social associado aos seguintes delimitadores:
• Primeiro, trata-se da aplicação a causas e ideias de interesse social daquilo que se conhece e se
sabe em termos de marketing em geral, e no seu desenvolvimento mais extenso da esfera do
marketing de organizações empresariais;
• Segundo, e por consequência, o seu desenvolvimento segue a aplicação do modelo geral de
desenvolvimento da administração de marketing, perpassando a análise, o planejamento, a
execução e a avaliação das práticas de marketing, em sua aplicação em um público-alvo defini-
do para uma campanha;
• Terceiro, a ação de marketing social também pressupõe que o público-alvo deverá absorver
ideias e adotar comportamentos de interesse social, e mais ainda, em uma adoção voluntária
(não está dito nas definições, mas ‘não é’ pressuposta a obrigatoriedade de adoção de compor-
tamentos, pois neste caso haveria uma espécie de lei, esta que é, na verdade, mais uma tecno-
logia de implementação de um determinado comportamento coletivo, mas que não é da esfera
de marketing);

Enfim, o marketing social é uma tecnologia de conhecimento que tem orientação para a ad-
ministração do comportamento150 coletivo, por meio das ferramentas, idéias, modelos e princípios
de marketing convencional. Precisamos então debater três aspectos relevantes: a modalidade de
causa e de comportamento de interesse do marketing social; a adequação do marketing ao propósi-
to de mudança de comportamento frente às demais alternativas existentes; e os agentes aos quais

146 ANDREASEN, A. R. Social marketing in the 21st century. Thousand Oaks: Sage, 2006.
147 HASTINGS, G. Social marketing: Why should the devil have all the best tunes? Oxford: Butterworth-
Heinemann, 2007.
148 WEINREICH, N. K. Hands-on social marketing: a step-by-step guide to designing change for good. Thousand

Oaks: Sage Publications, 2010.


149 LEFEBVRE, R. C. Social marketing and social change: Strategies and tools for improving health, well-being,

and the environment. John Wiley & Sons, 2013.


150 A expressão ‘administração do comportamento’ é uma das alternativas normalmente usadas na literatura

sobre marketing social, e pode ser intercambiada por ‘influência do comportamento’ ou ‘mudança do compor-
tamento’. Esta última expressão é a mais utilizada, porém pode provocar confusão quando pensamos em um
esforço de marketing social para manter um comportamento, como, por exemplo, estimular as pessoas que
não fumam a continuarem sem fumar (veja que não mudamos, mas mantemos um comportamento). Por fideli-
dade ao uso convencional, usarei aqui qualquer das expressões sempre com o mesmo sentido.
117

se direciona a ação de marketing social. Apresento a seguir algumas considerações sobre estes três
aspectos.

10.1.1. Causas de aplicações de interesse

Pelo que vimos, o marketing social é direcionado a qualquer tipo de causa de interesse social.
No entanto, o seu uso mais extensivo tem sido, desde os primeiros momentos, nas causas de saúde
pública, como as grandes campanhas de combate à AIDS (com a orientação para um comportamen-
to sexual mais seguro), ao uso do cigarro (com a adoção de um comportamento de não fumar) ou de
uso de bebida (aqui, principalmente, na moderação do consumo, ou no não consumo em casos es-
pecíficos, como de não beber se for dirigir, por exemplo).
Além dos esforços associados à área de saúde, há também diversos esforços de marketing
social direcionados ao combate à pobreza (como as campanhas de doação de contribuições em
dinheiro ou alimentos para pessoas pobres), à violência, às atividades educacionais (como a que
estimulava os pais a colocarem os filhos na escola), além das grandes campanhas associadas à sus-
tentabilidade (como as que estimulam a proteção ao meio ambiente, e o consumo de produtos am-
bientalmente ‘corretos’), ao cuidado no trânsito (como as campanhas para o uso de cinto de segu-
rança), ao comportamento ético (como os esforços para evitar compras de voto e o estímulo para
que os eleitores rechacem e denunciem estas práticas).
Dois aspectos merecem destaque nestas aplicações de marketing social. Primeiro, é possível
que, eventualmente, as ferramentas de marketing social sejam direcionadas a reduzir o consumo
(como no caso de alimentos gordurosos, por exemplo), o que, em boa medida, atenta contra o con-
ceito convencional de marketing, pensado normalmente como uma tecnologia gerencial orientada a
potencializar o consumo151.
Segundo, é necessário observar ainda que os esforços de marketing social são realizados em
prol do interesse coletivo, e por esta razão, têm quase sempre uma associação direta com as pesso-
as, em termos de público-alvo, e com o Estado, em termos de sua execução. Mas é preciso que fique
bem claro que o esforço de marketing social não está restrito a estes delimitadores, como bem ilus-
tra o exemplo seguinte:

Exemplo 1 – Proteção aos animais pelo Instituto Nina Rosa


O cotidiano das pessoas comuns tem a presença corriqueira, e por vezes sequer percebida,
de diversos animais, alguns dos quais nos alegram ou fazem companhia (como os cães, os gatos e
alguns pássaros), nos protegem (os cães), nos servem (como os cavalos e os asnos para transporte,
ou os ratos e macacos para experimentação), e outros que nos servem de alimento (como as aves e
os bovinos). Sem perceber, construímos, enquanto espécie humana, uma relação com os animais na
qual estes são submissos aos nossos interesses e práticas mais cruéis. E como consequência disto,
nós nos atribuímos o direito sobre suas vidas, e chegamos ao extremo de matá-los para comê-los,
em um ato que parece natural, mas que guarda em si uma enorme brutalidade, que é estranha à
sensibilidade normal das pessoas, mas que quase nunca é refletida.
É pensável que a evolução natural de nossa espécie pode tornar a proteção à vida e ao bem-
estar animal como parte dos nossos grandes desafios nas próximas décadas, e a justificativa é sim-
ples: enquanto espécie animal que habita o planeta, temos o direito ao bem-estar na máxima di-

151 Ver a seguinte referência, que já foi comentada no capítulo de consumo sustentável: PEATTIE, K.; PEATTIE,

S. Social marketing: a pathway to consumption reduction? Journal of Business Research, v. 62, n. 2, p. 260-268,
feb, 2009. Aproveito para reforçar algo relevante: marketing é uma tecnologia de conhecimento orientada ao
equilíbrio e à eficiência nas trocas, podendo, eventualmente, ser usado para contrariar o pressuposto equivo-
camente difundido de que marketing deve satisfazer aos clientes gerando sempre demanda. Uma interessante
discussão sobre as finalidades e potencialidades de marketing neste sentido está no debate desenvolvido na
seguinte referência, que recomendo fortemente a leitura: KOTLER, P. The major tasks of marketing manage-
ment. Journal of Marketing, v. 37, p. 42-49, oct. 1973.
118

mensão que isto representa, mas o mesmo deve ocorrer em relação aos demais habitantes deste
planeta. Basta ver que, historicamente, algumas culturas humanas pensaram, por exemplo, que os
negros deveriam ser submissos e escravizados para atender aos interesses dos brancos, o mesmo
ocorrendo com as mulheres em relação aos homens, pensamento este que vem sendo debelado, em
boa hora, para ser substituído por uma perspectiva de respeito e de igualdade. O mesmo pode, ou
deve, ocorrer em relação aos animais, e várias pessoas pensam que ocorrerá o futuro, inclusive este
autor.
Este é o entendimento do Instituto Nina Rosa – INR, uma organização não governamental
brasileira criada no ano 2000, e que tomou como causa a proteção dos animais e a busca de seu
bem-estar. Pensando na lógica do marketing social, o INR desenvolve ações que têm por meta mu-
dar o comportamento das pessoas em relação aos animais, difundido a ideia do respeito a estes
seres, à sua proteção e ao fim do hábito do consumo de carne.
Em seu esforço, o INR desenvolve ações baseadas na educação por meio de palestras e arti-
gos escritos, e também por meio da produção de materiais audiovisuais sobre a vida, os cuidados, e
as agressões que são praticadas contra diversos tipos de animais. Para difundir estes últimos mate-
riais (audiovisuais), que são os que têm maior impacto por integrarem diversos componentes de
persuasão em um mesmo mecanismo (o filme), o instituto disponibiliza os DVDs para venda via
internet e usa eventualmente o apoio de algumas locadoras.
O instituto também utiliza os mecanismos de distribuição virtual de suas ideias, com seu site
(cf. <http://www.institutoninarosa.org.br>), além da participação em comunidades virtuais (como
o facebook). Boa parte dos materiais produzidos na forma de filmes foi disponibiliza no site de ví-
deos Youtube, sendo destacado o vídeo ‘A carne é fraca’, que foi assistido no Brasil por centenas de
milhares de pessoas, e que provocou profundas reflexões (inclusive neste autor).
As ações do INR vêm recebendo cobertura de mídia e sendo aos poucos difundidas, com re-
sultados não bem mensurados, mas potencialmente bons enquanto conscientização e, provavel-
mente, mudanças de hábitos das pessoas (quando escrevo estas linhas não havia qualquer pesquisa
que indicasse resultados mais consistentes do trabalho do instituto, como, aliás, quase nunca existe
para ações de marketing social).
Agora vejamos bem: o foco está na mudança de comportamento das pessoas, e não dos ani-
mais, porém o maior beneficiário desta mudança não são exatamente as pessoas, e sim os animais,
ainda que as pessoas também tenham benefícios indiretos. Adicionalmente, é destacado também o
fato de todas as ações serem realizadas por uma organização não governamental, que não tem ne-
cessariamente apoio público em suas ações.

10.1.2. Sobre os demais condicionantes do comportamento

O marketing social tem em si a finalidade de promover mudanças de comportamento de in-


divíduos e grupos em prol do interesse coletivo. Mas é fácil ver que, em termos genéricos, há diver-
sas outras atividades, que não são de marketing, mas que também são orientadas para modificações
de comportamento. Dentre as opções que foram colocadas ao longo dos anos, temos destaque para
o entendimento de Kotler e Roberto, que visualizaram cinco opções neste sentido:
• Educação, pelo esforço sistemático orientado para educar o sujeito para um determinado
comportamento, como, por exemplo, as atividades e disciplinas de educação sexual criadas pa-
ra promover a adoção de um comportamento saudável na prática sexual de jovens;
• Tecnologia, pela pesquisa e desenvolvimento de instrumentos e técnicas orientados a viabili-
zar um comportamento, como, por exemplo, a possibilidade de criação de um cigarro sem ni-
cotina, ou de produtos que podem ser usados como substitutos para dependentes da nicotina;
• Fator econômico, pela sanção ou pelo benefício econômico que é gerado pelo ato do compor-
tamento em si, como a aplicação de multas para empresas que poluem o meio ambiente, ou o
desconto na conta de energia ou água para quem consegue economizar para alcançar determi-
nadas metas;
119

• Meios legais e políticos, manifestos na negociação entre grupos de interesse diversos e na cria-
ção de legislação orientada a estimular um comportamento ou gerar punição, como, por
exemplo, a lei que proíbe o consumo de cigarro em locais fechados.

A quinta modalidade é justamente o marketing social. Ao se avaliar estes fatores, não é difícil
perceber que todos podem ser aplicados em conjunto, como na tentativa de ajustar o comporta-
mento no trânsito, que passa por um esforço educacional (como as disciplinas de educação para o
trânsito, que são adotadas em algumas escolas brasileiras), pelo desenvolvimento de tecnologias de
fiscalização mais eficientes (como as lombadas eletrônicas), pela sanção econômica (manifesta na
aplicação de multas dos motoristas que transgridem as normas), e legal (nos contínuos aprimora-
mentos das leis de trânsito). Tudo isto pode ser complementado por uma campanha de marketing
social que pode ser direcionada, por exemplo, aos cuidados que motoristas devem tomar em um
período de feriados prolongados, em um esforço que pode integrar propagandas nos meios de mí-
dia, além das atividades de entrevistas dos gestores dando orientações em programas e rádio e
televisão, realização de blitz educativas etc.
Uma proposta até mais difundida do que esta de Kotler e Roberto foi apresentada por Micha-
el Rothschild, que entendeu existirem três condicionantes da mudança de comportamento: educa-
ção, regulação (lei) e marketing social152. Por este entendimento, o esforço da tecnologia para viabi-
lizar a criação de meios de influenciar o comportamento já seria então um esforço de marketing,
pela criação de novos produtos para viabilizar a adoção do comportamento153, e o fator econômico
seria uma consequência, associada à obrigatoriedade da lei, ou, meramente, um fator de manipula-
ção do elemento ‘preço’ do composto de marketing social. Esta proposta tem sido mais aceita pelos
pesquisadores envolvidos com marketing social, e merece ser mais detalhada, mas deixo este deta-
lhamento para outros estudos.
Em geral, observamos que o marketing veio ‘se colocar’ muito recentemente como opção pa-
ra promover o bem-estar coletivo influenciando a mudança de comportamento, quando comparado,
por exemplo, às determinações legais. Isto é, inclusive, um fator que faz do marketing social uma
alternativa menos considerada quando comparado às demais opções que vem sendo historicamen-
te usadas. Nestes termos, um dos desafios de marketing social é se posicionar como uma alternativa
viável de administração do comportamento, seja de substituição de alguma modalidade, como a
substituição do custo de repressão policial ao uso de drogas por um esforço de marketing, seja pela
complementação de esforços, como ilustra o exemplo dado no parágrafo anterior.

10.1.3. Quem são os influenciados

Os beneficiários gerais da adoção de um comportamento são todos os membros da socieda-


de. No entanto, para efeito de viabilização do esforço, costumamos realizar recortes de modo a
promover uma visão mais focada da ação. Neste sentido, entendemos preliminarmente que os ‘cli-
entes’ finais de uma ação de marketing social são os sujeitos que adotarão o comportamento pro-
posto.
Assim, em uma proposição de redução do consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, os
potenciais consumidores são os clientes finais da campanha. A finalidade principal é, obviamente,
mudar o comportamento do indivíduo que para de beber, mas há um benefício que se estende tam-
bém às famílias que terão maior equilíbrio no seu dia-a-dia, e à sociedade em geral, que terá cida-
dãos mais sóbrios e produtivos, além de ter uma redução custo geral de tratamento do alcoólatra e
dos malefícios que este pode causar (como acidentes de trânsito ou violência doméstica, por exem-
plo).

152 Cf. ROTHSCHILD, M. Carrots, sticks and promises: a conceptual framework for the management of public

health and social issue behaviors. Journal of Marketing, v. 63, n. 4, p. 24-37, 1999.
153 Este é o entendimento expresso na seguinte referência: SMITH, B. The power of the product P, or why

toothpaste is so important to behavior change. Social Marketing Quarterly, v. 15, n. 1, p. 98-106, spring, 2009.
120

No entanto, há campanhas de marketing social não se direcionam, necessariamente, ao usuá-


rio final, até porque, eventualmente, não é este um agente que possa ter seu comportamento alte-
rado pelo esforço do marketing social a ele direcionado. No exemplo que foi dado do Instituto Nina
Rosa é fácil ver que uma campanha direcionada aos maiores beneficiários (que são os animais),
seria totalmente infundada de um ponto de vista lógico.
Neste e em diversos outros casos, os agentes de interesse da ação de marketing social são os
potenciais influenciadores do agente ou grupo definido como alvo, como seus familiares, agentes de
fiscalização, políticos, amigos e colegas, dentre outros. Um exemplo interessante é o esforço de
marketing social que pode ser realizado para promoção de sexo seguro, que tem como foco priori-
tário homens e mulheres em geral, mas que pode ser direcionado tanto a estes homens e mulheres,
quanto aos agentes públicos para que viabilizem a distribuição gratuita de preservativos, assim
como empresários que produzem ou vendem os preservativos, para que busquem meios de barate-
ar o preço do produto. Outro exemplo vem das ações do grupo Greenpeace, que realiza ações de
sensibilização de grupos empresariais e de políticos, com a finalidade de promoção da causa do
grupo
Interessa destacar que esta forma de acesso ao público final não é específica do marketing
social, embora seja por vezes assim entendida, como mostram algumas publicações sobre o assun-
to. Na verdade, reconhecemos na literatura de comportamento do consumidor a existência de di-
versos outros ‘clientes’ além do usuário final, como os compradores, os pagadores e os influencia-
dores. Neste caso, o esforço de marketing é dirigido a todos ou a alguns destes agentes, como, por
exemplo, a proposta de fraudas para uso de crianças, mas que tem como meta de venda os pais.

Acredito que estes apontamentos iniciais viabilizaram uma visão da perspectiva histórica do
marketing social, além da fundamentação de sua definição e suas especificidades, mas resta ainda
apontar, antes de adentrarmos no conteúdo ‘operacional’ da área, algumas diferenciações que são
necessárias em relação a outros conceitos de marketing que são próximos ao de marketing social.
Faço isto no item seguinte, mas antes temos um resumo do que foi debatido neste item, mostrado
no quadro 12.1.
Quadro 12.1 – Síntese das delimitações de marketing social
Ponto debatido Síntese
Conceito geral Aplicações do conhecimento e da técnica de marketing a causas de interesse social
Quaisquer causas (saúde, educação, meio ambiente, pobreza...), sendo mais utiliza-
Tipos de causas
do em causas de saúde
Condicionantes do Educação, tecnologia, fator econômico e legislação (e, naturalmente, marketing
comportamento social)
Relação com outros Relação de complementação na maioria das vezes, e eventualmente substituição
condicionantes
Sujeitos que precisam ter seu comportamento alterado, ou sujeitos que podem
Agentes influencia-
influenciar estes agentes. Em geral são pessoas, mas eventualmente são animais ou
dos (públicos-alvo)
o meio ambiente

10.2. Delimitações adicionais do escopo de marketing social

No início dos anos 1970, em meio ao caldeirão de idéias e contestações associadas ao broa-
dening movement, era natural que definições para novos conceitos fossem parciais e difusas, e mais
ainda se consideramos que o mesmo movimento que trouxe a proposta de um ‘marketing social’
também trouxe a discussão sobre o ‘marketing socialmente responsável’ (hoje anotado como ‘mar-
keting societal’), e o ‘marketing de organizações sociais’, e ainda sobre o chamado ‘marketing de
causas sociais’.
A semelhança além dos conceitos associados faz com que o discurso geral em torno dos te-
mas tenha sido (e seja ainda hoje) confuso, sendo comum encontrarmos o uso indiscriminado de
uma expressão ou outra fora do seu sentido. Não é meu objetivo levantar uma discussão conceitual
mais extensa sobre o assunto, e por isto apenas esboçarei uma diferenciação para efeito de orienta-
121

ção de nosso texto:


• O marketing societal concerne a um desenvolvimento de marketing realizado levando em con-
sideração os efeitos das práticas e dos resultados das ações, sempre orientado a resultados
que não gerem problemas e que sejam positivos para os diversos stakeholders, notadamente a
sociedade em nível mais amplo. Este é claramente o conceito subjacente ao que estamos cha-
mando de marketing ético e socialmente responsável. A diferença fundamental para o marke-
ting social está no fato de o marketing societal ser uma preocupação sobre a prática de marke-
ting em geral, devendo ser inclusive considerado nas atividades do próprio marketing social, a
partir do desenvolvimento de ações de mudança de comportamento levando em consideração
o conteúdo ético das ações;
• O marketing de organizações sociais está relacionado ao desenvolvimento de atividades de
administração de marketing no contexto das ‘organizações’ orientadas a problemas ou causas
de interesse social, como, por exemplo, as cooperativas, as associações, as fundações, e as or-
ganizações não-governamentais (ONGs) em geral (na expressão a língua inglesa, este termo
seria equivalente a marketing for social organizations, porém é mais usada a expressão nonpro-
fit marketing). A diferença em relação ao marketing social é mais evidente aqui, pois estamos
pensando em ‘marketing de organizações’ e na adaptação da teoria geral de marketing a fim de
promover uma maior eficiência de marketing das organizações sociais, e não em um marketing
adaptado para um comportamento ou idéia social, que é marketing social (isto não impede,
como veremos e seguida, que uma organização social desenvolva uma ação em seu segmento
de atuação tomando por base os princípios e ferramentas do marketing social);
• O marketing de causas sociais trata-se do desenvolvimento das atividades de marketing ‘de
organizações empresariais’ que são orientadas para a construção de marcas e posicionamento
de marketing tomando como tema alguma causa de interesse social. A diferença em relação ao
marketing social é também evidente aqui, pois a preocupação de uma ação de marketing de
causas sociais está na geração de resultados para a empresa que o executa, resultados estes
prioritariamente econômicos, embora a natureza da ação desenvolvida conduza também a
uma preocupação como o resultado social da ação realizada154.

Uma análise parcial destas definições sugere que, embora sejam conceitos distintos, há pon-
tos de interseção, os quais destaco rapidamente. Primeiro, o conceito de ‘marketing societal’ parece
perpassar todas as esferas e dimensões dos demais conceitos, pois se refere a uma ação de marke-
ting antes de tudo ética e socialmente responsável. Logo, aplica-se ao marketing social, ao marke-
ting de organizações sociais e ao marketing de causas sociais.
Segundo, todos os tópicos são parte de um mesmo interesse temático geral, que é a apropria-
ção de problemas ou temas de interesse social, ora para guiar a prática decisorial do marketing
convencional (no marketing de organizações sociais e de causas sociais), ora para a intervenção de
marketing como tecnologia de mudança de comportamento (no marketing social). Ou seja, estamos
transitando por um mesmo interesse geral, que é o bem estar social, e estamos, portanto, dialogan-
do dentro de um mesmo campo semântico.
Se isto permite alguma confusão conceitual, traz, por outro lado, o benefício de possibilitar a
integração de conceitos e esforços tanto em nível teórico quanto operacional, potencialmente para
uma teorização mais ampla sobre as intervenções de marketing em benefício da sociedade, por
meio da ação de empresas, organizações sociais e com base em um modelo genérico de ação orien-
tada a causas sociais (no nível de intervenção e geração do benefício)155.

154 A relevância do conteúdo de marketing de causas sociais para a prática de marketing empresarial é eviden-
ciado pelo grande número de interessados e de publicações sobre o assunto. Aos interessados, recomendo os
seguintes livros: PRINGLE, H.; THOMPSON, M. Marketing social: marketing para causas sociais e a construção
das marcas. São Paulo: Makron books, 2000; ADKINS, S. Cause related marketing: who cares wins. London:
Butterworth-Heinemann, 1999.
155 É possível compreender que o escopo ampliado de uma visão ‘marketing e sociedade’ deveria comportara
122

Terceiro, é possível que haja interseções muito fortes de parte a parte, sendo possível que
uma organização social desenvolva ações de ‘marketing social’ como parte de suas atividades de
oferta em seu setor de atuação, e ainda em uma aliança com uma empresa que pode buscar o bene-
fício decorrente da parceria, fortalecendo a sua marca com a orientação para um posicionamento de
empresa socialmente responsável e comprometida com o bem-estar social, além do lucro a seus
acionistas. Vejamos um exemplo que pode ilustrar bem isto.

Exemplo 2 – Violência doméstica


Tomemos o caso do problema social da violência doméstica, que será restrita aqui a sua ma-
nifestação mais comum, que é aquela sofrida por mulheres (outros casos são possíveis, como a
agressão de homens, crianças e idosos, mas o problema mais sério é aquele da violência física sofri-
da por mulheres, como indicam as estatísticas).
Pelo que sabemos, a violência doméstica é um problema quase generalizado em termos de
recortes familiares possíveis (por exemplo, independe de classe econômica, social e educacional, ou
seja, há violência contra as mulheres nos mais diversos níveis de estratificação possíveis), e é um
dos mais difíceis de serem abordados, na medida em que os atos de violência ocorrem em foro ín-
timo, na grande maioria das vezes dentro dos lares dos envolvidos, que é um espaço isolado de
maiores fiscalizações (a residência é um lugar ‘quase’ inviolável).
Um problema adicional ocorre em razão de as mulheres não se sentirem a vontade em de-
nunciar as agressões, por cinco razões fundamentais: primeiro, algumas mulheres têm por vergo-
nha e receio de uma exposição ao falatório decorrente de sua denúncia; segundo, há possivelmente
o interesse de proteção do próprio agressor, comumente o marido, mas eventualmente também
filhos e netos, principalmente depois que as pessoas se acalmam e são feitas promessas de não mais
haverem problemas; terceiro, o receio de que uma denúncia gere consequências mais danosas ain-
da, como agressões mais intensas e até ameaças de morte; quarto, a própria descrença nos resulta-
dos da ação policial e judicial; e, por fim, temos o desconhecimento ou a desinformação de algumas
mulheres quanto aos seus direitos, ou a resignação gerada por alguma forma de orientação cultural
ou ideológica.
Por este entendimento, é necessário um procedimento sistemático e de longo prazo para
combater o problema e as dificuldades que são associadas ao seu combate, o que deverá envolver
diversos esforços, pois é necessário que se trabalhe o ato em si, mas também a legislação, a educa-
ção para o convívio familiar, a conscientização das mulheres sobre a necessidade da denúncia, den-
tre outras frentes de ação. Enfim, pelo que expusemos, é um problema no qual devem ser trabalha-
das as várias alternativas de alteração de comportamento disponíveis (educação, legislação, marke-
ting...)
Mas se o problema da violência doméstica é um dos mais presentes na história da humani-
dade, este vem sendo combatido de forma cada vez mais eficaz nos últimos 20 anos, com a escalada
de uma nova conscientização coletiva e um aumento da intolerância com relação aos agressores. No
Brasil, por exemplo, entrou em vigor no ano de 2006 a chamada Lei Maria da Penha, que tornou a
violência um crime melhor tipificado e trouxe um enrijecimento da penalização contra os agresso-
res não apenas de mulheres, mas crianças, deficientes, idosos....
Nosso entendimento é de que a lei não é um elemento de adequação de comportamento sufi-
cientemente forte para solucionar a questão, de modo que as ações de marketing social podem ser
de grande valor no combate ao problema, em um esforço conjunto e sistemático dos governos e das
organizações não governamentais (no Brasil há dezenas de ONGs orientadas a esse problema, e
basta fazer uma verificação nos sites de busca na internet para observar que estas estão presentes
em todos os estados do país).

teorização de marketing de organizações sociais e de marketing de causas sociais. Por outro lado, estes temas,
embora se direcionem a geração de benefício para a sociedade, são antes de tudo atividades organizacionais.
Por isto não os inseri na formação da disciplina de marketing e sociedade, como fiz no capítulo 3. Falarei mais
sobre este assunto no capítulo 13.
123

Vejamos agora um ponto de convergência dos conceitos comentados. Se uma ONG tem como
seu objeto de atuação o combate à violência doméstica, então podemos compreender que o produto
desta organização é a proposta de mudança de comportamento da parte dos envolvidos, podendo
haver dois tipos básicos de subproduto: a conscientização dos agressores para que adotem o com-
portamento de respeito às mulheres; e a conscientização das mulheres, para que adotem o compor-
tamento de intolerância e de denúncia em caso de abusos. Todas as demais atividades, como acon-
selhamento, serviços de apoio jurídico e psicológico, abrigo etc., são complementos que têm por
meta apoiar a finalidade principal, que é o fim das agressões. Deste modo, sempre que a organiza-
ção desenvolve ações em torno de ‘seu’ trabalho, como a cooptação de apoio e financiamento de
projetos, e fortalecimento de sua marca, está realizando uma atividade de ‘marketing de organiza-
ções sociais’.
É possível que o esforço de combate à violência doméstica seja ainda incorporado por uma
empresa qualquer, que queira associar sua imagem à proteção das mulheres, mas ainda assim man-
tendo seu objetivo primário de um resultado econômico positivo. Isto ocorreu com maior visibili-
dade no caso da empresa Liz Claiborne, que comercializa e projeta artefatos de moda para homens
e mulheres, com foco mais forte nas mulheres. Esta empresa adotou a causa da violência contra as
mulheres e passou a desenvolver um esforço a partir de 1991, seguindo de forma ininterrupta pelo
menos até 2010, investindo em pesquisa sobre o assunto, desenvolvendo ações e campanhas de
mídia e realizando atividades beneficentes. Obviamente, a empresa adota esta causa com finalidade
de promover sua marca associada a um assunto de elevado apelo junto a seu público-alvo, que são
as mulheres, e realiza, portanto, ações de ‘marketing de causas sociais’156.
Até aqui ilustrei a possibilidade de utilização de técnicas de marketing associado a uma
mesma causa, porém com foco em uma organização social e em uma organização empresarial. Para
a realização de suas atividades, ambas estão orientadas a promover uma mudança de comporta-
mento, e por isto necessitam de meios de operacionalização de suas atividades. Quando se toma a
causa como um problema e a mudança de comportamento como a meta, é possível então desenvol-
ver o esforço entendendo que toda a concepção, o planejamento, a implementação e o controle das
atividades podem ser realizados utilizando-se dos mesmos conceitos, princípios e técnicas que são
usadas nos esforços de marketing em geral. Neste caso, o esforço pode ser realizado por meio da
aplicação do ‘marketing social’ (aliás, este é o procedimento da Liz Claiborne).

O potencial de confusões parece se dirimir quando levamos os conceitos a uma perspectiva


mais prática, ficando mais clara a diferenciação mostrada na discussão anterior. Ainda no esforço
de evitar problemas no uso da terminologia e no discurso sobre o assunto, ilustro na figura 12.1 a
convergência dos quatro acima debatidos, com suas sobreposições.
É também necessário entender em que medida o marketing social converge e diverge em re-
lação ao marketing convencional que é aplicado no setor empresarial, mas precisamos, para tanto,
compreender de forma mais clara como se processa o marketing social. Deixo, portanto, este esfor-
ço para ser realizado após a discussão dos elementos operacionais do marketing social, que são
apresentados no item seguinte, sem a pretensão se cobrir toda a amplitude do assunto.

10.3. Visão operacional do marketing social

Depois das delimitações conceituais e das informações históricas apresentadas nos dois pri-
meiros itens, considero relevante a exposição do conteúdo operacional de marketing social, ou seja,
a apresentação de quais são as atividades centrais do marketing social e de suas especificidades.
Para termos um referencial bem delimitado, escolhi os frameworks principais: primeiro o de Kotler
e Roberto, que é o mais difundido e que foi adotado em todas as edições da obra destes autores; e o

156 O caso da Liz Claiborne já é clássico no rol dos casos citados de marketing de causas sociais, e está bem

documentado em: PRINGLE, H.; THOMPSON, M. Marketing social: marketing para causas sociais e a construção
das marcas. São Paulo: Makron books, 2000.
124

de Andreasen, que possui uma pequena variação, porém que estrutura bem a visão. Estes dois mo-
delos são os mais citados na literatura internacional sobre marketing social, embora sofram críticas
eventuais.
Figura 12.1 – Relação entre conceitos

Marketing societal
Ação de marketing responsável ética e socialmente

Marketing de
Marketing orga- causas sociais
nizações sociais Ação empresarial
Ação de marke- para fortalecer a
ting de organiza- marca e o posici-
ções sociais onamento

Marketing social
Orientado a mu-
dança de compor-
tamento em favor
da sociedade

10.3.1. Visão geral de Kotler e Roberto

Tomando o entendimento de que a base conceitual do esforço operacional do marketing so-


cial é a disciplina de administração de marketing, então o que exponho aqui é parte do conteúdo
teórico da ‘administração do marketing social’, que foi apontado em Kotler e Roberto, na obra tra-
duzida para o português (p. 38), como sendo o processo que consiste em “analisar o meio ambiente;
pesquisar a população de adotantes escolhidos como alvo; definir o problema ou a oportunidade de
marketing social; elaborar uma estratégia de marketing social; planejar programas do complexo de
marketing social; e organizar, implantar, controlar e avaliar o esforço de marketing social”.
A figura 12.2 ilustra este conjunto de atividades, que comento em seguida. A primeira etapa
consiste na análise do ambiente geral no qual será da atividade de marketing social, e envolve o
levantamento e a avaliação de todas as condições que tem alguma forma de efeito sobre a ação. Por
exemplo, em uma campanha de combate à prostituição infantil em determinada cidade, é conveni-
ente primeiro saber como se articula a rede associada, as ações que foram já efetuadas, as condi-
ções econômicas e educacionais tantos dos agentes que se prostituem quanto dos que são usuários
da prostituição, o nível de tolerância social, as opções de reinserção social dos envolvidas, dentre
outras informações relevantes.
O segundo passo consiste a pesquisa da população que foi selecionada como alvo, e no levan-
tamento do máximo de informações sobre os adotantes potenciais da proposta de comportamento,
de modo a viabilizar um processo de segmentação consistente, além de um conhecimento bem es-
pecífico sobre cada segmento. Por exemplo, em um esforço de combate ao uso de drogas ilícitas, é
necessário conhecer as informações sobre as condições econômicas, culturais e educacionais dos
usuários e traficantes, além de dados sobre seu comportamento de uso ou venda. A partir de tais
informações é possível definir estratégias de ação variadas para grupos com características distin-
tas (por exemplo, usuários eventuais e usuários dependentes), além de definir qual o melhor posi-
cionamento da ação para cada um destes grupos (para eventuais, aconselhamento, e para depen-
dentes, tratamento médico e psicológico).
125

Figura 12.2 – Etapas operacionais


Análise do meio ambiente do marketing
social

Pesquisa e seleção da população de ado-


tantes escolhidos como alvo

Formação das estratégias de marketing


social

Planejamento dos programas do comple-


xo de marketing social

Organização, implantação, controle e


avaliação do esforço de marketing social

A formação das estratégias de marketing social é a etapa de delimitações de objetivos estra-


tégicos e operacionais da ação de marketing social, chegando inclusive ao nível de definição dos
objetivos dos elementos do composto de marketing social (ver item 12.3.3). Por exemplo, em uma
ação de marketing social para promover o aleitamento materno em um país, um dos objetivos ge-
rais é levar informações personalizadas das mulheres em acompanhamento pré-natal, a partir do
apoio de médicos, que são profissionais nos quais as mulheres confiam por sua especialidade. Um
objetivo de promoção de marketing seria saturar os contextos de presença destas mulheres (lojas
de produtos para crianças, clínicas, programas de televisão orientados a grávidas...) com informa-
ções sobre a importância do aleitamento.
Depois das informações geradas e das delimitações de segmentos, posicionamento e de obje-
tivos estratégicos e operacionais de marketing social, o passo seguinte consiste no planejamento
dos programas do complexo de ações de marketing social, ou seja, na determinação concreta para
operacionalização do que foi delimitado, com a finalidade de prever ações, métodos, envolvidos, e
resultados esperados. Obviamente, os objetivos definidos são os guias iniciais desta etapa, em espe-
cial na dimensão do composto de marketing, pois devem ser ajustados todos os procedimentos
associados a cada elemento do marketing mix social. Não exemplificarei este passo, que poderá ser
melhor compreendido no item 12.3.3.
Por fim, temos a etapa de implementação do plano, que consiste na organização da estrutura
e dos envolvidos no esforço, na efetiva implantação do que foi projetado, além das atividades de
controle, e os conseqüentes ajustes que precisam ser feitos, e a avaliação de ações e resultados
(parciais e finais). Esta é a etapa de operacionalização das delimitações anteriores, desde o reco-
nhecimento do ambiente, até a construção do plano de marketing social. Naturalmente, as informa-
ções de controle, os resultados das avaliações, e o conhecimento adquirido na experiência vivencia-
da serão incorporados em novos ciclos do processo de marketing social.

10.3.2. Visão geral de Andreasen

Alan Andreasen propôs, no que chamou essência do marketing social, não um modelo para
ação ou execução de atividades de marketing social, mas sim o que definiu como benchmarks para o
marketing social, o que viabilizaria a compreensão de uma ação de mudança social como sendo, ou
não, de marketing social157 (o autor tentava diferenciar o que era específico de marketing social em

157 Estes elementos estão presentes em: ANDREASEN, A. R. Marketing social marketing in the social change

marketplace. Journal of Public Policy and Marketing, v. 21, n. 1, p. 3-13, spring, 2002.
126

relação a outras opções de mudança comportamental, conforme comentado no item 12.1).


Obviamente, quando Andreasen apresentou os elementos de seus benchmarks, ele estava
pressupondo também um conjunto de fatores característicos de uma ação bem organizada de mar-
keting social. Isto fica mais claro quando analisamos o que o autor apontou objetivamente.
1. Primeiro, e considerando que a mudança do comportamento é a atividade de base do conceito
de marketing social, é necessário antes de tudo definir com clareza qual é o real comportamen-
to a ser alterado, como, por exemplo, estimular o exercício físico, praticar esportes, reduzir ou
redirecionar o consumo etc. É fácil depreender que esta primeira delimitação pressupõe a de-
finição de objetivos da ação;
2. Segundo, o projeto de marketing social requer um conhecimento consistente sobre o público-
alvo e o contexto geral da ação, o que induz ao desenvolvimento de pesquisas de marketing so-
cial orientadas a (1) viabilizar o conhecimento mais específico e detalhado sobre o público-
alvo, (2) realizar projetos de pré-testes das intervenções antes que estas sejam efetivamente
implementadas, e (3) promover o monitoramento das ações, na medida em que estas são rea-
lizadas;
3. Terceiro, é necessário que seja efetuado um esforço de segmentação cuidadoso do público-
alvo da ação do marketing social, esforço este que é viabilizado pelos objetivos da ação e pelas
informações provenientes da pesquisa de marketing social, e que, por seu turno, viabiliza con-
dições para os projetos e ações operacionais da ação;
4. Quarto, surge a demanda de criação de uma estratégia de influência do comportamento ao
mesmo tempo inovadora e atrativa. Este criação de estratégia tem como pressuposto central
que uma proposta de troca tem que ser colocada à disposição do público-alvo;
5. Quinto, usaremos na operacionalização do esforço de marketing social os conceitos centrais do
marketing mix convencional, e não somente ações isoladas de propaganda e publicidade da
ação de marketing (como veremos no item 12.3.3, a comunicação isolada dos demais recortes
do marketing mix se aproxima mais de um esforço de educação para mudança de comporta-
mento do que de marketing social);
6. Por fim, Andreasen destaca que em marketing social está presente um foco cuidadoso sobre os
fatores de concorrência em relação à proposição de marketing social, o que se manifesta prin-
cipalmente no comportamento alternativo ou contrário ao proposto (por exemplo, fumar em
lugar de não fumar).

O que esta proposta de Andreasen destaca em relação ao que colocam Kotler e Roberto é a
tentativa de uma delimitação da ação como sendo ou não de marketing social. De fato, o framework
geral de Kotler e Roberto não é muito mais que a adaptação do modelo geral da administração de
marketing para ajuste de comportamento de interesse social, e os autores limitam-se a definir o
objeto da ação, e depois a adaptar o modelo clássico. Neste sentido, Andreasen vai além, quando
tenta informar neste modelo geral o que faz dele uma aplicação específica de marketing social, e
não outra aplicação específica de marketing. Isto fica bem evidenciado no primeiro passo, quando o
autor enfatiza que se deve partir de um comportamento a ser alterado; no passo quatro, quando é
destacada a necessidade da oferta de uma forma explícita de uma troca, o que de fato define a ação
como sendo de marketing158; e no passo seis, quando é realçada a questão do comportamento con-
corrente ao proposto.
Afora estes delimitadores, as proposições não se diferenciam muito, pelo menos em termos
operacionais, até porque o que Andreasen propõe e não desenvolve está desenvolvido na visão
mais pragmática de Kotler e Roberto. Dentre os elementos desta visão mais operacional temos os
detalhes acerca do composto de marketing social, que descrevo em maiores detalhes a seguir.

158 No extremo, também encontraremos o fator troca em outras ações para mudança comportamental, como,

por exemplo, em uma lei que regula o comportamento, e em troca não penaliza o infrator que adota o compor-
tamento. No entanto, se a idéia da troca está na base da ação de marketing, este não é caso de uma lei, que está
mais focado na regulação em si (ver a discussão sobre o produto, mais adiantes neste mesmo item).
127

10.3.3. O composto de marketing social

Descrevo aqui algumas considerações sobre o marketing mix social, em cada um dos quatro
elementos convencionais dos 4 Ps (produto, preço, praça e promoção). Quero informar ao leitor a
existência de outros elementos propostos na literatura especializada, como, por exemplo, os Ps de
público, parceria, política, pessoal, apresentação (de presentation)..., mas que não abordarei aqui,
primeiro por limitação de espaço, e segundo porque são propostas frágeis do ponto de vista opera-
cional, se comparados à teorização convencional de marketing159.

- Produto
Embora possa parecer algo trivial em um primeiro momento, a definição do P de produto do
marketing mix social tem sido uma das tarefas mais delicadas no esforço de adaptação do marke-
ting convencional. A pergunta é simples: o que uma ação de mudança de comportamento está ofe-
recendo? Um comportamento? Uma ideia? Uma crença? Um produto físico, como um preservativo
ou um kit de primeiros socorros? A dificuldade é imediata, pois a depender da situação específica
pode ser cada um, ou um conjunto destes elementos. Mas não temos ainda hoje uma segurança para
propor uma delimitação consistente.
Aliás, este tem sido inclusive um dos pontos de discórdia sobre a proposição de uma visão de
marketing para promoção de uma mudança social. De fato, em um esforço realizado por qualquer
atividade ou agente de mudança social em que se pretende alterar um comportamento de indiví-
duos ou grupos, a adoção da proposta da ação é o que interessa; no entanto, o comportamento não
está no agente proponente (seja por uma campanha de marketing ou de uma lei), e sim no adotante,
de modo que o produto estaria neste sujeito e não no ofertante. Com efeito, estaríamos realizando
uma oferta de algo que não está sob nosso controle, diferente do que ocorre no marketing conven-
cional de um produto ou um serviço.
Tentativas de solucionar esta situação têm sido feitas ao longo dos anos, e um dos argumen-
tos de maior aceitação é aquele que entende o comportamento como uma ‘proposta’ de produto
que o marketing social disponibiliza, em conjunto com todos os demais fatores que apóiam esta
iniciativa. Por exemplo, em um esforço de prevenção de uso de drogas, tem-se a proposta de uma
vida sem drogas como a oferta fundamental baseada, por exemplo, na redução dos riscos de envol-
vimento com pessoas perigosas, do risco de ter problemas com a justiça e na sensação de liberdade
por conseguir viver sem as drogas, e tudo isto facilitado com atividades de suporte, como aconse-
lhamento psicológico e tratamento médico especializado. Veja que neste caso a oferta é de uma
idéia associada às atitudes e aos comportamentos, que vêm em conjunto não apenas do elemento
intangível da proposição, mas também com elementos tangíveis como remédios, espaço para hos-
pedagem em clínicas...
Uma proposição alternativa coloca o produto como uma proposição de valor para o cliente, o
que resgata um conceito interessante e que é associado à ‘teoria do valor’ em marketing. Por esta
perspectiva, o produto de uma ação de marketing social está associado a um conjunto de benefícios
e de sacrifícios do comportamento, e não necessariamente ao comportamento em si. Neste enten-
dimento, é possível o compreender que as ações associadas ao marketing social, como a idéia, o
comportamento, e o suporte material, se for o caso, são somente elementos de viabilidade do alcan-
ce do benefício, este sim, a oferta fundamental do marketing social. No exemplo acima, o produto
seria o benefício (genérico) de não consumir drogas, manifesto nas indicações dadas (ausência de
riscos e autocontrole, que seriam produtos associados); aqui, a clínica e o serviço médico seriam
atividades de apoio ou serviços agregados na viabilização da entrega do produto ao cliente.

159 Cf. WEINREICH, N. K. Hands-on social marketing: a step-by-step guide influencing. Thousand Oaks: Sage,

1999. É conveniente realçar aqui tais propostas são comuns nas demais esferas de aplicação de marketing, e, a
despeito de merecerem respeito enquanto propostas inovadoras, em boa parte das vezes não passam de in-
vencionices despropositadas, e por isto creio ser mais coerente seguir o modelo convencional.
128

Uma tendência que tem se verificado nos diferentes livros sobre marketing social é a que as-
socia o produto como sendo o comportamento desejado mais o conjunto de benefícios associados à
sua adoção. Isto reverbera as primeiras tentativas de definição do produto vinculado à obra de
Kotler e Roberto, mas há aqui um amplo espaço para teorização sobre assunto, bastando ver o que
temos de avanços mais recentes no debate sobre o produto na teoria geral de marketing, em espe-
cial nas discussões sobre serviços e bens, além das teorias de delimitação existentes (recomendo
ver o conteúdo sobre produto em qualquer livro introdutório de marketing).

- Preço
A discussão sobre o P de preço nas análises de marketing social é quase tão controversa
quanto é a discussão sobre o produto, e a razão é também simples: não temos aqui, na grande maio-
ria das vezes, um referencial monetário demandado sobre o ‘cliente’ para configurar alguma forma
de pagamento pelo produto recebido. Mesmo que haja situações de uma campanha de mudança
social que se associe a algum desembolso, como é o caso, por exemplo, com os gastos com preserva-
tivos decorrentes da sensibilização gerada por uma campanha contra a AIDS ou de defesa do sexo
seguro, isto não é uma realidade muito presente na grande maioria das campanhas de marketing
social.
Adicionalmente podemos concluir que, se há gastos monetários associados a um determina-
do comportamento, tendo em vista o próprio sentido da meta de adoção de um comportamento,
uma das preocupações do planejamento de marketing social é buscar minimizar este custo, pois,
por hipótese, quanto maior gasto monetário para o adotante potencial, menor sua predisposição a
adotar o comportamento. Em outras palavras, no contexto do marketing social, o preço monetário
da oferta de base é um problema a ser minimizado.
Mas se não há um preço monetário a ser pago pelo cliente da ação, é possível identificar, nas
mais diversas ações de marketing social, alguma forma de demanda sobre os ‘clientes’, em uma
forma que podemos classificar como sacrifícios não-monetários, decorrentes diretamente da ado-
ção do comportamento proposto na ação de marketing.
Por este entendimento, é possível então associar o elemento preço a elementos como esforço
físico (como ter que caminhar em uma esteira como parte da idéea de fazer exercícios físicos), es-
forço psicológico (como sentir um enorme desejo de dirigir depois de beber e ter que abafar tal
desejo), tempo (como ficar em uma clínica quando se adere a uma causa de cuidado a idosos), des-
conforto físico (como sofrer a dor de uma vacinação preventiva ou o cansaço depois de uma jornada
de exercícios), além da modalidade de sacrifício na forma de risco (como se expor à possibilidade
de atropelamento no caso de adesão ao hábito de andar de bicicleta em lugar de usar automóveis).
Assim como no caso do sacrifício monetário, para os sacrifícios não-monetários a finalidade
da ação de marketing social é, quase sempre, promover sua redução, na medida em que estes po-
dem ser fatores que geram dificuldades para o comportamento a ser adotado. Dado que estes sacri-
fícios se manifestam em níveis variados, a depender a natureza do comportamento, entende-se que
a finalidade do profissional de marketing social é justamente compreender as variações e caracte-
rística específicas, e desenvolver as ações de gestão do ‘preço’ de forma mais adequada. Por exem-
plo, em uma ação orientada a reduzir o fumo, temos que considerar o enorme sacrifício que é largar
o vício; já se estamos tratando de uma campanha pelo respeito dos motoristas à faixa de pedestres,
temos um nível de sacrifício muito menor. Pela variação de contextos, teremos estratégias de preço
diferentes.
Mas deve ficar bem claro que a estratégia de sacrifício depende da finalidade da ação, o que
envolve inclusive a elevação dos sacrifícios. Por exemplo, se uma organização tem por finalidade
restringir o consumo de determinado produto, é possível que se busque tornar o preço deste pro-
duto mais caro, assim como o seu acesso, o que demandaria mais tempo, mais esforço e maiores
dificuldades no consumo. Este é o caso de armas, um produto indesejável para o cidadão comum, e
que, por isto, deve ser mais caro e ao mesmo tempo mais difícil de ser acessado (comprar uma arma
no mercado legal é quase sempre muito trabalhoso).
Em síntese, a dimensão de preço do marketing mix social consiste de uma porção monetária
129

e, em maior escala, uma porção não monetária, e a ação de marketing social tem por finalidade di-
minuir a presença destes elementos de sacrifícios, na grande maioria das vezes, podendo eventual-
mente tentar maximizar tais sacrifícios, a depender de qual a melhor opção na facilitação da adoção
do comportamento.

- Praça
O elemento P de praça do composto convencional de marketing associa-se às atividades e
meios de disponibilização do produto para os clientes. Assim, no contexto do marketing social, a
praça concerne aos esforços de distribuição que são feitos para levar o que se define como produto
até o usuário. Obviamente, este elemento tem suas dificuldades de delimitação pela própria dificul-
dade que é definir o produto, conforme comentei acima.
Assim como ocorre nas análises de marketing de serviços, se estamos operando com elemen-
tos intangíveis, como é a oferta de um comportamento, não seguimos o procedimento convencional
de transferência de posse de produtos160. Mas precisamos tornar o benefício disponível ao cliente
definido no projeto de marketing. Este é de fato um entendimento bem compreensível do ponto de
vista operacional. Por exemplo, se optamos por um esforço de marketing social para adoção de
animais, é esperado que, no esforço de oferta, tenhamos disponíveis os animais para primeiros
contatos, um espaço adequado para visitação, uma estrutura de apoio que contribua para um regis-
tro de informações sobre o animal e sobre o adotante, e também uma atividade de acompanhamen-
to e aconselhamento nos primeiros momentos após a adoção (é assim que as organizações de pro-
teção aos animais realizam as chamadas ‘feiras de adoção’, na qual estão presentes os animais, as
informações detalhadas além da presença de entrevistadores que avaliam a capacidade do interes-
sado de manter o animal).
O adotante precisa ter os meios de adoção do comportamento ao seu dispor, com conveniên-
cia e segurança. Um exemplo também interessante neste sentido são os veículos de coleta de san-
gue para os hemocentros, que se posicionam, a depender de alguns ajustes, em momentos específi-
cos de aglomerações (como eventos, por exemplo), e disponibilizam os profissionais bem treinados
e equipamentos adequados para que os que adotam o comportamento de doação possam fazê-lo
seguros e sem receios.
Neste sentido, disponibilidade deve perpassar tudo o que concerne à disponibilização de in-
formações, ao suporte para realização das tarefas (como clínicas ou centros de atendimento, se for
o caso), a disponibilidade em termos de tempo (como nos casos em que o suporte pode ser feito por
telefone ou internet), além dos elementos usados para reforço, que são em parte decorrentes de
atividades de comunicação (que será comentada adiante), e em parte decorrentes da estrutura de
apoio e aconselhamento.
Um aspecto do gerenciamento da praça nas ações de marketing social consiste na interven-
ção não somente nos elementos da oferta em si, mas também nos elementos que são concorrentes
do comportamento desejado. O entendimento é que a responsabilidade de gerenciamento deve
tornar os ‘produtos’ concorrentes mais difíceis aos potenciais adotantes. O melhor exemplo de uma
ação neste sentido vem sendo desenvolvidas no combate ao fumo, na medida em que foram criados
meios de dificuldade ao hábito de fumar. No Brasil o exemplo veio da lei que proibiu o fumo em
lugares fechados (radicalizada em 2014), incluindo bares, restaurantes e hotéis. Embora esta lei
não tenha sido resultado de uma decisão de marketing, exemplifica bem como é possível usar uma
estratégia de praça que conduz ao comportamento desejado a partir da dificuldade de realização do
comportamento concorrente, que é o ato de fumar.

- Promoção
A promoção no marketing social concerne a todo o esforço de comunicar a proposta de mar-

160Isto não quer dizer que não haja eventuais necessidades de gerenciamento de canais no sentido convencio-
nal. Basta ver as campanhas que são realizadas com a distribuição de produtos, como preservativos, soro ca-
seiro... No entanto, se não for este caso, o esforço se diferencia e se desdobra como explicado no texto.
130

keting social ao público-alvo, de modo a maximizar o nível de adoção do comportamento proposto.


Se em uma perspectiva conceitual é possível haver variações de compreensão do marketing social
com relação ao marketing tradicional nos primeiros Ps, no caso da promoção a situação é diferente,
na medida em que as determinações, modelos e alternativas são praticamente as mesmas, o que faz
com que o elemento de promoção nas duas modalidades de marketing seja determinado por um
mesmo referencial teórico e operacional.
Isto torna o assunto mais fácil de ser compreendido, e segue-se, na determinação do esforço
promocional para uma ação de marketing social, o passo a passo convencional, na seguinte sequên-
cia161: determinação da mensagem a ser comunicada (definição do conteúdo da proposição associ-
ada ao produto determinado); meio (determinação de qual meio será usado na condução da men-
sagem definida); estratégia de criação (definição de uma forma criativa para comunicar a mensa-
gem ao público-alvo); estratégia de comunicação (decisão a respeito do canal e das delimitações em
termos de tempo, numero de mensagens, período...); adoção de múltiplas abordagens (decisões a
respeito do uso ou possibilidade de uso de mais de uma ação de promoção, como por exemplo, as
ações de propaganda da campanha nos meios de comunicação, as ações de relações públicas por
meio de entrevistas em programas de rádio e televisão, o esforço de uma equipe de apoio em cam-
po, como profissionais abordando pessoas nas ruas ou em casa, realização de eventos sociais ou de
entretenimento etc.).
Um aspecto interessante, e que precisa ser ressaltado aqui, concerne a potencial confusão
entre a proposta conduzida no esforço promocional e a sua disponibilização. Por exemplo, a ideia
de uma vida sem o fumo, que é comunicada em uma propaganda de televisão, é uma proposição da
campanha, e está sendo ao mesmo tempo comunicada e disponibilizada, via reforço sistemático.
Isto tem como consequência a possibilidade de um mesmo esforço poder ser entendido ora como
parte do gerencialmente do P praça, e ora como parte do esforço promocional. Obviamente, preci-
samos convencionar um fator de delimitação, mas tal fator não é tão claro assim na literatura, e não
há certeza de que será esclarecido em algum momento. Para efeito de convenção, é conveniente
definir tudo o que envolve comunicação com o público-alvo como promoção.
Um segundo aspecto relevante está vinculado ao potencial que a promoção tem, por seus
elementos principais, de se confundir com a própria atividade de marketing social. Aliás, isto que é
um problema clássico de marketing em geral (na confusão especialmente entre propaganda e mar-
keting), vem sendo debatido no contexto de marketing social desde os primeiros momentos da
formação da área, quando Kotler e Zaltman entenderam que um esforço de mudança social não
poderia ficar restrito a uma ação de comunicação, precisando ir além, com a definição de estraté-
gias associadas aos demais elementos do composto de marketing, como pode ser observado acima.
E se em marketing em geral o problema ainda persiste, em marketing social não seria diferente.
Mas em marketing social o problema é mais amplo ainda, pois é possível que ferramentas
convencionais de comunicação sejam usadas em outras atividades orientadas a mudança de com-
portamento, como os esforços de educação ou mobilização comunitária. Por exemplo, nos esforços
de educação orientados a mudança de comportamento sobre compra de votos costuma-se usar,
próximo de períodos eleitorais, as ferramentas de comunicação convencionais, como propagandas
de televisão e rádio.
Conforme aponta Bill Smith162, em sua reflexão sobre o produto de marketing social, se uma
ação de publicidade não vier associada a uma proposta de produto de marketing social no sentido
mais amplo do termo (como discutido acima), esta não passa de um esforço de educação, e não de
marketing social. Naturalmente, este entendimento é polêmico, e não é de fácil justificativa quando
confrontado com alguns argumentos bem colocados; tal polêmica é consequência do próprio de-
senvolvimento recente da área de marketing social (pelo menos quando escrevo estas linhas).

161Cf. KOTLER, P.; LEE, N. Social marketing: influencing behaviors for good. 3. ed. Thousand Oaks: Sage, 2008.
162SMITH, B. The power of the product P, or why toothpaste is so important to behavior change. Social Marke-
ting Quarterly, v. 15, n. 1, p. 98-106, spring, 2009.
131

O quadro 12.2 apresenta uma síntese dos elementos associados ao marketing mix social. A
avaliação do conteúdo deste quadro não deixa dúvidas de que há, de fato, um sentido de pensar
uma ação de marketing orientada a uma mudança de comportamento com vistas à geração de valor
tanto para o beneficiário direto, que é o adotante do comportamento, quanto para a sociedade em
um nível indireto.
Quadro 12.2 – Síntese do composto de marketing social
Elemento Conceito Detalhamento
Oferta de marketing Proposição feita ao adotante na forma de idéia, comportamento (para
Produto
social adoção, ou não adoção), e o benefício associado à adoção
Custo para o adotan- Todos os sacrifícios realizados pelo adotante em sua disposição para
Preço
te receber a oferta realizada
Disponibilização do Estrutura que faz com que o produto esteja disponível para o usuário
Praça
benefício ofertado de forma acessível; envolve os canais convencionais, se necessário
Todos os elementos que viabilizam as informações para os clientes,
Promoção Divulgação da oferta
com todos os elementos de difusão disponíveis

Mas a discussão apresentada no desdobramento de cada atividade do processo de adminis-


tração de marketing social mostra que há diversos questionamentos em aberto. E é por esta razão
que as décadas de 1990 e 2000 foram dedicadas a promover um aperfeiçoamento de fato neste
esforço de construção de uma teoria mais específica de marketing social, e deixar de ser somente
uma adaptação de aceitos da teoria geral de marketing. Os elementos deste debate são muito mais
amplos e profundos do que parecem à primeira vista.
132

CAPÍTULO 11 – MARKETING SOCIAL: COMPLEMENTOS E ESPECIFICIDADES

Conforme indicado, o objetivo do capítulo 12 foi apresentar a base conceitual e o escopo do


marketing social, além de sua estrutura temática básica; por esta razão, apenas tangenciei algumas
questões relevantes sobre o assunto, e deixei para aprofundar estas questões aqui. Assim, neste
capítulo apresento considerações adicionais sobre o marketing social, e selecionei alguns comple-
mentos e especificidades que considerei mais relevantes para a visão em perspectiva que está pro-
posta para este livro.
Primeiramente, discorro sobre a condição do marketing social como parte da disciplina de
marketing e sociedade, buscando agora justificar de maneira mais consistente a razão do desenvol-
vimento deste conteúdo neste livro. Em seguida, apresento a condição atual de desenvolvimento da
área, e exponho uma discussão sobre os principais desafios do marketing social em termos de sua
definição como uma subdisciplina de marketing em geral, e em que medida a suposição de orienta-
ção para a administração do comportamento coletivo poderá ser considerada à luz da teorização
existente sobre marketing. Para tanto, fiz um resgate do debate mais recente sobre o assunto, tendo
observado três pontos de definição parcial, que concernem: ao lugar do marketing social em um
contexto de mudança comportamental que pode ser condicionada pela educação e pela lei; às fragi-
lidades do marketing mix convencional para a administração comportamental; e ao que constitui a
concorrência de uma ação de marketing social.
Ao final do capítulo, apresento algumas considerações sobre o conteúdo ético que emerge da
prática de marketing social. O objetivo foi resgatar a reflexão sobre a ética da ação de marketing
que foi desenvolvida nos capítulos 10 e 11, mas na especificidade das práticas de marketing social,
que são, como veremos, passíveis de diversos questionamentos.

11.1. O marketing social no contexto da disciplina de marketing e sociedade

A partir de uma releitura atenta do que foi apresentado no capítulo 12, e repassando tudo o
quanto foi exposto nos demais capítulos, é possível atestar que este nosso último tema possui uma
caracterização diferenciada, na medida em que estamos retornando ao padrão convencional dos
manuais de marketing que mantém foco no processo gerencial de marketing. De fato, na exposição
do capítulo anterior sobre o arcabouço estrutural do marketing social temos evidenciada a presen-
ça dos elementos convencionais e do discurso clássico da administração de marketing, tais como
segmentação, público-alvo, marketing mix...
É evidente um desvio em termos de discurso, quando pensamos nos temas anteriormente
apresentados. Resta agora justificar, de forma mais consistente, qual o lugar do marketing social no
contexto mais amplo da nossa disciplina de ‘marketing e sociedade’. É provável que o próprio con-
ceito de marketing social já deixe isto mais ou menos claro para os leitores, mas alguns comentários
podem contribuir para aperfeiçoar a compreensão.
Retomando nosso entendimento do que seja a disciplina de marketing e sociedade, nossa
discussão da parte 1 (capítulo 3) a delimitou como sendo a disciplina cujo objeto é a análise da rela-
ção entre a atividade e o conhecimento de marketing e a sociedade (no sentido genérico), com um
foco específico nas influências mútuas. Vimos nas discussões sobre macromarketing mais centrada
avaliação de o quanto a atividade de marketing pode conduzir ao aperfeiçoamento ou à degradação
da sociedade, e vimos nas discussões sobre ética o quanto a sociedade e seus padrões morais po-
dem determinar a atividade de marketing. Neste contexto, o marketing social se diferencia enquan-
to uma ação que tem uma influência propositada sobre a sociedade, ou seja, uma influência que é
caracterizada por sua intenção fundamental de promover o bem-estar coletivo a partir da aplicação
sistemática da estrutura conceitual e instrumental de marketing.
Isto permite entender que o marketing social constitui uma espécie de ‘técnica’ de marketing
que tem influência sobre a sociedade na medida em que pode promover melhorias sociais a partir
das mudanças de comportamento em direção ao bem-estar individual e coletivo. Assim, mesmo que
as ações de marketing social sejam eventualmente isoladas (como por exemplo, em um esforço pela
133

doação de sangue em uma pequena cidade, ou o esforço de vacinação de crianças em um municí-


pio), as ferramentas que são úteis para campanhas em um lugar específico provavelmente serão
utilizadas em toda e qualquer situação nas quais o problema se verifique (no caso de doação de
sangue e da vacinação infantil, sabemos que tais problemas são universais, e podem ser realizadas
campanhas baseadas em marketing social onde quer que a demanda surja).
A eficiência que marketing gerou (e gera) para as empresas, que decorre da aplicação de seus
princípios e conceitos operacionais, de suas técnicas e de seus modelos, passa então a ser direcio-
nada ao interesse social. De fato, as experiências que vem sendo relatadas sobre o assunto (ver item
13.2) permitem compreender que marketing, em sua perspectiva operacional e gerencial, vem
promovendo também uma maior eficiência na geração de comportamentos de interesse coletivo, o
que sugere em um primeiro momento que o marketing tem, de fato, uma contribuição para a socie-
dade muito maior que a geração de satisfação dos clientes de empresas, considerados em sua cole-
tividade. Como conseqüência deste entendimento, e a partir do que sabemos hoje de marketing
social, podemos então reposicionar de forma definitiva a compreensão de que marketing é uma
área do conhecimento com aplicações não apenas ao aperfeiçoamento gerencial de organizações,
sendo também adequado para a construção de comportamentos sociais que melhoram as condições
de vida da sociedade, quando aplicado na realização de atividades de estrito interesse social163.
Podemos então compreender que, no contexto da disciplina de marketing e sociedade, a
subdisciplina de marketing social constitui a ‘dimensão operacional’, quando comparada às duas
outras dimensões, que são mais avaliativas e prescritivas. Resgatando então o que vimos sobre
macromarketing e sobre ética, temos no quadro 13.1 uma idéia mais clara da integração das três
subdisciplinas que constituem a disciplina de marketing e sociedade.
Figura 13.1 – A disciplina de marketing e sociedade e suas dimensões

Marketing social: dimen-


são operacional e orienta-
da à ação

DISCIPLINA DE
MARKETING & SOCIEDADE

Macromarketing: dimen- Marketing e ética: dimen-


são analítica e descritiva são descritiva e prescritiva
da ação de marketing de marketing

É possível crer que temos, agora, um senso mais consistente e bem delimitado de marketing
e sociedade, que, enquanto disciplina, possui posições analíticas (no sentido de avaliativas do resul-
tado da ação, configurada principalmente nos estudos de macromarketing), descritivas e prescriti-
vas (configuradas principalmente nos estudos de ética e marketing), e operacionais (configuradas
principalmente na teoria de marketing social).

11.2. Estado de desenvolvimento e valor

Do ponto de vista de seu desenvolvimento temático, podemos dizer que o marketing social
encontra-se no mesmo estágio das duas outras dimensões da disciplina de marketing e sociedade
(macromarketing e ética). Isto implica que temos ainda muitos pontos de ajuste a serem avaliados,
e muitos desafios e temas em aberto, além da própria consolidação da área como uma alternativa
consistente e considerada como alternativa de promoção de bem-estar social. Neste item apresento

163Veja que não falo aqui das externalidades da ação de marketing, mas sim da ação sistemática e propositada
de marketing, ou seja, de um esforço orientado de marketing para o alcance do objetivo da causa.
134

algumas informações sobre o estado atual da disciplina e nos itens seguintes discuto alguns dos
principais desafios e limitações ainda pendentes.
Para termos uma idéia de como se encontra a subdisciplina de marketing social recorremos
aos levantamentos que vêm sendo realizados por Alan Andreasen, que desenvolveu em diferentes
momentos uma visão de como a área vinha se consolidando164. De tudo o que foi observado, o des-
taque é para os seguintes avanços (complemento as colocações de Andreasen, na medida do possí-
vel, com as informações da realidade brasileira):
• Foi desenvolvida até o final da década de 2000 uma vasta literatura sobre marketing social na
forma de livros, que podem servir tanto para direcionar a ação de profissionais quanto para
serem usados em instituições universitárias. Interessa anotar aqui que uma porção significati-
va da teorização sobre marketing social na forma de livros vem da Europa, com base nos tra-
balhos de alguns pensadores que ganharam destaque internacional na criação de uma teoria
para o marketing social com viés europeu, fazendo frente ao domínio americano que ocorre
nas demais áreas de marketing165. No Brasil, temos a tradução da obra clássica de Kotler e Ro-
berto, e temos ainda algumas contribuições de autores nacionais, algumas das quais alinhadas
com o modelo internacional, e outras um pouco desfocadas da conceituação convencional, ha-
vendo inclusive casos de confusões entre marketing social e de causas sociais, ou com a dis-
cussão do marketing social no contexto da responsabilidade social corporativa, dentre outras.
Recomendo aos interessados fazerem uma verificação nos principais sites de busca e nos sites
das principais editoras que operam no Brasil;
• Há um volume significativo de artigos e casos produzidos sobre marketing social, em especial
em um periódico que é especificamente direcionado ao assunto, que é o Social Marketing Quar-
terly, além de publicações do tema em periódicos diversos de marketing. No Brasil temos evi-
dências de produções de artigos em eventos e revistas, mas até onde a pesquisa realizada al-
cançou informações, o que temos é ainda muito limitado, repetindo por vezes a confusão con-
ceitual presente nos livros. Creio que é um desafio para o Brasil o desenvolvimento de uma li-
teratura mais focada e consistente sobre o assunto, que possa servir de suporte para mais pes-
quisas e desenvolvimento de casos;
• Há eventos internacionais dedicados especificamente ao marketing que são realizados perio-
dicamente, como a Innovations in Social Marketing Conference. No Brasil, o Encontro de Marke-
ting (EMA), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ANPAD), que é reali-
zado a cada dois anos, inseriu marketing e sociedade como um dos temas de interesse do even-
to de 2010, o que favorece a submissão de artigos sobre marketing social;
• Foram criados centros de pesquisa e prática de marketing social em algumas universidades
em nível internacional (em especial nos Estados Unidos e na Europa), para potencializar a
produção e a difusão de conhecimento sobre o assunto. No Brasil, não foi encontrada qualquer
iniciativa neste sentido;
• No exterior também passaram a ser ministradas disciplinas específicas sobre marketing social
em cursos de graduação e de pós-graduação. No Brasil são registrados alguns esforços neste
sentido, porém as ementas e programas que foram disponibilizados para pesquisa, na internet,
mostram que o tema é tratado de forma parcial e difusa, ora como parte do marketing de cau-
sas sociais, ora associado ao tema de responsabilidade social. Acredito que o desenvolvimento
de disciplinas mais específicas e melhor centradas em marketing social contribuiriam sobre-
maneira para uma maior difusão do valor da área no Brasil, e isto é um dos desafios que te-
mos;
• Na esfera profissional, o marketing social passou a ser fortemente considerado por instituições

164 Ver as seguintes referências: ANDREASEN, A. R. Marketing social marketing in the social change market-

place. Journal of Public Policy and Marketing, v. 21, n. 1, p. 3-13, spring, 2002; ANDREASEN, A. R. The life trajec-
tory of social marketing. Marketing Theory, v. 3, n. 3, p. 293-303, 2003.
165 Cf. HASTINGS, G. Social marketing: why should the devil have all the best tunes? London: Butterworth-

Heinemann, 2007.
135

não governamentais e órgãos de estado para a realização de campanhas de administração do


comportamento. O melhor exemplo foi o programa das Nações Unidade para o combate à AIDS
(UNAIDS), que adotou o marketing social como sua ferramenta primária nas ações institucio-
nais e campanhas para minimizar o problema da doença no mundo, inclusive no Brasil.

Andreasen cita ainda que o marketing social passou a ser uma especialidade de várias con-
sultorias de marketing e de apoio à políticas públicas, o que poderá, com o tempo, dar condição
para a composição de uma profissão específica na área. Mas se isto é ainda uma aspiração em nível
internacional, onde os esforços de constituição da área de conhecimento estão muito mais avança-
dos, no Brasil estamos muito distantes desta realidade, pelo menos até onde a pesquisa realizada
mostrou.
É possível acreditar, por outro lado, que ao passo que os resultados da aplicação do marke-
ting social vão mostrando seu valor, a área deverá ganhar mais respaldo. Em algumas situações já
são atestados resultados positivos do uso do marketing social, como apontam os pesquisadores
Stead, Hasting e McDermott em sua avaliação da área de alimentação166, na qual encontraram evi-
dências de que as ações de marketing social foram bastante eficientes para promover conhecimen-
tos sobre alimentação saudável e na redução dos níveis de colesterol, pressão sanguínea e massa
corporal, além de ter contribuído de forma efetiva nos esforços direcionados à redução do consumo
de tabaco e bebidas alcoólicas. No entanto, são necessários mais e mais estudos neste sentido para
gerar uma evidência ainda mais consistente e que justifique o envolvimento de pessoas e o patrocí-
nio de organizações e do estado às ações baseadas em marketing social. Quando escrevo estas pági-
nas, avanços estavam sendo feitos neste sentido em nível internacional.
Além de ter que ocupar espaços no universo de atuações possíveis, temos ainda alguns pon-
tos que vêm desafiando os profissionais envolvidos com marketing e que são os grandes desafios
ainda para a construção de uma teoria mais consistente de marketing social. Os pontos mais desta-
cados são: (1) a condição em que o marketing social se posiciona diante das demais opções de mu-
dança de comportamento; (2) em que medida podemos considerar adequada a adaptação dos con-
ceitos centrais e próprios do framework gerencial de marketing comercial para a causa social; (3)
como podemos compreender o conceito de concorrência no marketing social; e (4) quais os condi-
cionantes de natureza ética que devem ser considerados na teoria e na prática do marketing social.
Estes tópicos são discutidos no restante do capítulo.

11.3. Marketing social e outras opções de mudança social

Sobre o primeiro desafio, lembramos inicialmente que as principais alternativas levantadas


para promoção de mudanças sociais são a educação, a legislação e o marketing social167. Por esta
visão observamos que há, claramente, características específicas de cada alternativa que as fazem
ora adequadas e ora inadequadas, considerando as diferentes demandas de intervenção. Por exem-
plo, no caso do uso de preservativos teríamos provavelmente bons resultados de incremento de uso
a partir de ações de educação ou de marketing social, mas uma lei que obrigasse as pessoas a usar
preservativos seria totalmente inútil. Por outro lado, no propósito de promover a redução do fumo
em locais fechados, os esforços de educação e marketing social, embora tenham algum efeito, são
muito limitados quando comparados à imposição legal (se acompanhada da vigilância das pessoas e
da fiscalização pública).
Historicamente, os esforços de mudança de comportamento foram baseados principalmente
na legislação e na educação, mas estes mantiveram uso de técnicas próprias das atividades de mar-

166 STEAD, M.; HASTING, G.; MCDERMOTT, L. The meaning, effectiveness and future of social marketing. Obesi-

ty Reviews, v. 8 (suppl. 1), p. 189-193, 2007.


167 O leitor pode ver que adoto o entendimento de Michael Rothschild, expresso na referência: ROTHSCHILD,

M. Carrots, sticks and promises: a conceptual framework for the management of public health and social issue
behaviors. Journal of Marketing, v. 63, n. 4, p. 24-37, 1999.
136

keting. O exemplo mais comum é justamente o uso de campanhas de mídia e de ações de relações
públicas (como dissemos no capítulo 12, este primeiro uso foi exatamente o que ensejou a proposi-
ção de uma expansão de conceito de uma ‘publicidade social’ para um ‘marketing social). Em boa
medida, este modelo de ação ainda está presente nos dias atuais, pelo menos em nível de Brasil. Por
exemplo, quando a lei que proibia a venda de bebidas em rodovias federais foi instituída, houve
uma ampla cobertura de mídia, tanto das ações de punição dos estabelecimentos comerciais que
descumpriam a lei quanto nas entrevistas dos agentes responsáveis pelos órgãos de trânsito; ou
seja, tivemos uma mudança de comportamento conduzida por uma lei, mas que foi complementada
com um esforço de mídia e relações públicas para sua consolidação (pelo menos nos primeiros dias
de vigor da lei).
Em uma avaliação preliminar, é possível enquadrar este modelo como sendo um comparti-
lhamento de forças, ora de marketing e legislação (por exemplo, o caso citado no parágrafo anteri-
or), ora de marketing e educação (por exemplo, o esforço para promover o uso de preservativos),
ora das três modalidades (por exemplo, os esforços para ajustar o comportamento das pessoas no
trânsito).
Mas há pesquisadores que entendem, e defendem de forma veemente, que esforços de publi-
cidade isolados de uma concepção anterior de marketing (o que envolveria primeiro definir um
referencial estratégico, um produto, um preço...168) não pode ser configurado como marketing soci-
al. Sendo assim, então a ação seria restrita à sua definição anterior (educação ou legislação), com
um uso de uma ferramenta de marketing, no caso a publicidade.
Por esta compreensão, não precisamos argumentar muito para que aquilo que estamos exal-
tando como sendo o resultado de uma real utilização de marketing para geração de benefício social
sofra um forte esvaziamento. Obviamente, isto seria também um imenso problema para toda a lite-
ratura que já se desenvolveu e para as próprias causas associadas. Para evitar isto, não seria conve-
niente então prospectar um delimitador de causas ou de comportamentos em que fosse ‘apropria-
da’ a utilização do marketing social? Ou seria mais interessante defender que há causas que uma
ação de marketing pode ser mais eficiente do que qualquer das duas outras modalidades definidas?
Esta preocupação encontrou uma melhor solução no que foi sugerido também por Michael
Rothschild, que propôs um delimitador considerando três aspectos: a ‘motivação’ do sujeito, que
concerne à sua predisposição para adoção de um comportamento; a ‘oportunidade’ de realização,
que corresponde às condições que favorecem a adoção do comportamento; e a ‘capacidade’, que se
relaciona com a competência individual do sujeito para agir conforme demandado pelo comporta-
mento. A partir destes delimitadores, Rothschild desenvolveu uma matriz de possibilidades, que
está disposta no quadro 13.1, cujos detalhes comento a seguir169.
Quadro 13.1 – Delimitadores de estratégias de mudança comportamental
Motivação Sim Não
Oportunidade Sim Não Sim Não
1 2 3 4
Propenso a se Incapaz de se Resistente a se Resistente a se
Sim
comportar comportar comportar comportar
Educação Marketing Lei Marketing, lei
Capacidade 5 6 7 8
Incapaz de se Incapaz de se Resistente a se Resistente a se
Não comportar comportar comportar comportar
Educação, Educação, Educação, lei e Educação, lei e
Marketing Marketing marketing marketing

168 Ver, por exemplo, a referência: SMITH, B. The power of the product P, or why toothpaste is so important to

behavior change. Social Marketing Quarterly, v. 15, n. 1, p. 98-106, spring, 2009.


169 O quadro que apresento foi extraído da seguinte referência: ROTHSCHILD, M. “Considerações éticas quanto

à utilização de técnicas de marketing para a administração de saúde pública e de causas sociais”. In. ANDRE-
ASEN, A. R. (org.). Ética e marketing social. São Paulo: Futura, 2002.
137

Pelo que está exposto, somente em duas circunstâncias o marketing social não será útil. A
primeira (célula 1) refere-se a uma situação em que o sujeito está motivado a adotar um compor-
tamento, e possui oportunidade e capacidade para tanto, situação na qual a proposta de comporta-
mento poderá ser assimilada somente com um esforço de educação. Um exemplo desta situação
consiste nas campanhas de saúde dental, uma vez que a grande maioria das pessoas tem disposição
e capacidade para cuidar dos próprios dentes e há todos os mecanismos disponíveis e de acesso
razoavelmente fácil (hoje são largamente disponíveis os serviços odontológicos, pelo menos no
Brasil, além de materiais a um custo baixo, como escovas, cremes dentais...), além de haver uma
preparação desde a primeira infância para os cuidados com os dentes. Neste caso, basta a manuten-
ção de esforços de educação continuada e de eventuais campanhas de mídia para fortalecer o hábi-
to.
A outra situação na qual o marketing social não tem qualquer utilidade consiste no caso em
que o sujeito tem oportunidade para a ação e possui as habilidades necessárias para tanto, porém
não apresenta motivação suficiente (célula 3). Neste caso, a força de lei é o método de melhor efeito.
Um exemplo desta situação é o uso do cinto de segurança em veículos. Com efeito, todos os veículos
possuem cinto de segurança, e estes são projetados de tal modo que qualquer motorista ou passa-
geiro tenha condições de usá-lo. Neste caso, somente a lei que obriga o uso e que estabelece puni-
ções na forma de multa parece ser capaz de induzir os motoristas e passageiros a colocarem o cinto
sempre que entram nos veículos.
É interessante observar nestes casos a quase inutilidade de outros condicionamentos. Por
exemplo, no caso de cuidados com os dentes, seria praticamente inútil instituir uma lei que obrigas-
se as pessoas a escovarem seus dentes, ao passo que, no caso do cinto de segurança, as ações de
educação para seu uso parece não gerar motivação de uso nos motoristas e passageiros (especulo
que praticamente todas as pessoas sabem da relevância do uso deste equipamento, ou seja, insistir
em informar não gera resultado). Em qualquer das duas situações, um esforço de marketing social
também não parece ser adequado. No entanto, em todas as demais possibilidades do quadro tere-
mos a intervenção do marketing social, seja de forma isolada seja em conjunto com a educação e a
lei:
• No caso em que há motivação para o comportamento e há capacidade do agente para adoção,
mas não há oportunidade para tanto (célula 2), então não teremos necessidade de construir
uma imposição legal nem de desenvolver um esforço sistemático de educação, mas teremos
que construir um projeto de marketing social no sentido de criar uma proposta adequada ao
‘cliente’, e ao mesmo tempo gerar disponibilidade deste produto. Um exemplo deste caso é o
estímulo ao consumo saudável, como o consumo de alimentos orgânicos, em que não há indis-
posição por parte dos consumidores em consumir produtos deste tipo, nem lhes falta capaci-
dade, restando a marketing desenvolver um esforço de divulgação das vantagens destes ali-
mentos, além de sua disponibilidade com qualidade e com preços competitivos170;
• No caso em que não há motivação dos clientes nem oportunidade de adoção, mas em que há
capacidade por parte destes clientes (célula 4), então é adequada a proposição de uma lei que
corrija a condição de desmotivação, mas também é conveniente a aplicação de ferramentas de
marketing social para viabilizar oportunidade de adoção. Um exemplo é o esforço pelo uso de
capacete para motociclistas e passageiros, especialmente nas regiões interioranas de alguns
estados brasileiros; neste caso, sabemos que não há uma grande motivação para o uso deste
equipamento, e o custo financeiro pode dificultar a sua aquisição, embora seja de uso bastante
fácil. Assim, além de uma lei que obrigue o uso, é necessário que se desenvolvam campanhas
para estimular o uso, e ainda um esforço de barateamento e distribuição para as regiões mais
distantes das grandes cidades;

170 Aos interessados em uma discussão sobre consumo sustentável a partir de um caso específico, recomendo
ler o texto: COSTA, F. J. ; OLIVEIRA, L. Produção e consumo sustentável: um estudo de caso. In: XII Simpósio de
Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais – SIMPOI, 2009, São Paulo. Anais do XII Sim-
poi, 2009.
138

• Nos casos em que há motivação por parte do público-alvo, mas em que não há capacidade des-
te público, havendo ou não oportunidade (células 5 e 6) teremos então uma situação que pro-
picia o uso conjunto de ações de educação e de marketing. Como exemplo para a situação em
que há motivação e oportunidade, mas que não há capacidade, temos o auto-exame do câncer
de mama; já para a situação em que há motivação, mas não há nem oportunidade nem capaci-
dade, temos o caso da capacitação de pessoas para cuidados em demandas de primeiros socor-
ros. Em ambos os casos, um esforço de educação é necessário para desenvolver as habilidades,
porém é relevante um esforço de marketing social para viabilizar os ‘produtos’ nas condições
adequadas de facilidade de acesso e baixo custo;
• Por fim, se tivermos uma circunstância em que não há nem motivação nem capacidade do pú-
blico-alvo, independente de haver ou não oportunidade para adoção do comportamento (célu-
las 7 e 8), então devem ser aplicadas ferramentas das três modalidades (lei, marketing social e
educação). Para o caso em que não há motivação nem capacidade, mas há oportunidade, temos
os exemplos do estímulo para que as pessoas parem de fumar; para o caso em que não há nem
motivação, nem oportunidade, nem capacidade, podemos citar o exemplo do consumo de dro-
gas. O exemplo 1 ilustra esta última situação.

Exemplo 1 - O consumo de drogas


O uso da maconha foi uma das discussões mais acirradas do debate sobre o controle de con-
sumo de drogas no Brasil nos anos 2000. As vertentes de argumentação sinalizam em dois sentidos:
um primeiro que entende que o uso da maconha deve ser proibido e que o combate estatal deve
permanecer, mas buscando sempre um aprimoramento; e um segundo que entende que a maconha
é uma droga de menor poder ofensivo, não sendo mais nociva, por exemplo, do que o álcool ou o
cigarro, e portanto, deve ser liberada para uso.
Para qualquer das duas opções temos defensores ardorosos, porém a tese da liberação ga-
nhou um adepto de peso, que foi o ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso. A pre-
sença de uma personalidade desta natureza no debate serve ao menos para que as pessoas parem
para ouvir as teses alternativas ao que está instituído (em termos de proibição), além de liberar o
tabu que a simples discussão do assunto já representa.
Não teríamos espaço para ir mais longe neste debate, mas convém entender que, de fato, se o
consumo da maconha não é mais problemático que o consumo do álcool ou do tabaco, isto não sig-
nifica que deva ser liberado, podendo ser, por outro lado, um sinalizador de que bebidas alcoólicas
e cigarros deveriam também ser proibidos. Logicamente, não há condições hoje para viabilizar tal
impedimento, inclusive porque isto implicaria na transferência do comércio legal para o comércio
praticado no tráfico.
Mas se a sociedade tem conseguido manter em níveis toleráveis as conseqüências do uso de
tabaco e do álcool, mantendo o consumo livre e com apenas algumas restrições, então é possível
supor que o mesmo ocorreria em relação à maconha. Por este caminho, para os casos de viciados,
que normalmente aparecem em produtos de vício, teríamos uma situação que se assemelha ao que
está indicado na célula 8 do quadro 13.1, ou seja, uma situação em que o usuário não tem maiores
motivações para parar de consumir, além de não ter as condições adequadas para tanto, nem tem a
capacidade necessária (devido ao vício e à dependência). O que hoje é um caso de legislação e a
conseqüente repressão policial, juntamente com esforços de educação, passaria a receber um su-
porte proveniente de uma visão de marketing.
É possível entender que uma visão de marketing poderia contribuir de forma efetiva na solu-
ção do problema, não exatamente na eliminação total do consumo (o que é muito improvável), mas
na minimização e no controle deste consumo, como é o caso, por exemplo, das bebidas, em que os
esforços de ajuste de comportamento são não no sentido de zerar o consumo, mas de moderá-lo,
para evitar o efeito do consumo excessivo. Dentre as diversas possibilidades disponíveis, temos
algumas indicações abaixo que podem ser postas em discussão.
1. Nas pesquisas de marketing sobre o comportamento do consumidor seria possível mapear
139

aspectos mais específicos sobre motivação para o consumo e sobre os pontos de maior sensibi-
lidade para aceitar propostas de moderação de uso;
2. Na pesquisa sobre o produto seria possível identificar estruturas e composições que permitis-
sem minimizar seus efeitos deletérios ou até mesmo desestimular o uso, seja na configuração
do próprio produto, seja na criação de produtos substitutos;
3. Na construção de uma política de sacrifício seria possível pensar no gerenciamento tanto do
preço quanto do acesso da droga em si, sendo possível ainda formar estratégias de minimiza-
ção do sacrifício de alternativas concorrentes disponíveis;
4. Seria possível desenvolver ações de promoção anticonsumo melhor direcionadas, em razão da
abertura para falar sobre o assunto (sem estar trazendo em si a ameaça da lei), ou na promo-
ção de um consumo consciente e regrado;
5. No gerenciamento dos canais seria possível identificar alternativas mais consistentes de dis-
tribuição e de condições de acesso.

Uma conseqüência possível de tal procedimento seria o esvaziamento do tráfico, pelo menos
da maconha, pois os atuais compradores irregulares poderiam adquirir os produtos em locais mais
apropriados. Isto também reduziria fortemente o número de mortes decorrentes dos confrontos
entre policiais e entre as gangues de traficantes, além de reduzir, pelo menos neste contexto, as
possibilidades de corrupção de policiais pelos líderes traficantes.
No entanto, não se pode prever com segurança quais seriam os reais efeitos de tal liberação,
até porque não há precedentes, pelo menos no Brasil, de uma situação semelhante. Adicionalmente,
a liberação seria restrita à maconha, de modo que outras drogas, como a cocaína e a heroína, per-
maneceriam circulando por meio do tráfico organizado.

Ainda no propósito de diferenciar bem o que seja marketing social no contexto da mudança
social, Alan Andreasen buscou algumas características que fossem claramente específicas de mar-
keting social171. Em seu entendimento, estes elementos únicos são os seguintes:
• Primeiro, o marketing social mantém um foco de base no comportamento, tanto no esforço de
mudança (quando necessário) e da manutenção comportamental, ou seja, a base sobre a qual o
marketing social se desenvolve parte dos pressupostos de que deve ocorrer um ajustamento
do comportamento desejável de indivíduos e grupos e de que este comportamento deve ser
mantido;
• Segundo, o marketing social é totalmente orientado ao cliente, ou seja, a ação baseada no con-
ceito de marketing social pressupõe a busca por um conhecimento o mais detalhado possível
por meio de pesquisas sistemáticas, e um propósito de desenvolver uma oferta da forma ade-
quada aos interesses deste cliente de modo a gerar um benefício máximo;
• Terceiro, está baseado em uma oferta de troca, na qual estão bem delimitados os elementos
produto (na oferta) e o custo de acesso (o sacrifício), em uma plataforma de troca que viabilize
o acesso ao benefício dentro de um conjunto bem delimitado de condicionamentos desenvol-
vidos para promover justiça a todos os envolvidos.

Se avaliarmos as demais opções de alteração comportamental, observaremos que estes três


elementos não estão tão claramente presentes, e de forma simultânea (deixo ao leitor o exercício de
verificação). Por estes delimitadores é que cabe a aplicação do modelo geral da ação de marketing,
que comentei no item 12.3.

11.4. O problema no marketing mix social

No item 12.2 (no capítulo anterior) esbocei uma diferenciação conceitual entre marketing

171 ANDREASEN, A. R. Marketing social marketing in the social change marketplace. Journal of Public Policy and

Marketing, v. 21, n. 1, p. 3-13, spring, 2002.


140

social, marketing societal, marketing de organizações sociais e marketing de causas sociais, e deixei
relatado que era conveniente debater o quanto o marketing social se diferenciava do marketing
convencional. Desenvolvi a apresentação dos elementos do marketing mix social no 12.3, e vimos
que, a despeito dos melhores esforços empreendidos pelos pesquisadores para fazer a adaptação
do modelo clássico dos 4 Ps para a administração comportamental, é fácil ver que há fragilidades na
tradução que fazemos dos conceitos do marketing mix convencional para a criação de um marke-
ting mix social.
O problema inicia na concepção que fazemos do que seja o produto do marketing social. Ao
revisar toda a literatura que já se desenvolveu sobre o assunto, observamos que, por mais que nos
esforcemos para delimitar de forma clara o que é este produto, ainda assim temos dúvidas. É o
comportamento, como parar de usar drogas? É o suporte para a adoção do comportamento, como a
oferta de clínicas para tratamentos de dependentes químicos? É o desenvolvimento de uma alterna-
tiva ao usuário de droga, como um produto substituto que não seja ofensivo, e que elimine a neces-
sidade de uso das drogas? Ou é uma proposta de ação associada ao comportamento ou uma propo-
sição de valor para o cliente, como apresentei no capítulo 12?
Como vimos, é possível a adoção de qualquer destas opções, e aquela que adotarmos direcio-
na toda a concepção que teremos de projetos de marketing social. De fato, se entendemos o produto
como um comportamento, teremos uma determinação das noções de preço, de promoção, e de
praça diferentes da que teremos se compreendemos o produto como sendo uma oferta de benefício
para o cliente (deixo ao leitor o exercício de esboçar como seria o desdobramento de cada elemento
do marketing mix para um caso qualquer, como uma campanha pela coleta seletiva de lixo). Isto
gera um sério problema para a gestão do marketing social, pois se estamos falando de uma mesma
perspectiva teórica, que é a do marketing, é esperado que tenhamos um alinhamento de direciona-
mentos.
A limitação colocada ilustra bem o quanto o problema da indefinição do produto pode ser
disseminado para uma indefinição dos tópicos subseqüentes. O marketing social precisa então for-
talecer uma posição sobre o que venha a ser de fato seu produto genérico, e como conseqüência
teremos uma quase imediata definição de todo o conceito de marketing mix social.
Creio que seja conveniente ilustrar o que temos já de novas propostas neste sentido, e no que
temos disponível quando escrevo estas linhas, o destaque vem do artigo de Sue Peattie e Ken Peat-
tie172. Estes autores sugeriram a proposição de que o marketing social tem o seu maior ponto de
fragilidade na tentativa de se vincular aos conceitos do marketing convencional. Seria necessário,
portanto, uma revisão de conceitos, no sentido do estabelecimento de uma proposta diferenciada
da visão do objeto genérico do marketing social, das atividades operacionais integradas no marke-
ting mix social e do conceito de concorrência. Comento os dois primeiros pontos neste item, e des-
taco um item específico para a questão da concorrência.

- A questão da troca do marketing social173


Sobre o objeto genérico do marketing social, precisamos entendê-lo como sendo necessaria-
mente a troca, por ser esta o objeto genérico de toda a disciplina de marketing, como apontei no
capítulo 1. Pelo que vimos, a troca sugere a existência de um ofertante, de um demandante, de um
produto e de um contexto de realização. O ofertante propõe um produto que, ao ser aceito pelo
demandante, requer que este realize um sacrifício para o alcance. No modelo convencional de mar-
keting, é bem clara a presença destes elementos, porém no caso do marketing social o problema
não é tão simples. Vejamos três exemplos:
• Quando os governos fazem um esforço para promover o sexo seguro por meio da distribuição
de preservativos, estes são normalmente gratuitos, e a única contrapartida das pessoas está no

172 PEATTIE, S.; PEATTIE, K. Ready to fly solo? Reducing social marketing’s dependence on commercial mar-
keting. theory. Marketing Theory, v. 3, n. 3, p. 365-385, 2003.
173 Embora o item desenvolvido seja sobre o marketing mix, inseri aqui esta discussão sobre a troca no marke-

ting social porque esta definição direciona os conceitos subseqüentes, em especial o conceito de produto.
141

seu uso. Veja bem: a pessoa, ao contrário de pagar pelo benefício que terá, ainda recebe um
bem para viabilizar o acesso;
• Outro caso que destoa do convencional ocorre em relação a campanhas de doação de sangue,
em que, ao final, o beneficiário não é, de forma direta, o doador, e sim a sociedade em geral.
Observemos que mesmo que o beneficiário da troca não seja exatamente o agente envolvido
no processo, é este agente quem realiza o maior sacrifício;
• Podemos citar ainda os esforços de governos direcionados a evitar que as pessoas bebam an-
tes de dirigir, em que o motorista é um grande beneficiário por não colocar sua vida em risco
nem tomar multas, mas também há o benefício mais genérico da sociedade, que não tem nas
ruas o risco de acidentes e atropelamentos, nem tem que arcar com os custos de tratamento
em caso de sinistros. Diferente dos primeiros exemplos, temos aqui dois grandes beneficiários.

Claramente, o procedimento convencional de marketing social não alcança uma explicação


interessante para exemplos como estes, de modo que precisaremos adotar um conceito para a lógi-
ca da troca que seja mais completo que um conceito de ofertante, que aqui não é mais que um pro-
ponente de um comportamento, e de um demandante, que eventualmente nem existe, pois não há
sempre uma pessoa demandando um produto.
Uma alternativa é entender que, para o marketing social, a lógica do benefício e do sacrifício
não é somente para um demandante, mas para ‘alguma entidade de interesse do público-alvo’, seja
o próprio adotante, seja a sociedade em geral, seja o meio ambiente natural, sejam os animais... Esta
é a proposta de Sue Peattie e Ken Peattie, que inclusive sugerem a mudança da expressão ‘troca’
para ‘interação’.
A idéia é, portanto, de que marketing social mantém o foco na troca, mas não em uma troca
específica em que o benefício é direcionado aos agentes diretamente envolvidos na transação (ofer-
tante do comportamento e adotante), mas de uma troca mais ampla, em que o benefício pode ser
mais abstrato, como o sentimento de dever cumprido por gerar bem-estar para a sociedade174, que
é um ganho simbólico para o adotante da proposta. Embora seja uma proposta pouco ainda difun-
dida, creio que resolve bem o problema criado em situações próprias do marketing social, como as
que estão citadas nos exemplos acima. Este entendimento permite definir de maneira mais clara os
elementos de um marketing mix.

- Atividades operacionais
Para o conceito de troca do marketing social definido pela idéia de interação, pressupomos
que os agentes estão em contato entre si, transacionando ofertas com benefícios ora mais objetivos,
como não contrair uma doença venérea, ora mais abstratos, como a consciência tranqüila de ajudar
à pacientes com necessidade de sangue, mesmo que não os conheça.
O objeto transacionado nesta interação é, no pensamento de Sue Peattie e Ken Peattie, o
‘produto’ do marketing social, que é ofertado por um agente que tenta induzir o comportamento na
forma de uma ‘proposição’ que é feita ao adotante. Por exemplo, na tentativa de induzir o sexo se-
guro a proposição do marketing social seria a idéia de que ‘sexo seguro é necessário para não colo-
car as pessoas em risco’, proposição esta que é viabilizada pela construção de um discurso e pela
oferta de meios de informação e de meios materiais (neste caso, o preservativo).
A idéia da proposição de comportamento parece resolver bem o problema que encontramos
nos debates sobre o produto, e adere melhor ao conceito de oferta da atividade de interação associ-
ado a uma ação de administração de comportamento. Vejamos dois exemplos que podem ilustrar as
idéias de ‘troca’ e de ‘produto’ do marketing convencional transportada para os conceitos de ‘inte-
ração’ e de ‘proposição’ de comportamento:

174Veja que não fugimos, ao final, de um conceito de troca, embora precisemos de uma reconfiguração e de
outra terminologia. Para um aprofundamento da necessidade desta reconfiguração, recomendo a leitura com-
plementar da seguinte referência: HASTINGS, G.; SAREN, M. The critical contribution of social marketing the-
ory and application. Marketing Theory, v. 3, n. 3, p. 305-322, 2003.
142

• Em uma campanha desenvolvida por uma organização governamental direcionada a desesti-


mular o aborto, temos como idéia de ‘interação’ o que se estabelece entre a organização que
procura influenciar o comportamento, e as mulheres que são potenciais abortantes, em um es-
forço de interação que pode ser mais direto, como visitação às residências ou consultórios mé-
dicos; ou indiretas, como as ações de comunicação em rádio e televisão. Obviamente, os bene-
ficiários são principalmente as crianças que não serão abortadas, e não exatamente as mulhe-
res envolvidas, porém a geração do benefício passa antes por um comportamento adotado pe-
la mulher. Neste caso, a ‘proposição’ da organização é simplesmente de que ‘não se deve prati-
car o aborto’ (não estamos falando ainda em argumentos para convencer as mulheres a adotar
este comportamento);
• Em uma campanha de uma organização não governamental direcionada a promover a adoção
de animais domésticos abandonados (cachorros e gatos, por exemplo), temos bem delimitada
a idéia de ‘interação’ que se estabelece entre a ONG e as pessoas que serão potenciais adotan-
tes dos animais. Também aqui a interação pode ser mais ou menos direta, e tem como maior
beneficiário o animal que será adotado, embora a pessoa que o adota tenha o benefício de
consciência ou de ter próximo de si um companheiro em todos os momentos, especialmente
nas horas de solidão. Aqui, a ‘proposição’ da organização é a seguinte: ‘se você pode, então
adote um animal que está abandonado’.

Considerando então esta possibilidade, e se a aceitamos nestas novas denominações (que, re-
forço, não apenas mudam uma palavra por outra, mas envolvem uma mudança que embute outra
conceituação em relação aos usos no marketing convencional), resta-nos agora determinar como
seriam reconfigurados os demais elementos do marketing mix. Temos então o seguinte175:
• O preço passa a ser entendido como o sacrifício do acesso e da adoção da proposição colocada
para o agente adotante. Nos dois exemplos expostos logo acima, teríamos então o elemento sa-
crifício no esforço que a mulher terá que fazer para patrocinar ela própria a decisão de ter o fi-
lho, e no caso da adoção de animais, temos primeiramente o sacrifício de selecionar o animal,
que é um sacrifício muito pequeno, mas temos o sacrifício maior de cuidar deste no dia-a-dia,
com os custos de alimentação, limpeza e cuidados veterinários (para algumas pessoas há ainda
o sacrifício da intolerância de membros da família, que podem não gostar de animais e repro-
var a adoção);
• A promoção consiste no esforço de comunicação que se desenvolve entre os agentes em inte-
ração, e no planejamento e na execução de ações convincentes e estimulantes para que os su-
jeitos do público-alvo adotem o comportamento. Pelo pressuposto da interação, a idéia de co-
municação parece ser mais consistente que a idéia de promoção do sentido clássico de marke-
ting, mesmo que a comunicação do marketing social seja persuasiva e direcionada ao conven-
cimento da adoção do comportamento sugerido. Esta idéia parece ficar mais clara quando
lembramos de ações de marketing comercial em que são feitas propagandas mirabolantes para
convencer o cliente de que o produto ofertado é uma oferta de valor insuperável, ou de uma
campanha associada a uma lei em que é enfatizado o medo de uma sansão de qualquer nature-
za (como uma multa para quem joga lixo na rua). Assim, na proposta de uma ação de comuni-
cação de marketing social não caberiam os casos de sensacionalismo evidenciados nas ações
promocionais do marketing comercial, nem o terror que pode vir associado à algumas campa-
nhas vinculado à leis. Pensando agora nos dois exemplos acima, teríamos como possibilidades
de comunicação de marketing social, para as potenciais abortantes, a idéia de valorização da
vida, de que a culpa dos erros não é da criança, ou de que aborto é uma forma de assassinato,
além de trazer riscos para a saúde das próprias mulheres; no caso da adoção dos animais, um
esforço de comunicação poderia usar meios de mídia para informar da situação degradante

175Observe que, em boa medida, o que está exposto logo a seguir foi já assim posicionado na descrição que fiz
no capítulo anterior, mas fortaleço aqui o posicionamento, agora com uma melhor justificativa, e apresento
complementações.
143

dos animais abandonados, e ainda da responsabilidade das pessoas pelo bem-estar de todas as
espécies do planeta, e não somente dos seres humanos. Para qualquer dos casos, são possíveis
ações na mídia, pessoas visitando os potenciais interessados, atividades de relações públicas
como entrevistas em programas de rádio, dentre outras alternativas;
• Por fim, a praça ou distribuição, pode ser melhor visualizada como a disponibilidade de meios
de acesso ao comportamento proposto. Se houver elementos físicos envolvidos, temos então a
mobilização dos elementos convencionais de marketing de bens, e caso não haja, o procedi-
mento assemelha-se aos esforços de distribuição de serviços. Para os exemplos acima, temos
no caso das mulheres abortantes a disponibilidade de aconselhamento e suporte médico, além
de potencial suporte pós-parto; e no caso da adoção de animais temos a disponibilidade dos
mesmos em contextos de fácil acesso (conforme descrevi no capítulo anterior).
É relevante observar que, afora o conceito de praça ou distribuição, teremos nos demais
elementos do marketing verdadeiras variações conceituais, que implicam inclusive na possibilidade
de uma redefinição das tarefas centrais de marketing social fora do conceito dos 4 Ps. Obviamente,
isto foge a um modelo mental muito bem estabelecido nas pessoas que conhecem e que praticam
marketing, mas pode ser exatamente este o primeiro passo para a proposta de libertação do marke-
ting social do marketing comercial, no rumo de um ‘vôo mais independente’ (fly solo, como usam
Sue Peattie e Ken Peattie). A mudança de perspectiva que se coloca pode ser visualizada na figura
13.2.
Estas indicações não são, por outro lado, suficientes para serem adotadas, de modo que no-
vos estudos e maiores debates precisam ser desenvolvidos para aperfeiçoar a visão176. Esta discus-
são deverá ser um dos focos de debate na década de 2010, e somente o esforço coletivo dos pensa-
dores e praticantes ao longo do tempo poderá solucionar os possíveis problemas que surgirão em
decorrência das contradições entre um modelo de adaptação do marketing mix convencional, ou a
de uma nova conceituação no sentido de criar um mix específico e diferenciado para a área, mas
que desmonta um modelo que há meio século vem mostrando sua consistência nas aplicações ge-
renciais de marketing.
Figura 13.2 – Reconfiguração conceitual

Marketing convencional Marketing social


Baseado na Baseado na

Troca Interação

Mix Mix

Produto Proposição

Preço Sacrifício

Promoção Comunicação

Praça Acesso

11.5. A questão da concorrência do marketing social

Pelo que foi dito no item 12.3.3 a respeito das ações do marketing mix, foi enfatizado, especi-

176 Um exemplo de aplicação desta visão está no seguinte artigo, que já citado nos capítulos anteriores: PEAT-

TIE, K.; PEATTIE, S. Social marketing: a pathway do consumption reduction? Journal of Business Research, v. 62,
n. 2, p. 260-268, feb, 2009.
144

almente nos elementos de preço, promoção e distribuição, que a ação de marketing social deveria
envolver não apenas a proposição que é feita, mas também o que se configura como fatores contrá-
rios à adoção da proposição. Por exemplo, se desenvolvemos uma ação direcionada à redução do
consumo de bebidas entre jovens, devemos oferecer uma proposição de que ‘não se deve beber de
maneira excessiva’ (a proposição), reduzir o sacrifício da adoção, oferecer alternativas interessante
para quem quer beber ou tratamento para quem é dependente, e disponibilizar informações e até
substitutos adequados para a bebida (como cerveja sem álcool, por exemplo). No entanto, é conve-
niente atacar o comportamento alternativo, que é beber, seja buscando promover uma elevação no
preço da bebida para dificultar o consumo ou tornando o acesso à bebida mais difícil, seja proibindo
sua venda em determinados ambientes, seja restringindo o consumo por volume ou por idade, seja
desenvolvendo campanhas de comunicação que enfatizem as desvantagens e os riscos do consumo
de bebidas, dentre outras possibilidades.
Este esforço tem, em verdade, um pressuposto de que o marketing social ataca duas frentes
fundamentais: primeiro fortalecendo o valor de sua proposição; segundo tentando distanciar os
fatores que são a alternativa ao comportamento proposto. Poderemos compreender isto em outros
termos adaptados a uma linguagem mais próxima do que é convencional ao marketing comercial,
dizendo que o marketing social administra sua oferta, ao mesmo tempo em que administra o com-
bate à oferta alternativa, que é a sua concorrente.
O exemplo que apresentei no primeiro parágrafo deste item foi selecionado dentre as possi-
bilidades que possuem claramente um concorrente (no caso, o comportamento de beber), mas isto
não é sempre tão bem delimitado. Por exemplo, se o esforço de marketing social é direcionado a
promover a doação de órgãos, então não temos muita clareza de qual seriam os concorrentes da
ação de marketing, pelo menos em nível de comportamento, pois ficaria estranho dizer que a con-
corrência seja o fato de não doar. Isto sugere que necessitamos também reposicionar o que seja a
concorrência no marketing social de forma diferente do que entendemos por concorrência no sen-
tido convencional.
Figura 13.3 – Reconfiguração conceitual
Idéias competidoras
Marketing comercial
Desencorajamento social
Apatia
Falta de inclinação (involuntária)

Batalha por Adoção do com- Batalha por


atenção portamento e aceitação
manutenção (legitimidade)

Proposição e ação de marketing social

Encorajamento social

Para construir um referencial bem definido sobre o assunto, recorro novamente ao artigo de
Sue Peattie e Ken Peattie, que propuseram uma visualização da idéia de concorrência pela adoção e
manutenção de um comportamento baseadas em dois níveis de batalha: o nível da ‘atenção’ para a
proposição, e o nível da ‘aceitação’. A figura 13.3 ilustra o pensamento destes autores, e os detalhes
comento em seguida.
Na base do esquema retratado na figura (13.3) temos a proposição e a ação de marketing so-
cial, com um fortalecimento do encorajamento social, quando houver (por exemplo, encorajamento
145

de pessoas próximas a um fumante para que pare de fumar). Estes dois elementos prospectam a
atenção e buscam construir a aceitação, que conduzirão então à adoção e à manutenção do compor-
tamento. Por outro lado, os elementos competidores estão também ‘lutando’ neste mesmo contexto
para desencorajar o comportamento. Na visão dos autores, são quatro as alternativas de competi-
dores.
De baixo para cima no quadro das idéias competidoras, teremos inicialmente a falta de in-
clinação do sujeito, que é decorrente de suas características pessoais ou do contexto mais amplo de
sua vida, e que fazem com que este não se veja motivado a adotar o comportamento. Não se trata de
algo voluntário, mas de uma avaliação pessoal do valor da proposição de marketing social, que pode
ser, na visão do sujeito, pouco interessante. Por exemplo, as pessoas que são convidadas a doar
alimentos ou roupas aos pobres podem compreender que seja de grande valia realizar tal ato, ou
que a contribuição não é suficiente para solucionar o problema social da pobreza e por isto não
fazer qualquer doação.
Um segundo elemento é a apatia, que é um condicionamento diferenciado, próprio do sujei-
to, e que se reflete na indisposição pessoal de se engajar em um comportamento. Não se trata de
uma idéia alternativa nem de uma avaliação pessoal de valor envolvido na proposição, mas da pró-
pria indisposição de pensar ou de agir. Por exemplo, em esforços para o consumo de alimentos
saudáveis, em que não há maiores sacrifícios (a não ser, por vezes, um preço do alimento um pouco
mais elevado), encontramos uma verdadeira apatia das pessoas para se disporem a mudar de hábi-
tos alimentares, ou de conferir se os alimentos que compram são de fato, menos saudáveis. Outro
exemplo é o de um esforço para que as pessoas evitem consumir de empresas que são social e am-
bientalmente irresponsáveis, algo que exige uma verificação preliminar dos clientes, mas estes
quase nunca têm esta preocupação.
Além da apatia e a falta de inclinação, temos ainda o desencorajamento social, que corres-
ponde a um movimento semelhante ao encorajamento que estimula a adoção do comportamento,
mas que aqui atua no sentido contrário, ou seja, os grupos sociais de amigos, familiares, colegas de
trabalhos, de clube, dentre outros, desenvolvem ações, de forma voluntária ou não, que desestimu-
lam o sujeito a se distanciar da proposição de marketing social. Um exemplo deste caso está na
proposição associada ao não consumo de carnes, pois a alimentação está quase sempre associada à
família, que pode não respeitar ou desestimular a decisão de um de seus membros de adotar este
comportamento. Outro exemplo está associado à proposição de as pessoas pararem de consumir
drogas, que pode ser dificultada se amigos ou colegas permanecem consumindo ou pressionam o
sujeito a não parar.
Por fim, temos o marketing comercial, que é a ação de marketing realizada por organiza-
ções que propõem a adoção ou a manutenção de um hábito que é contrário ao que está proposto
pelo marketing social. O exemplo clássico aqui é o consumo do cigarro, em que temos de um lado
diversas entidades desenvolvendo ações para eliminar o vício, ao passo que a indústria do cigarro
vem desenvolvendo métodos para que as pessoas continuem fumando.
Este é o caso mais complexo, pois estamos em uma esfera de atuação que confronta ferra-
mentas poderosas de marketing orientadas para contrariar o esforço desenvolvido na campanha de
mudança de comportamento. É o caso de uma ação de marketing versus marketing, não orientado a
um produto ou marca, mas um comportamento de consumo mais amplo. É nos casos nos quais esta
competição existe que temos os maiores desafios para o marketing social, e dos quais temos exem-
plos de grandes ‘embates’177.

Exemplo 2 – O caso da luta contra a obesidade


O texto desenvolvido por Walter Wymar sobre a questão da obesidade e os desafios do mar-

177 É interessante ressaltar o fato de que há comportamentos em que não há competição do marketing comer-
cial, como é o caso, por exemplo, dos comportamentos de doação de sangue ou de adoção de animais, pois não
há interesses de empresas de que as pessoas não doem ou que não adotem. Por isto, este confronto é restrito a
algumas causas, como, por exemplo, o fumo, a bebida, as armas...
146

keting social dá uma indicação interessante da competição que se estabelece entre o marketing
social e o marketing comercial178, e creio que vale a pena descrever alguns pontos específicos que
se abrem na competição entre os esforços de marketing social para promover uma alimentação
saudável e reduzir os problemas da obesidade, e as ações de uma indústria de larga penetração
social e de grande poder econômico e que é, na visão de Wymar, a grande responsável pela obesi-
dade, na medida em que desenvolve alimentos ricos em gorduras, em que utiliza um projeto de
marketing altamente eficaz em termos de composto mercadológico, em especial na competência
demonstrada nas campanhas de comunicação que desenvolvem as intenções de consumo, mesmo
de produtos de alto risco.
Ao passo que a indústria de alimentos fortalece sua posição se aproveitando das condições
institucionais favoráveis e das vulnerabilidades de seus consumidores, assim como fazem as indús-
trias do cigarro e da bebida, geram-se como conseqüência problemas sobre os consumidores que
esta mesma se recusa a aceitar como decorrentes de sua ação. Neste contexto, o marketing social se
coloca como uma alternativa de solução em um esforço conjunto com a educação (dos consumido-
res) e a legislação (na regulamentação das empresas)179, e um de seus vetores de ação consiste em
partir para uma luta direta contra a indústria, seguindo a lógica de uma competição de marketing
social que, além de tentar promover sua proposição, também tentar enfraquecer a posição do con-
corrente.
Para tanto, é necessário desenvolver uma ação que perpasse pelo menos três estratégias cen-
trais: (1) promover a educação do consumidor sobre a influência negativa da ação de marketing da
indústria de alimentos, como forma de criar uma conscientização e uma maior capacidade de resis-
tir às ações que são realizadas; (2) desenvolver um movimento para gerar ativismo dos consumido-
res contra as ações de marketing destas indústrias; (3) influenciar os agentes políticos para que
regulamentem de forma mais restritiva a ação das empresas da indústria de alimentos, no sentido
de beneficiar os consumidores.
O esforço neste sentido será, logicamente, combatido pelas empresas do setor, como fizeram
empresas ou organizações de representação de outros setores que estiveram (ou que estão) sob
ataque de organizações governamentais ou sociais. Algumas das estratégias destas empresas são
previsíveis, tais como:
• Lobby: primeiro, as empresas deverão organizar uma ação sistemática de lobby junto a agen-
tes políticos, seja para evitar a aprovação de leis restritivas, seja para promoverem leis que as
beneficiem;
• Relações públicas: as empresas deverão desenvolver campanhas de relações públicas para
tentar construir uma imagem positiva junto à sociedade. Como parte deste esforço é esperado
que a indústria negue que tenha qualquer responsabilidade pelo problema da obesidade, lan-
çando uma ‘nuvem de fumaça’ para gerar dúvidas sobre a relação entre seus produtos e o pro-
blema de saúde pública;
• Promover a idéia de liberdade individual: deverão ser patrocinadas campanhas de propaganda
para fazer crer que as restrições à indústria é uma restrição ao consumo, e em um nível mais
amplo, à liberdade de consumo e de escolha, uma vez que os consumidores não poderão optar
de forma livre por consumir alimentos gordurosos, se assim quiserem;
• Criar evidências contrárias: a indústria de alimentos deverá desenvolver um centro de pesqui-
sa e contratar pesquisadores supostamente autorizados para realizarem pesquisas e ilustra-

178 WYMAR, W. Rethinking the boundaries of social marketing: activism or advertising? Journal of Business
Research, v. 63, n. 2, p. 99-103, feb., 2010. O texto remete de forma mais enfática para a realidade de obesidade
nos Estados Unidos, porém este problema é também uma realidade no Brasil. Por isto, creio que as idéias do
autor são também validas para nossa reflexão.
179 De fato, na classificação de Michael Rothschild exposto no quadro 13.1 deste capítulo, entender o compor-

tamento em que não há grande motivação por parte do sujeito em mudar seus hábitos alimentares, e em que
este tem pouca oportunidade para tanto, ao mesmo tempo tem pouca capacidade de implementar uma mu-
dança de hábito, o que requer um esforço das três alternativas de mudança comportamental.
147

rem resultados, supostamente neutros, de que os alimentos que produzem não provocam mal
à saúde;
• Sugerir auto-regulação: como parte do esforço para eliminar o poder de restrição do estado, as
empresas deverão reconhecer que há membros que realmente podem colocar a sociedade em
risco, e deverão propor a criação de um conselho de auto-regulação, que dispensa a ingerência
do estado e deixa o controle e a punição para os agentes do próprio setor.

O sucesso de um ou de outro esforço de marketing serão definidos ao longo do tempo, o que


dependerá de condicionamentos ambientais diversos (como por exemplo, o nível de comprometi-
mento de políticos com a indústria e a capacidade de outras empresas de alimentos de criar alter-
nativas adequadas para substituir os alimentos mais perigosos), e, obviamente, da competência dos
agentes envolvidos em criar planos de ação realmente eficientes.

Uma última possibilidade de concorrência para a realização de ações de marketing social se-
riam as atividades paralelas a uma determinada campanha que possuem um objetivo semelhante,
mas com uma idéia diferenciada, ou a proposta de outro comportamento. Por exemplo, se temos
uma ação de marketing social direcionado aos cuidados com o câncer realizado por uma empresa,
como parte de uma estratégia de ‘marketing de causas sociais’, é possível entender que a ação com
a mesma finalidade que é realizada por órgãos de estado são concorrentes. Já no caso de uma ação
que busca promover saúde por meio de exercícios físicos pode ser entendida como concorrente de
uma ação que busque orientar o adotante a realizar uma dieta sem necessariamente realizar exercí-
cios.
Claramente, este entendimento é controverso, pois ao final teremos sempre uma mesma fi-
nalidade em termos de benefício, que é o bem-estar dos adotantes, e, por isto, é delicado dizer que
uma ação de marketing social está concorrendo com outra ação de marketing social. No entanto,
não temos ainda no campo uma posição bem definida a este respeito, ficando a cargo dos agentes
decidirem como interpretar estes esforços paralelos que se realizam em favor de uma causa social.

11.6. Ética em marketing social

No fechamento deste nosso capítulo de discussões complementares sobre marketing social


creio que seja indispensável mostrar um pouco do debate que se desenvolveu em termos da análise
ética. Temos duas razões fundamentais para desenvolver uma reflexão sobre a ética no marketing
social: primeiro, porque estamos pensando em uma atividade que é antes de tudo marketing, e daí
podemos resgatar para a especificidade do tema tudo o quanto foi colocado nos capítulos 10 e 11;
segundo, ficou bem claro ao longo dos últimos dois capítulos que o marketing social não pode ser
desenvolvido sem uma preocupação ética permanente, na medida em que é uma tecnologia de co-
nhecimento que influencia a vida de muitas pessoas quando implementa ações de administração de
comportamentos. Ademais, quando consideramos que o propósito de uma ação de marketing social
é direcionado a administrar um comportamento coletivo para o ‘bem’ da sociedade, é indispensável
definir de forma consistente o que é um ‘bem’ para a coletividade, e como esta meta poderá gerar
concessões ou restrições para o agente que propõe a implementação deste benefício.
Diferente de outras possibilidades de aplicação de marketing para influenciar o comporta-
mento coletivo (como o marketing eleitoral, por exemplo), em marketing social nós tratamos algu-
mas vezes de questões que já são elas próprias polêmicas e até proibidas, como os problemas do
preconceito racial, da decisão pessoal por consumir ou não um produto legal, ou da violência do-
méstica. É necessário compreender que a capacidade do marketing social de moldar um comporta-
mento ou uma posição a respeito de qualquer questão de interesse coletivo implica que seu uso não
pode estar isento de um questionamento ético.
Por exemplo, se realizamos uma campanha que seja contra ou a favor do abordo, em qual-
quer dos casos podemos estar interferindo em um posicionamento que, para algumas pessoas, é
148

uma decisão a ser tomada pelas mulheres, e não é uma decisão sobre a qual devemos dar à socieda-
de um modelo de interpretação e posicionamento. Com efeito, o aborto, por todo o conteúdo polê-
mico que o circunscreve, é uma causa que sempre trará em si alguma controvérsia, o que imporá
para o agente que realiza uma ação de marketing social a necessidade de uma reflexão consistente
para a construção de uma justificativa adequada de sua ação, em especial porque, neste caso, qual-
quer posição de quem realiza a ação de marketing social poderá agredir as opiniões de outras pes-
soas.
Esta preocupação é especialmente relevante quando comparamos as ações do marketing so-
cial com ações de marketing comercial. Com efeito, se uma rede de supermercado tentar convencer
às pessoas de que seu produto é o melhor, isto poderá incomodar aos concorrentes, mas não os
agredirá em posições que são também legítimas. Se uma empresa convence à maioria das pessoas
de que sua oferta é superior, isto é parte da regra do jogo de um mercado de competição aberta, e
os concorrentes não podem usar o argumento de que dizer que é melhor é antiético.
Outro exemplo interessante vem dos programas desenvolvidos para combater o consumo do
cigarro no Brasil, em que uma das estratégias usadas foi colocar imagens e mensagens curtas nas
próprias embalagens, visando desestimular o consumo. A idéia parece excelente pela probabilidade
de gerar efeito, afinal temos uma contrapropaganda no próprio produto; porém, quando são colo-
cadas fotos de pessoas à beira da morte ou de fetos mortos, fica claro que, embora o objetivo seja o
bem-estar do fumante e da sociedade, a mensagem é grosseira e desrespeitosa na exploração da
condição humana.
Tomando por base este último exemplo, seria tolerável abusar da exploração da desgraça
humana em favor de uma causa que beneficia a coletividade? Temos evidentemente um dilema
ético, no sentido em que as duas posições são defensáveis, porém não estão isentas de críticas
quanto a seus métodos. Há, claramente, um confronto entre duas posições filosóficas: de um lado,
temos um entendimento ético que prescreve que se evite usar uma imagem desrespeitosa, que
configura uma perspectiva ética deontológica que postula o respeito à condição humana; de outro
lado, temos o entendimento de que o esforço para dirimir o consumo do tabaco deve usar tantas
ferramentas quanto necessárias, em um entendimento teleológico (utilitarista) de que, ao final, o
benefício para a coletividade justifica eventuais agressões.
Situações como estas constituem os dilemas éticos que estão quase sempre presentes quan-
do uma ação de marketing social é planejada e implementada. A diversidade de questões colocadas
foi suficiente para um grande volume de artigos sobre o assunto, inclusive um livro especificamente
sobre ética e marketing social180. O espaço disponível aqui não viabiliza uma discussão mais consis-
tente e um maior aprofundamento nas questões possíveis. Por isto, comento rapidamente os prin-
cipais dilemas enfrentados, selecionados a partir das tarefas do marketing social:
• Na segmentação: o próprio conceito de segmentação já parece estranho em um esforço que é
feito para bem-estar da coletividade, na medida em que este pressupõe uma divisão da popu-
lação em grupos com a finalidade de melhor direcionar a ação dentro de cada especificidade.
Mas se de um ponto de vista de marketing a segmentação é uma etapa indispensável, que in-
clusive caracteriza a própria atividade de marketing, esta mesma segmentação que guia a de-
terminação do público-alvo entre os segmentos possíveis, está claramente associada à exclu-
são (de outros segmentos). Por exemplo, em uma campanha para reduzir o consumo de ali-
mentos gordurosos, quando focamos em crianças na verdade excluímos todos os demais pú-
blicos que também sofrem com problemas com alimentos. Isto impõe ao esforço de segmenta-
ção e de definição do público-alvo um cuidado especial do ponto de vista ético, tanto nos crité-

180 Recomendo a leitura de: BRENKERT, G. G. Ethical challenges of social marketing. Journal of Public Policy and
Marketing, v. 21, n. 1, p. 14-25, spring, 2002. A maior contribuição sobre ética e marketing social está em: AN-
DREASEN, A. R. (org.). Ética e marketing social. São Paulo: Futura, 2002. Este livro é, em verdade, uma coletâ-
nea de artigos que versa sobre diversos temas e possibilidades de problemas éticos. Recomendo fortemente a
leitura deste livro, mas informo que é conveniente antes que o leitor tenha um maior aprofundamento teórico
sobre marketing social em geral.
149

rios de segmentação adotados, quanto na determinação bem justificada do público selecionado


para receber o benefício;
• Pesquisa de marketing: a pesquisa de marketing em geral tem diversos elementos de reflexão
ética a serem pensados, como mostrei no capítulo 11, porém no caso do marketing social te-
mos o agravante de, por vezes, estarmos interessados em informações que são polêmicas e de
natureza íntima, como, por exemplo, as questões a respeito das práticas sexuais, ou de violên-
cia doméstica. Isto coloca a necessidade de um esforço de pesquisa bastante cuidadoso, dentre
outros aspectos, na forma de desenvolvimento dos instrumentos de coleta de dados, na sele-
ção das questões a serem pesquisadas e na forma de desenvolver a pergunta, além de um cui-
dado em termos de trabalho de campo, no acesso aos informantes, e na garantia de preserva-
ção de identidade e respeito à privacidade;
• Formação do marketing mix: a preocupação ética com as determinações do marketing mix
social decorrem dos problemas que podem surgir na operacionalização das ações de mudança
de comportamento. Os problemas que podem emergir aqui são tantos quantos são aqueles
ilustrados na exposição que fiz sobre a ética do marketing mix em geral, apresentada no capí-
tulo 11, porém estes problemas são potencializados pela natureza do produto do marketing
social, que é uma influência sobre o comportamento. Pelos elementos do marketing mix social
segundo nossa definição apresentada no item 13.3, temos:
o Proposição: a proposição de marketing social necessita ser muito bem delimitada para não
ser agressiva aos clientes (como no caso aborto citado acima), e deve levar em conta tanto
a polêmica em torno do tema quanto o público receptor. Por exemplo, em uma ação contra
a obesidade direcionada a adultos, é necessário que a proposição não deixe margem para
que seja acusada de estar limitando o direito individual de escolha (tal fragilidade é o que
potencializa o contra-ataque das empresas, como ilustrado no exemplo 2);
o Sacrifício: quando fazemos uma oferta para o público alvo não devemos deixar de oferecer
um nível de sacrifício adequado para seu acesso. Por exemplo, se desenvolvemos uma
campanha para vacinação de crianças, temos que viabilizar um acesso facilitado para que
os pais conduzam seus filhos até os locais de vacinação, de preferência sem custo financei-
ro (de fato, promover a proposição e requerer que uma família viagem quilômetros para o
acesso é uma agressão ao público-alvo);
o Acesso: a forma de disponibilidade da proposição ou dos meios para a adoção do compor-
tamento são geradores de problemas éticos em situações pontuais. Por exemplo, nos casos
de adoção de animais ilustramos no capítulo 12 que seria necessária a exposição do animal
ao potencial adotante para que este avaliasse o animal e interagisse previamente com este.
No entanto, se esta exposição for feita com crianças a serem adotadas, provavelmente ha-
veria acusações de constrangimento às crianças, principalmente das que são rejeitadas;
o Comunicação: o esforço de comunicação não pode deixar de, primeiro, levar a verdade ao
público-alvo, segundo, informar de forma não agressiva. O caso citado das imagens das em-
balagens de cigarro é ilustrativo de um risco de a comunicação atentar contra a dignidade
humana e criar um clima de pânico entre os fumantes.

Os cuidados que precisam ser tomados são indispensáveis, e creio que o que está exposto
não deixa dúvidas disto. Com efeito, o fato de o marketing social ter como interesse o bem da coleti-
vidade o obriga a ter um cuidado especial com o conteúdo ético de suas ações e teorizações, pois é
possível compreender que, a priori, se uma ação busca o bem da coletividade, então tem que estar
de acordo com os padrões morais mais elevados reinantes nesta coletividade.
O ideal é que em cada projeto de marketing social, além das análises do potencial de resulta-
do, sejam desenvolvidas ações sistematizadas de verificação do conteúdo ético do esforço. Isto re-
quer alguns recursos para viabilizar o propósito, como, por exemplo: determinação de princípios
morais específicos para a ação de marketing social, inclusive, quando possível, um código de ética
de marketing social; frameworks de ação construídos levando a questão ética; ferramentas de veri-
ficação e conferência do conteúdo ético de uma ação; pesquisas e casos ilustrativos de ações éticas e
150

antiéticas, para serem expostas como forma de aprimorar o conhecimento e a prática sobre o as-
sunto, dentre outras possibilidades. Esforços neste sentido vêm sendo feitos, e é possível crer que,
ao longo da década de 2010, tenhamos um referencial bem consolidado de ação181. Por enquanto,
estamos avançando e os desafios estão colocados.

181Cf. ANDREASEN, A. R. The life trajectory of social marketing. Marketing Theory, v. 3, n. 3, p. 293-303, 2003;
HASTINGS, G. Social marketing: why should the devil have all the best tunes? London: Butterworth-
Heinemann, 2007, cap. 10.
151

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