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BOLETIM

Atenção Primária à OAPS/CDV


Saúde Ano 04 | Ed. nº 15 | Jan/Fev 2018

Ano 04 | Edição nº 15 | Jan/Fev 2018

Editorial
Prezados/as leitores e leitoras,

A 1 5 ª e d i ç ã o d o b o l e t i m i n f o r m a t i vo d o
O b s e r va tó r i o d e A n á l i s e Po l í t i c a e m S a ú d e
( OA P S ) e d o Ce n t r o d e D o c u m e n t a ç ã o V i r t u a l
( C DV ) s e vo l t a p a r a a s r e ce n te s m u d a n ç a s n a
Po l í t i c a N a c i o n a l d e S a ú d e M e n t a l ( P N S M ) . E m u m Menos de três meses após a reformulação
p a n o ra m a s e m e l h a n te à r e f o r m u l a ç ã o d a Po l í t i c a da Política Nacional de Atenção Básica sob
N a c i o n a l d e Ate n ç ã o B á s i c a ( P N A B ) , a s n ova s críticas de pesquisadores/as e entidades do
d i re t r i z e s p a ra o “ Fo r t a l e c i m e n to d a Re d e d e movimento de Reforma Sanitária, a Comissão
Ate n ç ã o P s i co s s o c i a l ( R A P S ) ” f o r a m a p r ova d a s Intergestores Tripartite – CIT aprovou em
n a C I T - Co m i s s ã o I n te r ge s to r e s T r i p a r t i te a p ó s dezembro de 2017 mudanças na Política
rej e i ç ã o d e e n t i d a d e s e p e s q u i s a d o r e s / a s q u e Nacional de Saúde Mental (PNSM) com um
a t u a m n o m ov i m e n to a n t i m a n i co m i a l . Pa ra o s pano de fundo muito parecido: protestos,
c r í t i co s , p o r t rá s d a s a l te r a çõ e s q u e , s e g u n d o sequência de manifestações de entidades
o M i n i s té r i o d a S a ú d e , s ã o vo l t a d a s p a ra a ligadas ao movimento antimanicomial e
a m p l i a ç ã o d a re d e d e a te n ç ã o , h á u m m ov i m e n t o perspectivas de retrocessos nas políticas da
em benefício do mercado e da “indústria da área.
l o u c u ra ” .
A Resolução nº 32, de 14 de dezembro de
S e d e s ej a re c e b e r o s b o l e t i n s b i m e n s a i s 2017, enumera em 13 artigos as diretrizes
d o OA P S e C DV e m s e u e - m a i l , c l i q u e n e s te para o “Fortalecimento da Rede de
e n d e re ço (www.analisepoliticaemsaude.org/ Atenção Psicossocial (RAPS)”. Na visão do
o a p s / b o l e t i n s ) e p r e e n c h a o f o r m u l á r i o co m Ministério da Saúde, a resolução amplia a
s e u n o m e e e - m a i l . Logo e m s e g u i d a , u m a rede de atenção: “A proposta veta qualquer
m e n s a ge m d e co n f i r m a ç ã o s e r á e nv i a d a p a ra ampliação da capacidade já instalada
o e n d e re ço i n fo r m a d o co m o r i e n t a çõ e s p a ra de leitos psiquiátricos em hospitais
f i n a l i z a r o c a d a s t r a m e n to . Co nv i d a m o s vo cê a especializados e fortalece o processo
n ave ga r p e l o s s i te s d o OA P S e d o C DV, a l é m d e de desinstitucionalização de pacientes
v i s i t a r n o s s a p á g i n a n o Fa ce b o o k e n o s s o c a n a l moradores em Hospitais Psiquiátricos. Será
d e v í d e o s n o Yo u t u b e . ampliada a oferta de leitos hospitalares
qualificados para a internação de pacientes
Boa leitura! com quadros mentais agudos, como aqueles
em enfermarias especializadas em Hospitais
Gerais” (leia aqui).

Expediente
Coordenador Geral : Jairnilson Paim Equipe CDV: Maria Clara Guimarães | Maria Creuza Silva

Coordenação Executiva OAPS: Maria Guadalupe Medina Comunicação: Inês Costal | Patrícia Conceição

Equipe OAPS: Gerluce Alves | Mariana Adeodato Tecnologia da Informação: Gilson Rabelo | Jackson Lemos Moreira

Coordenação Executiva CDV: Carmen Fontes Teixeira Juliana Argolo

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As mudanças foram aprovadas mesmo após de mais de 60 entidades e associações às novas


diversas manifestações de repúdio e pedidos de medidas, entre elas o Conselho Federal de Medicina
rejeição da proposta. Em carta aberta publicada (CFM), que em nota afirmou que o texto aprovado
antes da reunião d a CIT, a Associação Brasileira “resultou de amplo e democrático debate, com
de Saúde Mental (Abrasme) qualificou a proposta foco permanente no fim da desassistência e
como “aética, ilegal e inconstitucional”, apoiada no respeito aos direitos dos pacientes e seus
pela indústria farmacêutica, pelo complexo familiares, bem como na qualificação do rol de
empresarial hospitalar e pela Associação Brasileira serviços disponíveis”. O Conselho informa ainda
de Psiquiatria. O Conselho Nacional de Direitos que participa desde o início do movimento que
Humanos contra a Desfiguração da Política levou às mudanças aprovadas, reconhece as
Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas dificuldades no processo e agradece o apoio dos
também ressaltou a ilegalidade das mudanças, ministros Ricardo Barros (Saúde) e Osmar Terra
que confrontam a Lei da Reforma Psiquiátrica, de (Desenvolvimento Social), e do coordenador
2001. da Área de Saúde Mental do Ministério, Quirino
Cordeiro. “Ciente de que a implementação dessa
As tentativas de evitar a reformulação da conquista exigirá um trabalho contínuo de
Política incluíram pedido de acompanhamento e acompanhamento, o CFM se coloca à disposição
manifestação pela Defensoria Pública da União para lutar pela implementação das mudanças e se
e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão manterá atento na fiscalização dos compromissos
(PFDC). Esta última pediu informações ao MS assumidos em favor dos interesses dos médicos,
e publicou uma nota pública afirmando que as dos profissionais da saúde e da população”,
modificações sugeridas “constituem grave conclui na nota de apoio (leia na íntegra aqui).
violação aos direitos das pessoas com transtorno
mental” (leia aqui). Após a aprovação, a Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão (PFDC) enviou ao Ministério da
Os protestos e posicionamentos contrários não Saúde, no final de janeiro, pedido de informações
evitaram a aprovação das alterações na Política sobre a assistência atualmente oferecida pela
em um plenário esvaziado, segundo a imprensa. Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) – plano
A falta de participação da sociedade foi apontada orçamentário destinado às ações de saúde mental
pela Abrasme como modus operandi dos grupos em 2018 e informações sobre sua aplicação,
que atualmente ocupam o governo – “Trazer distribuição e implementação dos recursos
para ‘discussão’ temas importantes, de surpresa, financeiros por equipamentos de saúde; relação
sem participação da sociedade, co-optação, dos municípios elegíveis para construção de
desinformação e busca de votação em momentos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mas que
de pouco acesso da população, como véspera de ainda não o possuem; e serviços de saúde mental
natal, feriados, à noite, etc. Procuram assim pegar que requisitaram habilitação na RAPS ainda não
a todos de surpresa, e passar suas propostas sem atendidos pelo Ministério.
a devida participação social”.

Segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS),


órgão vinculado ao Ministério da Saúde que
delibera, fiscaliza e monitora políticas públicas,
no dia da votação, ao tentar se manifestar, Ronald
dos Santos, presidente do CNS, não foi autorizado
pelo ministro da saúde, Ricardo Barros, sob
a justificativa que não havia previsão para o
espaço de fala no regimento da CIT. Para Ronald
dos Santos, a democracia foi desconsiderada. “O
espaço para aperfeiçoar a política não foi levado
em consideração. Além dos possíveis retrocessos
da PNSM, o que sai ferida é a gestão participativa”
(veja aqui ). O docente e pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz, Paulo Amarante, presente na
votação, também teve a fala negada (leia
entrevista mais abaixo).

Para Ricardo Barros, as críticas às mudanças na


política são ideológicas e não têm nada a ver com
o mundo real. O Ministério tem divulgado o apoio

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A pesquisadora explica que a “indústria da loucura”


foi desmontada aos poucos por trabalhadores/as,
usuários/as e familiares a partir da Constituição de
1988 e da construção do Sistema Único de Saúde
(SUS), que levou à fiscalização e regulamentação
dos hospitais psiquiátricos, e de experiências
reformistas em prática em todo o mundo que
colocavam o modelo manicomial em questão.

O resultado foi a construção de políticas marcadas


por diálogo democrático, envolvendo usuários/as e
A Reforma Psiquiátrica buscou consolidar um seus familiares, com ampliação da rede de serviços
modelo de atenção à saúde mental aberto e de substitutivos, principalmente os CAPS – Centros
base comunitária e romper com o cenário anterior de Atenção Psicossocial, diminuição gradativa
que incluía denúnc ias de desassistência, maus- dos leitos em hospitais psiquiátricos e inversão
tratos, violências e violação de direitos. Patricia no padrão de financiamento (saiba mais aqui).
von Flach, assistente social e psicóloga que “Considero pertinente enfatizar que, desde os
faz do utorado no Instituto de Saúde Coletiva primeiros movimentos reformistas até o momento,
da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), a participação social na construção das políticas
ressalt a que é preciso conhecer esse quadro, propostas no campo da Saúde Mental – a exemplo
que resumia a assistência em saúde mental à da portaria 3088 de 2011, que foi instituída a partir
internação em grandes hospitais psiquiátricos das discussões da IV Conferência de Saúde Mental
e a ambulatórios burocratizados, para refletir Intersetorial – tem sido uma marca importante e
criticamente sobre as últimas mudanças na um dos mais valorosos resultados desta Reforma
política de saúde mental: “No Brasil, dos anos de que, certamente, ainda tem muito por conquistar,
1970 e 1980, os hospitais financiados pelo antigo mas nada a retroceder!”, reforça Patricia.
INPS (Instituto Nacional de Previdência Social)
eram um grande e rentável negócio. Tínhamos Com resultados significativos e amparada na
uma verdadeira ‘Indústria da loucura’. Chegamos lei 10.216/01, a Reforma Psiquiátrica seguia em
a ter cem mil leitos psiquiátricos no início dos processo, enfrentando os diversos desafios do
anos de 1980”. SUS, entre eles, a expansão para além dos serviços
e maior intersetorialidade com outras políticas.

Eu cheguei no Hospital Juliano Moreira – BA, no final


da década de 1980, inicialmente como estagiária
de serviço social e depois como profissional
concursada pela Secretaria da Saúde do Estado da
Bahia - SESAB e nos 12 anos que lá trabalhei pude
presenciar o uso indiscriminado e pouco cuidadoso
de práticas como eletrochoque e contenções
físicas e medicamentosas, com intervenções
punitivas e abusos de todas as ordens em relação
aos direitos humanos. Não por acaso, quase 100%
das pessoas ali internadas eram negras e advindas
das áreas mais pobres da periferia de Salvador
ou do interior do estado, lembrando-nos que o As novas diretrizes apresentadas na Resolução nº
racismo e a desigualdade social estão na base 32 do Ministério da Saúde não contêm detalhes
deste modelo manicomial. Importante comentar sobre as mudanças aprovadas e parecem
que os ambulatórios, burocratizados, davam contraditórias. Se o artigo 5º fala em “vedar
sustentação a este modelo, na medida em que qualquer ampliação da capacidade já instalada de
mais destratavam, em todos os sentidos, do que leitos psiquiátricos em hospitais especializados”,
tratavam, num processo que desconsiderava as o artigo 9º traz o conteúdo “I - estimular a
especificidades e singularidades das situações e qualificação e expansão de leitos em enfermarias
sofrimentos vividos. | Patricia von Flach (CETAD/ especializadas em Hospitais Gerais; III - monitorar
UFBA). sistematicamente a taxa de ocupação mínima das
internações em Hospitais Gerais para o pagamento
integral do procedimento em forma de incentivo;
IV - reajustar o valor de diárias para internação
em hospitais especializados de forma escalonada,

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em relação aos atuais níveis, conforme o porte do


Hospital”. Para os críticos, as medidas batem de (4) Ampliação de Comunidades Terapêuticas
frente com os propósitos da Reforma Psiquiátrica credenciadas, de 4 mil para 20 mil, com enorme
e aumentam recursos para o atendimento aporte de recursos. Ainda que se coloque a
hospitalar. “É possível perceber que a proposta ressalva que estes dispositivos privados só serão
está pautada em medidas que fortalecem o utilizados se os demais serviços falharem, é
tratamento na pe rspectiva da internação, ou importante apontar que estes ‘demais serviços’
seja, fora dos espaços de convivência e vida das de base comunitária estão sendo subfinanciados
pessoas, se configurando, na minha opinião e na e desinvestidos! A internação nas diversas
dos numerosos co letivos que se manifestaram modalidades propostas – Hospital Psiquiátrico,
de forma contunde nte assim que a nova política Comunidades Terapêuticas e grandes enfermarias
se tornou pública, como um grande retrocesso em Hospitais Gerais parece ser o novo carro-chefe
clínico e político”, alerta Patrícia. da ‘nova-velha’ política de saúde mental proposta.

A pesquisadora enumera alguns pontos críticos


da proposta: Texto coletivo publicado no portal da Abrasme
destaca que a reforma psiquiátrica brasileira é
uma política de Estado marcada pelo respeito
(1) Manutenção de vagas em hospitais às conquistas já concretizadas e continuidade
psiquiátricos, com enorme reajuste das diárias, ou em diferentes governos e gestões: “Todas as
seja, o hospital psiquiátrico, que tinha como lógica conquistas desse processo ainda em curso, porém,
da Reforma sua extinção gradativa, retorna com foram marcadas por muitas disputas, atravessadas
toda força e dinheiro; por distintos interesses – corporativos,
financeiros, partidários sem, no entanto, recuar
em termos dos direitos garantidos e do norte
ético jurídico-político-assistencial, expresso
(2) Os Hospitais Gerais poderão utilizar até 20% em Convenções Internacionais das quais o Brasil
de sua capacidade para alas psiquiátricas, sendo é signatário e nos marcos legais nacionais”. A
que enfermarias com maior número de leitos terão análise alerta que, em consonância com o atual
incentivos maiores do que enfermarias com vagas contexto de redução dos direitos constitucionais
reduzidas, devendo permanecer com 80% de em prol do mercado e descaso do Estado com
ocupação. Neste caso, na prática, é bem possível sua responsabilidade de promover justiça social,
que tenhamos mini-hospícios em hospitais gerais. “propõe-se a ‘nova política de saúde mental’,
Essa ênfase na internação, com incentivo ao apresentada e apoiada pelos grupos que jamais
aumento de leitos que serão muito bem pagos reconheceram a Reforma Psiquiátrica brasileira.
se a enfermaria mantiver 80% de ocupação, Evidentemente: uma volta dos que não foram”.
certamente vai gerar um grande incentivo à (Leia na íntegra aqui).
multiplicação das internações, diminuindo o
investimento nas estratégias de re-habilitação Patricia von Flach acredita que a conjuntura exige
psicossocial desses sujeitos. organização de trabalhadores/as e movimentos
sociais em contraposição à visão da loucura
com lentes da periculosidade e incapacidade e
reivindicação do retorno ao enclausuramento
(3) Os ambulatórios de Saúde Mental, que também promovida pelos grupos por trás das recentes
não tinham mais lugar na RAPS, serão fortalecidos alterações na política: “Vivemos um momento
com a proposta de criação de equipes de importante e delicado em nosso país. Enquanto
assistência multiprofissional em saúde mental de trabalhadores de saúde, sentimos na pele as
média complexidade. O retorno dos ambulatórios consequências do subfinanciamento do SUS e a
especializados desconstrói a lógica de cuidado privatização de setores propositadamente sub-
no território, marcada pelo acolhimento, ví nculo regulados. Não tenhamos a ilusão de que os que
e responsabilização dos sujeitos acompanhados defendem esta proposta são guiados por instintos
integralmente pelas equipes da atenção básica, de cuidado e proteção, palavras tão comumente
em parceria com os serviços territoriais de Saúde utilizadas para defender as práticas manicomiais.
Mental, considerando que na proposta da RAPS o O que de fato está por trás das novas propostas no
investimento deve ser feito no fortalecimento das campo da Saúde Mental é a visão mercadológica
equipes de saúde e saúde da família, no NASF –
Núcleo de Apoio à Saúde da Família e na proposta da saúde”.
de matriciamento.

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individualizante, parte da ideia de que a doença é do


indivíduo, com aquela consulta que é basicamente
prescrição de medicamentos. São interesses
representados pelos empresários dos hospitais
psiquiátricos e da indústria farmacêutica.

OAPS – O Ministério da Saúde tem divulgado o


apoio de entidades da área de saúde às mudanças
na Política, entre elas o CFM, que divulgou nota
destacando o avanço das mudanças resultante de
um “amplo e democrático debate”. Há aspectos
Doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo positivos nas mudanças aprovadas?
Cruz (Fiocruz), professor e pesquisador do
Departamento de Direitos Humanos, Saúde Paulo Amarante: O Ministério da Saúde argumenta
e Diversidade Cultural da ENSP/Fiocruz, que a mudança é fruto de uma participação, mas
pesquisador do Laboratório de Estudos em Saúde não houve participação nenhuma, pelo contrário.
Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/E NSP/ Na CIT [Comissão Intergestores Tripart ite] não foi
Fiocruz) e presidente honoris da Associação dada a palavra a mim, que fui representando todo
Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). um movimento – foi solicitada minha participação
e quando cheguei lá não foi dada a palavra – e nem
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS) ao presidente do Conselho Nacional de Saúde,
– Quais os principais riscos das mudanças na ao qual também foi vetada a palavra. Não houve
Política de Saúde Mental aprovadas em dezembro qualquer discussão. A discussão foi interna, do
de 2017? Ministério, negociando apoio, recurso financeiro,
distribuição de recursos aos secretários
Paulo Amarante: Na verdade, foram propostas estaduais e municipais de saúde, que também
mudanças a partir de uma resolução da CIT – não consultaram suas bases, demais secretários,
Comissão Intergestores Tripartite, que é composta suas cidades e lideranças locais. Foi um acordo de
pelo ministro da Saúde e pelos presidentes do repasse de recursos, negociando essa política que
Conselho Nacional de Secretários de Saúde – representa esses interesses de mercado.
CONASS e Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde – CONASEMS. Foi uma O Conselho Federal de Medicina não tem qualquer
resolução feita a portas fechadas, sem cumprir a tradição democrática, nunca fez uma assembleia
tradiçã o prevista na cultura da participação social, depois de eleitos os dirigentes – uma parte
do controle social, e a Constituição e as leis de deles são também dirigentes da Associação
regulamentação do SUS, que discutem as políticas Brasileira de Psiquiatria e por isso o apoio. A
de saúde e saúde mental. No caso da saúde mental Associação Brasileira de Psiquiatria representa
há uma participação muito forte via conselhos esses interesses privados, retrógados na área
municipais, estaduais e nacional de Saúde, via da saúde mental, perdedora da política de muitos
conferências municipais, estaduais e nacional de anos porque não consegue convencer que o
Saúde, toda a política da Reforma Psiquiátrica foi manicômio é bom, não consegue convencer que
construída assim. a privatização na área da saúde mental é boa,
então agora aproveita uma situação de Estado
Trata-se de uma resolução que vem de um de exceção para isso. A Associação Brasileira
governo fruto de um golpe de Estado, então, de Psiquiatria tem seus representantes dentro
evidentemente, um governo que representa do Conselho de Medicina, eu, enquanto médico,
interesses perded ores da democracia nesse nunca fui convidado ou ouvido pelo Conselho
período todo e que está recuperando seus de Medicina, nem o regional e nem o federal.
interesses. Uma política que volta a privilegiar o A Associação Brasileira de Psiquiatria tem um
modelo manicomial, tendo em vista a possibil idade dirigente que é o mesmo há muitos anos, é uma
de mercado que isso representa, da indústria da entidade cuja eleição é indireta e não representa
doença, da indústria da loucura, que perdeu 60 a maioria do pensamento dos psiquiatras, que
mil leitos no país, substituídos insuficientemente, hoje são progressistas, em boa parte concordam
diga-se de passagem, por CAPS [Centros de com a ideia e veem que o trabalho deles nos
Atenção Psicossocial] e outros recursos. É uma CAPS, na atenção básica, na Estratégia de Saúde
proposta que representa um grande retrocesso da Família é muito mais gratificante, inclusive
porque retoma um investimento muito grande financeiramente, não apenas emocionalmente e
no manicômio, nas comunidades terapêuticas, subjetivamente, do que no manicômio. Não houve
no modelo ambulatorial – que é medicalizante, participação democrática nenhuma.

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OAPS – Se não respondem às demandas do


movimento de saúde mental, estas mudanças
atendem aos intere sses de quais setores?

Paulo Amarante: Os interesses são da medicina


privada, retrógada – porque existe medicina que
investe em outras áreas, outros setores, outras
prioridades –, é fundamentalmente o retorno às
instituições privadas de manicomialização. Os
manicômios, os hospitais psiquiátricos, o aumento
das enfermarias psiquiátricas nos hospitais
gerais, para 60 leitos, já é o mini-manicômio;
os ambulatórios psiquiátricos medicalizantes,
prescritores de medicamentos, não fazem outra
coisa senão isso; as comunidades terapêuticas que
são reconhecidas tanto pelo Ministério da S aúde,
a partir dessa res olução, tanto pelo Ministério
do Desenvolvimento Social, na medida em que
o ministro Osmar Terra tentou passar uma lei,
enquanto deputado, não conseguiu, e agora está
usando a sua prerrogativa de ministro de Estado
de um governo nascido de um golpe para dar esse
golpe também na evolução da política de drogas.

O mundo inteiro está se democratizando e


vendo que a guerra às drogas, a repressão, a
criminalização dos usuários foram ineficazes,
aumentaram a violência. O Brasil está andando
na contramão de toda a história. Estados Unidos,
Uruguai, Espanha, França, Holanda, Noruega,
Suécia, Dinamarca, Portugal, vários países estão
evoluindo na política de drogas e o Brasil está
retrocedendo. É lamentável, mas acredito que a
história vai ter novos dados e nós vamos conseguir
interromper esse processo de retrocesso, não
apenas na área da s aúde mental, na saúde, mas no
Brasil como um todo.

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