Você está na página 1de 35

DOC.

XIII
fls. 205

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776 .
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
fls. 206
Rizzatto NuNes

.
1. Consulta

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
A Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A (“ENEL
SP”), por intermédio de seu departamento jurídico, fez consulta sobre o
regime de responsabilidade civil decorrente de incidente de segurança com
dados pessoais, nos seguintes termos:

“Em razão de incidente de segurança com dados pessoais, ocorrido em


novembro de 2020, a Enel SP manifestou entendimento de que o incidente
de dados, por si só, não lhe gera a obrigação de indenização por dano
moral. Está correto esse entendimento?” 1

Os documentos apresentados apontam que, imediatamente após tomar


conhecimento do possível incidente de segurança, a ENEL SP acionou o
Plano de Resposta a Incidentes e montou Comitê de Gestão de Crise para
investigação e mitigação de eventuais riscos. E, logo a seguir, comunicou a
ocorrência, via e-mail, carta, divulgação no website e outras alternativas, aos
usuários atingidos pelo vazamento das informações.
Em relação aos dados objeto do incidente, não foi constatado até o
momento pela ENEL SP ou mediante apresentação de evidências por clientes,
nenhum dano material ou moral que essas pessoas tenham sofrido.
Todas as normas legais exigidas foram e continuam sendo cumpridas pela
ENEL SP, em relação à guarda, segurança e sigilo de dados de seus clientes.
No entanto, alguns clientes ajuizaram ações judiciais contra a ENEL SP,
alegando a ocorrência de dano moral em virtude da simples ocorrência do
incidente e pleiteando indenização. Anote-se que esses clientes souberam do

1
Na data de 05.11.2020, a ENEL SP recebeu um e-mail do remetente Ramon de Souza
(rsouza@flipside.com.br), identificando-se como produtor de conteúdo e editor-chefe do The
Hack — canal de notícias de segurança da informação —, que informou ter recebido, por meio
de uma denúncia anônima, uma planilha em formato excel contendo dados de parcela dos
clientes da ENEL SP, localizados no município de Osasco/SP.

1
fls. 207
Rizzatto NuNes

incidente de segurança pela comunicação feita pela ENEL SP, em observância

.
à legislação vigente.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Até o momento, constatou-se 19 ações em curso perante o Juizado
Especial Cível de Osasco/SP, sendo que 11 ações são patrocinadas por um
mesmo advogado, e seus autores são domiciliados em um mesmo condomínio
situado no Município de Osasco.

Os procedimentos da ENEL estão em conformidade com os preceitos da


LGPD, com constante atualização dos mecanismos de proteção de dados e,
após o incidente, ela iniciou, imediatamente, o processo de investigação e
mitigação de qualquer risco de dano aos seus clientes, mas, acredita que serão
ajuizadas inúmeras ações em função da simples ocorrência do incidente de
segurança, com mesmo fundamento e sem a necessária compreensão do
regime jurídico de responsabilidade civil.

Após atenta leitura da documentação que me foi enviada, considero que


estou perfeitamente apto a emitir um Parecer Jurídico e responder à
indagação. Para tanto, necessário se faz uma contextualização das normas
jurídicas que se aplicam à hipótese, para, então, manifestar a minha conclusão.
É o que passo a expor.

***

Passo a expor meu pensamento para chegar às respostas.

2
fls. 208
Rizzatto NuNes

2. As normas jurídicas incidentes

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
2.1. Constituição Federal – aspectos da liberdade de exploração e do risco
da atividade

2.1.1 Princípios gerais da atividade econômica

Para o exame dos temas que interessam neste Parecer, coloco apenas
alguns aspectos dos princípios gerais da atividade econômica fixados no texto
constitucional para que não pairem dúvidas de que, de um lado, há uma
proteção efetiva aos consumidores (isto é, os partícipes do mercado no polo
final de consumo) e, de outro, uma série de obrigações, direitos e garantias
para os empreendedores como exploradores, impulsionadores, articuladores e
fornecedores de produtos e serviços nesse mesmo mercado.

No sistema constitucional ora em análise, o que mais importa é o risco da


atividade, elemento de decisão subjetiva e individual do empreendedor.
Este, após cumprir os comandos constitucionais, legais, administrativos,
fiscais etc., pode resolver tornar-se empresário em qualquer de suas
especificidades e para tanto assume o risco dessa empreitada.

Ora, essa liberdade de empreender pode trazer os benefícios almejados


(essencialmente, lucro), o que é legítimo, mas pode trazer prejuízos pelo
fracasso do negócio realizado. Em ambos os casos, o resultado é
responsabilidade do explorador.

Apresento, pois, alguns pontos do texto magno, para deixar patente que a
matéria é regulada fortemente pela Constituição Federal Brasileira (CF).

Lembro que os princípios e as normas constitucionais têm que ser


interpretados de forma harmônica, ou seja, é necessário definir parâmetros
para que um não exclua o outro e, simultaneamente, não se auto excluam.
Isso, todavia, não impede que um princípio ou uma norma limite a
abrangência de outro princípio ou de outra norma.

Realço, então, apenas para demonstrar a legitimidade de nosso sistema


legal, alguns princípios estampados na Carta Magna. Guarde-se em mente a
3
fls. 209
Rizzatto NuNes

garantia absoluta da “dignidade da pessoa humana”, depois dos “valores

.
sociais do trabalho e valores sociais da livre iniciativa”, da construção de

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
“uma sociedade livre, justa e solidária”, a da erradicação da “pobreza e da
marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais”, e a da
promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”, e ainda da igualdade de
todos “perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, com a garantia da
“inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”.(São os princípios estampados nos artigos 1º, 3º e 5º caput da
Constituição Federal)

Todavia, e efetivamente, o que aqui interessa, é o que está previsto no


Parágrafo único do Artigo 170 da CF. Antes de examiná-lo, consigno, de
passagem, que os princípios gerais da atividade econômica estão estampados
no referido artigo 170, in verbis:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de


qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

4
fls. 210
Rizzatto NuNes

Como se pode ver, o art. 170, como um todo, estabelece princípios gerais

.
para a atividade econômica. Estes têm de ser interpretados, também, como já

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
o disse, de modo a permitir uma harmonização de seus ditames. Acontece que
não basta examinar os princípios estampados nos nove incisos dessa norma
apenas entre si mesmos. É necessário adequá-los àqueles outros aos quais
chamei a atenção. E o caput da norma desse artigo está já em harmonia com
os outros princípios fundamentais fixados nos artigos 1º, 3º e 5º, “caput” da
CF e acima referidos.

Quanto aos produtos e serviços a serem explorados, estes são de escolha


do empreendedor, que decide onde atuar e, no caso dos serviços públicos,
também a atividade pode ser exercida por intermédio de concessão ou
permissão, mediante concurso em licitação (Conforme art. 175 da Constituição
Federal2).

Voltando ao texto do Parágrafo único, pergunto: a Constituição Federal


garante a livre iniciativa? Sim. Estabelece garantia à propriedade privada? Sim.
Mas isso significa que, sendo proprietário, qualquer um pode ir ao mercado de
consumo praticar a “iniciativa privada” sem nenhuma preocupação de ordem
ética no sentido da responsabilidade social? Pode qualquer um dispor de seus
bens de forma destrutiva para si e para os demais partícipes do mercado? A
resposta a essas duas questões é não.

Os demais princípios e normas colocam limites à exploração do mercado.


Mas, para a análise das questões aqui examinadas, o que importa é que a
livre iniciativa está garantida.3

2
CF, art. 175: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e


permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua
prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da
concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a
obrigação de manter serviço adequado.”

3
A leitura do texto constitucional define que: a) o mercado de consumo aberto à
exploração não pertence ao explorador; ele é da sociedade e em função dela (isto é, de
5
fls. 211
Rizzatto NuNes

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Por isso, agora, pergunto: O que é o mercado? Do que ele se compõe?

O mercado é uma ficção econômica, mas também é uma realidade


concreta. Ele pertence à sociedade. Não é da propriedade, posse ou uso de
ninguém em particular e, também, não pertence a nenhum grupo específico. A
existência do mercado é confirmada por sua exploração diuturna, concreta e
histórica.4

E um aspecto fundamental para o entendimento do funcionamento do


mercado de consumo é o princípio que se extrai do texto do Parágrafo único
do art. 170 referido. Trata-se do risco da atividade do empreendedor, que
examino na sequência.

seu benefício), é que se permite sua exploração; b) como decorrência disso, o


explorador tem responsabilidades a saldar no ato exploratório, sempre dentro dos
parâmetros legais; c) excetuando os casos de monopólio do Estado (p. ex., do art. 177
da CF), o monopólio, o oligopólio e quaisquer outras práticas tendentes à dominação do
mercado estão proibidos; e) o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do
empreendedor. Ele escolheu arriscar-se: não pode repassar esse ônus para o
consumidor. Mas, cumprindo as normas pode, logicamente, usufruir dos lucros
obtidos.

4 O mercado é composto, como se sabe, não só pelos empreendedores da atividade


econômica, mas também pelos consumidores. Não existe mercado sem consumidor. Ao
estipular como princípios a livre concorrência e a defesa do consumidor, o legislador
constituinte está dizendo que nenhuma exploração poderá violar os consumidores nos
direitos a eles outorgados (que estão regrados na Constituição Federal e, também, nas
normas infraconstitucionais).

6
fls. 212
Rizzatto NuNes

2.1.2 O risco da atividade

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
A garantia da livre iniciativa tem uma contrapartida: o empreendedor age
porque quer. Cabe unicamente a ele decidir se vai explorar ou não o mercado.

Ele não está obrigado a desenvolver qualquer negócio ou atividade. Se o


fizer e obtiver lucro, é legítimo que tenha o ganho. Mas, se sofrer perdas, elas
também serão suas.

Assim, aquele que quer promover algum negócio lícito pode fazê-lo,
mas deve saber que assume integralmente o risco de a empreitada dar certo ou
não.

Repise-se, então, que, do ponto de vista do texto constitucional, a


possibilidade de produção implica um sistema capitalista de proteção e livre
concorrência, o que acarreta risco para aquele que vai ao mercado explorá-lo.

Mas, claro, se o risco é total do empreendedor, ele pode desenvolver


métodos e formas para controlar esse risco visando diminuí-lo ou eliminá-lo.
Isso é direito subjetivo seu que decorre diretamente da atividade escolhida,
assumida e executada.

Anoto, pois, que um dos elementos de fundamental importância para o


deslinde do caso apresentado é o da expertise da Consulente, empresa
multinacional, que atua no Brasil, nos segmentos de geração, distribuição e
transmissão de energia.

2.2. A Lei Geral de Proteção de Dados

Dentre as normas incidentes na relação jurídica estabelecida entre a


Consulente e seus clientes, para aquilo que interessa ao presente Parecer, a
incidência é a da Lei nº 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

7
interessam ao presente Parecer.
Rizzatto NuNes

8
Na sequência, desenvolvo alguns pontos pertinentes da LGPD, que
fls. 213

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776 .
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
fls. 214
Rizzatto NuNes

3. Aspectos que interessam da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
A LGPD, no seu artigo 42, traz a responsabilidade civil do controlador
e operador, nos seguintes termos:

Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício


de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem
dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à
legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-
lo.

Isto é, o controlador e o operador respondem por danos apenas se


violarem as regras da LGPD. Ou, em outros, termos: se o controlador e o
operador estiverem cumprindo todas as normas instituídas pela LGPD mas,
apesar disso, algum titular dos dados sofrer dano então, eles não serão
necessariamente responsáveis.

E é o que está disposto no artigo 43 da LGPD, “verbis”:

Art. 43. Os agentes de tratamento só não serão


responsabilizados quando provarem:

I - que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é


atribuído;

II - que, embora tenham realizado o tratamento de dados


pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de
proteção de dados; ou

III - que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos


dados ou de terceiro.

9
fls. 215
Rizzatto NuNes

A LGPD dispõe sobre o tratamento de dados pessoais das pessoas

.
naturais, definindo as hipóteses em que tais dados podem legitimamente ser

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
utilizados por terceiros e estabelecendo mecanismos para proteger os titulares
dos dados contra usos inadequados. A Lei é aplicável ao tratamento de dados
realizado por pessoas naturais ou por pessoas jurídicas de direito público ou
privado, e tem o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e
de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Em hipótese alguma, quer a Lei impedir a realização de qualquer


atividade. Ao contrário, a proteção de dados tem como fundamentos, dentre
outros: o desenvolvimento econômico e tecnológico; a inovação; a livre
iniciativa e a livre concorrência.

O que pretende então, é trazer mais proteção e segurança jurídica para o


tratamento dos dados pessoais, dando maior proteção às informações dos
cidadãos e à sua privacidade.

Nesse sentido, a LGPD introduz novas responsabilidades e práticas que


devem ser observadas e cumpridas por todos aqueles que realizam tratamento
de dados pessoais, dedicando espaço normativo às medidas de segurança e às
boas práticas que devem ser adotadas para garantir a proteção dos dados.

3.1. A segurança da informação

A segurança da informação está diretamente relacionada com a


proteção de um conjunto de dados pessoais, a fim de preservar o valor que
possuem para um indivíduo ou uma organização

Para garantir que esse cenário de segurança da informação se concretize


e por entender que as organizações são responsáveis por manter a segurança e
sigilo dos dados pessoais sob sua responsabilidade, a LGPD estabelece, de
maneira bastante objetiva, em seus artigos 46 a 49, que os agentes de
tratamento de dados (o Controlador e o Operador) devem lançar mão de todas
as medidas de segurança, técnicas e administrativas, aptas a proteger os dados
pessoais tratados contra acessos não autorizados ou outras situações ilícitas

10
fls. 216
Rizzatto NuNes

3.2. Excludente de responsabilidade

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Dito isso, chegamos ao ponto da análise das excludentes da
responsabilidade (tecnicamente, excludente do nexo de causalidade) previstas
no artigo 43, II e III.

Pela análise dos dados a mim entregues e diante de todas as medidas


adotadas pela Ré, tanto em relação à segurança da informação, quanto para
garantir a plena comunicação dos titulares dos dados afetados e das
autoridades competentes, verifico que não houve violação à legislação de
proteção de dados, razão pela qual se aplica a excludente de
responsabilidade prevista no art. 43, II da LGPD, acima transcrita.

E agora, pergunto: o acesso indevido de um sistema que armazena


dados pessoais por um agente mal intencionado e a posterior utilização danosa
desses dados pessoais, é culpa de terceiro? Sim, se cumpridas as normas se
segurança e demais regras da LGPD, exatamente como é o caso da
Consulente. Tal situação afasta o nexo causal entre a acontecimento e o
dano eventualmente suportado pela vítima do evento.

Como se sabe, nenhum sistema está isento de ações ilícitas de atuações


mal intencionadas, até porque a tecnologia de invasões e/ou acessos indevidos
em sistemas evoluem na mesma proporção (ou até mais rápido) que a
tecnologia para defesa desses incidentes. Por conta disso, nunca se pode
esperar, nem existirá, uma absoluta segurança em sistemas informáticos.

Nesse sentido, a partir do momento em que o controlador ou o operador


adotam as melhores técnicas de proteção do seu ambiente, caso a invasão
resulte de táticas inovadoras, comprovada a adoção de medidas de segurança
eficientes e razoáveis, admite-se a excludente de responsabilidade para
exonerar integralmente a responsabilidade ou mesmo mitigá-la, como,
aliás, já foi decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Não se pode fechar os olhos a uma dura e triste realidade: os sistemas


computacionais não são 100% indevassáveis. Ai estão os hackers para
demostrar que a muralha digital inclusive aquela erguida nos grandes
centros tecnológicos ostenta um certo grau de vulnerabilidade.

11
fls. 217
Rizzatto NuNes

Em semelhante cenário, que coonesta a asserção da apelante de que

.
terceiros, a sua revelia, acessaram o sistema da apelada, a melhor

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
solução para o caso, inspirada na ideia da régua lésbica da equidade
proposta por Aristóteles, é a divisão pela metade, dos prejuízos
decorrentes da emissão fraudulenta da passagens.”5

Portanto, mediante comprovação de que os sistemas envolvidos no


incidente eram efetivamente seguros e adotavam o que há de melhor no estado
da técnica de segurança e, também, cumpriam as determinações legais da
LGPD, é possível fixar a culpa do terceiro para desconstituir o nexo de
causalidade, desonerando-se da responsabilidade pelo dano.

4. O dano moral

4.1. Distinção do dano material

Apenas para fins de distinção, consigno que há uma primeira referência


constitucional que merece comentário para, desde já, ir elucidando-se um
problema que poderia existir, mas que está plenamente sanado.

É a do caso do inciso X do art. 5º da Constituição Federal, cuja dicção


fala em dano material ou moral.

Essa norma constitucional utiliza a disjuntiva “ou” — dano material ou


moral —, mas é claro que não o faz no modo adversativo. O texto apresenta
uma alternativa de solução do problema. Não se trata de dano material “ou”
moral, mas sim de dano material (se houver) “e” moral (se houver). Aliás, a
questão está, atualmente, resolvida pela Súmula 37 do Superior Tribunal de
Justiça, que estabelece que “são cumuláveis as indenizações por dano material
e moral oriundos do mesmo fato”.

Para a presente consulta a questão do dano material não interessa. De todo

5
Apelação nº 1083389-32.2015.8.26.0100, Relator Desembargador Antonio
Nascimento, j.25-08-2016.

12
fls. 218
Rizzatto NuNes

modo, en passant, lembro que o conceito de indenização por dano material é

.
amplamente conhecido (composição em dinheiro visando a reposição do

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
status quo ante: valor efetivamente perdido — dano emergente — e receita
que se deixou de aferir — lucros cessantes), não havendo permissão
constitucional para o tarifamento dessa indenização. Havendo dano material,
este tem de ser ressarcido integralmente (art. 5º, XXII, X, V).

Falo, agora, do dano moral.

4.2. O dano moral

Anoto que a palavra “dano” significa estrago; é uma danificação sofrida


por alguém, causando-lhe prejuízo. Implica, necessariamente, a diminuição do
patrimônio da pessoa lesada.

Moral, pode-se dizer, é tudo aquilo que está fora da esfera material,
patrimonial do indivíduo. Diz respeito à alma, aquela parte única que compõe
sua intimidade. “É o patrimônio ideal da pessoa, entendendo-se por
patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Jamais afeta o patrimônio
material”6.

Assim, o dano moral é aquele que afeta a paz interior de cada um.
Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo
que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a
dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo.

Uma imagem denegrida, um nome manchado, a perda de um ente querido


ou a redução da capacidade laborativa em decorrência de um acidente, traduz-
se numa dor íntima.

Foi exatamente essa característica tipicamente humana de dor que


impediu por seguidos anos que se pensasse em indenizar o dano moral no
sentido preciso de reposição das perdas. Quando se trata de dano patrimonial

6
. Wilson Melo Silva, O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 3ª.
edição, 1983, p. 1-2.

13
fls. 219
Rizzatto NuNes

o quantum indenizatório pode ser fixado de maneira simples: apura-se o valor

.
efetivo da materialidade do dano e manda-se indenizá-lo. O cálculo do valor

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
dessa indenização tem, assim, uma base objetiva.

O problema quanto ao dano moral era, e sempre foi, essa falta de


objetividade e materialidade (que só existem enquanto dano físico e que ganha
objetividade parcial na forma de dano estético; tema que não precisa ser aqui
desenvolvido).

Todavia, aos poucos, passou-se a perceber que não era possível mais deixar-
se de dar uma resposta civil ao dano moral, especialmente porque, apesar das
dificuldades de se fixar um quantum, não se podia — nem se pode — desprezar
sua real existência. Ou, em outras palavras, não se pode mais deixar de
considerar civilmente esta violação ao direito existente.

E, em consequência disso, em que pese o fato de essa dor não ser


suscetível de avaliação econômica, uma vez que, como visto, não atinge o
patrimônio material da vítima, sentiu-se a necessidade de reparar o dano
sofrido, nascendo, assim, o direito à indenização7. Porém, com características
próprias que a diferenciam da indenização do dano material.

Com efeito, o substantivo “indenização”, ainda que utilizado de maneira


recorrente para tratar do quantum a ser pago àquele que sofreu o dano moral,
não tem o mesmo sentido do termo indenização empregado para a reparação
do dano material.

Como se sabe, e como disse acima, a palavra “indenizar”, quando


utilizada na relação com o prejuízo material, tem como função reparar o dano
causado, repondo o patrimônio desfalcado, levando-o de volta ao status quo
ante. É isso que se pretende quando se faz a avaliação econômica da perda
daquele que sofreu o dano. Por exemplo, num acidente de trânsito, em que a
vítima perde seu veículo, apura-se qual o preço do automóvel destruído no
acidente. E é isto, também, que se almeja quando se apura o quantum devido a
título de lucros cessantes, como no caso do taxista que, em função do dano no
seu veículo, deixou de auferir seus rendimentos.

7
. E, claro, sem qualquer sombra de dúvida, pelo menos a partir da Carta Magna de
1988, que expressamente garante a indenização pelo dano moral.

14
fls. 220
Rizzatto NuNes

.
Logo, o termo indenização tem teleologia voltada à equivalência

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
econômica, especialmente fundada na ideia de que todo bem material pode ser
avaliado economicamente, devendo ser reposto por intermédio de seu valor
em moeda corrente.

Remanesce a utilização do termo “indenização” no caso do dano moral por


dois motivos, um de ordem prática: lembra reposição de dano; outro de
conteúdo semântico: de fato o que se manda que o causador do dano moral
faça é pagar certo valor em dinheiro. Logo, o substrato é ainda econômico, tal
qual no caso do sentido da indenização para recompor a perda material.

Foi, de fato, a Constituição Federal de 1988 que criou condições para que
a indenização por danos morais deixasse de ser repelida pela doutrina e pela
jurisprudência (que somente a concedia em casos excepcionais).

Todavia, apesar de tudo o que foi dito até aqui, é necessário consignar-se
que, no Brasil, o cabimento da indenização por danos morais já era previsto na
legislação infraconstitucional anterior à atual Carta Magna. Como exemplo,
podemos citar o art. 76, parágrafo único; e os arts. 1.538; 1.539; 1.543; 1.548;
1.549 e 1.550, todos do Código Civil de 1916; os arts. 81 e 84 do Código de
Telecomunicações (Lei n. 4.177/62); o art. 244, § 1º, do Código Eleitoral (Lei
n. 4.737/65); os arts. 21; 25; 27; 122 a 130 da lei que regula os direitos autorais
(Lei n. 5.988/73); os arts. 49 a 53 da extinta Lei de Imprensa (Lei n.
5.250/678); as normas do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86); e
o art. 21 do Decreto n. 2.681/12, o qual regula a responsabilidade civil nos
eventos ocorridos nas estradas de ferro. Também o novo Código Civil trouxe
disposições admitindo o cabimento da indenização por danos morais. São as
dos arts. 949, 950, 952, parágrafo único, e 954.

No campo da jurisprudência, porém, o acatamento da condenação


indenizatória em hipótese de dano moral sempre foi muito restrito, tendo
começado a ser implementada efetivamente a partir da edição da Carta Magna
de 1988, especialmente com base nas garantias instituídas nos incisos V e X do
art. 5º. E, desde então, foi-se firmando o entendimento do cabimento do direito
à indenização por dano moral, de tal maneira que, atualmente, não pairam mais
8
. O Supremo Tribunal Federal, em abril de 2009, declarou inconstitucional a Lei
de Imprensa.

15
fls. 221
Rizzatto NuNes

dúvidas a respeito, quer na jurisprudência, quer na doutrina.

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Como já referi, o dano moral é caracterizado pela dor, pelo sofrimento de
alguém, em decorrência de um ato danoso; e justamente por ser um
sentimento de foro íntimo, pessoal, tal dor é impossível de ser mensurada e,
consequentemente, traduzida em cifras.

Acontece que, além desse problema natural da dificuldade de mensuração,


as normas constitucionais e as demais leis não regulam a questão. Fica o Juiz,
para a busca do quantum, com parâmetros vagos — oferecidos pela doutrina. E
a partir dos casos concretos há, também, grande dificuldade de se elaborar uma
regra geral que possa servir de modelo para todas as hipóteses. Mas, com a
multiplicação dos processos cuidando de fixar indenizações por danos morais,
pode-se indicar alguns critérios.

4.3. Alguns critérios para fixação da indenização do dano moral

Assim, inspirado em parte na doutrina e em parte na jurisprudência, mas


principalmente levando-se em conta os princípios constitucionais que
garantem a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, do respeito à vida
e da garantia à incolumidade física e psíquica, com o asseguramento de uma
sadia qualidade de vida e do princípio da isonomia, e, ainda, a garantia da
intimidade, vida privada, imagem e honra, é possível fixarem-se alguns
parâmetros para a determinação da indenização por danos morais, quais
sejam:

a) a natureza específica da ofensa sofrida;


b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do consumidor
ofendido;
c) a repercussão da ofensa no meio social em que vive o consumidor
ofendido;
d) a existência de dolo — má-fé — por parte do ofensor, na prática do ato
danoso e o grau de sua culpa;
e) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do
ofendido;
f) a questão do dano moral presumido.
16
fls. 222
Rizzatto NuNes

.
Com o fito de melhor elucidar o sentido de cada um dos critérios

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
objetivos acima expostos, examino, na sequência, um a um.

a) Natureza específica da ofensa sofrida

Por natureza específica da ofensa sofrida há que se levar em consideração


o fato real causador do dano, com todas suas implicações jurídicas diretas e
indiretas.

Com efeito, a natureza específica demanda um incalculável número de


situações concretas, que hão de ser levadas em conta quando do julgamento
do feito pelo magistrado.

É muito diferente a circunstância do dano ocorrido ao familiar que perdeu


seu ente querido, falecido num acidente de avião, daquela relativa ao
lançamento indevido do nome do consumidor nos cadastros de inadimplentes.
Mas não é só isso. Não se trata apenas da diferença dos fatos geradores do
dano, mas do dano em si.

Os fatos variarão, porém o dano também. E cada caso deverá ser


examinado pela peculiaridade da lesão sofrida pela vítima. Então, as duas
circunstâncias se ligarão.

Além disso, como demonstrarei abaixo na letra “f”, existirão uma série de
situações de aborrecimento, de incômodo, de constrangimento etc. que, apesar
de terem existido, não são suficientes para caracterizar o dano moral, pois são
meras circunstâncias sociais, que fazem parte do dia-a-dia das pessoas, não
podendo ser evitadas ou, ainda que o fossem, uma vez surgidas não são
suficientes para gerar uma indenização. Isto é, apesar de existirem, não
atingiriam o patamar do dano moral indenizável. Ficam situadas no campo do
mero aborrecimento.

b) Intensidade real, concreta, efetiva, do sofrimento do ofendido

17
fls. 223
Rizzatto NuNes

Da mesma maneira que não se poderão avaliar fatos e danos,

.
abstratamente, é necessário examinar-se a intensidade real, concreta, efetiva

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
do sofrimento do ofendido.

É que esse aspecto é exatamente aquele que remete à subjetividade. Em


tese, é possível pensar que mesmo sem sentir qualquer dor ou ofensa, a pessoa
ofendida possa dizer que sofreu. Isso exige, portanto, prova. Não basta a
presunção.

De todo modo, pode o magistrado trabalhar com presunções fundadas em


máximas de experiência relacionadas a casos similares anteriores. Será, por
óbvio, presunção juris tantum, que poderá ser desconstituída pelo acusado de
ter causado o dano.

Ou, em outros termos, após a colheita direta das provas capazes de


apontar a dor sofrida pela vítima, o magistrado utilizará os outros elementos
mais gerais (standarts), mais abstratos, obtidos pela experiência e tomados de
outros feitos análogos já julgados para fixar a real intensidade da dor sofrida.

c) Repercussão da ofensa, no meio social em que vive o ofendido

Como preliminar aos comentários a esse critério, é importante consignar


que não há nele qualquer discriminação proibida. Ao contrário, o fato de que,
dependendo da pessoa e do meio social em que o dano repercutir, possa mudar
o resultado do dano é mera constatação concreta de uma realidade, avaliada
em perfeita sintonia com o princípio da igualdade.

Visto que a isonomia impõe que se trate de maneira desigual os desiguais,


para que se obtenha uma equalização real, aqui também, na análise da
repercussão da ofensa, a pessoa concretamente considerada no seu meio faz
com que as consequências do ato danoso possam variar.

d) A existência de dolo — má-fé — por parte do ofensor, na prática


do ato danoso e o grau de sua culpa

18
fls. 224
Rizzatto NuNes

Dependendo das circunstâncias que envolvem o caso, a investigação

.
sobre o grau de culpa do infrator ou seu dolo é importante para a fixação da

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
indenização no seu aspecto de agravamento.

Assim, por exemplo, uma indústria produz e vende certo medicamento.


Por falha na composição do remédio, este causa dano aos consumidores.
Digamos que a tal “falha” seja a substituição de um produto, que era utilizado
na composição original comprovadamente eficaz, por outro que não tem ainda
prova de eficiência e que a substituição se deu porque o primeiro ingrediente
era mais caro que o segundo. Isto é, aquela indústria farmacêutica produziu
medicamento inadequado apenas por obter economia de custo.
Esse aspecto caracteriza, no mínimo, culpa e, dependendo da apuração do
evento da tomada de decisão para troca do componente, dolo. A indenização
deve, então, ser elevada.

e) Práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor


do ofendido

A atitude do infrator posterior ao dano produz resultados: ele pode tanto


ignorar a vítima (agindo com desprezo, arrogância, negligência e/ou má-fé)
quanto acolhê-la e ajudá-la na atenuação de sua dor. Nesta hipótese, o infrator
assume a responsabilidade e demonstra boa-fé (subjetiva) para com as
circunstâncias vividas pela vítima no momento posterior ao evento danoso.

Quando essa atitude louvável, legítima e de boa-fé ocorre, o magistrado


deve levá-la em consideração para fixar o quantum de indenização por dano
moral em valores menores que os usuais.

Entra em jogo aqui o caráter exemplar da fixação da indenização. Se o


infrator, logo ao tomar ciência do evento danoso, corre em socorro à vítima
e/ou seus familiares, ele deve ser louvado e a indenização fixada em pequeno
valor deve servir de exemplo positivo, exatamente para “inspirar” os demais
agentes fornecedores a terem a mesma salutar atitude para com aqueles que
eventualmente possam atingir.

É por isso que, em contrapartida, o inverso é verdadeiro: quando não há


acolhida, ajuda à vítima ou a seus familiares, o quantum deve ser maior.

19
fls. 225
Rizzatto NuNes

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
f) A questão do dano moral presumido

O dano moral pode ser presumido? Pode, mas não sempre. Existem
uma série de situações, nas quais não só não se pode presumir o dano moral,
como simplesmente ele deixa de existir por significar um mero aborrecimento
que envolve a vida social.

Em primeiro lugar, anoto que a descrição do suposto dano moral tem que
ser plausível e verossímil. E, ainda, não basta uma simples descrição do
suposto evento danoso para caracterizar o dano moral. É preciso mais. É
necessário que a experiência do suposto dano sofrido pela vítima seja
compartilhável para que o outro ou outros possam entendê-lo e, o mais
importante, para que o magistrado possa compreendê-lo e aceitar sua
existência.

Realço: não é qualquer descrição que é capaz de caracterizar o dano


moral.

Além disso, como adiantei acima, existe uma série de situações de


aborrecimento, de incômodo, de constrangimento etc. que, apesar de terem
realmente existido, não são suficientes para caracterizar o dano moral, pois
são meras circunstâncias sociais, que fazem parte do dia-a-dia das pessoas,
não podendo ser evitadas ou, ainda que o fossem, uma vez surgidas, não são
suficientes para gerar uma indenização. Isto é, apesar de existirem não
chegam a atingir o patamar do dano moral indenizável. Ficam situadas no
campo do mero aborrecimento.

Pergunto: qual é a distância entre o dano e o mero aborrecimento? A ideia


de dano moral presumido tem a ver com a experiencia humana de todos nós.
Quando um avião cai e um familiar é morto, um pai ou uma mãe, por
exemplo, os filhos sofrem um dano moral que se presume, porque isso é da
experiência geral, é um lugar comum, um fato notório.

20
fls. 226
Rizzatto NuNes

Mas, presumir dano moral para todo e qualquer acontecimento não tem

.
sentido lógico nem jurídico, eis que, como afirmei, o evento pode envolver

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
uma simples situação social de aborrecimento. Se uma pessoa está esperando
um ônibus no ponto e ele se atrasa por qualquer motivo (alagamento de rua,
acidente ou excesso de tráfego mesmo), surge o aborrecimento, mas isso não
dá o direito à essa pessoa de pleitear indenização por dano moral. É uma mera
circunstância social, normal no dia a dia dos acontecimentos. Isso é a
vida.

E nessa linha de consideração sobre os fatos envolvendo o mero


aborrecimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é
pacífica. São vários casos julgados nessa direção desde o ano de 2003.

Examinando-se os julgados, vê-se que, de fato, em algumas situações o


dano moral pode ser presumido e, portanto, é provado in re ipsa, como
acontece quando, num acidente, um parente próximo, como uma mãe, falece.
No entanto, como acima apontei, nem sempre é assim.

Num caso julgado em 2003, a 3ª turma do STJ entendeu que, para que se
viabilize pedido de reparação fundado na abertura de inquérito policial, é
necessário que o dano moral seja comprovado.

A prova, de acordo com o relator, o Ministro Castro Filho, surgiria da


"demonstração cabal de que a instauração do procedimento, posteriormente
arquivado, se deu de forma injusta e despropositada, refletindo na vida pessoal
do autor, acarretando-lhe, além dos aborrecimentos naturais, dano
concreto, seja em face de suas relações profissionais e sociais, seja em face de
suas relações familiares"9 (grifei).

Num outro caso de 2008, ao decidir sobre a responsabilidade do Estado


por suposto dano moral a uma pessoa denunciada por um crime e
posteriormente inocentada, a 1ª turma entendeu que, para que "se viabilize
pedido de reparação, é necessário que o dano moral seja comprovado
mediante demonstração cabal de que a instauração do procedimento se deu
de forma injusta, despropositada, e de má-fé"10 (grifei).

9
Recurso Especial nº 494.867/AM. Relator Ministro Castro Filho, 3ª Turma, STJ, j. 26-
06-2003.

Recurso Especial nº 969.097/DF. Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, STJ, j. 20-11-
10

2008.
21
fls. 227
Rizzatto NuNes

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
A consolidação da jurisprudência do STJ é plena. No julgamento do
Recurso Especial nº 1.573.859 – SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio
Bellizze o tema foi abordado, não deixando qualquer margem à dúvida11.

É um caso em que um consumidor ajuizou ação contra um banco


alegando, em síntese, que era dele correntista e que ao ter acesso ao seu
extrato, notou a existência de quatro saques, no valor de R$ 400,00, R$
200,00 e dois de R$ 800,00, os quais não teriam sido feitos por ele.
Imediatamente, comunicou o fato ao banco, que depois de alguns dias
efetuou a devolução dos valores sacados, reconhecendo que estes não foram
feitos pelo autor, que foi vítima de ação criminosa. Por isso, pleiteou o
pagamento de indenização por danos morais.

Transcrevo trechos do V. Acórdão que mostram a posição:

“Embora não se tenha dúvida de que a referida conduta acarreta


dissabores ao consumidor, para fins de constatação de ocorrência de dano
moral é preciso analisar as particularidades de cada caso concreto, a fim
de verificar se o fato extrapolou o mero aborrecimento, atingindo de
forma significativa algum direito da personalidade do correntista (bem
extrapatrimonial)” (grifei).

“Com efeito, na linha da doutrina contemporânea, o dano moral


pressupõe ‘uma lesão a um interesse existencial concretamente
merecedor de tutela’ (...) não se verificando em hipóteses de mero
aborrecimento do dia a dia, tão comum nas relações cotidianas” (grifo no
original).

E essa mesma decisão faz referência à uma outra, com relatoria da


Ministra Nancy Andrighi, no mesmo sentido:

11
Recurso Especial nº 1.573.859/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª
Turma, STJ, j. 07-11-2017.

22
fls. 228
Rizzatto NuNes

"O aumento da complexidade das relações intersubjetivas nas

.
sociedades contemporâneas dificulta a compatibilização das expectativas

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
humanas em relação ao futuro. Nem toda frustração de expectativas no
âmbito das relações privadas importa em dano à personalidade, pois é
parcela constitutiva da vida humana contemporânea a vivência de dissabores
e aborrecimentos"12 (grifei).

Anoto que a clara e pacífica posição do STJ está espraiada pelo


Tribunais de Justiça do país, assim como, também, pelos Juizados Especiais e
Comuns, como demonstram os casos a seguir apresentados.

“Aborrecimentos são inerentes a todos que estão vivos e inseridos na


realidade, motivo pelo qual não há que se falar em dano moral. É evidente que
a situação trouxe inconvenientes à autora, que teve receio de ter seus dados
pessoais utilizados de forma leviana e teve que ficar com a conta bloqueada
por um período. Ocorre que a lesão moral exige algo a mais, o que não está
presente no caso em tela“13 (grifei).

"Conclui-se, portanto, que, muito embora seja previsível que a parte


autora tenha suportado um aborrecimento e até mesmo um desconforto,
ante os fatos aqui relatados, isto não é suficiente para que a ré seja
condenada, por danos morais, porque estes últimos são inexistentes no caso
concreto"14

“Os danos morais passíveis de indenização são aqueles traduzidos mais


especificamente pela dor intensa, pela elevada vergonha e pela injúria
moral. Destarte, não deve prosperar o pedido indenizatório, eis que

12
Recurso Especial nº 1.655.126/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrigui, 3ª Turma, STJ,
j. 20-6-2017.
13
Processo nº 1048041-03.2018.8.26.0114, 2ª Vara, Juizado Especial Cível, Campinas,
(Tribunal de Justiça de São Paulo).

14
Processo nº 9073608.36.2018.813.0024, 10ª Unidade Jurisdicional Cível (Tribunal de
Justiça de Minas Gerais).

23
fls. 229
Rizzatto NuNes

inexistente qualquer situação constrangedora ou vexatória capaz de justificar o

.
ressarcimento. Danos morais não configurados”.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
“A má-prestação do serviço e os danos resultantes devem ser
comprovados caso a caso, e não genericamente admitidos como pretende a
parte Autora. Portanto, não há que se falar em dano hipotético, pois o caso
em questão não se trata de dano presumido. Nesse contexto, é ônus da parte
Autora demonstrar que efetivamente sofreu algum dano extrapatrimonial, o
que não ocorreu”.15
“Os fatos narrados não são capazes, por si sós, de comprovar ofensa aos
direitos de personalidade ou de causar danos de natureza psíquica ao autor
passíveis de ressarcimento pecuniário. Consigno que tal pedido deve ser
concedido em situações peculiares, em que realmente demonstrado
insatisfação, angústia e transtornos significativos, com indicativos de
ofensa à dignidade da pessoa humana, que não é o caso dos autos”.16

"O suposto dano moral decorrente do vazamento das informações não


resta comprovado nos autos. A alegação de que houve um 'risco' de violação
de sua privacidade é por demais genérica para que haja"17

15
Processo nº 0035787-05.2018.8.05.0080, 4ª. Vara Juizado Especial Cível, Feira de
Santana, (Tribunal de Justiça da Bahia).

16
Processo nº 1067242-26.2018.8.26.0002, 13ª. Vara Cível, Foro Regional de Santo
Amaro (Tribunal de Justiça de São Paulo).
17
Processo nº 0822942-23.2019.8.20.5004, 9ª Vara, Juizado Especial Cível, Natal,
(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte).

24
fls. 230
Rizzatto NuNes

5. Resposta à consulta e conclusões

.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Após essa exposição, passo a responder ao questionamento feito pela
Consulente.

“Em razão de incidente de segurança com dados pessoais, ocorrido em


novembro de 2020, a Enel SP manifestou entendimento de que o incidente
de dados, por si só, não lhe gera a obrigação de indenização por dano
moral. Está correto esse entendimento?”

Respondo:

Sim, está correto o entendimento de que referido incidente de


segurança com dados pessoais não gera, por si só, qualquer obrigação
de indenização por dano moral em virtude apenas da sua ocorrência.

Em primeiro lugar, anoto que a atividade empresarial exercida pela


Consulente decorre da garantia constitucional da liberdade de exploração da
atividade econômica, com os riscos próprios a ela inerentes, conforme
demonstrei no Capítulo 2 acima.

A ENEL SP tem todo o direito, portanto, de exercer sua atividade


assumindo os riscos de ter que indenizar seus clientes por eventuais danos por
eles sofridos, em função dos serviços prestados com defeito e, também, dos
produtos entregues com defeito.

Anoto, ainda, pelo exame do material que me foi enviado, que, de fato,
a Consulente cumpre todos os requisitos legais, especialmente para a
hipótese examinada, em relação à Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD).

Desse modo, ainda que algum cliente possa sofrer dano moral (que,
como demonstrarei abaixo, precisa ser comprovado no processo judicial), a
verdade é que a ENEL SP não responde, pois o caso é típico de excludente

25
fls. 231
Rizzatto NuNes

do nexo de causalidade, eis que aplicam-se as excludentes legais como deixei

.
patente no Capítulo 3 acima, em especial a partir do que está disposto no

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
artigo 43 da LGPD, “verbis”:

Art. 43. Os agentes de tratamento só não serão


responsabilizados quando provarem:

I - que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é


atribuído;

II - que, embora tenham realizado o tratamento de dados


pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação
de proteção de dados; ou

III - que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos


dados ou de terceiro.

Acrescendo ao racional acima alguns fundamentos adicionais:

a) Sobre a configuração do dano moral:

Como apresentei no Capítulo 4 supra, a palavra “dano” significa estrago;


é uma danificação sofrida por alguém, causando-lhe prejuízo. Implica,
necessariamente, a diminuição do patrimônio da pessoa lesada.

Moral, pode-se dizer, é tudo aquilo que está fora da esfera material,
patrimonial do indivíduo. Diz respeito à alma, aquela parte única que compõe
sua intimidade. “É o patrimônio ideal da pessoa, entendendo-se por
patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Jamais afeta o patrimônio
material”18.

Assim, o dano moral é aquele que afeta a paz interior de cada um.
18
. Wilson Melo Silva, O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 3ª.
edição, 1983, p. 1-2.

26
fls. 232
Rizzatto NuNes

Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo

.
que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo.

Uma imagem denegrida, um nome manchado, a perda de um ente querido


ou a redução da capacidade laborativa em decorrência de um acidente, traduz-
se numa dor íntima.

Na medida em que mais e mais casos de violação moral foram surgindo, aos
poucos, passou-se a perceber que não era possível mais deixar-se de dar uma
resposta civil à ele, especialmente porque, apesar das dificuldades de se fixar um
quantum, não se podia — nem se pode — desprezar a existência real do dano
moral. Ou, em outras palavras, não se pode deixar de considerar civilmente mais
esta violação ao direito existente.

E, em consequência disso, em que pese o fato de essa dor não ser


suscetível de avaliação econômica, uma vez que, como visto, não atinge o
patrimônio material da vítima, sentiu-se a necessidade de reparar o dano
sofrido, nascendo, assim, o direito à indenização19. Porém, com
características próprias que a diferenciam da indenização do dano material.

Com efeito, o substantivo “indenização”, ainda que utilizado de maneira


recorrente para tratar do quantum a ser pago àquele que sofreu o dano moral,
não tem o mesmo sentido do termo indenização empregado para a reparação
do dano material.

Como se sabe, e como disse acima, a palavra “indenizar”, quando


utilizada na relação com o dano material, tem como função reparar o dano
causado, repondo o patrimônio desfalcado, levando-o de volta ao status quo
ante. É isso que se pretende quando se faz a avaliação econômica da perda
daquele que sofreu o dano. Por exemplo, num acidente de trânsito, em que a
vítima perde seu veículo, apura-se qual o preço do automóvel destruído no
acidente. E é isto, também, que se almeja quando se apura o quantum devido a
título de lucros cessantes, como no caso do taxista que, em função do dano no
seu veículo, deixou de auferir seus rendimentos.

19
. E, claro, sem qualquer sombra de dúvida, pelo menos a partir da Carta Magna de
1988, que expressamente garante a indenização pelo dano moral.

27
fls. 233
Rizzatto NuNes

.
Logo, o termo indenização tem teleologia voltada à equivalência

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
econômica, especialmente fundada na ideia de que todo bem material pode ser
avaliado economicamente, podendo ser reposto por intermédio de seu valor
em moeda corrente.

Remanesce a utilização do termo “indenização” no caso do dano moral por


dois motivos, um de ordem prática: lembra reposição de dano; outro de
conteúdo semântico: de fato o que se manda que o causador do dano moral
faça é pagar certo valor em dinheiro. Logo, o substrato é ainda econômico, tal
qual no caso do sentido da indenização para recompor a perda material.

Foi, de fato, a Constituição Federal de 1988 que criou condições para que
a indenização por danos morais deixasse de ser repelida pela doutrina e pela
jurisprudência (que somente a concedia em casos excepcionais).

Como já referi, o dano moral é caracterizado pela dor, pelo sofrimento de


alguém, em decorrência de um ato danoso; e justamente por ser um
sentimento de foro íntimo, pessoal, tal dor é impossível de ser mensurada e,
consequentemente, traduzida em cifras.

Acontece que, além desse problema natural da dificuldade de mensuração,


as normas constitucionais e demais leis não regulam a questão. Fica o Juiz, para
a busca do quantum, com parâmetros vagos — oferecidos pela doutrina. E a
partir dos casos concretos há, também, dificuldade de se elaborar uma regra
geral que possa servir de modelo para todas as hipóteses.

b) sobre o dano moral depender de comprovação ou poder ser


presumido como alegam os autores e autoras das ações judiciais:

Conforme demonstrei no Capítulo 4 acima, subitem 4.3., letra “f”, o dano


moral pode ser presumido, mas nem sempre.
Na hipótese trazida pela Consulente e pelo exame das petições iniciais
apresentadas, respondo que, em todas elas, os autores e as autoras das ações

28
fls. 234
Rizzatto NuNes

têm a obrigação de comprovar que sofreram o dano moral e devem fazê-

.
lo de forma cabal.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
Anoto, inclusive, que nas hipóteses apresentadas, não será possível
inverter-se o ônus da prova a favor dos autores e autoras pelo simples
motivo de que seria impossível sua produção pela Consulente. A inversão
seria um caso típico de prova diabólica, não aceita no sistema processual.

Especifico, pois, na sequência, a partir do que expus no Capítulo 4 referido,


os motivos que levam à necessidade de que os autores e autoras façam a
prova de que sofreram o alegado dano moral e, também, a pacífica
posição de toda a jurisprudência brasileira a respeito.

Como lá perguntei: o dano moral pode ser presumido?


Pode, mas não sempre. Existem uma série de situações, nas quais não só
não se pode presumir o dano moral, como simplesmente ele deixa de existir
por significar um mero aborrecimento que envolve a vida social.

Em primeiro lugar, anoto que a descrição do suposto dano moral tem que
ser plausível e verossímil. E, ainda, não basta uma simples descrição do
suposto evento danoso para caracterizar o dano moral. É preciso mais. É
necessário que a experiência do suposto dano sofrido pela vítima seja
compartilhável para que o outro ou outros possam entendê-lo e, o mais
importante, para que o magistrado possa compreendê-lo e aceitar sua
existência.

Realço: não é qualquer descrição que é capaz de caracterizar o dano


moral.

Além disso, como também adiantei acima, existe uma série de situações
de aborrecimento, de incômodo, de constrangimento etc. que, apesar de terem
realmente existido, não são suficientes para caracterizar o dano moral, pois
são meras circunstâncias sociais, que fazem parte do dia-a-dia das pessoas,
não podendo ser evitadas ou, ainda que o fossem, uma vez surgidas, não são
suficientes para gerar uma indenização. Isto é, apesar de existirem não
chegam a atingir o patamar do dano moral indenizável. Ficam situadas no
campo do mero aborrecimento.
29
fls. 235
Rizzatto NuNes

.
Indago: qual é a distância entre o dano e o mero aborrecimento? A ideia

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
de dano moral presumido tem a ver com a experiencia humana de todos nós.
Quando um avião cai e um familiar é morto, um pai ou uma mãe, por
exemplo, os filhos sofrem um dano moral que se presume, porque isso é da
experiência geral, é um lugar comum, um fato notório.

Mas, presumir dano moral para todo e qualquer acontecimento não tem
sentido lógico nem jurídico, eis que, como afirmei, o evento pode envolver
uma simples situação social de aborrecimento. Se uma pessoa está esperando
um ônibus no ponto e ele se atrasa por qualquer motivo (alagamento de rua,
acidente ou excesso de tráfego mesmo), surge o aborrecimento, mas isso não
dá o direito à essa pessoa de pleitear indenização por dano moral. É uma mera
circunstância social, normal no dia a dia dos acontecimentos. Isso é a
vida.

E nessa linha de consideração sobre os fatos envolvendo o mero


aborrecimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é
pacífica. São vários casos julgados nessa direção desde o ano de 2003.

Examinando-se os julgados, vê-se que, de fato, em algumas situações o


dano moral pode ser presumido e, portanto, é provado in re ipsa, como
acontece quando, num acidente, um parente próximo, como uma mãe, falece.
No entanto, como acima apontei, nem sempre é assim.

Num caso julgado em 2003, a 3ª turma do STJ entendeu que, para que se
viabilize pedido de reparação fundado na abertura de inquérito policial, é
necessário que o dano moral seja comprovado.

A prova, de acordo com o relator, o Ministro Castro Filho, surgiria da


"demonstração cabal de que a instauração do procedimento, posteriormente
arquivado, se deu de forma injusta e despropositada, refletindo na vida pessoal
do autor, acarretando-lhe, além dos aborrecimentos naturais, dano
concreto, seja em face de suas relações profissionais e sociais, seja em face de
suas relações familiares"20 (grifei).

Recurso Especial nº 494.867/AM. Relator Ministro Castro Filho, 3ª Turma, STJ, j. 26-
20

06-2003.

30
fls. 236
Rizzatto NuNes

Num outro caso de 2008, ao decidir sobre a responsabilidade do Estado

.
por suposto dano moral a uma pessoa denunciada por um crime e

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
posteriormente inocentada, a 1ª turma entendeu que, para que "se viabilize
pedido de reparação, é necessário que o dano moral seja comprovado
mediante demonstração cabal de que a instauração do procedimento se deu
de forma injusta, despropositada, e de má-fé"21 (grifei).

A consolidação da jurisprudência do STJ é plena. No julgamento do


Recurso Especial nº 1.573.859 – SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio
Bellizze o tema foi abordado, não deixando qualquer margem à dúvida22.

É um caso em que um consumidor ajuizou ação contra um banco


alegando, em síntese, que era dele correntista e que ao ter acesso ao seu
extrato, notou a existência de quatro saques, no valor de R$ 400,00, R$
200,00 e dois de R$ 800,00, os quais não teriam sido feitos por ele.
Imediatamente, comunicou o fato ao banco, que depois de alguns dias
efetuou a devolução dos valores sacados, reconhecendo que estes não foram
feitos pelo autor, que foi vítima de ação criminosa. Por isso, pleiteou o
pagamento de indenização por danos morais.

Transcrevo trechos do V. Acórdão que mostram a posição:

“Embora não se tenha dúvida de que a referida conduta acarreta


dissabores ao consumidor, para fins de constatação de ocorrência de dano
moral é preciso analisar as particularidades de cada caso concreto, a fim
de verificar se o fato extrapolou o mero aborrecimento, atingindo de
forma significativa algum direito da personalidade do correntista (bem
extrapatrimonial)” (grifei).

Recurso Especial nº 969.097/DF. Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, STJ, j. 20-11-
21

2008.
22
Recurso Especial nº 1.573.859/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª
Turma, STJ, j. 07-11-2017.

31
fls. 237
Rizzatto NuNes

“Com efeito, na linha da doutrina contemporânea, o dano moral

.
pressupõe ‘uma lesão a um interesse existencial concretamente

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
merecedor de tutela’ (...) não se verificando em hipóteses de mero
aborrecimento do dia a dia, tão comum nas relações cotidianas” (grifo no
original).
E essa mesma decisão faz referência à uma outra, com relatoria da
Ministra Nancy Andrighi, no mesmo sentido:
"O aumento da complexidade das relações intersubjetivas nas
sociedades contemporâneas dificulta a compatibilização das expectativas
humanas em relação ao futuro. Nem toda frustração de expectativas no
âmbito das relações privadas importa em dano à personalidade, pois é
parcela constitutiva da vida humana contemporânea a vivência de dissabores
e aborrecimentos"23 (grifei).
Anoto que esta clara e pacífica posição do STJ está espraiada pelo
Tribunais de Justiça do país, assim como, também, pelos Juizados Especiais e
Comuns, como demonstram os casos a seguir apresentados.

“Aborrecimentos são inerentes a todos que estão vivos e inseridos na


realidade, motivo pelo qual não há que se falar em dano moral. É evidente que
a situação trouxe inconvenientes à autora, que teve receio de ter seus dados
pessoais utilizados de forma leviana e teve que ficar com a conta bloqueada
por um período. Ocorre que a lesão moral exige algo a mais, o que não está
presente no caso em tela“24 (grifei).

"Conclui-se, portanto, que, muito embora seja previsível que a parte


autora tenha suportado um aborrecimento e até mesmo um desconforto,
ante os fatos aqui relatados, isto não é suficiente para que a ré seja

23
Recurso Especial nº 1.655.126/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrigui, 3ª Turma, STJ,
j. 20-6-2017.
24
Processo nº 1048041-03.2018.8.26.0114, 2ª Vara, Juizado Especial Cível, Campinas,
(Tribunal de Justiça de São Paulo).

32
fls. 238
Rizzatto NuNes

condenada, por danos morais, porque estes últimos são inexistentes no caso

.
concreto"25

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.
“A má-prestação do serviço e os danos resultantes devem ser
comprovados caso a caso, e não genericamente admitidos como pretende a
parte Autora. Portanto, não há que se falar em dano hipotético, pois o caso
em questão não se trata de dano presumido. Nesse contexto, é ônus da parte
Autora demonstrar que efetivamente sofreu algum dano extrapatrimonial, o
que não ocorreu”.26

“Os fatos narrados não são capazes, por si sós, de comprovar ofensa aos
direitos de personalidade ou de causar danos de natureza psíquica ao autor
passíveis de ressarcimento pecuniário. Consigno que tal pedido deve ser
concedido em situações peculiares, em que realmente demonstrado
insatisfação, angústia e transtornos significativos, com indicativos de
ofensa à dignidade da pessoa humana, que não é o caso dos autos”.27

"O suposto dano moral decorrente do vazamento das informações não


resta comprovado nos autos. A alegação de que houve um 'risco' de violação
de sua privacidade é por demais genérica para que haja"28

Desta forma, no caso trazido pela Consulente e pelo exame das


petições iniciais e demais documentos apresentados, reforço a conclusão de
que, em todas elas, os autores e as autoras das ações têm a obrigação de

25
Processo nº 9073608.36.2018.813.0024, 10ª Unidade Jurisdicional Cível (Tribunal de
Justiçade Minas Gerais).

26
Processo nº 0035787-05.2018.8.05.0080, 4ª. Vara Juizado Especial Cível, Feira de
Santana, (Tribunal de Justiça da Bahia).

27
Processo nº 1067242-26.2018.8.26.0002, 13ª. Vara Cível, Foro Regional de Santo
Amaro (Tribunal de Justiça de São Paulo).
28
Processo nº 0822942-23.2019.8.20.5004, 9ª Vara, Juizado Especial Cível, Natal,
(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte).

33
11-12-2020
Rizzatto Nunes
Este é meu parecer!
que não se constatou em nenhum dos casos apresentados.
Rizzatto NuNes

comprovar que sofreram o dano moral e devem fazê-lo de forma cabal, o

34
fls. 239

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO, protocolado em 22/03/2021 às 11:42 , sob o número WOCO21700699776 .
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003203-67.2021.8.26.0405 e código 757EC0B.

Você também pode gostar