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IFBA

Conhecimentos sobre Educação para as Relações Étnico-Raciais


Professor de Magistério do Ensino Básico -
Língua Portuguesa

Conhecimentos sobre Educação para as


Relações Étnico-Raciais
Bases legais Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais: principais conceitos,
princípios, características.......................................................................................................... 1
Bases legais estaduais para a Educação das Relações Étnico-Raciais: principais conceitos,
princípios, características.......................................................................................................... 9
Princípios,Abordagens Conceituais E Metodológicas, Educação Para A Diversidade ................ 14
Organização do trabalho para a Educação das Relações Étnico-Raciais: saberes escolares,
processos metodológicos para a Educação das Relações Étnico-Raciais................................ 17
Políticas Educacionais: trajetória histórica e política................................................................. 25
Estrutura educacional brasileira para a promoção da Educação das Relações Étnico-Raciais:
currículo, planejamento, seleção e organização dos conteúdos................................................ 31
Planejamento de Ensino para a Educação para as Relações Étnico-Raciais: planejamento e
novas metodologias do processo de ensino-aprendizagem para a Educação das Relações
Étnico-Raciais......................................................................................................................... 40
Exercícios............................................................................................................................... 46
Gabarito................................................................................................................................. 52

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Bases legais Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais: principais con-
ceitos, princípios, características

— Principais conceitos, princípios, características


Educação das relações étnico-raciais[ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em: https://downlo-
ad.inep.gov.br/publicacoes/diversas/temas_interdisciplinares/diretrizes_curriculares_nacionais_para_a_educa-
cao_das_relacoes_etnico_raciais_e_para_o_ensino_de_historia_e_cultura_afro_brasileira_e_africana.pdf]
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconheci-
mento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende necessariamente de
condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras
palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e
apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que
aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação
entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas,
culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola.
É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre bran-
cos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça
cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com fre-
quência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor de
pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social
dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.
Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, o utiliza com um sentido
político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também, explicar que o emprego do
termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas relações tensas devidas a diferenças na
cor da pele e traços fisionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que
difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática.
Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético
e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45%[ De acordo com atualização do
IBGE, em 2021, essa porcentagem cresceu para 56,1%.] da população brasileira ser composta de negros (de
acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos
racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza princi-
palmente as raízes europeias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a
africana, a asiática.
Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro, têm comprovado o
quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu comportamento, ideias e intenções
antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a ex-
periência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se
assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga
a negarem a tradição do seu povo.
Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários
ou a semoventes, também é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente,
revanche dos que, por cinco séculos, têm sido desprezados e massacrados. Para reeducar as relações étni-
co-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender
que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então decidir que
sociedade queremos construir daqui para frente.
Os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa
pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles a responsabilidade moral e
política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem,
os negros, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres
humanos e cidadãos. Não fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito

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que o trabalho escravo possibilitou ao país.
Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas
de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual,
equânime. Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das
relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola.
As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as
desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino
desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de pro-
dução e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa.
A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos
discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à
conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis
para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários.
Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista
e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da
experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuí-
das nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas.
Diálogo com estudiosos que analisam, criticam estas realidades e fazem propostas, bem como com gru-
pos do Movimento Negro, presentes nas diferentes regiões e Estados, assim como em inúmeras cidades,
são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias entre o que se sabe e a realidade, se compreendam
concepções e ações, uns dos outros, se elabore projeto comum de combate ao racismo e a discriminações.
Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar. É claro que há experiências de
professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar.
Para empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns equívocos. Um
deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar ou não seus alunos negros como ne-
gros ou como pretos, sem ofensas.
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro no Brasil não se limita às características físicas.
Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define. Em segundo lugar, cabe
lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao lado dos outros, branco, pardo,
indígena, a cor da população brasileira. Pesquisadores de diferentes áreas, inclusive da educação, para fins
de seus estudos, agregam dados relativos a pretos e pardos sob a categoria negros, já que ambos reúnem,
conforme alerta o Movimento Negro, aqueles que reconhecem sua ascendência africana.
É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade
negra em nosso país. Processo esse, marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se
tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes
de africanos.
Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus,
em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se designarem negros; que outros, com traços físicos africanos, se
digam brancos. É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar pejo-
rativamente os escravizados e este sentido negativo da palavra se estende até hoje.
Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse termo dando-lhe um sentido político e positivo. Lembremos
os motes muito utilizados no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, 1990: Negro é lindo! Negra, cor
da raça brasileira! Negro que te quero negro! 100% Negro! Não deixe sua cor passar em branco! Este último
utilizado na campanha do censo de 1990.
Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si e que são racistas tam-
bém. Esta constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento que divulga a ideia e o
sentimento de que as pessoas brancas seriam mais humanas, teriam inteligência superior e, por isso, teriam o
direito de comandar e de dizer o que é bom para todos. Cabe lembrar que, no pós-abolição, foram formuladas
políticas que visavam ao branqueamento da população pela eliminação simbólica e material da presença dos
negros.

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Nesse sentido, é possível que pessoas negras sejam influenciadas pela ideologia do branqueamento e,
assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual são vítimas. O racismo imprime marcas negativas na subje-
tividade dos negros e também na dos que os discriminam.
Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento
Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o
direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda
e qualquer forma de discriminação.
A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, in-
dependentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. O racismo, segundo
o Artigo 5º da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições,
inclusive, à escola.
Outro equívoco a esclarecer é de que o racismo, o mito da democracia racial e a ideologia do branquea-
mento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e constituintes da formação histórica e social
brasileira, estes estão arraigados no imaginário social e atingem negros, brancos e outros grupos étnico-raciais.
As formas, os níveis e os resultados desses processos incidem de maneira diferente sobre os diversos sujeitos
e interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social.
Por isso, a construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é uma tarefa de todos
os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial. Pedagogias de combate ao racismo e
a discriminações elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como obje-
tivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra.
Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana;
para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância
da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notada-
mente as negras. Também farão parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e
da escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de
posição explícita contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes
níveis de ensino da educação brasileira.
Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além de ter acesso a conheci-
mentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade, exercício profissional competente,
recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como
já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sen-
síveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-ra-
cial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras preconceituosas.
Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida formação na área es-
pecífica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões
relacionadas à diversidade étnico-raciais, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias
pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.
Até aqui apresentaram-se orientações que justificam e fundamentam as determinações de caráter normativo
que seguem.
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Determinações
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Bá-
sica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores.
Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso va-
lorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos,
à sua identidade e a seus direitos.
A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe
à população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto
cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação de-
mocrática.
É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por

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um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econô-
mica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que propor-
ciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de
asiáticos, além das de raiz africana e europeia.
É preciso ter clareza que o Art. 26-A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos
conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino,
condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas.
Vejamos:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se
obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura
que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo
da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indí-
gena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas
áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão mi-
nistrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e
história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exi-
gido pelo Art. 26-A da Lei 9.394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola
serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de
comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas vivências promovidas pela escola, inclusive em con-
teúdos de disciplinas, as temáticas em questão.
Caberá, aos sistemas de ensino, às mantenedoras, à coordenação pedagógica dos estabelecimentos de
ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos,
projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.
Caberá, aos administradores dos sistemas de ensino e das mantenedoras prover as escolas, seus profes-
sores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos de-
senvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como
continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.
Em outras palavras, aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar com
o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a
construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os
primeiros e continuados atos de racismo de que são vítimas.
Sem dúvida, assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola,
da comunidade onde esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes e
democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam a man-
ter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de
desempenhar-se em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes
níveis de formação.
Precisa, o Brasil, país multiétnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se vejam incluí-
dos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar
a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, ideias e comportamentos que lhes
são adversos.
E estes, certamente, serão indicadores da qualidade da educação que estará sendo oferecida pelos estabe-
lecimentos de ensino de diferentes níveis.
Para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como refe-
rência, entre outros pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem, os princípios a seguir expli-
citados.
→ Consciência política e histórica da diversidade

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Este princípio deve conduzir:
- à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos;
- à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos,
que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira,
sua história;
- ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção
histórica e cultural brasileira;
- à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e também
as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados;
- à desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos, ideias,
comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal
fazem a negros e brancos;
- à busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a análise das relações
étnico-raciais e sociais com o estudo de história e cultura afro-brasileira e africana, de informações e subsídios
que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas;
- ao diálogo, via fundamental para entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações, tendo
em vista objetivos comuns, visando a uma sociedade justa.
→ Fortalecimento de identidades e de direitos
O princípio deve orientar para:
- o desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida;
- o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros e
os povos indígenas;
- o esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal;
- o combate à privação e violação de direitos;
- a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das iden-
tidades, provocada por relações étnico-raciais;
- as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e
modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urba-
nas e nas zonas rurais.
→ Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações
O princípio encaminha para:
- a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e profes-
sores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças, assim
como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade;
- a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações
dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como providências para corrigi-las;
- condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por rela-
ções étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos, contestações, valorizando os
contrastes das diferenças;
- valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança, marcas da cultura de raiz
africana, ao lado da escrita e da leitura;
- educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando a preservá-lo e a
difundi-lo;
- o cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais, étnico-ra-
ciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às

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alianças sociais;
- participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em
que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos
que contemplem a diversidade étnico-racial.
Estes princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de
pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições culturais. É neste
sentido que se fazem as seguintes determinações:
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá articulação entre
passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes
circunstâncias e realidades do povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais
e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, garan-
tia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira,
ao lado das indígenas, europeias, asiáticas.
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curri-
culares ou não, em que:
– se explicitem, busquem compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas
de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana;
– promovam-se oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em comunicação diferentes sis-
temas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além da
construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade
étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam;
– sejam incentivadas atividades em que pessoas, estudantes, professores, servidores, integrantes da comu-
nidade externa aos estabelecimentos de ensino, de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciproca-
mente, respeitando os valores, visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um.
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais, tal como
explicita o presente parecer, se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades
de ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente, Educação Artística, Literatura e História do Brasil,
sem prejuízo das demais, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de
ciências e de informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra
de esportes e outros ambientes escolares.
- O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras,
incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm
contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: as-
sociações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religio-
sas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região
e localidade.
- Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia
Nacional de Denúncia contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas
de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira no pós-abolição, e de divulgação dos significa-
dos da Lei Áurea para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra,
entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente neste parecer. Entre outras datas de
significado histórico e político deverá ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação
da Discriminação Racial.
- Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que
atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos afrodescendentes no
Brasil e serão abordados temas relativos:
– ao papel dos anciãos e dos griots[ Os griots são contadores de história, cantores, poetas e musicistas da
África Ocidental. São muito importantes para a transmissão dos conhecimentos dentro das culturas de diferen-
tes países africanos, sendo também referidos como jali (em mandês), guewel (em wolof), iggawen (em hassa-
nia) ou arokin (em iorubá).] como guardiões da memória histórica;

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– à história da ancestralidade e religiosidade africana;
– aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da
humanidade;
– às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe;
– ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados;
– ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico;
- à ocupação colonial na perspectiva dos africanos;
– às lutas pela independência política dos países africanos;
– às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto;
– às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora;
– à formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descenden-
tes fora da África;
– à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa, Ásia;
– aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da diáspo-
ra.
- O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no
dia-a-dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre
outras.
- O ensino de Cultura Africana abrangerá:
– as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais;
– as universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que floresciam no século XVI;
– as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos
escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro), polí-
tica, na atualidade.
- O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, se fará por diferentes meios, inclusive, a realização de
projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação
dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e
cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação pro-
fissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre
Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite,
Solano Trindade, Antonieta de Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos,
Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel
Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros).
- O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive a realização de projetos de
diferente natureza, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e
de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultu-
ral das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas
do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha
Nzinga, Toussaint-L’Ouverture, Martin Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor,
Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubi-
ra).
Para tanto, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de Educação
Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, Educação Superior, preci-
sarão providenciar:
- Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como em remanescentes de quilombos, comu-
nidades e territórios negros urbanos e rurais.

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1725267 E-book gerado especialmente para ASTERLINDO BANDEIRA
- Apoio sistemático aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e métodos
de ensino, cujo foco seja a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a Educação das Relações Étnico-Ra-
ciais.
- Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, estabelecimentos de ensino superior,
secretarias de educação, assim como levantamento das principais dúvidas e dificuldades dos professores em
relação ao trabalho com a questão racial na escola e encaminhamento de medidas para resolvê-las, feitos pela
administração dos sistemas de ensino e por Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros.
- Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de ensino superior, centros de pesquisa, Núcle-
os de Estudos Afro-Brasileiros, escolas, comunidade e movimentos sociais, visando à formação de professores
para a diversidade étnico-racial.
- Instalação, nos diferentes sistemas de ensino, de grupo de trabalho para discutir e coordenar planejamento
e execução da formação de professores para atender ao disposto neste parecer quanto à Educação das Rela-
ções Étnico-Raciais e ao determinado nos Art. 26 e 26-A da Lei 9.394/1996, com o apoio do Sistema Nacional
de Formação Continuada e Certificação de Professores do MEC.
- Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação: de análises das
relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações,
intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalis-
mo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações
étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da História e Cultura dos Afro-brasileiros e dos Africanos.
- Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de
licenciatura para Educação Infantil, os anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média, Edu-
cação de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes
no Ensino Superior.
- Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos conteúdos de disciplinas
e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-Raciais, de conheci-
mentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras
questões, estudo da anemia falciforme, da problemática da pressão alta; em Matemática, contribuições de raiz
africana, identificadas e descritas pela Etno-Matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e
de contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade.
- Inclusão de bibliografia relativa à história e cultura afro-brasileira e africana às relações étnico-raciais, aos
problemas desencadeados pelo racismo e por outras discriminações, à pedagogia antirracista nos programas
de concursos públicos para admissão de professores.
- Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os ní-
veis, estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino, de objetivos explícitos, assim como de pro-
cedimentos para sua consecução, visando ao combate do racismo, das discriminações, e ao reconhecimento,
valorização e respeito das histórias e culturas afro-brasileira e africana.
- Previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e de outros órgãos colegiados,
do exame e encaminhamento de solução para situações de racismo e de discriminações, buscando-se criar
situações educativas em que as vítimas recebam apoio requerido para superar o sofrimento e os agressores,
orientação para que compreendam a dimensão do que praticaram e ambos, educação para o reconhecimento,
valorização e respeito mútuos.
- Inclusão de personagens negros, assim como de outros grupos étnico-raciais, em cartazes e outras ilus-
trações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de manifestações culturais próprias,
ainda que não exclusivas, de um determinado grupo étnico-racial.
- Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas, museus, exposições em que se divul-
guem valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos étnico-raciais brasileiros, particularmen-
te dos afrodescendentes.
- Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de fontes de conhecimentos de origem
africana, a fim de selecionarem-se conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens;
- Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, vi-

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1725267 E-book gerado especialmente para ASTERLINDO BANDEIRA
sões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de
bases teóricas para a educação brasileira.
- Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população negra, com vistas à formulação de
políticas públicas de Estado, comunitárias e institucionais.
- Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao
disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no Art. 26-A da LDB, e, para tanto, abordem a pluralidade
cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publica-
das sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas
de difusão de livros educacionais do MEC – Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de
Bibliotecas Escolares (PNBE).
- Divulgação, pelos sistemas de ensino e mantenedoras, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasilei-
ros, de uma bibliografia afro-brasileira e de outros materiais como mapas da diáspora, da África, de quilombos
brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução de obras de arte afro-brasileira e afri-
cana a serem distribuídos nas escolas da rede, com vistas à formação de professores e alunos para o combate
à discriminação e ao racismo.
- Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de quilombos, contando as escolas com
professores e pessoal administrativo que se disponham a conhecer física e culturalmente, a comunidade e a
formar-se para trabalhar com suas especificidades.
- Garantia, pelos sistemas de ensino e entidades mantenedoras, de condições humanas, materiais e finan-
ceiras para execução de projetos com o objetivo de Educação das Relações Étnico-Raciais e estudo de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, assim como organização de serviços e atividades que controlem, avaliem
e redimensionem sua consecução, que exerçam fiscalização das políticas adotadas e providenciem correção
de distorções.
- Realização, pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, de atividades periódicas, com a parti-
cipação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificul-
dades do ensino e aprendizagem de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações
Étnico-Raciais; assim como comunicação detalhada dos resultados obtidos ao Ministério da Educação, à Se-
cretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação, e aos respectivos
Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, quando for o caso.
- Adequação dos mecanismos de avaliação das condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensi-
no, tanto da educação básica quanto superior, ao disposto neste Parecer; inclusive com a inclusão nos formulá-
rios, preenchidos pelas comissões de avaliação, nos itens relativos a currículo, atendimento aos alunos, projeto
pedagógico, plano institucional, de quesitos que contemplem as orientações e exigências aqui formuladas.
- Disponibilização deste parecer, na sua íntegra, para os professores de todos os níveis de ensino, respon-
sáveis pelo ensino de diferentes disciplinas e atividades educacionais, assim como para outros profissionais
interessados a fim de que possam estudar, interpretar as orientações, enriquecer, executar as determinações
aqui feitas e avaliar seu próprio trabalho e resultados obtidos por seus alunos, considerando princípios e crité-
rios apontados.

Bases legais estaduais para a Educação das Relações Étnico-Raciais: principais con-
ceitos, princípios, características

— Principais conceitos, princípios, características


Em concordância com o Plano Nacional de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educa-
ção das relações Étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana[ http://portal.mec.
gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=10098-diretrizes-curriculares&Itemid=30192],
no tocante às atribuições dos sistemas de ensino, as exigências legais conferidas aos sistemas de ensino pelas
Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/CP 003/2004 compartilham e
atribuem responsabilidades entre os diferentes atores da educação brasileira.
Compõem essa segunda parte as atribuições, por ente federativo, sistemas educacionais e instituições en-

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1725267 E-book gerado especialmente para ASTERLINDO BANDEIRA
volvidas, necessárias à implementação de uma educação adequada às relações Étnico-raciais.
Ações do sistema de ensino da educação brasileira
Segundo o art. 8º da Lei de diretrizes e bases da educação nacional - LDB, a educação formal brasileira é
integrada por sistemas de ensino de responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e municípios e dota-
dos de autonomia. A Resolução CNE/CP Nº 01/2004 compartilha responsabilidades e atribui ações específicas
para a consecução das leis.
No art. 1º da Resolução, é atribuído aos sistemas de ensino a consecução de “condições materiais e fi-
nanceiras” assim como prover as escolas, professores e alunos de materiais adequados à educação para as
relações étnico-raciais. Deve ser dada especial atenção à necessidade de articulação entre a formação de pro-
fessores e a produção de material didático, ações que se encontram articuladas no planejamento estabelecido
pelo Ministério da Educação, no Plano de Ações Articuladas. Nesse sentido, faz-se necessário:
a) Incorporar os conteúdos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana em todos os níveis, etapas e mo-
dalidades de todos os sistemas de ensino e das metas deste Plano na revisão do atual Plano Nacional de Edu-
cação (2014-2024), como também na construção e revisão dos Planos Estaduais e Municipais de Educação;
b) Criar Programas de Formação Continuada Presencial e à distância de Profissionais da Educação, com
base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, com as seguintes características:
I - A estrutura curricular dos referidos programas de formação deverá ter como base as Diretrizes Curricula-
res Nacionais para Educação das Relações étnico-raciais e História da África e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na, conforme o Parecer CNE/CP nº 03/2004;
II – Os cursos deverão ser desenvolvidos na graduação e também dentro das modalidades de extensão,
aperfeiçoamento e especialização, em instituições legalmente reconhecidas e que possam emitir certificações;
III - Os cursos de formação de professores devem ter conteúdos voltados para contemplar a necessidade
de reestruturação curricular e incorporação da temática nos Projetos Político- Pedagógicos das escolas, assim
como preparação e análise de material didático a ser utilizado contemplando questões nacionais e regionais.
c) Realizar levantamento, no âmbito de cada sistema, da presença de conteúdos de Educação das Relações
Étnico-raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, como estabelece a Resolução CNE/
CP n º 01/2004;
d) Fomentar a produção de materiais didáticos e paradidáticos que atendam ao disposto pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-brasileira e Africana e às especificidades regionais para a temática;
e) Adequar as estratégias para distribuição dos novos materiais didáticos regionais de forma a contemplar
ampla circulação e divulgação nos sistemas de ensino;
f) Realizar Avaliação diagnóstica sobre a abrangência e a qualidade da implementação das Leis 10.639/2003
e 11.645/2008 na educação básica;
g) Elaborar agenda propositiva em conjuntos com os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diver-
sidade Étnico-racial e sociedade civil para elaboração, acompanhamento e avaliação da implementação desse
Plano e consequentemente das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008;
h) Divulgar amplamente as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e de seu significado para a garantia do direito à
educação de qualidade e para o combate ao preconceito, racismo e discriminação na sociedade, assim como
a Lei 11.645/2008;
i) Divulgar experiências exemplares e as ações estratégicas que já vêm sendo desenvolvidas pelas Secre-
tarias de Educação e Instituições de Ensino;
j) Fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas na temática das relações étnico-raciais,
na CAPES, CNPq e nas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa e estimular a criação e a divulgação de
editais de bolsas de pós-graduação stricto sensu em Educação das Relações Étnico-raciais criados e dirigidos

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aos profissionais que atuam na educação básica, educação profissional e ensino superior das instituições pú-
blicas de ensino.
→ Ações do governo estadual
O Art. 10 da LDB incumbe os Estados de, entre outras atribuições: “organizar, manter e desenvolver os ór-
gãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino; elaborar e executar políticas e planos educacionais,
em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e
as dos seus Municípios; autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos
das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de= ensino; baixar normas com-
plementares para o seu sistema de ensino”.
No Art. 17 da LDB diz que aos “sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal” pertencem: “I - as ins-
tituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II - as insti-
tuições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III - as instituições de ensino fundamental
e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal,
respectivamente”, sendo que “No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela
iniciativa privada, integram seu sistema de ensino”.
Para o Plano Nacional de Implementação das DCNs da Educação para as Relações étnico-raciais, os Esta-
dos, o Distrito Federal e seus sistemas de ensino têm como objetivo aplicar as formulações aqui explicitadas,
assim como suas instituições privadas ou superiores públicas, como reza o conteúdo da Resolução CNE/CP
01/2004 e do presente Plano.
Principais ações para o Sistema de Ensino Estadual
a) Apoiar as escolas para implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, através de ações colabora-
tivas com os Fóruns de Educação para a Diversidade Étnico-racial, conselhos escolares, equipes pedagógicas
e sociedade civil;
b) Orientar as equipes gestoras e técnicas das Secretarias de Educação para a implementação da lei
10.639/03 e Lei 11.645/08;
c) Promover formação para os quadros funcionais do sistema educacional, de forma sistêmica e regular, mo-
bilizando de forma colaborativa atores como os Fóruns de Educação, Instituições de Ensino Superior, NEABs,
SECAD/MEC, sociedade civil, movimento negro, entre outros que possuam conhecimento da temática;
d) Produzir e distribuir regionalmente materiais didáticos e paradidáticos que atendam e valorizem as espe-
cificidades (artísticas, culturais e religiosas) locais/regionais da população e do ambiente, visando ao ensino e
à aprendizagem das Relações Étnico-raciais;
e) Articular com CONSED e o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação o apoio para a cons-
trução participativa de planos estaduais e municipais de educação que contemplem a implementação das Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana e da lei 11.645/08;
f) Elaborar consulta às escolas sobre a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/2008, e construir relató-
rios e avaliações do levantamento realizado;
g) Desenvolver cultura de autoavaliação das escolas e na gestão dos sistemas de ensino por meio de guias
orientadores com base em indicadores socioeconômicos, étnico-raciais e de gênero produzidos pelo INEP;
h) Instituir nas secretarias estaduais de educação equipes técnicas para os assuntos relacionados à diver-
sidade, incluindo a educação das relações étnico-raciais, dotadas de condições institucionais e recursos orça-
mentários para o atendimento das recomendações propostas neste Plano;
i) Participar dos Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-raciais.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, juntam-se a preceitos analógicos os Artigos Art. 275, IV e
288 da Constituição Estadual da Bahia, apontando para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação
de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como
comprometidos com a de educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir.

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Dispõe a Constituição Estadual da Bahia
[ https://www.al.ba.gov.br/fserver/:imagensAlbanet:upload:Constituicao_2022_EC_28.pdf]:
Art. 275. É dever do Estado preservar e garantir a integridade, a respeitabilidade e a permanência dos valo-
res da religião afro-brasileira e especialmente:
(....);
IV - promover a adequação dos programas de ensino das disciplinas de geografia, história, comunicação
e expressão, estudos sociais e educação artística à realidade histórica afro-brasileira, nos estabelecimentos
estaduais de 1º, 2º e 3º graus.
Art. 288. A rede estadual de ensino e os cursos de formação e aperfeiçoamento do servidor público civil e
militar incluirão em seus programas disciplina que valorize a participação do negro na formação histórica da
sociedade brasileira.
A Lei nº 13.182 de 06 de junho de 2014[ https://leisestaduais.com.br/ba/lei-ordinaria-n-13182-2014-bahia-
-institui-o-estatuto-da-igualdade-racial-e-de-combate-a-intolerancia-religiosa-do-estado-da-bahia-e-da-outras-
-providencias], institui o Estatuto da Igualdade Racial e de combate à intolerância religiosa do estado da Bahia
e dá outras providências. Vejamos o disposto no Art. 2º:
Art. 2º. Para os fins deste Estatuto adotam-se as seguintes definições:
I - população negra: conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou
raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou que adotam auto definição
análoga;
II - políticas públicas: ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribui-
ções institucionais;
III - ações afirmativas: programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a
correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades;
IV - racismo: ideologia baseada em teorias e crenças que estabelecem hierarquias entre raças e etnias e
que historicamente tem resultado em desvantagens sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais para
pessoas e grupos étnicos raciais específicos por meio da discriminação, do preconceito e da intolerância;
V - racismo institucional: ações ou omissões sistêmicas caracterizadas por normas, práticas, critérios e pa-
drões formais e não formais de diagnóstico e atendimento, de natureza organizacional e institucional, pública
e privada, resultantes de preconceitos ou estereótipos, que resulta em discriminação e ausência de efetividade
em prover e ofertar atividades e serviços qualificados às pessoas em função da sua raça, cor, ascendência,
cultura, religião, origem racial ou étnica;
VI - discriminação racial ou discriminação étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, incluindo-se as condutas que, com base nestes
critérios, tenham por objeto anular ou restringir o reconhecimento, exercício ou fruição, em igualdade de condi-
ções, de garantias e direitos nos campos político, social, econômico, cultural, ambiental, ou em qualquer outro
campo da vida pública ou privada;
VII - intolerância religiosa: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência, incluindo-se qualquer manifes-
tação individual, coletiva ou institucional, de conteúdo depreciativo, baseada em religião, concepção religiosa,
credo, profissão de fé, culto, práticas ou peculiaridades rituais ou litúrgicas, e que provoque danos morais, ma-
teriais ou imateriais, atente contra os símbolos e valores das religiões afro-brasileiras ou seja capaz de fomentar
ódio religioso ou menosprezo às religiões e seus adeptos;
VIII - desigualdade racial: toda situação de diferenciação negativa no acesso e fruição de bens, serviços e
oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica;
IX - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância
social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais.
Referente ao ensino, dispõe a Lei nº 13.182 de 06 de junho de 2014:

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Seção I
DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Art. 23 Fica assegurada a participação da população negra em igualdade de oportunidades nos espaços de
participação e controle social das políticas públicas em educação, cabendo ao Poder Público promover o aces-
so da população negra à educação em todas as modalidades de ensino, abrangendo o Ensino Médio, Técnico
e Superior, assim como os programas especiais em educação, visando a sua inserção nos mundos acadêmico
e profissional.
§ 1º O Estado implementará programa específico de reconhecimento e fortalecimento da identidade e da au-
toestima de crianças e adolescentes negros, que permeará todo o Sistema Estadual de Ensino e os programas
estaduais de acesso ao Ensino Superior.
§ 2º O Estado e as instituições estaduais de educação superior promoverão o acesso e a permanência da
população negra na Educação Superior, incluindo-se os cursos de pós-graduação lato sensu, mestrado e dou-
torado, adotando medidas e programas específicos para este fim.
Art. 24 É assegurado aos alunos adeptos de religiões afro-brasileiras o direito de realizar atividades compen-
satórias, previamente definidas em ato normativo, sob orientação e supervisão pelos respectivos professores,
na hipótese de necessidade de faltar às aulas em função de atividade religiosa devidamente comprovada, ten-
do em vista o cumprimento dos deveres escolares e o aproveitamento dos conteúdos programáticos.
Art. 25 O Estado adotará ações para assegurar a qualidade do ensino da História e da Cultura Africana,
Afro-brasileira e Indígena nas unidades do Ensino Fundamental e Médio do Sistema Estadual de Ensino, em
conformidade com o estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, assegurando a estrutu-
ra e os meios necessários à sua efetivação, inclusive no que se refere à formação permanente de educadores,
realização de campanhas e disponibilização de material didático específico, no contexto de um conjunto de
ações integradas com o combate ao racismo e à discriminação racial nas escolas.
§ 1º O Estado exercerá a fiscalização e adotará as providências cabíveis em caso de descumprimento das
medidas previstas no caput deste artigo.
§ 2º O Estado, mediante incentivos e prêmios, promoverá o reconhecimento de práticas didáticas e metodo-
lógicas no Ensino da História e da Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena nas escolas do Sistema Estadual
de Ensino e da rede privada.
Art. 26 A Secretaria da Educação procederá à apuração administrativa das ocorrências de racismo, discrimi-
nação racial, intolerância religiosa no âmbito das unidades do Sistema Estadual de Ensino, através de estrutu-
ras administrativas especificamente criadas para este fim, em articulação com a Rede e o Centro de Referência
de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, que prestará apoio social, psicológico e jurídico específico
às pessoas negras atingidas, com prioridade no atendimento de crianças e adolescentes negros.
Art. 27 Na oferta de educação básica para a população rural, inclusive às comunidades remanescentes de
quilombos e aos povos indígenas, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias para a sua
adequação às peculiaridades da vida rural de cada região, observando-se o seguinte:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriados à realidade das comunidades rurais e que, no caso
das comunidades quilombolas e dos povos indígenas, contemplem a trajetória histórica, as relações territoriais,
a ancestralidade e a resistência coletiva à opressão histórica;
II - adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação às atividades laborais de subsistência e aos modos de vida das comunidades rurais.
Art. 28 As comemorações de caráter cívico e de relevância para a memória e a história da população negra
brasileira e baiana serão previstas no Calendário Escolar do Sistema Estadual de Ensino, inserindo-se, desde
já, o mês de agosto, em memória à Revolta dos Búzios de 1798 e de seus Heróis.
Art. 29 O Estado estimulará a implementação e manutenção dos programas e medidas de ação afirmativa
para ampliação do acesso da população negra ao Ensino Técnico e à Educação Superior, em todos os cursos,
no âmbito de atuação do Estado, com prazo de duração compatível com a correção das desigualdades raciais
verificadas.

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Art. 30 Poderá o Poder Público, em articulação com os Municípios, disponibilizar apoio técnico, financeiro e
operacional para promover o acesso efetivo e igualitário de crianças negras, com idade entre zero e seis anos,
à Educação Infantil.
Parágrafo Único. É de responsabilidade do Estado, em parceria com a União e Municípios, estabelecer
políticas de formação permanente de educadores da Educação Infantil, com ênfase no reconhecimento da
contribuição dos africanos e dos afro-brasileiros para a história e a cultura na valorização da tolerância e no
respeito às diferenças.
Art. 31 O censo educacional concernente à “raça/cor” será um dos mecanismos utilizados para o monitora-
mento, acompanhamento e avaliação das condições educacionais da população negra, contemplando entre
outros aspectos, o acesso e a permanência no Sistema Estadual de Ensino.
Art. 32 Os órgãos e instituições estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação instituirão linhas de
pesquisa e programas de estudo voltados para temas relativos às relações raciais, combate às desigualdades
raciais e de gênero, enfrentamento ao racismo e outras questões pertinentes à garantia de direitos da popula-
ção negra.

Princípios, abordagens conceituais e metodológicas, educação para a diversidade

— Princípios
De acordo com o documento Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais[ http://
etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/publicacoes/orientacoes_acoes_miolo.pdf], a construção do Plano de Ação
para a Inserção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, tomou como base os seguintes princípios:
→ Socialização e visibilidade da cultura negro-africana;
→ Formação de professores com vistas à sensibilização e à construção de estratégias para melhor equacio-
nar questões ligadas ao combate às discriminações racial e de gênero e à homofobia;
→ Construção de material didático-pedagógico que contemple a diversidade étnico-racial na escola;
→ Valorização dos diversos saberes;
→ Valorização das identidades presentes nas escolas, sem deixar de lado esse esforço nos momentos de
festas e comemorações.
— Abordagens conceituais e metodológicas
Conhecimentos e sentidos da aprendizagem
“Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás,
Agora já não estou tão certa, Terás então de ler doutra maneira, Como,
Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for
própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais
além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são
apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para
que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa”.
José Saramago
Educar para as relações étnico-raciais é um apelo que emerge de segmentos contestatórios da sociedade,
entre eles, o movimento social negro que tem sua gênese organizativa no agrupamento de pessoas que já se
aproximavam, desde os porões, durante a travessia do atlântico, tempo e lugar de genocídio e dor, centenas
de anos depois, continuam pressionando a sociedade, educando na informalidade e desordenando os sentidos
das leis[ http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/publicacoes/orientacoes_acoes_miolo.pdf].

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A citação de Saramago, em epígrafe, faz um chamamento para uma perspectiva de educação em que cada
um seja capaz de ir além da leitura das páginas do caderno ou do livro didático, entendendo que as pedras,
palavras ali postas, escritas servem para atravessar as margens do rio, violentas margens, que ainda inundam
a sociedade brasileira de preconceitos e discriminação étnico-racial.
A emergência dos quilombolas entre os movimentos sociais aponta a atuação de pessoas em um contínuo
movimento de ideias e práticas que transformam transformando-se por meio de um embate diário contra as
sequelas da escravização e da omissão/rejeição de um legado africano repleto de intenção estética e saber.
Os movimentos sociais se constituem espaços essencialmente educativos, educam nas e para as contradi-
ções sociais, resultando em uma construção e disseminação de conhecimentos que tem como horizonte uma
educação voltada para uma formação humana na qual, segundo Freire, “a boniteza de ser gente se acha, entre
outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar”.
O artigo 1º da LDB de 1996 reafirma a existência de diversos espaços educativos e, consequentemente, de
educadores para além da escola e dos(as) professores(as): “A educação abrange os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organização da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
A concepção de educação presente na LDB 9.394/96 amplia os espaços para a sua ocorrência e, também,
o leque de educadores(as), deixando a olho nu, que a escola não é um espaço hegemônico de educação.
Neste sentido, poderia-se perguntar qual o tipo de conhecimento a ser (re)produzido na escola de modo a
articular-se com outros espaços e tempos que contribuem para a formação humana? Seria a escola um espaço
onde o conhecimento se destina a outra perspectiva de formação que não prioriza a humana? Ainda que uma
perspectiva mais humanista de formação fique, por força maior, em segundo plano, homens, mulheres e crian-
ças, ao sentar nos bancos escolares, trazem consigo as marcas de outras vivências, restando questionar qual
é o trato pedagógico dado a esse conteúdo que pode até ser silenciado, mas que não pode ser arrancado do
âmago de cada ser?
Uma concepção de educação e aquisição de conhecimentos que vá ao encontro dos interesses emancipató-
rios que as comunidades quilombolas vêm construindo desde o período escravista requer a promoção de uma
leitura de mundo que dê ênfase a sua trajetória histórica, como lembrança viva de que o tempo não esvaece
a disposição para transformar. Ser quilombola é estar sempre com as armas da perseverança, sabedoria e
solidariedade coletiva.
Pensar em educação que contemple as relações étnico-raciais no interior de uma comunidade negra signi-
fica dar corpo a outros saberes, saberes mais “abertos”, que deem dinamicidade e consistência aos saberes
“fechados”, que constituem, em complementaridade, o conhecimento a ser produzido na escola.
O tempo de escola pode tornar o tempo de infância e o tempo de docência em tempos de produção de
sentidos, através das suas funções mais elementares: aprender e ensinar. Sentidos que são buscados como
decorrência das perguntas que inevitavelmente são feitas para o outro e, também, para si mesmo.
As perguntas e, portanto, os diálogos travados não devem acomodar as inquietações; isto seria a manipula-
ção dos afetos, porque, segundo Freire, “o diálogo faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos.
É parte de nosso progresso histórico, do caminho para nos tornarmos seres humanos”.
Um diálogo sobre os sentidos da docência, sobre o que ensinar, para que e como ensinar, é uma reflexão
trazida por Arroyo, quando o autor tenta “aliviar” esta tensão existente, principalmente, sobre quais são os con-
teúdos da docência:
“Percebo que o reencontro com o sentido da docência se dá na medida em que vamos descobrindo que es-
ses saberes escolares e conteúdos fechados se são imprescindíveis ao aprendizado humano, não o esgotam.
Há capacidades “abertas”, que são o componente da nossa docência e do direito à Educação Básica. Aprender
por exemplo o convívio social, a ética, a cultura, as identidades,[...] os papéis sociais, os conceitos e preconcei-
tos, o destino humano, as relações entre homens e seres humanos, entre os iguais e os diversos, o universo
simbólico, a interação simbólica com os outros, nossa condição espacial e temporal, nossa memória coletiva
e herança cultural, o cultivo do raciocínio, o aprender a aprender, aprender a sentir, a ser... Esses conteúdos
sempre fizeram parte da humana docência, da pesquisa, da curiosidade, da problematização. Nunca foram
fechados em grades, nem se prestam a ser disciplinados em disciplinas”.

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Os saberes “abertos” estão oficialmente incorporados à realidade educacional brasileira na proposta de
Parâmetros Curriculares Nacionais, que os apresenta como Temas Transversais; encontram-se incorporados,
também, na lógica do mercado de ponta, onde são exigidos trabalhadores “polivalentes”, com uma bagagem
intelectual que não se reduz a letras e números, mas que se formem com outras habilidades e sensibilidades,
porque o mercado do consumo deve valer-se de todos os gostos e culturas a fim de semear, globalmente, a sua
ética: a ética indiscriminada do lucro.
Diria, então, que os saberes abertos já não constituem uma novidade entre aqueles setores que podem
transformar, a educação, e aqueles setores que desejam manter, o mercado capitalista, um modelo de socieda-
de excludente. O conhecimento produzido no seio das comunidades negras é um saber que, articulado às con-
tribuições dos que estão de “fora”, pode produzir desenvolvimento sustentável, geração de renda, preservação
da cultura, enfim, uma perspectiva do etnodesenvolvimento.
A práxis emerge, com muita intensidade, enquanto atitude pedagógica quando se pensa a educação em
comunidades quilombolas; a práxis pressupõe uma avaliação e uma crítica severa aos modos como a preser-
vação do passado e uma antevisão de futuro se conjugam. O desejo de alavancar o progresso exige muito
cuidado, vigilância, para que estas propostas não tragam consigo um olhar simplificador que pode banalizar,
folclorizar de forma pejorativa a cultura local, obedecendo apenas a um espírito mercadológico.
Discutir uma concepção de conhecimento para quilombolas significa pensar em uma formação curricular
onde o saber instituído e o saber vivido estejam contemplados, provocando uma ruptura em um fazer pedagó-
gico em que o currículo é visto enquanto grade, hierarquicamente organizado com conteúdos que perpetuam
o poder para que determinados grupos continuem a outorgar qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo,
quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é
imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são.
Juntamente com a emergência de um currículo que se construa “a partir das formas mais variadas de cons-
trução e reconstrução do espaço físico e simbólico, do território, dos sujeitos, do meio ambiente” (Referências
para uma Política Nacional de Educação do Campo, 2004, p.37), tem-se que estabelecer alguns princípios que
possibilitem, efetivamente, uma educação das relações étnico-raciais em comunidades quilombolas.
— Educação para a diversidade
A diversidade étnico-racial na educação
A sociedade civil segue desenvolvendo importante papel na luta contra o racismo e seus derivados. Compre-
ender os mecanismos de resistência da população negra ao longo da história exige também estudar a formação
dos quilombos rurais e urbanos e das irmandades negras, entre tantas outras formas de organizações coletivas
negras[ http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/publicacoes/orientacoes_acoes_miolo.pdf].
A população negra que para cá foi trazida tinha uma história da vida passada no continente africano, a qual
somada às marcas impressas pelo processo de transmutação de continente serviu de base para a criação de
estratégias de sobrevivência. A fuga dos/das trabalhadores(as) escravizados(as), a compra e a conquista de
territórios para a formação de quilombos materializam as formas mais reconhecidas de luta da população negra
escravizada. Nesses espaços, as populações negras abrigaram-se e construíram novas maneiras de organiza-
ção social, bastante distintas da organização nas lavouras.
A religião, aspecto fundamental da cultura humana, é emblemática no caso dos(as) negros(as) africanos(as)
em terras brasileiras. Por meio desse ímpeto criativo de sobrevivência, pode-se dizer que a população negra
promoveu um processo de africanização de religiões cristãs e de recriação das religiões de matriz africana.
Cabe, portanto, ligar essas experiências ao cotidiano escolar. Torná-las reconhecidas por todos os atores
envolvidos com o processo de educação no Brasil, em especial professores(as) e alunos(as). De outro modo,
trabalhar para que as escolas brasileiras se tornem um espaço público em que haja igualdade de tratamento e
oportunidades.
Diversos estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas públicas quanto em particulares,
a temática racial tende a aparecer como um elemento para a inferiorização daquele(a) aluno(a) identificado(a)
como negro(a).
Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhosos ou jocosos, que identificam alunos(as)
negros(as), sinalizam que, também na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo de práticas racis-

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tas e discriminatórias. O subdimensionamento dos efeitos das desigualdades étnico-raciais embota o fomento
de ações de combate ao racismo na sociedade brasileira, visto que difunde a explicação da existência de igual-
dade de condições sociais para todas as pessoas.
Sistematicamente, a sociedade brasileira tende a fazer, ainda hoje, vistas grossas aos muitos casos que
tomam o espaço da mídia nacional, mostrando o quanto ainda é preciso lutar para que todos e todas recebam
uma educação igualitária, que possibilite desenvolvimento intelectual e emocional, independentemente do per-
tencimento étnico-racial do(a) aluno(a). Com isso, os(as) profissionais da educação permanecem na não-per-
cepção do entrave promovido por eles(as), ao não compreenderem em quais momentos suas atitudes diárias
acabam por cometer práticas favorecedoras de apenas parte de seus grupos de alunos e alunas.
Um olhar atento para a escola capta situações que configuram de modo expressivo atitudes racistas. Nesse
espectro, de forma objetiva ou subjetiva, a educação apresenta preocupações que vão do material didático-pe-
dagógico à formação de professores.
O silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido que seja transmitida aos(as) alu-
nos(as) uma pretensa superioridade branca, sem que haja questionamento desse problema por parte dos(as)
profissionais da educação e envolvendo o cotidiano escolar em práticas prejudiciais ao grupo negro.
Silenciar-se diante do problema não apaga magicamente as diferenças, e ao contrário, permite que cada
um construa, a seu modo, um entendimento muitas vezes estereotipado do outro que lhe é diferente. Esse
entendimento acaba sendo pautado pelas vivências sociais de modo acrítico, conformando a divisão e a hie-
rarquização raciais.
É imprescindível, portanto, reconhecer esse problema e combatê-lo no espaço escolar. É necessária a pro-
moção do respeito mútuo, o respeito ao outro, o reconhecimento das diferenças, a possibilidade de se falar so-
bre as diferenças sem medo, receio ou preconceito. Nesse ponto, deparamo-nos com a obrigação do Ministério
da Educação de implementar medidas que visem o combate ao racismo e à estruturação de projeto pedagógico
que valorize o pertencimento racial dos(as) alunos(as) negros(as).
Diante do panorama das ferramentas de que já dispomos, a Constituição Federal define como competência
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a promoção do acesso à cultura, à educação e à
ciência. A Educação Básica, de competência do Estado, é compreendida pelos níveis infantil, fundamental e
médio, sendo o Ensino Fundamental de caráter obrigatório e gratuito.
Recentemente, estruturam-se propostas de modificações para os livros didáticos e revisões nos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Contudo, é preciso dar continuidade às políticas públicas amplas e consolidadas que
trabalhem detalhadamente no combate a esse processo de exclusão social.
Vale lembrar que o processo de formação de professores(as) deve estar direcionado para todos(as) os(as)
profissionais de educação, garantindo-se que aqueles(as) vinculados(as) às ciências exatas e da natureza não
se afastem de tal processo.

Organização do trabalho para a Educação das Relações Étnico-Raciais: saberes esco-


lares, processos metodológicos para a Educação das Relações Étnico-Raciais

— Saberes escolares
Saberes e práticas no contexto de reconfigurações curriculares: considerações e aportes teóricos
Se traçado um panorama de como a questão racial vem sendo tratada e enfrentada em nosso país, desde os
momentos finais do regime escravista aos dias atuais, ajudar-nos-ia à desnudar a complexidade e polissemia de
tal questão, evidenciando a necessidade de análises cuidadosas tanto dos mecanismos de perpetuação e rea-
tualização do racismo quanto daqueles que se voltam ao seu combate. Se a questão racial brasileira apresenta
sutilezas e meandros que constituem sua própria especificidade, a construção de análises e estratégias para
seu enfrentamento requer, por outro lado, uma postura crítica, no sentido de rejeitar, ou pelo menos desconfiar,
de certezas e julgamentos prévios, buscando trilhar um caminho feito de interrogações e permanente exercício
de diálogos e (re)negociações[ https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8GHN3L/1/saberes_e_pr_ti-
cas_em_redes_de_trocas___a_tem_tica_africana_e__afro_brasileira_em_que_20110408145923.pdf].
O desafio de investigar saberes e práticas escolares e docentes em torno da temática africana e afro-brasi-

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leira, no bojo do processo de recepção da Lei 10.639/03, nos demanda, assim, a busca de referenciais teóricos
que ajudem a elucidar os problemas e qualificar as análises. Torna-se necessário compreender a natureza e
especificidades desses saberes e práticas, como vão sendo constituídos e significados no contexto das re-
configurações curriculares em jogo, envolvendo processos de formação docente e em estreito diálogo com as
culturas escolares.
Nossa investigação diz respeito à introdução de um supostamente novo componente curricular na Educação
Básica. Não se trata, no entanto, da simples adição de um conteúdo aos programas de ensino. Trata-se da
abordagem de um tema de fortes significações políticas e sociais, cuja transformação em conteúdo de ensino
vem acompanhada da exigência de se construir novas formas de abordagem, assim como de se rever posturas
e posicionamentos em relação a uma questão de grande complexidade, no âmbito da sociedade brasileira.
Na medida em que vem acompanhada da perspectiva de promover uma (re)educação das relações étnico-
raciais, a entrada da temática africana e afro-brasileira nos currículos escolares apresenta-se como processo
extremamente complexo, envolvendo múltiplas variáveis e desdobrando-se em uma gama de possibilidades,
sendo atravessada por relações de poder e por conflitos entre diferentes concepções de mundo e projetos de
sociedade.
Ao tocar em questões que dizem respeito à construção e reconstrução de identidades sociais, o trato da
temática provoca ações e reações diversas entre os sujeitos envolvidos, sobretudo, os sujeitos professores,
que passam a mobilizar saberes construídos em diferentes espaços e fruto de múltiplas experiências de vida,
de formação e profissional, entre outras. Tudo isso engendra processos de reflexão sobre as experiências de
formação anteriormente vivenciadas, assim como possibilita novas e diversificadas experiências formativas.
As condições em que se realiza o trabalho docente e a própria natureza desse trabalho, caracterizado como
um trabalho de interações humanas, são também componente primordial na compreensão dos processos in-
vestigados. Além disso, devemos considerar as especificidades do contexto escolar, com sua cultura própria,
seus ritmos, calendários, suas formas de organizar tempos e espaços, suas finalidades e papéis sociais, tanto
os que desempenha quanto os que se espera que desempenhe.
Tratando-se de processos educativos, mais especificamente ligados à educação escolar, buscaremos no
campo da Educação alguns dos referenciais, como análises teóricas, conceitos, categorias analíticas e diferen-
tes estudos, que contribuem para a análise do objeto de estudo. Sendo esse objeto relacionado ao “ensino de”,
precisaremos recorrer também a campos disciplinares específicos, privilegiadamente o campo historiográfico,
tendo em vista o papel estratégico da disciplina História na abordagem da temática africana e afro-brasileira.
A produção acadêmica no campo da Educação experimentou significativa ampliação, nas últimas décadas,
no Brasil e no mundo. Tratando-se de um campo multidisciplinar, que integra conhecimentos oriundos de dife-
rentes áreas, como História, Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia e Didática, entre outros, os estudos
em Educação multiplicaram-se em uma infinidade de abordagens conceituais e metodológicas.
Em meio a grande diversificação de temas e problemas que passaram a ocupar a atenção dos pesquisado-
res, configura-se o interesse por compreender as especificidades dos “saberes escolares” e “saberes e práticas
docentes”, categorias analíticas que se desenvolvem, especialmente, no interior dos estudos sobre currículo e
sobre formação e trabalho docente, e que se mostram fundamentais.
Ao longo do texto, alternamos o uso das expressões “saberes” e “conhecimentos”, sem uma preocupação
em delimitar diferenças epistemológicas entre os dois conceitos, mesmo sabendo dos riscos daí advindos.
Valeria a pena, no entanto, recorrermos à distinção entre informação, conhecimento e saber, e que apresenta
contribuições para se pensar nas especificidades dos saberes mobilizados na escola.
A informação é um dado exterior ao sujeito, pode ser armazenada, estocada, inclusive em um banco de
dados; está “sob a primazia da objetividade”. O conhecimento é o resultado de uma experiência pessoal ligada
à atividade de um sujeito provido de qualidades afetivo-cognitivas; como tal, é intransmissível, está “sob a pri-
mazia da subjetividade”.
Assim como a informação, o saber está “sob a primazia da objetividade”; mas, é uma informação de que o
sujeito se apropria. Desse ponto de vista, é também conhecimento, porém desvinculado do “invólucro dogmá-
tico no qual a subjetividade tende a instalá-lo”.
O saber é produzido pelo sujeito confrontado a outros sujeitos, é construído em “quadros metodológicos”.
Pode, portanto, “entrar na ordem do objeto”; e torna-se, então, “um produto comunicável”, uma “informação

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disponível para outrem”. Em outras palavras, a ideia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de
relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, vali-
dam, partilham esse saber).
Se a questão da relação com o saber é tão importante, é porque o saber é relação.
Os estudos sobre currículo e a emergência da categoria “saber escolar”
O campo dos estudos curriculares possui uma longa trajetória, que remonta às primeiras décadas do século
XX. Foi sobretudo nos Estados Unidos, em um contexto marcado pela expansão da industrialização e dos pro-
cessos imigratórios, acompanhado de um acentuado crescimento da escolarização de massa, que se assistiu
à emergência dos estudos e pesquisas sobre currículo, como parte de um esforço por garantir maior controle
dos processos educativos. O campo do currículo emerge, dessa forma, dentro de uma perspectiva pragmática
e técnica, ligado a possibilidade de um planejamento cientifico e racionalmente orientado.
Mas seria somente na segunda metade do século XX que a categoria “saber escolar” ou “conhecimento
escolar” seria incorporada aos estudos curriculares, como parte de um movimento muito maior que operaria
transformações radicais na teorização curricular, com a emergência de novas interrogações e a formulação de
categorias analíticas assentadas em bases epistemológicas distintas.
A categoria de análise “conhecimento escolar” surgiu no contexto dos estudos que investigam a relação en-
tre escola e cultura, bem como o papel desempenhado pela escola na produção da memória coletiva, de iden-
tidades sociais, e na reprodução das relações de poder, através de seus mecanismos e estratégias de “seleção
cultural escolar”. Esses estudos, voltados para as questões relativas ao currículo, são tributários de trabalhos
desenvolvidos por autores ingleses da chamada Nova Sociologia da Educação, a partir da proposta de Ray-
mond William (1961) de pensar a cultura como “tradição seletiva”, processo de decantação e de reinterpretação
da herança deixada pelas gerações anteriores.
Teorização curricular e novas categorias de análise: cultura, identidade e poder
A emergência de um novo campo de investigação, denominado “Sociologia do Currículo”, representaria a
consolidação do interesse por questões relativas ao “por quê” das formas de organização do conhecimento
escolar e não mais ao “como” o currículo é ou deve ser organizado. Tais estudos buscaram, dessa forma, “des-
naturalizar” as questões relativas à organização curricular, interrogando-se sobre os interesses e as relações
de poder que perpassam tal organização e investigando-se as formas particulares de identidades individuais
e sociais que os currículos irão produzir, para entender a favor de quem o currículo trabalha e de como fazê-lo
trabalhar a favor dos grupos e classes oprimidos.
O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos
e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de al-
guém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e
concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.
O que conta como conhecimento, a forma como ele está organizado, quem tem autoridade para transmiti-lo,
o que é considerado como evidência apropriada de aprendizagem e, não menos importante, quem pode per-
guntar e responder a todas essas questões, tudo isso está diretamente relacionado à maneira como domínio e
subordinação são reproduzidos e alterados nesta sociedade. Sempre existe, pois, uma política do conhecimen-
to oficial, uma política que exprime o conflito em torno daquilo que alguns veem simplesmente como descrições
neutras do mundo e outros, como concepções de elite que privilegiam determinados grupos e marginalizam
outros.
A análise sociológica do currículo se voltou, então, para compreender, entre outras questões, as relações
entre currículo e cultura, entre currículo e poder e entre currículo e constituição de identidades, numa con-
cepção em que a cultura deixa de ser vista como um conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos a
serem transmitidos a uma nova geração, passando a ser encarada como um campo e terreno de luta, onde se
enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, em embates pela manutenção ou superação das
divisões sociais. Na medida em que currículo e educação participam de um processo de produção e criação
de sentidos, de significações, de sujeitos, pode-se entendê-los como terreno privilegiado de manifestação de
conflitos sociais.
O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcio-
nam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. Os currículos são

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também, nessa perspectiva, tanto resultado quanto constituidor de relações de poder.
A busca de explicitação dessas relações, assim como a identificação de formas para combatê-las/transfor-
má-las é assumida por diversos pesquisadores da educação, que passam a reconhecer que as relações de
poder se manifestam tanto em nível do aparelho central, o Estado, na medida em que a educação é estatal-
mente controlada, quanto em nível das relações cotidianas estabelecidas nas escolas e nas salas de aula, que
expressam formas diferenciadas, complexas e muitas vezes sutis dessas relações de poder. Atentos a isso,
devemos evitar cair numa perspectiva maniqueísta, que identifica como conservador e reprodutor do status quo
tudo que provém do aparelho estatal, e como transgressor e transformador da realidade tudo o que é proposto
pelos movimentos sociais.
As relações de poder, como já foi bem pontuado nas análises desenvolvidas pelo filósofo francês Michel
Foucault (1985), são mais complexas, difusas e multidirecionais, constituindo-se em uma rede de relações que
não se reduzem a esquemas previamente definidos e não se explicam pelo binarismo poder central X movi-
mentos sociais. No caso da introdução da temática africana e afrodescendente como um novo componente
curricular, há que se reforçar a ideia de que os saberes relativos a essas temáticas, mais do que em outros
casos, se mostram profundamente atravessados por relações hierárquicas de poder e por representações so-
bre o negro que foram se constituindo, historicamente, em meio a disputas, embates ideológicos e conflitos no
campo simbólico e da ação política.
Não se pode ignorar, no entanto, que tais lutas e conflitos vêm assumindo novas configurações, nos dias
atuais, com uma certa reorganização de forças no campo social. Ou seja, se é fato que, historicamente, o trato
da temática africana e afro-brasileira esteve marcada por uma posição desfavorável da população afrodescen-
dente no cenário social, o momento atual, ainda que não possa ser considerado totalmente favorável, em meio
à permanência de exclusões e desigualdades historicamente construídas, é, no entanto, marcado por reposi-
cionamentos e por alguns investimentos em prol da reversão desse quadro, através, por exemplo, de políticas
públicas de combate ao racismo.
A própria obrigatoriedade de inclusão dessa temática nos currículos escolares é evidência dessa reorgani-
zação de forças, exigindo-nos a construção de novos olhares para os processos de seleção de conteúdos que
se põe em marcha. Quer dizer, muito se escreveu sobre os processos de seleção curricular que historicamente
excluíram conteúdos ligados à memória e identidade de grupos socialmente marginalizados.
Mas o que acontece quando o que está em jogo é exatamente a perspectiva de incluir esses novos con-
teúdos, como acontece com a história e cultura africana e afro-brasileira? Que novas relações de poder são
engendradas neste processo e de que maneiras se pode perceber a dinâmica de mudanças, mas também a
permanência de antigas formas de dominação e expropriação cultural?
Atentos a essa nova dinâmica, ao colocarmos o foco de atenção nos saberes escolares e saberes docen-
tes que estão efetivamente circulando no interior das escolas, torna-se fundamental não perdermos de vista
a complexidade das relações de poder aí envolvidas, num jogo de forças que envolve diferentes instâncias e
atores sociais, desde o poder estatal central ao complexo de relações no interior de cada escola e de cada sala
de aula, passando, ainda, pelas instâncias do sistema educacional local/municipal, por órgãos e instituições
encarregados da formação docente, pelos movimentos sociais, mercado editorial, etc.
Tudo isso complexifica a tentativa de compreender como um determinado conteúdo prescrito pelos currículos
oficiais é efetivado, se o é, no currículo em ação ou currículo real. Além de um olhar para a prática, procurando
dar voz aos sujeitos que participam diretamente do processo de educação escolar, especialmente educadores
e alunos, a abordagem do objeto nos demanda uma análise das concepções e intenções que emergem das
orientações oficiais, como é o caso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-
-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africanas.
Nos demanda, ainda, considerar as diferentes instâncias comprometidas com a perspectiva de promover
uma educação das relações étnico raciais, compreendendo que tanto as orientações oficiais quanto aquelas
oriundas de movimentos sociais, assim como as interseções entre as duas, são fruto de permanentes conflitos
e negociações, envolvendo, em última instância, sujeitos sociais, seus posicionamentos, projetos, concepções
de mundo e formas de atuação.
Após a ditadura, o que é oficial se tornou mais próximo de nós, somos muitas vezes nós que fazemos o
oficial. No campo da discussão curricular, podemos recorrer também ao conceito de “currículo oculto”, que

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embora desgastado pela utilização abusiva em discursos e análises sobre a escola, apresenta elementos inte-
ressantes para a compreensão do objeto proposto.
Partindo da ideia de que o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar
que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais
relevantes, encontramos aí elementos para elucidar algumas das formas pelas quais tem se dado o aprendiza-
do do preconceito racial no interior da escola, seja através de rituais e práticas discriminatórias vivenciadas no
cotidiano pedagógico, seja através do silêncio diante de manifestações de preconceito racial ou mesmo pela
ausência de determinados conteúdos nos currículos.
Portanto, quando propomos nos debruçar sobre os saberes que têm circulado nas escolas em torno dessa
temática, nos deparamos com a necessidade de também olhar para aqueles saberes que não fazem parte de
uma intenção pedagógica deliberada e explícita, não são formalmente previstos nem estão sistematizados,
mas, ainda assim, comparecem de formas variadas e transformam-se em saberes ensinados e aprendidos.
Saberes escolares: múltiplas abordagens
A compreensão do que efetivamente está acontecendo nas escolas, neste momento de introdução de um
novo, e singular, componente curricular, nos demanda maior compreensão sobre a natureza e especificidade
dos saberes escolares. Um conceito que se tornou referência nas análises sobre saber escolar é o de “trans-
posição didática”, desenvolvido inicialmente pelo pesquisador francês Yves Chevallard, em seus estudos sobre
a didática da matemática.
Preocupado em compreender como se dá a passagem do saber sábio, de referência ou científico, para o sa-
ber ensinado, Chevallard contribuiu para a compreensão das especificidades desse saber, que não seria mera
“simplificação” do saber de referência, mas um saber com estatuto e lógica próprios. O conceito de “transpo-
sição didática” tornou-se uma referência para diversos autores, que buscaram problematizá-lo e aprofundá-lo,
trazendo à cena novos elementos de análise.
A educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre os saberes e os materiais culturais disponíveis
num momento dado da sociedade. Ela deve também, a fim de tornar efetivamente transmissíveis, efetivamente
assimiláveis para as jovens gerações, se entregar a um imenso trabalho de reorganização, de reestruturação,
de “transposição didática”.
Trabalhando com a ideia de “imperativos didáticos”, somos lembrados de que, além dos imperativos de
“transposição”, devem ser considerados, ainda: os imperativos de interiorização, tendo em vista que os sabe-
res escolares não devem ser apenas compreendidos, mas aprendidos, incorporados ao indivíduo sob a forma
de esquemas operatórios ou de habitus, o que implica na necessidade de repetição; e ainda os imperativos
institucionais, “que decorrem da natureza do contexto institucional no qual se desenrolam as aprendizagens”,
o que faz com que os saberes sejam fortemente marcados, entre outras coisas, pelas formas escolares de de-
composição do tempo (organização dos estudos por ano, ritmos de exercícios, etc.).
A necessidade funcional da didatização impõe aos saberes escolares certos traços morfológicos e estilísti-
cos, como por exemplo, a predominância de valores de apresentação e de clarificação, a preocupação da pro-
gressividade, a importância atribuída à divisão formal (em capítulos, lições, partes e subpartes), a abundância
de redundâncias no fluxo informacional, o recurso aos desenvolvimentos perifrásticos, aos comentários explica-
tivos, às glosas e, simultaneamente, às técnicas de condensação (resumos, sínteses documentárias, técnicas
mnemônicas), a pesquisa da concretização (ilustração, esquematização, exemplificação), o lugar concedido às
questões e aos exercícios tendo uma função de controle ou de reforço, todo este conjunto de dispositivos e de
marcas pelo qual se reconhece um “produto escolar”.
Oferece-nos assim, um conjunto de elementos que conferem especificidade aos saberes escolares e que
se mostram úteis, como categorias analíticas, ao nos debruçarmos sobre nosso objeto de pesquisa, buscando
identificar algumas das operações efetuadas nos saberes sobre a temática africana e afro-brasileira no mo-
mento em que estes se transformam em saberes a serem ensinados na escola. Os imperativos de didatização
emergiram como importantes referências das escolhas feitas pelos professores pesquisados, tanto em relação
aos conteúdos selecionados quanto em relação às metodologias e materiais utilizados.
A análise de dados coloca-se em evidência a importância atribuída aos materiais e estratégias didáticas, os
dilemas relativos ao percurso seguido – por onde começar? Onde chegar? -, e a centralidade dos “produtos”
gerados pelas tarefas escolares: aquilo que os alunos fazem e que precisa ter uma “materialidade”, algo para

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ser visto, valorizado por outros, como forma de também valorizar a própria temática, neste momento de sua
legitimação como conteúdo escolar válido.
As análises sobre os saberes escolares apontam, ainda, a necessidade de se considerar os fenômenos de
hierarquização ou “estratificação”, que evidenciam graus diferentes de valoração daquilo que se ensina na es-
cola. Os diferentes tipos de saberes ensinados nas escolas não são considerados como suscetíveis de fornecer
a seus detentores benefícios sociais ou simbólicos equivalentes”.
Questionando a ideia de que os processos de escolha e diferenciação sejam marcados, necessariamente,
por uma hierarquização dos saberes, se enfatiza a necessidade de também se considerar critérios epistemoló-
gicos na análise e decisões em torno do que “vale mais a pena” ensinar. Denunciam-se os efeitos de um relati-
vismo pernicioso em torno da validade e legitimidade dos conhecimentos ensinados, na medida em que foram
compreendidos como reflexo exclusivo dos embates e relações de poder na arena social.
O fato de procurarmos compreender por que em tal contexto histórico determinado conhecimento é ensi-
nado, bem como analisar conflitos, acordos e relações de poder que forjam tal currículo, não implica descon-
siderarmos critérios epistemológicos de interpretação dos saberes, bem como a possibilidade de análise de
justificativas para conhecimentos e pedagogias escolares. Entender o currículo como uma construção social
não nos deve fazer considerar que qualquer conhecimento é igualmente válido, qualquer que seja o contexto
de sua aplicação
Essa escolha certamente passa por nossas opções políticas, éticas e, acrescentaríamos, estéticas. Mas
enfatiza-se a necessidade de incluirmos a epistemologia nesse processo de análise: precisamos conceber uma
epistemologia que leve em conta o caráter histórico dos conhecimentos.
Em outras palavras, não nos podemos furtar a discutir o que é fundamental ser ensinado na escola. Não po-
demos negar o papel preponderante da escola como socializadora de saberes, nem a importância de combater-
mos tendências relativistas que se negam a admitir alguns saberes como mais fundamentais do que outros, em
função do desenvolvimento histórico do conhecimento e em função do modelo de sociedade que desejamos.
Existem assuntos que são socialmente mais essenciais em função da importância que o próprio conteúdo
já assumiu historicamente. Tais ponderações nos fazem interrogar sobre as escolhas que têm sido feitas pelos
professores pesquisados ao abordarem a temática africana e afrodescendente como conteúdos curriculares.
Em primeiro lugar, há que se enfatizar que a determinação legal de trabalhar tais conteúdos não garante,
por si só, seu comparecimento na escola. Novas disputas e conflitos vivenciados no interior de cada escola
vão, aos poucos, redefinindo espaços e abalando hierarquias consolidadas, em meio a debates, explícitos ou
silenciosos, sobre o lugar ocupado pela temática numa “grade curricular” desenhada a partir de embates pela
legitimidade dos saberes ensinados e por uma dinâmica muito própria de divisão de tarefas e organização de
tempos e espaços.
Ter uma disciplina específica que trate da temática, conquistar espaços no âmbito das disciplinas já institu-
ídas, definir quais professores, de quais áreas, com qual perfil profissional e de formação, se responsabilizam
pelo seu estudo, delimitar tempos a ela destinados, um ano inteiro? Um projeto temporário? Apenas por ocasião
das chamadas “datas comemorativas”? -, são alguns dos dilemas e conflitos identificados na análise dos dados
e que nos remetem à problemática da hierarquização dos saberes no contexto escolar.
Mas alguns dos dados que emergiram na pesquisa nos obrigam a prestar atenção às ponderações acerca
da necessidade de também considerar critérios epistemológicos. Se concordamos que a escola não deve abrir
mão de seu papel de socialização de saberes e de que, para isso, precisa estar atenta ao próprio desenvolvi-
mento histórico do conhecimento, admitindo a existência de “assuntos que são socialmente mais essenciais em
função da importância que o próprio conteúdo já assumiu historicamente”, o que privilegiar na abordagem da
temática africana e afrodescendente torna-se uma questão que merece ser melhor debatida.
Vale lembrar que um dos dilemas que emerge entre os professores refere-se à decisão de abordar ou não,
e/ou em que momento isso caberia, a temática da escravidão. Afinados com a perspectiva de que é necessário
promover uma valorização da história e cultura dos africanos e afro-brasileiros, a escravidão apareceu, assim,
como um grande “mal-estar” e, para alguns, algo que não deveria ser mesmo abordado num primeiro momento.
Tais dilemas nos levam a questionar se é possível promover um entendimento acerca da contribuição afri-
cana e afrodescendente para a sociedade brasileira sem uma compreensão profunda da condição de escravo
que acompanhou esses sujeitos durante mais de três séculos, em nosso país? Uma abordagem da escravidão

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centrada em um tipo de resistência escrava, simbolizada pela figura heroica de Zumbi dos Palmares, como tem
sido privilegiado por diversos professores, e que emerge nas próprias orientações oficiais, é capaz de promover
uma compreensão dos vários significados, interesses, conflitos e negociações que marcaram a experiência da
escravidão?
De que maneiras a vasta produção sobre o sistema escravista e sobre a presença africana e afrodescenden-
te, em nosso país, pode, e deve, se transformar em referência para a constituição de saberes escolares, ainda
que não se conceba este como fruto de um caminho linear e unidirecional, desde o conhecimento de referência
até o saber ensinado? Tais questões nos ajudam a lembrar que os processos de escolha e didatização de co-
nhecimentos, intrínsecos aos saberes escolares, são atravessados por conflitos e dilemas de diferentes ordens
– político, social e também epistemológico.
Nos faz pensar que um conteúdo profundamente marcado por representações e disputas no campo políti-
co e social, ao adentrar a escola, precisa suscitar, entre os diferentes atores envolvidos neste processo, uma
permanente reflexão sobre seu estatuto epistemológico. Em outras palavras, colocar um conteúdo escolar a
serviço de um fim social mais amplo, por mais legítimo, democrático e eticamente justificado que seja esse fim,
não pode significar uma negligência ou abandono de preocupações que se situam no campo epistemológico,
sob o risco de transformar tais conhecimentos em novos dogmas e verdades impostas.
Os processos de “rotinização acadêmica da cultura”, que são subjacentes ao conceito de transposição di-
dática, não são suficientes para uma compreensão de aspectos específicos dos saberes escolares, tendo em
vista que estes não são apenas fruto de “uma seleção e de uma transposição efetuadas a partir de um corpo
cultural préexistente”, mas que devemos considerar a escola como “verdadeiramente produtora ou criadora de
configurações cognitivas e de habitus originais”, como bem mostrou uma pesquisa desenvolvida sobre o pro-
cesso de constituição da chamada “gramática escolar” na França.
Aposta-se que a abordagem de um conteúdo supostamente “novo”, que se encontra em pleno processo de
constituição enquanto “saber escolar” a ser incorporado aos currículos, pode contribuir para a compreensão
dessa dinâmica que envolve tanto os processos de “transposição didática”, e a importância atribuída aos sa-
beres de referência aí subjacente, quanto à forma como se dá a produção de “configurações cognitivas e de
habitus originais”, enfatizada por diferentes pesquisadores.
O conceito de transposição didática, “banalizado” e indiscriminadamente utilizado nos últimos anos, embora
tenha tido o mérito de ressaltar as especificidades do saber escolar, tornou-se alvo de inúmeras críticas, que
questionam, sobretudo, o excessivo peso atribuído aos saberes de referência como fonte para a produção dos
saberes escolares, desconsiderando, assim, outros elementos que se mostram tão, ou até mais, significativos
na constituição dos saberes escolares.
O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem
lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos
“formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de con-
trole, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, à raça, ao gênero.
Quando lidamos com saberes que se referenciam na área das ciências sociais, e que na escola são repre-
sentados, sobretudo, pelas disciplinas História e Geografia, e mais especificamente, em nosso caso, quando
tratamos de saberes relacionados à temática africana e afro-brasileira, não podemos desconsiderar toda uma
gama de saberes e representações que advém da prática social, de múltiplas dimensões dessa prática, e que
trazem, dessa forma, outros ingredientes para a configuração dos saberes escolares.
O próprio título das novas diretrizes curriculares, denominada Diretrizes Curriculares Nacionais para a edu-
cação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africanas, nos dá pistas
do quanto está em jogo, aqui, não apenas a divulgação de estudos produzidos no âmbito acadêmico acerca
da história da África e da população afrodescendente, mas uma perspectiva formadora, de “educação das
relações étnico-raciais”, pautada pela re-construção de valores, o que implica um intenso processo de axiologi-
zação dos saberes mobilizados.
Essa dimensão axiológica dos saberes escolares é apontada, por alguns autores, como importante elemento
de sua especificidade e, em certa medida, de distanciamento em relação aos saberes de referência. Carrega-
dos de valores, investidos de perspectivas formadoras, os saberes escolares se colocam, quase sempre, “a
serviço de algo”.

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Necessita-se levar em conta o processo de axiologização concomitantemente com o de didatização, porque
elemento estruturante do saber escolar (a dimensão educativa ou a razão pedagógica).
— Processos metodológicos para a Educação das Relações Étnico-Raciais
Currículo e cultura escolar: a escola como produtora de uma cultura própria
Algumas das principais críticas dirigidas ao conceito de transposição didática advém de autores que se pro-
puseram a investigar o processo histórico de constituição do conhecimento escolar, e que desenvolveram uma
perspectiva de análise que passou a ser conhecida como “História das Disciplinas Escolares”[ https://reposito-
rio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8GHN3L/1/saberes_e_pr_ticas_em_redes_de_trocas___a_tem_tica_africa-
na_e__afro_brasileira_em_que_20110408145923.pdf].
Autores que se contrapõem à ideia de que os saberes escolares sejam fruto de uma simples transposição
didática do saber de referência, empenhando-se em apontar as profundas diferenças entre as duas formas de
conhecimento, o científico e o escolar, e ressaltando a originalidade irredutível do saber escolar.
Porque são criações espontâneas e originais do sistema escolar é que as disciplinas merecem um interesse
todo particular. Ao postular a inseparabilidade entre matérias ensinadas, finalidades educativas (tanto em sua
formulação geral e oficial quanto nas múltiplas interpretações que suscita junto aos agentes educativos, em
especial os professores) e as características do público atendido pela escola (crianças e adolescentes), se traz
à cena a problemática da cultura escolar, enquanto uma criação específica e original da escola, uma cultura es-
pecificamente escolar em seu modo de difusão e origem tendo as disciplinas escolares como principal produto
de criação.
A compreensão dos conhecimentos escolares deveria levar em conta, dessa forma, que este é formado
no interior de uma cultura escolar, assumindo, assim, objetivos próprios e irredutíveis aos das ciências de re-
ferência. Ao se discutir as relações entre escolarização e cultura, também enfatiza-se o papel ativo e criador
das instituições escolares na configuração daquilo que será ensinado, quando nos diz que o currículo não é
apenas uma seleção, como se costuma dizer, da cultura, para essa escolaridade, não é algo que se desenhe,
se escolha, se ordene, se classifique a priori para depois transmiti-lo e desenvolvê-lo em um esquema, em uma
organização escolar e em um sistema educacional.
Surge como fato cultural real das condições mesmas da escolarização, a partir das pautas de funcionamento
institucional e profissional. No melhor dos casos, aquilo que se desenha como programa e intenções ou conte-
údos culturais está sempre reinterpretado pelas condições institucionais da escolarização.
Reconhecendo a centralidade das disciplinas escolares nesse processo de reinterpretação e recriação de
conteúdos culturais que adentram a escola, as disciplinas escolares devem ser analisadas como parte integran-
te da cultura escolar, para que se possam entender as relações estabelecidas com o exterior, com a cultura
geral da sociedade. Conteúdos e métodos, nessa perspectiva, não podem ser entendidos separadamente, e
os conteúdos escolares não são vulgarizações ou meras adaptações de um conhecimento produzido em “outro
lugar”, mesmo que tenham relações com esses outros saberes ou ciências de referência.
A ênfase em não dissociar currículo e cultura escolar vem ganhando cada vez mais força entre diferentes
estudiosos, sobretudo quando o foco são os saberes e práticas escolares. A noção de cultura escolar, ao colo-
car em evidência os saberes e práticas escolares, o modo escolar de transmissão de conhecimentos, capaci-
dades, códigos e hábitos, os dispositivos de normatização do ensino, o saber-fazer docente, as estratégias de
apropriação e a história das disciplinas escolares, aproxima-se, interseciona e abrange, de muitas maneiras, os
sentidos implicados no termo currículo.
Tem sido, assim, sobretudo no âmbito dos estudos sobre o currículo real ou currículo em ação que a noção
de cultura escolar se apresenta como uma profícua categoria de análise. E o trabalho com o currículo real ou
em ação implica uma consideração das práticas escolares, sendo necessário incorporar a própria prática edu-
cativa como elemento constituinte da explicação da cultura escolar.
Este estudo, ao focalizar os saberes que estão sendo mobilizados no interior das escolas, filia-se a essa
perspectiva de investigação. Ao buscarmos nos aproximar do que efetivamente tem acontecido nas salas de
aula, a partir do que dizem seus professores, nos deparamos com uma série de constrangimentos e direciona-
mentos das práticas que só podem ser compreendidos a partir de um olhar para a cultura escolar.
O que ensinam, a forma como ensinam, em que momentos ensinam, as atividades que propõem, a necessi-

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dade de transformar essas atividades em produtos esteticamente e materialmente apreciáveis, a realização de
rituais, festas e celebrações em determinados momentos do calendário, tudo isso nos diz que a introdução da
história e cultura africana e afro-brasileira como conteúdos curriculares obrigatórios se submete às característi-
cas e ao funcionamento próprio das instituições escolares, ou seja, está sujeita ao conjunto das teorias, ideias,
princípios, normas, pautas, rituais, inércias, hábitos, práticas, que constituem a cultura escolar.
As práticas docentes resultam, então, de um processo complexo, em que se associam sua formação, tra-
jetória de vida, os dados contextuais, as prescrições oficiais, a cultura, e as relações que estabelecem com o
saber nos ambientes escolares.
Ao investigarmos como esse processo vem ocorrendo em algumas escolas, nos deparamos, em certa me-
dida, com uma nova configuração para algumas das disciplinas escolares tradicionais, tais como Português/
Literatura, Artes e a própria História, ao incluírem ou mesmo priorizarem conteúdos relativos à história e cultura
africana e afro-brasileira. Nos deparamos, também, em alguns contextos, com um processo de constituição de
uma nova disciplina escolar, especificamente destinada ao estudo desses conteúdos.
Seja em forma de projetos temporários ou como uma disciplina a ser trabalhada durante todo o ano letivo,
muitas escolas têm feito a opção de garantir o estudo da temática destinando um tempo e espaço específicos
para ela na grade curricular. Embora quase sempre reconhecendo a inadequação dessa estratégia, que contra-
ria as recomendações oficiais e contribui para uma maior compartimentação do conhecimento escolar, diversos
professores defenderam a necessidade de garantir esse tempo-espaço, ainda que temporária e estrategica-
mente, como parte de um processo de legitimação dos novos conteúdos nos currículos escolares.
Estamos assim diante de um processo ainda bastante incipiente, cujos rumos não podemos antever, restan-
do-nos algumas indagações: estaria se constituindo, de fato, uma nova disciplina escolar? Qual a sua perenida-
de? Quais professores, de quais áreas, tenderiam a assumi-la? Qual seria o papel dos professores de História,
nesse processo? E a disciplina História, também tenderia a sofrer mudanças mais profundas, deixando de lado,
finalmente, seu viés europocêntrico, para melhor equilibrar a contribuição de diferentes povos, especialmente
africanos e povos indígenas, na formação da sociedade brasileira?
Sem respostas em um curto prazo de tempo, tais questões desafiam as pesquisas futuras sobre a história
das disciplinas escolares, em suas intersecções com o campo do currículo e dos estudos sobre cultura escolar.
Poderíamos dizer que, de certa forma, ao acompanhar um processo de introdução de novos conteúdos curri-
culares e os desdobramentos disso para a (re) configuração das disciplinas escolares, este estudo também se
situa no campo da história das disciplinas escolares. Tal vertente de análise já vem orientando diversos traba-
lhos que se propõe a investigar a “história do ensino de História”, no Brasil.
Sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira encontramos já um conjunto de trabalhos que
vêm se dedicando a compreender alguns dos dilemas e questões envolvidas nesse processo de introdução da
temática como componente curricular obrigatório, ou que tem se voltado a uma análise crítica das orientações
legais e diretrizes curriculares. Entretanto, sobre o que tem efetivamente ocorrido no interior das escolas, em
relação ao trabalho com esta temática, pouco sabemos.

Políticas Educacionais: trajetória histórica e política

Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios, políticas e práticas


O Brasil se destaca como uma das maiores sociedades multirraciais do mundo e abriga um contingente sig-
nificativo de descendentes de africanos dispersos na diáspora. De acordo com o censo 2000, o país contava
com um total de 170 milhões de habitantes. Desses, 91 milhões de brasileiros(as) se auto classificam como
brancos (53,7%); 10 milhões, como pretos (6,2%); 65 milhões, como pardos (38,4%); 761 mil, como amarelos
(0,4%), e 734 mil, como indígenas (0,4%).
Hoje, em 2022, esses números sofreram as seguintes alterações: Somos agora 212,7 milhões de brasileiros.
A cara do Brasil foi pintada em muros do centro do Rio de Janeiro; são desenhos que refletem as mudanças pro-
fundas de um país que, na última década, aprendeu a enxergar a sua cor[ https://g1.globo.com/jornal-nacional/
noticia/2022/07/22/total-de-pessoas-que-se-autodeclaram-pretas-e-pardas-cresce-no-brasil-diz-ibge.ghtml].
Está tendo uma luta, os negros estão se unindo mais. Perante isso, então está tendo mais orgulho. A pes-

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quisa de domicílios do IBGE mostra que em dez anos aumentou 32% o número de brasileiros que se declaram
pretos e quase 11% os que se declaram pardos, nomenclatura usada pelo IBGE.
Pelos números atualizados, pretos e pardos representam, agora, 56% da população. Já o percentual de
pessoas que se declaram brancas caiu para 43%.
Essa distribuição demográfica e étnico-racial é passível de diferentes interpretações econômicas, políticas
e sociológicas. Uma delas é realizada pelo Movimento Negro e por um grupo de intelectuais que se dedica ao
estudo das relações raciais no país. Esses, ao analisarem a situação do negro brasileiro, agregam as catego-
rias raciais “preto” e “pardo” entendendo-as como expressão do conjunto da população negra no Brasil. Isso
quer dizer que, do ponto de vista étnico-racial, 44,6% da população brasileira apresenta ascendência negra e
africana, que se expressa na cultura, na corporeidade e/ou na construção da sua identidade[ GOMES, Nilma
Lino. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios, políticas e práticas. Re-
vista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), v. 27, n. 1, jan./abr., 2011, p. 109-121.].
A possibilidade de agregar essas duas categorias não se trata de uma escolha política. Existem dados con-
cretos da realidade brasileira, para além das dimensões subjetivas e identitárias, que permitem esse tipo de
interpretação. A análise da relação entre nível de escolaridade e raça é aquela que mais nos ajuda a refletir
sobre essa situação.
De acordo com a interpretação do Movimento Negro e de vários estudiosos do campo das relações raciais
no Brasil, raça é entendida, aqui, como uma construção social e histórica. Ela é compreendida também no seu
sentido político como uma ressignificação do termo construída na luta política pela superação do racismo na
sociedade brasileira. Nesse sentido, refere-se ao reconhecimento de uma diferença que nos remete a uma an-
cestralidade negra e africana. Trata-se, portanto, de uma forma de classificação social construída nas relações
sociais, culturais e políticas brasileiras.
A distribuição dos níveis de escolaridade, de acordo com a cor dos brasileiros, demonstra, inicialmente,
que, no campo da educação, não existem diferenças significativas entre ‘pardos’ e ‘pretos’ que justifiquem o
tratamento analítico desagregado nessas duas classificações. O universo do conjunto total da população negra
representa, na dimensão educacional, de forma adequada, os respectivos universos particulares das popula-
ções parda e preta.
É nesse contexto histórico, político, social e cultural que os negros (e as negras) brasileiros constroem sua
identidade e, entre ela, a identidade negra. Como toda identidade, a identidade negra é uma construção pes-
soal e social e é elaborada individual e socialmente de forma diversa. No caso brasileiro, essa tarefa torna-se
ainda mais complexa, uma vez que se realiza na articulação entre classe, gênero e raça no contexto da ambi-
guidade do racismo brasileiro e da crescente desigualdade social.
A população negra brasileira: trajetória de lutas e reivindicações
Várias pesquisas têm revelado a luta da população negra pela superação do racismo ao longo da história
do nosso país. Uma trajetória que se inicia com os quilombos, os abortos, os assassinatos de senhores nos
tempos da escravidão, tem ativa participação na luta abolicionista e adentra os tempos da república com as
organizações políticas, as associações, a imprensa negra, entre outros. Também no período da ditadura militar,
várias foram as ações coletivas desencadeadas pelos negros em prol da liberdade e da democracia.
É na década de 1980, durante o processo de abertura política e redemocratização da sociedade, que assis-
timos a uma nova forma de atuação política dos negros (e negras) brasileiros. Esses passaram a atuar ativa-
mente por meio dos novos movimentos sociais, sobretudo os de caráter identitário, trazendo outro conjunto de
problematização e novas formas de atuação e reivindicação política.
O Movimento Negro indaga a exclusividade do enfoque sobre a classe social presente nas denúncias da luta
dos movimentos sociais da época. As suas reivindicações assumem caráter muito mais profundo: indagam o
Estado, a esquerda brasileira e os movimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da
centralidade da raça na formação do país.
O Movimento Negro pleiteia que a questão racial deveria ser compreendida como uma forma de opressão
e exploração estruturante das relações sociais e econômicas brasileiras, acirrada pelo capitalismo e pela de-
sigualdade social. Essa postura traz tensões no interior dos grupos reivindicativos dos anos 1980 e 1990. A
esquerda brasileira é cobrada a se posicionar contra a exploração capitalista e também contra o racismo.

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Tal cobrança acabou por desvelar a forma insidiosa de o racismo se propagar, inclusive dentro dos setores
considerados progressistas. Ao depositar todas as forças de superação do capitalismo via a ruptura da estru-
tura de classes e instauração do socialismo, a esquerda brasileira, com seus discursos e práticas políticas,
acabava por alimentar a ideia de que a questão racial estava subsumida na classe e desprezava a luta do
Movimento Negro.
Esse processo trouxe, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, tensões, críticas e rupturas entre os
integrantes do Movimento Negro, os partidos de esquerda e as entidades dos ditos novos movimentos so-
ciais. Todo esse processo resultou em um amadurecimento e uma mudança de rumo do Movimento Negro no
terceiro milênio. A partir desse momento, as suas reivindicações passam a focar outra intervenção política, a
saber: a denúncia da postura de neutralidade do Estado ante a desigualdade racial, exigindo desse a adoção
de políticas de ação afirmativa e a intervenção no interior do próprio Estado, mediante a inserção de ativistas
e intelectuais do Movimento Negro nas administrações municipais e estaduais de caráter progressista e no
próprio governo federal.
No entanto, mesmo quando essa inserção acontece, ao ser comparada com o segmento branco da popula-
ção, acaba por revelar a continuidade da desigualdade. Os negros ainda se encontram, na sua maioria, repre-
sentados de forma precária e, por vezes, subalterna, nos escalões do poder.
Essa trajetória histórica e política do Movimento Negro se desenvolve imersa nas várias mudanças vividas
pela sociedade brasileira ao longo dos últimos anos e se dá de forma articulada com as transformações na
ordem internacional, o acirramento da globalização capitalista e a construção das lutas contra hegemônicas.
O direito à educação: uma reivindicação das organizações políticas da população negra
Nas ações e lutas desenvolvidas pela população negra nos séculos XIX, XX e no começo do século XXI,
uma questão sempre atraiu a sua atenção graças ao seu papel estratégico na sociedade: a educação. Essa se
tornou uma forte bandeira de luta do Movimento Negro no século XX.
Os ativistas do Movimento Negro reconhecem que a educação não é a solução de todos os males, porém
ocupa lugar importante nos processos de produção de conhecimento sobre si e sobre “os outros”, contribui na
formação de quadros intelectuais e políticos e é constantemente usada pelo mercado de trabalho como critério
de seleção de uns e exclusão de outros. Além disso, a educação, no Brasil, é um direito constitucional conforme
o art. 205 da Constituição Federal (1988).
Contudo, todas as pesquisas oficiais realizadas nos últimos anos apontam como o campo educacional tem
produzido e reproduzido no seu interior um quadro de desigualdades raciais. A redemocratização do país ini-
ciada nos anos 1980 também possibilita a emersão de um novo perfil de intelectual que tematiza as relações
raciais, sobretudo no campo educacional.
Cabe destacar que a consolidação dos cursos de pós-graduação em educação desencadeada a partir dos
anos 1970 possibilita a inserção paulatina de um grupo de intelectuais negros nas universidades públicas, e
esses passam a produzir conhecimento sobre as relações étnico-raciais. Muitos deles eram quadros do Movi-
mento Negro ou tiveram sua trajetória de vida e intelectual influenciada por tal movimento social. Novos grupos
de pesquisa são criados, e vários encontros, congressos e pesquisas educacionais voltados para a temática
“negro e educação” começam a ser desenvolvidos.
As questões como a discriminação do negro nos livros didáticos, a necessidade de inserção da temática
racial e da História da África nos currículos, o silêncio como ritual a favor da discriminação racial na escola, as
lutas e a resistência negras, a escola como instituição reprodutora do racismo, as lutas do Movimento Negro
em prol da educação começam, aos poucos, a ganhar espaço na pesquisa educacional do país, resultando em
questionamentos à política educacional. Desencadeia-se um processo de pressão ao Ministério da Educação,
aos gestores dos sistemas de ensino e às escolas públicas sobre o seu papel na superação do racismo na
escola e na sociedade.
Tanto na Constituinte quanto na elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96),
houve participação marcante da militância negra nos anos 1980. No entanto, nem a Constituição de 1988 nem
a LDB incluíram, de fato, as reivindicações desse movimento em prol da educação.
Os debates em torno da questão racial realizados entre o Movimento Negro e os parlamentares revelam um
processo de esvaziamento do conteúdo político de tais reivindicações. Essas acabam sendo inseridas de ma-
neira parcial e distorcidas nos textos legais. Compreendendo esse processo, é possível entender o significado

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genérico do art. 26 da LDB, que só foi revisto e alterado quando ocorre a sanção da Lei nº 10.639/03 (obriga-
toriedade do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras nas escolas públicas e particulares dos
ensinos fundamental e médio).
Podemos dizer, então, que, até a década de 1990, a luta do Movimento Negro brasileiro, no que se refere ao
acesso à educação, demandava a inserção da questão racial no bojo das políticas públicas universais, as quais
tinham como mote: escola, educação básica e universidade para todos. Contudo, à medida que esse movimen-
to social foi constatando que as políticas públicas de educação pós-ditadura militar, de caráter universal, ao ser
implementadas, não atendiam à grande massa da população negra e não se comprometiam com a superação
do racismo, seu discurso e suas reivindicações começaram a mudar.
É nesse momento que as ações afirmativas, com forte inspiração nas lutas e conquistas do movimento pelos
direitos civis dos negros norte-americanos, começam a se configurar como uma possibilidade e uma demanda
política, transformando-se, no final dos anos 1990 e no século seguinte, em ações e intervenções concretas.
As demandas do Movimento Negro, a partir de então, passam a afirmar, de forma mais contundente, o lugar da
educação básica e da superior como um direito social e, nesse sentido, como direito à diversidade étnico-racial.
Nos anos 1990, as exigências e as pressões políticas do Movimento Negro são introduzidas, de forma lenta,
em algumas iniciativas do governo federal. Ações como a Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasília, em 1995,
no contexto das comemorações do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, foram importantes formas de
pressão ao governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso pela implementação de políticas públicas
de combate ao racismo.
Uma das respostas desse governo foi a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da
População Negra em 27 de fevereiro de 1996. Também foi introduzido nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), em 1995 e 1996, o tema transversal Pluralidade Cultural. Neste, as questões da diversidade foram
estabelecidas em uma perspectiva universalista de educação e de política educacional.
A questão racial, no entanto, diluía-se no discurso da pluralidade cultural, o qual não apresenta um posicio-
namento explícito de superação do racismo e da desigualdade racial na educação nas suas propostas. Além
disso, os PCNs têm forte apelo conteudista, o que pressupõe a crença de que a inserção de “temas sociais”,
transversalizando o currículo, seria suficiente para introduzir pedagogicamente questões que dizem respeito a
posicionamentos políticos, ideologias, preconceitos, discriminação, racismo e tocam diretamente na subjetivi-
dade e no imaginário social e pedagógico.
O terceiro milênio traz uma inflexão em relação ao lugar da questão racial na política pública, sobretudo no
campo educacional. A 3ªConferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 31 de agosto a 8 de
setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, é considerada um marco.
Precedido, no Brasil, pelas pré-conferências estaduais e pela Conferência Nacional contra o Racismo e a In-
tolerância, em julho de 2001, na UERJ, esse momento marca a construção de um consenso entre as entidades
do Movimento Negro sobre a necessidade de se implantar ações afirmativas no Brasil. A educação básica e a
superior e, ainda, o mercado de trabalho são as áreas mais destacadas.
Reforçada pelas pesquisas oficiais realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as quais
subsidiaram o debate realizado na 3ª Conferência de Durban, a denúncia da educação como um setor que con-
tribui para a construção de um quadro de desigualdades raciais, visualizada pelas primeiras associações ne-
gras e suas lutas em prol da educação dos negros no século XIX e demandada publicamente pelo Movimento
Negro no século XX, ganha agora contornos políticos nacionais e internacionais. Passa finalmente a fazer parte
da agenda política e do compromisso do Estado brasileiro, com todos os avanços e as contradições possíveis.
Nesse contexto, o debate sobre o direito à educação como um componente da construção da igualdade
social passa a ser interrogado pelo Movimento Negro brasileiro e é recolocado em outros moldes. Esse mo-
vimento traz à cena pública e exige da política educacional a urgência da construção da equidade como uma
das maneiras de se garantir aos coletivos diversos, tratados historicamente como desiguais, a concretização
da igualdade.
Uma igualdade para todos na sua diversidade, baseada no reconhecimento e no respeito às diferenças. A
equidade é entendida como o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem
restringir o acesso a eles nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a com-

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põem. Assim, equidade é entendida como possibilidade de as diferenças serem manifestadas e respeitadas,
sem discriminação; condição que favoreça o combate das práticas de subordinação ou de preconceito em rela-
ção às diferenças de gênero, políticas, étnicas, religiosas, culturais, de minorias, etc.
Ao colocar a diversidade étnico-racial e o direito à educação no campo da equidade, o Movimento Negro
indaga a implementação das políticas públicas de caráter universalista e traz o debate sobre a dimensão ética
da aplicação dessas políticas, a urgência de programas voltados para a efetivação da justiça social e a neces-
sidade de políticas de ações afirmativas que possibilitem a efetiva superação das desigualdades étnico-raciais,
de gênero, geracionais, educacionais, de saúde, moradia e emprego aos coletivos historicamente marcados
pela exclusão e pela discriminação.
Os dados referentes à persistência das desigualdades raciais divulgados pelas pesquisas oficiais (IPEA,
2008) são retomados com contundência pelo Movimento Negro ao indagar o papel do Estado e das políticas
educacionais na reversão desse quadro. A partir de 2003, com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, nota-se o aprofundamento desse debate.
Algumas iniciativas de mudança merecem destaque: no governo federal, pela primeira vez é instituída a
Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003, e, no Ministério da Educação, a Se-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), em 2004.
No tocante à educação, é nesse contexto que, finalmente, é sancionada a Lei nº 10.639, em janeiro de 2003,
alterando a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em 2004, o Parecer CNE/CP 03/2004 e
a Resolução CNE/CP 01/2004 são aprovados pelo Conselho Nacional de Educação. Ambos regulamentam e
instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Em 2009, é lançado pelo Ministério da Educação e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, o Plano Nacional de Implementação das referidas diretrizes curriculares. Tais ações no cam-
po da política educacional devem ser compreendidas como respostas do Estado às reivindicações políticas do
Movimento Negro.
A sua efetivação, de fato, em programas e práticas educacionais tem sido uma das atuais demandas deste
movimento social. A história política brasileira nos revela que entre as intenções das legislações antirracistas
e a sua efetivação na realidade social há sempre distâncias, avanços e limites, os quais precisam ser acom-
panhados pelos cidadãos e cidadãs brasileiros e pelos movimentos sociais por meio por um efetivo controle
público.
A Lei nº 10.639/03 e suas implicações na educação: diversidade étnico-racial, igualdade e equidade
A Constituição Federal de 1988 define a educação como um direito social. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei nº 9394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172, de 9/1/2001) traduzem essa defi-
nição jurídica em desdobramentos específicos nacionais e legislações complementares. Tais desdobramentos
se configuram como componentes das políticas educacionais e são base importante para a realização dessas.
Portanto, no âmbito da proposição, a Lei nº 10.639/03 se configura como uma política educacional de Esta-
do. É importante compreender a força e o caráter da Lei nº 10.639/03. Como se trata de uma alteração da Lei nº
9394/96, via inserção dos artigos 26 A e 79 B, quando a ela nos referimos estamos falando da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação e não de uma legislação específica voltada para a população negra.
Ou seja, o seu teor e suas diversas formas de regulamentação possuem abrangência nacional e devem ser
implementados por todas as escolas públicas e privadas brasileiras, assim como pelos conselhos e secretarias
de educação e pelas universidades. Nesse sentido, a Lei nº 10.639 de 2003, a Resolução CNE/CP 01/2004 e
o Parecer CNE/CP 03/2004 vinculam-se à garantia do direito à educação.
Elas o requalificam incluindo nesse o direito à diferença. A sua efetivação como política pública em educação
vem percorrendo um caminho tenso e complexo no Brasil.
É possível perceber o seu potencial indutor e realizador de programas e ações direcionados à sustentação
de políticas de direito e de reforço às questões raciais em uma perspectiva mais ampla e inclusiva. Esses vêm
sendo realizados pelo MEC e, em graus muito diferenciados, pelos sistemas de ensino.
No entanto, dada a responsabilidade do MEC, dos sistemas de ensino, das escolas, dos gestores e dos
educadores na superação do racismo e na educação das relações étnico-raciais, as iniciativas para a concre-

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tização dessa política ainda carecem de enraizamento. A sua efetivação dependerá da necessária mobilização
da sociedade civil a fim de que o direito à diversidade étnico-racial seja garantido nas escolas, nos currículos,
nos projetos político-pedagógicos, na formação de professores, nas políticas educacionais, etc.
Com avanços e limites, a Lei nº 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004
possibilitaram uma inflexão na educação brasileira. Eles fazem parte de uma modalidade de política até então
pouco adotada pelo Estado brasileiro e pelo próprio MEC. São políticas de ação afirmativa voltadas para a
valorização da identidade, da memória e da cultura negras reivindicadas pelo Movimento Negro e demais mo-
vimentos sociais partícipes da luta antirracista.
O desencadeamento desse processo não significa o seu completo enraizamento na prática das escolas da
educação básica, na educação superior e nos processos de formação inicial e continuada de professores(as).
A lei e as diretrizes entram em confronto com as práticas e com o imaginário racial presentes na estrutura e no
funcionamento da educação brasileira, tais como o mito da democracia racial, o racismo ambíguo, a ideologia
do branqueamento e a naturalização das desigualdades raciais.
A Lei nº 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004 precisam ser compreendi-
dos dentro do complexo campo das relações raciais brasileiras sobre o qual incidem. Isso significa ir além da
adoção de programas e projetos específicos voltados para a diversidade étnico-racial realizados de forma ale-
atória e descontínua. Implica a inserção da questão racial nas metas educacionais do país, no Plano Nacional
da Educação, nos planos estaduais e municipais, na gestão da escola, nas práticas pedagógicas e curriculares
e na formação inicial e continuada de professores(as) de forma mais contundente.
Essa legislação precisa ser entendida como fruto de um processo de lutas sociais, e não uma dádiva do
Estado, já que, como uma política de ação afirmativa, ela ainda é vista com muitas reservas pelo ideário repu-
blicano brasileiro, que resiste em equacionar a diversidade. Esse ideário é defensor de políticas públicas uni-
versalistas e, por conseguinte, de uma postura de neutralidade da parte do Estado. Essa situação, por si só, já
revela o campo conflitivo no qual se encontram as ações, os programas e os projetos voltados para a garantia
do direito à diversidade étnico-racial desencadeadas pela Lei nº 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/2004 e a
Resolução CNE/CP 01/2004 no Brasil.
Uma análise da referida lei, do parecer e da resolução terá de avaliar em que medida eles contribuem para
a compreensão da diversidade étnico-racial não só no âmbito educacional, mas também como uma questão
política que se ramifica no conjunto de padrões de poder, de trabalho, de conhecimento, de classificação e
hierarquização social e racial em nossa sociedade. Em outros termos, uma das questões a ser analisada é a
articulação da Lei nº 10.639/03 e suas respectivas formas de regulamentação com o conjunto de políticas de
Estado voltadas para a diversidade étnico-racial.
O papel indutor dessa legislação e suas formas de regulamentação como política pública aponta para a am-
pliação da responsabilidade do Estado diante da complexidade e das múltiplas dimensões e tensões em torno
da questão racial. Nesse processo, o conjunto de direitos negados à população negra e reivindicados historica-
mente pelo Movimento Negro exige o dever do Estado no reconhecimento e na legitimação da questão racial
nas políticas públicas das áreas da saúde, trabalho, meio ambiente, terra, juventude, gênero.
Dada essa inter-relação, a implementação da Lei nº 10.639/03, entendida como Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, tem instigado o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação, os conselhos estaduais
e municipais de educação, as secretarias de educação e as escolas na implementação de políticas e práticas
que garantam a totalidade dos direitos da população negra.
No caso específico do MEC, destaca-se a atuação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (Secad) no desenvolvimento de vários programas e ações voltados para a implementação da Lei
nº 10.639/03, os quais se configuram como processos de gestão, cursos de formação continuada, distribuição
de material paradidático e pesquisas.
Um importante estudo a ser realizado é a avaliação do impacto e do alcance de tais ações na implementação
da educação das relações étnico-raciais na gestão da educação básica. No caso das secretarias estaduais e
municipais de educação sabe-se que várias delas têm realizado ações de formação voltadas para a temática
racial, como: cursos, seminários, organização de coordenações ou equipes pedagógicas específicas para cui-
dar do processo de execução da lei, elaboração junto aos conselhos estaduais e municipais de educação de
diretrizes curriculares estaduais e municipais para pôr em prática a Lei nº 10.639/03, entre outros.

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Todavia, as ações postas em execução em nível nacional, estadual e municipal podem ser consideradas ain-
da tímidas diante do caráter urgente do conteúdo da lei. Um ponto a ser destacado refere-se à dificuldade en-
contrada pelos secretários de Educação na implantação de uma gestão voltada para a diversidade de maneira
geral e, dentro dessa, da diversidade étnico-racial de maneira específica. Tal dificuldade deve-se não somente
à novidade do tema no campo da gestão e da política educacional.
Ela está relacionada à existência e à persistência de um imaginário conservador em relação à diversidade e
à questão racial do qual partilham vários gestores de sistema de ensino e das escolas (e intelectuais da área).
Permanece ainda entre os gestores a tendência de hierarquização das desigualdades, e, nesse caso, a desi-
gualdade racial aparece subsumida à socioeconômica.
No caso das escolas públicas, várias têm sido as práticas pedagógicas voltadas para a diversidade étni-
co-racial existentes de norte a sul do país. Existem experiências mais enraizadas como a inserção da Lei nº
10.639/03 nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), trabalhos conjuntos com a comunidade, Movimento
Negro, comunidades-terreiro, projetos interdisciplinares, comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra,
estudos sistemáticos sobre o continente africano, projetos realizados com a participação dos estudantes, entre
outros.
Há, em diferentes estados e municípios, um movimento de práticas mais coletivas se constituindo; todavia,
como apontam várias pesquisas, a atuação individual de docentes interessados no tema é ainda a ação mais
recorrente nas escolas.
A pesquisa Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na Escola na Perspectiva da Lei
nº 10.639/03 assim como pesquisas recentes no campo da política educacional, apontam o importante papel
da gestão da escola nesse processo. As instituições de ensino cuja gestão se desenvolve de forma mais de-
mocrática e participativa tendem a desenvolver trabalhos mais dinâmicos, coletivos, articulados, enraizados e
conceitualmente mais sólidos voltados para a educação das relações étnico-raciais.
Em contrapartida, as formas autoritárias de gestão que, lamentavelmente, ainda existem na gestão da edu-
cação e das escolas públicas brasileiras, configuram-se em forte impedimento para a realização de práticas
pedagógicas que atendam o direito à diversidade de maneira geral e a implementação da Lei nº 10.639/03, do
Parecer CNE/CP 03/2004 e da Resolução CNE/CP 01/2004, em específico.

Estrutura educacional brasileira para a promoção da Educação das Relações Étnico-


-Raciais: currículo, planejamento, seleção e organização dos conteúdos

— Currículo
Descolonizar os currículos: um desafio à luz da LDB alterada pela Lei nº 10.639/03
Descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação escolar. Muito já denunciamos sobre a rigidez
das grades curriculares, o empobrecimento do caráter conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo
entre escola, currículo e realidade social, a necessidade de formar professores e professoras reflexivos e sobre
as culturas negadas e silenciadas nos currículos. No entanto, é importante considerar que há alguma mudan-
ça no horizonte[ (Adaptado de) GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos
currículos. Currículo sem Fronteiras, v.12, n.1, pp. 98-109, Jan/Abr 2012.].
A força das culturas consideradas negadas e silenciadas nos currículos tende a aumentar cada vez mais
nos últimos anos. As mudanças sociais, os processos hegemônicos e contra hegemônicos de globalização e as
tensões políticas em torno do conhecimento e dos seus efeitos sobre a sociedade e o meio ambiente introdu-
zem, cada vez mais, outra dinâmica cultural e societária que está a exigir uma nova relação entre desigualdade,
diversidade cultural e conhecimento.
Os ditos excluídos começam a reagir de forma diferente: lançam mão de estratégias coletivas e individuais.
Articulam-se em rede. A tão falada globalização que quebraria as fronteiras aproximando mercados e acirrando
a exploração capitalista se vê não somente diante de um movimento de uma globalização contra hegemônica,
mas também de formas autônomas de reação, algumas delas duras e violentas.
Esse contexto complexo atinge as escolas, as universidades, o campo de produção do conhecimento e a
formação de professores/as. Juntamente às formas novas de exploração capitalista surgem movimentos de luta

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pela democracia, governos populares, reações contra hegemônicas de países considerados periféricos ou em
desenvolvimento.
Esse processo atinge os currículos, os sujeitos e suas práticas, instando-os a um processo de renovação.
Não mais a renovação restrita à teoria, mas aquela que cobra uma real relação teoria e prática. E mais: uma
renovação do imaginário pedagógico e da relação entre os sujeitos da educação.
Os currículos passam a ser um dos territórios em disputa, sobretudo desses novos sujeitos sociais organi-
zados em ações coletivas e movimentos sociais. O legado da luta do povo negro no Brasil atinge a todos inde-
pendentemente do sexo, raça, classe social e idade.
A importância da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) através da
sanção da Lei nº 10.639/03 e sua regulamentação pelo parecer CNE/CP 03/2004 e pela resolução CNE/CP
01/2004 suscita nos docentes o desejo de conhecer, compreender e experenciar a cultura negra e buscar ca-
minhos diversos para tal, que não somente o conteúdo livresco.
Aponta-se para algum movimento de mudança considerado um passo importante na construção de uma rup-
tura epistemológica e cultural causada pela introdução mais sistemática da discussão sobre a questão racial e a
História da África na escola. Uma ruptura cuja ampliação tem se dado, com limites e avanços, por força da lei.
E uma lei que não é somente mais uma norma: é resultado de ação política e da luta de um povo cuja histó-
ria, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos.
Novas indagações ou um novo contexto?
Diante disso, podemos fazer algumas indagações: como o campo da formação de professores e professoras
lida com essas rupturas? Como a alteração da LDB pela Lei nº 10.639/03 se insere nesse contexto? Que novos
paradigmas estão se desenhando no horizonte pedagógico mediante a inserção cada vez maior do trato da
diversidade cultural e étnico-racial nos currículos? Destacam-se dois pontos para a nossa reflexão.
O primeiro refere-se ao lugar da questão racial nos currículos. A relação entre currículo e culturas negadas
e silenciadas ainda têm inspirado muitas opiniões pedagógicas sobre o trato da questão racial e a diversidade
étnico-racial na escola.
Quando se analisam de maneira atenta os conteúdos que são desenvolvidos de forma explícita na maioria
das instituições escolares e aquilo que é enfatizado nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção
à arrasadora presença das culturas que podemos chamar de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos
sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder continuam ser
silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação.
Numa perspectiva de descolonização dos currículos e na compreensão das rupturas epistemológicas e
culturais trazidas pela questão racial na educação brasileira, concorda-se com o fato de que esse olhar é um
alerta importante. A compreensão das formas por meio das quais a cultura negra, as questões de gênero, a
juventude, as lutas dos movimentos sociais e dos grupos populares são marginalizadas, tratadas de maneira
desconectada com a vida social mais ampla e até mesmo discriminadas no cotidiano da escola e nos currículos
pode ser considerado um avanço e uma ruptura epistemológica no campo educacional.
Na década de 80, já chamava-se a atenção para o lugar ocupado pelo silêncio sobre a questão racial na
escola. A presença da cultura na escola e na sala de aula não se manifesta somente de forma imaterial nem é
um tema capaz de homogeneizar tudo e todos.
Pelo contrário, ela é descontínua, conflituosa e tensa e se materializa por meio de gestos, palavras e ações,
muitas vezes, intencionais. Na escola, no currículo e na sala de aula, convivem de maneira tensa valores, ide-
ologias, símbolos, interpretações, vivências e preconceitos.
Nesse contexto, a discriminação racial se faz presente como fator de seletividade na instituição escolar e o
silêncio é um dos rituais pedagógicos por meio do qual ela se expressa. Não se pode confundir esse silêncio
com o desconhecimento sobre o assunto ou a sua invisibilidade.
É preciso colocá-lo no contexto do racismo ambíguo brasileiro e do mito da democracia racial e sua expres-
são na realidade social e escolar. O silêncio diz de algo que se sabe, mas não se quer falar ou é impedido de
falar. No que se refere à questão racial, há que se perguntar: por que não se fala? Em que paradigmas curricu-
lares a escola brasileira se pauta a ponto de “não poder falar” sobre a questão racial? E quando se fala? O que,

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como e quando se fala? O que se omite ao falar?
O ato de falar sobre algum assunto ou tema na escola não é uma via de mão única. Ele implica respostas
do “outro”, interpretações diferentes e confrontos de ideias. A introdução da Lei nº 10.639/03, não como mais
disciplinas e novos conteúdos, mas como uma mudança cultural e política no campo curricular e epistemológi-
co, poderá romper com o silêncio e desvelar esse e outros rituais pedagógicos a favor da discriminação racial.
Nesse sentido, a mudança estrutural proposta por essa legislação abre caminhos para a construção de uma
educação antirracista que acarreta uma ruptura epistemológica e curricular, na medida em que torna público e
legítimo o “falar” sobre a questão afro-brasileira e africana. Mas não é qualquer tipo de fala. É a fala pautada no
diálogo intercultural. E não é qualquer diálogo intercultural.
É aquele que se propõe ser emancipatório no interior da escola, ou seja, que pressupõe e considera a exis-
tência de um “outro”, conquanto sujeito ativo e concreto, com quem se fala e de quem se fala. E nesse sentido,
incorpora conflitos, tensões e divergências.
Não há nenhuma “harmonia” e nem “quietude” e tampouco “passividade” quando encaramos, de fato, que
as diferentes culturas e os sujeitos que as produzem devem ter o direito de dialogar e interferir na produção de
novos projetos curriculares, educativos e de sociedade. Esse “outro” deverá ter o direito à livre expressão da
sua fala e de suas opiniões.
Tudo isso diz respeito ao reconhecimento da nossa igualdade enquanto seres humanos e sujeitos de direitos
e da nossa diferença como sujeitos singulares em gênero, raça, idade, nível socioeconômico e tantos outros.
Refere-se também aos conflitos, choques geracionais e entendimento das situações-limite vivenciadas pelos
estudantes das nossas escolas, sobretudo aquelas voltadas para os segmentos empobrecidos da nossa popu-
lação.
O segundo ponto referente à relação entre a formação de professores/as e as rupturas epistemológicas e
culturais produzidas no contexto da Lei nº 10.639/03, entendida enquanto LDB e por isso mesmo obrigatória,
nos leva a formular mais algumas questões desafiadoras: como lidar com a diversidade cultural e étnico-racial
em sala de aula? É possível superar o modelo monocultural de conhecimento e de ensino?
É possível aos professores e professoras incluir a equidade de oportunidades educacionais entre seus ob-
jetivos? Como socializar, por meio do currículo e de procedimentos de ensino, para atuar em uma sociedade
multicultural?
Pode-se dizer que os movimentos sociais, e, com destaque, os de caráter identitário (mulheres, negros,
indígena, LGBT, quilombolas, povos do campo), há muito vêm tentando responder a essas questões e têm rei-
vindicado da escola e do campo da formação de professores um posicionamento, reflexões teóricas e práticas
pedagógicas que também respondam a essas demandas sociais e políticas.
É sempre bom destacar que os movimentos sociais têm como intenção política atingir de forma positiva toda
a sociedade e não somente os grupos sociais por eles representados. Em sociedades pluriétnicas e multirra-
ciais como o Brasil, os avanços em prol da articulação diversidade e cidadania poderão ser compreendidos
como ganhos para a construção de uma democracia, de fato, que tenha como norte político a igualdade de
oportunidades para os diferentes segmentos étnico-raciais e sociais e supere o tão propalado mito da demo-
cracia racial.
Tais demandas encontram maior ressonância, hoje, em algumas iniciativas dos órgãos governamentais,
em centros de pesquisa, escolas de educação básica e algumas experiências concretas de formação inicial e
continuada de professores/as, porém, ainda com severas resistências.
No campo do currículo, tais demandas também têm encontrado lugar na medida em que esse já se indaga
sobre os limites e as possibilidades de construção de um currículo intercultural, o lugar da diversidade nos dis-
cursos e práticas curriculares, o peso das diferenças na relação entre currículo e poder, entre outros.
Mas o trato da questão racial no currículo e as mudanças advindas da obrigatoriedade do ensino de História
da África e das culturas afro-brasileiras nos currículos das escolas da educação básica só poderão ser conside-
rados como um dos passos no processo de ruptura epistemológica e cultural na educação brasileira se esses
não forem confundidos com “novos conteúdos escolares a serem inseridos” ou como mais uma disciplina. Tra-
ta-se, na realidade, de uma mudança estrutural, conceitual, epistemológica e política.
Outro paradigma epistemológico?

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Estamos, portanto, em um campo de tensões e de relações de poder que nos leva a questionar as concep-
ções, representações e estereótipos sobre a África, os africanos, os negros brasileiros e sua cultura construídos
histórica e socialmente nos processos de dominação, colonização e escravidão e as formas como esses são
reeditados ao longo do acirramento do capitalismo e, atualmente, no contexto da globalização capitalista.
Falar sobre África significa, pois, questionar e desafiar crenças queridas, pressupostos afirmados e múltiplas
sensibilidades. Adverte-se que civilização, nação, cultura, raça, etnia, tribos são construções da modernidade.
A ligação indelével entre os conceitos de bárbaro e de civilizado produziu um mapa moderno do mundo
onde a humanidade é comparada em função de uma referência única, considerada universal. Apesar de terem
sido construídas, essas categorias permanecem elementos essenciais da configuração e significação atuais da
modernidade.
A organização do mundo em torno desses conceitos espaciais é parte central da forma como hoje percebe-
mos o mundo, o que justifica plenamente o seu significado histórico: o poder para moldar a história. O mapa
cognitivo que estas construções geram, exigem hoje, em contexto de debates pós-coloniais, um processo de
desconstrução que permita revelar as realidades ocultas pela força de qualquer proposta hegemônica.
A Lei nº 10.639/03, o parecer CNE/CP 03/2004 e a resolução CNE/CP 01/2004 apontam para a escola, o
currículo e a formação de professores/as a necessidade de uma construção alternativa da história do mundo, e
não só da África. Tal postura requer uma história responsável que jogue uma função pedagógica pública.
Trata-se de uma (re)construção histórica alternativa e emancipatória, que procure construir uma história
outra que se oponha à perspectiva eurocêntrica dominante. Em lugar de generalizações e simplificações que
pretendem “encaixar” a África (e eu acrescentaria, a questão racial no Brasil) no esquema desenvolvido para
explicar de forma linear o progresso civilizatório do Ocidente, o desafio que se coloca é duplo: explicar a persis-
tência da relação colonial na construção da história mundial, ao mesmo tempo em que se propõem alternativas
à leitura da história, no sentido de construir histórias contextuais que, articuladas em rede, permitam uma visão
cosmopolita sobre o mundo.
Nesse sentido, mais do que a efetivação política de uma antiga reivindicação do Movimento Negro para a
educação, a Lei nº 10.639/03, o parecer CNE/CP 03/2004 e a resolução CNE/CP 01/2004 e os desdobramen-
tos deles advindos nos processos de formação de professores/as, na pesquisa acadêmica, na produção de
material didático, na literatura, entre outros, deverão ser considerados como mais um passo no processo de
descolonização do currículo. Esse processo resulta na construção de projetos educativos emancipatórios e,
como tal, abriga um conflito.
O conflito ocupa o centro de toda experiência pedagógica emancipatória. Ele serve antes de tudo para tornar
vulnerável e desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e para olhar o passado através do sofri-
mento humano, que, por via deles e da iniciativa humana a eles referida, foi indesculpavelmente causado. Esse
olhar produzirá imagens desestabilizadoras, susceptíveis de desenvolver nos estudantes e nos professores a
capacidade de espanto e de indignação e uma postura de inconformismo, as quais são necessárias para olhar
com empenho os modelos dominados ou emergentes por meio dos quais é possível aprender um novo tipo de
relacionamento entre saberes e, portanto, entre pessoas e entre grupos sociais.
Poderá emergir daí um relacionamento mais igualitário e mais justo, que nos faça apreender o mundo de for-
ma edificante, emancipatória e multicultural. Portanto, a descolonização do currículo implica conflito, confronto,
negociações e produz algo novo.
Ela se insere em outros processos de descolonização maiores e mais profundos, ou seja, do poder e do
saber. Estamos diante de confrontos entre distintas experiências históricas, econômicas e visões de mundo.
Nesse processo, a superação da perspectiva eurocêntrica de conhecimento e do mundo torna-se um desafio
para a escola, aos educadores e educadoras, ao currículo e à formação docente.
Compreender a naturalização das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação
com a ideia de raça; entender a distorcida relocalização temporal das diferenças, de modo que tudo aquilo que
é não-europeu é percebido como passado e compreender a ressignificação e politização do conceito de raça
social no contexto brasileiro, são operações intelectuais necessárias a um processo de ruptura epistemológica
e cultural na educação brasileira. Esse processo poderá, portanto, ajudar-nos a descolonizar os nossos currí-
culos não só na educação básica, mas também nos cursos superiores.

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— Planejamento
Educação e diversidade étnico-racial
Tornaram-se comuns as semanas de planejamento, os cursos de aperfeiçoamento, congressos e discursos
políticos voltados para o tema diversidade étnico-racial. Se reconhece a grande contribuição que as diretri-
zes trouxeram para uma educação das relações étnico-raciais, mas, a efetivação, de fato, do documento no
currículo, ainda, faz-se necessária[https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/552564/2/Livro%20Pedago-
gia_Educa%C3%A7%C3%A3o%20e%20Rela%C3%A7%C3%B5es%20Etnico%20Raciais%20%20-%20.pdf].
O silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido que seja transmitida ao aluno
uma pretensa superioridade branca, sem que haja questionamento desse problema por parte dos profissionais
da educação. É imprescindível, portanto, reconhecer esse problema e combatê-lo no espaço escolar.
É necessária a promoção do respeito mútuo, do respeito ao outro, do reconhecimento das diferenças, da
possibilidade de se falar sobre as diferenças sem medo, receio ou preconceito. Contudo, são indispensáveis
pesquisas e estudos que trabalhem no detalhamento do combate a esse processo de exclusão social e, espe-
cialmente, que a temática desse trabalho seja contemplada nas reorganizações curriculares.
Faz-se necessário salientar sua importância para a educação étnico-racial. Reconhecendo-se a relação
cultura-educação, e o currículo sendo a expressão dessa relação, este terá papel fundamental para pensarmos
uma concepção de educação para as relações étnico-raciais na sociedade global e de conflitos culturais.
A educação, no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao
domínio escolar, é necessário reconhecer que, em toda educação é sempre educação de alguém por alguém,
ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa:
conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de
“conteúdo” da educação.
Assim, o currículo poderá reforçar e contribuir para o processo de dominação cultural, promovido por grupos
com interesses na hegemonização, promovida pela globalização; ou proporcionar uma educação para romper
esse cenário e promover uma sociedade que reconheça e valorize a diversidade étnica. A escola, via currículo,
pode ser um instrumento para fortalecer a política de dominação cultural ou dar voz aos excluídos no mundo
global.
Os interesses sociais e econômicos que serviram como o fundamento sobre o qual a maior parte dos elabo-
radores de currículos agia não eram neutros; nem eram aleatórios. Eles incorporavam compromissos para com
determinadas estruturas econômicas e políticas educacionais, as quais, quando postas em prática, contribuíam
para a desigualdade. As políticas educacionais e culturais, e a visão de como as comunidades deveriam operar,
e de quem deveria ter poder, serviram como mecanismos de controle social.
Fica evidente que o currículo tem um papel fundamental na construção das identidades sociais, a partir do
momento em que os educadores se posicionem a não reforçar as desigualdades sociais presentes em nossa
realidade e se proponham a discutir um currículo que considere a diversidade, objetivando a participação de-
mocrática na sociedade. Para pensar um pouco sobre um currículo da diversidade faz-se necessário o estudo
da coletânea de textos Indagações sobre Currículo, publicada pelo Departamento de Políticas de Educação
Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado à Secretaria de Educação Básica (SEB), do Ministério da Edu-
cação (MEC), que se constitui num importante documento, formado por cinco textos, para orientar as atividades
pedagógicas.
Segundo o documento citado, no texto “Diversidade e Currículo”, de Nilma Lino Gomes, procurou-se discutir
alguns questionamentos que estão colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encon-
tros da categoria docente: que indagações a diversidade traz para o currículo? Como a questão da diversidade
tem sido pensada nos diferentes espaços sociais, principalmente nos movimentos sociais?
Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? O que entendemos por diversidade? Que diver-
sidade pretendemos que esteja contemplada no currículo das escolas e nas políticas de currículo?
No texto, é possível perceber a reflexão sobre a diversidade entendida como a construção histórica, cultu-
ral e social das diferenças. Assim, mapear o trato que já é dado à diversidade pode ser um ponto de partida
para novos equacionamentos da relação entre diversidade e currículo. Para tanto, é preciso ter clareza sobre
a concepção de educação, pois há uma relação estreita entre o olhar e o trato pedagógico da diversidade e a

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concepção de educação que informa as práticas educativas.
Importante ressaltar ainda a pluralidade cultural do Brasil, como fator a considerar nos processos educati-
vos. A sociedade brasileira é pluriétnica e pluricultural. Alunos, professores e funcionários de estabelecimentos
de ensino são, tudo, sujeitos sociais, homens e mulheres, crianças e adolescentes, jovens e adultos perten-
centes a diferentes grupos étnicos-raciais, integrantes de distintos grupos sociais. São sujeitos com histórias
de vida, representações, experiências, identidades, crenças, valores e costumes próprios, que impregnam os
ambientes educacionais por onde transitam com suas particularidades e semelhanças, compondo o contexto
da diversidade.
Por isso, ao planejar, desencadear e avaliar processos educativos e formadores, não pode-se considerar a
diferença como um estigma. Ela é sim, mais um constituinte do nosso processo de humanização.
Por meio dela, nós nos tornamos partícipes do complexo processo de formação humana. Por décadas, o
sistema escolar ignorou a diversidade e o racismo na escola. Um pensamento hegemônico dominou propostas
pedagógicas fazendo com que ideologias e interesses, estabelecidos a partir de relações de poder de determi-
nados grupos ou instituições, reforçassem ideias e imagens preconceituosas.
O conhecimento agora presente nas escolas já é uma escolha feita a partir de um universo muito maior. É
uma forma de capital cultural que vem de alguma parte, que frequentemente reflete as perspectivas e crenças
de segmentos poderosos de nossa coletividade social.
Uma educação capaz de desvelar essa imagem faz-se necessária. Educadoras e trabalhadoras culturais
devem levantar a questão da “diferença” de maneira que não repitam o essencialismo monocultural dos “cen-
trismos”, precisam construir uma política de consolidação de alianças, de sonharem juntos, de solidariedade,
que vai além da postura condescente de, por exemplo, “semana de consciência das raças” que na realidade
servem para manter formas de racismos institucionalizado intactos.
As práticas educativas que se pretendem iguais para todos acabam sendo as mais discriminatórias. Essa
afirmação pode parecer paradoxal, mas, dependendo do discurso e da prática desenvolvida, pode-se incorrer
no erro da homogeneização, em detrimento do reconhecimento das diferenças.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de His-
tória e Cultura Afro-Brasileira e Africana afirmam que para obter êxito, a escola e seus professores não podem
improvisar.
Tem que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o eurocentrismo europeu, rees-
truturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido
a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados, vivida pelos negros, tampouco
das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escolas de desigualdades sociais, econômicas, educativas
e políticas.
Temos que buscar meios para superarmos o preconceito e a discriminação racial existente no Brasil. A edu-
cação é um desses meios, o mais importante, e assim devemos pautar nosso ensino, iniciando pela a formação
docente, na perspectiva de educar para estabelecermos relações étnico-raciais que visem a esse objetivo.
Quanto a essa política, as Diretrizes explicitam que a escola, enquanto instituição social responsável por
assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos,
contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é,
pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença reli-
giosa ou posição política.
O racismo, segundo o Artigo 5º da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os
cidadãos e instituições, inclusive, à escola. Pedagogias de combate ao racismo e à discriminação, elaboradas
com o objetivo de educação das relações étnico-raciais positivas, têm como objetivo fortalecer entre negros e
despertar entre brancos a consciência negra.
Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas
de conhecimentos e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas
de diferentes pertencimentos étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras
preconceituosas. Daí a necessidade de se investir para que os professores, além de sólida formação na área de
atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à

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diversidade étnico-raciais, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que
possam auxiliar a reeducá-las.
Para que a educação antirracista se concretize, é preciso considerar que o exercício profissional depende
de ações individuais, coletivas, dos movimentos organizados e também das políticas públicas; assim como das
ações das Instituições de Ensino Superior (IES) como responsáveis pela inserção da Resolução CNE/CP n°
1/2004, na formação docente, criando assim as condições necessárias em seu interior, para que avancemos
ante o desafio que o cenário atual nos coloca.
O Artigo 1º da Resolução afirma que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana devem ser observadas, em espe-
cial, por instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores.
O mesmo dispositivo prevê, ainda, que as IES, respeitado o princípio da autonomia, incluirão, nos conteúdos
de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais,
bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos Afrodescendentes, de acordo com o
Parecer CNE/CP n° 3/2004.
Acredita-se que o campo da educação deve ser compreendido de forma articulada com as lutas sociais, polí-
ticas e culturais que se desenrolam na sociedade. Pensar em um cotidiano alternativo, que valorize a pluralida-
de cultural e contribua para a formação da cidadania cultural passa a se impor. Entretanto, esta tendência ainda
é pouco presente nos cursos de formação docente, requisitando maiores pesquisas e investimentos na área.
A diversidade étnico-cultural nos mostra que os sujeitos sociais, sendo históricos, são, também, culturais.
Essa constatação indica que é necessário repensar a nossa escola e os processos de formação docente, rom-
pendo com as práticas seletivas, fragmentadas, corporativistas, sexistas e racistas, ainda existentes.
Temos que formar uma conjuntura de professores conscientes dessa necessidade e que desenvolvam uma
proposta de ensino para a educação das relações étnico-raciais, por meio da reflexão dos conteúdos, suas
metodologias e propostas de ensino, com ações cotidianas de repúdio à discriminação na escola, para que se
estendam para a sociedade. Assim, teremos uma educação que promove a superação do preconceito.
Concebe-se que, ao se conhecer a história e a cultura africana e afro-brasileira, pode-se repensar estereó-
tipos e atitudes preconceituosas, ou seja, pode-se sair da ignorância, reconhecer o outro e valorizar a diversi-
dade.
Todo ser humano é capaz de aprender. Somos seres culturais, daí acreditarmos que, se repensarmos nosso
ensino de história, e as demais disciplinas também, e nos pautarmos numa educação para as relações étnico-
-raciais, teremos uma sociedade diferente.
— Seleção e organização dos conteúdos
O currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na cultura-conteúdo do sistema educativo para
um nível escolar ou para uma escola de forma concreta. Assim, os conteúdos representam uma seleção cultural
que valida a cultura de referência, podendo assumir um caráter homogeneizador, uma vez que se há uma sele-
ção há, consequentemente, uma exclusão de conteúdos que não expressam a cultura referenciada[ https://re-
positorio.ufpe.br/bitstream/123456789/11234/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20Michele%20Ferreira.pdf].
Como se sabe, tal opção cultural é marcada por tensões entre os interesses dos grupos hegemônicos e dos
grupos subalternizados e respondem ao projeto de sociedade que se delineia como resultado de tais tensões.
A aprendizagem dos alunos nas instituições escolares está organizada em função de um projeto cultural para
a escola, para um nível escolar ou modalidade; isto é, o currículo é, antes de tudo, uma seleção de conteúdos
culturais peculiarmente organizados, que são codificados de forma singular.
Os conteúdos em si e a forma ou códigos de sua organização, tipicamente escolares, são parte integrante
do projeto. Conclui-se que a seleção de conteúdos é condicionada por forças globais e locais, ou seja, desde
as concepções filosóficas, epistemológicas, políticas e sociais que se expressam em diretrizes para a prática e
que acabam se refletindo nela, até os condicionamentos da própria escola, que modelam o currículo conforme
sua realidade política, administrativa, institucional.
Existem duas definições para conteúdos, uma clássica, baseada nas concepções Tradicionais do Currículo,
e uma difusa, baseada no que se chama de currículos ampliados, baseada nas Teorias Críticas do Currículo. Na
primeira acepção, conteúdo refere-se a elementos de disciplinas, matérias, informações diversas, enfim. Por

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conteúdo se entenderam os resumos de cultura acadêmica que compunham os programas escolares parcela-
dos em matérias e disciplinas diversas.
Essa compreensão está baseada numa ideia “intelectualista e culturalista” própria da tradição moderna
eurocentrada. Nessa acepção, o Currículo assume a velha definição de lista de conteúdos, dos programas de
cada matéria. E a prática curricular refere-se à “transmissão” desses conteúdos, onde a preocupação é esgotar
o programa dentro do tempo previsto, seja uma unidade, ou o ano letivo.
Numa acepção mais ampliada, conteúdo é tudo aquilo que ocupa o tempo escolar. Nessa compreensão,
está a ideia de que nem tudo o que está prescrito compreende a prática curricular, ou seja, insere-se a ideia do
currículo oculto, e dos conteúdos difusos como aqueles que servem para estimular comportamentos, adquirir
valores, atitudes e habilidades.
Esses são conteúdos que não se pautam apenas em conhecimentos, especialmente do conhecimento cien-
tífico, herança do poder colonial, tido como verdadeiro. Assim, entende-se que conteúdos podem abarcar uma
compreensão tradicional, assim como uma compreensão mais crítica, chamada de difusa.
Tipologia de conteúdos
Os conteúdos classificam-se como factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais. Vejamos:
→ Os conteúdos factuais são aqueles que visam promover o conhecimento de fatos, acontecimentos, si-
tuações, dados e fenômenos concretos e singulares, tais como: datas e nomes de acontecimentos históricos,
códigos e símbolos matemáticos, classificações biológicas;
→ Os conteúdos conceituais são aqueles que se referem a um conjunto de fatos, objetos ou símbolos que
possuem certas características comuns e servem para descrever ou tornar compreensível o significado de
determinado conteúdo. Assim, são exemplos de conteúdos conceituais: os “mamíferos”, “densidade”, a “Lei de
Arquimedes;
→ Os conteúdos procedimentais referem-se ao conjunto de ações ordenadas (regras, técnicas, métodos,
habilidades), desenvolvidas com a finalidade de realizar algum objetivo. São exemplos de conteúdos procedi-
mentais: ler, desenhar, calcular, observar, recortar, saltar, inferir;
→ Os conteúdos atitudinais são aqueles que englobam uma série de conteúdos que podem ser agrupados
em valores, atitudes e normas. Relacionam-se a valores aqueles que são cognitivamente interiorizados a partir
de critérios que orientam a tomada de decisão diante de algo que se deve emitir juízo de valor.
Referem-se a atitudes, quando o pensamento, o sentimento e a atuação são mais ou menos constantes
diante do objeto a quem se dirige tal atitude. Já as normas, referem-se à atitude diante das regras básicas que
regem a coletividade, as quais o indivíduo pode seguir apenas para não ser punido, pode seguir porque concor-
da, pode seguir porque é forçado, ou ainda, porque as interiorizou e as aceita.
Já os conteúdos pedagógicos são compostos por três tipos de conteúdos: educacionais, instrumentais e
operativos. Vejamos:
→ Os conteúdos educacionais são aqueles que se constituem da compreensão, interpretação e explicação
das várias dimensões do contexto histórico e cultural em que vivemos e de nossas relações nesses contextos.
Sua finalidade é propiciar a compreensão do mundo e de si mesmo para através dessa compreensão intervir
no mundo;
→ Os conteúdos instrumentais são aqueles que se constituem da aprendizagem do uso oficial das lingua-
gens verbais e das matemáticas, bem como pelo desenvolvimento das diferentes manifestações das lingua-
gens artísticas. Sua finalidade é registrar e expressar a compreensão dos conteúdos educacionais;
→ Os conteúdos operativos são aqueles que se constituem da capacidade de projetar intervenções sociais,
seja do âmbito pessoal ao internacional, para buscar soluções dos problemas estudados nos conteúdos edu-
cativos e documentados pelos conteúdos instrumentais. Sua finalidade é apresentar estas elaborações à so-
ciedade para que esta também possa se apropriar dos conhecimentos produzidos pelas escolas e realizá-los.
Assim compreende-se que os conteúdos não representam unicamente uma seleção da cultura, mas que
eles desempenham papel fundamental, tanto na compreensão como na transformação da sociedade. Daí a
importância da luta dos Movimentos Sociais Negros pela inclusão de conteúdos sobre a História e a Cultura
Afro-Brasileira e Africana; não se trata da mera inclusão de novos conteúdos, mas, sim, dependendo da forma

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como eles serão tratados, a fim de promover a construção de atitudes outras em nossa sociedade.
Em relação à organização dos conteúdos, isto é, as relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos
de aprendizagem que formam as unidades didáticas, percebe-se que a organização mais tradicional é a do
currículo centrado em disciplinas acadêmicas, embora sempre haja uma preocupação em vincular os conheci-
mentos na tentativa de superar as disciplinas.
A organização curricular pode ser entendida sob dois enfoques: o Enfoque Tradicional e o Enfoque Globa-
lizador. Essas formas de organização de conteúdos não se encontram na escola, necessariamente, de forma
pura, mas vamos às suas distinções para compreendê-los.
No Enfoque Tradicional a organização dos conteúdos segue a organização clássica do saber acadêmico, ou
seja, é pautada em disciplinas, matérias, cadeiras, e tem seus fins em si mesmos. Nesse enfoque, há a hierar-
quização de alguns conteúdos sobre outros e a forma de organização é a multidisciplinar, isto é, as disciplinas
apresentam-se uma atrás da outra, sem que exista nenhum tipo de conexão entre elas, e em que até a mesma
disciplina organiza seus conteúdos internos sob campos aparentemente isolados (a língua apresenta-se dividi-
da em léxico, morfossintaxe, ortografia; a matemática em medida, geometria, estatística; a física em mecânica,
estática, dinâmica etc.).
Esse tipo de organização leva a uma compreensão formalista e cientificista do currículo que pode ser tam-
bém organizado de forma pluridisciplinar, ou seja, quando existem relações complementares entre disciplinas
mais ou menos afins. Pode-se apreender que no enfoque tradicional o currículo centra-se numa perspectiva
monocultural e homogeneizadora.
O Enfoque Globalizador é, em contraponto, aquele no qual os conteúdos são organizados de forma trans-
disciplinar. Nesse enfoque são as necessidades educacionais que obrigarão a utilizar conteúdos disciplinares e
não as disciplinas que definirão os conteúdos.
Percebe-se que o enfoque globalizador está mais aberto a uma perspectiva intercultural que favoreça a
valorização das diferenças presentes na sociedade e, por conseguinte, na comunidade escolar. No Enfoque
Globalizador os conteúdos trabalhados provêm de diferentes disciplinas, mesmo que o nexo entre elas não
esteja pautado na lógica disciplinar.
Os conteúdos procedem da necessidade não de esgotar uma matéria, mas de atender às necessidades edu-
cacionais do(a)s estudantes. As disciplinas como tais nunca são finalidade do ensino, senão que têm a função
de proporcionar os meios ou instrumentos que devem favorecer a realização dos objetivos educacionais.
Nestas propostas, o valor dos diferentes conteúdos disciplinares está condicionado sempre pelos objetivos
que se pretendem. Para definir se a organização dos conteúdos está pautada no Enfoque Tradicional ou no
Enfoque Globalizador é necessário identificar se o método utilizado é um método globalizador, ou seja, é ne-
cessário olhar para as práticas curriculares.
Uma prática curricular consistente pode ser encontrada somente no saber dos sujeitos praticantes do currí-
culo, sendo, portanto, sempre tecida em todos os momentos e espaços. Nessa perspectiva, emerge uma nova
compreensão de currículo.
Não se fala de um produto que pode ser construído seguindo modelos preestabelecidos, mas de um proces-
so por meio do qual os praticantes do currículo ressignificam suas experiências a partir das redes de saberes
e fazeres das quais participam. Então, o que se deve apreender das práticas curriculares do(a)s professore(a)
s para compreender os sentidos da educação das relações étnico-raciais através do ensino dos conteúdos de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana?
Na compreensão da Teoria Pós-Colonialista do Currículo pode-se perceber que estamos lidando com uma
questão que se origina pela força da colonialidade, um padrão de poder que constituiu um paradigma hegemô-
nico, o qual está estremecido pelas tensões estabelecidas na e pela diferença colonial. Os conteúdos que estão
sugeridos nas DCN são frutos de tensões entre o Estado e os Movimentos Sociais Negros e outros setores da
sociedade, mas são nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s que pudemos compreender o sentido de
tais conteúdos.

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Planejamento de Ensino para a Educação para as Relações Étnico-Raciais: planeja-
mento e novas metodologias do processo de ensino-aprendizagem para a Educação das
Relações Étnico-Raciais

— Planejamento e novas metodologias do processo de ensino-aprendizagem para a Educação das


Relações Étnico-Raciais
Multiculturalismo e Educação
A Educação, no contexto do Multiculturalismo, torna-se a principal estratégia para a construção da socie-
dade multicultural. Por conseguinte, deve-se considerar que uma Educação comprometida multiculturalmente
é aquela capaz de proporcionar o repensar sobre ações cotidianas de discriminação e de preconceito e de
questionar o monoculturalismo e o etnocentrismo presentes na sociedade, inclusive na escola. Isso tudo a partir
da reflexão crítica dos processos históricos, culturais e sociais de dominação, por meio da desconstrução, da
articulação e do resgate, de forma a promover o respeito e a valorização da diversidade cultural, de gênero e de
classe[ https://edifes.ifes.edu.br/images/stories/ebook_educa%C3%A7%C3%A3o_para_as_rela%C3%A7%-
C3%B5es_%C3%A9tnico-raciais.pdf].
Enfatiza-se a importância de ser feita uma distinção entre multicultural e multiculturalismo, conceitos que se
tornam de grande importância para que não se entre em contradições linguísticas. Multicultural, consiste num
termo qualificativo que descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados
por qualquer sociedade, na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em
comum ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade “original”.
Em relação ao termo multiculturalismo, define-se como substantivo que se refere às estratégias e às políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades
multiculturais. A educação entra nessa concepção como uma das estratégias para a construção da sociedade
multicultural.
O multiculturalismo constitui-se num movimento teórico e político que busca respostas para os desafios da
pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo a educação e outras áreas que podem contribuir para o
sucesso organizacional. Cobra-se da educação e, mais especificamente, do currículo, grande parte daquelas
que são percebidas como medidas para a formação de cidadãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores,
tolerantes e democráticos.
As categorias teóricas construídas na experiência multiculturalista permitem uma leitura do mundo a partir de
procedimentos lógicos inerentes às culturas dominadas, produzindo, assim, um novo conhecimento e, por con-
sequência, uma nova subjetividade descentrada e emancipada dos valores supostamente superiores. O multi-
culturalismo desde sua origem aparece como princípio ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente
dominados, aos quais foi negado o direito de preservarem suas características culturais. Esta é, portanto, uma
das condições que favoreceu a emergência de movimentos multiculturalistas.
Verifica-se, portanto, que considera-se o multiculturalismo como um movimento que visa a dar respostas
aos desafios da diversidade cultural. O multiculturalismo é o jogo das diferenças, cujas regras são definidas
nas lutas sociais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amargo da discriminação e do
preconceito no interior das sociedades em que vivem.
Isto significa dizer que é muito difícil, se não impossível, compreender as regras desse jogo sem explicitar
os contextos sócio-históricos nos quais os sujeitos agem, no sentido de interferir na política de significados em
torno da qual dão inteligibilidade a suas próprias experiências, construindo-se enquanto atores.
O multiculturalismo engloba as questões de raça, etnia, gênero e classe. Por décadas, o sistema escolar
ignorou a diversidade e o racismo na escola. Um pensamento hegemônico dominou propostas pedagógicas
fazendo com que ideologias e interesses, estabelecidas a partir de relações de poder de determinados grupos
ou instituições, reforçassem ideias e imagens preconceituosas.
O conhecimento agora presente nas escolas já é uma escolha feita a partir de um universo muito maior. É
uma forma de capital cultural que vem de alguma parte, que frequentemente reflete as perspectivas e crenças
de segmentos poderosos de nossa coletividade social.
Além disso, as categorias teóricas construídas na experiência multiculturalista permitem uma leitura do mun-

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do a partir de procedimentos lógicos inerentes às culturas dominadas, produzindo, assim, um novo conheci-
mento e, por consequência, uma nova subjetividade descentrada e emancipada dos valores supostamente
superiores.
Desta forma, apresentam-se quatro formas de expressão do multiculturalismo:
1. Multiculturalismo Conservador ou Empresarial: admite a existência de outras culturas, mas como inferio-
res. As minorias são vistas como malsucedidas por terem uma bagagem cultural inferior. Reproduz uma visão
colonialista da diferença.
As primeiras tendências do multiculturalismo conservador podem ser encontradas naquelas visões coloniais
em que as pessoas afro-americanas são representadas como escravos e escravas, como serviçais e como
aqueles que divertem outros; visões que estiveram fundamentadas nas atitudes profundamente auto elogiosas,
auto justificatórias e profundamente imperialistas dos europeus e dos norte-americanos;
2. Multiculturalismo Humanista Liberal: defende que todos têm as mesmas condições de competir e ascen-
der na sociedade. Considera-se, que a igualdade está ausente não por causa da privação cultural das pessoas,
mas porque as oportunidades sociais e educacionais não existem para permitir a todos competir igualmente no
mercado capitalista;
3. Multiculturalismo Liberal de Esquerda: destaca a diferença cultural e sugere que a ênfase na igualdade
das raças abafa aquelas diferenças culturais, importantes entre elas, as quais são responsáveis por comporta-
mentos, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais diferentes. É importante salientar que ao essen-
cializar as diferenças culturais, ignoram o contexto histórico e cultural;
4. Multiculturalismo Crítico e de Resistência: compreende a diferença sempre como um produto da história,
cultura, poder e ideologia, nega o pressuposto harmonioso das diferenças proposto pelos conservadores e
defende a transformação das relações sociais, culturais e institucionais, nas quais os significados são gerados.
Compreende também a representação de raça, classe e gênero como resultado de lutas sociais mais am-
plas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento me-
tafórico como força de resistência, mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e
institucionais nas quais os significados são gerados.
Assim, o multiculturalismo de resistência também se recusa a ver a cultura como não-conflitiva, harmoniosa
e consensual. A democracia é compreendida como tensa, não como um estado de relações culturais e políticas,
sempre harmonioso, suave e sem cicatrizes.
Dessa forma, uma Educação Multicultural, na concepção do Multiculturalismo Crítico, pode ser compreen-
dida como uma maneira de interrogar a localidade, o posicionamento e a especificidade do conhecimento e de
gerar uma pluralidade de verdades.
Ao mesmo tempo, esta perspectiva também situa a construção do significado em termos dos interesses
materiais que estão operando na produção de ‘efeitos de verdade’, isto é, na produção de formas de inteligibi-
lidade e de práticas sociais. Desse modo, consideramos, na esteira das buscas de compreensão da questão
em estudo, que a concepção do multiculturalismo crítico apresenta-se como uma dimensão mais ampliada nos
processos de emancipação humana.
Formação dos professores e multiculturalismo
O professor, para desenvolver uma Educação Multicultural, precisa de uma formação que envolva os sabe-
res e os conhecimentos do trabalho docente de forma que possibilite sua atuação na sociedade e no contexto
onde está inserido, visando a formação de sujeitos emancipados e críticos quanto aos aspectos políticos, eco-
nômicos e culturais. Nessa perspectiva é necessário pensar com que saberes e conhecimentos o professor
trabalha uma Educação Multicultural.
Defende-se a formação de professores centrada nas situações problemáticas das escolas, por meio de
processos de pesquisa partindo da realidade vivenciada. Se afirma que a escola deve ser o motor da inovação
e da profissionalização docente e considera que a inovação e a mudança partem de processos de pesquisa
e reflexão. No caso do multiculturalismo, reafirmamos a necessidade de práticas e atitudes inovadoras para
rompermos com uma mentalidade de discriminação.
Considera-se também, a concepção de formação de educadores, que propõe um professor como intelectual

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transformador capaz de desenvolver uma prática pedagógica preocupada com os oprimidos e eficaz na eman-
cipação dos sujeitos, também está atendendo ao Multiculturalismo. Uma forma de repensar e reestruturar a
natureza da atividade docente é encarar os professores como intelectuais transformadores.
A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela oferece uma base teórica para
examinar-se a atividade docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua definição em ter-
mos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e
práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a escla-
recer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos
e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.
Pensar no professor como intelectual transformador é considerar uma formação docente relacionada à inten-
ção de modificar a Educação. Nesse caso, trata-se de docentes engajados com as mudanças sociais, propor-
cionando uma sociedade mais justa, igualitária e que considere a diversidade cultural por meio de suas práticas
no espaço escolar, e com uma identidade profissional crítica e emancipatória.
Associar a compreensão do professor como crítico, situado historicamente, que reflete sobre sua prática e
sobre as determinantes que a perpassam, visando a construção de novos modos de pensá-la e manifestá-la é
o que chama-se de práxis transformadora. O professor concebido como intelectual transformador veicula a cha-
mada “memória perigosa” e traz os “silêncios” dos currículos oficiais, aspectos fundamentais para uma proposta
de formação de docentes comprometidos com o Multiculturalismo.
Dentro dessa perspectiva, a ação crítica permite que os estudantes lutem contra as injustiças, entre elas,
as direcionadas às minorias culturais oprimidas pelos grupos dominantes. Daí considerarmos a relevância de
uma formação docente pautada numa concepção intelectual transformadora para que tenhamos professores
formados com um comprometimento Multicultural Crítico.
Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una a linguagem da crítica e a lin-
guagem da possibilidade, de forma que os educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças.
Desta maneira, eles devem manifestar-se contra as injustiças econômicas, políticas e sociais dentro e fora das
escolas. Ao mesmo tempo, devem trabalhar para criar as condições que deem aos estudantes a oportunidade
de tornarem-se cidadãos que tenham o conhecimento e a coragem para lutar a fim de que o desespero não seja
convincente e a esperança seja viável.
Para termos uma Educação Multicultural, tanto o professor que já atua, quanto os futuros docentes, não
podem desenvolver uma prática pedagógica que reforce e legitime a discriminação e o preconceito. Daí a ne-
cessidade de uma formação de docentes pautados numa concepção crítica e reflexiva, condizente para uma
prática comprometida multiculturalmente.
Salienta-se, nessa concepção, o profissional pensante, reflexivo e intelectual, capaz de considerar as ques-
tões sociais que envolvem sua profissão como elemento dinamizador. As questões multiculturais, especial-
mente a diversidade étnica–racial, impõe à Educação desafios que não podem ser respondidos com modelos
tradicionais de práticas pedagógicas. Daí a necessidade de formar profissionais capazes de pensar diante as
situações e de propor novas práticas.
Assume-se a posição de que a educação para a sociedade multicultural só acontecerá se tivermos pro-
fessores multiculturalmente comprometidos. Dessa forma, defende-se dois elementos teóricos para pensar
a formação do docente: o professor intelectual transformador e o professor pesquisador do cotidiano escolar.
Pensar numa Educação Multicultural Crítica, que objetiva rever conceitos, práticas, estereótipos culturais na
prática pedagógica, requer um sujeito docente que olha para a realidade escolar e busca transformá-la. Assim,
um perfil intelectual crítico, que busca como pesquisador transformar a realidade das injustiças culturais no
cotidiano observada e pensada no âmbito do Estágio, faz-se urgente.
Sobre o Multiculturalismo e a Formação de Professores, apresentam-se considerações importantes para
pensar a formação e, por consequência, o perfil docente culturalmente comprometido. Vejamos:
→ O primeiro ponto apresentando é considerar os significados de educar num século marcado pelas ques-
tões culturais, como o Multiculturalismo;
→ A segunda consideração é que uma proposta de formação docente multicultural deva implicar não o de-
senvolvimento de uma aceitação irrestrita de diferentes manifestações culturais, mas, sim a aprendizagem das
habilidades necessárias à promoção de um diálogo que favoreça a dinâmica de crítica e autocrítica;

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→ Como terceiro ponto, que também é necessário lidar com os preconceitos e os estereótipos dos futuros
professores. Na formação, os docentes têm que ter espaços e canais para pensar a identidade docente e o
modo como eles concebem materiais didáticos e discursos, para que não reproduzam o preconceito;
→ Como quarto ponto, recomenda-se a importância do envolvimento emocional em diferentes experiências
culturais. Defende-se, por exemplo, a participação direta do futuro docente em projetos comunitários, pois as-
sim, por meio da prática, poderá conhecer melhor a realidade cultural que vai trabalhar;
→ Como quinto ponto importante nessa formação docente propostas de formação que busquem um equi-
líbrio entre o trabalho docente com alunos de grupos oprimidos e com alunos de grupos dominantes visando,
assim, ao respeito e à pluralidade étnico-cultural;
→ Como sexto ponto ressalta-se que certas categorias devem nortear a organização do currículo da for-
mação docente para uma sociedade multicultural: cultura, conhecimento, poder, ideologia, linguagem, história,
discriminação, racismo e sexismo;
→ O sétimo ponto, considera a necessidade da formação docente de estabelecer elos entre o conhecimento
escolar/acadêmico e o conhecimento que o estudante traz consigo.
Finaliza-se com a indicação de uma formação de um profissional capaz de refletir criticamente sua prática,
considerando a diversidade cultural e a capacidade de formar cidadãos conscientes quanto às relações de po-
der envolvidas na construção da diversidade cultural.
Ainda, sobre a formação multicultural, apontam-se elementos importantes para práticas pedagógicas multi-
culturais:
1. Recrutar candidatos que tenham interesse em trabalhar sob essa perspectiva;
2. Proporcionar experiências que ajudem os futuros docentes a compreender o papel central das culturas e
a criticar as estruturas sociais injustas;
3. Requerer prolongada imersão dos professores na cultura do(s) grupo(s) com que trabalham;
4. Propor observação de experiências de ensino e de aprendizagens culturalmente relevantes;
5. Encaminhar a realização de estágios supervisionados de longa duração e em ambientes específicos.
Para a formação docente no trabalho com a diversidade, deve-se considerar a subjetividade e a vivência
nesses espaços de formação. Faz-se necessária uma nova concepção de Educação e de Formação, que
entenda o profissional da educação enquanto sujeito sociocultural, ou seja, aquele a que atribui sentido e sig-
nificado à sua existência, a partir de referências pessoais e coletivas, simbólicas e materiais e que se encontra
inserido em vários processos socializadores e formadores que extrapolam a instituição escolar.
Deve-se ter uma concepção de que o profissional seja entendido como sujeito sociocultural, que traz valo-
res, identidades, emoções, impressões e uma concepção de mundo que muitas vezes deve ser questionada
e desvelada para que ele possa ter um trabalho docente culturalmente comprometido com a promoção social
e não reforçar as desigualdades. Assim, na formação docente devemos considerar as experiências de vida
dos professores. Pensar a diversidade étnico-cultural na formação de professores/as implica dar destaque aos
sujeitos e às suas vivências nos processos históricos e socioculturais que acontecem dentro e fora da escola.
A formação de professores/as para a diversidade não significa a criação de uma “consciência da diversida-
de”, antes, ela resulta na propiciação de espaços, discussões e vivências em que se compreenda a estreita
relação entre a diversidade étnico-cultural, a subjetividade e a inserção social do professor e da professora os
quais, por sua vez, se prepararão para conhecer essa mesma relação na vida dos seus alunos e alunas. Assim,
o educador poderá assumir uma nova postura em relação às questões culturais na prática pedagógica, colabo-
rando para pensarmos a formação de docentes comprometida com o Multiculturalismo.
Apontam-se também, algumas linhas gerais a serem consideradas:
→ Em primeiro lugar, parece necessário que o trabalho curricular procure articular a pluralidade cultural
mais ampla da sociedade à pluralidade de identidades presente no contexto concreto da sala de aula onde se
desenvolve o processo de aprendizagem. O propósito é evitar que, em nome de uma valorização da pluralidade
presente na sociedade, se reduza a educação multicultural a um elenco de tópicos versando sobre caracterís-
ticas étnicas e culturais da população;

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→ Em segundo lugar, vale insistir que a educação multicultural não pode ser reduzida ao espaço de uma
disciplina a ser incluída no currículo;
→ Em terceiro lugar, destaque-se a importância do diálogo como elemento delineador de uma prática curri-
cular multiculturalismo orientado;
→ Em quarto lugar, é necessário acentuar que os aspectos cognitivos envolvidos na formação docente não
são suficientes para estimular de fato uma postura multicultural, não podendo, portanto, ser separados de um
concomitante envolvimento afetivo.
E, assim, sintetiza-se que a concretização de currículos multiculturais na formação de docentes pode ser fa-
vorecida pelos seguintes procedimentos: associação de elementos cognitivos e afetivos na prática pedagógica;
sensibilização para a diversidade cultural e sua influência na educação; conscientização cultural; desenvolvi-
mento de uma prática reflexiva, multiculturalmente comprometida; superação de preconceitos e estereótipos;
problematização de conteúdos (específicos e pedagógicos); reconhecimento do caráter múltiplo e híbrido das
identidades culturais.
Diante das concepções apresentadas, considera-se como professor comprometido multiculturalmente aque-
le capaz de questionar as diferenças na formação social, política e econômica da sociedade, de problematizar
visões de mundo, de participar da construção de políticas educacionais que contribuam para uma educação da
diversidade. E, ainda, que promova a igualdade social e a valorização da pluralidade cultural, emancipando os
sujeitos quanto à dominação ideológica e ao preconceito.
Prática de ensino e Multiculturalismo
Estabelecendo relações do aporte teórico do multiculturalismo com a prática do ensino, pode-se afirmar que
o multiculturalismo proporciona ao educador um olhar do tema de forma autônoma, como intelectual e crítico
capaz de trabalhar. O plural e o diverso. Isso em nossas “traduções” de diretrizes curriculares para o currículo
em ação.
Compreende-se assim que, para uma educação que promova o respeito à diversidade étnico cultural e de
gênero, considerando o cenário social contemporâneo, faz-se necessário olharmos para o currículo, para nossa
formação docente e para nossas práticas de ensino tendo, é claro, uma concepção multicultural crítica como
lente. Hoje esta consciência do caráter monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a da necessi-
dade de romper com ele e construir práticas educativas em que as questões da diferença e do multiculturalismo
se façam cada vez.
Deve-se conceber a prática de ensino em seus aspectos epistemológicos e de práxis, como uma atividade
que promova, por meio de suas atividades pedagógicas, uma transformação nas relações sociais, culturais
e institucionais, para as quais os significados são gerados, recusando ver a cultura como harmoniosa. E sim
como espaço de lutas e de reflexões sobre o processo histórico e social, visando as transformações sociais
para a igualdade e o respeito quanto à diversidade.
Considera-se que a prática de ensino, na perspectiva valorada neste trabalho, é capaz de proporcionar esse
repensar sobre ações cotidianas de discriminação e de preconceito. Pois ela vai questionar o monoculturalismo
e o etnocentrismo presentes na escola, promovendo um empoderamento quanto ao seu papel, ao direito e ao
dever na sociedade. Ou seja, um novo olhar sobre a relação com o outro e sobre si mesmo, valorizando-se e
exigindo o respeito.
Apresentam-se linhas de ação para a promoção de uma educação multi/intercultural, portanto, uma prática
pedagógica multiculturalmente comprometida:
- desconstruir: remete-se à questão dos preconceitos e da discriminação, buscando desnaturalizá-los e
questionar o caráter monocultural e etnocêntrico da instituição escolar, nas diversas dimensões em que se
manifesta no seu dia-a-dia;
- articular: refere-se à tensão igualdade-diferença;
- resgatar: trata-se do resgate dos processos de construção das identidades culturais;
- promover: desmembra-se em outras ações: interação sistemática; enfoque global (ou seja, a perspectiva
deve afetar todos os níveis da prática pedagógica); e empoderamento.
Chama-se a atenção para uma reflexão de prática docente, para que não se permita reproduzir uma alie-

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nação cultural em lugar da emancipação, objetivo do multiculturalismo crítico. Assim, apresentam-se alguns
perigos de uma educação multicultural equivocada (multiculturalismo reparador, folclorismo, reducionismo iden-
titário e guetização cultural) quando uma inserção da diversidade no âmbito escolar ocorre por meio de cotas,
reparando injustiças sociais.
Questiona-se essa inserção, pois a permanência do aluno, simplesmente num aspecto de alocação do
indivíduo, em muitos casos, pode aumentar o preconceito. Essa perspectiva não proporciona transformações
curriculares e, portanto, não promove uma concepção processual e de equidade.
Outro equívoco comum em práticas pedagógicas é o que denomina-se de folclorismo. Consiste numa redu-
ção do multiculturalismo, na educação, em valorização de costumes, festas e aspectos folclóricos, como por
exemplo: feiras culturais e celebrações e/ou comemorações de dias, como: Dia do Índio, Dia da Consciência
Negra, etc. Sem um trabalho crítico e contextualizado, essas atividades pontuais reforçam a discriminação. E,
assim, o multicultural é visto como algo exótico.
Ou então, o reducionismo identitário pode apresentar-se como uma falsa prática multicultural, que ao se
abordar a diversidade pode-se negar o diverso no diverso. Como exemplo temos o discurso de respeito ao
afro-brasileiro, porém esquecemos a diversidade cultural africana. Já na guetização cultural, as propostas cur-
riculares são exclusivas para seus grupos curriculares.
A crítica feita é de que o multiculturalismo é para todos, a fim de construirmos sociedades abertas ao plural
e ao diverso. Contudo, ocorre um isolamento e não uma dialética de convivência.
Ainda pensando na prática pedagógica para romper com a discriminação cultural, chama-nos a atenção
para enganos pedagógicos que geram uma falsa impressão de práticas libertadoras. O tratamento da temática
multiculturalista nas escolas e nas salas de aula corre o perigo, não obstante, de cair em propostas de trabalho
do tipo currículo turístico.
A existência desse currículo ocorre quando a prática pedagógica, com intenção de promover o questiona-
mento quanto ao preconceito, acontece das seguintes formas: trivialização, desconectada, estereotipagem e
tergiversação.
A primeira prática é a “trivialização”, caracterizada quando o tempo e espaço pedagógicos, destinado a cultu-
ras e grupos sociais, ganham forma superficial e inferior, enquanto outros, majoritários, ganham mais espaço. O
que ele denomina de prática como souvenir é quando há uma quantidade inferior dos recursos didáticos e das
unidades didáticas reservadas à diversidade cultural em relação aos temas predominantes.
Outra prática é a “desconectada”, a qual consiste nos “dias” dedicados ao Índio e ao Negro, que são desco-
nectados de uma proposta multicultural crítica e emancipatória. Ou seja, a diversidade se limita em um dia ou
uma semana, sendo que nos demais momentos, essa realidade multicultural é silenciada.
Já a “estereotipagem”, ocorre quando a prática se vincula a certos grupos culturais e determinadas ca-
racterísticas e/ou contextos naturais, estereotipando a diversidade em invés de romper com os estereótipos.
Exemplifica-se esse perigo ao trabalhar o multiculturalismo por meio de falas, sendo essas afirmativas de que
as populações negras são primitivas e que ainda precisam evoluir, bem como de que seu melhor ambiente para
viver é uma selva frondosa e em estado selvagem e que, assim, essas populações não têm necessidades vitais
e culturais tão urgentes como nós.
A “tergiversação” ocorre quando se deforma e/ou oculta essa história e o contexto das sociedades e/ou cul-
turas. Isso muitas vezes com conceitos e práticas pedagógicas que não promovem a reflexão sobre o contexto,
reforçando discursos de dominação. No entanto, a prática pedagógica que objetiva romper a discriminação
pode, muitas vezes, sem o cuidado com a forma como é pensada, reproduzir essa discriminação.
Em conclusão, uma prática pedagógica que vise romper com a discriminação e que contemple a diversida-
de, deve se pautar em aspectos de promoção da educação multicultural e estar atento, numa proposta reflexi-
va, à (re)pensar práticas que ao invés de desconstruir, reforçam a discriminação.

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EXERCÍCIOS

1. (Prefeitura de Horizontina/RS – Professor – OBJETIVA/2021) De acordo com o Parecer CNE/CP nº


003/2004, considerando-se as ações educativas de combate ao racismo e a discriminações, o ensino de Histó-
ria e Cultura Afro-Brasileira e Africana:
I. Deve envolver a articulação entre o passado e o presente, no âmbito de experiências e pensamentos pro-
duzidos em determinadas circunstâncias, excluindo a realidade do povo negro.
II. Será desenvolvido, no cotidiano das escolas, como conteúdo de disciplinas, em especial, de Educação
Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais.
III. Será desenvolvido nos diferentes níveis e modalidades de ensino.
IV. Abrange, entre outros, conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos,
a começar pelo de Palmares.
Estão CORRETOS:
(A) Somente os itens I e IV.
(B) Somente os itens II e III.
(C) Somente os itens I, II e III.
(D) Somente os itens II, III e IV.
(E) Todos os itens.
2. (Prefeitura de Guarujá do Sul/SC – Professor – AMEOSC/2021) Escreva V ou F, conforme seja verdadeiro
ou falso, o que se afirma nos itens abaixo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
lações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
1.(__)Por meio da Resolução CNE/CP n.º 01 de 2004, a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana passaram a ser obrigatórios em todas as etapas e modalidades
de ensino da educação brasileira, em especial por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial
e continuada de professores.
2.(__)A Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
deve ser desenvolvida por meio da criação de um componente curricular específico em todas as modalidades
de ensino.
3.(__)O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valoriza-
ção da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade
de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias e asiáticas.
Após análise, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA dos itens acima, de cima para
baixo:
(A) 1.F, 2.V, 3.F.
(B) 1.F, 2.V, 3.V.
(C) 1.V, 2.F, 3.F.
3. (AGERBA - Especialista em Regulação – IBFC/2017) Assinale a alternativa correta, considerando as
disposições da lei estadual nº 13.182, de 06 de junho de 2014 (Estatuto da Igualdade Racial e de Combate a
Intolerância Religiosa).
(A) Fica instituída a reserva de vagas para a população negra nos concursos públicos e processos seletivos
para provimento de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta Estadual, correspondente, no
mínimo, a 30% (trinta por cento) das vagas a serem providas, devendo tal medida ter vigência por 10 (dez) anos
a partir da publicação da referida lei.
(B) Fica instituída a reserva de vagas para a população negra nos concursos públicos e processos seletivos

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para provimento de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta Estadual, correspondente, no
mínimo, a 20% (vinte por cento) das vagas a serem providas, devendo tal medida ter vigência por 10 (dez) anos
a partir da publicação da referida lei.
(C) Fica instituída a reserva de vagas para a população negra nos concursos públicos e processos seletivos
para provimento de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta Estadual, correspondente, no
mínimo, a 30% (trinta por cento) das vagas a serem providas, devendo tal medida ter vigência por 05 (cinco)
anos a partir da publicação da referida lei.
(D) Fica instituída a reserva de vagas para a população negra nos concursos públicos e processos seletivos
para provimento de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta Estadual, correspondente, no
mínimo, a 15% (quinze por cento) das vagas a serem providas, devendo tal medida ter vigência por 10 (dez)
anos a partir da publicação da referida lei.
(E) Fica instituída a reserva de vagas para a população negra nos concursos públicos e processos seletivos
para provimento de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta Estadual, correspondente, no
mínimo, a 15% (quinze por cento) das vagas a serem providas, devendo tal medida ter vigência por 05 (cinco)
anos a partir da publicação da referida lei.
4. (AGERBA - Especialista em Regulação – IBFC/2017) Assinale a alternativa correta considerando as dis-
posições da lei estadual nº 13.182, de 06 de junho de 2014 (Estatuto da Igualdade Racial e de Combate a Into-
lerância Religiosa) sobre o período estabelecido para a vigência das ações afirmativas previstas na mesma lei.
(A) 05 (cinco) anos a partir da implantação das ações afirmativas.
(B) 20 (vinte) anos a partir da publicação da referida lei.
(C) 15 (quinze) anos a partir da implantação das ações afirmativas.
(D) 10 (dez) anos a partir da publicação da referida lei.
(E) 25 (vinte e cinco) anos a partir da publicação da referida lei.
5. (Prefeitura de Victor Graeff/RS – Professor – OBJETIVA/2021) Em conformidade com o Ministério da Edu-
cação: Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais, analisar a sentença abaixo:
Ao estudar a cultura afro-brasileira, atentar para visualizá-la com consciência e dignidade; recomenda-se
estudar somente aspectos relativos a seus costumes, alimentação, vestimenta ou rituais festivos, sem contex-
tualizá-la (1ª parte).
Tratar as questões raciais no ambiente escolar, de forma simplificada, em algumas áreas ou em uma disci-
plina, ou dia escolhido, não é a melhor estratégia para levar os alunos aos posicionamentos de ação reflexiva
e crítica da realidade em que estão inseridos (2ª parte).
A sentença está:
(A) Totalmente correta.
(B) Correta somente em sua 1ª parte.
(C) Correta somente em sua 2ª parte.
(D) Totalmente incorreta.
6. (Prefeitura de Nova Itaberaba/SC – Professor – OBJETIVA/2021) De acordo com Orientações e Ações
para a Educação das Relações Étnico-Raciais, analisar a sentença abaixo:
Além de um direito social, a educação tem sido entendida como um processo de desenvolvimento humano
(1ª parte).
Como expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a educação escolar corresponde a um espaço so-
ciocultural e institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura (2ª parte).
Ao localizar o conceito e o processo da educação no contexto das coletividades e pessoas negras e da rela-
ção dessas com os espaços sociais, torna-se imperativo o debate da educação a serviço da diversidade, tendo
como grande desafio a afirmação e a revitalização da autoimagem do povo negro (3ª parte).
A sentença está:

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(A) Totalmente correta.
(B) Correta somente em sua 2ª parte.
(C) Correta somente em suas 1ª e 2ª partes.
(D) Correta somente em suas 1ª e 3ª partes.
(E) Totalmente incorreta.
7. (Prefeitura de Timon/MA - Professor Educação Básica – NUCEPE/2020) “Superar as diversas formas de
expressão do racismo é um desafio que foi posto em pauta na vida dos (as) estudantes e docentes da escola
Prof. Ademar Nunes de Vasconcelos. Olhar para suas comunidades, valorizá-las e compreender que suas
ações estão ligadas às tradições quilombolas são os ganhos que se apresentam como resultados do projeto.
Com a autoestima fortalecida, os estudantes se apropriam da estética negra, o que se evidenciou no jeito de
arrumar os cabelos: “Os alunos passam a gostar de sua pretitude e seu apetite pelo saber aumenta, principal-
mente pelas coisas de África”, afirma o professor Vinícius”. (Disponível em: https://ceert.org.br/dialogando-pra-
ticas/pratica/vinicius?gclid= EAIaIQobChMI68vhoqzN5gIVjIiRCh1emgNCEAAYAiAAEgLhU_D_BwE).
O trecho acima destaca, especialmente, um aspecto das Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que é
(A) a valorização da diversidade, daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a popu-
lação brasileira.
(B) a orientação para as pessoas brancas sobre o discurso, a postura e o modo de tratar as pessoas negras.
(C) o reforço do mito da democracia racial na sociedade brasileira, segundo o qual os negros sofrem prejuízo
cultural.
(D) a divulgação de uma cultura uniforme, valorizando as diversas contribuições da cultura negra para a
identidade nacional.
(E) a reificação de grupos culturais igualmente homogêneos, fechados ou semifechados, num padrão multi-
cultural baseado na experiência norte-americana.
8. (Prefeitura de Belmonte/SC - Professor de Séries Iniciais – AMEOSC/2020) A legislação brasileira garan-
te autonomia para as escolas indígenas, comunitárias e quilombolas manterem suas tradições e identidades.
Nesse sentido, é correto a afirmar sobre o papel destas instituições:
(A) Introdução de novos saberes no cotidiano destas populações para ampliar seu conhecimento sobre o
mundo, seu ambiente natural e cultural, assim como novas práticas ambientalmente sustentáveis.
(B) Flexibilizar o calendário escolar, das rotinas e atividades, tendo em conta as diferenças relativas às ativi-
dades econômicas e culturais, mantido o total de horas anuais obrigatórias no currículo.
(C) Reafirmação do pertencimento étnico, no caso das comunidades quilombolas e dos povos indígenas,
mas adaptando paulatinamente sua língua materna às diretrizes nacionais, como elementos importantes de
construção da identidade.
(D) Trabalhar o reconhecimento dos limites de seus modos próprios de vida, suas culturas, tradições e me-
mórias coletivas, frente às necessidades de adaptarem ao mundo em transformação.
9. (IF/MT – Pedagogia – IF/MT/2018) A partir da instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais (2004), é necessário considerar:
(A) O compromisso de igual visibilidade à participação dos diferentes grupos e culturas que compõem a
população local.
(B) A elaboração e execução de políticas e práticas educacionais de âmbito regional.
(C) A implementação de uma política curricular nacional de educação para as relações étnico-raciais.
(D) A obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira apenas no sistema de ensino funda-
mental.
(E) A necessidade de estabelecer a inclusão do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira prioritariamen-
te no currículo do ensino médio.

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10. (Prefeitura de Itápolis/SP - Diretor de Escola – VUNESP/2016) O Parecer CNE/CP 03/2004 – Diretrizes
Curriculares Nacionais sobre Ed. das Relações Ético-Raciais – recomenda que o Estado e a Sociedade tomem
medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, polí-
ticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas
de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar
e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Propõe, também, que tais medidas se concretizem em
iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações.
Entre essas medidas, as políticas de reparações e de reconhecimento formarão programas de ações afir-
mativas, isto é, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, orientadas
para oferta de tratamento___________ com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas
por estrutura social excludente e discriminatória.
Assinale a alternativa que preenche, correta e respectivamente, a lacuna do texto.
(A) igualitário.
(B) neutro.
(C) diferenciado.
(D) imparcial.
(E) isento.
11. (Prefeitura de Petrópolis/RJ - Instrutuor de Libras – IBFC/2015) A demanda da comunidade afro-brasileira
por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser apoiada
por políticas de reparações voltadas para a educação dos negros que devem oferecer garantias de ingresso,
permanência e sucesso na educação escolar e de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro.
Nesse sentido, analise as afirmações seguintes e dê valores de Verdadeiro (V) ou Falso (F) em suas lacunas:
( ) O reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como a valo-
rização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira.
( ) O reconhecimento exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que des-
qualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente
violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierár-
quica e desigual.
( ) Reconhecer requer adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização, a fim
de contribuir com a diversidade e desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira, nos dife-
rentes níveis de ensino.
( ) Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra desen-
cadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade, desde as
formas individuais até as coletivas.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de cima para baixo:
(A) V, V, F, V.
(B) V, F, V, V.
(C) V, F, F, V.
(D) V, V, V, F.
12. (Prefeitura de Peruíbe/SP - Coordenador Pedagógico – VUNESP/2019) Sonia, ao estudar sobre currí-
culo, multiculturalismo, diversidade e igualdade étnico racial, reportou-se inicialmente à Lei nº 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN), artigos 26 e 26-A. No § 4º do art. 26, estabelece-se que o
ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação
do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia. De acordo com essa legislação,
os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras.

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O art. 26-A destaca que se torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, nos
estabelecimentos de
(A) educação infantil e de ensino fundamental públicos e privados.
(B) ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados.
(C) ensino fundamental e de ensino médio públicos.
(D) ensino fundamental, públicos e privados.
(E) ensino médio, públicos e privados.
13. (DEPEN – Pedagogia – CESPE/2013) A secretaria de educação de determinada unidade da federação
propôs, em 2013, a reorganização de seu sistema de ensino, de seriação para ciclos, e uma ampla reformula-
ção do currículo das escolas que compõem sua rede pública de ensino. Um texto básico em que se propunha a
reestruturação curricular foi apresentado às unidades escolares para que os professores pudessem apresentar
suas sugestões de alteração, supressão ou manutenção das concepções ou conteúdos nele expressos. Tais
propostas deveriam, posteriormente, ser validadas em plenárias locais e estadual.
Considerando essa situação hipotética, julgue os itens a seguir.
Considere que, ao analisarem os conteúdos sobre diversidade étnico-racial, os professores de determinada
escola da rede tenham sugerido a supressão desse conteúdo do currículo, por considerá-lo irrelevante. Consi-
dere, ainda, que tal sugestão tenha sido fundamentada na autonomia da escola para a formulação do currículo
e no desinteresse da comunidade pela temática. Nessa situação, deve-se acatar a sugestão proposta por essa
escola, dada a inexistência de instrumento legal que obrigue as escolas a trabalharem tal conteúdo
(....) Certo
(....) Errado
14. (Prefeitura de Governador Lindenberg/ES – Professor – IDCAP/2019) O Brasil é um país multiétnico e
pluricultural, portanto, todos devem ser incluídos, e ter garantido o direito de aprender e de desenvolver conhe-
cimentos, sem precisar negar a sua identidade, nem a sua ascendência étnico/racial. Uma análise cuidadosa
à luz “História e Cultura Afro Brasileira e Africana” permite afirmar que essa inclusão em prática de maneira
decidida e apropriada no cotidiano da vida escolar, certamente, estaremos trabalhando com indicadores da
qualidade da educação, considerando:
I. A pluralidade étnica.
II. As características regionais que fazem parte da realidade brasileira.
III. As discriminações socioeconômicas advindas da aculturação.
Está(ão) correta(s):
(A) I apenas.
(B) I e II apenas.
(C) III apenas.
(D) II e III apenas.
(E) I; II e III.
15. (IF/MT - Técnico em Assuntos Educacionais – IF/MT/2019) Para a efetivação da educação inclusiva, no
que se refere à educação das relações étnico-raciais, e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e afri-
cana (Resolução CNE/CP 1/2004), os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão:
(A) Reduzir o número de alunos afrodescendentes nos estabelecimentos de ensino que não contenham
instalações e equipamentos sólidos e atualizados ou em cursos ofertados na modalidade a distância, por essa
metodologia dificultar a formação de cidadãos conscientes da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil.
(B) Estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, institui-
ções formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasilei-
ros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos

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e projetos de ensino.
(C) Delegar o cumprimento da Resolução CNE/CP 1/2004 às instituições de pesquisa com vistas aos co-
nhecimentos afro-brasileiros e dos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases
teóricas para a educação brasileira.
(D) Garantir o direito de alunos afrodescendentes de frequentarem estabelecimentos de ensino de qualida-
de, que contenham instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados por professores
competentes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos com a educação de negros, sendo capazes
de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação.
(E) Optar, em cursos de bacharelado, pela inclusão, nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares,
da Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respei-
to aos afrodescendentes.
16. (Prefeitura de Campinas/SP - Professor – VUNESP/2019) Leia a afirmação presente nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana:
“A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação
Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professo-
res.”
Em relação à obrigatoriedade de inclusão do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos cur-
rículos da Educação Básica, pode-se afirmar corretamente:
(A) Entende-se que, ao garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar a história e a
cultura do Brasil, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à identidade e aos direitos dos
cidadãos brasileiros.
(B) Tem como pressuposto a não mudança de um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um
africano, mas ampliação do foco nos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica
brasileira.
(C) Assume a relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana como
pertinentes e restritos à população branca, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio
de uma sociedade multicultural.
(D) Busca-se a inclusão de conteúdos novos e diversificados e, na medida em que forem paulatinamente
assimilados, possibilitará o repensar das relações étnico-raciais e dos objetivos da educação oferecida pelas
escolas de Ensino Fundamental.
(E) Valoriza-se a oralidade, a corporeidade e a arte, por exemplo a dança, a culinária e as vestimentas, mar-
cas da cultura de raiz africana, em detrimento da literatura africana.

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Gabarito

1 D
2 D
3 A
4 D
5 C
6 A
7 A
8 B
9 C
10 C
11 A
12 B
13 ERRADO
14 B
15 B
16 B

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