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PARA A ATUAÇÃO
PROFISSIONAL
FRENTE A SITUAÇÕES
DE SUICÍDIO E
AUTOMUTILAÇÃO
Orientações para a atuação
profissional frente a situações
de suicídio e automutilação
BRASÍLIA
2020
XVI PLENÁRIO (2019-2022)
Diretoria
Conselheira presidenta Thessa Guimarães
Conselheira vice-presidenta Carolina Saraiva
Conselheiro tesoureiro Rafael Gonçalves de Santana e Silva
Conselheira secretária Sílvia Reis
www.crp-01.org.br
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C7554o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal.
Orientações para a atuação profissional frente a situações
de suicídio e automutilação / Organizado pela Comissão Especial
de Psicologia na Saúde do CRP 01/DF --. Brasília: CRP, 2020.
48p.: il.
CDU 159-027.561
Esta é uma publicação elaborada pelo Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal
(CRP 01/DF). A reprodução é autorizada, desde que citada a fonte.
Sumário
APRESENTAÇÃO 7
CONCLUSÃO 42
REFERÊNCIAS 43
Apresentação
O CONSELHO REGIONAL DE PSICOLO- objetiva orientar a atuação profissional
GIA DO DISTRITO FEDERAL (CRP 01/DF) frente a demandas de prevenção, cuida-
é uma das entidades regionais que, jun- do e notificação de situações que envol-
tamente com o Conselho Federal de Psi- vam risco de autoextermínio, com base
cologia (CFP), compõem o Sistema Conse- nos preceitos éticos e técnicos da profis-
lhos de Psicologia no Brasil. Trata-se de são e nas normativas vigentes.
uma autarquia pública que tem a respon- Para tanto, o Guia está organizado da
sabilidade de orientar, disciplinar e fisca- seguinte forma: no primeiro capítulo,
lizar nosso exercício profissional. apresentamos os conceitos centrais, que
Logo nos primeiros meses à frente da serão trabalhados ao longo de todo o ma-
gestão do CRP 01/DF, no final de 2019, terial. No segundo, situamos epidemiolo-
a Comissão Permanente de Orientação gicamente a questão do suicídio, relacio-
e Fiscalização (COF) sinalizou ao Plená- nando-a com questões de gênero, raça,
rio a intensa procura da categoria por classe e grupos etários, por exemplo. No
orientação sobre os procedimentos para terceiro capítulo, discutimos aspectos da
notificação compulsória de situações de psicodinâmica do suicídio, tais como as
violência, notadamente aquelas relacio- identidades, os comportamentos e as si-
nadas às tentativas de autoextermínio, tuações que podem aumentar as chances
mas principalmente sobre como proce- da ocorrência de um suicídio. Nos capítu-
der para prevenir e cuidar das pessoas los seguintes, buscamos discutir aspectos
nessas ocasiões. relacionados ao cuidado das pessoas: o
A Lei n° 13.819/2019 instituiu a Políti- que a Psicologia pode fazer e o papel dos
ca Nacional de Prevenção da Automutila- serviços e da sociedade.
ção e do Suicídio. Essa Lei amplia a noti- Desde o princípio nos orientou uma
ficação compulsória, além dos casos que preocupação de que a compreensão sobre
chegam nos serviços de saúde, para ca- esse fenômeno não fosse reduzida a um
sos que cheguem aos estabelecimentos determinismo biológico, processo que pa-
de ensino públicos e privados, e insere os tologiza, medicaliza e reduz a experiência
conselhos tutelares como órgãos a serem dos sujeitos, sem ofertar ferramentas para
comunicados. A Lei exige que estabeleci- a compreensão ou o cuidado com seu so-
mentos de saúde e de ensino, públicos e frimento. Compreendemos que a preven-
privados, informem e treinem seus pro- ção ao suicídio se faz com financiamento
fissionais. Portanto, a demanda por com- e fortalecimento da rede de atenção psi-
preender tal fenômeno é crescente. cossocial. O Sistema Único de Saúde é a
Nesse sentido, o CRP 01/DF, por meio nossa maior ferramenta de prevenção ao
da sua Comissão Especial de Psicologia na suicídio e de democratização do acesso à
Saúde, criou um grupo de trabalho (GT) saúde no Brasil. Este guia foi escrito por
composto por profissionais e especialis- pessoas que defendem e atuam no SUS.
tas que se debruçaram sobre a temática Com esta iniciativa, longe de pretender
no esforço de sistematizar e compartilhar esgotar todos os tópicos relacionados a um
sua experiência e conhecimento para li- assunto de tamanha complexidade, pre-
dar com os desafios impostos por estas tendemos dialogar com parte importante
situações. Assim, produzimos o material das demandas que se apresentam a nós,
que agora apresentamos. O guia “Orien- buscando favorecer uma atuação social-
tações para a atuação profissional frente mente comprometida, politicamente enga-
a situações de suicídio e automutilação” jada, ética e tecnicamente responsável.
Conceitos
Definindo os comportamentos
suicidas e automutilação
9
Epidemiologia
Identidades, comportamentos e situações
que aumentam as chances de suicídio
CASOS DE SUICÍDIO NO DF
Conforme dados do Plano Distrital de
Prevenção do Suicídio, as mortes por sui-
cídio no DF são a quinta mais frequente
entre as causas externas, atrás de homi-
cídios, acidentes de trânsito e quedas aci-
dentais. As causas externas são a tercei-
ra causa de morte mais frequente, atrás
apenas das doenças cardiovasculares e
neoplasias (SESDF, 2019).
Observando a série histórica é possível
notar um aumento gradual da mortalidade
por suicídio no DF entre 2015 e 2019. A fai-
xa etária e a relação entre gênero seguem
as tendências nacionais, com um aumento
de incidência a partir de 15 anos e maior
concentração de mortes por suicídio entre
20 e 50 anos de idade, com um maior aco-
EPIDEMIOLOGIA
13
GÊNERO
POPULAÇÃO LGBTI+
No Brasil, não é possível o levantamen- como as realizadas pelo Grupo Gay da
to de dados oficiais sobre a morte por Bahia (GGB). Pesquisas no cenário inter-
suicídio da população LGBTI+, uma vez nacional apontam uma frequência maior
que nos registros de óbito (declaração e de manifestação do comportamento sui-
atestado) não constam os itens de orien- cida entre a população sexo-gênero di-
tação sexual e identidade de gênero. Para versa, sobretudo entre a população trans
contornar essa negligência do Estado, es- (GRANT et al., 2010).
timativas são realizadas a partir do levan- Logo, no País que apresenta alarmantes
tamento de casos noticiados pela mídia, índices de violência LGBTI+fóbica, em pri-
meiro lugar no ranking de assassinatos à
população LGBTI+, é esperado que o sofri-
mento psíquico intenso dessa população
se reflita em um número elevado de casos
EPIDEMIOLOGIA
15
POPULAÇÃO INDÍGENA
Entre as populações mais atingidas cosmologias e sistemas de crença espe-
pelo suicídio estão os povos indígenas, cíficos. Muitos e muitas jovens indígenas
que têm apresentado as maiores taxas relatam sentimentos de não-pertenci-
de mortalidade por suicídio em diversos mento: por um lado, sofrem discrimina-
países como, por exemplo, entre as po- ção na cidade por serem indígenas; por
pulações nativas do Canadá, de Ilhéus outro, em suas aldeias, são criticados
no Pacífico Sul, Micronésia, Papua-No- pelos mais velhos em decorrência de há-
va Guiné, Austrália, entre outros (OLI- bitos da sociedade envolvente que incor-
VEIRA; LOTUFO NETO, 2003). Dados do poraram com o contato. Esse cenário nos
Ministério da Saúde mostram uma taxa coloca uma tarefa desafiadora: a necessi-
de mortalidade por suicídio entre povos dade de se desenvolver um diálogo inter-
indígenas no Brasil três vezes maior que cultural ao propor ações de acolhimento
a população em geral, e com maior inci- e suporte às experiências de sofrimentos
dência na faixa etária de dez a 19 anos. psicossocial de povos indígenas, que de-
Em contextos indígenas, lidamos com mandam reconhecimento e valorização
outras concepções de vida, de morte, das suas formas tradicionais de nomea-
de organização social e política, além de ção e de lidarem com suas experiências
relações de parentesco diferenciadas e de sofrer.
EPIDEMIOLOGIA
16
BAIXA ESCOLARIDADE
17
TRANSTORNOS MENTAIS E SOFRIMENTO PSÍQUICO PRÉVIO
Quadros de sofrimento psíquico gra- enorme desvantagem para a psiquiatria,
ve, descritos como “transtornos mentais” pois significa que todos os diagnósticos
e “transtornos de personalidade”, consti- hoje são baseados em julgamentos sub-
tuem importantes fatores associados ao jetivos, que são falíveis por natureza.
risco de suicídio. Os transtornos mentais Berenchtein Netto (2013) enfatiza que
são descritos, categorizados e estimulados o suicídio é um fenômeno complexo e
pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de multifatorial e que afirmações clássicas
Transtornos Mentais (DSM) e pelo Código contidas em manuais de saúde, como a
Internacional de Doenças (CID). Assim, a li- de que “90% dos casos há diagnóstico de
teratura especializada irá recorrer ao con- transtornos psiquiátricos”, reduzem o fe-
ceito de transtorno mental para afirmar, nômeno a uma explicação biologicista . É
por exemplo, que o risco de suicídio ao necessário um olhar crítico sobre a pro-
longo da vida em pessoas com transtornos dução desses dados. Os estudos sobre
do humor (principalmente depressão) é de prevalência de diagnóstico de transtorno
seis a 15%; com alcoolismo, de sete a 15%; e psiquiátrico utilizam muitas vezes a técni-
com esquizofrenia, de quatro a 10% (OMS, ca de autópsia psicológica. Nela, familia-
2000a). O transtorno de personalidade bor- res, amigos e profissionais de saúde são
derline está associado não só às tentativas entrevistados a fim de tentar traçar um
de suicídio, como também a outros com- perfil psicológico da pessoa que morreu
portamentos autolesivos. Tais dados indi- por suicídio, no momento da ocorrência
cam a importância da detecção, referencia- (WERLANG, 2012). Tal técnica pode trazer
mento e manejo dos transtornos mentais. dados enviesados sobre a percepção do
No entanto, as estratégias utilizadas sujeito por conta do seu falecimento.
para diagnosticar “transtornos mentais” Também é necessário que profissionais
e para tratá-los com psicotrópicos devem estejam alertas para os efeitos colaterais
ser feitas de maneira cautelosa e crítica. dos psicofármacos utilizados para o trata-
Allen Frances, psiquiatra e coordenador mento, quando são realizados esses diag-
do DSM IV, afirma em seu livro “Salvando nósticos. O aumento das chances de sui-
o normal” (ALLEN, 2016), que o aumento cídio é descrito como efeito de vários dos
de diagnósticos de transtornos mentais medicamentos mais consumidos no Brasil.
está engolindo a normalidade, que o sis- As reflexões sobre Uso Racional de Medica-
tema de diagnósticos é muito frouxo e mentos podem ajudar nessa tarefa.
que a ausência de testes biológicos é uma Saiba mais aqui.
EPIDEMIOLOGIA
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CONSUMO ABUSIVO DE DROGAS
Existem associações encontra-
das entre mortalidade por suicí-
dio e uso abusivo de álcool, bem
como sobre intoxicação por álco-
ol no momento da tentativa de
suicídio (REDDY, 2010).
No entanto, é importante não
atribuir restritamente como cau-
sa do comportamento o uso de
álcool e/ou outras drogas, visto
que o uso abusivo de substâncias
psicoativas muitas vezes encobre/
camufla conflitos emocionais e relacio- faz com que essas substâncias sejam co-
nais, que são aliviados e/ou tentam ser muns no contexto dos intentos suicidas.
resolvidos por meio do uso de substân- Deve-se ressaltar que o acesso a substân-
cias psicoativas (NEVES, 2004; RIBEIRO, et cias psicoativas pode representar um fator
al., 2016). Identifica-se ainda que o uso de de risco para pessoas com ideação suicida,
substâncias psicoativas atua como facili- o que deve ser levado em consideração no
tador da passagem ao ato suicida, o que cuidado ofertado a esses sujeitos.
21
Psicodinâmica
Características, sentimentos e
motivações do comportamento suicida
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TENTATIVAS CADA EFEITO CONTÁGIO
VEZ MAIS LETAIS De acordo com a literatura, e ainda se-
Ideações e tentativas de suicídio em gundo as recomendações da OMS, uma
geral aumentam de forma gradual. Por morte por suicídio pode acarretar um
isso, é importante atentar para tentati- surto, o que também é conhecido como
vas prévias, considerando-as como um “efeito contágio”. Em outras palavras, o
fator que demanda muita atenção para efeito contágio diz respeito a suicídios ou
a possibilidade de um indivíduo recorrer tentativas de suicídio no seio de um gru-
ao autoextermínio. Por isso, interven- po ou de uma comunidade, em um perí-
ções devem considerar nessas tentati- odo e em um espaço restritos, acarreta-
vas e ideações prévias: a impulsividade, dos por um primeiro evento. Em geral, o
o acesso aos meios letais, se foi uma imi- contágio se relaciona com a forma como
tação e se há presença de desesperan- uma morte voluntária é percebida pelas
ça na conduta, uma vez que a letalidade pessoas mais vulneráveis, sobretudo se
pode aumentar em cada tentativa (OMS, o método for conhecido ou se há ideali-
2014; SILVA, 2006). zação do ato (como nos casos em que a
pessoa que morreu é vista como alguém
que será lembrada e amada). Geralmen-
PROXIMIDADE E FACILIDADE te, em contextos indígenas, a notícia de
DE ACESSO AOS MEIOS um suicídio se espalha rapidamente, e
Segundo a OMS (2012), estratégias de quase todos os membros das comunida-
restrição aos meios de cometer suicídio, des tem acesso aos seus detalhes. Uma
como o controle de armas de fogo e do pessoa mais vulnerável a esse agravo, em
uso de agrotóxicos/pesticidas, reduzem posse dessas informações, pode enten-
as taxas de mortalidade por suicídio e der o ato como algo possível de ser re-
são recomendadas como políticas públi- alizado e, portanto, tentar concretizá-lo
cas de prevenção universal. Em relação também. Vale ainda ressaltar que, entre
ao acompanhamento de pessoas em os fatores de risco para suicídio, elenca-
risco, é fundamental que profissionais e dos pela OMS, estão o histórico de tenta-
familiares dificultem o acesso aos meios, tivas anteriores e a presença de suicídio
para que não estejam disponíveis no mo- no seio da família.
mento de crise. Além de armas de fogo e
agrotóxicos, é importante considerar me-
dicamentos, objetos perfurantes e gran-
des alturas.
PSICODINÂMICA
25
SOBREVIVENTES: LUTO E No caso de uma morte por suicídio,
ESTIGMA ENTRE FAMILIARES além dos desafios comuns aos luto, o so-
E PESSOAS PRÓXIMAS brevivente deve lidar com o sentimentos
que abarcam culpa, a raiva, o abandono e
Sobreviventes são pessoas que perde- julgamento. De tal modo, a literatura re-
ram alguém afetivamente próximo (como conhece os sobreviventes enquanto um
familiar ou amigo) por suicídio (CÂNDIDO, grupo especial de risco.
2011). O luto, de um modo geral, repre- Em relação ao manejo, é importante
senta um processo de transição psicosso- frisar que um dos principais fatores de
cial que se reflete em amplas e variadas risco para suicídio é a pessoa ter alguém
dimensões de nossas vidas. O conjunto próximo que tenha consumado o ato. As-
complexo de reações que se desenrolam sim, é fundamental que familiares e ami-
em função de uma perda significativa gos sejam acompanhados de perto, caso
pode nos lançar num estado de vulnera- haja um suicídio, de modo a evitar o efei-
bilidade e risco psicossociais severos. to contágio.
PSICODINÂMICA
26
O que profissionais
de psicologia
podem fazer
Estratégias e ferramentas de cuidado
30
vés das equipes do SUAS (Sistema Único
TRABALHO EM REDE de Assistência Social), no CRAS e CREAS
Deve-se partir de uma perspectiva am- (Centro de Referência em Assistência So-
pliada sobre a rede assistencial de cuida- cial e Centro de Referência Especializado
dos em saúde mental, tanto pelo fato de em Assistência Social) e com as Escolas,
se compreender que se deve oferecer Conselho Tutelar, etc. O Mapeamento da
atenção ao sofrimento de todo os usuá- Rede de Políticas Públicas presentes no
rios (não apenas daqueles diagnosticados território é um dos primeiros passos para
com transtornos psiquiátricos), quanto criar uma rede de suporte para as pró-
pela importância que se dá à integração prias equipes de saúde. Propõe-se que
das ações com os outros atores presentes as ações de cuidado ao comportamento
no território, sejam eles da saúde ou de suicida sejam dispositivos para integração
outros setores, destacando-se a constru- das ações de profissionais de saúde men-
ção das redes de cuidado intra e interseto- tal, que possam compartilhar responsabi-
rialmente como de relevância central. lidades no cuidado de pessoas vulneráveis
Enquanto serviço de saúde, a atuação ao suicídio. Essa corresponsabilização é
comunitária para promoção da saúde de extrema importância, justamente pelo
deve envolver a articulação intersetorial. fato de que o trabalho da profissional es-
Portanto, a equipe de saúde deve buscar pecializada possa não ser suficiente para
criar rede com seu território, seja atra- monitorar a ocorrência de novos casos.
O QUE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA PODEM FAZER
31
O papel dos serviços e
equipamentos para
o cuidado
HOSPITAIS GERAIS E
UNIDADES DE PRONTO
ATENDIMENTO
Nos hospitais gerais e nas unidades de
pronto atendimento (UPAs), é realizado o as equipes de profissionais da saúde es-
atendimento à necessidade clínica/cirúr- tejam preparadas para acolherem esses
gica e acolhimento da demanda emocio- pacientes e a/o psicóloga/o pode contri-
nal da pessoa que fez uma tentativa de buir para o desenvolvimento dessa com-
suicídio, notificação dos casos, avaliação petência. A alta hospitalar, idealmente,
do risco e definição do encaminhamento deve ser condicionada à uma avaliação
mais adequado a cada caso para conti- da equipe de saúde mental do hospital,
nuidade do cuidado. pois o risco de suicídio após uma tenta-
Muitas pessoas dão entrada em emer- tiva continua elevado e deve ser monito-
gências hospitalares em decorrência de rado por pelo menos um ano. O risco de
uma tentativa de suicídio. Normalmente, suicídio também deve ser acompanhado
em função da necessidade de liberação em pacientes internados, ou em acompa-
de leitos, são prestados os cuidados mé- nhamento ambulatorial, que apresentem
dicos e o paciente é liberado sem uma condições clínicas mais associadas ao ris-
avaliação e uma transição de cuidados co, como dor crônica e doenças limitan-
fundamentais para o atendimento das tes e/ou degenerativas.
demandas que culminaram naquela ten- Relação de UPAs do DF
32 tativa de suicídio. É muito importante que Relação de hospitais do DF
SERVIÇOS DE SOCORRO E CENTRO DE ATENÇÃO
ATENÇÃO PRÉ-HOSPITALAR: PSICOSSOCIAL (CAPS)
NUSAM/SAMU, CORPO DE Os centros de atenção psicossocial
BOMBEIROS, POLÍCIA MILITAR (CAPS) são serviços especializados de
saúde mental para atendimento de ca-
O Distrito Federal conta com Núcleo sos graves e persistentes, disponíveis à
de Saúde Mental no SAMU para atendi- população, sem necessidade de agen-
mento às urgências e emergências em damento prévio. Os CAPS são organi-
saúde mental, com orientações por tele- zados em modalidades conforme faixa
fone ou envio de equipes especializadas etária (CAPS infantojuvenil) e demandas
para o atendimento dos casos. É possível de atendimento (álcool e outras drogas
acessá-lo por meio do número 192 em - CAPS AD; e para transtornos mentais -
caso de risco iminente de uma tentativa CAPS II ou III, aberto 24h). Todos os ser-
de suicídio ou de tentativa de suicídio viços têm como critério de inclusão para
consumada, com necessidade de aten- atendimento o risco de suicídio ou tenta-
ção médica. Os serviços de urgência e tiva de suicídio recentes.
emergência são interligados e se houver
O PAPEL DOS SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS PARA O CUIDADO
sidência do/da paciente e conheça a sua nejamento mais adequado para cada caso.
equipe de Saúde da Família. Essa equipe É imp,ortante que a pessoa em sofrimento
terá condições de prestar o primeiro aten- encontre um ambiente acolhedor para suas
dimento, acompanhar os casos leves e mo- angústias e que possa falar abertamente
derados e encaminhar aqueles que preci- sobre seus sentimentos e pensamentos.
sarem para os serviços mais especializados. O comportamento suicida surge quan-
do a dor é insuportável, assim é preciso
NÚCLEOS AMPLIADOS DE que a pessoa tenha acesso a alternativas
SAÚDE DA FAMÍLIA (NASFS) para lidar com essa dor através da fala e
de outros recursos terapêuticos medica-
O NASF-AP (Núcleo Ampliado de Saúde
mentosos e não medicamentosos (medi-
da Família e Atenção Primária) é compos-
tação, exercício físico etc.).
to por profissionais das áreas de psicolo-
gia, fisioterapia, nutrição, saúde coletiva,
farmácia, terapia ocupacional, serviço so-
cial, entre outras.
Quando o suicídio já se deu no contexto
familiar, escolar, entre outros, uma estraté-
gia de posvenção precisa ser implementada.
A Equipe de Saúde da Família pode e deve
acompanhar e fornecer escuta qualificada
para a família que vivenciou a perda, grupos
de luto e de posvenção ao suicídio podem
34 ser construídos pelas equipes. O NASF-
-AP tem papel fundamental como articula-
na escola deve considerar o desenvolvi-
ESCOLAS E SETEMBRO mento de habilidades de escuta empática,
AMARELO o acolhimento das demandas emocionais
Uma parcela considerável das tenta- de estudantes e identificação precoce de
tivas de suicídio são de pessoas na faixa estudantes em risco. Veja algumas orien-
etária escolar. A escola, além de espaço tações para o Setembro Amarelo na Nota
de socialização e aprendizagem, deve ser Técnica emitida pela Diretoria de Serviços
também fonte de promoção de saúde e de Saúde Mental do DF (SESDF, 2020b).
cuidado. Nesse sentido, é importante que
todo o corpo docente esteja preparado
para identificar sinais nos adolescentes. O
bullying é um dos principais fatores asso- EXPERIÊNCIA EXITOSA
ciados ao risco de suicídio nessa faixa-etá- GESNER TEIXEIRA
ria. As vítimas sentem-se em estado cons- No âmbito do DF, uma experiência que
tante de pressão psicológica, com efeitos vale a pena conhecer, pois nos mostra
na autoestima que podem perdurar até a como é possível articular os setores da
idade adulta (BARBOSA et al., 2016). Com- educação e da saúde, é a do Centro
bater o bullying e outras violências, pro- Educacional Gesner Teixeira, escola
mover discussões sobre as dificuldades pública localizada no Gama.
emocionais e como enfrentá-las são de A partir da identificação da existência
responsabilidade das escolas. Programas de muitos casos, entre estudantes,
de desenvolvimento de habilidades socio- de automutilação e ideação suicida,
emocionais (como, por exemplo, o pro- a escola implementou rodas de
grama Amigos do Zippy) são ferramentas terapia comunitária e outras práticas
importantes para o fortalecimento emo- integrativas em saúde, tais como
cional na infância e adolescência e são reiki, automassagem e meditação
muito eficazes para a prevenção do com- no próprio ambiente escolar. Os
portamento suicida na juventude e na vida
O PAPEL DOS SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS PARA O CUIDADO
UNIDADES DE ATENDIMENTO
CRAS (Centro de Referência de Assistência Social);
CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social);
CENTRO POP (Centros de Referência Especializados para População em Situação de
Rua);
Centro-Dia de Referência para Pessoa com Deficiência e suas Famílias;
Unidades de acolhimento (Casa Lar, Abrigo Institucional, República, Residência
36 Inclusiva, Casa de Passagem).
Saiba mais clicando aqui e aqui.
O que a sociedade pode
fazer para proteger
PRECONCEITO E ESTIGMA
A sociedade procura evitar tocar na te-
mática do suicídio, comumente desquali-
ficando aqueles que idealizam e tentam,
favorecendo a estigmatização. Falar so-
COM O EXPOSTO até aqui, fica evidente bre suicídio é complexo e desafiador, ain-
que o cuidado em relação a comporta- da mais em culturas nas quais a morte é
mentos suicidas, assim como à saúde vista como assunto a ser evitado. Nesse
mental, relaciona-se com determinan- sentido, articular discussões sobre a mor-
tes que dizem respeito às condições de te autoinfligida em diferentes espaços
vida, renda, emprego, moradia, educa- sociais demanda paciência daqueles que
ção, cultura, raça. Neste capítulo, discu- estão promovendo a reflexão (WERLANG,
tiremos algumas ações que podem ser 2013). Na atualidade, a sociedade busca
O QUE A SOCIEDADE PODE FAZER PARA PROTEGER
tomadas pela sociedade como um todo prolongar a vida a qualquer custo, logo,
e o papel das principais políticas sociais é importante perceber como essa con-
brasileiras. cepção impacta na percepção do suicídio.
A seguir, apresentamos uma reflexão As concepções sociais e a forma como a
sobre preconceito e estigma, trazendo morte autoinfligida é retratada podem
elementos para a comunicação com a desqualificar aqueles que tentaram sui-
população, como nos debates de mitos cídio, promovendo uma culpabilização e
e verdades e de aspectos protetivos e estigmatização do indivíduo e seus fami-
estressores. Em continuidade indicamos liares (BERENCHTEIN NETTO, 2013).
alguns alertas que precisam ser segui- É importante buscar compreender as
dos pela mídia e nas redes sociais. Fina- motivações do ato, bem como contribuir
lizamos com uma reflexão sobre como com a conscientização geral das pessoas
as grandes questões políticas e econô- para minimizar o estigma do ato suicida,
micas afetam a saúde mental, com uma para que pessoas acometidas por idea-
reflexão sobre o neoliberalismo e seus ções suicidas possam compartilhar seus
efeitos na subjetividade, as políticas de pensamentos e sentimentos. Além disso,
austeridade fiscal e desigualdade social, é preciso enfatizar a oferta de um espaço
e sobre como defender os direitos e as de escuta para que as pessoas possam se
políticas sociais traz benefícios concre- sentir protegidas, acolhidas e compreen-
37 tos à vida em sociedade. didas, tornando a prevenção mais efetiva.
MITOS &
VERDADES
A estratégia de comunicação com a população em geral a partir
da reflexão sobre mitos e verdades costuma ser bem sucedida,
por dialogar com o conhecimento não-científico. Alguns mitos
historicamente repetidos, segundo o Conselho Federal de
Medicina (CFM, 2014), favorecem a manutenção do estigma:
2
É verdade que as pessoas que querem se suicidar não avisam?
Às vezes sim, às vezes não. As pessoas com comportamentos suicidas
frequentemente dão ampla indicação de sua intenção.
4
Uma vez suicida, sempre suicida?
Pensamentos suicidas podem retornar, mas eles não são permanentes
e em algumas pessoas eles podem nunca mais retornar.
O QUE A SOCIEDADE PODE FAZER PARA PROTEGER
6
manipular os outros?
A ameaça de suicídio deve ser sempre levada
a sério. Isso indica que a pessoa está
sofrendo e necessita de ajuda.
7 de coragem?
Nenhum dos dois. Na verdade, o que dirige
a ação de suicidar-se é uma dor psíquica
38 insuportável.
A prevenção ao suicídio pode começar
na família, seguido das escolas com
programas psicoeducativos, sendo
trabalhado com a comunidade
conjuntamente (WERLANG, 2013). É
importante a ampla divulgação sobre
fatores de risco e de proteção.
5
Contexto em que o indivíduo 4 e comunidades com estresse
emocional agudo;
está inserido;
financeiros;
Acompanhar indivíduos que
6 tentaram suicídio dentro dos
8
Solidão, desesperança e
autodepreciação.
serviços em rede;
7 Intervenções e programas de
capacitação em escolas para
promoção de habilidades emocionais;
transtornos mentais. Dessa forma, a divul- zação, que eram disparados sempre
gação deve ser uma oportunidade de falar que havia algum caso. Nos cards, as
abertamente sobre o assunto e promover mensagens eram “não publique fotos
maior conscientização da população. do falecido”, “não informe detalhes
Estudo com profissionais de saúde específicos do método utilizado”, “não
aponta que a publicização do suicídio de compartilhe cartas de suicídio”, “não
um paciente é fator estressor para os pro- procure um culpado”.
fissionais enlutados (LANDERS; O’BRIEN; Em cada uma das men-
PHELAN, 2010). Além disso, os efeitos da sagens eram oferecidos
publicização do suicídio de celebridades contatos de ajuda
têm implicações para a saúde mental si- para situações de
milares ao enlutamento por suicídio, es- crise. O comparti-
pecialmente entre adolescentes (CEREL lhamento de men-
et al., 2014). Recentemente houve a polê- sagens caiu sensi-
mica série 13 Reasons Why, que apresenta velmente, assim
o suicídio de uma adolescente dentro de como o suicídio
uma visão romanceada sobre a situação. A entre policiais
série recebeu diversas críticas e uma pes- militares.
quisa aponta que a série explorou o suicí-
dio de forma irreal, apelando para cenas
40
AUSTERIDADE FISCAL E que a lógica neoliberal pressupõe que as
relações sejam pautadas pelo hipercon-
DESIGUALDADE SOCIAL sumo e pela permanente competitivida-
No Brasil, um estudo do Instituto de de, observa-se, nas últimas décadas, um
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre prejuízo nos vínculos afetivos e uma in-
os determinantes econômicos do suicídio tensificação do sofrimento psíquico.
apontou que o aumento das desigualda- A saúde mental tem sido uma pauta
des está relacionado ao crescimento das importante justamente pela prevalência
taxas de suicídio no País (LOUREIRO; MEN- das demandas de vulnerabilização neste
DONÇA; SACHSIDA, 2010). Também foram campo, sendo o suicídio um preocupan-
encontradas relações entre políticas de te sintoma dessa realidade. O grande
austeridade e suicídio. As políticas de aus- aumento da epidemiologia do compor-
teridade levam a cortes nos investimentos tamento suicida nas últimas décadas se
públicos, em especial em políticas sociais relaciona com as mudanças culturais e
(ANTONAKAKIS; COLLINS, 2014). sociais ensejadas pelo neoliberalismo,
Em tempos de crise econômica, des- como o enaltecimento do individualismo,
monte e cortes das políticas sociais (com a midiatização da vida e a precarização
a Emenda Constitucional nº 95), ataques dos relacionamentos (BERARDI, 2015).
aos direitos trabalhistas e outras políticas
que aumentam a desigualdade social, é
fundamental que estejam bem estabe-
GARANTIA DE DIREITOS E
lecidos os efeitos dessas políticas para o POLÍTICAS SOCIAIS: O PAPEL
sofrimento dos sujeitos e o provável au- DO SUS, SUAS E EDUCAÇÃO
mento nos casos de suicídio. Para garantir saúde mental e prevenir o
suicídio é fundamental que os direitos so-
NEOLIBERALISMO E OS ciais sejam garantidos. Consta no art. 6º da
EFEITOS NA SUBJETIVIDADE Constituição Federal que são direitos so-
Na contemporaneidade, o cenário ciais a educação, a saúde, a alimentação, o
econômico mundial tem se construído trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
em concordância com a lógica neolibe- segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência
O QUE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA PODEM FAZER