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Havelock Ellis
3ª edição, 1927
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2012
Ficha técnica
CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO
A homossexualidade entre animais - Entre as raças inferiores de seres
humanos – Os albaneses - Os gregos - Os esquimós - As tribos do noroeste
dos Estados Unidos - A homossexualidade entre soldados na Europa - A
indiferença frequentemente manifestada pelas classes sociais mais baixas na
Europa - Inversão sexual em Roma - A homossexualidade nas prisões - Entre
homens de intelecto excecional e líderes morais - Muret - Miguel Ângelo -
Winkelmann - Homossexualidade na história inglesa - Walt Whitman -
Verlaine - Teoria climática da homossexualidade de Burton - O fator racial -
A prevalência atual da homossexualidade.
ÍNDICE DE AUTORES.
ÍNDICE DE TEMAS.
CAPÍTULO II. O ESTUDO DA INVERSÃO
SEXUAL
Westphal - Hössli - Casper - Ulrichs - Krafft-Ebing - Moll - Féré - Kiernan -
Lydston - Raffalovich - Edward Carpenter - Hirschfeld.
Westphal
Hössli
Westphal foi o primeiro a colocar o estudo de inversão sexual numa base que
possibilitava o progresso científico, mas já anteriormente outros haviam
abordado o tema. Em 1791, foram publicados dois casos2 de homens que
demonstravam atração emocional por pessoas do seu próprio sexo, embora
não fosse claro que se tratasse de inversão congénita. Em 1836, um escritor
suíço, Heinrich Hössli, publicou uma obra pouco clara, mas notável,
intitulada Eros, que continha muito material de valor literário sobre o
assunto. Ao que parece, foi incentivado a escrever este livro devido a um
julgamento que despertou grande atenção na época. Um homem de boa
posição assassinou inesperadamente um jovem e foi executado pelo crime
que, de acordo com Hössli, se deveu a amor e ciúme homossexual. Hössli
não era um cientista com formação académica; o seu negócio em Glarus era o
de chapeleiro, o mais hábil e famoso da cidade. Julga-se que o seu próprio
temperamento era bissexual. O seu livro foi proibido pelas autoridades locais
e, mais tarde, todos os exemplares que ainda restavam no armazém foram
destruídos num incêndio, pelo que a sua circulação total acabou por ser muito
reduzida. No entanto, o seu livro é agora considerado por alguns estudiosos
como a primeira tentativa séria de lidar com o problema da
homossexualidade, desde o Banquete de Platão.3
Casper
Ulrichs
Apesar de não ser um autor cujas observações psicológicas possam ter muito
peso científico, Ulrichs parece ter sido um homem de brilhante talento e diz-
se que o seu conhecimento tinha extensão quase universal. Não era apenas
versado nas suas especialidades (jurisprudência e teologia) mas em muitos
outros ramos das ciências naturais, bem como em arqueologia. Foi também
considerado por muitos como o melhor latinista do seu tempo. Em 1880,
deixou a Alemanha e estabeleceu-se em Nápoles e mais tarde, em Aquila, na
região de Abruzzi, onde publicou uma revista em latim. Morreu em 18955.
John Addington Symonds, que foi para Aquila em 1891, escreveu: "Ulrichs é
‘chrysostomos’ até o último grau, um verdadeiro doce e nobre cavalheiro,
um homem de génio. Foi, no seu tempo, um homem de singular distinção
pessoal, de tão fino recorte são os seus traços e tão sublimes as linhas do seu
crânio"6.
Durante anos Ulrichs lutou sozinho para obter reconhecimento científico para
a homossexualidade congénita. Cunhou o termo uraniano ou uranista
(numa alusão a Urano, no Banquete de Platão), que foi desde então
frequentemente usado para designar o amante homossexual e apelidou o
amante heterossexual de dionista (em referência a Dione). Considerou o
uranismo, o amor homossexual, como uma anormalidade congénita através
da qual a alma feminina se fundia no corpo masculino (anima muliebris in
corpore virili inclusa) e as suas especulações teóricas deram o tiro de partida
para diversas teorias semelhantes. Os seus escritos são notáveis a vários
níveis, embora não tenham tido influência científica marcante7 devido ao
excessivo entusiasmo, frequentemente polémico, de alguém que argumenta
pro domo.
Krafft-Ebing
De muito maior importância na história da teoria da inversão sexual foi o
trabalho de Richard von Krafft-Ebing (nasceu em Mannheim, em 1840 e
morreu em Graz, em 1902) que foi professor de psiquiatria na Universidade
de Viena durante muitos anos e um dos mais famosos alienistas do seu
tempo. Embora ainda ativo em todos os campos da psiquiatria e famoso como
autor de um livro de ensino muito conceituado, a partir de 1877 interessou-se
profundamente pela patologia do impulso sexual. O seu Psychopathia
Sexualis contem mais de 200 relatos não apenas de inversão sexual, mas de
todas as outras formas de perversão sexual. Por muitos anos foi o único livro
sobre o assunto e permaneceu por muito tempo o principal repositório de
casos reais. Teve muitas edições e foi traduzido em muitos países (existem
duas traduções em inglês), desfrutando de uma imensa, mas não inteiramente
desejada, popularidade.
Os métodos de Krafft-Ebing eram polémicos e objetáveis. Não possuía uma
mente rigorosamente crítica. Estava constantemente a publicar novas e cada
vez mais alargadas edições do seu livro, por vezes remodelando-o
completamente. Introduzia, com frequência, novas subdivisões na sua
classificação de perversões sexuais e embora a granularidade da sua
classificação tenha, sem dúvida, contribuído para dar precisão ao assunto e
permitido o progresso do seu estudo científico, nunca foi geralmente aceite.
O enorme valor de Krafft-Ebing estava no entusiasmo clínico com que
abordou o estudo das perversões sexuais. Acumulou um grande conjunto de
relatos detalhados, sem falsa vergonha e com a firme convicção de que estava
a desbravar um vasto campo negligenciado da psicologia mórbida que
pertencia mais adequadamente à medicina. A sua reputação fez com que
indivíduos sexualmente anormais de todo a parte da Alemanha lhe enviassem
as suas autobiografias, com a intenção de contribuir para ajudar os seus
companheiros de dor.
É como médico e não como psicólogo que devemos olhar para Krafft-Ebing.
No início da sua investigação, considerou a inversão como um sinal funcional
de degeneração, uma manifestação parcial de um estado neuropático e
psicopático que seria, na maioria dos casos, hereditário. Esta sexualidade
perversa apareceria espontaneamente com o desenvolvimento da vida sexual,
sem causas externas, como uma manifestação individual de uma alteração
anormal da vita sexualis e deveria ser considerada congénita; ou então
desenvolver-se-ia como resultado de influências prejudiciais específicas
sobre a sexualidade normal, pelo que deveria, neste caso, ser considerada
como adquirida. Krafft-Ebing acreditava que uma investigação cuidadosa
dos casos supostamente adquiridos indicaria que essa predisposição revelaria
uma homossexualidade latente ou, pelo menos bissexualidade, que para se
manifestar necessitaria de ser espoletada acidentalmente. Na última edição do
seu livro, Krafft-Ebing estava inclinado para considerar a inversão como
sendo, não tanto uma degeneração, mas uma variação, uma anomalia simples
e reconheceu que a sua opinião se aproximava assim da dos próprios
invertidos9.
Por altura da sua morte, Krafft-Ebing, que tinha começado por aceitar a
opinião prevalente entre os alienistas de que a homossexualidade é um sinal
de degeneração, adotou plenamente e colocou o selo da sua autoridade sobre
o ponto de vista, já expresso tanto por alguns cientistas como pelos próprios
invertidos, de que a inversão sexual deve ser considerada simplesmente como
uma anomalia, independentemente das diferenças de perspetiva em relação ao
valor dessa anomalia. Estava aberto o caminho para teorias como as de Freud
e da maioria dos psicanalistas da atualidade, que consideram normal a
existência de um certo grau de homossexualidade em todos os indivíduos,
teorias que tiveram profundo impacto na vida dos pacientes.
Moll
Kiernan - Lydston
Na América já se dava atenção a estes fenómenos desde há algum tempo.
Devemos mencionar especialmente J. G. Kiernan e G. Frank Lydston, que
apresentaram há cerca de 30 anos classificações muito práticas das
manifestações homossexuais10. Mais recentemente (1911), um autor norte-
americano, que escreveu com o pseudónimo de Xavier Mayne, publicou
privadamente uma extensa obra intitulada The Intersexes: A History of
Similisexualism as a Problem in Social Life, compilado a partir de diversas
fontes e escrito em linguagem acessível. De forma subjetiva e pouco
científica, este livro alega que as relações homossexuais são naturais,
necessárias e legítimas11.
Raffalovich
Em 1896, o livro mais completo até agora escrito sobre este assunto em
Inglaterra, foi publicado em francês pelo Sr. André Raffalovich (na
Bibliothèque De Criminologie de Lacassagne), com o título Uranisme et
Unisexualit". Este livro tratou principalmente da inversão congénita,
publicando novos casos, e demonstrando um muito amplo conhecimento
sobre a matéria. Raffalovich apresentou muitas reflexões justas e sagazes
sobre a natureza e o tratamento da inversão, bem como sobre a atitude da
sociedade em relação à sexualidade pervertida. As partes históricas do livro,
que são de especial interesse, tratam principalmente da prevalência notável da
inversão em Inglaterra, questão que havia sido negligenciada pela
investigação anterior. Raffalovich, cuja atitude é, em geral, mais filosófica
do que científica, considera a inversão congénita como um fator inevitável e
importante na vida humana mas, subscrevendo o ponto de vista da Igreja
Católica, condena toda a sexualidade, seja heterossexual ou homossexual e
insta os invertidos a reprimir as manifestações físicas do seu instinto e a
almejar o ideal da castidade. No seu conjunto, podemos dizer que este livro é
o trabalho de um pensador que chegou a conclusões por autorreflexão e os
seus resultados ostentam uma marca de originalidade e inovação.
Hirschfeld
Nos últimos anos, ninguém contribuiu tão amplamente para situar o nosso
conhecimento sobre a inversão sexual numa base sólida e precisa como o Dr.
Magnus Hirschfeld, de Berlim, que possui uma familiaridade inigualável
com todos os fenómenos relacionados com a homossexualidade. Estudou o
tema exaustivamente na Alemanha e, em certa medida, também noutros
países. Registou as histórias de mil invertidos; diz-se que se encontrou com
mais de dez mil homossexuais. Como editor do Jahrbuch für sexuelle
Zwischenstufen, que fundou em 1899, e autor de várias monografias
importantes (mais especialmente sobre os estágios de transição psíquicos e
físicos entre a masculinidade e a feminilidade), Hirschfeld tinha já
contribuído fortemente para o progresso da investigação neste campo antes
do aparecimento, em 1914, da sua grande obra, Die Homosexualität des
Mannes und des Weibes. Trata-se do maior, mais preciso, detalhado e
abrangente (mas também o mais condensado) trabalho que apareceu até agora
sobre o assunto. É, de fato, uma enciclopédia sobre a homossexualidade.
Hirschfeld tinha sido moldado para esta missão por muitos anos de atividade
árdua como médico, investigador, perito em medicina legal e presidente da
Wissenschaftlich-humanitären Komitee, que se dedica à defesa dos interesses
dos homossexuais na Alemanha. No livro de Hirschfeld a conceção
patológica da inversão desapareceu completamente. A homossexualidade é
considerada principalmente como um fenómeno biológico de extensão
universal e, secundariamente, como um fenómeno social de grande
importância. Não há nenhuma tentativa de inventar novas teorias; o grande
valor da obra de Hirschfeld reside, de fato, no seu esforço constante para não
se afastar da realidade concreta. É esta qualidade que torna o livro uma fonte
indispensável para todos aqueles que procuram informação esclarecida e
factual sobre esta questão.