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INVERSÃO SEXUAL

2. O Estudo da Inversão Sexual

Havelock Ellis
3ª edição, 1927

Tradução de João Máximo e Luís Chainho

INDEX ebooks
2012
Ficha técnica

Título original: Studies in the Psychology of Sex, volume 2: Sexual Inversion


(capítulo 2) Autor: Havelock Ellis 3ª edição, 1927

Título em português: Inversão Sexual, volume 1: Introdução Tradução e


revisão: João Máximo e Luís Chainho Versão 1.01 de 11 de Março de 2012
© João Máximo & Luís Chainho, 2012
INDEX ebooks www.indexebooks.pt
Lisboa, Portugal Mini-ebook em formato .mobi ISBN: 978-989-8575-12-8
(volume 2) ISBN: 978-989-97764-7-0 (obra completa)
Índice
INVERSÃO SEXUAL
2. O Estudo da Inversão Sexual
CONTEÚDO
CAPÍTULO II. O ESTUDO DA INVERSÃO SEXUAL
Westphal
Hössli
Casper
Ulrichs
Krafft-Ebing
Moll
Kiernan - Lydston
Symonds - Edward Carpenter
Raffalovich
Hirschfeld
CONTEÚDO

CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO
A homossexualidade entre animais - Entre as raças inferiores de seres
humanos – Os albaneses - Os gregos - Os esquimós - As tribos do noroeste
dos Estados Unidos - A homossexualidade entre soldados na Europa - A
indiferença frequentemente manifestada pelas classes sociais mais baixas na
Europa - Inversão sexual em Roma - A homossexualidade nas prisões - Entre
homens de intelecto excecional e líderes morais - Muret - Miguel Ângelo -
Winkelmann - Homossexualidade na história inglesa - Walt Whitman -
Verlaine - Teoria climática da homossexualidade de Burton - O fator racial -
A prevalência atual da homossexualidade.

CAPÍTULO II. O ESTUDO DA INVERSÃO SEXUAL.

Westphal - Hössli - Casper - Ulrichs - Krafft-Ebing - Moll - Féré - Kiernan -


Lydston - Raffalovich - Edward Carpenter - Hirschfeld.

CAPÍTULO III. INVERSÃO SEXUAL NOS HOMENS.

Estado relativamente indiferenciado do impulso sexual no início da vida – A


perspetiva freudiana - Homossexualidade nas escolas - A questão da
homossexualidade adquirida - Inversão latente - Inversão atrasada -
Bissexualidade – A questão da honestidade do invertido - Casos.

CAPÍTULO IV. INVERSÃO SEXUAL NAS MULHERES.

Prevalência da inversão sexual entre as mulheres - Entre as mulheres


talentosas - Entre as raças inferiores - Homossexualidade temporária nas
escolas, etc - Casos - Caraterísticas físicas e psíquicas das mulheres invertidas
- O desenvolvimento moderno da homossexualidade entre as mulheres.

CAPÍTULO V. A NATUREZA DA INVERSÃO SEXUAL.

Análise de casos - Raça - Hereditariedade - Saúde geral - Primeira


manifestação do impulso homossexual - Precocidade Sexual e Hiperestesia -
Influência e outros estímulos geradores de inversão - Masturbação - Atitude
para com as mulheres - Sonhos eróticos - Métodos de relacionamento sexual
- Atração pseudo-sexual - Anormalidades sexuais físicas - Aptidões artística e
outras - Atitude moral do invertido.

CAPÍTULO VI. A TEORIA DA INVERSÃO SEXUAL.

O que é Inversão Sexual? - Causas dos pontos de vista divergentes - A


invalidade da teoria da influência - Importância do elemento congénito na
inversão - A teoria freudiana - Hermafroditismo embrionário como uma
chave para a inversão - Inversão como uma variante ou como "desporto" -
Comparação com daltonismo, sinestesia e anormalidades similares - O que é
uma anormalidade? - Não necessariamente uma doença - Relação da inversão
com a degeneração - Estímulos causadores de inversão - Não operativo na
ausência de predisposição.

CAPÍTULO VII. CONCLUSÕES.

Prevenção da homossexualidade - A influência da Escola - Educação mista -


O tratamento da inversão sexual - Castração - Hipnotismo - Terapia de
associação - Psicanálise - Higiene mental e física - Casamento – Os filhos dos
invertidos - A atitude da Sociedade - O horror despertado pela
homossexualidade - Justiniano - O Código Napoleónico - O estado do Direito
na Europa de hoje - Alemanha - Inglaterra - Qual deverá ser a nossa atitude
em relação à homossexualidade?
APÊNDICE A. Homossexualidade entre vagabundos.

APÊNDICE B. As amizades de escola das raparigas.

ÍNDICE DE AUTORES.

ÍNDICE DE TEMAS.
CAPÍTULO II. O ESTUDO DA INVERSÃO
SEXUAL
Westphal - Hössli - Casper - Ulrichs - Krafft-Ebing - Moll - Féré - Kiernan -
Lydston - Raffalovich - Edward Carpenter - Hirschfeld.

Westphal

Pode dizer-se que Westphal, um eminente professor de psiquiatria de


Berlim, foi o primeiro a colocar o estudo de inversão sexual numa base
científica sólida. Em 1870, publicou no Archiv für Psychiatrie, do qual foi
editor durante muitos anos, a história detalhada de uma jovem mulher que
logo a partir dos seus primeiros anos de vida foi diferente das outras meninas:
gostava de se vestir como um rapaz, só participava em jogos de meninos e ao
crescer começou a sentir-se atraída sexualmente apenas por mulheres, com
quem formou uma série de relacionamentos ternos dos quais obtinha
gratificação sexual por carícias mútuas. Embora corasse e fosse tímida na
presença de outras mulheres, sobretudo se estivesse apaixonada por elas, foi
sempre absolutamente indiferente aos homens. Westphal (um aluno de
Griesinger), que já havia chamado a atenção para o caráter elevado que por
vezes possuíam os sujeitos desta perversão, combinou forte perspicácia
científica com um raro grau de simpatia pessoal para os que ficavam sob os
seus cuidados. Foi esta combinação de qualidades que lhe permitiu
compreender a verdadeira natureza de um caso como este, que a maioria dos
médicos da época teria apressadamente classificado como uma instância
vulgar de vício ou insanidade. Westphal compreendeu que esta alteração era
congénita e não adquirida, pelo que não podia ser um vício. Embora
Westphal observasse a presença de elementos neuróticos, nunca registou
nada que pudesse legitimamente ser classificado como insanidade. Deu a esta
condição o nome de sensibilidade sexual contrária (Konträre
Sexualempfindung), nome pelo qual foi durante muito tempo conhecida na
Alemanha. O caminho ficou assim desimpedido para um progresso rápido do
nosso conhecimento sobre este tipo de alterações. Foram publicados novos
casos em rápida sucessão, primeiro exclusivamente na Alemanha, sobretudo
no Archiv de Westphal, mas depois também noutros países, nomeadamente
em Itália e em França.1

Hössli

Westphal foi o primeiro a colocar o estudo de inversão sexual numa base que
possibilitava o progresso científico, mas já anteriormente outros haviam
abordado o tema. Em 1791, foram publicados dois casos2 de homens que
demonstravam atração emocional por pessoas do seu próprio sexo, embora
não fosse claro que se tratasse de inversão congénita. Em 1836, um escritor
suíço, Heinrich Hössli, publicou uma obra pouco clara, mas notável,
intitulada Eros, que continha muito material de valor literário sobre o
assunto. Ao que parece, foi incentivado a escrever este livro devido a um
julgamento que despertou grande atenção na época. Um homem de boa
posição assassinou inesperadamente um jovem e foi executado pelo crime
que, de acordo com Hössli, se deveu a amor e ciúme homossexual. Hössli
não era um cientista com formação académica; o seu negócio em Glarus era o
de chapeleiro, o mais hábil e famoso da cidade. Julga-se que o seu próprio
temperamento era bissexual. O seu livro foi proibido pelas autoridades locais
e, mais tarde, todos os exemplares que ainda restavam no armazém foram
destruídos num incêndio, pelo que a sua circulação total acabou por ser muito
reduzida. No entanto, o seu livro é agora considerado por alguns estudiosos
como a primeira tentativa séria de lidar com o problema da
homossexualidade, desde o Banquete de Platão.3

Casper

Alguns anos mais tarde, em 1852, Casper, o maior especialista médico-legal


do seu tempo na Alemanha (foi na Alemanha que foram estabelecidos os
fundamentos do estudo de inversão sexual) salientou na sua obra
Vierteljahrsschrift que a pederastia, no sentido lato da palavra, era por vezes
uma espécie de hermafroditismo moral devido a uma condição física
congénita e que não envolvia obrigatoriamente a sodomia (immissio penis in
anum). Casper apresentou uma quantidade considerável de provas valiosas
sobre estes eixos de reflexão, que foi o primeiro a descrever4, mas não
conseguiu entender o significado profundo das suas observações, pelo que
estas não tiveram influência imediata, apesar de Tardieu, em 1858, ter
admitido um elemento congénito em alguns pederastas.

Ulrichs

O homem que mais do que todos os outros contribuiu para esclarecer os


fenómenos da inversão sexual, nunca esteve envolvido nos aspetos médicos
ou criminais da questão. Karl Heinrich Ulrichs (nascido em 1825, perto de
Aurich), que durante muitos anos explicou e defendeu o amor homossexual e
cujos pontos de vista terão despertado a atenção de Westphal para o assunto,
era um assessor judicial de Hanover (Amtsassessor), ele próprio sexualmente
invertido. De 1864 em diante, inicialmente com o pseudónimo Numantius
Numa e posteriormente em seu próprio nome, Ulrichs publicou em várias
cidades da Alemanha uma longa série de trabalhos sobre o tema e fez várias
tentativas para obter uma revisão do quadro jurídico que enquadrava os
invertidos sexuais na Alemanha.

Apesar de não ser um autor cujas observações psicológicas possam ter muito
peso científico, Ulrichs parece ter sido um homem de brilhante talento e diz-
se que o seu conhecimento tinha extensão quase universal. Não era apenas
versado nas suas especialidades (jurisprudência e teologia) mas em muitos
outros ramos das ciências naturais, bem como em arqueologia. Foi também
considerado por muitos como o melhor latinista do seu tempo. Em 1880,
deixou a Alemanha e estabeleceu-se em Nápoles e mais tarde, em Aquila, na
região de Abruzzi, onde publicou uma revista em latim. Morreu em 18955.
John Addington Symonds, que foi para Aquila em 1891, escreveu: "Ulrichs é
‘chrysostomos’ até o último grau, um verdadeiro doce e nobre cavalheiro,
um homem de génio. Foi, no seu tempo, um homem de singular distinção
pessoal, de tão fino recorte são os seus traços e tão sublimes as linhas do seu
crânio"6.
Durante anos Ulrichs lutou sozinho para obter reconhecimento científico para
a homossexualidade congénita. Cunhou o termo uraniano ou uranista
(numa alusão a Urano, no Banquete de Platão), que foi desde então
frequentemente usado para designar o amante homossexual e apelidou o
amante heterossexual de dionista (em referência a Dione). Considerou o
uranismo, o amor homossexual, como uma anormalidade congénita através
da qual a alma feminina se fundia no corpo masculino (anima muliebris in
corpore virili inclusa) e as suas especulações teóricas deram o tiro de partida
para diversas teorias semelhantes. Os seus escritos são notáveis a vários
níveis, embora não tenham tido influência científica marcante7 devido ao
excessivo entusiasmo, frequentemente polémico, de alguém que argumenta
pro domo.

Esse privilégio estava reservado a Westphal. Depois de ter apontado o


caminho e de ter decido publicar sobre este tema na sua revista, surgiram
novos casos em sucessão rápida. Também em Itália, Ritti, Tamassia,
Lombroso e outros começaram a estudar estas matérias. Em 1882, Charcot e
Magnan publicaram no Archives De Neurologie o primeiro estudo
importante que apareceu em França sobre a questão da inversão sexual e das
perversões sexuais relacionadas. Consideravam a inversão sexual como um
episódio (síndrome) num processo mais importante de degeneração
hereditária e compararam-na com obsessões mórbidas como a dipsomania e a
cleptomania. De um ponto de vista médico-legal, o estudo da inversão sexual
em França foi prosseguido por Brouardel e ainda mais por Lacassagne, em
Lyon, cuja estimulante influência tem produzido resultados frutíferos na obra
de muitos alunos8.

Krafft-Ebing
De muito maior importância na história da teoria da inversão sexual foi o
trabalho de Richard von Krafft-Ebing (nasceu em Mannheim, em 1840 e
morreu em Graz, em 1902) que foi professor de psiquiatria na Universidade
de Viena durante muitos anos e um dos mais famosos alienistas do seu
tempo. Embora ainda ativo em todos os campos da psiquiatria e famoso como
autor de um livro de ensino muito conceituado, a partir de 1877 interessou-se
profundamente pela patologia do impulso sexual. O seu Psychopathia
Sexualis contem mais de 200 relatos não apenas de inversão sexual, mas de
todas as outras formas de perversão sexual. Por muitos anos foi o único livro
sobre o assunto e permaneceu por muito tempo o principal repositório de
casos reais. Teve muitas edições e foi traduzido em muitos países (existem
duas traduções em inglês), desfrutando de uma imensa, mas não inteiramente
desejada, popularidade.
Os métodos de Krafft-Ebing eram polémicos e objetáveis. Não possuía uma
mente rigorosamente crítica. Estava constantemente a publicar novas e cada
vez mais alargadas edições do seu livro, por vezes remodelando-o
completamente. Introduzia, com frequência, novas subdivisões na sua
classificação de perversões sexuais e embora a granularidade da sua
classificação tenha, sem dúvida, contribuído para dar precisão ao assunto e
permitido o progresso do seu estudo científico, nunca foi geralmente aceite.
O enorme valor de Krafft-Ebing estava no entusiasmo clínico com que
abordou o estudo das perversões sexuais. Acumulou um grande conjunto de
relatos detalhados, sem falsa vergonha e com a firme convicção de que estava
a desbravar um vasto campo negligenciado da psicologia mórbida que
pertencia mais adequadamente à medicina. A sua reputação fez com que
indivíduos sexualmente anormais de todo a parte da Alemanha lhe enviassem
as suas autobiografias, com a intenção de contribuir para ajudar os seus
companheiros de dor.
É como médico e não como psicólogo que devemos olhar para Krafft-Ebing.
No início da sua investigação, considerou a inversão como um sinal funcional
de degeneração, uma manifestação parcial de um estado neuropático e
psicopático que seria, na maioria dos casos, hereditário. Esta sexualidade
perversa apareceria espontaneamente com o desenvolvimento da vida sexual,
sem causas externas, como uma manifestação individual de uma alteração
anormal da vita sexualis e deveria ser considerada congénita; ou então
desenvolver-se-ia como resultado de influências prejudiciais específicas
sobre a sexualidade normal, pelo que deveria, neste caso, ser considerada
como adquirida. Krafft-Ebing acreditava que uma investigação cuidadosa
dos casos supostamente adquiridos indicaria que essa predisposição revelaria
uma homossexualidade latente ou, pelo menos bissexualidade, que para se
manifestar necessitaria de ser espoletada acidentalmente. Na última edição do
seu livro, Krafft-Ebing estava inclinado para considerar a inversão como
sendo, não tanto uma degeneração, mas uma variação, uma anomalia simples
e reconheceu que a sua opinião se aproximava assim da dos próprios
invertidos9.

Por altura da sua morte, Krafft-Ebing, que tinha começado por aceitar a
opinião prevalente entre os alienistas de que a homossexualidade é um sinal
de degeneração, adotou plenamente e colocou o selo da sua autoridade sobre
o ponto de vista, já expresso tanto por alguns cientistas como pelos próprios
invertidos, de que a inversão sexual deve ser considerada simplesmente como
uma anomalia, independentemente das diferenças de perspetiva em relação ao
valor dessa anomalia. Estava aberto o caminho para teorias como as de Freud
e da maioria dos psicanalistas da atualidade, que consideram normal a
existência de um certo grau de homossexualidade em todos os indivíduos,
teorias que tiveram profundo impacto na vida dos pacientes.

Moll

Em 1891, o Dr. Albert Moll, de Berlim, publicou o seu trabalho, Die


Konträre Sexualempfindung, que seria muito ampliado e revisto em edições
posteriores. Este livro substituiu rapidamente todos os anteriores pela sua
descrição abrangente e criteriosa da inversão sexual. Moll não se limitou a
apresentar novos conteúdos clínicos. Enfrentou o problema que agora era de
fundamental importância: a natureza e as causas da inversão sexual. Discutiu
os fenómenos mais como psicólogo do que como médico, tendo em conta
toda a extensão do problema, sendo profundamente crítico em relação a
opiniões estabelecidas, mas sendo sensato e cauteloso nas conclusões. Moll
dissipou vários preconceitos e superstições antigas que até mesmo Krafft-
Ebing, por vezes descuidadamente, repetira. Comungou da doutrina
geralmente aceite de que os invertidos pertencem normalmente a famílias em
que prevalecem vários distúrbios do sistema nervoso e mental mas
simultaneamente salientou que não é possível provar em todos os casos que
os indivíduos são portadores de um defeito neurótico hereditário. Também
rejeitou todas as classificações minuciosas da inversão sexual, reconhecendo
apenas o hermafroditismo psicossexual e a homossexualidade. Ao mesmo
tempo, lançou dúvidas sobre a existência da homossexualidade adquirida, em
sentido estrito, exceto em casos pontuais e ressaltou que quando o impulso
heterossexual normal surge na puberdade e o impulso homossexual mais
tarde pode acontecer, mesmo assim, que tenha sido o primeiro a ser adquirido
enquanto o último poderia ser inato.

Kiernan - Lydston
Na América já se dava atenção a estes fenómenos desde há algum tempo.
Devemos mencionar especialmente J. G. Kiernan e G. Frank Lydston, que
apresentaram há cerca de 30 anos classificações muito práticas das
manifestações homossexuais10. Mais recentemente (1911), um autor norte-
americano, que escreveu com o pseudónimo de Xavier Mayne, publicou
privadamente uma extensa obra intitulada The Intersexes: A History of
Similisexualism as a Problem in Social Life, compilado a partir de diversas
fontes e escrito em linguagem acessível. De forma subjetiva e pouco
científica, este livro alega que as relações homossexuais são naturais,
necessárias e legítimas11.

Symonds - Edward Carpenter

Em Inglaterra, as primeiras tentativas de tratar com seriedade o problema da


homossexualidade com uma perspetiva moderna foram tardias e só tiveram
publicação no estrangeiro ou em edições privadas. Em 1883, John
Addington Symonds publicou uma edição restrita da sua discussão sobre a
paiderastia na Grécia antiga, com o título A Problem in Greek Ethics e
também publicou em privado, em 1889-1890, A Problem of Modern Ethics:
Being an Enquiry into the Phenomena of Sexual Inversion. Em 1886, Sir
Richard Burton juntou à sua tradução de As Mil e Uma Noites, o seu
Terminal Essay sobre o mesmo assunto. Em 1894, Edward Carpenter
publicou privadamente em Manchester um panfleto intitulado Homogenic
Love, em que criticou várias teses correntes da psiquiatria sobre a inversão e
alegou que as leis do amor homossexual são semelhantes às do amor
heterossexual salientando, porém, que o primeiro possui uma aptidão especial
para ser exaltado a um nível mais elevado e mais espiritual de camaradagem,
desempenhando assim uma função social benéfica. Mais recentemente, em
1907, Edward Carpenter publicou um volume de artigos sobre a
homossexualidade e os seus problemas, com o título The Intermediate Sex e
mais tarde, em 1914, um estudo mais especializado sobre os invertidos na
religião primitiva e na guerra, que intitulou de Intermediate Types among
Primitive Folk.

Raffalovich
Em 1896, o livro mais completo até agora escrito sobre este assunto em
Inglaterra, foi publicado em francês pelo Sr. André Raffalovich (na
Bibliothèque De Criminologie de Lacassagne), com o título Uranisme et
Unisexualit". Este livro tratou principalmente da inversão congénita,
publicando novos casos, e demonstrando um muito amplo conhecimento
sobre a matéria. Raffalovich apresentou muitas reflexões justas e sagazes
sobre a natureza e o tratamento da inversão, bem como sobre a atitude da
sociedade em relação à sexualidade pervertida. As partes históricas do livro,
que são de especial interesse, tratam principalmente da prevalência notável da
inversão em Inglaterra, questão que havia sido negligenciada pela
investigação anterior. Raffalovich, cuja atitude é, em geral, mais filosófica
do que científica, considera a inversão congénita como um fator inevitável e
importante na vida humana mas, subscrevendo o ponto de vista da Igreja
Católica, condena toda a sexualidade, seja heterossexual ou homossexual e
insta os invertidos a reprimir as manifestações físicas do seu instinto e a
almejar o ideal da castidade. No seu conjunto, podemos dizer que este livro é
o trabalho de um pensador que chegou a conclusões por autorreflexão e os
seus resultados ostentam uma marca de originalidade e inovação.

Hirschfeld
Nos últimos anos, ninguém contribuiu tão amplamente para situar o nosso
conhecimento sobre a inversão sexual numa base sólida e precisa como o Dr.
Magnus Hirschfeld, de Berlim, que possui uma familiaridade inigualável
com todos os fenómenos relacionados com a homossexualidade. Estudou o
tema exaustivamente na Alemanha e, em certa medida, também noutros
países. Registou as histórias de mil invertidos; diz-se que se encontrou com
mais de dez mil homossexuais. Como editor do Jahrbuch für sexuelle
Zwischenstufen, que fundou em 1899, e autor de várias monografias
importantes (mais especialmente sobre os estágios de transição psíquicos e
físicos entre a masculinidade e a feminilidade), Hirschfeld tinha já
contribuído fortemente para o progresso da investigação neste campo antes
do aparecimento, em 1914, da sua grande obra, Die Homosexualität des
Mannes und des Weibes. Trata-se do maior, mais preciso, detalhado e
abrangente (mas também o mais condensado) trabalho que apareceu até agora
sobre o assunto. É, de fato, uma enciclopédia sobre a homossexualidade.
Hirschfeld tinha sido moldado para esta missão por muitos anos de atividade
árdua como médico, investigador, perito em medicina legal e presidente da
Wissenschaftlich-humanitären Komitee, que se dedica à defesa dos interesses
dos homossexuais na Alemanha. No livro de Hirschfeld a conceção
patológica da inversão desapareceu completamente. A homossexualidade é
considerada principalmente como um fenómeno biológico de extensão
universal e, secundariamente, como um fenómeno social de grande
importância. Não há nenhuma tentativa de inventar novas teorias; o grande
valor da obra de Hirschfeld reside, de fato, no seu esforço constante para não
se afastar da realidade concreta. É esta qualidade que torna o livro uma fonte
indispensável para todos aqueles que procuram informação esclarecida e
factual sobre esta questão.

A própria existência de um tal tratado, como este de Hirschfeld, é suficiente


para ilustrar o forte ritmo de expansão da investigação sobre esta matéria. Há
alguns anos, por exemplo, quando o Dr. Paul Moreau escreveu as suas
Aberrations du Sens Génésique, a própria expressão inversão sexual quase
não existia. Era vista como um vício repugnante e inominável, para ser tocada
apenas com pinças, muito rapidamente e com muita precaução. Atualmente é
considerado um problema psicológico e médico-legal, com tanto interesse
que não precisamos ter medo de o estudar, e tão relevante socialmente na
atualidade que somos obrigados a estudá-lo.

1 Em Inglaterra, a aberração do instinto sexual, ou a tendência dos homens


para as ocupações femininas e das mulheres para ocupações masculinas, tinha
sido referido no Medical Times Gazette, 09 de fevereiro de 1867, Sir G.
Savage descreveu pela primeira vez um caso de perversão sexual no Journal
of Mental Science, vol. XXX, outubro de 1884.
2 Moritz, Magazin für Erfahrungsseelenkunde, Berlim, Bd. VIII.
3 Um relato completo e interessante de Hössli e do seu livro é dado por
Karsch no Jahrbuch für sexuelle Zwischenstufen, Bd. V, 1903, pp. 449-556.
4 Eugen Dühren (Iwan Bloch) observa, no entanto (Neue Forschungen über
den Marquês de Sade und seine Zeit, p. 436), que Sade na sua Aline et
Valcour parece reconhecer que a inversão é, por vezes, inata ou pelo menos
natural e apta a desenvolver-se em idades muito precoces, apesar de todos os
incitamentos para uma atitude normal. "E se esta inclinação não fosse
natural", nas palavras de Sade ditas pela boca de Sarmiento, "seria a sua
impressão recebida na infância?... Vamos estudar melhor esta Natureza
indulgente antes de ousar fixar-lhe limites." Ainda antes, em 1676 (como
Schouten tinha indicado em Sexual-Probleme, janeiro de 1910, p. 66), um
padre italiano chamado Carretto reconheceu que as tendências homossexuais
são inatas.
5 Por alguma informação sobre Ulrichs, ver Jahrbuch für sexuelle
Zwischenstufen, Bd. I, 1899, p. 36.
6 Horácio Brown, John Addington Symonds, a Biography, vol. II, p. 344.
7 Ulrichs quase chegou a afirmar que tanto o amor homossexual, como o
amor heterossexual são igualmente normais e saudáveis; esta tese tem sido,
entretanto, discutida mais recentemente.
8 Devemos fazer uma menção especial a L'Inversion Sexuelle, um vasto e
abrangente livro, embora por vezes acrítico, escrito pelo Dr. J. Chevalier,
publicado em 1893, e a Perversion et Perversité Sexuelles do Dr. Saint-Paul,
sob pseudónimo de "Dr. Laupts", publicado em 1896 e republicado em
versão alargada sob o título de L'Homosexualité et les Types Homosexuels,
em 1910.
9 Krafft-Ebing apresenta as suas opiniões mais recentes num artigo lido ante
o Congresso Médico Internacional, em Paris, em 1900 (Comptes-rendus,
Section de Psychiatrie, pp. 421, 462; e também em contribuições para o
Jahrbuch Für sexuelle Zwischenstufen, Bd. III, 1901).
10 Kiernan, Detroit Lancet, 1884, Alienist and Neurologist, abril de 1891;
Lydston, Philadelphia Medical and Surgical Reporter, 7 de setembro de
1889, e Addresses and Essays de 1892.
11 Um resumo das conclusões deste livro, do qual apenas foram publicados
alguns exemplares, pode ser encontrado em Vierteljahrsberichte de
Hirschfeld, outubro de 1911, pp. 78-91.

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