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PROJETO E CONSTRUÇÃO DE

MÁQUINAS
MARCO STIPKOVIC FILHO
,

6 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO

Apresentação

Caro estudante, você sabia que são enquadrados como sistemas de transmissão os projetos
mecânicos que se utilizam de pares engrenados, transmissão por correias, por correntes e até
por atrito? A Figura 6.1 ilustra algumas dessas aplicações.

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.1 – Ilustrações de transmissões por polias, correntes e engrenagens.

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,

O projeto de um sistema de transmissão exige um conhecimento preciso das


condições de cargas atuantes e de funcionamento, ou ainda, da operação. Serão
sempre necessários dados suficientes para a determinação das principais dimensões
envolvidas no projeto em função da potência transferida, das rotações e das relações
de transmissão estabelecidas.

É possível encontrar, na literatura específica, dados práticos, vinculados à potência


transmissível, para uma primeira estimativa de uso de engrenagens, polias ou
correntes.

As transmissões por engrenagens são as mais frequentemente utilizadas. Distinguem-


se por engrenagens cilíndricas ou helicoidais, engrenagens cônicas e pares coroa/sem
fim, apresentando-se com eixos paralelos, reversos ou concorrentes. Ressalte-se
também que possuem um custo superior aos outros tipos de transmissão.

A Figura 6.2 ilustra esses diferentes tipos de transmissões engrenadas.

Fonte: Stipkovic (2017, p. 3-5).

Figura 6.2 – Diferentes tipos de pares engrenados.

Transmissão por correias, por sua vez, são utilizadas tanto para eixos paralelos ou
reversos. Apresentam-se bem para absorção de choques e com um funcionamento

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,

silencioso confrontado com os outros tipos de transmissão, além do que com custos
inferiores. Para a transmissão, utilizam-se correias planas, correias em V e correias
dentadas padronizadas.

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.2 – Tipos de correias.

As transmissões por correntes são concebidas com eixos paralelos, quando no projeto
forem necessárias maiores distâncias entre eixos, diferente do que ocorre em pares
engrenados. Como grande vantagem no seu uso em projetos é o fato de inexistência
do fenômeno de escorregamento que, normalmente, ocorre entre os flancos do
dentado de engrenagens e entre polias e correias. A Figura 6.3 ilustra a corrente de
rolo com principais dimensões e componentes.

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.3 – Corrente de rolo.

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6.1 Engrenagens

As engrenagens cilíndricas podem ser montadas com um ou mais pares engrenados. A


relação de transmissão máxima por par não deve exceder a relação 1:7,1. Podem
transmitir potências da ordem de 20 CV a 25.000 CV, com velocidades tangenciais de
até 200 m/seg e apresentam altos rendimentos na faixa de 90%.

As engrenagens cônicas são empregadas nos casos de necessidade de cruzamento de


eixos. Atingem relações de multiplicação de até 1:6. Às vezes, são montadas em
sistemas engrenados com outros pares de engrenagens cilíndricas.

Para melhorar a capacidade de carga e, ainda, o rendimento, atenuando o problema


de ruído, utilizam-se dentes espirais ou hipoidais. Têm rendimentos similares aos das
engrenagens cilíndricas.

As transmissões coroa/sem fim são empregadas, para um único par, com relações de
transmissão variando de 1:10 até 1:100.

Apresentam baixo rendimento, variando de 45% até 85%. Podem transmitir potências
de até 1000 CV e com velocidades tangenciais máximas de 60 m/seg a 80 m/seg
aproximadamente.

6.1.1 Lei fundamental do engrenamento

Para que o engrenamento seja perfeito, é necessário que não haja choque entre os
dentes e que a relação de transmissão permaneça constante. A Figura 6.4 mostra uma
roda motora em contato com um dente da roda movida no ponto C’.

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Fonte: Stipkovic (2017, p. 6).

Figura 6.4 – Um par de dentes engrenados.

Para que a transmissão por engrenagens se efetue com relação de multiplicação


constante, é necessário que a perpendicular às curvas dos perfis dos dentes em
contato (reta NN), traçada pelo ponto de contato, passe pelo ponto de tangência das
circunferências primitivas.

Conclui-se, portanto, que a relação de multiplicação i pode ser expressa por:

A fim de que a lei fundamental seja verdadeira, é importante utilizar curvas a


evolvente para os perfis geométricos dos dentes. A Figura 6.5 representa o traçado da
curva evolvente. A curva evolvente é, na maioria dos casos, utilizada para definição do
perfil dos dentes e apresenta a grande vantagem de ser insensível à variação de centro
a centro do par engrenado.

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,

Fonte: Niemann (1971, v. II, p. 114).

Figura 6.5 – Traçado da curva evolvente.

6.1.2 Grau de recobrimento

O grau de recobrimento é o número que determina quantos pares de dentes se


encontram engrenados simultaneamente. Utilizando-se a Figura 6.6, o grau de
recobrimento é dado pela expressão (E1 E2 representam a reta traçada pelo ponto

de contato e passando pelo ponto de tangência das circunferências primitivas; te é o


passo do engrenamento):

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,

Fonte: Stipkovic (2017, p. 16).

Figura 6.6 ̶ Grau de recobrimento.

Esse valor do grau de recobrimento para engrenamento normal, é expresso por:

6.1.3 Interferência de dentes

Em determinadas condições, pode acontecer que o perfil da curvatura a evolvente


ultrapasse o círculo de base e venha gerar uma interferência, ou seja, morder o dente
da engrenagem adjacente. Essa condição de interferência poderá ser evitada,
utilizando-se a Figura 6.6, impondo que o valor de rk seja expresso por:

8
,

Uma outra maneira de se evitar interferência é com o recurso de engrenagens com


dentes corrigidos.

6.2 Engrenagens cilíndricas de dentes retos

6.2.1 Características geométricas

As características geométricas das engrenagens cilíndricas de dentes retos estão


representadas pela Figura 6.7.

Fonte: Stipkovic (2017, p. 10).

Figura 6.7 – Engrenagem cilíndrica de dentes retos.

9
,

10
,

Fonte: Stipkovic (2017, p. 10-11).

Figura 6.8 – Quadro de dados geométricos de engrenagens cilíndricas de dentes retos.

6.2.2 Forças no engrenamento


No dentado a evolvente, decompondo-se a força PN, cuja direção forma com a
tangente às circunferências primitivas o ângulo de engrenamento (ângulo de pressão),
em duas componentes, uma tangencial Pu e outra radial Pr, passando ambas pelo

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,

ponto C, somente a componente tangencial Pu transmitirá força e momento aos eixos.


A Figura 6.9 mostra a distribuição dos esforços em par engrenado.

Fonte: Stipkovic (2017, p. 16).

Figura 6.9 – Distribuição de esforços em par engrenado.


Estabelecendo:

Resultará nas seguintes expressões:

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,

6.2.3 Distribuição de esforços de engrenamento sobre eixos e mancais


A Figura 6.10 ilustra a distribuição de esforços sobre os eixos de um par de
engrenagens cilíndricas de dentes retos.

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,

Fonte: Stipkovic (2017, p. 17).

Figura 6.10 – Distribuição de esforços num par de engrenagens cilíndricas reta.

Os valores serão dados pelas expressões:

6.3 Dimensionamento de engrenagens cilíndricas de dentes retos

São utilizados dois critérios principais de dimensionamento de engrenagens cilíndricas:


os critérios de resistência e o de pressão.

6.3.1 Critério de resistência

O esforço normal PN que atua na linha de engrenamento determinará na seção


engastada AB do dente da coroa, esforços fletores e cortantes devido à ação da
componente PH e esforços de compressão devido à ação da componente radial P R,
como ilustra a Figura 6.11.

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,

Fonte: Stipkovic (2017, p. 29).

Figura 6.11 – Diagramas fletores e de compressão.

Observa-se pela Figura 6.11 que o esforço PN normal aplica-se ao vértice do dente,
início do engrenamento, com o propósito de determinar os maiores esforços possíveis.
A componente PH, por sua vez, aplica-se no ponto extremo da parábola de igual
resistência a uma distância (h) do engastamento de dente da coroa (seção AB),
gerando um diagrama fletor. O esforço cortante representado pela componente P H
será desprezado nessa análise.

Dessas considerações, resultará uma expressão final que permitirá determinar a


tensão máxima resultante

15
,

Essa tensão máxima deverá ser menor ou igual à tensão admissível do material da
engrenagem.

b = largura da engrenagem

m = módulo normalizado da engrenagem

Observar que: Kp/cm² corresponde a Kgf/cm²

Com um fator de carga e = 0,8 para incidência de cargas máximas de atuação contínua,
e para pouco uso e pequena incidência de cargas máximas, e = 1,50.

Os valores correspondentes aos fatores de forma (q) para ângulo de pressão = 20o,

sem correção, estão representados pelo quadro da Figura 6.12.

Fonte: Stipkovic (2017, p. 31).

Figura 6.12 – Fator de carga (q).

6.3.2 Critério de pressão

Esse critério leva em conta a pressão máxima determinada no contato entre os flancos
dos dentes de um par de engrenagens e, ainda, sua duração ou sua vida expressa em
horas efetivas de trabalho. Para um melhor entendimento, a Figura 6.13 ilustrará
detalhes.

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,

Fonte: Stipkovic (2017, p. 24).

Figura 6.13 – Pressão máxima de contato entre flancos de dentes.

Utilizando-se a formulação de Hertz, chega-se finalmente a uma expressão final


(b.dp1²)(cm³) que representa exatamente o volume aproximado do pinhão
(engrenagem 1) capaz de transmitir uma potência N (CV), suportando um pressão
admissível K1 adm (Kp/cm²).

Onde:
b = largura da engrenagem(cm)
dp1 = diâmetro do pinhão (cm)
Mt1 = momento torçor aplicado (Kp.cm) equivale a (Kgf.cm)
p1(2) adm. = pressão admissível do material das engrenagens (Kp/cm²) equivale a
(Kgf/cm²)
i = relação de transmissão

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,

f = fator dado em função dos módulos de elasticidade dos materiais envolvidos

Esses fatores f estão representados pelo quadro da Figura 6.14.

Fonte: Stipkovic (2017, p. 27).

Figura 6.14 – Valores de f para ângulos de pressão de 20o.

6.4 Transmissão por correias

Para o caso de transmissão por correias, optou-se por correias trapezoidais ou em V.


As transmissões por correias trapezoidais garantem transmissões com custos mais
baixos, a transmissão de potência para grandes distâncias entre centros, apresentam
baixo nível de vibrações, não requerem lubrificação, possuem fácil manutenção e, para
o seu processo de seleção, é conveniente recorrer aos catálogos de fabricantes.

Como aspectos negativos, pode-se citar o fato de apresentar escorregamentos na


transmissão, uma vida limitada, acaba induzindo esforços nos mancais, mesmo quando
em repouso o sistema de transmissão, motivada pela pré-tensão existente no lado da
correia tensionada e, ainda, exige constantes ajustes da distância entre centros. Esses
ajustes são normalmente exercidos por esticadores. A Figura 6.15 ilustra montagens
com incorporação de esticadores de correias.

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,

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.15 – Transmissões com correias trapezoidais com esticadores.

A polia montada na ponta de eixo do motor é chamada de polia motora ou motriz e a


outra é chamada de polia movida.

Nos casos mais comuns, essas transmissões apresentam-se com eixos paralelos, como
mostra a Figura 6.16.

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,

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.16 – Esquema de transmissão por correias trapezoidais.

Onde na Figura 6.16:

d = diâmetro nominal da polia menor (mm) (r=D/2)

D = diâmetro nominal da polia maior (mm) (R=D/2)

C = distância entre centros das polias (mm)

1 = ângulo de abraçamento da polia menor (radianos)

2 = ângulo de abraçamento da polia maior (radianos)

1= ( -2 ) e = ( +2 )

com sen = D-d/2C

O cálculo da distância entre centro C é função da relação de transmissão i entre as


polias.

Quando o valor da relação de transmissão for:

20
,

I D/d 3, resultará numa distância C = 3d + D/2

E, quando D/d 3, o valor de C deverá ser maior ou igual ao diâmetro D da polia

maior.

Com auxílio da Figura 6.17, pode-se equacionar o sistema da transmissão.

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.17 – Componentes de transmissão.

Onde na Figura 6.17:

T1 = força de tração no ramo mais tracionado (N)

T2 = força de tração no ramo menos tracionado (N)

S = área da seção transversal da correia (m²)

= coeficiente de atrito entre correia e polia (normalmente = 0,25)

V = velocidade da correia (m/s) [v = d.n/60]

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= ângulo dos canais das polias onde se aloja a correia trapezoidal (36 – 40o)

m = massa da correia por unidade de comprimento (Kg/m): m = .S

= densidade do material da correia em Kg/m³

d = diâmetro da polia (mm)

n = rotação (RPM)

Sendo a força de atrito da polia sobre a correia igual a dN e a força centrífuga dFc e

considerando que o elemento de correia é um corpo livre em equilíbrio, a soma das


forças em qualquer direção é nula, ou seja:

Fazendo dN = dT/ e desprezando as diferenciais de segunda ordem, chega-se à

relação:

E, integrando, resulta em:

22
,

Para, finalmente, obter-se uma expressão final dada por:

Na prática, desprezando-se a força centrífuga e o efeito de cunha, vem:

O torque na polia motora em Nm é calculado pela seguinte expressão:

Mt = (T1-T2).d/2

E a potência transmitida: P = (T1-T2).V

6.5 Transmissão por corrente de rolos


A transmissão por correntes de rolos caracteriza-se por representar um recurso
eficiente na transmissão de potência, assegurando um rendimento de até 98% em
condições perfeitas de operação, com uma relação de velocidade constante entre as
engrenagens motriz e movida.

Apresenta bons resultados, quando se tem necessidade de transmissão de força em


lugares de difícil acesso, em grandes distâncias entre centros e em condições
desfavoráveis na presença de poeiras e abrasão.

Com referência às correntes, sob o aspecto de fabricação, estas devem atender a


norma internacional ISO R/606, concebidas na forma de correntes simples, duplas e
triplas como mostrado na Figura 6.18.

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,

Fonte: Catálogo de fabricante de correntes da Cerello.

Figura 6.18 – Correntes de rolos simples, duplas e triplas.

Um detalhamento desse do tipo simples de corrente está ilustrado na Figura 6.19

.
Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.19 – Detalhe construtivo de corrente de rolo simples.

Convém também apresentar na Figura 6.20 a Norma DIN que especifica detalhes que
envolvem dados geométricos das correntes de simples de rolos.

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,

Figura 6.20 – Dados geométricos segundo norma DIN 8188.

As engrenagens de corrente devem respeitar determinadas dimensões, algumas


relativas às necessidades geométricas e outras baseadas em experiências. Na Figura
6.21 é mostrado como deve ser o acoplamento entre a engrenagem menor (pinhão) e
a corrente, sendo que a terminologia mais comum indica as principais dimensões,
além do passo e do número de dentes Zd.

A relação de transmissão é dada pela relação:

ND/Nd = dp/Dp = Zd/ZD

Onde:

ND = rotação da engrenagem de corrente maior (RPM)

Nd = rotação do pinhão (RPM)

Dp = diâmetro da engrenagem de corrente maior (mm)

dp = diâmetro do pinhão (mm)

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ZD = nº de dentes da engrenagem maior

Zd = nº de dentes do pinhão

Fonte: STIPKOVIC. Anotações de construção de máquinas, 2019.

Figura 6.21 – Geometria do par pinhão/corrente.

O diâmetro primitivo de uma engrenagem de corrente de Z dentes é dado por:

d= (mm)

e a velocidade V, por:

V= (m/s)

Com a velocidade V definida e o valor da força tangencial F que traciona o sistema,


chega-se à potência do sistema, através da relação:

P = V.F (Nm/s)

Conclusão

Caro estudante, de acordo com todas as informações relatadas sobre transmissões,


envolvendo engrenagens, polias e correntes, conclui-se a existência de recursos

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,

suficientes para um desempenho eficiente, por parte de um projetista, na área em


questão. Independentemente dessas considerações, é sempre importante que o
engenheiro mecânico, para tomada de decisões, faça sempre uma análise crítica que
envolva seriamente um compromisso com as condições de natureza social, ética e de
sustentabilidade. Tanto para sistemas engrenados como para estruturas soldadas e
rebitadas, encontrar-se-ão informações de ferramentas computacionais facilitadoras
de um bom desempenho na arte de projetar.

Com isso, chegamos ao final da disciplina Projeto e Construção de Máquinas.


Recomenda-se, para reforço do aprendizado, a busca de informações complementares
na literatura referenciada. Bons estudos!

Referências

NIEMANN, G. Elementos de máquinas. E. Blucher, 1971, volumes 1, 2 e 3.

BUDYNAS, R.; NISBETT, J. K. Elementos de máquinas de Shigley. 8. ed. Porto Alegre:


MGH, 2011.

STIPKOVIC, F. M. Engrenagens (geometria e projeto). GEN/LTC, 2017.

Catálogo de engrenagens de corrente ̶ Fabricante CERELLO.

Norma Técnica DIN 8188.

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