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Ambiguidade das Redes Sociais

O racismo é um problema que permeia as sociedades desde o início das


civilizações. As intolerâncias raciais, religiosas e étnicas desenvolveram-se, e,
travestindo-se de diferentes maneiras, assumiram variadas formas e atingiram diversos
alvos, seguindo a evolução dos povos.
Em meio à revolução tecnocientífica, segundo Herbert Marshall McLuhan, o
mundo globalizado se tornou uma aldeia global, ou seja, ao se referir ao tempo de
propagação de mensagens, afirma que a tecnologia encurta as distâncias. Dessa forma,
as redes sociais desempenham papel ambíguo nesta aldeia, pois são, simultaneamente,
um mecanismo de combate e de propagação das intolerâncias, atingindo um grande
número de pessoas.
Torna-se clara a capacidade das redes sociais em difundir preconceitos ao
analisar-se o método, por exemplo, de recrutamento do grupo extremista Estado
Islâmico, que utiliza esses meios de comunicação para atingir um maior número de
pessoas, convertendo-as religiosa e politicamente. Além disso, o poder alcançado por
esse grupo é responsável pelo despertar de "lobos solitários", extremistas
preconceituosos cuja atuação reflete o grande alcance das redes sociais.
No contexto brasileiro, observa-se uma expressão do racismo, majoritariamente
relacionada à cor. Graças a uma série de fatores, como a não inclusão de ex-escravos na
sociedade após a assinatura da Lei Áurea em 1888 e a teorias, como a de Nina
Rodrigues, segundo a qual a miscigenação seria sinônimo de degeneração, os
preconceitos comuns à época da escravidão se mantiveram no país. Mesmo após 1989,
com a Lei Caó em vigor, em que o racismo tornou-se crime no Brasil, esse perdura.
Em 1988, cem anos após a abolição da escravidão, pesquisa divulgada pela
Universidade de São Paulo (USP) mostrou a incoerência no trato brasileiro à questão:
97% dos entrevistados disseram não ter preconceitos. Por outro lado, 98% dos mesmos
entrevistados afirmaram conhecer alguém racista. Logo, surge o questionamento: onde
estariam os vários racistas que sobram na conta? Pesquisas relacionadas ao mesmo tema
realizadas em 1995, 2008 e 2011 apresentaram resultados semelhantes, o que leva à
observação de que a discriminação racial no Brasil é, frequentemente, tratada como um
preconceito de um terceiro, ou seja, de alguém em outro contexto, como aponta a
professora Lilia Moritz Schwarcz, titular no departamento de Antropologia da USP.
Nessa lógica, é preciso perceber que racismo e história da formação do Brasil
devem ser analisadas conjuntamente e também reiterar que há um racismo oculto no
Brasil potencializado pela internet: à medida em que as redes sociais proporcionaram a
possibilidade de se esconder no anonimato por meio da criação de perfis falsos, pessoas
racistas utilizam-se dessa ferramenta para propagação de seu preconceito. Situações
recentes, como da jornalista Maria Júlia Coutinho e da atriz Taís Araújo, vítimas de
preconceito através das redes sociais, exemplificam tal ocorrência e chamam atenção
para o racismo enquanto problema que ainda permeia a sociedade brasileira. Além
disso, a possibilidade do anonimato nas redes sociais retira o risco físico ao enunciar a
ofensa, uma vez que ofender alguém pessoalmente gera o risco de uma resposta
agressiva por parte da vítima ou outros que a defendam. Diferente disso, na internet, o
discriminador é protegido das reações inesperadas, facilitando assim a divulgação de
suas preconceituosas e desrespeitosas ideias.
Por outro lado, as redes sociais impulsionaram o combate e a denúncia ao
racismo, mostrando-o como uma realidade próxima, ainda que disfarçada. Dessa forma,
as redes sociais deram visibilidade para a questão do preconceito, denunciando o “mito
da democracia racial”. Ademais, passaram a desempenhar papel importante como
promotoras do debate e da reflexão, além de dar força para os movimentos sociais e voz
para aqueles que apoiam as políticas afirmativas. Outro papel destes meios de
comunicação que contribui para o combate ao racismo é a possibilidade que deram às
vítimas de se manifestarem e lutarem contra a discriminação.
Em contrapartida, essa possibilidade de combate ao racismo pelas redes sociais
é, simultaneamente, uma ferramenta de sua propagação. Isto é, a tentativa incessante de
enfrentamento pode, na realidade, trazer mais holofotes para um ato racista do que
efetivamente prevenir sua ocorrência no futuro, dado que aquele que realiza um
comentário preconceituoso nas redes sociais e passa a ser enfrentado por um grande
número de usuários está, muitas vezes, recebendo a atenção desejada.
Outrossim, há uma falsa noção de inexistência de leis na internet, na qual,
supostamente, a liberdade de expressão transgrediria sem consequências o artigo 5º da
Constituição de 1988 no que tange à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra
e imagem das pessoas. Atrelada a isso, a ideia de impunidade com relação aos crimes
cometidos na internet colabora para a propagação da discriminação através das redes
sociais. Dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (Safernet)
mostram que em dez anos foram feitas 525.311 denúncias de racismo referentes a
81.732 páginas diferentes. Destas somente 18.287 (aproximadamente 22,4%) foram
removidas, fato que fortalece aqueles que se utilizam dessas ferramentas para promover
o preconceito, pois perpetua a ideia da internet como a “terra de ninguém”.
Com o intuito de evitar o uso indevido das redes sociais para propagar o
preconceito, é necessária a exigência de um documento para identificação por parte das
redes sociais ao criar um perfil, pois, desta maneira, torna-se mais difícil um ofensor ter
um perfil falso, combatendo o racismo oculto propagado pelo anonimato.
Outra possível solução para o problema é a promoção do direcionamento de
recursos por parte das empresas detentoras de redes sociais no uso de ferramentas de
“search engine”, mecanismo que analisa aquilo que o internauta digita, com o intuito de
detectar mensagens preconceituosas que possam ser publicadas. Ao rastrear expressões
de ofensa em um comentário que o usuário esteja escrevendo, uma mensagem de alerta
pode aparecer para o internauta informando que a equipe de combate ao racismo da rede
social detectou palavras ofensivas no post e questionar se, realmente, era aquilo que se
desejava escrever. Assim, o racista terá uma sensação de monitoramento e pensará
novamente se aquilo, verdadeiramente, deve ser enunciado. Além disso, tal medida
quebra a lógica passiva de combate ao preconceito das redes sociais que podem retirar
páginas ou comentários após denúncias e representa uma alternativa de prevenção por
combater uma possível agressão antes que ela viralize e atinja inúmeras pessoas.
Ademais, vale ressaltar que as redes sociais, enquanto comunidade composta por
pessoas, ao apresentar posturas racistas, estão expondo um problema da sociedade, que,
por sua vez, pode ser mudada através da educação. Tendo em vista esse objetivo, o
Ministério da Educação deve promover o debate acerca do racismo como conteúdo
fundamental para as aulas de sociologia e a análise das suas consequências para a
sociedade por meio das aulas de história nas instituições de ensino públicas e privadas.
Além disso, as instituições privadas, que detêm número muito reduzido de alunos
negros (33% segundo o INEP), podem promover palestras, cujo objetivo seja explicitar
o racismo vivenciado pelos negros e suas decorrências, uma vez que muitos de seus
alunos têm pouco ou nenhum contato com esse problema em seu dia a dia.
Como discutido, o racismo persiste na sociedade atual manifestando-se,
contudo, através de novos meios de comunicação. Paralelamente, esses também
fortaleceram o combate à discriminação. Medidas simples, como as supracitadas,
podem ser tomadas para que as redes sociais continuem combatendo o racismo e
diminuam seu caráter negativo de promoção de preconceitos.

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