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cadernos pedagógicos do centro

de formação de associação de
escolas dos concelhos de ílhavo,
vagos e oliveira do bairro

publicação não periódica


julho 2012
Excerto de La Liseuse - Pierre-Auguste Renoir (1874)

COMPETÊNCIA(S)
LEITORA(S)
‘‘
ficha
técnica
colaboração neste número
MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE, DINA CAMELO, ISABEL ANÇÃ,
ISABEL RIBAU ESTEVES, MARIA GORETE RAMOS

direção
MANUEL PINA

coordenação
ALCINA MENDES, MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE

conceção gráfica
ANTÓNIO NEVES
edição
CFAECIVOB

CENTRO DE FORMAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS DOS CONCELHOS


DE ÍLHAVO, VAGOS E OLIVEIRA DO BAIRRO

ESCOLA SECUNDÁRIA DA GAFANHA DA NAZARÉ - APARTADO 82


3834-908 GAFANHA DA NAZARÉ

TELEFONE 234 390 896 FAX 234 390 897

CFAECIVOB@GMAIL.COM
WWW.CFAECIVOB.PT

ISSN 2182-1658

ficha
técnica
‘‘
conteúdos
01
apresentação
02 NOTA INTRODUTÓRIA
A L C I N A M E N D E S , C O N S U LTO R A D E F O R M A Ç Ã O D O C FA E C I V O B

fundamentação
03 COMPETÊNCIA(S) LEITORA(S)
MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE, FORMADORA

06 GUIA PARA A LEITURA DOS TRABALHOS


MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE, FORMADORA

práticas
09 DOSSIÊ A
GORETE RAMOS, ISABEL ANÇÃ, FORMANDAS

21 DOSSIÊ B
DINA CAMELO, ISABEL ESTEVES, FORMANDAS

recursos
42 BIBLIOGRAFIA COMENTADA
MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE, FORMADORA

conteúdos
02
cadernos

competência(s)
leitora(s)

apresentação
‘‘
nota
introdutória
TEXTO: ALCINA MENDES

03
O segundo número de Concede-se sempre particular
“Cadernos” dá continuidade ao importância ao contributo
projeto editorial do CFAECIVOB - concetual do(s) formador(es),
Centro de Formação de pois trata-se de um elemento
Associação de Escolas dos contextualizador e orientador.
Concelhos de Ílhavo, Vagos e Por um lado, possibilita-se uma
Oliveira do Bairro, que foi introdução formadora para
iniciado em 2011 com o seu aqueles que aqui encontrem um
primeiro número dedicado à discurso de novidade. Por outro
temática da educação em lado, orienta-se a leitura e
ciências. possibilita-se a compreensão dos
trabalhos dos formandos.
Este número dois é dedicado à
temática da leitura e da escrita,
Tratando-se de uma tema
particularmente às questões horizontal, que se entrecruza nas
didáticas que envolvem a práticas de ensino dos docentes
promoção de competência de todas as especialidades,
leitora. desafiamos os leitores a
explorarem o percurso formativo
O projeto editorial “Cadernos”
que este segundo número de
assume-se como um instrumento
“Cadernos” propõe.
de divulgação de boas práticas
formativas, pelo que Desejamos que esta publicação
formador(es) e formandos são fomente a reflexão e o debate.
autores e atores do acervo Esperamos que os testemunhos
documental que se publica. se configurem como
instrumentos de auto e hetero
Neste sentido “Cadernos”
formação, permitindo aprofundar
assume uma identidade
conhecimentos em competência
organizacional que
leitora.
intencionalmente se ajusta à
identidade do programa de
formação que cada número
desvenda.

fudamentação
Foto: prateleira com livros
Fonte: www.longislandwins.com

‘‘
competência(s)
leitora(s)
TEXTO: M A R I A D E F Á T I M A A L B U Q U E R Q U E *

04
* Maria de Fátima Albuquerque foi Falar do sistema de ensino em da Língua Materna, que
Professora da Universidade de Aveiro
durante mais de trinta anos. Doutorou-se
Portugal é evidenciar a consideram que a competência
em Metodologias de Ensino do importância da leitura e da leitora é uma capacidade
Português com uma tese sobre a escrita escrita como promotores de fundamental para todos e
e a leitura. Em qualquer dos campos tem sucesso educativo dos alunos. quaisquer alunos, através da
numerosas publicações em revistas Qualquer aluno, em qualquer qual se ultrapassa o simples
nacionais e estrangeiras, além de
múltiplas participações em congressos e disciplina do Ensino Básico, ou reconhecimento dos símbolos
ações de formação. Secundário, ou Universitário, só gráficos da escrita, se transpõe a
Além da docência, desempenhou vários obtém aproveitamento se ler mera compreensão das ideias
anos a função de Coordenadora dos manuais e textos de consulta, se veiculadas pelo texto, atingindo
Estágios pedagógicos das Licenciaturas dominar a técnica dos trabalhos um plano mais profundo,
em Ensino da Universidade de Aveiro: ou testes escritos, se souber retirando do lido uma lição de
essa experiência de contacto com a vida. Logo, a competência leitora
formação de professores de todos os
compreender, analisar,
graus de ensino e de todas as áreas fundamentar e criticar material permite a cada e a todos os
científicas fez-lhe sentir a importância escrito em geral, lendo e alunos que, através duma dada
prioritária em todas as disciplinas da escrevendo com facilidade e leitura, encontrem respostas para
competência leitora dos alunos, como adequação. os problemas individuais,
elemento facilitador do sucesso escolar.
Dinamiza ações sobre este tema nas
enriquecendo o seu próprio
Esta familiaridade com o escrito/
suas várias vertentes desde 1992. percurso vital.
lido permanece como uma
competência horizontal em todo Nesse sentido, a competência
o currículo escolar, pois mesmo leitora é uma capacidade
para as outras disciplinas que fundamental e incontornável do
não são Língua Materna, o crescer, que nos permite
desenvolvimento da competência transformar o aprendido em
leitora dos alunos é importante todas as disciplinas, como a
para concretizar os objetivos Física, as Ciências Naturais, a
gerais de cada área disciplinar. História e o Português, em
De outro modo, acabamos por conhecimento fundamental, que
entrar numa espiral em que os não se põe de lado – ou se deita
alunos, porque não conseguem fora! – com o encerrar do ano
decifrar os textos, não têm letivo. Competência leitora é
aproveitamento às disciplinas, então, no plano pedagógico,
mas também porque não mais do que um saber-estar, ou
compreendem as matérias, não saber-fazer; é o saber tout court,
se dedicam à leitura… como base de aquisição de todo
o conhecimento, como
É essa interligação entre forma e
competência geradora da
conteúdo, entre a mera
interiorização do aprendido.
descodificação dos grafismos e o
significado desse mesmo texto, O desenrolar desta ação
que me leva a recorrer à assentou em diversos
definição ultimamente adotada pressupostos que passo agora a
pelos especialistas de Didática enumerar:
fundamentação
05
1. A competência leitora é então níveis de ensino, a
uma capacidade essencial à compreensão, o aprofundamento
aprendizagem de qualquer das das aprendizagens científicas ou
disciplinas ministradas, que só linguísticas?
pode ser melhorada através de
De entre as possíveis,
um trabalho partilhado entre os
selecionámos para esta ação de
professores das diferentes
formação algumas essenciais,
matérias. Como se irá ver, tal
tendo em vista variáveis externas
não significa uma visão
- a realidade das escolas, a
unificadora e redutora das
idade dos alunos e a formação
diversas atividades. A diferença
dos professores -, assim como
entre os dossiês que me irão
variáveis internas,
servir de exemplo, documentam
nomeadamente a limitação do
bem as possibilidades múltiplas
tempo do decurso da própria
de leituras do mesmo
ação (25 horas).
documento;
Para melhor operacionalizar o
2. Todas as disciplinas de
conteúdo da ação e para esta se
qualquer grau de ensino ganham
refletir nas práticas docentes
muito com atividades de leitura e
utilizámos algumas estratégias
interpretação de texto, quer estes
globais que passo agora a referir:
sejam recreativos, quer
artísticos, quer científicos. Aliás, 1. Partimos sempre de um
tendo em conta o número de modelo que a formadora
alunos que mostra relutância apresentava como ponto de
perante a leitura, cabe ao partida e que servia de
professor ler em voz alta, em exemplificação concreta, para o
aula, ajudando os alunos a exercício a desenvolver pelos
refletir e interpretar os textos formandos;
selecionados. 2. Os formandos trabalhavam em
pares, sendo um deles de
Então que estratégias de
Português (ou áreas afins) e o
possíveis explorações outro de qualquer das outras
multidisciplinares se devem áreas disciplinares, quer
desenvolver para que se atinjam científica, quer artística;
competências leitoras mais
3. Todos os textos apresentados
completas? Que diversidade de
nos dossiês finais eram
modelos de leitura utilizar com os produzidos em espaço de aula.
alunos para uma melhor Após um primeiro momento de
exploração dos diferentes tipos reflexão dos elementos do grupo
de texto? Que operacionalização de que resultava uma planificação
aplicar nas práticas educativas da tarefa, passava-se à redação,
para consolidar, em conjunto e depois a uma leitura de partilha
com os alunos dos diferentes com os colegas presentes.
fudamentação
‘‘
guia
para a leitura dos
trabalhos
TEXTO: M A R I A D E F Á T I M A A L B U Q U E R Q U E

06
Sessão
introdutória
(motivação):
a atividade da A leitura, feita pelo professor ou
por um dos alunos, é passível de
“leitura para os processos de avaliação pelo
outros” resto da turma, tendo em conta o
Este tipo de atividade, muito ritmo, a cadência, a correção e a
prezada pelos pedagogos articulação, entre outros
ligados à leitura e escrita, parte parâmetros. Depois, recorre-se a
de um conto curto – neste caso outras tarefas orais ou escritas,
“O Pai que se tornou mãe” de J. explorando os sentimentos das
E. Agualusa –, para ensinar os personagens, ou a evolução do
alunos a concentrar-se e dar enredo, ou o começo e o fim da
José Eduardo Agualusa atenção à forma e aos conteúdos história, ou mesmo o sentido do
Foto de Jorge Simão título.
dum texto.

Objetivos a atingir
- comprovar que os alunos compreenderam o lido;
- verificar o grau de atenção dos alunos;
- avaliar a sua capacidade crítica perante o desenrolar da intriga;
- incentivar os alunos a uma atitude criativa perante um texto.
fundamentação
Lobo Antunes no Salon du livre de
Paris, 2010
Foto: Georges Seguin
Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/
07
Unidade 1:
necessidade de respeito formal pelas normas
do texto escrito – a correção ortográfica
Como modelo para esta unidade utilizámos a crónica de António
Lobo Antunes “Esta que se acina Gabriela”, (Público Magazine,
16/10/94), onde se apresenta uma carta escrita por uma
personagem de fraca instrução.

Objetivos a atingir
- sentir o erro de ortografia como um sério impedimento à
compreensão do texto;
- valorizar a ligação entre classe social e erro ortográfico;
- perceber a ambiguidade criada na frase pela ausência de
pontuação ou de acentuação gráfica, e mesmo por construções
sintáticas erradas.

Exercícios elaborados pelos formandos


- reescrever o texto, dando-lhe uma forma de acordo com a norma
portuguesa.
- refletir em conjunto sobre o contexto socioeconómico que justifica o
modo como o texto se encontra grafado.
- imaginar a página de um diário escrito pela personagem principal,
Gabriela.
Ilustração de Henri Thiriet

Unidade 2:
variações
conteudísticas
do texto
escrito
Exemplificação através de
explorações múltiplas do conto:
para tal, usámos a história do
“Capuchinho Vermelho”,
conhecida por todos, e lemo-la e
interpretámo-la em diversas
versões.
fudamentação
Objetivos a atingir
- relembrar o conto tradicional e a sua estrutura interna;
- adaptar o conto tradicional aos tempos modernos, integrando no
imaginário textos paralelos, pastiches, paródias ou adaptações
livres;
- perceber a possibilidade de converter qualquer texto narrativo em
texto poético ou texto dramático;
- criar textos não-literários, com uma grande carga funcional, como
textos jornalísticos, depoimentos ou outros.

Exercícios elaborados pelos formandos


- criar um conto, mantendo a estrutura orgânica de um narrativa
08 tradicional, mas adaptando-a a cenários atuais;
- inventar um pequeno texto dramático, variante teatral de tópicos
possíveis da história original;
- transformar o narrativo em texto funcional; primeiro, em texto
jornalístico e depois num curto depoimento de justificação de uma
das personagens.

Unidade 3:
a relação entre o
texto escrito e as
outras linguagens,
com especial
relevo para a
imagem
Como modelo/ ponto de partida,
procedemos a um estudo de
declarações de vários
ilustradores sobre o seu papel
como descodificadores do texto
escrito que ilustram.
João Caetano
Fonte: http://www.kalandraka.com Objetivos a atingir
- organizar uma rápida História da ilustração como forma de
enriquecimento do texto escrito;
- tomar conhecimento da função do ilustrador como leitor primeiro;
- refletir sobre as relações entre o criador do texto escrito e o criador
da imagem ilustrativa;
- perceber a imagem como uma fonte inesgotável de criação de
texto linguístico.

Exercícios elaborados pelos formandos


- criar um texto de opinião em que se reflita sobre a contribuição do
ilustrador para o esclarecimento e total compreensão do texto
escrito;
- produzir um texto criativo, partindo de uma das ilustrações de João
Caetano para o livro de José Saramago “A Maior Flor do Mundo”.
fundamentação
‘‘
dossiê a
TEXTO: I S A B E L C R I S T I N A A N Ç Ã , M A R I A G O R E T E R A M O S

09
Enquadramento reflexivo dos exercícios
executados
Ao longo da realização desta Esta dupla competência é
ação de formação reinou a ideia fundamental para que os nossos
da possibilidade de brincarmos alunos compreendam e tirem
com as palavras sem nunca inferências, pois tudo o que se lê
esquecer as regras das altera a nossa vida, através
“Competências Leitoras”. E, só duma aprendizagem
dessa maneira, teremos todo o interiorizada. Logo, ao
direito ao desfrute da leitura dos procedermos ao exercício da
livros, mas agora com um olhar “leitura para os outros” temos de
mais crítico e mais atento em ter o cuidado de verificar se os
relação ao próprio texto que nos nossos alunos têm tempo de
chega às mãos, e em relação ao entender, assimilar e
que ele indicia. acompanhar o texto. Deste
modo, permitimos que possam
Sessão após sessão, os nossos
avaliar e discutir a leitura.
horizontes abriram-se para a
imensidão da exploração textual, Aplicámos esta atividade na
nas suas mais diversas escola, partindo do conto de J. E.
concretizações – utilitárias, Agualusa “O Pai que se tornou
criativas, jocosas, científicas – Mãe”, que foi lido e depois
que fomos explorando e que nos acompanhado de uma proposta
foram revelando uma caminhada de exercício em que os alunos
aliciante e mesmo uma respondiam a um questionário
verdadeira descoberta. sobre detalhes do texto. A reação
da turma em geral foi tão positiva
Na sessão inicial falámos da
que voltámos a repetir o
exploração oral de textos e do
exercício, agora enfatizando os
modo como a descodificação das
momentos afetivos,
formas linguísticas servia para
fundamentais para o
aprender os conteúdos mais
desenvolvimento da história e
profundos desses mesmos
que os alunos teriam de
textos. Para tal, foi evidenciada a
identificar.
importância de educar a atenção
dos leitores, de fazê-los ouvir e Na sessão seguinte
interpretar o escutado. Do confirmámos, uma vez mais, a
mesmo modo, foi-nos recordada importância de compreender o
a importância da memória, como que se lê e o modo como uma
ativadora das ligações entre as correta ortografia era
diferentes partes do texto e como fundamental como facilitadora da
facilitadora da interpretação do interpretação mais profunda do
que acabou de ser ouvido. texto. Foi esta a ideia que
práticas
Foto: sala da biblioteca George Peabody
Fonte: http://www.library.jhu.edu

comprovámos com uma recorrer para estudar para


atividade prática, onde após a qualquer avaliação. Na nossa
leitura da carta “Esta que se experiência diária com alunos
acina Gabriela”, sem a devida confirmamos que o ler e o
correção ortográfica, escrever, em disciplinas que
procedemos a reescrever o texto apelam à memorização como as
seguindo a norma Portuguesa. Ciências Naturais ou a História,
Finalizámos a atividade com a são sem dúvida elementos
escrita de uma carta da figura de fundamentais para que a trilogia
Cabé a Gabriela, numa com a de compreender, relacionar e
ortografia correta e na outra aplicar saberes atinja as
tentando reproduzir os erros competências específicas
ortográficos prováveis, tendo em pretendidas.
conta o modelo literário e
10 Na sessão seguinte o nosso
estando atento à classe social a
desafio foi escrever um conto,
que as personagens pertenciam).
seguindo tópicos de percurso
Não há dúvida de que o ponto de estruturantes fundamentais à sua
partida para compreender o que criação. Para tal, voltámos aos
se lê é a atenção e contos tradicionais no seu
concentração, acompanhadas de modelo de contos infantis e
uma escrita adequada, recordámos o modo como as
cumprindo os preceitos da norma narrativas se desenvolvem, como
portuguesa. Aliás, essa mesma se centram em personagens,
correção ortográfica ultrapassa como necessitam de um
em muito a mera convenção da problema e de um conflito…Foi
escrita, revelando para todos nós difícil começar, mas depois
a condição social do escrevente, deixámos a imaginação
assim como a sua situação trabalhar…e eis a obra-prima.
económica.
Depois da invenção de histórias,
Na disciplina de Ciências da seguiu-se a transformação de
Natureza, por exemplo, é textos, ou através da mudança
igualmente fundamental a da forma, do narrativo ao
compreensão dos termos dramático, ou da mudança de
específicos que nomeiam os tom, do sério ao parodístico. A
conceitos científicos de cada história tem de continuar, e as
capítulo e é também essencial variações sobre as narrativas
que o aluno os escreva relembram-nos que os contos
corretamente; caso contrário é maravilhosos entram na vida das
penalizado na avaliação, quando nossas crianças exercitando a
necessita dos mesmos para sua perceção de expressões de
proceder ao sistema de afeto. Nesta sessão aprendemos
“completar as seguintes frases”, que a partir de livros intemporais
quer se trate de sequências ou podem ser inventadas outras
de legendas. Uma das histórias, muitas outras histórias,
estratégias para ultrapassar esta ou narradas ou escritas de várias
dificuldade é que todos os alunos formas, respeitando sempre o
tenham que realizar, texto básico ou texto original,
obrigatoriamente, em cada ano apenas dependendo do objetivo
letivo, um glossário de Ciências que queremos atingir.
Naturais, onde após as aulas, em Comprovámos esta noção
casa, escrevam corretamente os quando, partindo de um conto
termos novos lecionados e tradicional, o próprio Chico
anotem o seu significado. Isto Buarque já produziu “A
permite ao aluno ter todos os Chapeuzinho Amarelo”, e nós
conceitos devidamente próprias a adaptámos,
organizados e memorizados, escrevendo uma peça de teatro e
quando precisar de a eles um depoimento.
práticas
Esta sessão fez-me refletir que, Na disciplina de História convive-
como professora de Ciências se, aula após aula, com textos
Naturais, poderia recorrer a nas suas mais variadas formas e
peças de teatro, para, por com diversas formas de
exemplo, representar uma documentos: depoimentos,
espécie animal ou vegetal que se notícias, relatos de especialistas
encontre ameaçada ou em vias e de pessoas anónimas e, agora,
de extinção ou mesmo para falar mais recentemente, a pesquisa
sobre os alimentos importantes pela lupa Google. Enfim, um
para uma alimentação saudável. universo de fontes que devemos
Neste momento, tenho um grupo apresentar aos nossos alunos
de alunos do oitavo ano, que se em doses diárias e em pequenas
encontra a realizar pesquisas partes, para que possam realizar
sobre um animal ameaçado na o seu desenvolvimento para
região de Aveiro e já me terminar com uma conclusão 11
informaram que vão apresentar o assertiva – se não for muito
trabalho final na forma de uma assertiva será sempre
peça de teatro. conclusiva.
Finalmente, o texto jornalístico, já
Através destes passos, irá sentir-
muito utilizado nas nossas duas se uma perspetiva individual do
disciplinas, visto que quase todos aluno em cada texto estudado,
os conteúdos lecionados podem com os raciocínios inspirados no
ser acompanhados, com método socrático. Os grandes
evidências, na forma de notícias, temas da História Universal
sejam de revistas científicas, serão assim debatidos, para que
revistas de informação geral ou aos alunos seja permitido obter
notícias de jornal. Os alunos informações sobre os assuntos e
gostam muito de pesquisar os a partir daí emitir as suas
temas estudados na sala de aula opiniões e, quando necessário,
neste meio de comunicação e as refazer os seus juízos de valor,
aulas têm outro interesse quando especialmente os formulados a
eles trazem a notícia e a leem priori. Com isto chegaremos à
aos colegas, aproveitando o essência, ou pelo menos à meta
espaço para um debate mais finalizante do ensino curricular da
alargado do que o habitual. disciplina de História, ou seja,
criar nos alunos a abertura para
Mais especificamente na
uma opinião esclarecida e bem
disciplina de Ciências Naturais, e
fundamentada.
no oitavo ano de escolaridade
por exemplo, um dos trabalhos Na última sessão de trabalho
que planifico para os alunos é a pusemos de lado as
construção de um “Jornal do complexidades na narrativa e
Ambiente”, onde os mesmos são mergulhámos na ligação entre o
convidados, em grupos de texto escrito e a ilustração
trabalho, a dar voz à sua complementar. Para tal,
imaginação vestindo o papel de recorremos à obra de José
jornalistas, e assim escrevendo, Saramago “A Maior Flor do
selecionando e comentando Mundo”, magistralmente ilustrada
notícias relacionadas com por João Caetano. Fomos de
problemáticas do meio ambiente. imediato seduzidas pela
Este trabalho é partilhado com a linguagem complexa das
disciplina de Língua Portuguesa ilustrações e, como se não nos
que, antecipadamente, lecionou bastasse, quisemos conhecer
o conteúdo curricular “Texto mais e mais livros com igual
Jornalístico” e o tratou em aula, beleza de imagem. Como se
fornecendo aos alunos a transferem para desenho ideias
orientação teórico-prática sobre complexas como, por exemplo,
esta matriz textual. “mas fingia obediência”?
práticas
Conversámos sobre possíveis
respostas e avaliámos a razão
do interesse dos nossos alunos
pela imagem como fundamento
do conhecimento.
Compreendemos que na feitura
de um livro infanto-juvenil o
escritor e o ilustrador coabitam
na sua construção e, portanto, a
nossa primeira tarefa foi
sistematizar brevemente esta
problemática, escrevendo uma
rápida reflexão sobre o contributo
do ilustrador para a criação do
12
10 texto escrito/ artístico.
Bibliografia
Encerrámos as nossas sessões AGUALUSA, José Eduardo –
sobre a competência leitora com Estranhões e Bizarrocos.
a invenção de um texto criativo, Publicações Dom Quixote, 2.ª
partindo de uma imagem de edição, 2007.
grande beleza, incluída no livro
“A maior flor do mundo”, de José ANTUNES, António Lobo – A
Saramago. Este exercício História do Hidroavião.
permitiu-nos sentir a ligação Publicações Dom Quixote, 3.ª
entre a palavra e o desenho. edição 2005.
Apesar de limitadas pela COUTO, Mia – O Gato e o
ilustração, sentimos a Escuro. Editorial Caminho, 3.ª
diversidade de caminhos que se edição, 2008.
abriam na nossa frente.
MAGALHÂES, Álvaro – O Circo
Nesta aprendizagem, durante a das Palavras Voadoras. Edições
formação, confirmámos que o Asa, 4.ª edição, 2007.
professor em geral, de Português
ou de outras áreas científicas, MAGALHÂES, Álvaro –
está bem qualificado nas Hipopóptimos, uma história de
questões referentes à pedagogia amor. Edições Asa,
da Lectoescrita. Por isso, deve MAGALHÂES, Álvaro – Três
demonstrá-lo criando situações Histórias de Amor.
de interesse, tanto ao nível
individual quanto no nível PEREIRA, Carlos Delgado e
coletivo, utilizando com à- outros – Missão: Terra
vontade as artes visuais, o sustentabilidade na terra,
conhecimento do mundo e o Ciências Naturais 8º ano. A folha
conhecimento de si e do outro. A cultural, 1ª Edição 2007, pág.
importância da linguagem escrita 241.
e da linguagem oral no
desenvolvimento dos alunos é SARAMAGO, José – A Maior Flor
incontornável, mesmo quando do Mundo. Editorial Caminho, 5.ª
aparentemente se valorizam edição, 2010.
outras áreas do conhecimento, TORRES, Ana e outros – A Terra
como a Matemática e as no Espaço, Vol. I. Ciências
Ciências Exatas, as Ciências Naturais 3ºCiclo. Editorial O
Sociais ou Música. Por essa Livro, 1ª Edição, 2007. pp 61.
razão, é necessário, cada vez
mais, um trabalho de partilha e VIEIRA, Alice – Os olhos de Ana
interdisciplinaridade entre as Marta. Editorial Caminho, 6.ª
várias áreas do saber. edição, 2008.

práticas
Escrita
Fonte: http://www.fanpop.com/spots/writing/images/27456811/title/writing-photo

Unidade 1
13
Tarefa: reescrever a crónica “Esta que se
acina Gabriela” de António Lobo Antunes, de
acordo com a norma ortográfica portuguesa
Dona Graciete:

Muito estimo que ao receber desta carta, esteja de feliz e boa


saúde, na companhia de todos os seus, que eu bem, Graças a
Deus.
Dona Graciete, estou a escrever porque li no jornal o que
aconteceu ao seu filho, Cabé, com a cruz e o retrato e tudo (E, por
sinal, que a fotografia ficou linda! Valha-nos isso!...), logo por cima
de Carlos Alberto Nunes Garcia – “Faleceu confortado com todos os
sacramentos da Madre Igreja” -, e fiquei tão nervosa que nem o
jantar fiz em condições. Apaguei a novela da televisão, quando o
engenheiro ia dizer à datilógrafa que a amava. E eu à espera disso
há seis meses, que o ator não se decidia nem a pau, para me
enervar!
Portanto, li o jornal e comecei a chorar de tal maneira que, quando
o meu marido chegou, disse-me:
- Tens os olhos inchados, Gabriela!
E eu disse que era do refogado de cebola. E ele, que é
desconfiado que se farta e pesa noventa e sete quilos:
- Refogado, o tanas!
E eu a enxugar as lágrimas no avental com o trio Odemira
estampado:
- Seja cega se não é o refogado!
E ele já estava a acreditar em mim, quando viu o jornal, e eu a
querer tirar-lho a ele:
- Com que então o Cabé esticou o pernil!
Veja só, Dona Graciete, a falta de respeito! Eu logo:
- Devia ter casado com o Cabé, em vez de me casar contigo,
morcão!
Que eu medrosa não sou.
Dona Graciete, eu gostava muito do seu filho, apesar de fraquinho
dos pulmões e andar sempre a tossir e no Doutor da Caixa com
aquelas febres, mas, pelo menos, não me batia e fazia de mim uma
princesa. Até um anel de prata me ofereceu!
E, se lhe escrevo agora, era a pedir que me devolvesse as cartas
que eu escrevi ao Cabé, não vá o meu marido tomar conhecimento
delas. Que o meu marido é bruto como as casas e aos sábados,
práticas
quando chega das bisca dos nove, do Recreativo, vem logo de
braço no ar, para me assentar porrada, sem motivo nenhum:
- Ai, minha cabra, que andas para aí a enganar-me!
E a senhora pode ser infeliz com a morte do seu filho, mas fique
certa que eu não sou menos. Cá me vou consolando com o Bruno
Alexandre que, graças a Deus, é sãozinho, tirando as marcas das
bexigas.
E a minha vida é um tormento!! O que me consola é a novela,
mas depois só consigo dormir a poder de comprimidos e injeções de
beber. E a médica de família,
- Anda a perder peso, Dona Gabriela!...
E eu sem poder explicar que é do desgosto do Cabé, que não me
sai da ideia. Se eu explicasse, a enfermeira do posto, que é cunhada
do primo do meu marido, fazia logo um escândalo na família e o
12
14 meu marido chegava do recreativo e nem um cabelo se me
aproveitava!...
Dona Graciete, não sei se a Dona Graciete se recorda de mim: eu
sou aquela loira, para o forte, que trabalha de cabeleireira no Salão
Rosa Azul e que a senhora, um dia, ao chegar a casa mais cedo das
compras, encontrou com o Cabé a brincar aos pais e às mães. Não
vale a pena dizer onde, mas fique tranquila, que não engravidei,
nem nada!
E isto ainda nem há um mês, quando o meu marido foi de serviço
a Beja. E depois o Cabé passou no Rosa Azul, há de haver duas
semanas, a perguntar:
- Quando é que o veado vai outra vez a Beja?
E eu, baixinho, para a patroa não ouvir:
- Em março!
E agora, de repente, leio no jornal que se apagou.
Dona Graciete, mande-me as cartas, pela sua rica saúde, que se
podem perder. E as coisas aqui nos Olivais sabem-se logo. E eu não
quero barracas, que tenho o Bruno Alexandre para criar. Não posso
viver com a criança numa parte da casa, com serventia de cozinha.
Eu sei que a Dona Graciete compreende a vida. Se me mandar as
cartas eu devolvo-lhe a caixa de tartaruga que parece plástico, que
eu trouxe do seu quarto, por engano. Temos de ser umas para as
outras – não é?. Hoje sou em a precisar, amanhã é a senhora!...
Prometo que na quinta-feira vou pôr flores na campa do seu filho,
se as rosas não estiverem muito caras. Que o que eu ganho como
cabeleireira nem para os transportes dá. E o meu marido é um
unhas de fome que só visto!
Dona Graciete, o Cabé fica no meu coração para sempre. Apesar
da fraqueza dos pulmões e outras fraquezas que eu não posso
contar. Porque era o moço mais respeitador que eu encontrei; e isso,
é o maior elogio que se faz a um defunto!
E ao demais, aceite os cumprimentos desta que se assina

Gabriela da Conceição Filipe

Já me esquecia de lhe dizer que, além da caixa verde, veio, sem


eu dar por isso, um pacote de bombons com recheio de anis. E a
esses, desculpe, comi-os com o desgosto. Mas fique descansada
que guardei as pratas e posso entregar-lhas, que dão para meter
umas ao lado das outras, numa moldura de louça, em cima da
televisão. Aquela cantora que ganhou um prémio, tem, que eu vi
numa revista. E é lindo!... com um naperon por baixo!

Obrigadíssima.
práticas
Tarefa: redigir uma página de diário, ou uma
carta trocada entre duas das personagens
intervenientes
CARTA DE CABÉ A GABRIELA
Minha loirinha
Cá recebi a tua carta que me fez muito feliz. Até me senti melhor da
saúde.
Passei pelo Salão e não te vi. Fiquei triste por não te ver e entregar-
te estas letras pessoalmente.
Passei o resto do dia muito calado e até a minha mãe perguntou se 15
eu estava pior das minhas maleitas. Acabei por confessar que não te
tinha encontrado no trabalho. Ela voltou a dizer para ter cuidado com
o teu marido, que brutamontes como é, podia tratar-me da saúde. E
tu bem sabes que a minha saúde já anda mal. Mas mesmo assim, lá
me foi dizendo que eu até podia escrever um bilhete e deixar lá no
Salão.
Tenho saudades tuas, de estar contigo e das coisas que me fazes.
Falta tanto tempo para chegarmos a março e matarmos saudades.
Até lá, vou lendo as tuas cartas e olhando o teu retrato.
Para a minha loirinha
Beijos
Cabé
PS – Se por acaso, o veado for de serviço a Beja antes de março,
manda-me um bilhete pela nossa amiga Rosinha. Beijos.

Tarefa: transcrição do texto 2, na grafia


esperada, tendo em conta a pouca correção
ortográfica do modelo/ ponto de partida
Minha lourinha
Cá ressebi a tua carta que me fes muito felis. Até me senti milhor da
çaude.
Pacei pelo salao e num te vi. Fiquei triste por não te ver e entregarte
estas letras peçoalmente. Paçei o resto do dia muito calado e até a
minha mãi preguntou se eu estava pior das minhas maleitas. Acabei
por confeçar que num tinha te incontrado no trabalho. Ela voltou a
deser para ter cuidado com o teu marido que bruta montes como é
podia tratarme da çaude e tu bem sabes que a minha çaude já anda
mau. Mas mesmo assim lá me foi desendo que eu até podia
escreverte um belhete e deichar lá no salão tenho saudades tuas de
istar contigo e das coisas que me fases. Falta tanto para xegarmos a
marsso e matarmos saudades.
Até lá vou lendo as tuas cártas e ulhando o teu retrato
Para a minha lourinha beijos Cabé
Se por acaso o viado for de servisso a Beja antes de marso
mandame um bilhete pela noça amiga rosinha beijos
práticas
Unidade 2
Tarefa: elaborar um conto tradicional, de
acordo com as regras desta matriz narrativa
Ilha de Gotapa: uma Então ficou à escuta e ouviu
descoberta maravilhosa! entre palavras soltas, a
existência de um segredo, “de
Há muito, muito tempo, num país
algo nunca visto”, conhecido por
longínquo vivia Charles Parkins,
homem nenhum, em terras
um rapaz muito curioso, a quem
distantes, algures, com o nome
corria no sangue o espírito de
de “Ilha de Gotapa”.
aventura.
Sem perder mais tempo,
Andava sempre à procura de
organizou a viagem, com todos
lendas, mistérios, tesouros, que
os pormenores… o que não lhe
ia ouvindo em conversas de
12
16 família, ou até em conversas de
custou nada, pois o seu barco
estava sempre pronto a zarpar
rua.
numa nova descoberta.
Certo dia, reparou em dois
A certa altura, durante a viagem,
indivíduos suspeitos que
estalou uma terrível tempestade
rondavam na margem da cidade.
(ou seria um ataque de piratas
Esta situação despertou-lhe
fantasmas, vindo do fundo do
curiosidade e, como quem não
mar?!). Bem, fosse o que fosse,
quer a coisa, foi-se aproximando
arrastou o seu barco até à
dos dois. Já mais perto reparou
margem numa terra
que murmuravam com um ar
comprometido. Hum! Isto
cheirava-lhe a algo misterioso!...

Ilustração de Isabel Ançã

práticas
desconhecida, onde acabou por E depois… depois ficou sem
ficar encalhado. Num momento nada ver. Dos olhos do monstro
de calmaria, o rapaz desceu do tinham saído uns raios
barco e, movido pelo bichinho da luminosos, cintilantes e
curiosidade, pôs-se a caminho à amarelos, que o tinham deixado
descoberta daquele sítio aonde cego e paralisado.
tinha aportado. Precisava de
Estes pormenores foram
saber onde estava!
narrados a Charles pelo rapazito
Caminhou, caminhou, e durante de há pouco (ainda se lembram
todo o percurso não encontrou dele?), que entretanto se tinha
vivalma. escondido perante a
aproximação do monstro e que
De repente, ouviu um barulho
tudo tinha testemunhado. Pois foi
quase indiscreto e sentiu-se
este mesmo valente menino que, 17
observado. Virou-se de súbito e
erguendo a sua espada, se
deu de caras com uma longa e
lançou sobre o monstro, ferindo-
afiada espada, empunhada por
o nos olhos.
um rapazito com aspeto
ameaçador. E foi assim que conseguiu que
Charles, o seu novo amigo,
O menino até era parecido com
recuperasse a visão perdida e
ele, mas assim armado de
que voltasse a caminhar.
espada, era preciso ter cuidado!
Afinal, aquele monstro
- Todo o cuidado é pouco! –
assustador estava apenas a
exclamou o rapazinho. – Eu
guardar as árvores daquele
também vim aqui parar e já fui
lugar, pois davam umas folhas
vendo por aí sombras, que mais
milagrosas, com poderes para
parecem piratas a vaguear!...
curar enfermidades, moléstias e
Charles olhou à sua volta e ficou febres. Era este o grande
impressionado com beleza tão segredo!...
estranha e assombrosa. É que,
Mas estes dois pequenos
depois de tantas viagens e
aventureiros, ao contrário dos
aventuras passadas, não se
outros que tinham chegado
lembrava de ter encontrado uma
àquela ilha, iriam fazer bom uso
paisagem tão bela. Maravilhado,
daquela virtude, pois era
apenas conseguiu pensar: Que
importante para a proteção do
árvores fantásticas são estas?
ambiente e igualmente para o
E por um instante veio-lhe à futuro de todos.
memória o segredo que ouvira:
Chegou então o dia do regresso
não devia estar longe… seria
a casa: Charles despediu-se do
esta a Ilha de Gotapa?
amigo, que resolvera continuar
Encontrava-se entregue a estes
na ilha, e, com alguns sacos
pensamentos quando sentiu uma
cheios daquelas folhas, começou
pancada na cabeça que o fez
a sua viagem de regresso.
cair redondo no chão!...
Durante a jornada foi imaginando
Quando conseguiu recuperar os
o jantar em família que o
sentidos, avistou uma gigantesca
esperava, onde iria fazer a sua
figura peluda, com dois olhos
grande revelação. Aliás, eram
enormes e muito esquisitos, e
duas, pois esperava que a
com garras afiadas e
Margot também estivesse
pontiagudas. No preciso
presente e então poria fim àquele
momento em que os dois se
nó no estômago que sempre
olharam, Charles sentiu um
sentia quando pensava nela…
arrepio por todo o corpo e fica
paralisado, sem conseguir
levantar um dedo sequer, quanto
mais levantar-se do chão.
práticas
Tarefa: transformar um trecho narrativo em
texto teatral
Do “Chapeuzinho Amarelo” de Chico Buarque à nossa adaptação.

PERSONAGENS: Chapeuzinho Amarelo; Lobo; Narrador


ATO 1
(cenário - num dos caminhos para a cidade)
O Narrador
A cena passa-se num destes dias, num dos caminhos que leva à
cidade, quando a Chapeuzinho Amarelo deu de caras com o lobo.
(Abrem-se as cortinas e aparece a Chapeuzinho Amarelo a
12
18 cantarolar)
A Chapeuzinho
La lá lá lá lá lá. Aqui vou eu. Aqui vou eu. Vou apreciando o bonito
da cidade…
(Entra o Lobo com cara de chateado e interrompe a canção do
Chapeuzinho Amarelo)
O Lobo
Eu sou o LOBO!!!!
(A Chapeuzinho não está nem aí e vira-se para o público dando uma
risada)
A Chapeuzinho
Ah! Ah! Ah! Ah!
Lobo (bem furioso)
EU SOU O LOBO!!!!
A Chapéuzinho (sem medo)
Eu já não tenho medo de você!
O Lobo (sem ouvir a menina e continuando a vociferar)
EU SOU O LOBO EU SOU O LOBO LOBO LOBO LOBO…
A Chapeuzinho (com cara enjoada)
Para! Agora! Já!
A Chapeuzinho (virada para o público, num murmúrio)
Ele está me chateando!
O Lobo (atónito e tentando reganhar credibilidade)
Mas o que é isto??
A Chapeuzinho (com voz firme e decidida)
Você não é mais um LO-BO! É um BO-LO e vou-te comer!!!
Narrador
Ao ouvir isto, o lobo começa a tremer que nem varas verdes, parado
que nem pedra de gelo.
A Chapeuzinho (aproveitando o momento, pega num frasco de
chantilly que guardava no seu cestinho e passa sobre o animal)
Toma, toma LOBO
Que vais ser um BOLO
Com recheio no MIOLO
Vais saber melhor que ACERÔLO!
Fecham-se as cortinas
práticas
Tarefa: transformar o texto narrativo num
dos textos funcionais. Como exemplo,
apresentámos o 'depoimento'
Eu chamo-me Deolinda Martins, Passado não sei quanto tempo,
avó da Capuchinho Vermelho. chegou a minha querida netinha,
Considero-me uma pessoa que pelos vistos teve o mesmo
saudável, apesar de já ir ouvindo triste destino que eu, não
um pouco mal e ter de usar podendo defender-se de
óculos. tamanha bocarra…
Vivo sozinha numa casa airosa e Ficámos as duas abraçadas, a
soalheira, na aldeia das Flores, rezar à Nossa Senhora para que
onde nasci. Por isso, até me nos iluminasse o destino. De
considero destemida e habituada repente, vimos uma luz e 19
à presença dos animais que gritámos as duas “é um milagre
vivem na floresta, que fica a dois de Nossa Senhora!“, e ouvimos
passos da minha casa, mas uma voz nossa conhecida. Era o
nunca temi ser atacada por Sr. Manuel, o nosso vizinho
nenhum deles. lenhador. Muito aflito e
preocupado, estendeu-nos a
Naquele dia fatídico não sei mão e puxou-nos com tanta força
como aconteceu, pois nem me que viemos cair em cima da
apercebi da entrada do lobo na cama. Afinal, estávamos dentro
minha casa. do estômago do animal que,
Quando dei por ele, nem tive coitado, ficou para ali, estendido,
tempo de dizer um 'ai'! O infeliz sem dar mais acordo de si.
deu um salto e eu só lhe vi os O resto, os senhores já sabem!
dentes a brilhar!!...

Unidade 3
Tarefa: reflexão sobre o contributo do
ilustrador para a criação do texto escrito
O mistério mais difícil de ilustrar
O mundo à nossa maneira será a ideia (na sua essência) do
imaginário ancestral, como é o
caso de algumas histórias
Será assim o mundo da africanas ou orientais. Ou ainda
ilustração dos livros, um mundo as que contêm outras vivências
fantástico? culturais dos Povos e que se vão
Um mundo em triângulo!... perpetuando através da
oralidade.
Na base estará a ideia que
conhecer e entender o texto não O culminar destas formas de
invalida a autenticidade do desenho será atingido no
ilustrador. E que dizer da sua conceito de Arte e na sua beleza
fidelidade? Também suprema, representada no
importante!... Mas, nesse jogo trabalho de alguns ilustradores.
entre as palavras e as imagens, E eis que nascem as melhores
o pequeno público deve ser histórias ilustradas: com a
sempre respeitado, o público a bênção dupla do Escritor e do
quem se destina o livro, sem Ilustrador em comunhão. É então
nunca esquecer de comunicar os que num desenho de uma folha
sonhos, as hipóteses e um certo de árvore se podem ler muitas
mistério a ser desvendado. palavras…
práticas
12
20
Ilustração de João Caetano para o livro
«A maior flor do mundo», de José Saramago
(pormenor)

Tarefa: Imaginar um texto, partindo de uma


ilustração (de João Caetano) de A Maior
Flor do Mundo de José Saramago
E ali me encontrava, tranquilo e explicando que o Eduardo era o
sereno no silêncio da noite, seu amigo panda.
iluminado pela luz do luar, a
Eu, cada vez mais surpreendido
pensar como poderia começar a
com a situação, respondi:
dar vida a esta minha nova
história. - Não, não vi nenhum panda,
mas se quiseres, posso ajudar a
Com o passar do tempo, do lugar
procurar.
onde estava sentado, fui
percorrendo todos os cantos do Podemos embarcar numa
meu quarto, à procura do que viagem por mundos de piratas e
ainda não tinha encontrado. tesouros, ou até perguntar aos
duendes, ou mesmo aos sábios
De repente, ao percorrer com os
chineses!... Mas, se esse teu
olhos alguns livros da minha
amigo é muito importante e se
estante, fiquei com a sensação
não tiveres tempo para viajar por
de um movimento estranho…
sítios tão distantes, porque não
fixei o olhar e esperei um pouco
perguntas àquela senhora tão
para ter a certeza de que não me
bonita que ali vai a passar? Será
tinha enganado!... Passados
que ela sabe?... É tão
poucos segundos, vi que era
pequenina!
verdade: estava ali um menino,
com um ar vagamente assustado Com um ar indignado, o menino
e um pequeno pato a espreitar exclamou:
por entre as páginas de um dos
- Que ideia é essa! Vê-se logo
livros.
que o Senhor não sabe quem
Livra! Que grande susto que é!... É a minha fada-madrinha, a
apanhei. Não era possível o que minha salvação! Vou já
estava a ver… Para além de perguntar, pois de certeza que
espantado, fiquei ainda mais em ela sabe onde está o meu amigo
sobressalto quando a criança Eduardo.
timidamente me perguntou se
E alegremente, o menino deu
tinha visto o Eduardo. Como não
meia volta e perdeu-se de novo
consegui retomar a fala para lhe
na estante dos meus livros…
responder, o menino lá foi
práticas
‘‘
dossiê b
TEXTO: D I N A C A M E L O , I S A B E L R I B A U E S T E V E S

21
Enquadramento reflexivo dos exercícios
executados
Dado que, atualmente, todos nós a essência teórica final, sintética,
vivemos num mundo cujo reflexiva e crítica sobre os
sucesso depende do domínio caminhos indicados, os
das competências da leitura e da conhecimentos adquiridos?
escrita, durante vinte e cinco Como sumarizar conclusões e,
horas tentámos treinar essas mais do que isso, fundamentar
competências, desenvolvendo opiniões e sugestões, avaliando
estratégias para possíveis as mais-valias obtidas,
explorações multidisciplinares da salientando os aspetos que mais
lectoescrita. ou menos foram valorizados por
nós, e que nos permitiram refletir
Assim, fomos construindo um e/ou intervir sobre essas nossas
espaço, um percurso formativo, próprias práticas? Como aplicar
com várias sessões de natureza as aprendizagens científicas à
teórico e/ou prática, onde, nossa própria sala de aula cheia
tratando de desenvolver as de alunos, à nossa realidade
nossas próprias competências educativa, ao nosso
leitoras de professores, oriundos enquadramento e contexto
de diversas áreas e pedagógico, com determinadas
especialidades disciplinares, com caraterísticas e especificidades,
diferentes conteúdos temáticos operacionalizando essas novas
(neste nosso caso de Ciências perspetivas de conhecimento, e
Naturais e de História), nos ainda tentando apontar novas
interessámos pelos conteúdos, pistas de intervenção futura?...
objetivos, atividades deste novo
processo formativo, tentando No princípio foi o verbo e o verbo
contribuir ativamente para os se fez escrita. No princípio,
trabalhos individuais e de grupo, desde que o homem articulou a
participando presencialmente de fala, desenvolveu-se um sistema
forma construtiva nas sessões de comunicação primário,
plenárias bem como nas tarefas baseado na linguagem oral. Com
não presenciais. o tempo, verificou-se uma
necessidade de fixar esse
Como condensar, com base no sistema primeiro de comunicação
nosso conhecimento profissional e surgiu um sistema secundário,
e nas nossas práticas, essa a linguagem escrita/ lida. A
experiência formativa vivenciada, escrita guarda o verbal, com um
tentando extrair de vinte e cinco conjunto de símbolos, com um
horas de trabalho, da sala de determinado grafismo,
aula da formação de professores, convenções, normas, regras de
práticas
ortografia, com determinadas continuar a analisar em sala de
formas linguísticas, que urge aula, o caso concreto da obra
respeitar. A escrita torna-se um “As vinhas da ira”, de John
código. A leitura com todas as Steinbeck, no sentido de chegar
competências leitoras, uma às aprendizagens científicas
forma de descodificação desse pretendidas, bem como, para
código. E aqui surge o primeiro uma faixa etária ainda mais
ponto de reflexão: se queremos jovem, a exploração do livro “Um
que essa capacidade de leitura, trono para dois irmãos”, de Isabel
de descodificação da escrita se Alçada e de Ana Maria
desenvolva, obviamente que Magalhães. Para esta última
teremos de trazer o livro com obra, construímos um projeto de
diferentes tipos de texto, possível exploração
suscetíveis de exploração, para a multidisciplinar, que vamos
12
22 vivência diária, não só nossa, continuar a enriquecer, no
como dos nossos alunos. sentido de transmitir aos alunos
os conteúdos programáticos, e
Uma primeira reflexão leva-nos neste caso, explorando não só
então a questionar sobre os os aspetos históricos, mas
diferentes tipos de texto que alargando o estudo a todas as
devem ser alvo de uma seleção disciplinas, com análise textual e
para uma posterior exploração atividades lúdicas, inseridas no
com os nossos alunos. âmbito de uma maleta
Antes de mais, esses diversos pedagógica, rica em diferentes
tipos de texto devem estar estratégias e métodos para
relacionados com a exploração desenvolver as competências
de diversas áreas, leitoras dos alunos. Pretendemos
especialidades disciplinares, continuar a alargar este tipo de
consoante os conteúdos estudo de textos, partindo para
temáticos que cada professor novas obras, estimulados
pretende partilhar. Dever-se-á também pela abertura de novas
fazer uma seleção cuidada para perspetivas sobre as de
que estes textos abordem as competências leitoras, sentidas
linguagens específicas de cada como uma fonte de discussão,
área que se quer veicular aos confronto, apresentação,
alunos. Não será difícil pesquisar divulgação, partilha, troca de
e encontrar obras literárias, como saberes, onde é possível
por exemplo as do Plano encontrar e desenvolver relações
Nacional de Leitura, ou outras, interdisciplinares, baseadas na
que estejam aptas a ajudar a complementaridade de diferentes
cumprir esses objetivos de explorações multidisciplinares.
exploração multidisciplinar, Um pressuposto/ ponto de
através de leituras partida leva-nos a relacionar os
diversificadas. No caso concreto diferentes tipos de texto a
das disciplinas de Ciências explorar com os alunos com os
Naturais e de História, abunda a respetivos conteúdos temáticos
quantidade de tipos diferentes de das áreas disciplinares
texto disponíveis. Em História, específicas. Por outro lado,
poder-se-ão analisar excertos de nessa exploração dos diferentes
obras clássicas e não clássicas, tipos de texto em sala de aula, se
incluindo as do novo modelo de pretendemos o desenvolvimento
literatura infanto-juvenil, textos das competências leitoras nos
históricos e historiográficos, e, alunos, uma nova reflexão se
porque não, convidar os alunos a impõe: Que textos selecionar?
proceder à leitura integral da Os alunos levam já a cabo no
obra donde os textos foram seu quotidiano particular, as suas
destacados. Nas nossas próprias leituras selvagens, fora
práticas, já analisámos e vamos da sala de aula. Dentro da sala
práticas
Livros em prateleiras
Fonte: http://alyoda.univ-lyon3.fr/index.php?option=com_content&view=article&id=53&Itemid=62

de aula, inseridas num programa formas de leitura usar, para uma


de estudos, que textos, que melhor exploração dos diferentes
leituras obrigatórias devem ser tipos de textos com os alunos?
exploradas com os alunos, uma
vez que normalmente os alunos A primeira forma de exploração
reagem com pouca motivação às dos diferentes tipos de texto que
leituras programáticas?!... iremos referir, a praticar com os
alunos em contexto de sala de
Ao fazer a seleção desses aula, é uma forma oral de
textos, devem ser levadas em exploração de textos, mais
conta algumas orientações propriamente de atividades orais
essenciais, que permitam uma de “leitura para os outros”, em
escolha mais eficaz, de forma a que se atinge a aprendizagem de
melhor desenvolver as formas eficazes de compreensão
competências leitoras dos do lido, através da dicção, 23
alunos. De toda a vasta cadência, ritmo e tempo ideal de
amálgama de obras do Plano leitura, seguidos de um modelo
Nacional de Leitura, de todas as de avaliação deste mesmo tipo
obras em geral e de todo o largo de leitura. Acreditamos que este
leque de obras do modelo de exercício pedagógico,
literatura infanto-juvenil aparentemente tão simples,
portuguesa, quer nas de vivenciado antes de mais por nós
reescrita de contos tradicionais, próprios, professores em
quer nas obras individualizadas formação, será uma vertente que
com personagens variadas, quer forçosamente teremos de
nas coleções, devemos tentar valorizar nas práticas
selecionar para exploração em pedagógicas com os nossos
sala de aula, diferentes tipos de alunos em sala de aula, uma vez
texto que se adequem aos que constitui um poderoso
interesses e expetativas dos exercício de educação da
alunos, como aprendentes. atenção, concentração, e
memória e, sem esses atributos
Assim, como defende Alice Vieira nunca será possível desenvolver
por exemplo, o produtor de texto, as reais competências da
ou o selecionador de textos para lectoescrita.
exploração, deve avaliar se a
mensagem está adequada ao Para realizar este exercício,
público a que se destina, à poder-se-á solicitar aos alunos
respetiva faixa etária, fazendo que tragam um texto à sua
com que a mensagem responda escolha para posterior leitura na
às necessidades mais profundas aula, seguida da realização de
do pequeno leitor, cujas um breve questionário acerca do
competências de leitura se que foi lido. Nós próprios,
pretendem desenvolver. professores, podemos ler um
texto que se debruce sobre os
Uma vez feita a reflexão acerca conteúdos temáticos a estudar,
de um possível modo de seleção entregando um questionário aos
de obras, de textos para o estudo alunos, cuja resposta correta
exploratório com os alunos em depende de terem escutado a
sala de aula, urge colocar de nossa leitura com a máxima
novo, para que o objetivo do atenção possível, educando essa
desenvolvimento sistemático das mesma capacidade de atenção,
competências da lectoescrita visto que só depois lhes
seja atingido, outras questões entregamos o texto que
complementares: que estratégias acabámos de apresentar
de possíveis explorações oralmente.
multidisciplinares desenvolver
para que se atinjam, então, Depois deste primeiro momento
melhores competências leitoras? de exercícios de oralidade,
que diversidade de métodos e treinámos a exploração de textos
práticas
usando uma nova estratégia de que é importante, uma vez mais,
reflexão sobre a possibilidade de desenvolver a atenção dos
desenvolvimento das alunos, como meio para o
competências leitoras, através de enriquecimento das
atividades híbridas entre o oral e competências da leitura e da
o escrito; ou melhor, em que o escrita e para treinar a fixação e
escrito favorecia a ilusão da memória da palavra certa e da
oralidade. regra adequada.
Para tal, partimos de uma carta Ora, que melhor exercício e mais
escrita por uma personagem original para levar a cabo com os
literária, inventada por Lobo nossos alunos em sala de aula
Antunes, com uma grande que precisamente este?
quantidade de erros ortográficos Poderemos de facto aplicá-lo nos
12
24 e uma notória falta de respeito mais diversos conteúdos
pelas convenções do código temáticos, uma vez que em
linguístico. Apercebemo-nos de todas as disciplinas é necessário
que existe uma clara distância o rigor da correção ortográfica
entre o modo como se fala e o como tratamento de choque para
modo como se escreve: os erros os alunos treinarem e se
ortográficos que encontrámos na aperceberem de todas estas
carta e a falta de conhecimento realidades sobre a escrita, de
das regras convencionais da que nós próprios professores nos
escrita revelam algumas apercebemos. Sem dúvida, uma
caraterísticas socioeconómicas nova mais-valia e um novo
da personagem, assim como a aspeto a valorizar, para as
sua falta de instrução. Ao nossas práticas pedagógicas na
usarmos a estratégia de exploração de textos. E porque
emendar esses erros ortográficos não levar o aluno a reescrever a
e corrigir as regras de escrita palavra em que foi assinalado
violadas no texto, um erro ortográfico, em todo o
compreendemos como é tipo de textos, inclusive nos
prioritariamente fundamental testes, para aprender a escrever
para o desenvolvimento das a palavra corretamente?!...
competências leitoras o
Feita que foi a reflexão sobre
indispensável respeito pelas
estas práticas, satisfeitas por
convenções da escrita e a
vivenciar como professores o
consciência das regras da língua
modelo “Experimente primeiro,
que deverão ser cumpridas, em
avalie depois e aplique, se
conformidade com a norma
entender por bem, na sua sala
portuguesa.
de aula”, partimos seguidamente
Posteriormente, treinámos o para uma nova etapa na
exercício oposto: ao escrever a aprendizagem de novas
página de um diário, tentámos estratégias para possíveis
incorrer nos erros ortográficos explorações multidisciplinares,
que geralmente evitamos, para novas modalidades de
esforçando-nos por vestir a pele exploração de diferentes tipos de
de alguém que pertence a um texto.
estrato sociocultural que não
Desta vez, fomos experimentar
sente as regras de escrita como
as potencialidades modelares do
vinculativas. A dificuldade desse
conto. Lemos, analisámos e
exercício, aparentemente tão
comparámos diversas versões
simples também, e, para nós
de uma narrativa, neste caso o
profundamente pedagógico,
“Capuchinho Vermelho”,
permitiu-nos avaliar a dificuldade
aprendemos as principais
vivida por quem não consegue
caraterísticas, possibilidades de
escrever com a correção
elaboração, fórmulas narrativas
necessária e permitiu concluir
de um conto, experimentando, na
práticas
prática, a criação de uma nova estabelecer as diferenças entre
história. essas realidades, caracterizar a
sociedade do Antigo Regime,
É difícil quantificar quão elevada explicar a origem das eleições e
é a importância do conto como sensibilizar para a necessidade
texto passível de ser explorado de uma cidadania ativa que não
em sala de aula, apresentando-o alimente os números galopantes
não só como motivação, mas da abstenção.
também como instrumento fértil,
para dele extrairmos os Para além do conto canónico,
conteúdos disciplinares que analisámos um tipo de texto
queremos fazer ressaltar no derivado, o texto parodístico, que
nosso enquadramento parte de versões tradicionais já
pedagógico, ou mesmo como existentes, mas brincando com
convite para um exercício escrito alguns preconceitos dos dias de 25
a elaborar pelos alunos, partindo hoje, parodiando estereótipos
desses mesmos conteúdos culturais. Nada melhor para ser
programáticos. Pode, aplicado numa sala de aula de
inclusivamente, servir para a História, mostrando com leveza a
experiência de uma eventual evolução dos aspetos
articulação interdisciplinar entre a económicos, sociais, culturais,
disciplina de Língua Portuguesa políticos, assim como
e os conceitos de outras diversas biográficos, comparando épocas,
áreas disciplinares, por exemplo.
nomeadamente de Ciências
Naturais e de História, Mas não ficámos por aqui e
elaborando, por exemplo, na seguimos para a exploração do
disciplina de Língua Portuguesa, texto dramático, partindo da
contos com temas de História ou mesma matriz narrativa e
de Ciências Naturais. modificando agora o tipo/ modelo
textual. Transformámos o conto/
No nosso caso concreto de ponto de partida, o Capuchinho
trabalho de grupo colaborativo, Vermelho, agora aplicando a
criámos não um, mas dois estrutura do texto dramático e
contos: “Serenela” e “Eleições”. atualizando o tema. Surgiu-nos
O primeiro, para servir os então um diálogo entre uma avó
objetivos da disciplina de e uma neta, num centro de
Ciências Naturais e o segundo acolhimento dos dias de hoje - e
os objetivos da disciplina de já não na casa da avozinha! -,
História. Ambos são exemplo das como sinal dos tempos que
vantagens da utilização do conto vivemos.
em contexto de sala de aula, pois
que, através deles, nas No entanto, a exploração
diferentes matérias, se poderão dramatizada de textos é já um
explorar e consolidar conteúdos. hábito nas aulas de História,
nomeadamente com teatro de
No caso particular do conto fantoches, uma vez que é uma
“Serenela”, podemos explorar forma excelente de tornar a
alguns conceitos, como: História mais viva e presente,
"Tsunami”, “Metamorfose”, quer seja pela dramatização de
“Algas”, os cuidados a ter com o um conteúdo disciplinar em
Sol na praia, aspetos ambientais contexto de sala de aula ou por
(resíduos, poluição…) e de uma peça de teatro que possa,
evolução das espécies. No caso eventualmente, aglutinar a
particular do conto “Eleições”, participação interdisciplinar de
podemos explorar conceitos várias áreas curriculares.
como: “Monarquia Absoluta”,
“Revolução Liberal”, “Monarquia Partindo de um conteúdo
Liberal”, “Constituição”, programático por vezes não
“Separação de poderes”, muito interessante, arranja-se
práticas
12
26
uma estratégia que estimula a “hoje” aparente, mecanismo que
aprendizagem de uma forma irá facilitar a apreensão mais
mais apelativa e criativa, com a rápida dos conhecimentos a
vantagem de envolver adquirir pelos alunos.
ativamente alunos e professores.
Tem sido muito comum a Por fim, refletimos sobre a
exploração de textos com possível exploração de textos,
entrevista histórica e, sem procedendo a um
dúvida, valorizaremos de forma aproveitamento dos seus
frequente e empenhada este elementos visuais. Depois
modo de exploração de textos na refletimos sobre a relação
nossa prática. ilustrador-escritor ao longo dos
tempos e na atualidade, assim
Seguidamente, passámos do como o peso de cada um destes
texto literário para a extensa criadores para as obras
variedade de textos não- imaginadas em conjunto.
literários, sobretudo de textos Igualmente, analisámos
funcionais, de que existem sucessivamente várias imagens,
dezenas de tipos e modelos. lemos depoimentos de
Experimentámos o tipo de texto ilustradores famosos e, com
jornalístico, tentando aplicar base nesses mesmos
também as caraterísticas depoimentos, elaborámos um
próprias previamente analisadas, pequeno texto, em que
fundamentais para este tipo apresentámos a nossa
específico de texto. perspetiva do contributo do
ilustrador para a criação do texto
Mais uma vez, relembrámos a escrito/ artístico.
utilidade destas variedades
textuais num enquadramento Verificámos então que no modelo
pedagógico para converter literário infanto-juvenil existe uma
alguns conteúdos programáticos grande dependência entre texto
em matéria mais facilmente escrito e imagem, sobretudo
apreensível. Por exemplo, os porque no mundo em que
conteúdos temáticos de Ciências vivemos atualmente é a imagem
Naturais, nomeadamente factos que mais apela aos jovens e que
observáveis ou vivenciados, ou mais os leva à leitura. Por isso,
os factos do passado no caso da entrámos na pele de um escritor
História, poderão ser relatados e inventámos um texto partindo
através de notícias, que poderão de uma ilustração (de João
inclusivamente ser publicadas no Caetano) para um livro de José
jornal da escola com a data em Saramago (“A Maior Flor do
que efetivamente aconteceram, Mundo”) destinado ao público
mas usando o repórter o infanto-juvenil. O nosso trabalho
presente do indicativo, num resulta de um verdadeiro fascínio
práticas
Livros abertos
Fonte: http://homebrewedchristianity.com/2011/05/19/theology-nerd-book-survey/
27
pela beleza da imagem/ ponto de tipos de texto com os nossos
partida. Certamente o mesmo alunos, seguimos múltiplos
acontece com os alunos quando caminhos pedagógicos, refletindo
estes, numa primeira abordagem sobre o correto tratamento da
de conteúdos temáticos, se informação/ utilização de fontes,
debruçam sobre as imagens que para pesquisar, selecionar e
lhes são oferecidas para os organizar diferentes tipos de
motivar na aprendizagem e os informação sobre os temas em
ajudar a extrair conclusões sobre estudo, que seja igualmente alvo
os temas em estudo. de localização no espaço e no
tempo, alvo de compreensão e
Desde fotografias científicas a de contextualização.
mapas para localização no
espaço, a imagem é Por fim, não só os conteúdos
fundamental, sendo utilizada a devem ser devidamente
toda a hora na sala de aula de explorados em aula; também a
Ciências Naturais e de História, capacidade de aplicar conceitos
e, depois desta experiência e vocabulário específicos da
formativa que nos fez refletir linguagem científica e histórica
sobre a importância da são fundamentais, uma vez que,
exploração de textos com para além da linguagem do dia-
aproveitamento de imagens e de a-dia, existe toda uma vasta
elementos visuais, continuará a gama de linguagens específicas
sê-lo de uma forma ainda mais de cada área multidisciplinar.
aprofundada. A análise de Usar, pois, cada vez mais
caricaturas deixadas pelos adequadamente as linguagens
vestígios históricos, a análise de das diferentes áreas do saber
cartazes de propaganda política, cultural, científico e tecnológico
por exemplo, serão dois tipos de para se expressar, bem como
imagem a explorar no futuro, usar cada vez mais corretamente
desenvolvendo inclusive a partir a língua portuguesa para uma
delas, a capacidade de melhor comunicação e para
comunicação em Ciências estruturar cada vez melhor o
Naturais e em História, próprio pensamento, é
escrevendo sínteses escritas fundamental como processo de
científicas ou históricas, sucesso na escola e como
esboçando documentários, aprofundamento desejável das
construindo narrativas, competências leitoras dos
organizando exposições, painéis nossos alunos.
ou dossiers temáticos.
Com a aplicação prática e a
utilização de todas estas
diferentes explorações de vários
práticas
12
28
Unidade 1
Tarefa: reescrever a crónica “Esta que se
acina Gabriela” de António Lobo Antunes, de
acordo com a norma ortográfica portuguesa
Dona Graciete, muito estimo ao receber esta, esteja de boa e feliz
saúde, na companhia de todos os seus, que eu bem graças a Deus.
Dona Graciete, estou a escrever, porque li no jornal o que
aconteceu ao seu filho Cabé, com a cruz e o retrato e tudo. E por
sinal, que a fotografia ficou linda - valha-nos isso -, logo por cima de
Carlos Alberto Nunes Garcia. Faleceu confortado com todos os
Sacramentos da Santa Madre Igreja.Fiquei tão nervosa que nem o
jantar fiz em condições… Apaguei a novela da televisão, quando o
engenheiro ia dizer à datilógrafa que a amava e eu à espera disso
há seis meses, que o ator não se decidia nem a pau, para enervar-
me…Portanto, li o jornal e comecei a chorar de tal maneira, que
quando o meu marido chegou me disse:
- Tens os olhos inchados, Gabriela!
E eu disse que era do refogado de cebola e ele, que é desconfiado
que se farta e pesa noventa e sete quilos:
- Refogado, o tanas!
E eu a enxugar as lágrimas no avental, com o Trio Odemira
estampado:
- Seja cega se não é o refogado!
E ele já estava a acreditar em mim, quando viu o jornal e eu a
querer-lho tirar… E ele:
- Com que então o Cabé esticou o pernil?!...
Veja só, Dona Graciete, a falta de respeito!...
E eu logo:
- Devia ter casado com o Cabé, em lugar de casar contigo,
morcão!
Que eu medrosa não sou, Dona Graciete!...
Eu gostava muito do seu filho, apesar de fraquinho dos pulmões e
andar sempre a tossir e no Doutor da caixa, com aquelas febres…
Mas, pelo menos, não me batia e fazia de mim uma princesa!... Até
um dia um anel de prata me ofereceu…
E se lhe escrevo agora, era a pedir que me devolvesse as cartas
que eu escrevi ao Cabé, não vá o meu marido tomar conhecimento
delas, que o meu marido é bruto como as casas... E aos sábados,
práticas
quando chega da bisca de nove do Recreativo, vem logo de braço
no ar para me assentar porrada sem motivo nenhum:
- Ai minha cabra, que andas para aí a enganar-me!...
E a senhora pode ser infeliz com a morte do seu filho, mas fique
certa que eu não sou menos. Cá me vou consolando com o Bruno
Alexandre, que graças a Deus é sãozinho, tirando as marcas das
bexigas...
E a minha vida é um tormento! O que me consola é a novela…
Mas depois, começo a lembrar-me do Cabé e só consigo dormir a
poder de comprimidos e injeções de beber… E a médica de família:
- Anda a perder peso, Dona Gabriela!
E eu sem poder explicar que é do desgosto do Cabé, que não me
sai da ideia. Se eu explicasse, a enfermeira do Posto, que é 29
cunhada do primo do meu marido, fazia logo um escândalo na
família e o meu marido chegava do Recreativo e nem um cabelo se
me aproveitava.
- Dona Graciete, não sei se a Dona Graciete se recorda de mim:
eu sou aquela loira para o forte que trabalha de cabeleireira no salão
Rosa azul e que a senhora um dia, ao chegar mais cedo das
compras, encontrou com o Cabé a brincar aos pais e às mães. Não
vale a pena dizer onde, mas fique tranquila que não engravidei, nem
nada!... E isto, ainda não há um mês, quando o meu marido foi de
serviço a Beja... E ao depois, o Cabé passou na Rosa Azul, há de
haver duas semanas, a perguntar:
- Quando é que o veado vai outra vez a Beja?...
E eu baixinho, para a patroa não ouvir:
- Em março!...
E agora, de repente, leio no jornal que ele se apagou…
Dona Graciete, mande-me as cartas, pela sua saúde, que se
podem perder. E as coisas aqui nos Olivais sabem-se logo. E eu não
quero barracas, que tenho o Bruno Alexandre para criar e não posso
viver com a criança numa parte da casa com serventia de cozinha.
Eu sei que a Dona Graciete compreende a vida!... Se me mandar as
cartas, eu devolvo-lhe a caixa de tartaruga que parece plástico, que
trouxe do seu quarto por engano. Temos de ser umas para as
outras, não é?!… Hoje, sou eu a precisar, amanhã é a senhora.
Prometo que na quinta-feira vou pôr flores na campa do seu filho,
se as rosas não estiverem caras, que o que eu ganho como
cabeleireira nem para os transportes dá e o meu marido é um unhas
de fome, que só visto!…
Dona Graciete, o Cabé fica no meu coração para sempre, apesar
da fraqueza dos pulmões e outras fraquezas que eu não posso
contar, porque era o moço mais respeitador que eu encontrei… E
isso é o maior elogio que se faz a um defunto!
E ao demais, aceite os cumprimentos desta que se assina:
Gabriela da Conceição Filipe
Já me esquecia de dizer-lhe que além da caixa verde, veio sem eu
dar por isso, um pacote de bombons com recheio de anis… E a
esses, desculpe, comi-os com o desgosto… Mas, fique descansada,
que guardei as pratas e posso entregar-lhas… Que dão para meter
umas ao lado das outras, numa moldura de louça, em cima da
televisão… Aquela cantora que ganhou um prémio, tem, que eu vi
numa revista. E é lindo, com um naperon por baixo! Obrigadíssima!
práticas
12
30

Tarefa:
Mulher a escrever - Pablo Picasso (1934)
Fonte: http://www.wikipaintings.org/en/pablo- escrever uma página do Diário de Gabriela
picasso/woman-writing-1934

Querido Diário
Ai que cuando abri a porta e me foi dado olhar sinhores com estes
que a terra áde comer querido diário açim de bandeja para aquela
mistura de sorrizo á trio Odemira muscalos como o morcão sinco
anos antes de se cazar e mãos compridas como o Cabé até á ora
de se apagar, fassa favor minha sinhora aci tem o seu xá e os seus
bizcoitos tão fino nos modos está bem muito obrigada deiche aí em
sima dessa meza que eu já lavou não lavei não senhor que eu já lá
vou. Não rezisti a dar dois dedos de converça a conciência a doer
enquanto olhava para a argola do guardanapo não metas o pé na
argola Gabriela da Conceição Filipe não arranjes nenhum trinta e um
acabamos por trucar os numeros de telemovel porque pelos vistos o
rapas istá a pensar ir viver para capital se lá incontrar meios de
çustento e eu atão porque nesta vida temos que çer mesmo uns
para os outros porque senão esta vida perdia a validade eu lá me
pus ao dispor do rapas para tudo o que ele tiver pressizão e
grassas a deus não foi desta que meti o pé na argola hoje não meti
o pé na argola palavra de Gabriela ispero é que o rapas nunca se
apersseba que na argola meti foi a mão que deus me perdoe que
até gosto sempre de faser este çinal da cruz para me protejer mas
amanhã é o dia dos inganos e a argolasinha do guardanapo com
aqueles brilhantesinhos que paressiam diamantes combinava tão
bem com a minha loussa da cristaleira da çala de jantar.
práticas
Unidade 2
Tarefa: elaborar um conto tradicional, de
acordo com as regras desta matriz narrativa
(1º modelo)

31

Serenela
Ilustração de Dina Camelo

Era uma vez uma jovem sereia parecia estar a ocorrer um


chamada Serenela, com longos tsunami. A jovem sereia, que se
cabelos dourados que pareciam encontrava a brincar com o seu
raios de Sol e que vivia nas melhor amigo, um golfinho
profundezas do oceano. Os chamado Tico, apercebeu-se que
olhos eram verdes como duas na superfície do mar um barco se
esmeraldas, exibia um corpo encontrava em apuros e gritou:
esbelto, e, apesar de ser sereia, - Olha Tico, estão em perigo!
apresentava duas pernas como - Vamos ajudá-los! – apressou-se
os humanos, ainda que cobertas Tico a responder.
por uma fina camada de Num instante, a embarcação
escamas que pareciam feitas de afundou-se, arrastando consigo
cristal. Era meiga, atenciosa e Pedro, um jovem e belo
gostava muito de ajudar os pescador. Serenela, sem
outros habitantes do oceano; por pestanejar, agarrou nele por um
isso todos a adoravam. braço e com a ajuda de Tico
A jovem sereia sonhava um dia levou-o de novo para a
conhecer os locais para além do superfície, arrastando-o depois
oceano; os locais onde habitam até à praia.
os humanos e experimentar esse - Os humanos não mudam,
mundo alternativo, embora os continuam a poluir as praias!...
seus pais reprovassem tal ideia. Olha Tico, sacos de plásticos,
Numa tarde de inverno, quando garrafas, latas de conserva,
tudo parecia normal, as águas do papéis, enfim, uma imensidão de
oceano revoltaram-se de tal resíduos espalhados neste
forma que por toda a parte areal…
práticas
- Pois, Serenela, se fosse só nas voltou a fechá-los e desfaleceu.
praias… O pior é que nós Piloto, ao ver que pouco mais
também sofremos com os poderia fazer por aquela
resíduos que as ondas roubam estranha criatura, correu para
ao areal e com aqueles que casa atravessando a praia a toda
lançam na nossa casa… a velocidade. Ao chegar, ladrou
Na areia da praia, Serenela muito alto para chamar a atenção
deitou-se ao lado do jovem e do seu dono, um pescador da
ficou largos minutos a praia, chamado Pedro. O dono
contemplar aquele belo rosto olhou, perplexo, para o cachorro
bronzeado pelo Sol, até que o e indagou:
rapaz abriu os olhos. Receosa, a - O que se passa?!… Estás muito
jovem sereia fugiu para o mar e irrequieto!…
desapareceu nas ondas, - Uf! Uf! Uf! Uf!...
12
32 juntamente com o seu amigo. - É melhor que te expliques,
A imagem daquele jovem nunca assim não te entendo!
mais saiu do pensamento de - Uf…Uf, uf… (Este meu dono
Serenela desde aquele não pesca uma…)
acontecimento nessa tarde. Dia - Queres que vá brincar contigo,
após dia, a jovem sereia vinha à não é?!… – interrogou Pedro.
superfície e debruçava-se sobre - Uf (Também serve, vamos lá!)
um rochedo no oceano perto da E lá foi o Piloto, de volta à praia,
beira-mar, na esperança de arrastando consigo o Pedro.
avistar ao longe, de novo, aquele Quando chegaram, Pedro
rosto encantador que lhe reparou num corpo esbelto
preenchia o pensamento. envolto numa imensidade de
Certo dia, a jovem sereia, algas, junto à beira-mar e
cansada de esperar, adormeceu acelerou imediatamente o passo.
ao Sol e o seu corpo ficou - Será que estou a ver bem?!...
desidratado, causando-lhe Parece uma sereia!...
queimaduras. Sem forças, Apercebendo-se da debilidade de
começou a desfalecer, sendo Serenela, tirou imediatamente a
arrastada pelas ondas em t-shirt, molhou-a na água do mar
direção à praia. O dia tornou-se e cobriu-lhe o corpo, com muito
cinzento e algumas gotas de cuidado.
chuva começaram a salpicar o - Este rosto?!… Eu conheço-te!...
areal. Ao longe, o latido de um Foste a minha miragem! És a
cão fez-se ouvir e reclamou a “minha” sereia!
sua atenção. Ergueu os olhos e Serenela ouviu aquela voz e
viu aquela personagem de quatro quase instantaneamente abriu os
patas a dirigir-se lentamente para seus belos olhos.
ela, com um ar bastante - É ele! É ele! O “meu”
surpreendido. Piloto, era esse o náufrago!...
seu nome, interrogava-se sobre - O que aconteceu? – perguntou
aquele estranho ser que parecia Pedro.
um peixe, mas tinha forma quase - O que será que ele me quer
humana. Aproximou-se e dizer?!... Será que me
interrogou: entende?!...
- Quem és tu?!... Não Pedro envolveu com os seus
respondes?!... Que tens?!... braços a jovem sereia e levou-a
Com algum receio, aproximou-se para sua casa, uma cabana de
um pouco mais e reparou madeira que se encontrava
nalgumas feridas que cobriam próximo da praia. Colocou-a na
aquela estranha pele. sua humilde cama de bambu e
Instintivamente, lambeu-as com começou a cuidar das feridas da
carinho. Serenela abriu sua bela sereia.
ligeiramente os olhos, mas como Algumas horas depois, Pedro
estava muito enfraquecida, perguntou a Serenela se ela se
práticas
recordava dele de algum sítio repente, as escamas da jovem
onde estivera. Ela não percebeu sereia começaram a soltar-se
uma única palavra, mas aquele uma a uma, desnudando a pouco
rosto meigo e atencioso deu-lhe e pouco, um perfeito e acabado
muito conforto. Já não sentia dor par de pernas humanas.
e não sabia se era pelos Serenela exclamou:
cuidados recebidos ou se era - O que me está a acontecer?!…
pela presença ao seu lado de tão Oh! Já falo como os humanos…
bonito e generoso pescador. Pedro, espantado com toda
À medida que os dias iam aquela súbita metamorfose de
passando, Serenela recuperava Serenela, confirmou:
lentamente as suas forças e - Afinal, o velho sábio tinha
crescia a pouco e pouco entre os razão!… Agora que me
dois jovens uma grande paixão. compreendes, gostaria que me
Pedro estava preocupado com o esclarecesses uma dúvida que 33
que sentia, pois aquele amor não desde que te vi não me sai da
se podia realizar. De súbito, cabeça… Pensava que as
lembrou-se que talvez o velho sereias tinham uma longa cauda
sábio pescador que vivia no fim que terminava numa barbatana.
da praia o pudesse ajudar. Para Mas tu apareceste-me com duas
tomar conta da jovem sereia, pernas protegidas por
desprotegida na sua ausência, escamas…
Pedro chamou o Piloto: - É uma longa história, mas
- Piloto, deita-te aqui! E livra-te foram vocês, humanos, que
de saíres daqui!... Eu já volto! provocaram esta evolução!
- Uf, uf… (Também só sabes - Explica-te melhor! – suplicou
mandar…) Pedro.
Pedro, ao chegar à casa do - Os resíduos que os humanos
velho sábio, bateu à porta e uma lançam irresponsavelmente para
voz rouca bradou de lá de a areia, a pouco e pouco vão ter
dentro: ao interior do mar e deixam-no
- Podes entrar meu filho! poluído… Os meus
Logo a seguir inquiriu: antepassados começaram a vir à
- Que te traz por cá? noite limpar o areal como meio
Pedro sentou-se num pequeno de defesa contra a extinção da
banco por ali abandonado e espécie e assim, ao longo dos
contou o melhor que pode toda a tempos, sucessivamente, as
sua história. O velho sábio ficou nossas longas caudas foram-se
alguns minutos pensativo. Em transformando em duas
seguida dirigiu-se ao jovem potenciais pernas ocultas, com
tranquilizando-o: características cada vez mais
- Olha, meu filho, se realmente o semelhantes às dos humanos…
que sentem um pelo outro é Mas esta evolução foi com a
mesmo verdadeiro, não precisas nossa espécie… Porque a maior
de fazer nada… Confia na parte das espécies marinhas não
pureza e verdade desse amor e chegam a evoluir, porque,
cedo verás… simplesmente, não conseguem
Pedro regressou a casa, mas as sobreviver…
palavras do velho sábio não lhe - Ah, agora, percebo! – És a
saíam da cabeça. Serenela, exceção que confirma a regra! -
apercebendo-se da sua retorquiu Pedro extasiado.
inquietação, aproximou-se e Depois de esclarecida toda a
abraçou-o carinhosamente. rede de mistérios, Pedro e
Pedro, verdadeiramente Serenela, casaram, viveram
apaixonado por Serenela, felizes para sempre e realizaram
abraçou-a também e depositou- juntos várias campanhas de
lhe um beijo nos lábios, ao de sensibilização a favor da
leve. Serenela correspondeu. De proteção do meio aquático.
práticas
Tarefa: elaborar um conto tradicional, de
acordo com as regras desta matriz narrativa
(2º modelo)
bocejando de desinteresse, até
Eleições que no fim do livro encontrou
uma fotografia antiga, tirada à
ERA UMA VEZ um menino frente do casarão onde vivia
chamado Tomás que estava agora com os pais, onde estava
muito triste e enfadadiço, porque um senhor de barbas em pé, em
era Domingo e os pais não o primeiro plano, no meio de uma
tinham levado a passear à praia multidão imensa com cara de
como habitualmente porque poucos amigos... De súbito, entre
12
34 nesse dia deram a desculpa, um bocejo e outro, o livro e a
para ele esfarrapada, que tinham imagem pareceram ficar
de ir votar nas eleições. animados e arrastaram-no para
- Que chatice! – vociferava o um infinito mar de gente em fúria:
menino – lá tenho eu que - Liberdade! Igualdade!
aguardar que os meus pais Separação de poderes! – Gritava
voltem! Votar! Votar! Coisas de a multidão, eufórica, com os
adultos… Votar!?... Para quê?!... braços levantados, para se fazer
Está um dia de praia tão lindo, ouvir melhor – Queremos uma
porque não desistiram eles de ir Constituição!...
votar nas eleições?!...” É o nosso - Ui, onde estou?! Onde vim
dever cívico”, berrou o meu pai! parar?!... Tenho a cabeça às
Bem gostaria eu de saber voltas!... – perguntou o menino
quando e porquê começou a Tomás, completamente perdido.
existir tal coisa, que me fez Estava frente a frente com o
perder um tão belo dia de praia! senhor das barbas, que lhe deu a
Quando for grande não hei de mão para o ajudar a levantar e
perder dias de praia para ir votar! que lhe respondeu:
Enquanto vociferava, o menino - Oh, miúdo! Ainda és novo para
Tomás ia olhando distraidamente andar por aqui! Mas, para lutar,
para a estante cheia de livros do todos servem, nunca somos
escritório do pai, até que, para se demais!
entreter, foi tirando e folheando
vários livros, um por um, até dar - Lutar, porquê?!...
de caras com um livro enorme, - Então, não sabes?!... Aqui
que parecia muito, muito velho e somos todos habitantes de um
que lhe deu um trabalhão a tirar reino onde o rei manda em tudo
da última das prateleiras de sozinho, onde concentra todos
cima. os poderes... É ele quem faz as
- Que pesado! – queixou-se o leis, quem as executa e quem
Tomás – está cheio de pó e julga quando alguém não cumpre
aposto que é uma seca como os as leis… Estamos fartos de um
outros! Nenhum livro tem monarca absoluto e queremos
imagens… São só letras, só um monarca liberal… É por isso
Ilustração de Dina Camelo
letras, só letras! Este aqui diz que estamos a fazer esta
“CONSTITUIÇÃO”!… Pois, bem revolução…
me parecia! Que tédio! É só - Ah, vim parar a uma
artigos, artigos e mais artigos!… revolução?!...
Enquanto se queixava, Tomás Dois homens com o ar miserável
recostou-se no velho sofá do de quem tinha andado a passar
escritório, para melhor poder fome a vida inteira, juntaram-se à
sustentar nas pernas o peso do conversa:
livro aberto e a pouco e pouco foi - Nós, os camponeses e os
bocejando, bocejando, operários, trabalhamos de sol a
práticas
sol sem ganhar quase nada, representantes do povo que vão
nunca estivemos em igualdade escrever a Constituição?!...
com a minoria rica e nobre da Como vão eles para o
população mas que tem a parlamento?!... – perguntou
maioria das terras e recebe os ainda o Tomás.
nossos impostos… Pagamos - Através de eleições! As eleições
impostos e eles não… Não são fundamentais para o povo ter
temos privilégios como eles… O poder… São a única maneira de
nascimento marca-nos… o povo, injustiçado, que nunca
- Então e nós, a burguesia?!... – teve poder, ter finalmente a
acrescentou o simpático senhor possibilidade de também
das barbas – trabalhamos muito mandar… Cabe uma migalha de
no comércio, na indústria, na poder a cada um, mas a maioria
banca, ganhamos muito, vamos ganha e faz a força…
estudar, mas não podemos ter Continuaram a conversar, por
35
voz para manifestar as nossas entre os tumultos
opiniões contra o rei absoluto, desgovernados, sem rei nem
não temos liberdade para roque. Tomás estava fascinado
denunciar as injustiças… Não com aquela conversa. Tinha
podemos ter cargos importantes realizado o sonho de perceber o
na política, no exército, no porquê das eleições. Ia colocar
Estado… de novo uma pergunta, quando…
- A lei nunca foi igual para - Fujam, fujam, que a Guarda do
todos… - lamentaram os rei está a perseguir os
camponeses e os operários. revoltosos!...
- Então e o que é um monarca Pernas para que vos quero! Num
liberal?!...- perguntou o Tomás. ápice, Tomás, assustado,
- É um rei que não manda desatou a correr no meio da
sozinho… Que dá vez e voz ao multidão em debandada. Perdeu
povo… - retorquiu o sábio senhor de vista o generoso senhor das
das barbas - O povo é que deve barbas. Um foco de resistência,
fazer as leis… O povo também aglomerou-se ao fim da rua,
deve julgar quem não cumpre barrando a passagem dos
essas leis… O rei, para ser justo, partidários absolutistas.
deve fazer uma aliança com o - Viva a Monarquia liberal! Viva!
povo, repartir o seu poder com o Tomás, sempre a correr, virou-se
povo… para trás e olhou de soslaio, para
- Ah, é isso a separação de tentar localizar o seu recente e
poderes?!... barbudo amigo, quando, horror
- Sim… O rei deve mandar dos horrores, foi apanhado por
executar as leis que o povo faz… um outro grupo de absolutistas,
Dar-lhe liberdade e igualdade… - fiéis ao rei.
esclareceu – Eu próprio, se a - Larguem-me, larguem-me! –
revolução vingar, penso ir para esbracejou, tentando libertar-se –
deputado, representante do povo a razão não está do vosso lado…
no parlamento, para poder ajudar A maioria da população vive na
a escrever as leis de uma miséria!... Abaixo os privilégios
Constituição… injustos só de alguns!...
- Constituição!! Ora, ora, em que Mas não largaram… Tomás foi
consiste mesmo a preso juntamente com um
Constituição?!... – indagou de pequeno grupo de liberais que
novo o Tomás. tentava também escapar, rua
- É um grande livro onde estão fora, duma eventual prisão, mais
escritas as leis do país, assegura que certa.
a liberdade, igualdade e Durante um dia, conheceu os
separação de poderes!... calabouços escuros da cidade.
- Então e como se escolhem os Ninguém se condoeu com os
práticas
seus imberbes anos. Manifestara ruas… Tenho fé no futuro com
convicções a mais para idade a rapazes atentos à qualidade de
menos. Que perigo deixar vida do seu reino como tu…
contaminar o futuro com as Deves honrar as pequenas
ideias subversivas de rapazinhos vitórias conquistadas a pulso
a desabrochar! Permaneceu pelos bons inconformados que te
atrás das grades com os precederam…
deserdados da sorte e com gente Estava Tomás a assimilar nas
cheia de mérito, cujo único crime costas uma palmada vigorosa de
fora não concordar com o incentivo do senhor das barbas,
sistema político vigente naquele quando, de repente, escutou
reino desencantado. Ouviu todas uma voz longínqua:
as conversas. Tirou todas as - Acorda, Tomás, já chegámos
conclusões. Partilhou a magra das eleições! Adormeceste?!
12
36 malga de um caldo breve,
sorvido no coletivo, por bocas - Ãh?!... Onde estou eu?!...
famintas. Perdeu a noção do Adormeci com esta Constituição
tempo, só a barriga dava horas. em cima das pernas e tive um
Viu de relance os séculos e sonho fantástico… Nem
séculos em que a vida precária, imaginas, Pai! … Já é de noite?!
analfabeta da esmagadora … Demoraram tanto tempo?!...
maioria da população não - Sabes como é o trânsito no
mudara, sempre ao serviço da Porto!… Ah!… Há que tempos
ganância arrogante dos que que andava à procura dessa
acumulavam privilégios, num fotografia. Onde a encontraste? –
reino estagnado de injustiça. Era exclamou o pai do Tomás.
a lei do mais forte. E mesmo - Estava dentro da Constituição.
quando a vida sorriu a alguns e - Sabes quem é esse senhor das
já tinham dinheiro e estudos, era barbas que está ai no meio da
a lei do preconceito. Que não multidão? É o teu bisavô, que
opinasse quem estava fora do lutou apaixonadamente pela
bafio dos pergaminhos e das causa liberal!
linhagens. O povo não tinha voz. - O quê??!!…
Não podia votar. Não podia
estabelecer as leis. Ficou atónito o Tomás. Entupiu
de estupefação. O pai nunca
Estava Tomás nesta miscelânea imaginaria mesmo!… Iria
amarga de pensamentos, começar a prestar mais atenção
quando ouviu ali perto, numa à história da família e à
divisão contígua às celas dos qualidade e condições de vida do
presos, uma voz que lhe era seu país… A professora de
familiar. Era a voz do sábio e Formação Cívica já tinha
simpático senhor das barbas. realmente falado da necessidade
Ali?!... Que estava ele ali a de uma cidadania ativa…
fazer?!... Entrou nas celas o
guarda com as chaves e No famigerado dia das eleições,
começou a abrir as portas. o Tomás descobriu o que uma
imagem e as duas asas livres de
- Libertos! Estais libertos! um livro aberto, nem que pareça
Ganhou a revolução! – decretou muito, muito enfadonho, podem
euforicamente o senhor das fazer por nós, se aceitarmos voar
barbas, rodopiando de alegria, com elas na viagem labiríntica de
pelo chão envelhecido – Bravo um livro voador.
rapaz, andei à tua procura! Vi
que te prenderam e depois não Uma coisa era certa: Tomás
soube mais nada de ti… decidira que quando fosse
Desconfiava que estarias por grande, nunca por nunca faltaria
aqui, mas era necessário a um dia de eleições, mesmo
arregaçar as mangas para que estivesse um belo dia de
continuar a luta lá por fora nas praia.
práticas
Tarefa: transformar um texto narrativo em
texto dramático 37

Capacete vermelho
A cena passa-se entre uma avó e uma neta, no dia dos avós, num
Domingo à noite, num Centro de Acolhimento:
(A neta, de minissaia, top, phones, capacete vermelho, com uma
cesta na mão e a dançar, inclina-se para a avó)
NETA - Boa noite, avó, como passaste o dia?!... Beijinho!
(A avó recusa ligeiramente o beijo, embora o aceite)
AVÓ - Boa noite, não! Pelo contrário! Estou enervadíssima!…
Ninguém me liga! Estive todo o dia à sua espera e a menina não
apareceu… Fiquei aqui abandonada todo o dia sem ninguém dar
sinal de vida!...
NETA - O quê, avó?!... Sida?!... Ora, ora!... Não fales nisso agora!
Tens passado a vida a avisar-me para os males da época! Estou a
chegar tarde porque ontem à noite fui à Discoteca e acordei hoje há
pouco tempo, às seis horas da tarde…
AVÓ - Ora, ora?!... A orar estive eu!... A essa hora estava eu a rezar,
na minha hora do Angelus, rodeadinha dos meus santinhos todos, e
a pedir para que nada de mal lhe pudesse acontecer… Já era tão
tarde e a menina sem aparecer… Não é que eu não esteja
acostumada a isso, mas a esperança é sempre a última a morrer…
(A neta tira o computador da cesta que tem na mão e entrega-o à
avó)
NETA - O quê, avó?!... Tem de ser?!... Ah, pois tem! Trago-lhe aqui
nesta cestinha um computador portátil para quando a avó se sentir
assim muito abandonadinha, falar connosco no Messenger, pela
Internet!
(A avó leva as mãos à cabeça)
AVÓ - Oh, Deus! Interneta?!... Já tenho por aí ouvido falar dessa…
Mas eu para neta e para virtual já me basta a menina!... Que vem a
ser isso?!... Não domino! Preciso de alguém que me ensine…
NETA – O quê, avó?!... Assassine?!... Oh, avó, que pensamentos
tão macabros! Nem pense em tal! Se já há lares para que é precisa
a eutanásia?!...
AVÓ - Ah, sua mal educada! A menina não acha que com o frio que
está devia vir mais bem vestida?!...
práticas
Ilustrações de Gustave Doré para um conto
de Charles Perrault «Petit Chaperon Rouge»
Fonte:
http://commons.wikimedia.org/wiki/Gustave_
Dor%C3%A9
12
38
NETA – O quê, avó?!... Despida, eu?!... Então… É a moda! Trago
esta mini- saia que me tapa até às virilhas, mas, ontem à discoteca
levei um cinto…
(A avó gesticula muito e usa o indicador)
AVÓ - Olhe menina, eu cá… Também sinto muito… Mas até parece
que não lhe deram educação… Olhe, por acaso a menina pensa que
tudo, inclusivé a família, é tão descartável como essa chiclete que
ainda não parou de mascar avidamente desde que chegou aqui?!...
Olhe, e se a menina se limpasse como deve ser, que parece que já
não há raparigas limpas?!... Já reparou que está toda suja de óleo
da mota, no intervalo dessas suas tatuagens?!... E se a menina
fizesse o favor de parar de se abanar tanto ao som dessa sua
música secreta e tirasse esses inoportunos phones?!... E se
pendurasse com um fio uma nota com a lista dos seus deveres
nesse piercing que aplicou na língua, que é para não se lembrar só
dos seus direitos?!... E sobretudo, sobretudo, se a menina tirasse
esse horrível CAPACETE VERMELHO que a faz ainda mais
cabeçuda do que já está, esse capacete que lhe deve amparar bem
as quedas… Bem sei!!… Mas que junto com esses phones a põe
surda que nem uma porta e a impede completamente de ouvir aquilo
que eu já lhe disse e aquilo que eu ainda tenho como um espinho
atravessado na garganta para lhe dizer?!...

Tarefa: transformar um texto narrativo num


texto jornalístico
Maria Passos Dias Aguiar não ter
NO DIA DOS AVÓS: retirado os phones dos ouvidos e
o respetivo capacete vermelho,
diálogo impossível que usara durante a viagem de
entre avó e neta mota para o referido Centro de
Acolhimento.
Testemunhas oculares do facto,
Ontem à noite, Dia do Avós, no que preferiram não identificar-se
Centro de Acolhimento de Vale e auxiliares de limpeza do Centro
de Espinhos, Maria Armando de Acolhimento, relataram ao
Guerra, de 80 anos e a sua neta, nosso jornal que presenciaram o
Maria Passos Dias Aguiar, de 18 tom aceso da malograda
anos, viram-se impossibilitadas tentativa de diálogo entre avó e
de manter um diálogo normal neta. “Tentámos, debalde,
entre as duas, devido ao facto de convencer a neta a tirar os
práticas
39
phones e o capacete para ouvir a difícil garantir que situações
avó, e a mal educada, que como esta não voltem a
chegou à hora do fecho, quase acontecer. Os nossos idosos
nua e suja de óleo da mota, não necessitam de proteção e
fez mais nada senão abanar-se. respeito”, afirmaram alguns
Fez completas orelhas moucas a elementos da Associação de
toda a gente, deixou um Familiares e Amigos dos Idosos
computador à avó e foi logo do Centro de Acolhimento de
embora sem tirar o capacete”, Vale de Espinhos. “Nós
afirmaram as referidas tentamos, mas somos poucos.
testemunhas e auxiliares. Precisamos de sensibilizar cada
Digno de relevo é ainda o facto vez mais pessoas para as
de estas testemunhas terem situações de abandono dos
igualmente afirmado que, na idosos, tanto mais que somos um
atualidade, são cada vez mais país em galopante
comuns casos idênticos de envelhecimento” –
incapacidade de diálogo e de acrescentaram.
abandono de idosos, devido à Foi estabelecido contacto com a
falta de valorização da terceira avó Maria Armando Guerra, que
idade e aos exageros no domínio lamenta a situação, reforça a
das novas tecnologias. Estas, ideia de abandono dos idosos
substituem na maioria das vezes por parte de muitas famílias e
o contacto presencial com os duvida das suas capacidades
idosos, sendo que a esmagadora informáticas. “Eu também posso
maioria destes não tem qualquer falar com a família por telefone,
formação em informática, pelo sem dar a cara… No
que são praticamente computador, pelos vistos,
despejados no Centro pelas suas aparecemos nas câmaras, mas
famílias de base, sem acho muito triste o mundo ter
posteriores verdadeiros diálogos chegado a esta situação de falta
ou contactos. de respeito… Eu ainda sou do
O nosso jornal teve tempo em que não era assim!..”
conhecimento de que foram já – referiu.
apresentadas algumas propostas À hora do fecho do nosso jornal,
junto da Direção do Centro de Maria Passos Dias Aguiar, pelos
Acolhimento de Vale de Espinhos vistos conhecida no seu bairro,
no sentido de garantir que, em como a “acelera” ou “Capacete
próximas situações, os visitantes Vermelho”, encontrava-se em
dos idosos do Centro sejam paradeiro incerto, tendo sido
obrigados, entre outras medidas, infrutíferas todas as tentativas de
a retirar à entrada os respetivos contacto com a mesma, por parte
phones e capacetes. “É muito deste jornal.
práticas
12
40

Ilustração de João Caetano para o livro


«A maior flor do mundo», de José Saramago

Unidade 3

Tarefa: reflexão crítica sobre os


depoimentos dos ilustradores
A ilustração deve refletir uma coabitação entre o escritor e o
ilustrador, para que este último entre no texto para o entender,
transformando uma ideia numa imagem capaz de falar com
dinamismo, onde os desenhos, as formas e as cores não traiam a
história narrativa, tentando a fidelidade à mesma, não traindo o
escritor, mas não esquecendo que é dirigido ao leitor/ público mais
pequeno e que deve abrir possibilidades à sua imaginação, dentro
de todas as infinitas hipóteses de ilustração, permitindo fazer sonhar
para além do texto.
práticas
Ilustração de João Caetano para o livro
«A maior flor do mundo», de José Saramago
41
Tarefa: imaginar um texto, partindo de
uma ilustração do livro de José Saramago
“A Maior Flor do Mundo”
Que o copo que elevo na minha mão seja a minha bola inspirada de
cristal.
Concentro-me na quietude da água que o preenche e sinto a bulir
nos olhos húmidos o caudaloso túnel da memória de todas as
minhas histórias de encantar. O relâmpago luminoso das origens
onde pernoitou a minha infância, debaixo de um teto alentejano de
estrelas, tantas vezes cadentes como as fadas, ao som da
indiscrição dos grilos, da disciplina militar das formigas e do
melódico canto das cigarras, onde, por cada porta fechada na fábula
humana do bicho homem, se abria na charneca desolada a janela
alternativa dos sonhos e da imaginação. Janelas alternativas que a
vida real fez arquivar nas prateleiras do tempo. Que se evapore o
caruncho e o bafio dos tempos dessas prateleiras. Que ganhem
vida! Que o sol da solidão dos heróis arquivados de infância se
zangue com a própria palavra que lhes tem servido de berço e nos
dê de novo as suas artimanhas. Que ressuscitem os heróis
arquivados e que tragam um amigo também. Que se abram todas as
janelas fechadas de par em par para todos os desfiladeiros das
fadas cadentes de outrora. Que fluam das suas sábias varinhas de
condão, todos os tesouros, todas as ilhas, todos os piratas, todos os
duendes, todos os gnomos, todos os génios da lâmpada, que em
uníssono ou em confronto, todos juntos, entre eles mesmos, logrem
tecer os fios da trama que à partida julgo já não ser capaz, que se
divorciou de mim no dealbar do homem supostamente crescido, a
urgir o socialmente enquadrado, sensato, estandardizado.
À minha frente, o manto branco da fantasia, espera pacientemente
por todos os bordados de alma que a pena pontiaguda como a
espada de excalibur seja capaz de esboçar. Pela ponta certa do
novelo colorido que seduza as agulhas tecedeiras dos esquissos,
num templo esculpido da magia de todos os mundos encantados e
imaginários.
Fiat lux! Que ressuscitem todas as fórmulas mágicas! Faça-se luz!
Não será a minha insuficiência a escrever os vastos universos onde
pretenderei apenas servir de modesto e reles instrumento… O
segredo, a pedra filosofal, residirá em vós mesmos, heróis
arquivados das prateleiras ingratas. Sereis vós e só vós mesmos, na
ampulheta dos tempos, os artífices da história, quem bordará
incondicionalmente o enredo, queridos fósseis do meu passado!
práticas
‘‘
bibliografia
comentada
TEXTO: MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE

12
42
ALARCÃO, Mª L. Motivar para a HARRISON, C. Readability in the
Leitura. Porto, Texto Editora, 1995. Classroom. Cambridge, Cambridge
Esta obra, apesar de ser uma obra University Press, 1982.
pioneira, apresenta algumas Um clássico incontornável para os
estratégias fundamentais para a professores que desejem melhorar o
motivação para a leitura a serem envolvimento dos alunos em relação
utilizadas em aula. aos materiais de apoio usados na
escola, nas diferentes disciplinas:
BACH, P. O Prazer da Escrita: manuais, fichas, testes de avaliação,
pedagogia da Narrativa. Rio Tinto, etc. O livro dá também pistas sobre
Asa, 1991. como relacionar um determinado livro
Relacionando o gosto pela escrita com alunos com um dado perfil.
com o conhecimento da organização
interna do texto, esta obra é um guia JAUSS, H.R. Pour une Esthetique de
fundamental para a exploração da la Réception. Paris, Gallimard, 1988.
competência leitora dos alunos. Esta obra sistematiza os mecanismos
mais comuns de identificação de leitor
CHOTE, E. Enseigner l'Oral en com o lido. Estes revelam-se como
Interaction. Paris, Hachette, 1995. facilitadores do desenvolvimento da
Como diz o título, esta obra é um competência leitora dos jovens.
excelente estudo para melhorar a
capacidade dos alunos em interagir MEDEIROS, J.B. Comunicação
com competência nas diversas Escrita. S. Paulo, Editora Atlas, 1998.
áreas disciplinares. Este autor, após apresentar critérios na
compreensão do escrito, tem uma
FRANCO, J.A. A Poesia como segunda parte da obra em que, através
estratégia. Porto, Campo das de exercícios, incentiva os alunos a
Letras, 1999. articular as propriedades e limites do
Abordando a poesia em sentido lato, texto com a linguagem em que este é
esta obra demonstra o modo como expresso.
ela se tem vindo a manifestar
noutros campos de conhecimento, PAYNE, Stanley. The Art of Asking
como outras áreas científico- Questions. Princeton, Princeton
pedagógicas, à medida que o texto University Press, 2008.
poético se converteu em prazer da Talvez a melhor obra existente sobre as
cultura. Defendendo a teoria de que técnicas de elaboração de perguntas. A
o aluno necessita de aprender em obra é incontornável para professores
Foto: Livros científicos na biblioteca do Merton
textos variados, o acesso regular a de todas as disciplinas que desejem
College, Oxford obras artísticas, científicas e melhorar a sua capacidade de
Fonte: literárias fundamentam descobertas perguntar e/ou de compreender melhor
http://gallery.spacebar.org/f/a/photo/viewpic/1/
519/1/ que conduzem ao prazer estético. as questões colocadas pelos alunos.

práticas
recursos

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