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Curadoria:

Simon Fernandes Gabriel Bogossian

Enquanto
Dormimos
a Cidade
nos Arranha
Curadoria:
Gabriel Bogossian

Design gráfico:
Simon Fernandes

Fotografias:
22/09 Edifício Copan
Ana Pigosso
- Av. Ipiranga 200
Iluminação:
Camille Laurent 16/10 bloco B, apto. 2618
As cidades, como as carcaças, sustentam e alimentam a vida de muitos seres. Embora inanimadas, são, por
ENQUANTO DORMIMOS, A CIDADE NOS ARRANHA metonímia, algo vivo: pois tomam um pouco da vida de todos que as habitam. Assim elas nascem, se expan-
dem e duram; graças a esse vínculo, também, algumas vezes morrem. A relação algo erótica que estabelece-
mos com seus espaços não nos poupa de seu caráter eventualmente atroz. Percebê-las como coisa sensível,
Dirigido por Leos Carax, o filme Os amantes da Ponte Neuf (1991) narra a relação entre Alex e Michèle, mora- e as interseções entre os nossos corpos e o seu, é condição para habitá-las; talvez
dores de rua que orbitam a mais antiga das pontes sobre o rio Sena, em Paris. Ele é um malabarista e acrobata seja, do mesmo modo, condição para habitarmo-nos.
alcoólatra, ela é uma artista visual que está ficando cega. Marginais em um mundo de beleza e sucesso, a
dupla se cruza nas zonas sombrias da capital francesa. Aí, a ponte e a cidade, mais do que cenários, são in-
terlocutores que abrigam e que de certa forma definem os rumos desse amor florescido na noite, que habita Gabriel Bogossian
o barro e as folhas das ruas. São Paulo, setembro de 2020

Enquanto dormimos, a cidade nos arranha, individual de Simon Fernandes no Edifício Copan, não trata do
amor – ao menos não diretamente. Aqui, no entanto, como no filme de Carax, a cidade é o lugar e o agente 6
catalisador dos afetos e dos eventos; aqui, como lá, é a partir dela que vislumbramos não só as chances do en-
contro mas também as da ação ou gesto artístico. E não só: no filme como na exposição, estamos incrustados
no tecido urbano. É ele que nos oferece a matéria-prima – física, e também sensível – sobre a qual o trabalho
se desenvolve, elaborando, depois de uma longa convivência, as formas e os conceitos que nos refletem e que
de algum modo nos acolhem.
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As obras reunidas em Enquanto dormimos, a cidade nos arranha ecoam a cidade e seus ruídos. A alusão ao
som não é acidental: como elemento constituinte da experiência urbana, ele está presente de diferentes ma- 8
neiras na exposição, explorado enquanto matéria escultural capaz de interferir no espaço e nos corpos que o 2
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cruzam. Entremeados por pequenas paisagens sonoras, nos entregamos a essa espécie de escuta tátil e sem
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grandiloquência, fundada também pelos seus silêncios e suas pausas. 10

O Copan, como grande escultura sonora, é metáfora ideal para esta relação entre corpo e som. Prenhe de ru- 3
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ídos que interagem de diferentes modos com a matéria que o constitui, o prédio funciona como microcosmo 1
da cidade que o rodeia. Estabelecendo uma relação especular com sua estrutura, algumas obras exploram as
tensões entre material e desenho, desdobrando a impressão provocada pelo edifício, ao mesmo tempo leve 12
(em sua visualidade) e pesado (em sua dimensão matérica).

Diferente da obra de Niemeyer, no entanto, na exposição temos, mais que um grande gesto, sua dispersão e
ruptura. Pois os trabalhos de Simon Fernandes são feitos das sobras e dos restos do que constrói o lugar em
que vivemos: refugos e pigmentos industriais; materiais da construção civil; piche; plásticos. Em nenhum há
nobreza nem se vê busca por qualquer forma de transcendência. Ao contrário: a fragilidade de algumas es-
1- EnTrópicos 5 - Baby alien 9- Dois mil e noite (tríptico)
truturas evidencia a força entrópica que nos habita e ao nosso dia-a-dia; estamos, diante de algumas obras, Azulejamento quebrado Alumínio, silicone, Pintura
à beira do colapso. 32x32cm berço de papel de fones Manta asfaltica queimada
2020 de ouvido de celular 190 x 340cm
Em outras, a entropia surge não como queda, mas como processo transformador; aí, contemplá-la é acolher Simon Fernandes e ar condicionado usado 2020
33 x 47 x 53cm Simon Fernandes
a passagem do tempo e as mudanças que ela traz. Nesse mesmo sentido, a escolha dos materiais reflete o 2 - Novas formas de vida 2020
desejo de vê-los respondendo às forças físicas – calor, gravidade – que os alteram e deterioram, explorando Pintura Simon Fernandes 10 - Pele dos edifícios
sua precariedade e perecibilidade. Um desejo semelhante leva à exibição dos avessos da arquitetura, dando Acrílica sobre papel arroz Escultura de parede
190 x 200cm 6 - Água viva Manta asfaltica e alumínio
a ver, como ocorre na costura, os indícios de um trabalho igualmente transformador e discreto. Nesse gesto,
2020 Instalação 39 x 50cm
a exposição revela sua sutil força política, baseada não só na evocação da pólis como elemento central da Simon Fernandes Projeção sobre tela 2020
elaboração poética, mas em tornar visíveis as diversas formas do labor que a constrói e sustenta. de proteção do copan Simon Fernandes
3- Sem título, monitores I e escada de alumínio
Escultura de parede Dimensões variáveis 11 - Shopping Center
Apesar de sua importância como abrigo e motriz da fabulação poética, o Copan não é o único lugar onde a Liga de estanho e chumbo, 2020 Escultura de parede/digital
exposição se desenrola. Inseridas no espaço urbano, às vezes mimetizando suas cores e estruturas, algumas monitor lcd quebrado Simon Fernandes Alumínio, vidro, polarizador,
obras estão instaladas nas calçadas que circundam o edifício. Como oferendas ao fluxo das ruas, podem ser e pregos de aço adesivo transparente e sala digital
levadas embora (é provável que o sejam), desmontadas e ter seus materiais reaproveitados em outras circuns- 20,5 x 36cm 7- Derretido, objeto sensível 30 x 30cm
2020 Gálio, plástico e imãs 2020
tâncias, para outros fins. Simon Fernandes 16 x 21cm Simon Fernandes
2020
Um terceiro grupo, ainda, habita a sala virtual desenhado pelo artista para este projeto. Acessível por meio da 4 - Plástico, alumínio, papel Simon Fernandes 12 - Mentira - miragem
leitura de um QR code, ela guarda um desdobramento dessa espécie de inventário que permeia as obras reunidas Escultura de parede Escultura de chão
Plástico, alumínio e papel 8 - Sem título, flutívago Display holográfico
aqui. Registro imaterial do peso concreto que de outro modo nos circunda, a existência desse terceiro espaço su- 13 x 21cm Escultura 50 x 50cm
blinha a importância da subversão técnica que está presente de diferentes maneiras na exposição. 2020 Tecido sintético e alumínio 2020
Simon Fernandes 75 x 120 x 50cm Simon Fernandes
2020
Simon Fernandes

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