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COMO A ARQUEOLOGIA PODE NOS INFORMAR SOBRE A ALIMENTAÇÃO DOS HUMANOS NO PASSADO?

Por: Victor Guida

Nas últimas semanas, matérias a respeito de um restaurante que foi encontrado durante escavações em Pompeia
despertaram a curiosidade sobre o que os moradores comiam. Esse achado inusitado de fato é surpreendente, mas não é
somente por meio de restaurantes antigos preservados pelas cinzas de um vulcão que podemos saber o que as pessoas
comiam. A arqueologia possui diversas ferramentas que auxiliam no estudo da dieta de grupos humanos: para as pessoas
comerem, primeiro elas precisam obter e processar o alimento, e geralmente o uso de ferramentas auxiliam bastante
nessas etapas. Elas podiam ser feitas de pedra, ossos, conchas e outros materiais. O tipo do artefato já nos permite ter
uma ideia de como ele poderia ter sido usado e até que tipo de comida está sendo obtida, como por exemplo anzóis feitos
de concha usados na pesca. Durante o uso, esses artefatos podem sofrer marcações pelos alimentos que estão sendo
processados e até alguns vestígios podem ficar aprisionados neles (ex. grãos de amido). Com isso, ao analisar esses
quesitos, pesquisadores conseguem obter alguns indícios da alimentação.
Rodrigo Flores é um desses pesquisadores. Parte de sua pesquisa era a verificação de microvestígios (ex. grãos de
pólen e amido) nos artefatos líticos do sítio Lapa Grande de Taquaraçu, em MG, com datação entre 11.360 anos atrás. O
pesquisador encontrou grãos de amido, indicando o processamento de vegetais, e vestígios de sangue, que sugere o
processamento de animais. Estes vestígios podem ser referentes a animais e plantas que eram consumidos por essa
população. Alimentos e bebidas muitas vezes precisam ser armazenados; e as peças cerâmicas, como vasos e jarras. Este
uso deixa evidências nos artefatos cerâmicos que podem ser recuperadas pela arqueologia por meio de uma série de
técnicas, que incluem análises físico-químicas em busca de compostos orgânicos preservados, análises de microvestígios
vegetais, entre outros. Um exemplo de uma das técnicas é visto no trabalho de José Cordero e Ramiro March, em que
utilizaram a cromatografia gasosa e espectrometria de massa para analisar a composição de ácidos graxos (gordura)
presente em vasilhames cerâmicos da caverna Epullán Grande e dos sítios Rincón Chico e Carriqueo, todos localizados no
noroeste da Patagonia argentina e datando de 1.080 anos atrás. Desta forma, conseguiram identificar que os recipientes
cerâmicos eram utilizados para cozinhar sopas de vegetais misturadas com carne, principalmente de mamíferos terrestres.
O processamento e consumo de alimentos gera restos, os quais podem ser preservados nos sítios arqueológicos,
como os fragmentos de vegetais comestíveis carbonizados e ossos de animais parcialmente queimados e/ou com marcas
de corte ou mordidas. A identificação dos vestígios pode auxiliar na compreensão da alimentação dessas populações. Ao
pesquisar vestígios zooarqueológicos encontrados no sítio arqueológico Arroyo Fredes, associado a horticultores
amazônicos da Tradição Tupi-guarani, os arqueólogos Alejandro Acosta e Leonardo Mucciolo identificaram que havia uma
predominância de ossos de espécies de peixes, roedores e um cervo, que passaram por processamento intenso desses
animais após a captura. A partir desses dados, esses pesquisadores apontam que o grupo humano que ocupava o local
fazia uso constantes desses recursos animais para sua alimentação.
A interação entre boca e comida deixa vestígios que podem ser encontrados mesmo após séculos, principalmente
nos dentes, os tornando assim uma excelente fonte de informação para os arqueólogos. Um dos vestígios que pode ser
encontrado se refere aos fragmentos de comida, e outras coisas que colocamos na boca, que ficam aprisionados no cálculo
dentário (popularmente conhecido como tártaro) durante sua formação. Foi a partir da análise do conteúdo de cálculo
dentário que Célia Boyadjian e colaboradores encontraram evidências de que vegetais também faziam parte da
alimentação da população do Sambaqui de Jabuticabeira II, em Santa Catarina. Essa constatação provém principalmente
da presença de grãos de amido e fitólitos dentro do cálculo dentário desses sambaquieiros nas análises realizadas pela
equipe.
Os dentes têm mais formas de nos dizer o que o ser humano comia,pois às vezes o que a gente come pode
trazer problemas, como é o caso das cáries. Portanto, a presença de cáries é um indício de que um indivíduo consumia
vegetais ricos em carboidrato, como a batata, ou alimentos ricos em açúcar processado, como doces. Foi com esse
princípio em mente que Pedro Da Glória e Clark Larsen, ao encontrarem um alto índice de cáries em sua pesquisa,
apontaram que caçadores-coletores que habitavam Lagoa Santa, em Minas Gerais, entre 10.000 anos atrás, se
alimentavam frequentemente de frutas e/ou vegetais tuberosos e que possuíam uma dieta mais diversa do que era
acreditado anteriormente. O alimento que ingerimos nutre o nosso corpo, permitindo que este cresça e se mantenha
funcional, e substâncias contidas nos alimentos acabam sendo integradas a ele durante processos de formação e
renovação de algumas estruturas, como por exemplo os ossos e os dentes. Uma aplicação da análise de isótopos estáveis
recuperados a partir de ossos e dentes pode ser vista no trabalho de Murilo Bastos e colaboradores sobre dieta dos
indivíduos que habitavam na região do sítio arqueológico Forte Marechal Luz, no norte de Santa Catarina, que data entre
4.290 anos atrás. Nele, os pesquisadores identificaram uma mudança na alimentação, em que a dieta passou de
majoritariamente baseada em recursos marinhos para uma mais variada que incluía também animais terrestres e plantas.
O restante do alimento que não foi aproveitado pelo corpo tem que sair dele e faz isso na forma de fezes. Essas
podem acabar sendo preservadas por meio da fossilização se tornando coprólitos, onde é possível encontrar fragmentos
do que foi consumido, permitindo a identificação que estava sendo comido e até mesmo como os alimentos eram
preparados. O projeto de Isabel Santos sobre coprólitos encontrados em sepultamentos humanos de cerca de 2.000 anos
no sítio arqueológico Furna do Estrago, Pernambuco, é um exemplo de como os coprólitos podem nos trazer informações
valiosas sobre a dieta. Nele, ao encontrar grande quantidade de vestígios vegetais e de poucos animais, a pesquisadora
concluiu que a população desse sítio tinha uma alimentação baseada em vegetais, principalmente de tubérculos como a
mandioca e a batata-doce, e que também consumia plantas com propriedades medicinais. Como visto, a alimentação
humana deixa marcas em todas as suas etapas, desde a obtenção do alimento até a conclusão na forma de fezes. E a
Arqueologia dispõe de um extenso e poderoso leque de ferramentas que possibilita estudar cada uma dessas marcas e
trazer respostas a respeito do que as populações humanas do passado andavam comendo.
https://arqueologiaeprehistoria.com/2021/01/14/como-a-arqueologia-pode-nos-informar-sobre-a-alimentacao-dos-humanos-no-passado/

Responder individualmente ou em dupla e entregar final da aula para retomarmos em um outro dia.
1- De que forma, as ferramentas pré-históricas nos fornecem informações sobre a dieta alimentar dos humanos? Dê
exemplos.
2- Como evidências de hábitos alimentares podem ser descobertos a partir de vestígios em sítios arqueológicos?
3- Que descobertas foram realizadas, referentes às populações caracterizadas como sambaquis em Santa Catarina?
4- O que são coprólitos? De que maneira podem nos trazer informações sobre a dieta alimentar?

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