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não é u’a matéria à quaí a língua emprestaria forma, pois em
qüentemente como a lista dos conceitos a priori que, segundo
nenhum momento esse “continente” pode ser imaginado vazio
ele, organizam a experiência. É um documento de grande valor
do seu “conteúdo”, nem o “conteúdo” como independente do
para o nosso objetivo.
seu “continente”.
Lembremos em primeiro lugar o texto essencial, que dá a
A questão, pois, vem a ser a seguinte. Mesmo admitindo que
mais completa lista dessas propriedades — dez no total — (Cate
o pensamento não pode ser captado a não ser fdrmãdo ê ãfuã-
gorias, cap. IVÍ2:>)):
lizado na língua, teremos o meio de reconhecer no pensamento
“Cada uma das expressões que não entram numa combina
caracteres que lhe sejam próprios e que não devam nada à expres
ção significa: a substância; ou quantoz-OU^qual; ou relativamente
são lingüística? Podemos descrever a língua em si mesma. Seria
a que; ou onde; ou quando; ou (estar em pesiçãp; ou estar em
necessário tãmberTPaTingir diretamente o pensamento. Se fosse
estado; ou fazer; ou sofrer. “Substância”, por exemplo, em geral,
possívéi^efTnir õ pensamento por meio de traços que lhe perten
“homem”; “cavalo”; — “quanto”, por exemplo, “de dois côvados;
çam exclusivamente, veríamos ao mesmo tempo como se ajusta
de três côvados”; — “qual”, por exemplo, “branco; instruído”;
ele à língua e de que natureza são as suas relações.
— “relativamente a que”, por exemplo, “duplo; meio; maior”;
Parece útil abordar o problema por via das “categorias”
— “onde”, por exemplo, “no Ginásio; no mercado”; — “quando”,
que aparecem como mediadoras. Não apresentam o mesmo
por exemplo, “oniem; no ano passado”; — “estar em posição”,
aspecto segunde sejam categorias de pensamento ou categorias
por exemplo, “está deitado; está sentado”; - “estar em estado”,
de língua. Essa própria discordância poderia esclarecer-nos sobre
por exemplo, “está calçado; está armado”; — “fazer”, por exem
a sua respectiva natureza. Por exemplo, discernimos imediata
plo, “corta; queima”; — “sofrer”, por exemplo, “é cortado; é
mente que o pensamento pode especificar livremente as suas
queimado”.
categorias, instaurar novas, enquanto as categorias lingüísticas,
Aristóteles apresenta assim a totalidade dos predicados que
atributos de "um "sistema que cada locutor recebe e conserva, não
se podem afirmar do ser, e visa a definir a conotação lógica de
são modificáveis segundo o capricho de cada um; vemos esta
cada um deles. Ora, parece-nos. — e tentaremos demonstrá-lo —
outra diferença: que o pensamento_pode pretender apresentar
que essas distinções são em primeiro lugar categorias de língua
categorias universais, mas que as categorias lingüísticas são sem
e que de fato Aristóteles, raciocinando de maneira absoluta,
pre categorias de uma língua particular. À primeira vista, isso
reconhece simplesmente certas categorias fundamentais da língua
confirmaria a posição superior e independente do pensamento
na qual pensa. Por menos que se preste atenção ao enunciado
em relação à língua.
das categorias e aos exemplos que as ilustram, essa interpretação,
Não podemos continuar, entretanto, depois de tantos estu
diosos, a apresentar o problema em termos assim gerais. Preci aparentemente ainda não proposta, se verifica sem grandes co
samos entrar no concreto de uma situação histórica, escrutar as mentários. Passaremos em revista, sucessivamente, os dez termos.
categorias de um pensamento e de uma língua definidos. Somente Quer se traduza obom por “substância” ou por “essência”
com essa condição evitaríamos as tomadas de posição arbitrárias pouco importa aqui. É a categoria que dá à pergunta “o quê?” a
e as soluções especulativas. Ora, temos a sorte de dispor de dados resposta “homem” ou “cavalo”, portanto espécimes da classe lin
que se diria estarem prontos para o nosso exame, elaborados güística dos nomes, indicando objetos, quer sejam conceitos ou
e apresentados de maneira objetiva, integrados num conjunto
conhecido: são as categorias de Aristóteles. Ser-nos-á permitido
considerar essas categorias sem preocupação de tecnicidade filo 25. Era inútil reproduzir o texto original, uma vez que todos os termos gregos
sófica, simplesmente como o inventário das propriedades que são citados a seguir. Traduzimos este passo literalmente, para comunicar
um pensador grego julgava predicáveis a um objeto, e conse- o teor geral antes da análise des pormenores.
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indivíduos. Voltaremos um pouco mais tarde ao termo obaív. “quando”, implicam respectivamente as classes das denomina-
para denotar esse predicado. çoes espaciais e temporais, e ainda aqui os conceitos são mode
Os dois termos seguintes, noaóv e noióv, fazem par. Refe lados sobre caracteres dessas denominações em grego: não só
rem-se ao “ser-quantésimo”, donde o abstrato nooózgç, “quant nob e nozé se mantêm pela simetria da. sua formação reprodu
idade”, e ao “ser-qual”, donde o abstrato noiózrjç, “qual-idade”. zida em ou OT8, zob zózz, mas fazem parte de uma classe que
O primeiro não visa propriamente o “número”, que não passa compreende ainda outros advérbios (do tipo de hxdéç, néproaiv)
de uma das variedades do nocróv, mas mais geralmente a tudo ou expressões casuais que utilizam a forma do locativo (como
o que é susceptível de medida; a teoria distingue assim as “quan èv Auxsicp, kv ocyopS). Não é, pois, sem razão que essas categorias
tidades” discretas, como o número ou a linguagem, e “quanti se encontram enumeradas e agrupadas como são. As seis pri
dades” contínuas, como as retas, ou o tempo ou o espaço. A meiras referem-se todas a formas nominais. É na particularidade
categoria do noióv engloba a “qual-idade” sem acepção de espé da morfologia grega que encontram a sua unidade.
cies. Quanto aos três seguintes, npóç zi, nob, nozé, equivalem sem Sob a mesma consideração, as quatro seguintes formam
ambigüidade à “relação”, ao “lugar” e ao “tempo”. também um conjunto: são todas categorias verbais. São para
Demoremos a nossa atenção sobre essas seis categorias na nós tanto mais interessantes quanto a natureza de duas delas
sua natureza e no seu agrupamento. Parece-nos que esses pre não parece haver sido corretamente reconhecida.
dicados correspondem não a atributos descobertos nas coisas, As duas últimas são imediatamente claras: noisiv, “fazer”,
mas a uma classificação que emana da própria língua. A noção com os-exemplos zépvei, xaísi, “corta, queima”; ndaxsiv, “sofrer”,
de oboíoc indica a classe dos substantivos. A noaóv e noióv, cita com zéfxvszou, xotíszcu, “é cortado, é 'queimado”, manifestam as
dos juntos, correspondem não só a classe dos adjetivos em geral, duas categorias do ativo e do passivo, e desta vez os próprios
mas especialmente dois tipos de adjetivos que o grego associa exemplos são escolhidos de maneira a sublinhar a oposição lin-
estreitamente. É desde os primeiros textos, e antes do despertar güística: é essa oposição morfológica de duas “vozes” estabele
da reflexão filosófica, que o grego juntava ou opunha os dois cidas em grande número de verbos gregos que transparece nos
adjetivos nóaoi e noioi com as formas correlativas òaoç oioç conceitos polares de noisiv e de ndax&w-
assim como zóaoç e zowç{26). Eram formações bem enraizadas E o que foi feito das duas primeiras categorias, ksufOou e
em grego, derivadas uma e outra de temas pronominais e das 8%8zv? A própria tradução não parece fixada: alguns tomam
quais a segunda foi produtiva: além de oioç, noioç, zoibç, temos exsiv como “ter”. Qual pode ser o interesse de uma categoria
àXXoioç ópoioç. Assim, é bem dentro do sistema das formas da como a da “posição” (xezcr0az)? Será um predicado tão geral
língua que se fundam esses dois predicados necessários. Se passa como o “ativo” e o “passivo”? Será apenas da mesma natureza?
mos ao npóç zi, encontramos ainda por detrás da “relação” uma E que dizer do è^ezv com exemplos como “está calçado, está
propriedade fundamental dos adjetivos gregos, a de fornecer um armado”? Os intérpretes de Aristóteles parecem considerar essas
comparativo (gsiçov, dado aliás como exemplo) que é a forma duas categorias como episódicas; o filósofo as formula apenas
“relativa” por função. Os dois outros exemplos, õinmaiov, fjpiov para esgotar todas as predicações aplicáveis a um homem.
marcam a “relação” de maneira diferente: é o conceito de “duplo” “Aristóteles”, diz Gomperz, “imagina um homem de pé, diante
ou de “meio” que é relativo por definição, enquanto é a forma dele, no Ginásio, por exemplo, e passa sucessivamente em revista
de peiÇov que indica a “relação”. Quanto a nob, “onde”, e nozé, as perguntas e as respostas que se poderiam fazer sobre ele.
Todos os predicados que se podem ligar a esse sujeito caem sob
um ou outro dos dez artigos desde a pergunta suprema — “qual
26. Não consideramos aqui a diferença de acentuação entre a série relativa
e a série interrogativa. Trata-se de um fato secundário. é o objeto percebido aqui?” — até perguntas subalternas relativas
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à simples aparência exterior, como: “o que é que ele tem como a característica do médio já é assumida, como acabamos de ver,
calçados ou como armas?” A enumeração é concebida para por xeicrOca, e os dois verbos que o testemunham, àvócKsizoti e
compreender o máximo de predicados que se podem atribuir a xaÊtyraz, diga-se de passagem, não têm perfeito. No predicado
uma coisa ou a um ser.. .”(27) Essa é, tanto quanto podemos ver, e/szv, e nas duas formas escolhidas para ilustrá-lo, é a categoria
a opinião dos eruditos. A acreditarmos neles, o filósofo distinguia do perfeito que se põe em evidência. O sentido de èfreiv — ao
muito mal a importância do acessório, e até mesmo dava a essas mesmo tempo “ter” e, em emprego absoluto, “estar num estado
duas noções julgadas secundárias a precedência sobre uma dis determinado” — harmoniza-se perfeitamente com a diáíese do
tinção como a do ativo e do passivo. perfeito. Sem entrar num comentário que facilmente se alongaria,
Ainda aqui, as noções nos parecem ter um fundamento consideremos apenas que para fazer sobressair o valor do per
lingüístico. Tomemos em primeiro lugar o ksigOocl A que pode feito na tradução das formas citadas, deveremos incluir a noção
responder uma categoria lógica do xeiadcal A resposta está nos de “ter”; elas se tornarão, então: vnoõsôsxoci, “tem os calçados
exemplos citados: oLvdaeizai, "está deitado”; ^dOrjzai, “está sen nos pés”; ünÀwxau f tem as armas sobre si”. Observemos ainda
tado”. São dois espécimes de verbos médios. Sob o aspecto da que essas duas categorias,” tais "como as compreendemos, se se
língua, essa é uma noção essencial. Contrariamente ao que nos guem na enumeração e parecem formar um par, exalamente
pareceria, o médio é mais importante que o passivo que dele como noieiv e ndcrxsiv que se seguem. Há, de fato, entre o perfeito
deriva. No sistema verbal do grego antigo, tal como se mantém e o médio gregos, diversas relações ao mesmo tempo formais
ainda na época clássica, a verdadeira distinção é a do ativo e e funcionais, que, herdadas do indo-europeu, formaram um siste
do médio(28). Um pensador grego podia, com razão, pôr no ma complexo; por exemplo, uma forma yéyovoc, perfeito ativo,
absoluto um predicado que se enunciava por uma classe especí faz par com o presente médio yíyvopoti. Essas relações criaram
fica de verbos — os que são apenas médios (os media tantum), inúmeras dificuldades para os gramáticos gregos da escola estóica:
e indicam entre outras a “posição”, a “atitude”. Igualmente ora definiram o perfeito como um tempo distinto — o nctpocKsí/asvoç
irredutível no ativo e no passivo, o médio notava ira ma ou o zéÀeioç — ; ora o alinharam com o médio na classe chamada
neira de ser tão característica quanto os outros dois. psaózrjç, intermediária entre o ativo e o passivo. É certo, em
O mesmo se dá com o predicado dito è%szv. Não se deve todo caso, que o perfeito não se insere no sistema temporal do
tomar no sentido habitual de e/szv, “ter”, um “ter" de posse grego e permanece à parte, indicando, conforme o caso, um
material. O que existe de particular e, à primeira vista, desorien- modo da temporalidade ou u’a maneira de ser do sujeito. A esse
tador, nessa categoria é focalizado pelos exemplos — ònoõéôszoa, título, concebe-se, tendo em vista o número de noções que só
“está calçado”, cónhozou, “está armado” —, e Aristóteles insiste se exprimem em grego sob a forma do perfeito, que Aristóteles
quando volta ao assunto (no cap. IX do Tratado); retoma a o tenha tornado num modo específico do ser, o estado (ou habi-
propósito de e^szv os mesmos exemplos, desta vez no infinitivo: tus) do sujeito.
to \moôsõéo6oa, zò cotcàíoOcu. A chave da interpretação está na
Pode-se agora transcrever em termos de língua a lista das
natureza dessas formas verbais: bnoôéôszoti e cónÃujzai são per
feitos. São mesmo, estritamente falando, perfeitos médios. Mas dez categorias. Cada uma delas é apresentada pela sua ftesignaçao~~]
e seguida do seu equivalente: oòcria (“substância”), substantivo;
nooóv, tcoióv (“qual; em que número”), adjetivos derivados de
27. Citado com outras opiniões semelhantes e aprovado por H. P. Cooke na pronome, do tipo do lat. qualis e quantus; npóç zi (“relativamen
introdução da sua edição das Catégories, Loeb Classical Library.
28. Sobre essa questão, ver um artigo do Journal de psychologie, 1950, p. 121 ss.,
te a que”), adjetivo comparativo; nov (“onde”), nozé (“quando”),
reproduzido adiante, cap. 14. advérbios de lugar e de tempo; xszcr0az (“estar disposto”), médio;
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singulares. Encarregou-o de uma função lógica, a de cópula
eyeiv (“estar em estado”), perfeito; noien (“fazer”), ativo; ndaysiv
(o próprio Aristóteles já observava que nessa função o verbo
(“sofrer”), passivo.
não significa nada propriamente, que opera simplesmente uma
Ào elaborar essa tábua das “categorias”, Aristóteles tinha
synthesis) e, por isso, esse verbo recebeu uma extensão mais
em vista arrolar todos os predicados possíveis da proposição,
ampla que qualquer outro. Em suma, “ser” pode tornar-se, gra
scb a condição de que cada termo fosse significante no estado
ças ao artigo, numa noção nominal tratada como uma coisa;
isolado, não encaixado numa ovfinÀoxrj, num sintagma, diríamos.
possibilita a variedade, por exemplo, o seu particípio presente,
Tomou inconscientemente por critério a necessidade empírica de
ele próprio substantivado e de muitas espécies (xò õv; oi òvxeç ;
uma expressão distinta para cada um dos predicados. Dedicava-
xd õvxoc); pode servir de predicado a si mesmo — como na locução
se, pois, a reconhecer, sem o querer, as distinções que a própria
xò xí fjv eivou , que^íesígna k essência conceptual de uma coisa —,
língua manifesta entre as principais cla.sses de formas, uma vez
sem falar na espantosa diversidade dos predicados particulares
que é pelas suas diferenças que essas formas e essas classes têm
com os quais pode construir-se, mediante as formas casuais e
uma significação lingüística. Pensava definir os atributos dos
as preposições ... Não terminaríamos de inventariar essa riqueza
objetos; não apresenta senão seres iingüísticos: é a língua que,
de empregos; trata-se, no entanto, de dados de língua, de sintaxe
graças às suas próprias categorias, permite reconhecê-las e es
de derivação. Sublinhemo-lo, pois é numa situação lingüística
pecificá-las.
assim caracterizada que pôde nascer e desdobrar-se toda a me
Temos assim uma resposta para a questão apresentada no
tafísica grega do “ser”, as magníficas imagens do poema de
início e que nos levou a esta análise. Perguntávamo-nos de que
Parmênides e a dialética do Sofista.' A língua não orientou evi
natureza eram as relações entre categorias de pensamento e ca
dentemente a definição metafísica do^“^erív —' cada pensador
tegorias de língua. Na medida em que as categorias de Aristóteles
grego tem a sua —, mas permitiu fazer do “ser” uma noção
se reconhecem válidas para o pensamento, revelam-se como a
objetivávelr que a reflexão filosófica podia manejar, analisar,
transposição das categorias de língua. É q que se pode dizer
situar como qualquer outro conceito..
que delimita e organiza o que se pode pensar. A língua fornece
Perceberemos meíhor que se trata aqui, antes de tudo, de
a configuração fundamental das propriedades reconhecidas nas
um fato de língua, ao considerarmos o comportamento dessa
coisas pelo espírito. Essa tábuã dos predicados informa-nos, pois;'
mesma noção numa língua diferente. Há vantagem em escolher,
antes de tudo, sobre a estrutura das classes de uma língua par
para opô-la ao grego, uma língua de tipo totalmente diferente,
ticular.
pois é justamente pela organização interna dessas categorias
Segue-se que o que Aristóteles nos dá como uma tabela
que os tipos Iingüísticos diferem mais. Precisemos somente que
de condições gerais e permanentes é apenas a projeção concep
o que aqui comparamos são os fatos de expressão lingüística,
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r o que”. O fato curioso é que esse nyé se comporta como mão”, que é o equivalente mais usual do nosso “ter”: ga le asi-nye
verbo transitivo e rege um como complemento no acusativo, o (lit. “dinheiro está na minha mão”), “tenho dinheiro”.
que é para nós um predicado de identidade. Essa descrição de estado de coisas em ewe comporta uma
Um segundo verbo é le, que exprime propriamente a “exis parte de artifício. Faz-se pelo prisma da nossa língua e não,
tência”: Mawu le, “Deus existe”. Mas tem também um emprego como se deveria, nos quadros da própria língua. No interior
predicativo; le emprega-se com predicados de situação, de lo da morfologia ou da sintaxe ewe, nada aproxima esses cinco
calização, “estar num lugar, num estado, num tempo, numa verbos entre eles. E com relação aos nossos próprios usos lin-
qualidade”: e-le nyuie, “ele está bem”; e-le a fi, “ele está aqui”; güísticos que lhes descobrimos qualquer coisa em comum. Mas
e-le ho me, “ele está em casa”. Toda determinação espacial e aí está justamente a vantagem dessa comparação “egocentrista”;
temporal exprime-se assim por le. Ora, em todos esses empregos, esclarece-nos sobre nós mesmos; mostra-nos, nessa variedade
le só existe num único tempo, o aoristo, que preenche as funções de empregos de “ser” em grego, um fato próprio das línguas
de um tempo narrativo passado e também de um perfeito presente. indo-européias, e de nenhum modo uma situação universal nem
Se a frase predicativa que comporta o le deve ser posta noutro uma condição necessária. Seguramente, os pensadores gregos,
tempo, como o futuro ou o habitual, le é substituído pelo verbo por sua vez, agiram sobre a língua, enriqueceram as significações,
transitivo no, “permanecer, ficar”; isso quer dizer que, de acordo criaram novas formas. Foi, certamente, de uma reflexão filosó
com o tempo empregado, são necessários dois verbos distintos, fica sobre o “ser” que surgiu o substantivo abstrato derivado de
le intransitivo ou no transitivo, para expressar a mesma noção. eivai; vemo-lo criar-se ao longo da história: em primeiro lugar
Um verbo wo, “fazer, cumprir, produzir um efeito”, com como eooícL no pitagorismo dórico e em Platão, depois como
certos nomes de matéria comporta-se como o nosso “ser” se oiivíot, que se impôs. Tudo o que se quer mostrar aqui é que a
guido de um adjetivo de matéria: wo com ke, “areia”, dá wo ke, estrutura lingüística do grego predispunha a noção de “ser” a
“estar areento”; com tsi, “água”: wo tsi, “estar úmido”; com kpe, uma vocação filosófica. Ao contrário, a língua ewe oferece-nos
“pedra”: wo kpe, “estar cheio de pedras”. O que apresentamos apenas uma noção estreita dos empregos particularizados. Não
como um “ser” de natureza é em ewe um “fazer”, como o francês saberíamos dizer que lugar ocupa o “ser” na metafísica ewe. mas
il fait” du vent, “está ventando”. a priori a noção deve articular-se de maneira inteiramente diferente.
Quando o predicado é um termo de função, de dignidade, Faz parte da natureza da linguagem o prestar-se a duas ilusões
o verbo é du; assim, du fia, “ser rei”. em sentido oposto. Por ser assimilável, por consistir-se de um
Enfim, com certos predicados de qualidade física, de estado, número sempre limitado de elementos, a língua dá a impressão
“ser” exprime-se por di: por exemplo di ku, “estar magro”, di fo, de ser apenas um dos intermediários possíveis do pensamento,
“ser devedor”. que, livre, auto-suficiente, individual, emprega a linguagem como
Têm-se, assim, praticamente cinco verbos distintos para instrumento seu. De fato, se tentamos atingir os quadros próprios
corresponder aproximativamente às funções do nosso verbo do pensamento» só nos apoderamos das categorias da língua.
“ser”. Nãp se trata de uma divisão de uma mesma área semân à outra ilusão é o inverso. O fato de que a língua seja um con
tica em cinco porções, mas de uma distribuição que acarreta junto ordenado, de que revele um plano, incita a procurar no
uma combinação diferente, até mesmo nas noções vizinhas. sistema formal da língua o decalque de uma “lógica” que seria
Por exemplo, as duas noções de “ser” e de “ter” são para nós inerente ao espírito e, pois, exterior e anterior à língua. Na ver
tão distintas quanto os termos que as enunciaram. Ora, em dade só se constróem assim ingenuidades ou tautologias.
ewe, um dos verbos citados, le, verbo de existência, unido a asi, Sem dúvida, não é fortuito o fato de que a epistemologia
“na mão”, forma uma locução, le asi, literalmente “estar na moderna não tente constituir uma tábua das categorias. É mais
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produtivo conceber o espírito como virtualidade que como qua
dro, como dinamismo que como estrutura. É inegável que, subme
tido às exigências dos métodos científicos, o pensamento adota
em toda parte os mesmos meios em qualquer língua que escolha
para descrever a experiência. Nesse sentido, torna-se indepen
dente, não da língua, mas das estruturas lingüísticas particulares. CAPÍTULO 7
O pensamento chinês pede muito bem haver inventado catego
rias tão especificas como o tao, o yin e o yan: nem por isso é observações sobre a função da linguagem
menos capaz de assimilar os conceitos da dialética materialista
ou da mecânica quântica sem que a estrutura da língua chinesa
na descoberta freudiana *'30}
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