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PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS E COM DIFICULDADE DE

APRENDIZAGEM: ESTUDO COMPARATIVO E CORRELACIONAL COM BASE


NO TESTE DE PROFICIÊNCIA MOTORA DE BRUININKS-OSERETSKY

MOTOR PROFICIENCY IN NORMAL CHILDREN AND WITH LEARNING DIFFICULTY: A


COMPARATIVE AND CORRELATIONAL STUDY BASED ON THE MOTOR PROFICIENCY TEST
OF BRUININKS-OSERETSKY

*
Nilson Roberto Moreira
**
Vitor da Fonseca
***
Alves Diniz

RESUMO
Neste estudo investigativo sobre crianças com dificuldades de aprendizagem, procurou-se verificar a existência de
diferenças com relação às crianças que não apresentavam dificuldades, através da utilização do teste de proficiência
motora de Bruininks e Ozeretsky (1978). Participaram desta investigação 30 crianças, sendo 15 do sexo masculino e 15
do sexo feminino, subdivididas em dois grupos de 15 crianças de cada sexo, as normais, freqüentando o 3º ano de
escolaridade básica e as portadoras de D.A. freqüentando o 2º ano, portanto com uma repetência. A média de idade
considerada foi de 8 anos, pertencentes ao nível socioeconômico médio, segundo a escala de Grafar (adaptada por
Fonseca, 1991). Foram excluídas do trabalho crianças que pudessem apresentar qualquer tipo de deficiência, que não a
reprova, controlando-se ainda o Fator "G" de inteligência, utilizando um percentil, maior ou igual a 50 (nível médio a
superior), medido pelo teste das Matrizes Progressivas de Raven (1974). Em termos de proficiência motora, as crianças
com dificuldades de aprendizagem exibem diferenças significativas quando comparadas com crianças normais da
mesma idade, em todas as componentes da motricidade global, composta e fina. Os testes aplicados evidenciaram
também a existência de forte correlação entre as variáveis das componentes da proficiência motora. Ao final, pode-se
concluir, em função dos resultados, existir diferenças significativas na proficiência motora entre crianças normais e
crianças com dificuldades de aprendizagem, assinalando nestas últimas dificuldades motoras específicas, refletindo que
elas apenas evidenciam um perfil motor mais vulnerável, e não a presença de sinais neurológicos disfuncionais.
Palavras-chave: proficiência motora, dificuldade de aprendizagem.

INTRODUÇÃO freqüentemente em frustrações e fatalidade, pois


no fundo retratam visões pessimistas e
Neste momento, existe uma preocupação fragmentadas com que se tem tratado a
considerável no que se refere às múltiplas problemática da aprendizagem humana e a
tentativas de resolução dos problemas problematização dos seus pressupostos
educacionais, sendo foco de reflexão da área ecológicos, como também o questionamento dos
social, cultural, econômica, científica e política. fatores etiológicos, maturativos e
Preocupações importantes manifestadas por sociohistóricos, concomitantemente com os
pesquisadores, pais e professores, com relação substratos neurofuncionais, apesar de que todos
às questões do insucesso escolar e das os sistemas de ensino, apresentando seu quinhão
dificuldades de aprendizagem, culminam no que se refere ao insucesso escolar, com uma

*
Professor Doutor Adjunto da Universidade Estadual de Maringá (PR).
**
Professor Doutor Catedrático da Faculdade de Motricidade Humana/DEER. (Cruz Quebrada-Portugal)
***
Professor Doutor Assistente da Faculdade de Motricidade Humana/DCE. (Cruz Quebrada-Portugal)

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inevitável porcentagem variável de crianças do informação, pois muitas crianças com D.A
ensino primário, não se beneficiem das ouvem bem mas não escutam, vêm bem mas não
exigências mínimas determinadas por estes captam, nem escrutinam ou observam dados,
mesmos sistemas. movem-se funcionalmente mas exibem
Por outro lado, a progressiva sensibilidade dispraxias, equacionando, conseqüentemente,
social sobre o problema, decorrente da mais problemas dos sistemas funcionais da
escolaridade obrigatória, não tem sido aprendizagem (Luria, 1975) do que problemas
acompanhada das necessidades significativas de das funções sensoriais ou motoras.
transformação. A preocupação com este campo de estudo
O apoio às crianças ou jovens com faz com que os projetos de investigação sejam
dificuldades de aprendizagem, com capacidade desenvolvidos a partir de diferentes
intelectual dentro dos limites considerados perspectivas, às quais não escapam por inerência
normais, que na realidade compreendem um os estudos mais enfocados nas variáveis da
grupo suficientemente expressivo, talvez igual motricidade.
ao grupo das crianças que não apresentam Em síntese, a investigação corrente nas
dificuldades, tardam em receber uma atenção D.As. é, em resumo, fragmentada e dispersa. Por
científica, holista, generalizadora e conseqüência, as pesquisas sobre a motricidade
multidisciplinar, quer no plano do diagnóstico e ou a psicomotricidade das crianças D.As. sofrem
da avaliação do potencial, quer no plano da da mesma fragilidade experimental, uma
intervenção pedagógica. limitação a que não foge também o presente
De fato, a expressão D.A. tem sido utilizada trabalho.
para designar uma grande variedade de A polêmica vigente sobre o assunto não
fenômenos, dada a ocorrência de uma amálgama permite uma total compreensão etiológica ou
desorganizada de dados que se espalham por epidemiológica das D.As. nem tão pouco o
vários conceitos confusionais, vários construtos questionamento dos problemas psicomotores nos
vulneráveis, múltiplas teorias insubstanciadas, complexos processos de aprendizagem
freqüentes modelos incoerentes, etc., que simbólica da leitura, da escrita e do cálculo.
refletem, no fundo, um paradigma ainda obscuro Como a criança é um objeto de estudo
entre a normalidade e a excepcionalidade. extremamente difícil, quando investigamos
As D.As. retratam, em síntese, uma grande algumas variáveis da aprendizagem simbólica
diversidade de problemas educacionais e deparamos com uma área de pesquisa ainda
clínicos com uma miríade de eventos ecológicos conceptualmente pouco definida, o mesmo se
de enormes repercussões socioculturais, que se passando, talvez ainda com maiores
torna difícil atingir um consenso na matéria, indefinições, quando se pretende estudar as
exatamente porque as D.As. emergiram mais de variáveis da sua motricidade, freqüentemente
pressões, contextos e necessidade confundida com a psicomotricidade.
socioeducacionais, do que de dados científicos O termo D.A. tem sido aplicado a uma
mais defensáveis. população muito heterogênea em termos de
O entendimento multidisciplinar que competências e de aquisições, quer motoras,
envolve o estudo das D.As. dificulta o simbólicas, cognitivas, quer ainda
surgimento de uma definição inequívoca e comportamentais, complicando, assim, o acesso
coerente e sólida, apenas à base de critérios a um enunciado teórico consistente no plano do
psicométricos ou de discrepâncias verbais e de diagnóstico e no plano da intervenção
realização (ditas de performance) à luz do habilitacional e psicoeducacional.
quociente intelectual, e muito menos à base de Determinar as causas das D.As. e minimizar
puros critérios médicos seletivos de acuidade a sua incidência na população escolar é
auditiva ou visual, ou simplesmente de restritas certamente um dos maiores desafios do processo
medidas de prestação motora . ensino - aprendizagem, daí uma das razões
As pesquisas sobre as D. As. situam-se na (justificativas) deste estudo.
sua grande maioria sobre questões de O grande número de definições já avançadas
processamento, integração e comunicação de por investigadores, comissões, associações e

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sociedades científicas internacionais (Brito, (1984), Wallon (1978), Piaget (1978), Frostig
1998; Moreira, 1999) dão conta da dificuldade (1972) e Kephart (1960), e que constitui um dos
de se alcançar uma definição consensual. objetivos do presente estudo.
Entretanto, em termos educativos, será Numa análise geral das inúmeras definições
necessário optar por aquela que mais claramente de D.A. conhecidas, Fonseca et. al. (1991),
aponte as significativas alterações do processo considera poder projetar o consenso de que a
de aprendizagem e que, dada a previsível criança (ou jovem) D.A. não é deficiente
heterogeneidade deste grupo, nunca esqueça que sensorial (visual ou auditivo), deficiente motor
o principal aspecto que estas crianças têm em (espástica, atetósica, atáxica, etc.), deficiente
comum são as suas potenciais dificuldades de mental (dependente, treinável ou educável, pois
aprendizagem . só deve ser considerada quando evidencia um QI
Considerando que na aprendizagem formal o > = 80 ), nem deficiente emocional (autista ou
termo dificuldades diz respeito a todos os psicótico), o que em si encerra um critério de
obstáculos que os alunos encontram no processo exclusão, clarificando que ela não pertence à
de escolarização, na captação e na assimilação taxinomia defectológica, nem deve ser
dos conteúdos de ensino, a definição de encaminhada para o ensino especial.
dificuldades de aprendizagem não deve ser Em contrapartida, a criança D.A. também
interpretada como uma solução para os encerra um critério de inclusão, isto é,
problemas da criança, mas sim deve funcionar evidencia um conjunto de atributos e de
como um ponto de partida para a elaboração de características de aprendizagem e de
métodos de ensino diversificados e apropriados comportamento que a diferenciam das crianças
a cada criança, resultantes de uma constante que aprendem normalmente e com facilidade,
aproximação das relações entre a investigação e condição essa que a deve levar a um
a prática pedagógica. encaminhamento alternativo no ensino regular.
Das definições já avançadas, a que tem No âmbito deste estudo, mais centrado nas
recebido maior consensualidade, por ter variáveis motoras e não nas variáveis
eliminado a maior parte das objeções psicomotoras, a criança D.A. não pode revelar
apresentadas, tem sido a definição da National qualquer paralisia motora ou evidenciar
Committee of Learning Disabilities - N.J.C.L.D. qualquer tipo de apraxia (critério de exclusão),
(1988), (Comitê Nacional de Dificuldades de mas somente uma disfunção na integração, na
Aprendizagem). elaboração ou na expressão motora (Fonseca et
Nesta nova perspectiva, este comitê norte- al., 1991), disfunção esta que clinicamente se
americano considera as D.As. como "um grupo tem designado por dispráxia ( critério de
heterogêneo de desordens manifestadas por inclusão), subparadigma crítico contido na
dificuldades significativas na aquisição e uso presente investigação, e que foi rigorosamente
das seguintes competências de aprendizagem: respeitado quando da seleção da amostra.
compreensão auditiva, fala, leitura, escrita e É dentro deste contexto que abordou-se o
raciocínio matemático". Tais desordens, termo de dispráxia, que separa claramente o
segundo este comitê, que integra insignes equipamento (motricidade) do seu
investigadores, são intrínsecas ao indivíduo, funcionamento (psicomotricidade), à medida
presumindo-se que sejam devidas a uma que a criança assim diagnosticada não evidencia
disfunção do seu sistema nervoso, podendo tal distúrbios na expressão da sua motricidade, mas
função ocorrer durante toda a vida sim na sua integração, planificação, regulação e
(Moreira,1999). controle, ou seja, nos processos psíquicos que se
Tendo em atenção este pressuposto motivam e se estruturam, numa palavra, na sua
polêmico, torna-se óbvio que tal disfunção psicomotricidade.
psiconeurológica pode refletir-se não apenas nas A criança com D.A., que engloba vários
funções psíquicas superiores da leitura, da subtipos, não pode conseqüentemente evidenciar
escrita e do cálculo, mas também na apraxias, podendo, em contrapartida, demonstrar
psicomotricidade e entendimento, este já um nível práxico considerável, pois identificam-
avançado por vários autores, como Fonseca se muitos casos de crianças D.As. com níveis

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motores elevados e com performances motora, de modo a garantir adaptabilidade ao


desportivas e expressivas adequadas e até maior número de situações que se deparara na
excelsas. São conhecidos da literatura leitura, na escrita ou no cálculo.
especializada vários casos de atletas de Apesar das manifestações disfuncionais
competição, daí que os subtipos de D.As. numa das componentes da aprendizagem
possam integrar crianças com problemas de (cognitivas, afetivas ou motoras) implicarem ou
aprendizagem, com problemas de não a coexistência de disfunções nas outras,
comportamento e com problemas motores. podemos falar do predomínio de uma ou de
Todavia, na escola regular e na prática outra, isolando-a em termos experimentais, e foi
clínica, surgem muitos casos de crianças D.As. com este objetivo que pretendemos comparar a
com dispráxias, isto é, com discrepâncias no seu proficiência motora entre crianças normais,
potencial motor e na sua proficiência motora. exibindo aproveitamento escolar, e crianças
Nestes casos, para além de desordens básicas no D.As., com uma repetência na primeira fase da
processamento de informação (disfunções de escolaridade.
input, elaboração e output), registram-se, Foi com a finalidade de estudar e aprofundar
igualmente, dificuldades de resolução de algumas variáveis motoras em duas populações
problemas num contexto mais psicomotor do com diferentes graus de rendimento escolar, que
que motor, pois tende a revelar dificuldades de a pesquisa se centrou preferencialmente na
simbolização ou verbalização de ações e de investigação das componentes da motricidade
movimentos expressivos ou construtivos, global, composta e fina, medidas segundo o teste
problemas de orientação espacial, de integração de proficiência motora de autoria de Bruininks
somatognósica, de dissociação e planificação (1978).
motora, sinais vestibulares e posturais
desviantes, etc., que parecem situar algum grau
disfuncional entre a práxia e a apráxia. REVISÃO DE LITERATURA
A criança D.A. deve possuir efetivamente
dificuldades específicas de aprendizagem, e não Revendo alguns estudos relacionados com
as componentes motoras em crianças D.As.,
dificuldades gerais como se identificam nas
desde logo nos deparamos com duas correntes
crianças deficientes mentais, o que constitui a
distintas: a ligada essencialmente às pesquisas
base da sua caracterização psicoeducacional
norte - americanas no domínio da chamada
(Quiros; Schrager, 1978; Kirk; Gallagher, 1987;
perceptivo-motricidade que objetivam estudar as
Fonseca et al. 1991), motivo este pelo qual se variáveis perceptivo-motoras onde se destacam
pretende no presente estudo sobre a proficiência os trabalhos de Getman (1964), (desordens
motora, com base num teste motor creditado visuo-espaciais e visuo-motoras), Kephart
como é o Teste de Proficiência Motora de (1960), (desordens perceptivo-motoras do aluno
Bruininks - Oseretsky - TPMB, isolar ou de aprendizagem lenta), Frostig (1972),
identificar, se possível, dificuldades motoras (desordens perceptivo-visuais e perceptivo-
específicas na criança D.A., estudando-a motoras), Cratty (1979), (desordens perceptivo-
comparativamente com a criança considerada motoras das crianças com insucesso escolar
normal. crônico), Gaddes (1989), (discrepâncias
Neste aspecto, temos que levar em conta que perceptivo-motoras das crianças com disfunções
a interação das componentes afetivas, motoras e cerebrais mínimas e das crianças disléxicas) etc.
cognitivas com o mundo exterior explica o Todos eles apontando na criança D.A. sinais
fenômeno complexo que é a aprendizagem, desviantes do funcionamento perceptivo - motor.
sobretudo se considerarmos que ela é a tarefa Vale assinalar que a maioria destes autores
central do desenvolvimento da criança. identifica na criança D.A. vários sinais de
Nas aprendizagens escolares, a criança tem desintegração perceptivo-motora, quer ao nível
de utilizar a totalidade dos seus recursos, quer do equilíbrio, do salto, da identificação das
endógenos quer exógenos, no sentido de adquirir partes do corpo, da imitação dos gestos, da
a sua otimização e maximização psicofuncional corrida de obstáculos, da força de braços e de
total, o que inclui obviamente a sua proficiência pernas (testes do tipo Kraus-Weber), da

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reprodução visuo-gráfica e rítmica, quer da disfunções nervosas mínimas (minor nervous


flexibilidade, da orientação visual de dysfunctions), preferencialmente orientados para
movimentos, etc. , não sendo visível uma o estudo da significação psiconeurológica dos
perfeita distinção da motricidade e da sinais desviantes da psicomotricidade.
perceptivo-motricidade, ou seja, entre o produto As variáveis aqui assinaladas equacionam
final do movimento e os processos de integração mais claramente a transcendência psicológica da
que lhe dão suporte e regulação, paradigma motricidade e o seu paradigma central e não a
ainda pouco esclarecido neste grupo de prestação motora em termos de eficácia,
pesquisadores. velocidade ou precisão, que tradicionalmente
Por outro lado, nos deparamos com a caracterizam os testes motores e os seus
corrente européia, mais ligada à paradigmas periféricos, onde o TPMBO se
psicomotricidade cujos contornos teóricos se centre preferencialmente.
apresentam ainda longe de uma síntese Outros trabalhos sobre a motricidade
integradora sólida e consensual. evolutiva como os de Scott, Moyes e Henderson
Ao trabalhos europeus iniciados por Wallon (1972), onde afirmam, por outro lado, que o
(1969) (síndromes psicomotoras na criança atraso no desenvolvimento motor e os défices de
turbulenta), depois avançados por Guilmain processamento motor expressivo têm interesse
(1971) (discrepância da idade motora com a para as várias áreas do estudo da criança D.A.,
idade cronológica em crianças com fracasso tendo em atenção a relação neurofuncional e
escolar) e Vayer (1982) (atraso psicomotor da possíveis afeitos adversos entre motricidade e os
criança com dificuldades escolares), e outros problemas de aprendizagem, como os da
essencialmente aprofundados por Ajuriaguerra maturidade emocional e cognitiva, ou os de
(1964) e sua equipe (desordens controle e regulação do ato mental intrínseco a
neuropsicomotoras da criança com inadaptação qualquer tipo de aprendizagem simbólica ou não
escolar), onde se destacam as constelações de simbólica.
disfunções: na tonicidade, na imobilidade, na Quanto aos aspectos motores mais
lateralização dos receptores e dos efetores, e especificamente, alguns investigadores como
igualmente na lateralização simbólica, na Cratty (1979) e Swanson (1990), demonstraram
somatognósia, na estruturação espaço - temporal que existem múltiplas relações entre os
e na organização e construção práxica, visando domínios do comportamento cognitivo e do
formular uma significação clínica de tais sinais comportamento motor de crianças D.As.
disfuncionais, perspectivando, assim, uma ótica nomeadamente nas correlações que encontraram
diferente de análise, mais interiorizada e entre a proficiência na leitura e na escrita e as
centralista sobre substratos neurológicos da variáveis de equilíbrio estático, da lateralidade,
psicomotricidade. da noção do corpo, da estruturação espacial e da
Dentro desta linha, Fonseca (1989), planificação motora, tendo eles acrescentado
estudando uma população clínica de crianças que as suas habilidades espaciais e perceptivas,
normais e com D.As., com base numa Bateria que obviamente participam nas aprendizagens
Psicomotora, detectou igualmente inúmeros escolares, melhoram substancialmente com
sinais disfuncionais ao nível dos seguintes programas adequados.
fatores: Tonicidade, Equilibração, Lateralização, Todos estes estudos, no seu conjunto,
Noção do Corpo, Estruturação Espaço-Temporal fornecem construtos teóricos a vários programas
e por último Práxia Global e fina . de reeducação e educação perceptivo-motora e
Esta visão clínica dos fatores psicomotores psicomotora que, aplicados experimentalmente,
aproxima-se mais do modelo neurofuncional de provocaram resultados positivos e ganhos
Luria (1975), modelo onde assenta significativos na aprendizagem simbólica, apesar
inclusivamente a interpretação da sua de outras pesquisas, entre elas as de Wallace e
significação psiconeurológica e também dos Mcloughlin (1989), não terem atingido os
modelos neuroevolutivos de Touwen e Prechtl mesmos resultados.
(1970), de Vial (1978), de Le Boulch (1979), e Independentemente da importância da
de Gaddes (1989), mais centrados no estudo das motricidade na aprendizagem simbólica ter sido

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reconhecida por vários estudiosos, que nos levou, inclusive, a selecionar, da


nomeadamente Piaget (1978), Holle (1979), Le bibliografia específica, um teste credível de
Boulch (1979) e Ajuriaguerra (1980), ainda não larga e ampla aplicação, quer na psicologia quer
é claro quando é e como é que a intervenção, na educação, como é o Teste de Proficiência
através da motricidade, ou mesmo da Motora de Bruininks - Oseretsky - TPMBO
psicomotricidade, pode influenciar o (Bruininks, 1978).
desempenho cognitivo, pois muitos autores não Para este autor, o termo Proficiência
estabelecem a exata fronteira, onde, porque e Motora é definido operacionalmente como "o
como a motricidade pode enriquecer e/ou comportamento motor avaliado pelo seu teste",
modificar os processos perceptivos, integrativos isto é, um "termo genérico que se refere à
e elaborativos da aprendizagem. performance obtida numa vasta gama de testes
Certamente que tais métodos de motores".
investigação não poderão ter como objetivo o Para Bruininks (1978), os paradigmas da
reforço dos fatores anátomo - fisiológicos de motricidade surgem efetivamente com uma
execução motora (ex.: força, velocidade, fundamentação mais comportamentalista e mais
resistência cárdio-respiratória, endurance restrita, tendo em atenção as formulações
muscular, destreza, etc.) como tem sido doutros autores acima referenciados, daí que o
tradicional das investigações da educação física, termo capacidade motora seja por si descrito
das atividades motora adaptada ou da apenas como "uma variedade de respostas
fisioterapia. motoras individuais perante uma variedade de
Para atingir as funções psíquicas superiores tarefas ditas educacionais", enquanto o termo
da aprendizagem, a motricidade deve ser habilidade motora é definida como "uma ação
concebida como um pretexto e não como um fim individual numa tarefa motora determinada",
em si próprio, um meio privilegiado para onde a significação psiconeurológica não se
mobilizar e reorganizar as funções mentais de vislumbra nem sequer se fundamenta.
atenção, análise, síntese, imagem, comparação, Algumas pesquisas sobre as capacidades
planificação, regulação e integração da ação,
motoras com base no TPMBO, como as de Krus,
visando à sua representação mental, à sua
Bruininks e Robertson (1981) e Bruininks
simbolização, tendo em vista, prioritariamente,
(1989), compararam crianças normais com
maximizar o potencial holístico de
crianças D.As. e deficientes mentais. Todas elas
aprendizagem, e não meramente o
evidenciaram uma superioridade significativa
desenvolvimento das aquisições das suas
componentes motoras. das crianças normais em todas as componentes
Outros autores com base em estudos de da motricidade global, composta e fina.
caracterização motora e psicomotora de Outros estudos de investigação, como os
populações com inadaptações escolares de Beuter (1983), Salbenblatt (1987) e de
variadas, entre eles Vial (1978), Rosamilha Bruininks (1989), foram encontrados
(1979), Vayer e Destroper (1985), verificaram rendimentos inferiores nas crianças D.As. em
que os seus baixos desempenhos escolares eram comparação com crianças normais na
acompanhados igualmente por perfis e por velocidade e na coordenação dos membros
performances motoras e psicomotoras do mesmo superiores, e que tal proficiência motora foi
nível e da mesma magnitude. também verificada nas componentes da
Apesar da vasta literatura sobre o motricidade global, ou seja, na corrida de
desenvolvimento motor e sobre a caracterização agilidade, no equilíbrio e na força.
psicomotora de crianças normais e com D.As. Bruininks (1978) considera que tanto a
há ainda relativamente poucos testes bateria completa, que inclui 46 itens separados,
estandardizados neste campo de estudo, em como a sua forma reduzida, de apenas 14 itens,
comparação com a grande variedade de testes de constituem um indicador global e completo da
desenvolvimento cognitivo, simbólico e proficiência motora, assim como contêm
lingüístico, algo que dificulta o aprofundamento medidas específicas separadas da motricidade
da evidência científica nesta área de pesquisa, e global e da motricidade fina.

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Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem 17

Por reunir uma série de atributos de validade de estudar as diferenças evidenciadas por ambos
e de objetividade, interessou-nos utilizar o os grupos nas componentes da motricidade
TPMBO na sua forma reduzida (short form), global, da motricidade composta e da
pela primeira vez entre nós, a uma população de motricidade fina, constante da forma reduzida
crianças D.A. definida segundo parâmetros de do Teste de Proficiência Motora de Bruininks -
consensualidade internacional, com o objetivo Oseretsky - TBMBO, para o qual foram
de aprofundar a sua caracterização em termos de adotados diversos critérios de seleção da
motricidade. Esse interesse tornou-se ainda mais amostra para exercer o maior controle possível
exeqüível, à medida que os estudos de Beitel e sobre a mesma.
Mead (1980, 1982), de Moore, Reeve e Boan
(1986), e o estudo de Morato (1986), Martins Formulação das hipóteses
(1990) , concluíram que a forma reduzida do Tendo em atenção a colocação do problema
teste é um instrumento válido para avaliar a e a revisão da literatura, onde se procurou situar
proficiência motora de crianças, razão pela qual as assunções conceituais, a delineação das várias
optamos em utilizá-lo. posições teóricas e a substanciação dos
Os estudos acima referenciados equacionam postulados inerentes ao estudo da proficiência
mais para a verificação de condições de validade motora, o enfoque da formulação das hipóteses
e objetividade do instrumento de medida centrou-se na seguinte questão:
utilizado, algo que reforçou a nossa decisão em As crianças Normais apresentam níveis de
efetuar um estudo especificamente centrado na proficiência motora significativamente
comparação da proficiência motora entre diferentes das crianças com Dificuldades de
crianças definidas como normais, e crianças Aprendizagem?
definidas como evidenciando D.A.
Neste contexto, formularam-se as seguintes
Independentemente de nos movermos em
hipóteses nulas (Ho):
terreno conceptualmente pouco definido como é
por um lado, a caracterização da nossa amostra Ho-1 - não existem diferenças significativas
desviante e, por outro, núcleo complexo do entre os grupos nas variáveis da
objetivo de estudo da motricidade nas suas componente da motricidade global;
várias componentes sistêmicas, que procuramos Ho-2 - não existem diferenças significativas
aflorar nesta revisão da literatura, preocupou- entre os dois grupos nas variáveis da
nos particularmente investigar se efetivamente, componente da motricidade composta;
em termos de proficiência motora, as crianças Ho-3 - não existem diferenças significativas
Normais e as crianças D.As. se distinguem e se entre os dois grupos nas variáveis da
diferenciam significativamente. Para o efeito, componente da motricidade fina;
desenvolvemos uma metodologia, captamos, Ho-4 - não existem diferenças significativas
tratamos e interpretamos dados que abordaremos entre os dois grupos na proficiência
nos capítulos seguintes. motora.

METODOLOGIA AMOSTRA

Para verificar a relação das variáveis da A amostra foi constituída por 30 crianças do
proficiência motora, à luz das concepções de 2º ano e do 3º ano de escolaridade primária da
Bruininks (1978), em crianças Normais (N) e em rede do ensino público da zona da Grande
crianças com Dificuldades de Aprendizagem Lisboa, de ambos os sexos, com idade média de
(D.A.), desenvolvemos um estudo com base 8 anos pertencentes ao nível socioeconômico
numa metodologia de investigação comparativa, médio, segundo a Escala de Classificação Social
visando comparar ambos os grupos nas variáveis Internacional de Graffar, adaptada por Fonseca
de estudo, e correlativa, com a finalidade de (1990).
investigar a relação entre determinadas variáveis Da amostra selecionada, foram formados
(Ferguson, 1981 e Pinto, 1990), com o objetivo dois grupos assim constituídos:

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Grupo Escolaridade Idade Média Nº Crianças Como não existe no sistema escolar
N
7 Masc.
português uma definição consensual e oficial
A Não Repetentes 8 sobre a criança com D.A. (Fonseca, 1991),
8 Fem.
3º Ano
procuramos selecionar e caracterizar a amostra,
D.A.
8 Masc. tendo em atenção a definição mais abrangente e
B Repetentes 8 7 Fem.
2º Ano
de maior consenso e prestígio internacional, que
N. = Crianças sem dificuldades de aprendizagem.
é a da National Joint Committe on Learning
D.A. = Crianças com dificuldades de aprendizagem. Disabilities (N.J.C.L.D., 1988).

Considerando o objetivo do estudo, os critérios


de seleção adotados identificaram crianças que INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO E
PROCEDIMENTOS
apresentavam as seguintes características:
Matrizes progressivas de Raven
Grupo A (Normal)
No que diz respeito à avaliação do problema
Crianças de ambos os sexos:
da inteligência geral para efeitos da seleção da
- que freqüentavam o 3º ano de escolaridade amostra, foi utilizado o teste de Matrizes
primária e não apresentavam qualquer Progressivas de Raven (1974), versão infantil
repetência; colorida com a finalidade de avaliar o fator "g"
- que apresentavam um fator "g" de que o autor define como o denominador comum
inteligência, situado num percentil > ou = 50 das operações de inteligência.
(nível médio a superior) medido pelas O teste de grande prestígio internacional na
Matrizes Progressivas Coloridas (Raven, Psicologia e na Educação, tem sido
1974); particularmente utilizado no âmbito das D.As..
- que se situavam no nível socioeconômico O teste em si avalia a capacidade de raciocínio
médio alto, médio médio e médio baixo, lógico, analógico e representacional, envolvendo
avaliado pela escala de Graffar. processos cognitivos não verbais de seriação, de
análise e comparação de estruturas visuo-
Grupo B (D.A.) espaciais não simbólicas, de inferência
hipotética, de dedução, de generalização e
Crianças de ambos os sexos:
também de resolução de problemas.
- que freqüentavam o 2º ano de escolaridade A aplicação do teste a todas as crianças da
primária e que apresentavam uma repetência amostra foi realizada individualmente, tendo-se
por insucesso escolar, daí a elegibilidade das respeitado as normas de cotação referida no
D.As.; manual do mesmo. As condições de aplicação
- que apresentavam um fator "g" ou um decorreram de forma adequada numa sala de
percentil > ou = 50 (nível médio a superior), aula normal.
medido pelo teste de Matrizes Progressivas
Coloridas (Raven, 1974); Teste de proficiência motora de Bruininks - Oseretsky
- que se situavam no nível socioeconômico Neste estudo, foi utilizado o Teste de
médio alto, médio médio e médio baixo, Proficiência Motora de Bruininks - Oseretsky
avaliado pela escala de Graffar. (1978), teste este adaptado à língua
Para um maior controle, no que se refere à portuguesa na sua forma reduzida,
caracterização da amostra, foram excluídas as primeiramente, por Vitor da Fonseca e Pedro
crianças que apresentavam as seguintes Morato em 1988 e, posteriormente, por Vitor
características: reprovação por razões não da Fonseca, Rui Martins e Nilson Roberto
acadêmicas; deficiências sensoriais, mentais, Moreira em 1991.
motoras ou de comunicação; finalmente, O teste de autoria de R. Bruininks, decorrente
perturbações socioemocionais, dados estes da adaptação mais moderna das Escalas de
obtidos através dos processos subjetivos de Desenvolvimento de Lincoln-Ozeretsky de Sloan
avaliação das professoras. (1955), constando de uma forma reduzida e de uma

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Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem 19

forma longa, emerge efetivamente de uma - coordenação dos Membros Superiores -


publicação do autor russo em 1923. avalia as habilidades da criança na recepção
Guilmain (1971) fez da escala de bimanual e na coordenação óculo-manual de
Oseretsky uma verdadeira fonte de estudo da uma bola de tênis dirigida a um alvo;
motricidade em crianças normais e deficientes - velocidade de Reação - mede a velocidade de
mentais entre os 4 e16 anos de idade, fonte resposta motora a um estímulo visual (régua)
essa pioneira entre os anos trinta e quarenta e em movimento vertical;
reeditada posteriormente.
- viso-motricidade - avalia a motricidade fina
Cabe aqui ressaltar outra adaptação
na realização grafomotora de labirintos e de
portuguesa do mesmo teste, aperfeiçoada por
cópias de figuras geométricas;
Antônio Paula Brito, durante os anos de 1968
a 1970. - dextralidade - mede a destreza e a velocidade
O TPMBO foi desenvolvido por Bruininks manipulativa dos membros superiores.
(1978) no sentido de proporcionar uma Ambos os testes foram aplicados dentro das
informação útil sobre as aquisições motoras de condições constantes dos seus respectivos
crianças e jovens, não só avaliando funções e manuais, respeitando todo o rigor inerente à
disfunções motoras, como inclusive atrasos de recolha de dados, após reunião de sensibilização
desenvolvimento, com a finalidade de com as professoras onde se explicaram os
desenvolver e avaliar programas de treino motor objetivos da pesquisa e os concomitantes
e reeducação motora. critérios de seleção das crianças D.As. com
Trata-se de um instrumento extremamente insucesso escolar, bem como os procedimentos
versátil e cuidadosamente elaborado, para a escolha aleatória das crianças com
especialmente centrado para a avaliação das aproveitamento escolar.
componentes, puramente expressivas, da Como é óbvio, as investigações
motricidade global, composta e fina. educacionais, que são desenvolvidas dentro das
O teste na forma reduzida tem como escolas regulares, estão sujeitas a uma série de
finalidade o estudo de três componentes da limitações impostas pela natureza relativamente
proficiência motora: motricidade global, constante do seu envolvimento humano e
motricidade composta e motricidade fina, material. Por esse fato, o presente estudo não
integrando 14 itens que formam oito subtestes, escapa a esta generalização, tanto mais que se
estruturados de forma a avaliar alguns aspectos trata de um dos primeiros estudos piloto com
específicos do desenvolvimento motor. tais características, para além de abranger uma
Os subtestes da forma reduzida utilizados amostra cuja caracterização é deveras complexa,
foram os seguintes: considerando a falta de uma definição
- corrida de Velocidade e Agilidade - consiste consensual da criança D.A. a que já fizemos
numa corrida curta de 13,7 metros referência.
envolvendo a captação e o transporte de um Como podemos verificar (Quadro 1), os
objeto; resultados de todas as componentes da
- equilíbrio - avalia a habilidade da criança em Proficiência Motora (motricidade global,
manter o equilíbrio postural numa posição composta e fina) são superiores nas crianças "N"
estática unipedal e num deslocamento em comparação com as crianças "D.As.".
dinâmico; Numa análise global e sincrética dos dados,
o grupo das crianças Normais revelou em todas
- coordenação Bilateral - avalia a habilidade da
as variáveis da proficiência motora uma
criança em coordenar as mãos e os pés em superioridade clara em relação ao grupo das
movimento dissociados seqüenciais e crianças D.As., reforçando o papel da
simultâneos, utilizando ambos os lados do corpo; proficiência motora no aproveitamento escolar
- força - avalia a força dos membros inferiores em termos de presença ou ausência de
num salto horizontal a pés juntos; repetência no 2º ano de escolaridade.

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20 Moreira et al.

RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO


10

8
Quadro 1 - Caracterização da amostra, estatística descritiva básica das dia
s
6
médias e dos desvio padrão para a totalidade das variáveis de estudo. 4
Variáveis Total Crianças norm. crianças D. As. 2

Média DP Média DP Média DP 0


Cor. Agil. Equil. Coor. Bilat. Força

Vel. Cor. de Agilidade 8.63 1.78 9.33 1.40 7.93 1.84 Variáveis do T. P. M. B. O.

Equilíbrio 7.10 1.76 7.73 1.57 6.47 1.71 Normal DA

Coord. Bilateral 2.63 0.95 3.07 0.68 2.20 0.98 GRÁFICO I - MOTRICIDADE GLOBAL

Força 6.07 1.41 6.60 0.88 5.53 1.63


Motricidade Global 24.47 4.63 26.73 3.45 22.20 4.55

Mé 10
Coord. Mb. Superiores dia
s
8
6
Motricidade Composta 4.53 0.96 4.87 0.88 4.20 0.91 4
2
0
Velocidade de Reação 5.10 2.17 6.33 1.99 3.87 1.54 Vel. Reação Visuomotric. Dextralidade
Variáveis T. P. M. B. O.
Viso-motricidade 5.87 1.56 6.93 1.06 4.80 1.22
Normal DA
Dextralidade 8.53 1.82 9.47 2.06 7.60 0.80
GRÁFICO II - MOTRICIDADE FINA
Motricidade Fina 19.57 4.54 22.73 3.75 16.40 2.65
Proficiência Motora 48.17 8.73 53.67 6.47 42.67 7.08
Médias e Desvio Padrão (DP) para a totalidade da amostra, para o grupo de
crianças "N" e para o grupo de crianças D.As.

60
Os resultados ilustram uma superioridade Mé 50

das crianças Normais em comparação com as di 40


as 30
crianças D.As. em todas as medidas das 20

componentes da motricidade, quer globais 10


0
(gráfico 1), quer finas (gráfico 2), quer da M. Global M. Composta M. Fina P. M.

proficiência motora (gráfico 3) na totalidade das Variáveis T. P. M. B. O.


varáveis estudadas. Normal DA
As crianças normais no âmbito das GRÁFICO III - Proficiência Motora
componentes da motricidade global, correm
mais depressa, equilibram-se em termos As crianças D.As. evidenciaram resultados
unipedal e dinâmicos durante mais tempo, mais baixos em todas as variáveis da
coordenam melódica e cinestesicamente as
proficiência motora, sugerindo um perfil motor
extremidades de forma mais rápida e precisa e
mais vulnerável, quer nas componentes mais
evidenciam mais força dos membros inferiores e
globais, quer nas finas, o que pode trazer alguma
saltam mais a pés juntos.
Nas componentes da motricidade composta, compreensão sobre a problemática da maturação
demonstram mais eficácia na coordenação motora e funcional no potencial de
óculo-manual receptiva e propulsiva e, aprendizagem, independentemente de muitas
finalmente, nas componentes da motricidade crianças D.As. revelarem uma integridade
fina, apresentam uma velocidade de reação motora global e, mesmo por compensação, ou
superior, revelam uma visuo–motricidade com por efeitos ecológicos específicos, um perfil
menos inêxitos e com um transporte visual mais motor adequado.
consentâneo e pormenorizado com as figuras No quadro 2, é apresentado uma ANOVA
copiadas e, por último, apresentam uma (razão de F de Fisher) com os respectivos
microdextralidade dominante mais eficaz em graus de liberdade e os graus de
duas tarefas de velocidade-precisão. probabilidade, para verificar as diferenças
Em resumo, a sua proficiência motora, nas significativas entre o grupo de crianças N e o
variáveis motoras globais, composta e fina, é grupo de crianças D.As. na totalidade das
claramente superior à das crianças D.As. variáveis (Ferguson, 1981).

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Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem 21

Quadro 2 - Comparação dos resultados obtidos pelo grupo As variáveis que caracterizam
de crianças "N" e o grupo de crianças D.As. na totalidade significativamente o grupo de crianças "N"
das variáveis - ANOVA (razão F de Fisher).
concentram-se, essencialmente, na totalidade
Variáveis Graus de Liber. Fisher Prob. Val.Test.
Proficiência motora 28 18.43 .000 3.73
das variáveis da motricidade fina, na viso-
C. motricidade fina 28 26.61 .000 4.29 motricidade e na totalidade da proficiência
Visuo - motricidade 28 24.30 .000 4.15 motora, enquanto as variáveis que caracterizam
Velocidade de Reação 28 13.43 .001 3.28 significativamente o grupo de crianças D.As., se
Dextralidade 28 9.98 .004 2.90 concentram na totalidade das variáveis da
C. motricidade global 28 8.82 .006 2.74
Coordenação Bilateral 28 7.39 .011 2.54
motricidade composta, no equilíbrio e na
Corrida de Agilidade 28 5.31 .031 2.15 força, marcando uma diferença nos perfis de
Força 28 4.65 .040 2.06 proficiência motora dos grupos, privilegiando o
Equilíbrio 28 4.18 .050 1.96 grupo das crianças "N" nas componentes
Coord. Membros Superiores
28 3.78 .059 1.89 motoras mais complexas e hierarquizadas em
C. motricidade composta
termos neurofuncionais, obviamente mais
Análise de Variância para comparação dos grupos de crianças "N" e D.As.
interligadas com o aproveitamento e/ou
O quadro II mostra diferenças significativas rendimento nas aprendizagens escolares.
entre os dois grupos para valores p < .05, em A constatação de que o grupo de crianças
todas as variáveis da proficiência motora, em D.As. se caracteriza mais significativamente
todas as componentes da motricidade fina e da pelas componentes da motricidade composta e
motricidade global, apenas excetuando a da motricidade global sugere que a sua
variável das componentes da motricidade proficiência motora é mais vulnerável e
composta. neurofuncionalmente menos estruturada, cuja
A verificação destas diferenças repercussão em termos de repetência escolar
significativas ilustra que a proficiência motora, parece fornecer alguma razão causal. Em
tal como é medida pelo TPMBO, é síntese, a análise dos dados demonstra que os
substancialmente superior no grupo de crianças grupos estudados são significativamente
"N", pondo em relevo a vulnerabilidade do diferentes na proficiência motora, sugerindo
potencial motor do grupo das crianças D.As., mesmo subtipos motores específicos.
primeiro nas componentes da motricidade fina e Para investigar até que ponto as variações
segundo nas da motricidade global, confirmando de uma variável corresponde às variações em
inúmeras investigações já anteriormente uma ou mais variáveis da proficiência motora,
referenciadas. procurando verificar quais os graus de
A não existência de diferenças relação, de associação e de variação em
significativas, aliás mínimas, nas componentes uníssono e em simultaneidade entre as
da motricidade composta (recepção manual e variáveis da motricidade global, composta e
coordenação óculo - manual), parece sugerir a fina, apresentamos o quadro IV da matriz de
observância de uma reduzida discriminação correlação, para valores de p <.05 para a
desta variável da proficiência motora, quando se totalidade da amostra, tomando como
comparam ambos os grupos. referência o coeficiente de correlação "r"
Pela análise dos dados, a verificação das produto - momento de Person
hipóteses nulas (Ho 1, Ho 2 e a Ho 4), definidas (Fergusson,1976).
na nossa pesquisa, é rejeitada devido à Pela análise do quadro da matriz de
existência de diferenças significativas entre os correlação, nenhuma variável apresenta uma
grupos. Apenas a Ho 3 é aceita, por não se terem correlação perfeita com outra variável,
identificado diferenças significativas entre eles. todavia identificamos uma correlação
No quadro III, são apresentadas as variáveis excelente entre o resultado total da
que caracterizam significativamente cada um proficiência motora, na sua forma reduzida, e
dos grupos, através de uma análise de dados a totalidade da motricidade global (r=.91),
(cluster analysis - critério "t" Student), de sugerindo uma concordância extremamente
Bouroche e Saporta (1980), que compara a forte entre ambas as variáveis, ilustrando a
média do grupo com a média geral. característica funcional do TPMBO.

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22 Moreira et al.

Quadro 3 - Matriz de Correlação para a totalidade da destinguem e se diferenciam em termos


amostra. funcionais envolvendo, provavelmente,
Corr. Equ. Coor. Força M.G. M.C. Velo. Visu. Dext. M.F. P.M.
Agil. Bilat. Rea.
subsistemas independentes, algo que nos parece
C.Ag. 1.00 relevante para o estudo da proficiência motora
Equi. .27 1.00 em geral e nas crianças em particular.
C.Bil. .61 .62 1.00
Força .69 .35 .56 1.00
M.G. .77 .77 .84 .78 1.00
M.C. .54 .50 .50 .36 .61 1.00 CONCLUSÕES
V.Re. .44 .48 .55 .52 .62 .68 1.00
Visu. .43 .35 .39 .60 .42 .33 .42 1.00 Os resultados encontrados neste estudo dão
Dext. .27 .31 .36 .42 .42 .33 .42 .44 1.00
suporte às perspectivas dos autores já aventados
M.F. .46 .47 .54 .62 .65 .56 .87 .84 .75 1.00
P.M. .71 .68 .74 .76 .91 .67 .79 .71 .63 .87 1.00 na revisão bibliográfica, que verificaram nas
suas pesquisas diferenças relevantes na
Em contrapartida a correlação com a prestação motora entre crianças Normais e
totalidade da motricidade fina ( r=.87) revela crianças D.As.
uma correlação de menor magnitude, apesar de Em termos de proficiência motora, e à luz
se considerar uma correlação muito forte em do tratamento estatístico efetuado, as crianças
analogia com muitos testes em Psicologia e em D.As. exibem diferenças significativas quando
Educação. comparadas com crianças Normais da mesma
Outra correlação muito forte foi encontrada idade.
entre as variáveis da totalidade da motricidade O estudo sugere que as diferenças
fina e a velocidade de reação (r=.87), significativas entre os dois grupos de crianças
sugerindo, entre elas, uma variação concordante em todas as componentes da proficiência motora
muito significativa. medidas segundo o TPMBO constatam nelas
Correlações fortes foram identificadas entre padrões de proficiência motora distintos,
a totalidade da motricidade global e substanciado nas crianças D.As. déficits motores
específicos na motricidade composta e global e,
coordenação bilateral (r=.84), também na
fundamentalmente, na motricidade fina,
totalidade da motricidade fina e viso-
componente esta mais envolvida nos processos
motricidade (r=.84).
de aprendizagem simbólica, tendo em atenção os
Correlações satisfatórias foram ainda
trabalhos já revistos.
encontradas na totalidade da proficiência
Os resultados apurados na motricidade
motora e velocidade de reação (r=.79), na
composta e global do TPMBO suportam os
totalidade da motricidade global e força
dados de Denckla (1985), que identificaram nas
(r=.78), a mesma variável com a variável da
crianças D.As., déficits vestibulares e
corrida de agilidade e com a variável do
equilíbrio (r=.77); a totalidade da proficiência cerebelosos, que se podem observar igualmente
motora com a força (r=.76), a mesma variável na prestação inferior da nossa amostra, acusando
com a da coordenação bilateral (r=.74) e com a aquelas, freqüentes quedas, reequilibrações
variável da corrida de agilidade (r=.71), todas abruptas pouco econômicas e reguladas,
elas componentes da motricidade global, distonias, descontrole e insegurança
enquanto a mesma variável se correlacionou no gravitacional. Os resultados de nosso estudo
mesmo grau com a viso-motricidade, parecem demonstrar que as crianças D.A.
componente da motricidade fina; por último, a evidenciam problemas de integração vestibular,
totalidade da motricidade fina com a tônico-postural e proprioceptiva (tátil-
Dextralidade (r=.75). sinestésica), como psicomotora, a que não serão
Vale realçar a inexistência de correlações estranhas certamente as suas repercussões nos
fortes com as variáveis da motricidade processos de atenção e de recepção, elaboração
composta, bem como a observância de e expressão de informação exteroceptiva
correlações fracas e pobres entre as variáveis da (auditiva e visual), obviamente mais envolvidas
motricidade global com as da motricidade fina, na aprendizagem dos processos simbólicos da
sugerindo que ambas as componentes motoras se leitura, da escrita e do cálculo.

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Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem 23

Confirmaram-se igualmente os estudos de neurológicos mais complexos e mais


Benton e Pearl (1978), à medida que as crianças especializados hemisfericamente, à medida que
D.As. revelaram movimentos da mão mais engloba, e abrange, mais processos de
lentos e pobres, quer na velocidade de reação, reaferência espacial agida e representacional.
quer na viso-motricidade e na dextralidade, Os dados da nossa investigação destacam,
reforçando nelas o surgimento de uma em termos gerais, uma imaturidade na
coordenação óculo-manual e de uma proficiência motora nas crianças D.As.,
micromotricidade mais tensa e dismétrica. A imaturidade neurofuncional e psicofuncional
lentidão entre os processos de input e de output mais emergente nas componentes da motricidade
da prova de reação com a queda vertical da fina do que nas componentes da motricidade
régua, as distorções viso-motoras e viso- global ou composta, sugerindo naquela, de
espaciais verificadas nas cópias de figuras alguma forma, maiores implicações nos
geométricas, a apreensão imprecisa e insegura processos de aprendizagem simbólica. Segundo
do lápis, a tríade instável, nas hesitações entre a Denckla (1973), coexiste uma robusta correlação
mão iniciativa e a mão auxiliar na distribuição entre a velocidade de precisão de movimentos
de cartas e as sincinesias, as mioclonias, as finos coordenados e a linguagem (leitura),
disquinésias flutuantes e descoordenadas, os sugerindo uma disfunção neurovegetativa no
tremores distais na marcação de pontos, etc., eixo céfalo-caudal, eixo este fortemente
parecem, no seu todo apontar para uma implicado na maturação motora. Os nossos
imaturidade psicofuncional da motricidade fina, dados chegam aos mesmos pressupostos
já reveladas também nos estudos de Denckla; salvaguardando as necessárias limitações do
Rudel; Bromam (1981). presente estudo.
Os resultados parecem indiciar dois tipos de Diante dos resultados inferiores na
coordenação quando se encaram as componentes proficiência motora que as crianças D.As.
da motricidade global e as componentes da acusaram neste estudo, pode-se conjeturar, com
motricidade fina. Uma coisa parece ser a as reservas que se impõe ao nosso estudo, que os
coordenação revelada nas expressões corporais seus problemas de equilíbrio dinâmico e
globais nos grandes espaços, como na unipedal ilustram alguma disfunção vestibular,
aprendizagem da dança ou do desporto, outra proprioceptiva, tônica e postural, condições
coisa parece ser a coordenação evidenciada na estas inerentes à motricidade global, que se
sala de aula, que subentende a aprendizagem do repercutiram funcionalmente na corrida de
desenho, da escrita ou do cálculo, efetivamente agilidade, na força e na coordenação bilateral
mais ligada a outras exigências de controle. das extremidades e, por sua vez, na viso-
De acordo com Roland (1989), para motricidade e na dextralidade da motricidade
produzir processos de motricidade fina fina, que requerem melodia cinestésica,
complexa, o ser humano, ao longo da filogênese seqüencialização fina e planificada de
e da ontogênese, desfrutou e desfruta de uma movimentos, ou seja, processos de regulação e
área única no lobo frontal, a área 8, isto é, o controle mais apurados, independentes,
campo frontal visual associado à área integrados e organizados.
suplementar motora, donde emergiu a fabricação A área suplementar motora onde se opera a
e a manipulação de objetos, certamente um dos ponte entre a intenção e a ação, como
mais relevantes processos da sua evolução subsistema principal da organização
antropológica e da sua aprendizagem (Fonseca, psicomotora (Fonseca, 1989), verdadeiro piloto
1989). do movimento voluntário (movimento
Vale assinalar que nas provas da psicomotor por essência), onde se concentram o
motricidade fina, neste estudo, a magnitude das inventário dos engramas e os sistemas de
diferenças obtidas pelas crianças D.As. é antecipação e seqüencialização primordiais `a
comparativamente maior do que a motricidade atenção voluntária característica da organização
global quando comparadas com as crianças práxia e conseqüentemente, da aprendizagem
Normais, pondo em realce que a micro- simbólica, parece igualmente disfuncional nas
motricidade põe em evidência, substratos crianças D.As.

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24 Moreira et al.

Apesar do TPMBO não se centrar no estudo desordens, mas de disfunções evolutivas ou


de variáveis de planificação motora, mais organizativas no domínio da relação entre a
habituais dos diagnósticos psicomotores e esfera do psíquico, que elabora, integra e regula
neuropsicológicos (Ajuriaguerra, 1964; Golden, os movimentos intencionais, e a esfera do motor,
1984; Fonseca, 1991), a verificação dos que os executa, nada mais do que um problema
resultados inferiores das crianças D.As. nas de aprendizagem, e só isso.
provas da motricidade fina do TPMBO que Não se tratam, de fato, de dificuldades
claramente, implicam, tendem a demonstrar que motoras gerais, mas de dificuldades motoras
elas acusam problemas na seqüencialização específicas, em analogia com as dificuldades de
espaço-temporal intencional de movimentos, isto aprendizagem específicas, que tendem a revelar-
é, revelam sinais dispráxicos, se mais nas provas de seqüencialização e de
independentemente de revelarem uma velocidade-precisão, como as de motricidade
inteligência normal e uma motricidade fina do TPMBO, do que nas provas de
funcional. equilíbrio, corrida e salto da motricidade global
Não havendo déficits motores como na do mesmo teste. As diferenças significativas
paralisia cerebral, nos atrasos neurológicos, nas encontradas na prestação motora nas duas
deficiências sensoriais, intelectuais ou componentes aponta e justifica alguma razão
psiquiátricas e mais objetivamente nas apráxias explicativa nesta direção.
(incapacidade de aprendizagem motora) devidas A qualidade do controle motor entre as
a lesões cerebrais, as crianças D.As. revelaram, crianças Normais e as D.As. da amostra,
todavia, ao longo do nosso estudo, sinais independentemente do TPMBO, não a
psicomotores disfuncionais pouco óbvios, que perspectivar ou cotar, foi nitidamente diferente.
não são claramente ilustrados no TPMBO, Nas crianças Normais, a atenção diante das
exatamente porque este teste não foi desenhado tarefas e da segurança gravitacional demonstra,
para esse fim, pois mede apenas a proficiência nas provas de motricidade global, e a
motora como produto final, e não como processo planificação, antecipação e seqüencialização dos
interiorizado, integrado e psicologicamente movimentos, evidenciadas nas provas de
planificado. motricidade fina, sugerem um grau de
As crianças D.As. revelaram, na prestação organização práxica superior, daí também a
das provas deste teste, sinais psicomotores ocorrência de diferenças significativas em todas
disfuncionais, e não sinais neurológicos as componentes do teste.
disfuncionais, nomeadamente: problemas de Não podendo, com o TPMBO, deduzir o que
integração tônico postural com alterações se passa no cérebro das crianças Normais ou
na melodia cinestésica; hesitações D.As. em termos de planificação motora, aquilo
no posicionamento e reconhecimento que nos foi dado apreciar, para além da recolha
somatognósica na execução espacial e temporal dos dados, foi observar também uma grande
de movimentos compostos; impulsividade; diferença na organização comportamental entre
vigilância assistemática esporádica e os dois grupos. Os processos e os produtos
desplanificada; imperícia, etc. da organização práxica revelaram-se
Para que a aprendizagem possa constituir qualitativamente, em ambos os grupos, também
em um patrimônio do indivíduo parece que o de forma distinta.
cérebro tem de organizar, primeiro, as sensações Em suma, os resultados parecem apontar
e os movimentos e, só depois, organizar os para a distinção da proficiência motora entre
símbolos como defendem Quirós e Schrager crianças Normais e crianças D.As.,
(1979). Os resultados apresentados neste estudo assinalando nestas crianças dificuldades
sugerem alguns subsídios nesta questão nuclear motoras específicas, cuja explicação encontra
sobre as aprendizagens simbólicas da leitura, da eco nas perspectivas neuropsicológicas mais
escrita e do cálculo, onde as crianças D.As. mais recentes, refletindo que elas apenas
revelam as suas disfunções. evidenciam um perfil motor e psicomotor
Não dizemos sinais motores disfuncionais mais vulnerável, e não a presença de sinais
porque evidentemente não se tratam de neurológicos disfuncionais.

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Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem 25

Neste aspecto, o TPMBO revelou-se um as funções psíquicas superiores de aprendizagem


instrumento clinicamente útil e eficaz na ocorrem.
detecção de dificuldades motoras, não tanto no A necessidade de uma observação precoce
isolamento das psicomotoras, que podem ser da proficiência motora e da psicomotricidade em
perfeitamente superadas desde que conduzam a crianças com D.As. parece óbvia e pode
uma intervenção psicomotora reabilitada constituir um ótimo meio para identificar a
centrada nas necessidades intra-individuais tempo dificuldades, dificuldades essas que a
observadas. Tal recomendação parece evidente, escola tem a obrigação de holisticamente
em termos de prevenção de D.A. e compensar e enriquecer, pois só assim pode
concomitantes problemas de comportamento, maximizar os seus potenciais de aprendizagem,
nos primeiros anos de escolaridade básica, onde e esse é, certamente, um dos seus deveres mais
significativos.

MOTOR PROFICIENCY IN NORMAL CHILDREN AND WITH LEARNING DIFFICULTY: A


COMPARATIVE AND CORRELATIONAL STUDY BASED ON THE MOTOR PROFICIENCY
TEST OF BRUININKS-OSERETSKY

ABSTRACT
The aim of this investigation is to verify the difference between children with learning disabilities and children
without learning disabilities through motor proficiency test of Bruininks and Ozeretsky (1978). The sample was
constituted by 30 children, with 8-year average age, 15 males and 15 females, subdivided into two groups of 15
children from both sexes: children without learning disabilities attending 3rd grade and children with learning
disabilities attending 2nd grade having failed a term once. All of them came from a middle class background,
according to Grafar scale (adapted by Fonseca, 1991). All children presenting any other disabilities were
excluded from the sample. Intelligence factor “G” was controlled by using a percentile, higher or equal to 50
(middle and high level), measured by Raven’s (1974) progressive combinations test. In motor proficiency,
children with learning disabilities showed significant differences when compared with normal children of the
same age, in all components of global, composed and fine motricity. The tests administered showed a strong
correlation between the variables of the motor proficiency components. The results lead to the conclusion that
there were significant differences in motor proficiency between normal children and children with learning
disabilities, who showed specific motor difficulties evincing a more vulnerable motor profile and not the
presence of neurological dysfunction signs.
Key words: motor proficiency, learning difficulties.

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Endereço para correspondência: Nilson Roberto Moreira, Departamento de Edução Física, Universidade
Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá-Paraná.

Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 11, n. 1, p. 11-26, 2000

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