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CAPÍTULO I – Aprendizagem e Comportamento

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1- Introdução

O campo das dificuldades de aprendizagem e dos problemas


comportamentais é notoriamente complexo e diversificado, não só pelo número de
crianças que nele podem ser incluídas, mas também pelo leque de profissionais
que directa ou indirectamente, se relacionam com estas problemáticas. Foi e
continua a ser uma das principais preocupações de educadores, pais e de todos
aqueles que trabalham em contextos educativos.
Como consequência desta complexidade e diversidade, as dificuldades de
aprendizagem e os problemas comportamentais têm vindo a ser encarados sob
perspectivas diversas e apesar das inúmeras investigações neste campo, continuam
por esclarecer algumas questões básicas, quando se pretende actuar com segurança
na resolução destes problemas (Gresham, MacMillan & Bocian, 1996),
nomeadamente a nível da avaliação e diagnóstico.
Tendo em linha de conta que o funcionamento destas crianças quer em
termos académicos, quer em termos cognitivos se desvia em relação à média da
população escolar em geral, a diferenciação destes grupos tem sido sempre
problemática.
Embora não exista uma associação clara entre dificuldades de
aprendizagem e problemas comportamentais, diversos estudos referem o facto de
que estas crianças e adolescentes estão sujeitos a um maior número de retenções e
maior número de referências para a educação especial (Lopes, 1998,b). Parece
haver contudo, uma relação bidireccional entre estas duas problemáticas. É
provável que crianças com problemas comportamentais tenham uma elevada
probabilidade de vir a apresentar dificuldades na sua aprendizagem escolar e que,
por seu lado, as crianças com problemas de aprendizagem venham a manifestar
perturbações do comportamento que interferem com a sua adaptação escolar e
social, dado o seu valor próprio ser constantemente posto em causa (DuPaul &
Stoner, 1994).
Devido às dificuldades de definição, conceptualização, avaliação e
intervenção sobre os referidos distúrbios, alguns autores começam a questionar a
validade destes constructos (Gresham, MacMillan & Bocian, 1996).
Em Portugal, na maioria dos casos estes problemas têm sido vistos como
um problema de educação especial e não como um problema geral da educação.
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Muitas crianças são identificadas para os serviços de apoio com base em critérios
arbitrários, que se fundamentam quase exclusivamente em medidas de avaliação
psiquiátrica e psicológica (Fonseca, 1996).
Contudo, os dados da investigação neste domínio apontam para a
necessidade de uma intervenção atempada e um atendimento adequado, sob pena
de evoluírem posteriormente para trajectórias de risco que redundam em insucesso
e abandono escolar podendo mais tarde conduzir ao desemprego e à criminalidade
(Bairrão, 1998).
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2- Dificuldades de Aprendizagem

2.1. Definição

O alargamento da escolaridade obrigatória a grupos cada vez mais


diversificados e complexos de crianças e jovens, provocou um aumento
significativo do número de alunos que não consegue atingir os objectivos
propostos no currículo escolar comum.
As dificuldades de aprendizagem constituem um grupo heterogéneo de
problemas, que se encontra em termos de categorização ainda mal definido, e o
seu estudo tem gerado quer um largo interesse, quer uma grande controvérsia
(Hammil, 1990).
As diversas classificações propostas para as DA (dificuldades de
aprendizagem) estão de acordo com os quadros de referência dos seus autores e
com outros parâmetros de definição e classificação nem sempre concordantes,
como é o caso da sua etiologia e características gerais manifestadas pelas crianças
DA.
Das perspectivas lesionais cerebrais, passando pelas perspectivas perceptivo
– motoras, psicolinguísticas, cognitivistas e neuropsicológicas, às perspectivas
metacognitivas mais recentes (Lopes, 1998,a), as DA têm gerado amplos e
inconclusivos debates.
Deste modo encontramos para esta problemática várias denominações, tais
como incapacidade para a aprendizagem, dificuldades específicas de
aprendizagem, lesão cerebral mínima, imaturidade (Rebelo, 1993), problemas
psicomotores, desordens de atenção (Fonseca, 1987).
Da mesma forma, relativamente à sua etiologia, os vários investigadores são
unânimes em considerar, que existem múltiplas causas das DA, mas já não estão
de acordo quanto àquelas que lhe estão subjacentes (Fonseca, 1996).
Torgesen (1991) sintetiza em cinco aspectos básicos os actuais problemas no
campo das DA:
i- As definições são de tal forma latas, que permitem a inclusão de uma
grande variedade de crianças no grupo designado por DA, dificultando a
comparação entre estudos realizados por diferentes investigadores.
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ii- Embora se presuma a existência dum distúrbio neurológico que afecta


funções cerebrais específicas, não tem sido possível demonstrar que todas as
crianças identificadas como DA apresentam esse distúrbio.
iii- As investigações nem sempre têm chegado a resultados conclusivos no
que diz respeito a diferenças encontradas a nível de características cognitivas e
comportamentais das crianças DA, quando comparadas com outras crianças que
apresentam também problemas de aprendizagem.
iv- A ideia de que as crianças com DA devem ser apoiadas com programas
especiais, porque necessitam dum tipo de ensino diferente relativamente a outras
crianças com problemas de aprendizagem, é um pressuposto que continua por
comprovar.
v- O facto de ser actualmente reconhecido que as crianças com DA são um
grupo heterogéneo ou francamente variável, cria sérias dificuldades aos
investigadores aquando da formação das amostras.
Nos últimos vinte anos, tem-se procurado definir com maior clareza o
conceito de dificuldades de aprendizagem, tendo havido até ao presente um
esforço por parte dos profissionais implicados, desde investigadores a pais e
entidades governamentais, de modo a estabelecer-se uma definição válida, que
reuna largamente o consenso entre todos. A elaboração de uma definição
globalmente aceite, é essencial para o futuro das DA, pois de contrário continuarão
a surgir confusões entre quem tem e quem não tem DA e até se as DA realmente
existem (Hammill, 1990).
As grandes definições formuladas ao longo dos anos, reflectiram uma
terminologia que inicialmente colocava a tónica nos factores médicos, tendo sido
substituída por preocupações relacionadas com variáveis psicológicas e
educativas. Neste contexto, Kirk sugere a designação de “Learning Disabilities” –
Dificuldades de Aprendizagem – e define-a com sendo “um atraso, desordem ou
imaturidade num ou mais processos de linguagem falada, da leitura, da ortografia,
da caligrafia ou da aritmética, resultantes de uma possível disfunção cerebral e/ou
distúrbio de comportamento e não dependentes de uma deficiência mental, de uma
privação sensorial, de uma privação cultural ou de um conjunto de factores
pedagógicos” (Kirk, 1962, cit. in Hammill, 1990).
Embora esta e outras definições que se seguiram, fossem exclusivamente
elaboradas em termos conceptuais, revelaram-se importantes, pois, para além de
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descreverem o que são as DA, podem ser usadas para desenvolver definições
operacionais que em termos práticos são fundamentais, para a identificação de
indivíduos DA (Hammill, 1990), uma vez que especificam as operações ou
procedimentos pelos quais o constructo das DA pode ser reconhecido e medido.
No entanto, embora existam várias definições conceptuais, para muitos
investigadores o campo das DA continua a necessitar de uma definição
operacional, dadas as reais dificuldades em diferenciar estudantes com DA de
estudantes com outros tipos de problemas escolares (Citoler, 1996).
Actualmente, a definição do NJCLD (“National Joint Committee on
Learning Disabilities”) é considerada a que reúne maior acordo e consenso
internacional (Hammill, 1990; Fonseca, 1996). A definição mais recente é a
seguinte:
“ Dificuldades de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo
heterogéneo de distúrbios manifestados por dificuldades significativas na
aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou competências
matemáticas. Estes distúrbios são intrínsecos ao indivíduo, presumivelmente
devem-se a disfunções do sistema nervoso central e podem ocorrer ao longo da
vida. Problemas na auto-regulação dos comportamentos, percepção social e
interacção social podem existir com as dificuldades de aprendizagem, mas não
constituem por eles próprios uma dificuldade de aprendizagem. Embora as
dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras
condições deficitárias (handicapping) (por exemplo, deficiências sensoriais,
deficiência mental, distúrbios emocionais sérios) ou com influências ambientais
(tais como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada), elas não
são o resultado dessas condições ou influências” (NJCLD, 1994).
Esta definição oferece uma série de vantagens, uma vez que, segundo Shaw
et al. (1995, cit. in Citoler, 1996), é a definição mais descritiva das dificuldades de
aprendizagem e tem em conta o conceito das diferenças intra-individuais nas
diferentes áreas; especifica que as dificuldades de aprendizagem podem estar
presentes ao longo do ciclo de vida; estabelece que as dificuldades de
aprendizagem são uma condição primária, enquanto reconhece outras condições
de deficiência concomitantes; não exclui que pessoas com talento possam ter
dificuldades de aprendizagem e tem o apoio de uma grande variedade de
profissionais.
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Em relação aos critérios mais utilizados para definir operacionalmente as


DA, os diferentes autores têm feito referência a uma variedade deles, havendo
contudo três critérios que, para além de aparecerem mais frequentemente,
encontram um grande consenso na sua utilização: exclusão, discrepância e
especificidade (Fonseca, 1996; Citoler, 1996).
Com o critério da exclusão procura-se determinar o que as DA não são,
diferenciando-as assim de outros problemas tais como os causados por deficiência
sensorial, deficiência mental, distúrbio emocional severo, privação sociocultural
e/ou económica, absentismo escolar ou inadequação dos métodos educativos.
Infere-se com este critério que as DA são intrínsecas ao indivíduo e que este deve
ter uma inteligência normal (Citoler, 1996). Porém torna-se necessário definir o
que é uma inteligência normal, bem como saber medi-la. Em relação ao segundo
aspecto, Citoler (1996) considera que este pode ser resolvido através do cálculo do
quociente intelectual (QI), mas em relação ao primeiro aspecto – onde situar o
ponto de separação entre o QI normal e o QI baixo – existem divergências, uma
vez que enquanto alguns autores estipulam este ponto por volta de um desvio-
padrão abaixo da média, ou seja, um QI de 85 (sendo a média 100 e o desvio
padrão 15), outros autores utilizam dois desvios-padrão e consideram um QI de 70
como a fronteira da normalidade (Bender, 1995; Citoler, 1996; DSM-IV, 1996). A
crítica mais forte à utilização deste critério advém do facto de alguns autores
postularem que o QI não é tão importante como se acreditava até agora para
diferenciar o tipo de problema (Siegel, 1989; Citoler, 1996).
De acordo com o critério de discrepância, as dificuldades de aprendizagem
caracterizam-se por uma falta de concordância entre o resultado real de uma
aprendizagem e o esperado em função das capacidades cognitivas do sujeito, ou
seja, se existir convergência entre as capacidades cognitivas e os resultados da
aprendizagem, então é inadequado classificar esse sujeito com tendo DA (Citoler,
1996). Contudo, mais uma vez o problema reside na medição da discrepância e
onde estabelecer o corte entre o que se considera normal e desviante. Esta autora
refere três meios principais de quantificar a discrepância. O primeiro e o mais
simples têm como base o desvio em relação ao percurso escolar, considerando
dificuldades de aprendizagem quando se verifica um ou dois anos de atraso
escolar, mantendo controlado o QI. No entanto este sistema tem recebido algumas
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críticas que se referem às propriedades psicométricas dos testes de rendimento,


cuja dispersão aumenta com a idade (Rebelo, 1993).
Para resolver este problema, foi proposto outro meio que diz respeito à
utilização das pontuações-padrão, ou seja converter quer as pontuações da
capacidade intelectual quer do rendimento académico num sistema métrico
comum. Mas também este procedimento não se apresenta como o mais adequado,
tendo em conta o facto de não se ter em consideração a correlação existente entre
ambas as medidas.
Finalmente, alguns autores propuseram a utilização de fórmulas
matemáticas para calcular a discrepância. Por exemplo, Myklebust (1967, cit. in
Rebelo, 1993) estabelece uma fórmula para calcular o quociente de aprendizagem
(QA), em que uma pontuação abaixo dos 90 indica a presença de DA. Esta
fórmula resulta da divisão da idade esperada pela idade num âmbito específico
(leitura, escrita ou cálculo), sendo a idade esperada calculada pela divisão por três
da soma da idade mental, da idade cronológica e da idade escolar.
À semelhança dos outros critérios, também este tem sido criticado, tendo
em conta os problemas já apontados no critério anterior, ou seja, a inadequação do
uso de testes de inteligência na definição de indivíduos com DA (Siegel, 1989).
Esta autora sugere que as dificuldades de aprendizagem sejam definidas apenas
com base no baixo funcionamento académico, independentemente da capacidade.
Com o critério de especificidade, pretende-se especificar em que âmbito se
produzem as DA, ou seja, entende-se que este problema está confinado a um
número limitado de domínios académicos ou cognitivos, sendo os sujeitos
classificados em termos de deficiências processuais específicas, neurológicas e/ou
académicas, o que leva a considerar denominações específicas em função do tipo
de problema, como por exemplo dislexia, disortografia, disgrafia ou discalculia
(Citoler, 1996).
Para Citoler (1996) a especificidade pode ser entendida a dois níveis. Por
um lado, com já foi referido, a especificidade refere-se ao domínio em que se
manifesta a dificuldade de aprendizagem, e essa dificuldade de aprendizagem
afectaria as capacidades académicas ou os processos cognitivos concretos
deixando intacta a capacidade intelectual geral. Por outro lado, a especificidade
pode referir-se à população afectada e nesse caso a questão é de considerar se
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esses sujeitos constituem ou não um grupo homogéneo, ou seja se existem


subtipos dentro das DA.
A noção de especificidade também tem sido criticada. Não foi ainda
comprovado que ao isolar-se indivíduos num domínio particular, se esteja a
separá-los de outros indivíduos que também experimentam dificuldades nesse
domínio. A este propósito, Siegel (1989) considera questionável o uso deste
critério e aponta como exemplo o facto de encontrar poucas diferenças entre as
realizações de indivíduos com dislexia e as realizações de indivíduos com fracos
resultados na leitura, linguagem e memória, apesar das diferenças de QI entre
esses dois grupos.
Não há dúvida, de que as DA se encontram fortemente posicionadas como
uma área de dificuldades específicas, mas apesar do grande avanço dos últimos
anos relativamente à definição dum campo próprio, ainda existe alguma
ambiguidade e confusão.
As dificuldades de aprendizagem são problemas multidimensionais, o que
pressupõe uma abordagem multifacetada para a intervenção (Prior, 1996), sendo
actualmente comummente reconhecido que as crianças com DA são um grupo
heterogéneo ou altamente variável e que da identificação específica dos problemas
das crianças irá determinar o êxito das intervenções.

2.2. Características associadas

Embora os indivíduos com DA constituam um grupo de difícil definição e


classificação, sendo bastante heterogéneos em termos de problemas específicos, é
possível encontrar características genéricas que os identificam (Prior, 1996), quer
a nível cognitivo, social ou emocional.
Desta forma, algumas investigações tem procurado identificar sub-tipos, isto
é, grupos de crianças que podem ser identificadas com base em várias
características comuns, supostamente partilhadas por todas elas, ou, dependendo
da abordagem que alguns investigadores adoptam, seleccionar subgrupos de
crianças que têm uma mesma característica específica comum (Prior, 1996; Lopes,
1998,a).
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Assim, as crianças com DA, para além de demonstrarem dificuldades nas


áreas académicas, traduzidas em problemas ao nível de diferentes domínios
(expressão e compreensão oral, expressão e compreensão escrita, leitura, cálculo
matemático, etc.), apresentam outras características, que parecem ser mais comuns
neste grupo do que nas crianças sem dificuldades, tais como problemas de
memória, problemas perceptivos e problemas linguísticos. Contudo, nem todas as
crianças com DA exibem essas características, pelo que não são consideradas
necessárias para a realização do diagnóstico.
As crianças com DA, geralmente apresentam realizações homogéneas em
tarefas que implicam estratégias de memória a curto prazo (Torgesen, 1991).
Tradicionalmente, os problemas de aprendizagem, principalmente da leitura e da
escrita, eram considerados como tendo a ver com dificuldades ao nível da
discriminação visual e auditiva. Mais recentemente, novas perspectivas enfatizam
o papel da memória de trabalho no processo de aprendizagem, memória essa que
diz respeito a um sistema particular de armazenamento a curto termo da
informação, enquanto as tarefas cognitivas estão a decorrer. Os problemas que as
crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam a este nível interferem
com a codificação e armazenamento da informação verbal (Prior, 1996; Lopes,
1998,a).
Os problemas de linguagem têm, como é óbvio, uma importância fulcral no
trajecto escolar dos indivíduos. Por exemplo a nível da leitura, o conhecimento da
estrutura sintáctica, bem como a amplitude do vocabulário são factores que
distinguem os bons dos maus leitores (Marchesi, 1987). Sabe-se também que
crianças com atrasos de linguagem em idades precoces estão em sério risco de
virem a ter dificuldades de aprendizagem na leitura e escrita. Os problemas subtis
de linguagem que parecem existir nos indivíduos com DA, interligam-se com
aspectos auditivos e articulatórios, havendo alguns autores que afirmam haver
défices a nível do processamento de estímulos auditivos não linguísticos
(Stanovich, 1988).
Rourke (1991), em estudos realizados com crianças que apresentavam
dificuldades de aprendizagem, quer a nível da leitura, escrita e matemática,
agrupadas em três grupos onde se controlava uma variável em particular,
encontrou défices quer a nível verbal, quer a nível visuo/auditivo.
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Tem havido também inúmeros estudos com o objectivo de encontrar


preditores do sucesso na aprendizagem, partindo do pressuposto de que sabendo-se
quais as crianças que estão em risco e porquê, é possível prevenir o insucesso
escolar. Capacidades cognitivas, linguísticas e medidas de atenção
/distractibilidade são considerados os melhores preditores da aprendizagem (Prior,
1996).
O fosso entre o que se espera que a criança realize e os níveis actuais de
realização tende a aumentar ao longo da escolaridade (Prior, 1996). Os fracassos
escolares continuados têm tendência a reduzir também a motivação levando a que
o desempenho escolar se deteriore.
As crianças com D.A. desenvolvem, não sendo devidamente atendidas, uma
trajectória escolar que redunda frequentemente em situações de insucesso
educativo e de abandono escolar.
As crianças que mantêm dificuldades de aprendizagem ao longo do ensino
básico, são sujeitas a críticas e avaliações negativas dos pares, professores e pais,
manifestando frequentemente dificuldade na manutenção da atenção, inquietude e
por vezes desobediência, baixo autocontrolo e baixa auto-estima (Rourke, 1991).
Ansiedade, queixas somáticas e depressão na adolescência e idade adulta são
também comuns, bem como comportamentos de delinquência.
Por vários motivos, é suposto esperar que as crianças com DA venham a ter
um autoconceito académico negativo e baixa auto-estima (Grolnick, & Ryan,
1990). Primeiro, porque têm experiências de insucesso e “feed-back” negativo
acerca da sua competência, porque estão geralmente fora da tarefa, e porque se
distraem facilmente, não realizando satisfatoriamente os trabalhos escolares (La
Greca, & Stone, 1990). Estas experiências provavelmente serão interiorizadas e
representadas negativamente. Em segundo lugar, vários investigadores têm
sugerido que o facto de as crianças serem rotuladas, afecta negativamente e de
uma forma directa o seu autoconceito, bem como, de uma forma indirecta, através
do mecanismo da profecia auto-realizada (Good, & Brophy, 2000). Finalmente, o
facto de algumas delas frequentarem uma sala de apoio com programas especiais,
pode favorecer o estigma social, evidenciando um sentimento de diferença em
relação aos outros.
As crianças com D.A. demonstram dificuldades em estabelecer e manter
relações de convivência satisfatórias com os seus pares e com os adultos (Tur-
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Kaspa, & Bryan, 1995). Geralmente estão envolvidas em mais interacções


negativas e são mais ignoradas pelos professores e colegas ou então recebem uma
menor atenção positiva por parte dos professores. Tais aspectos parecem criar uma
maior vulnerabilidade a desenvolver auto-percepções negativas.
Um estudo realizado por La Greca & Stone (1990) acerca do estatuto social
mostrou que as crianças com D.A. eram mais negligenciadas pelos pares e que tal
facto estava estritamente relacionado com o baixo rendimento académico que estas
apresentavam. Ter dificuldades de aprendizagem implica uma menor
acessibilidade a todo o tipo de experiências que é habitual acontecer no meio
escolar.
A percepção por parte dos professores das dificuldades de realização
académica das crianças com problemas de aprendizagem, associada à ênfase dada
pela própria escola ao desempenho escolar, parece constituir um factor preditivo
da sua dificuldade de integração escolar e provavelmente duma possível
dificuldade de integração social. As dificuldades de aprendizagem tendem a
persistir ao longo da escolaridade, principalmente se não houver qualquer
intervenção, acarretando consequências negativas a nível psicossocial na
adolescência e também na idade adulta.

3- Problemas de Comportamento

3.1. Definição

Os problemas ou alterações do comportamento têm sido objecto de uma


enorme quantidade de estudos nas últimas décadas, que partindo de perspectivas
teóricas diferentes, dificulta o consenso sobre o que se entende por problemas
comportamentais e cria uma grande controvérsia entre os diversos investigadores
(Stephens & Lakin, 1995).
Além disso, os problemas de comportamento dos alunos são uma das
problemáticas que mais afecta os professores. Segundo Pérez (1994), isto pode ser
explicado por várias razões. Por um lado pela elevada percentagem deste tipo de
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distúrbios no âmbito das escolas; por outro lado, a maioria destes problemas
questiona a prática docente, e o professor sente-se muitas vezes desorientado, sem
saber o que fazer, além de que muitos deles podem tornar-se permanentes e
impedir uma vida satisfatória à criança.
Da mesma forma, para Brophy (1996), são estes os alunos que requerem
mais tempo, energia, atenção e paciência dos seus professores e por várias razões
são frequentemente motivo de frustração para quem trabalha com eles. São alunos
aos quais é difícil ensinar, fazem progressos lentamente e muitas vezes necessitam
de uma intervenção especializada.
Não há uma percepção comum das manifestações ou causas que deverão
definir os problemas de comportamento, havendo pois pouca clareza quanto à sua
definição conceptual. Comportamentos semelhantes podem ter diferentes causas,
desde distúrbios metabólicos e do cérebro, até distúrbios situacionalmente
induzidos, associados a disfunções familiares (Stephens & Lakin, 1995). O próprio
termo é confuso, utilizando-se muitas vezes expressões diferentes que
aparentemente se referem ao mesmo conceito. Por outro lado há autores que
identificam os problemas comportamentais em função do limiar de tolerância dos
adultos nos contextos em que estes ocorrem. Segundo Hobbs (1982, cit. in Edgar
& Siegel, 1995), os problemas comportamentais podem definir-se como “ a
discord between the behavior of an individual and the tolerances of that
individual’s immediate environment” (pág. 254).
Existem pois, múltiplas etiologias para estes distúrbios que resultam num
amplo universo de manifestações comportamentais. Desta confusão deriva a
necessidade de se chegar a um consenso tanto no que respeita ao conceito usado
na definição, como no que respeita ao diagnóstico e intervenção.
Na avaliação dos distúrbios da infância e da adolescência colocam-se
problemas muito específicos. Em primeiro lugar tem-se constatado que
determinados comportamentos excessivos na infância (por ex: medos, birras)
apesar de serem relativamente frequentes, têm tendência a diminuir com a idade.
Em segundo há que ter em conta que os problemas de comportamento
(relacionado com o crescimento rápido da criança) tendem a atenuar-se com o
desenvolvimento (por ex. a mentira é um problema "normal" aos 6 anos e diminui
razoavelmente por volta dos 10 anos). Em terceiro, também devido às mudanças
desenvolvimentais, é possível que um problema possa desaparecer rapidamente
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mas ser substituído por outro. Por último, durante bastante tempo acreditou-se que
as crianças não pudessem apresentar certos distúrbios como é o caso da depressão
infantil, crença que a investigação veio a revelar como errada (Kazdin, 1989).
Além do mais, são geralmente os pais ou os professores que referem os
problemas e dão conta dos sintomas, constituindo um obstáculo à avaliação, uma
vez que se pode registar a interferência de outros factores como a percepção dos
próprios adultos e o seu grau de ansiedade face aos problemas e à própria criança
(Kazdin, 1989).
A diferença entre o normal e o patológico, bem como a problemática que
se prende com a identificação, definição e avaliação dos problemas de
comportamento tem sido desde há muito tempo, uma das preocupações centrais da
Psicopatologia, bem com de outras disciplinas, tais como a Psicologia da
Educação e a Psicologia do Desenvolvimento (Lopes, 1998,b).
A partir dos anos setenta, os problemas de comportamento, bem como
outras perturbações específicas da infância e da adolescência, começam a ser
objecto de uma ampla investigação, nomeadamente no âmbito da Psicopatologia
do Desenvolvimento, que de acordo com Achenbach (1992), procura estudar a
psicopatologia em relação com as mudanças mais significativas que ocorrem ao
longo do ciclo de vida. É uma abordagem dinâmica que oferece uma grelha
conceptual para organizar o estudo da psicopatologia em torno das sequências do
desenvolvimento físico, cognitivo, sócio-emocional e educacional. O
desenvolvimento é visto no quadro de um contexto alargado, onde múltiplas forças
(sociais, culturais e económicas) interagem (Richters & Cicchetti, 1993).
Para além de enfatizar o estudo dos processos desenvolvimentais ao longo
do ciclo de vida, a psicopatologia do desenvolvimento, dá também especial
atenção aos processos patológicos, uma vez que considera que estes podem dar
indicações valiosas sobre o modo como a sua ontogénese pode ser investigada e
compreendida (Achenbach, 1992).
Numa perspectiva tradicional, clínica, os problemas e alterações de
comportamento classificam-se como meros desvios da norma dominante num
determinado contexto social, sendo esses comportamentos perturbados,
qualitativamente distintos de outras perturbações, considerando-se a patologia
interna aos indivíduos (Hinshaw, Lahey, & Hart, 1993) e assumindo-se que existe
uma descontinuidade entre comportamento normal e patológico.
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Numa perspectiva desenvolvimental, que deriva de uma abordagem


quantitativa, baseada nos resultados de estudos classificatórios empíricos, como é
o caso do modelo proposto por Achenbach (Achenbach & Edelbrock, 1983),
considera-se que as perturbações podem ser melhor entendidas numa abordagem
dimensional do que numa abordagem categorial. Segundo aquela perspectiva,
aparentemente o que distingue o comportamento normal do patológico é a
frequência e a intensidade das queixas, muito mais do que o tipo de
comportamentos por si só.
Esta classificação define os comportamentos em externalizáveis,
encontrando-se os problemas maioritariamente centrados na relação com os
outros, como por exemplo as condutas agressivas e as hiperactivas; e
internalizáveis em que os problemas estão centrados na própria criança com
consequências para o próprio sujeito, como por exemplo, a inibição social, o
isolamento ou as queixas somáticas (Hinshaw, 1992; Hinshaw, Lahey, & Hart,
1995).
Esta separação é baseada na natureza dos traços que os indivíduos
problemáticos apresentam, bem como no facto de se saber que os distúrbios
exteriorizados persistem mais ao longo do tempo e são mais refractários à
intervenção (Lopes, 2000).
Baseada na perspectiva tradicional, a Associação de Psiquiatria Americana
(APA), com o Diagnostic and Statistical Manual (DSM), cuja versão mais recente
é o DSM-IV (1996), estabeleceu o significado clínico dos problemas e alterações
de comportamento, baseado no modelo médico dos distúrbios mentais As
perturbações de comportamento externalizáveis, no DSM-IV, referem-se às
Perturbações Disruptivas do Comportamento e de Défice de Atenção que
incorporam conceitos de falta de atenção, hiperactividade, impulsividade, e actos
anti-sociais. Estes comportamentos estão separados dos problemas emocionais ou
tendências internalizáveis, que incluem depressão, ansiedade e medos.
Embora os vários problemas de comportamento exteriorizados tenham
tendência a surgir conjuntamente, existem no entanto categorias neste domínio,
estando os problemas de falta de atenção e impulsividade separados dos
comportamentos desafiadores, agressivos e anti-sociais.
No DSM-IV as categorias incluem Perturbação de Hiperactividade com
Défice de Atenção, a qual se caracteriza por um desenvolvimento inapropriado e
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desregulação persistente da atenção, dificuldades de concentração, impulsividade e


actividade motora descontrolada, e as perturbações anti-sociais que são a
Perturbação de Oposição e Perturbação de Comportamento (Hinshaw, 1992).
Estas duas perturbações para além de constituírem problemas marcados
por níveis excessivos de hostilidade, provocação, oposição e agressividade que
incluem: luta, assaltos, agressões físicas, mentiras, etc., representam também,
problemas mais graves, persistentes e socialmente menos desejáveis do que a
Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção, com tendência a ser
persistentes em vários contextos (Hinshaw, 1992; Lopes, 2000).
Devido à sua natureza internalizada, conhece-se muito menos sobre os
problemas que incluem ansiedade, tristeza e depressão (Prior, 1996). É contudo de
referir ser habitual nas crianças com histórias de comportamentos exteriorizados,
apresentarem uma baixa auto-estima (Puig-Antich, 1982).
A definição dos problemas e alterações de comportamento com base
apenas no DSM-IV torna-se limitativo para a avaliação em meio escolar, uma vez
que o que constitui ou não uma situação patológica deriva em grande medida do
acordo entre clínicos, não havendo qualquer referência aos contextos educativos.
Segundo Nelson et al., (1991), o procedimento mais adequado a adoptar deve ser
visto numa perspectiva ecológica, tendo em conta os diversos contextos.

3.2. Características associadas.

As crianças com problemas de comportamento, qualquer que seja a direcção


dessa problemática (externalização/internalização), apresentam frequentemente
problemas a nível académico, social e emocional (Barkley, et al., 2002).
Os distúrbios de comportamento exteriorizados estão associados a várias
características, tais como impulsividade, hiperactividade, desatenção, disrupção e
agressividade. As crianças nestas condições têm problemas sérios de relação com
pares, com um estatuto negativo de rejeição que irá ter consequências negativas
mais tarde na vida. Apresentam uma baixa auto-estima podendo também co-
ocorrer na pré-adolescência, problemas de depressão. Por fim, a ligação com a
baixa realização académica é francamente citada nas investigações (Hinshaw,
Aprendizagem e Comportamento 22

1992; Prior, 1996), considerando-se que está em risco percurso escolar daquelas
crianças.
Não menos graves são as perturbações de comportamento internalizadas
associadas à timidez, medo, isolamento e dependência, sobre as quais se conhece
menos devido à sua natureza (Prior, 1996). Muitas vezes os pais e os professores
não se apercebem das dificuldades quer dos filhos quer dos alunos, pois estas
características atraem menos a atenção dos adultos. Estes problemas ocorrem mais
frequentemente nas raparigas, embora possam ocorrer nos rapazes numa fase
inicial da escolaridade ou, mais tarde, associados a comportamentos
exteriorizados. (Prior, 1996). São menos refractários ao tratamento do que os
comportamentos exteriorizados, não sendo por isso referenciados como os mais
comuns no estudo da psicopatologia da criança e do adolescente.
As crianças com estes problemas, principalmente aquelas com
perturbações de comportamento exteriorizadas, são geralmente referenciadas como
menos pró-sociais, menos socializadas e menos competentes em lidar com
situações conflituosas (Milich & Landau, 1989), evidenciando um relacionamento
social pobre e problemas com os pares. Geralmente estas crianças são descritas
como perturbadoras, agressivas e abusivas em situações sociais (ex. intrometem-se
inapropriadamente em actividades em curso, não respeitam as regras dos jogos e
utilizam soluções agressivas para problemas triviais). Em estudos que empregaram
medidas sociométricas relativamente a crianças com perturbações de
hiperactividade, encontrou-se resultados elevados no estatuto de rejeição pelos
pares (DuPaul, & Stoner, 1994). Este estatuto parece manter-se estável ao longo
do tempo, implicando uma situação crónica de dificuldades interpessoais.
Parece também existir evidência empírica de que o seu raciocínio social é
mais negativo, identificando com frequência comportamentos indesejáveis nos
pares, ou seja, avaliam de uma forma negativa situações sociais ambíguas, tendo
tendência a interpretar sistematicamente o comportamento do outro como
agressivo (Lopes, 1998,b; Kazdin, 1990).
As crianças com problemas comportamentais são frequentemente criticadas
pelos adultos e rejeitadas pelos pares, situação que conduz a que tenham uma
imagem deficiente de si próprias, reduzindo a sua auto-estima. O fracasso
sucessivo em vários domínios, acentua e eterniza os problemas motivacionais,
emocionais e interpessoais destas crianças.
Aprendizagem e Comportamento 23

Por outro lado, a rejeição prolongada a que estão sujeitas leva-as a


percepcionarem-se a si próprias como negativas, a evidenciarem um baixo auto –
conceito e a experienciar mais sentimentos de solidão (Puig-Antich, 1982),
afectando muito provavelmente o seu desenvolvimento afectivo. É comum
encontrar episódios depressivos em crianças e adolescentes agressivos, donde se
pode supor que entre os distúrbios interiorizados e exteriorizados existe alguma
continuidade (Hinshaw, 1992).
Estas crianças, representam um sério problema em contexto escolar.
Demonstram dificuldades em se envolver e em persistir nas tarefas, perturbam o
grupo com frequência, demonstram falta de atenção, têm dificuldades em seguir as
regras e orientações do professor, são alvo de uma maior acção disciplinar por
parte dos professores, e revelam deficientes competências de estudo,
nomeadamente na organização dos cadernos.
Estando constantemente expostas ao fracasso (quer a nível das relações
sociais, quer a nível dos resultados escolares), revelam falta de investimento nas
tarefas escolares e tendência para desistir facilmente (Barkley et al., 2002).
Os fracassos escolares continuados têm tendência a reduzir a motivação e
o esforço perante as tarefas, dando lugar a um mau desempenho escolar o que, por
vezes, conduz ao abandono escolar (Prior, 1996). Por seu lado, os dados da
investigação, revelam que estas crianças recebem mais suspensões, expulsões e
abandonam mais cedo a escola (Lopes, 1998,b)
Em suma, têm níveis de realização escolar baixos e inferiores às suas
capacidades e manifestam frequentemente sérias dificuldades em se manter numa
situação de aprendizagem, uma vez que o contexto particular da sala de aula exige
a estas crianças não só competências académicas, mas também inquestionáveis
competências sociais, que se espera que qualquer aluno apresente (Barkley, et al.,
2002; Lopes, 1998,b).
Aprendizagem e Comportamento 24

4- Comorbilidade: Dificuldades de Aprendizagem e Problemas de


Comportamento

A associação entre problemas de comportamento e outros problemas, tais


como dificuldades de aprendizagem, tem vindo a ser objecto de inúmeras
investigações. Algumas delas têm posto em evidência que as crianças que
apresentam padrões específicos de comportamentos exteriorizados, incluindo
hiperactividade, problemas ao nível da atenção, bem como comportamentos
agressivos, anti-sociais e problemas de conduta, manifestam também problemas de
aprendizagem (LaGreca & Stone, 1990).

Estudos de crianças delinquentes e de adolescentes revelam que as


dificuldades de leitura, em particular, são muito vulgares. No 1º ciclo do ensino
básico é mais frequente a associação do fracasso escolar a comportamentos
hiperactivos do que a comportamentos agressivos, existindo, porém, na
adolescência, uma associação clara entre delinquência e baixo rendimento
académico.
As crianças com dificuldades de aprendizagem e problemas de
comportamento estão duplamente em desvantagem (Prior, 1996), encontrando-se
em situação de alto risco de manter os défices de realização académica e de manter
os problemas comportamentais, os quais dificultam gravemente o seu percurso
escolar e também profissional.
A associação entre estas duas problemáticas é usualmente tida como
ocorrendo entre 10% a 50% dos casos, dependendo de quais os problemas
considerados. As crianças com problemas de comportamento externalizados,
apresentam índices elevados de comportamento fora da tarefa e dificuldades ao
nível de realização do trabalho académico individual São estes problemas que,
mais de perto se relacionam com as dificuldades de aprendizagem, uma vez que,
exibindo estes comportamentos, a criança gera conflitos com as pessoas
pertencentes ao seu meio envolvente (Hinshaw, 1992; Prior, 1996).
A comorbilidade entre estes dois tipos de problemas parece indiciar um
prognóstico de percurso desenvolvimental perturbado.

Contudo, nem todas as crianças com DA apresentam problemas de


comportamento externalizados. Enquanto que os problemas externalizados são
Aprendizagem e Comportamento 25

encontrados com mais frequência nos rapazes do que nas raparigas, estas por seu
lado, manifestam, mais frequentemente, a par das dificuldades de aprendizagem,
problemas de comportamento internalizados (Hinshaw, 1992; Prior, 1996).

O distúrbio hiperactivo e de défice de atenção, é o problema de


comportamento externalizado mais fortemente associado às dificuldades de
aprendizagem, com uma associação de 40 a 50% (Prior, 1996), estando claramente
associados desde os primeiros anos de escolaridade, podendo no entanto, surgir
essa associação em idades mais precoces.

Barkley et al. (1990, cit in Lopes, 1998,b) realçam o facto, de que estas
crianças correm severos riscos de abandono escolar, uma vez que apresentam uma
sub-realização académica que pode tornar-se crónica e apresentam também uma
taxa de retenção superior à das crianças normais.

Diversos estudos sobre esta problemática (Barkley, 1990; Prior, 1996),


fazem referência a uma elevada prevalência de problemas de aprendizagem em
rapazes hiperactivos, que apresentam níveis de realização escolar inferiores,
quando comparados com os seus colegas de escola. Resultados semelhantes foram
encontrados quer em estudos transversais quer em estudos longitudinais.
(Maughan & Hagell, 1996).

Ao estudar a mesma criança desde o início do seu desenvolvimento, e ao


longo do tempo, os estudos longitudinais permitem compreender mais eficazmente
estas problemáticas, na medida em que, é possível acompanhar a manifestação dos
vários problemas (Prior, 1996).
Num estudo longitudinal levado a cabo por Prior et al. (1995 citado em
Prior, 1996), os resultados apontam para seguinte associação entre dificuldades de
aprendizagem e problemas de comportamento:
- Em crianças com dificuldades da leitura e que manifestavam também
problemas de comportamento, verificou-se que ao resolver os problemas na leitura
desapareciam os problemas de comportamento, o que leva a concluir que, segundo
os investigadores, o sucesso académico pode ser um factor protector na
diminuição de problemas de comportamento.
- Verificou-se que os problemas de comportamento, especialmente de
hiperactividade e défices de atenção eram já evidentes na primeira infância nas
crianças que tinham tanto dificuldades de leitura como problemas de
Aprendizagem e Comportamento 26

comportamento, concluindo-se então que os problemas de comportamento


contribuem para as dificuldades de leitura, podendo ser anteriores a estes.
Parece pois existir uma forte relação entre as dificuldades de
aprendizagem, sobretudo ao nível da leitura, e os problemas emocionais e de
comportamento (Maughn, 1995), sendo então fundamental identificar
precocemente os problemas de linguagem, sobretudo ao nível fonológico, uma vez
que são preditores de dificuldades de aprendizagem.
A maior parte destes estudos foram realizados em contexto escolar sendo
menos conhecidas as implicações que os problemas de leitura e a sua relação com
problemas de comportamento têm no ajustamento social na idade adulta.
(Maughan, 1995). Os dados sobre esta problemática são provenientes de amostras
clínicas, o que dificulta a sua generalização (Maughan & Hagell, 1996).
Outros estudos, como os efectuados na ilha de Wight apontam também
para relações elevadas entre atrasos na leitura e distúrbios de conduta (Maughan,
1995).
A este propósito, Hinshaw (1992), alerta para a necessidade de um
diagnóstico diferencial e para uma correcta estratégia de intervenção, uma vez que
se deve ter em conta as seguintes hipóteses explicativas desta associação: i) a sub-
realização escolar é preditiva de comportamentos exteriorizados; ii) os problemas
de comportamento exteriorizados são preditivos de problemas na aprendizagem;
iii) ambos os domínios predizem o outro e; iv) variáveis subjacentes predizem
ambos os domínios.
Contudo, é convicção generalizada que existe uma relação bidireccional
entre estes dois problemas e que esta associação pode conduzir a trajectórias
escolares desajustadas (Lopes, 1998,b), tornando-se necessário conhecer em que
circunstâncias é que esta associação tem mais probabilidades de vir a acontecer.
Atrasos do foro cognitivo e de fala, associados a um baixo nível sócio-
económico, bem como a existência de famílias problemáticas, aumentam o risco
de se instalar um quadro de comorbilidade. Ao que tudo indica, para as crianças
que exibem os dois problemas, eles surgem muito cedo na sua vida, sugerindo a
existência de factores subjacentes a ambos, como por exemplo problemas de
linguagem e disfunções familiares (Hinshaw, 1992).
Os dados apontam assim a necessidade de se intervir o mais precocemente
possível a nível já do pré-escolar, com programas de intervenção comportamental
Aprendizagem e Comportamento 27

para prevenir que no 1º ciclo as dificuldades comportamentais ponham em risco a


aprendizagem académica (Prior, 1996).
Embora, sabendo-se que não será possível eliminar todas as dificuldades de
aprendizagem, a intervenção deve ser continuada ao longo da escolaridade, no
sentido de diminuir o risco de fracasso a nível da aprendizagem escolar e de
reduzir-se substancialmente o principal factor de risco -a associação problemas de
comportamento e dificuldades de aprendizagem (Prior, 1996).

Hinshaw (1992) considera que os benefícios a longo prazo dos programas


de intervenção em crianças e jovens com comorbilidade de problemas de
comportamento externalizáveis e baixa realização académica têm sido raros,
particularmente para os casos com distúrbio hiperactivo e défice de atenção e
dificuldades de aprendizagem. A maioria dos programas têm tido curta duração,
abordando um ou noutro problema. O referido autor realça a necessidade de ser
feita uma intervenção multimodal, ou seja, orientar a intervenção educacional para
o desenvolvimento das realizações académicas, para as dificuldades de
aprendizagem e, combinar tratamento farmacológico e psicológico para os
problemas de comportamento. Alerta ainda para o facto de os pré-adolescentes e
adolescentes com problemas associados de comportamento e aprendizagem serem
muito pouco sensíveis a intervenções meramente comportamentais.

Da mesma forma DuPaul & Stoner (1994), consideram que o primeiro


objectivo de intervenção nestas situações será o desenvolvimento de competências
académicas, seguido de uma intervenção a nível comportamental.

É também necessário ajudar pais e professores, criando condições para o


seu envolvimento nos programas de intervenção de base comportamental, uma vez
que a intervenção somente com a criança é insuficiente. Por vezes, e como os
problemas de comportamento externalizados estão também relacionados com
problemas de interacção familiar, ou rejeição pelo grupo de pares, torna-se
necessário ter em conta estes aspectos na intervenção.
Contudo, parece-nos que o melhor meio de evitar, ou pelo menos atenuar
as dificuldades de aprendizagem e os problemas de comportamento, é, sem
dúvida, identificar precocemente estes problemas ou os factores subjacentes e
intervir com o objectivo de prevenir ulteriores fracassos na aprendizagem.
Aprendizagem e Comportamento 28

5- Trajectória Desenvolvimental

As crianças com dificuldades de aprendizagem e problemas


comportamentais são especialmente vulneráveis, nomeadamente às mudanças que
possam ocorrer no contexto escolar. É por demais evidente a influência que a
escolaridade tem na vida dos sujeitos, existindo uma relação entre o insucesso
escolar experenciado e possíveis desajustamentos querem pessoais quer
profissionais na vida adulta. Tal relação ainda é mais notória nas crianças que
apresentam precocemente problemas escolares quer a nível de aprendizagem quer
a nível comportamental (Speece & Keogh, 1996).
Estas crianças, para além de terem grandes probabilidades de fracasso
continuado a nível académico, ao entrarem na adolescência, estão em grande risco
de se tornarem delinquentes (Hinshaw, 1992).
São múltiplos os factores que podem interferir no percurso escolar das
crianças e dos adolescentes com dificuldades de aprendizagem: da possível
associação com os problemas comportamentais; do apoio educativo; do
envolvimento activo dos pais; do nível sócio-económico da família e da
capacidade da criança em conseguir obter a ajuda necessária, ou seja, a
"resiliência " da criança face às suas dificuldades e problemas (Prior, 1996).
Para Cicchetti & Richters, (1993, cit in. Maughan & Hagell, 1996), as
investigações realizadas no âmbito da psicopatologia do desenvolvimento
permitem avaliar em que extensão, as dificuldades precoces afectam as
capacidades da criança no decurso do seu percurso desenvolvimental, permitindo
dessa forma, traçar o curso dos distúrbios na infância.

Da mesma forma, os actuais estudos da literacia permitem, através dos


relatos feitos pelos adultos, conhecer melhor as implicações que os problemas
escolares na infância têm na vida adulta, (Maughan, 1995; Benavente, 1996).
Estudos longitudinais com grupos de crianças com D.A. até à idade adulta,
mostram desajustamentos e desvantagens, no que diz respeito a estabilidade de
emprego e a um maior número de problemas de saúde mental (Prior, 1996). Na
maior parte das vezes estas crianças abandonam a escola precocemente
desenvolvendo trajectórias de vida relacionadas com desvantagem social,
empregos mal pagos ou desemprego.
Aprendizagem e Comportamento 29

Num estudo que comparou leitores competentes e leitores pobres


(Maughan & Hagell, 1996), com o objectivo de perceber as questões mais
importantes acerca das suas trajectórias desenvolvimentais, foi possível identificar
algumas vulnerabilidades no funcionamento psicossocial da vida adulta, existentes
na maioria dos indivíduos com dificuldades de leitura na infância.
As autoras encontraram nos leitores pobres associados a problemas de
comportamento alguns problemas na vida adulta, tais como: dificuldades em
conseguir a independência das suas famílias de origem, tendência para alcoolismo,
distúrbios de personalidade e maior probabilidade de experienciar longos períodos
de desemprego, ou empregos semi-qualificados ou não qualificados, no que diz
respeito aos homens. Nas mulheres encontraram sobretudo um elevado número de
separações, maiores probabilidades de deixar o emprego e tendência para
constituir família mais cedo.
A escola, pela importância que coloca na competência da leitura, exerce
uma pressão inevitável e prejudicial nas crianças com dificuldades de leitura.
Porém, Maughan & Hagell (1996), nas suas investigações encontraram situações
em que devido às circunstâncias do meio foi possível a alguns indivíduos
minimizar as dificuldades continuadas de literacia e encontrar um funcionamento
psicossocial mais favorável.
Outro aspecto importante, é o que diz respeito à relação entre
relacionamento interpessoal e a associação entre problemas comportamentais e
dificuldades de aprendizagem, sendo muito provável, que os adultos com
comportamentos anti-sociais apresentem níveis de literacia muito baixos (Lopes,
2001).
Em estudos longitudinais com sujeitos seguidos desde a infância até aos 18
– 25 anos de idade, Barkley, Fisher, et al. (1990), constataram que os problemas de
realização académica e de comportamento anti-social, verificados na adolescência,
continuam em grande risco de se manterem na idade adulta. Um terço destes
sujeitos abandonou a escola secundária, e apenas 5% completou um curso
universitário, enquanto que 25% apresentavam comportamentos desajustados.
Os estudos da literacia realizados em vários países, incluindo Portugal
(Benavente, 1996), fornecem dados acerca das capacidades de processamento de
informação escrita na vida quotidiana, da população adulta. Estes estudos põem
em evidência a complexa teia que existe entre níveis de escolarização e níveis de
Aprendizagem e Comportamento 30

literacia. Para inferir o nível de literacia de um indivíduo, não basta conhecer o seu
grau de ensino. É suposto que os níveis de literacia evoluam favoravelmente na
idade adulta, mas tal evolução depende dos contextos de vida dos indivíduos, que
podem proporcionar o desenvolvimento e manutenção dessas competências ou por
outro lado, a sua regressão e perda (Benavente, 1996)

Os resultados encontrados nos estudos de literacia em Portugal (Benavente,


1996) mostram que cerca de metade da população tem sérias dificuldades no uso
da informação escrita, enquanto que apenas 20.6% da população consegue níveis
de literacia mais elevados, (entendidos como aqueles que permitem às pessoas
lidar com um extenso conjunto de tarefas quotidianas que requerem o uso da
informação escrita).

Fazendo uma análise mais detalhada verificou-se que os níveis de literacia


mais baixos são encontrados em indivíduos originários de famílias pertencentes a
níveis socio-económicos mais desfavorecidos e onde os recursos escolares são
insuficientes. Os níveis de literacia estão relacionados com os graus de instrução
(cerca de metade da população tem o 1° ciclo de escolaridade ou menos), ou seja,
quanto maior o nível de literacia maior o grau de instrução.
As condições socioprofissionais estão também relacionadas com os níveis
de literacia: os agricultores e operários têm níveis mais baixos de literacia,
enquanto que quadros técnicos têm níveis mais elevados. Da mesma forma os
desempregados, reformados e domésticas possuem níveis mais baixos de literacia
do que os sujeitos que exercem uma actividade profissional.
Finalizando, poderemos afirmar que as dificuldades de aprendizagem e os
problemas de comportamento têm tendência a cristalizar, especialmente se não
forem atempadamente atendidos. Contudo, esta previsão não é tão drástica para
aquelas crianças de meios socio-económicos elevados, pois as suas famílias
possuem mais conhecimentos e recursos económicos para as ajudar, bem como
para aquelas crianças que possuem um bom potencial intelectual, uma vez que
podem compensar essas dificuldades desenvolvendo competências noutras áreas.
Tanto a severidade dos problemas como o contexto em que ocorrem, podem
influenciar grandemente os resultados posteriores.
Se houver uma contínua exposição a experiências de aprendizagem, mesmo
depois da escolaridade, as dificuldades podem ser atenuadas. Estudos relativos a
Aprendizagem e Comportamento 31

crianças que recebem apoio adequado em casa, atenção especializada na escola e


onde os meios estão adequados às suas limitações pessoais, dão-nos conta de
resultados mais positivos. Posteriormente, apoio e suporte na tomada de decisão
nas fases de transição, nomeadamente para a vida activa, são de grande
importância para os indivíduos com estes problemas (Maughan, 1995).

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