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Inconfidência Mineira

Constituído a partir da colonização portuguesa, o Brasil teve no centro de suas


questões políticas o conflito entre o nacional e a influência (direta ou indireta) estrangeira. Se
esse conflito mostra-se claro no caso do Brasil colônia, ele estendeu-se por toda a nossa
história, mesmo após a independência. As elites que formaram-se a partir dos imigrantes
europeus fundaram os movimentos que deram os primeiros passos em direção à
independência e formação do Brasil como estado-nação: enquanto esses movimentos mais ou
menos bem sucedidos não alcançaram a independência política do Brasil de Portugal, eles
fundaram a base ideológica e política que inspiraria, mais tarde, o republicanismo e o
nacionalismo brasileiro.
Não é por acaso que a República proclamada em 1889 lançou mão desses
movimentos como os constituintes heróicos originais da nação brasileira. Eles representam,
simultaneamente, as duas bases do republicanismo: o nacionalismo, fundado na necessidade
histórica do Brasil de se constituir como estado-nação e se desvencilhar da influência
portuguesa, e o Iluminismo.
De todos esses movimentos, o mais significativo foi a Inconfidência Mineira, por se
tratar de uma conspiração que deu-se na capitania mais rica e importante do Brasil naquele
momento. O chamado Ciclo do ouro representou, para Portugal, um novo momento
econômico e uma nova relação com a colônia: os impostos que a vasta mineração de ouro e
pedras preciosas possibilitaram para Portugal sua reformulação econômica, social e política
no período pombalino. Se isso foi inicialmente benéfico para ambos, à medida que a
mineração tornou-se mais escassa Portugal aumentou os impostos sobre ela, assim como
procurou diminuir a sonegação, o que gerou a insatisfação das elites mineiras. É possível
dizer que o aumento dos impostos foi a motivação econômica e o estopim para a
Inconfidência Mineira.
Não é, todavia, algo que se resume à insatisfação tributária das elites autóctones com
a metrópole. Os ideais iluministas, especialmente entre as elites, floresceram naquele tempo
por todo o mundo; essa era ideologia predominante entre os inconfidentes republicanos. É
notória a forma como o Iluminismo daquele tempo apresentava contradições ideológicas, por
exemplo quando defendia a escravidão e uma democracia restrita às elites. Reduzir isso a
uma característica do Iluminismo “brasileiro” seria, no entanto, falhar em reconhecer que
assim era o Iluminismo dos “Founding Fathers” norte-americanos, por exemplo. O avanço e
o progressismo desses ideais, ainda que não sem falhas, era claro em relação a sua
contrapartida, o antigo regime e a monarquia.
A conspiração da Inconfidência pretendia estabelecer uma república em Minas
Gerais, mas nunca foi concretizada. Seus perpetradores foram muitos punidos com multas e
prisões, e Tiradentes acabou sendo condenado à morte para ser usado como um símbolo da
derrota dos dissidentes. Esse é um prelúdio do aspecto mais significante desse acontecimento
e de seus personagens para a história brasileira: trata-se de um representante simbólico do
ideal republicano e nacionalista, recuperado após a Proclamação da República de 1889. A
construção do “mito” de Tiradentes, frequentemente representado com similaridades físicas a
Cristo, foi absolutamente anacrônica, mas não destituída de sentido.
Se hoje o estudo do fato ocorre de forma crítica, não podemos considerar o
movimento irrisório por sua importância ter sido reconhecida apenas tardiamente. Tratava-se,
afinal, de uma expressão genuína do Iluminismo no contexto brasileiro, ideal que foi
fortemente combatido pela Coroa Portuguesa. Hoje, é importante acima de tudo compreender
as contradições da Inconfidência, e especialmente estudar seu papel na construção da
identidade nacional brasileira. Seus ideais e suas simbologias estenderam-se pela história do
Brasil, e a República pode ser tratada como a velha repetição do tema que Marx desenvolve
citando Hegel, segundo o qual “todos os eventos históricos ocorrem duas vezes: a primeira
vez como tragédia e a segunda como farsa”.

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