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Montingelli ‐ Os perigos do Holocausto, da xenofobia, do racismo e do fundamentalismo político
Danilo Montingelli
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HÉRITIER, Françoise. O eu, o Outro e a intolerância. A Intolerância. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000, p. 24
JUS HUMANUM – REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DA UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL.
São Paulo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2011.
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HÉRITIER, idem, p. 27
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vírgula. O importante, no aviso de Feder, é não se tocar nas suas ideias centrais e
nas suas bases.
Em face do exposto, utilizado a guisa de aproximação e embasamento, pode-se
utilizar como corolário a visão que a filósofa Hanna Arendt esboça, em seu livro
“As Origens do Totalitarismo”, sobre quais são, portanto, as características
fundantes de uma autocracia. Como se poderá perceber, são o desenvolvimento
lógico do que está expresso Programa do Partido Alemão. São eles:
1. Diferencia-se essencialmente do despotismo, tirania e ditadura – pois estes são
regimes de controle exercido em detrimento da vontade do povo e a autocracia
tem o apoio dele, ainda que haja um forte caráter repressor do Estado;
2. Cria instituições políticas inteiramente novas e destrói as tradições sociais,
legais e políticas do país – a ascensão do nazismo promoveu a queda da
República de Weimar, mas não restabeleceu a estrutura anterior do Império,
criando estrutura própria de governo;
3. Transforma classes em massas - há a estratificação do povo em prol de um
ideal comum, sacrificando-se as diferenças e incutindo modos uniformizados de
comportamento e pensamento.
4. Substitui o sistema partidário não por ditaduras unipartidárias, mas por um
movimento de massa – ainda que, como no caso alemão, haja um partido
hegemônico que organiza a sociedade, o fulcro central e a sustentação que o
povo dá a esse partido para que seja único;
5. Transfere o centro do poder do Exército para a Polícia – ainda que o Exército
recebesse imenso fomento ao seu desenvolvimento, o gerenciamento do país
recairia mais na capacidade do governo de fiscalizar as ações das pessoas e
coibir possíveis discordâncias;
6. Estabelece uma política exterior que visa abertamente ao domínio mundial –
esforço claro na política hitlerista de conquista de territórios e expansão do
poderio, como forma de, até mesmo, contrapor a constrição sofrida com o Pacto
de Versalhes;
7. Recorre à fonte de autoridade da qual as leis positivas recebem a sua
legitimidade final – à margem do que possa parecer, o governo totalitário não é
arbitrário, estando, outrossim, embasado em leis que lhe confiram legitimidade;
8. Pretende haver encontrado um meio de estabelecer a lei da justiça na terra –
não se trata, pois, só de comandar e sujeitar, mas de fazer com que as coisas
sejam como, na visão do totalitarista, deveriam ser;
9. Rompimento consciente com o consensus iuris – Seria a subversão do
reconhecimento dos cidadãos de que só o sistema de regras positivas emanadas
dos poderes do Estado e legitimados pelo povo pode julgar e punir os que
porventura se arriscam à violação da norma abstrata; ainda que haja leis, outros
meios são admitidos para que reprimir o que elas consideram criminoso, sem
atenção ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório;
10.Pretende sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos à execução do que
supõe ser a Lei da História ou a Lei da Natureza – entende que a vida natural
deve ser vista como histórica, em um movimento linear e progressivo, focando-se
na constatação de Darwin acerca da sobrevivência dos seres mais aptos (o que
embasa a ideia racista).
porque, há de se considerar que um povo perfaz uma noção ampla de família, por
profunda identificação cultural. Qualquer dano em uma dessas estruturas faz com que
o indivíduo perca parâmetros e, por conta disso, deixe de ter certos objetivos que
comungam com o todo e o inserem em seu meio.
Tal status quo leva a um dimorfismo da percepção de pertença e dificulta a
observância a muitas normas de conduta. Desse modo, tanto o nazismo quanto 'A
Onda' fizeram um papel conciliador dessas necessidades. Para a falta de objetivos,
criou a perspectiva de objetivos comuns, estabelecendo uma massa de manobra, mas
com intensa sensação de identificação, o que leva à segurança individual. Ainda mais
porque ambos orbitam em torno de uma figura central que, por não ser abstrato como
a lei, é mais fácil de ser seguido e endeusado; o que, não raro, decai para o controle,
manipulação e estimulação do fanatismo como forma de assegurar longevidade a
essa situação (uma vez que o poder causa uma atração irresistível).
Essa perpetuação, como também se vê no filme, dá-se por uma ideologia
sólida, construída, passo a passo, sobre as necessidades que o grupo apresenta,
amarrando-o com as correntes da disciplina, uniformização (do comportamento e do
pensamento), com saudações e símbolos próprios. Desse modo, todos os alunos da
turma de Autocracia passaram a reportar-se e nutrir seus ideais nos do professor, usar
o mesmo tipo de indumentária, usar uma saudação, apenas a eles permitida, e
assumirem, como expressão pictórica de sua existência, o desenho uma onda marinha
estilizada.
Há de notar outra característica comum entre o nazismo e o grupo d'A Onda:
todos seus asseclas, ou assim considerados, são tidos como iguais entre si (os
arianos ou os alunos da classe); entretanto, os demais são excluídos e
desconsiderados, o que permite atingir a intolerância de que se falou. Porém, tal
medida não é isolada, mas do todo que compõe o grupo, pois há a anulação do
indivíduo em prol do coletivismo (nas palavras de uma das personagens: “juntos
somos fortes”, portanto nenhum deles iria agir sozinho para não ser considerado
fraco). Desse modo, do caldo entre intolerância e necessidade de ser forte dentro do
contexto, surge um radicalismo, até exacerbado, levando ao uso da força para
prevalência e autoafirmação (o que está presente no genocídio nazista e, no filme, no
armamento de um dos alunos).
“Como uma onda inundaremos a cidade”. Essa fala de um dos participantes
d'A Onda traz, em si, muitos dos pontos levantados sobre o filme e sobre a própria
essência do totalitarismo. Fica, pois, como alerta acerca da própria condição humana,
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