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“Sempre uma coisa defronte da outra,

Sempre uma coisa tão inútil como a outra,


Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”
Tabacaria – Álvaro de Campos

Moacyr Scliar foi um renomado escritor porto-alegrense, cujas histórias são


marcadas pelo humor, pelo imaginário fantástico e pela investigação da tradição
judaico-cristã. Escreveu diversas obras premiadas, e várias delas destinadas ao
público infanto-juvenil, como “Nem uma coisa, nem outra” (2003), que traz a
narrativa de Tininha, indecisa sobre tornar-se borboleta ou permanecer larva.
Criando um universo maravilhoso, Scliar conduz o leitor à reflexão sobre a
conjuntura do entrelugar, relembrando o ser e o não ser shakespeariano, bem como
o questionamento sobre o destino e, até mesmo, o final feliz dos contos de fadas.
Nessa perspectiva, busca-se analisar a narrativa “Nem uma coisa, nem outra”, para
compreender o entrelugar em que a personagem Tininha se encontra e como essa
localização se relaciona a temas trabalhados por Scliar em sua produção literária.

Introdução

Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre-RS, em 23 de março de 1937. Filho de


um casal judeu, formou-se médico e estreou como escritor trazendo crônicas sobre
seu cotidiano médico. Contar histórias fazia parte da infância de Scliar, como ele
mesmo relata em um de seus livros “reunirem-se todas as noites na casa de alguém
para, tomando chá ou chimarrão, contar histórias [...] que me encantavam” (SCLIAR,
2003, p. 61) e, em muitas dessas, encontramos um mundo ora fantástico, ora
maravilhoso.

Álvaro de Campos, no poema Tabacaria, traz, em seus versos, o sentimento


de incerteza do sujeito que se sente perdido diante às mudanças que ocorrem ao
seu redor e consigo próprio. Essa é a mesma situação que se apresenta à Tininha,
personagem da narrativa Nem uma coisa, nem outra, publicada por Moacyr Scliar
em 2003. O título nos remete a essa indecisão, reforçada pela introdução, em que o
narrador nos apresenta a situação de não ser uma coisa, nem outra:

Às vezes não é bem dia, às vezes não é bem noite. Às vezes não está
quente, mas também não faz frio. [...] Às vezes já conhecemos muita coisa,
mas sabemos que ainda precisamos aprender muito. [...] É estranho não ser
mais uma coisa e não ser ainda outra coisa, não é mesmo? (SCLIAR, 2003,
p.1-2)

Nessa reflexão, o narrador nos apresenta a esse entrelugar ou entremeio,


além de especular sobre o fato de os seres humanos não se transformarem tanto, tal
como uma borboleta – que passa pelo processo de metamorfose – e que esse fato
faz com que os seres humanos inventem “histórias que começam com ‘era uma
vez’” (p. 3). Dessa forma, o narrador nos conduz ao mundo dos contos de fada e ao
maravilhoso. Moacyr Scliar, por sinal,

Retomando o poema de Campos, o eu-lírico, em certo momento, também está a


criar histórias, em seu próprio processo de reconhecimento de si mesmo,
observando o mundo, ou a tabacaria à frente, por sua janela.

Referências

SCLIAR, Moacyr. Uma história só pra mim. São Paulo: Atual, 2003.

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