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INVEJA: SEXTO VÍCIO CAPITAL
(Gl 5, 26)
“Não sejamos cobiçosos de vanglória, provocando-nos uns aos outros e
invejando-nos uns aos outros”.
A inveja é também um vício dominante. É necessário sermos muito humildes e
sinceros conosco próprios para admitir que a temos. A inveja não consiste em desejar o
nível de vida dos outros: esse é um sentimento perfeitamente natural, a não ser que nos
leve a extremos de cobiça. Não, a inveja é antes a tristeza causada pelo fato de haver
quem esteja numa situação melhor que a nossa, é o sofrimento pela melhor sorte dos
outros. Desejamos ter aquilo que um outro tem, e desejamos que ele não tenha; pelo
menos, desejaríamos que não o tivesse, se nós não podemos tê-lo também. A inveja leva-
nos ao estado mental do clássico “cachorro do hortelão”, que nem aproveita o que tem
nem deixa que os outros o aproveitem, e produz o ódio, a calúnia a difamação, o
ressentimento e outros males semelhantes.
A inveja é a tristeza causada pelo bem do próximo ou a alegria pelo mal que lhe
acontece, sentimentos estes que se originam no desejo injusto do bem alheio. A inveja,
filha do orgulho, é pecado do demônio: “É pela inveja do demônio que a morte entrou no
mundo” (Sb 2, 24). A inveja é uma tortura, um suplício contínuo para aquele que se entrega a
esta inclinação. De mais a mais, dá origem a pecados sem conta: suspeitas injustas,
calúnia, murmuração, discórdia, ódio e até homicídio: Qual a traça para a roupa, o verme
para a madeira, a ferrugem para o ferro, assim é a inveja para o coração do homem; ela o
rói e o devora: é ainda o verme que corrói o vestido de honra da virtude, a ferrugem que
mareia o brilho da reputação.
A inveja “é o desgosto ou tristeza perante o bem do próximo” (Santo Tomás de Aquino, S. Th.,
II-II, q. 36, a. 1),
considerando como mal próprio, porque se pensa que diminui a nossa própria
grandeza, felicidade, bem-estar ou prestígio.
A inveja brota, em geral, da soberba (cf. S. Th., II-II, q. 36, a. 4, ad 1), e surge,
especialmente, entre aqueles que desejam desordenadamente uma honraria, ansiosos de
considerações e elogios. Costuma aparecer entre pessoas da mesma condição social,
intelectual, etc.; poucas vezes entre pessoas de condição muito desigual (cf. S. Th., II-II, q.
36, a. 1, ad 2 e ad 3).
São João Crisóstomo escreve: “Nós nos combatemos mutuamente, e é a inveja que
nos arma uns contra os outros... Se todos procuram por todos os meios abalar o Corpo de
Cristo, onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo... Declaramo-
nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras” (Hom. in 2 Cor 27, 3-4: PG
61, 588).
Santo Agostinho via na inveja “o pecado diabólico por excelência” (De disciplina christiana,
7, 7: CCL 46, 214 (PL 40, 673).
São Gregório Magno escreve: “Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia,
a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer causado por sua prosperidade”
(Mor. 31, 45, 88: CCL 143 b, 1610 (PL 76, 621).
O INVEJOSO
Tinha Santa Isabel de Portugal um pajem muito virtuoso e piedoso a quem
encarregava de distribuir suas esmolas. Outro pajem, que ambicionava aquele cargo, por
ser muito invejoso, acusou-o junto ao rei de um grande crime, de um pecado muito feio.
Acreditou o rei nas mentiras do pajem perverso e resolveu matar o pajenzinho da santa
rainha.
Ordenou a um homem, que tinha um forno de cal, que lançasse ao fogo o primeiro
criado que chegasse para informar-se se haviam cumprido as ordens do rei.
Em seguida mandou ao pajenzinho que fosse levar o recado ao dono do forno. O rapaz
partiu imediatamente; mas, ao passar por uma igreja e ouvindo tocar para a missa,
resolveu ouvi-la antes de ir adiante.
Enquanto a ouvia, o rei, impaciente de saber se tinha morrido, mandou o pajem
invejoso e caluniador que fosse perguntar ao homem do forno se havia executado a ordem
do rei. Correu tão depressa que chegou primeiro ao forno e, dando o recado, o homem
imediatamente o lançou ao fogo.
Já estava ardendo, quando, pouco depois, chegou o pajenzinho da rainha, que assistira à
missa toda, e perguntou se haviam cumprido a ordem do rei.
Tendo recebido uma resposta afirmativa, correu ao palácio para comunicá-la ao rei.
Este, ao ver o rapaz, ficou estupefato e adivinhou as secretas disposições da Providência
Divina, que permitira o castigo do culpado e a salvação do inocente.
É triste o fim do invejoso! Ele é pior que Satanás: “A inveja assemelha o homem ao
demônio” (Frei Pedro Sinzig), e: “Os invejosos são piores que o diabo, pois o diabo não inveja
os outros diabos, ao passo que os homens não respeitam sequer os participantes da sua
própria natureza” (São João Crisóstomo).
A inveja é, ao mesmo tempo, paixão e vicio capital. Como paixão, é uma espécie de
tristeza profunda que se experimenta na sensibilidade à vista do bem que se observa nos
outros; esta impressão é acompanhada duma constrição do coração que lhe diminui a
atividade e produz um sentimento de angústia.
Aqui ocupamo-nos, sobretudo da inveja, enquanto vício capital.
1.° Natureza. A) A inveja é uma tendência a entristecer-se do bem de outrem, como
se fosse um golpe vibrado à nossa superioridade. Muitas vezes é acompanhada do desejo
de ver o próximo privado do bem que nos faz sombra.
Nasce, pois, do orgulho este vício, que não pode tolerar superiores nem rivais.
Quando um está convencido da própria superioridade, entristece-se, ao ver que outros são
tão bem, ou melhor, dotados que ele, ou que ao menos alcançam maiores triunfos. Objeto
da inveja são, sobretudo as qualidades brilhantes; contudo em homens sérios também o
podem ser as qualidades sólidas e até a virtude.
Manifesta-se este defeito pela mágoa que um sente, ao ouvir louvar os outros; e
então procura-se atenuar esses elogios, criticando os que são louvados.
B) Muitas vezes confunde-se a inveja com o ciúme; quando se distinguem, define-se
este como um amor excessivo do seu próprio bem, acompanhado do temor de que nos
seja arrebatado por outros. Este era, por exemplo, o primeiro do seu curso; notando os
progressos dum condiscípulo, começa a ter-lhe ciúme, porque receia que ele lhe leve o
primeiro lugar. Aquele possui a afeição dum amigo: começando a temer que ela lhe seja
disputada por um rival, entra a ter ciúmes. Aquele outro tem uma numerosa clientela, e
entra a recear que ela diminua por causa dum concorrente. Daí aquele ciúme que por
vezes grassa entre profissionais artistas, literatos, e às vezes até sacerdotes. Numa
palavra, tem-se inveja do bem de outrem e ciúme do seu próprio bem.
C) Há diferença entre a inveja e a emulação: esta é um sentimento louvável que nos
leva a imitar, igualar, e, se possível for, a sobrepujar as qualidades dos outros, mas por
meios leais.
Os mestres de espiritualidade indicam quatro sinais para conhecer a inveja:
1. Alegrar-se com o mal alheio: como quando sentimos prazer no nosso coração por
qualquer insucesso ou fracasso do próximo. Nas comunidades acontece isto mais
raramente do que no mundo, mas acontece; ao menos provamos a tentação.
2. Entristecer-se com o bem alheio. Às vezes, podemos provar um pouco de tristeza
ao constatar que a outros foram confiados cargos mais importantes que a nós, etc. Não é
nada impossível que isto aconteça nas comunidades!
3. Reprimir os louvores dados aos outros. Quando percebemos que alguém é
louvado, logo avançamos uma palavra: “Sim, sim, tem belas qualidades, mas lhe falta um
pouco disto...; se tivesse este outro requisito, seria mais perfeito, etc.” Temos o gostinho de
tirar alguma coisa. Não podendo negar o louvor, fazemo-lo com avareza, com reserva;
enfim, procuramos deprimir a pessoa elogiada com algum atenuante. Quanta maldade em
tudo isso! E acontece com freqüência.
4. Detrair do próximo. É o espírito de detração, motivado pela inveja do bem alheio.
Não é sempre que difamamos abertamente, mas de maneira velada, sim. São João
Crisóstomo afirma que os invejosos são piores que o diabo, pois o diabo não inveja os
outros diabos, ao passo que os homens não respeitam sequer os participantes da sua
própria natureza. “Cachorro não devora cachorro” — diz um provérbio; nós, entretanto,
embora não nos degrademos com a destruição dos nossos semelhantes, todavia os
destruímos moralmente, mordendo sua fama.
2.° Malícia. Pode-se estudar esta malícia em si e nos seus efeitos.
A) Em si, é a inveja pecado mortal de sua natureza, porque é diretamente oposto à
virtude da caridade, que exige que nos regozijemos do bem dos outros: “A inveja é um
vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do desejo imoderado de
sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um grave mal ao próximo, é um pecado
mortal” (Catecismo da Igreja Católica). Quanto mais importante é o bem que se inveja, tanto mais
grave é o pecado. Diz Santo Tomás de Aquino: “Ter inveja dos bens espirituais do próximo,
entristecer-se dos seus progressos ou dos seus triunfos apostólicos é gravíssimo pecado”.
É isto verdade, quando estes movimentos de inveja são plenamente consentidos; muitas
vezes, porém, não passam de impressões ou sentimentos irrefletidos, ou ao menos pouco
refletidos e voluntários: neste último caso, não passa de venial a falta.
B) Nos seus efeitos, é a inveja muitas vezes sobremaneira culpável:
a) Excita sentimentos de ódio: corre-se risco de odiar aqueles de que se tem inveja
ou ciúme, e, por conseqüência, de falar mal deles, de os desacreditar, caluniar ou de lhes
desejar mal.
b) Tende a semear divisões, não somente entre estranhos, mas até no seio das
famílias (recorde-se a história de José), ou entre famílias aliadas; e estas divisões podem ir
muito longe e criar inimizades e escândalos. É ela que por vezes divide os católicos duma
região, com grandíssimo detrimento do bem da Igreja.
c) Impele à conquista imoderada das riquezas e das honras: para sobrepujar
aqueles a quem tem inveja, entrega-se o invejoso a excessos de trabalho, a manobras
mais ou menos leais, em que se encontra comprometida a honradez.
d) Perturba a alma do invejoso: não há paz nem sossego, enquanto não consegue
eclipsar, dominar os próprios rivais; e, como é muito raro que se chegue a alcançá-los,
vive-se em perpétuas angústias.
Remédios. São negativos ou positivos.
A) Os meios negativos consistem: a) Em desprezar os primeiros sentimentos de
inveja ou ciúme que se levantam no coração, em os esmagar como coisa ignóbil, à
maneira de quem esmaga um réptil venenoso; b) Em desviar o pensamento para outra
coisa qualquer; e, depois de restabelecido o sossego, refletir então que as qualidades do
próximo não diminuem as nossas, antes nos são incentivo para as imitarmos.
B) Entre os meios positivos, há dois mais importantes:
a) O primeiro tira-se da nossa incorporação em Cristo: em virtude deste dogma,
somos todos irmãos, todos membros do corpo místico que tem a Jesus por cabeça, e tanto
as qualidades como os triunfos dum desses membros redundam sobre os demais; em vez,
pois, de nos entristecermos, devemos antes regozijar-nos da superioridade dos nossos
irmãos, segundo a bela doutrina de São Paulo, já que ele contribui para o bem comum e
até mesmo para o nosso bem particular. Se forem as virtudes dos outros que invejamos:
“Em lugar de lhes termos inveja e ciúme por essas virtudes, o que muitas vezes sucede
por sugestão do diabo e do amor próprio, devemos unir-nos ao Espírito Santo de Jesus
Cristo no Santíssimo Sacramento, honrando nele o manancial destas virtudes e pedindo-
lhe a graça de participar e comungar nelas; e vereis quanto esta prática vos será útil e
vantajosa” (J. J. Olier).
b) O segundo meio é cultivar a emulação, esse sentimento louvável e cristão, que
nos leva a imitar e sobrepujar até, apoiando-nos na graça de Deus, as virtudes do próximo.
Para ser boa e se distinguir da inveja, deve ser a emulação cristã: 1) Honesta no seu
objeto, isto é, ter por objeto não os triunfos, senão as virtudes dos outros, para as imitar; 2)
Nobre na sua intenção, não procurando triunfar dos outros, humilhá-los, dominá-los, senão
tornar-se melhor, se é possível, para que Deus seja mais honrado e a Igreja mais
respeitada; 3) Leal nos seus meios de ação, utilizando, para chegar a seus fins, não a
intriga, a astúcia, ou qualquer outro processo ilícito, senão o esforço, o trabalho, o bom uso
dos dons divinos.
Assim entendida, é a emulação remédio eficaz contra a inveja, porque não fere em
nada a caridade e é, ao mesmo tempo, um excelente estímulo. E na verdade, considerar
como modelos os melhores dentre os nossos irmãos para os imitar, ou até mesmo para os
sobrepujar, é, afinal, reconhecer a nossa imperfeição e querer dar-lhe remédio,
aproveitando os exemplos dos que nos rodeiam. Não é, na realidade, aproximar-se do que
fazia São Paulo, quando convidava os seus discípulos a ser seus imitadores como ele o
era de Cristo, e seguir os conselhos que dava aos cristãos de se considerarem
mutuamente, para excitarem à caridade e às boas obras. E não é isto entrar no espírito da
Igreja, que, propondo os Santos à nossa imitação, nos provoca a uma nobre e santa
emulação? Assim não será para nós a inveja senão uma ocasião de praticar a virtude.
REMÉDIOS PARA COMBATER A INVEJA
(Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual)
O primeiro é sempre a oração: pedir a Nosso Senhor que nos faça conhecer que
somos invejosos e nos dê a graça de vencer-nos.
Segundo: examinar-nos sobre a inveja, especialmente na confissão, arrependermo-
nos e fazer o propósito de usar os meios práticos para nos emendar. Em geral, temos certa
preguiça de aprofundar os nossos exames de consciência, por medo de nos conhecermos
e, conseqüentemente, ter que nos corrigir.
O terceiro remédio nos é proposto por São Bernardo: considerar a inutilidade da
inveja. Realmente, é uma tolice invejar os outros. Quem tem, tem; e não lho posso tirar.
Em todo o caso, posso pedir a Deus que conceda também a mim todas as boas
qualidades que descubro no confrade.
Quarto: considerar os prejuízos que a inveja causa à alma e ao corpo. A inveja é
uma tristeza, uma melancolia, uma espécie de doença de coração. Bem sabeis o que
acontece num lugar, quando duas famílias se invejam: dizemos que são corroídas pela
inveja! Muitas vezes a inveja corrói também os seus bens materiais. “Ela não traz nenhum
proveito à alma e ao corpo, mas muitos prejuízos”, afirma São Bernardo de Claraval.
Quinto: abater a soberba, mãe da inveja. Um Padre da Igreja exclama: “Sufoca a
mãe e não terás a filha!” Destruindo a causa, destruímos também o efeito. O humilde
coloca-se debaixo dos pés de todos e não é invejoso.
Sexto: alegrar-nos com o bem que Deus concedeu a outros, como se fosse nosso.
Reparando que um colega reza devotamente, cuidarei de imitá-lo e ao mesmo tempo me
alegrarei. Se não somos capazes de fazer o bem, devemos ao menos alegrar-nos de que
haja alguém capaz de suprir as nossas imperfeições e de atrair as bênçãos de Deus. Na
comunidade, o bem individual é bem de todos.
O sétimo remédio consiste em “desejar e pedir para os outros o bem que desejamos
para nós, e mais copioso ainda”. Lê-se no livro da Sabedoria: “Eu estudei lealmente e
reparto sem inveja” (Sb 7,13). Reparto de bom grado as minhas idéias com os outros, minhas
qualidades e dons, sem inveja e sem engano. Um colega tem dificuldade de aprender; pois
bem, durante o recreio me aproximo dele e lhe repito a lição. A inveja me poderá sussurrar:
“Depois quem faz bonito é ele!” Que importa? Prouvera a Deus que todos aprendessem
bem e se tornassem pregadores à altura! Honraríamos a comunidade.
OS REMÉDIOS PARA COMBATER A INVEJA
(São Basílio Magno)
1. Avaliar as coisas mundanas pelo que valem: Elas não dão a felicidade: são
porventura felizes e ricos, são acaso mais contentes do que nós as pessoas honradas pelo
mundo?
2. Nenhuma utilidade pode derivar da inveja: Assim como a ferrugem consome o
ferro, assim também a inveja não faz outra coisa senão roer o invejoso. Ela é como um
caruncho, é como uma serra e é como uma víbora na alma. Que é que ganham, pois, os
invejosos?
3. De todo bem Deus é o senhor: E os distribui conforme os seus desígnios
mistérios.
Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou
outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio
Lopes FP.
Depois de autorizado, é preciso citar:
Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Inveja: Sexto vício capital”
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